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Reserva cognitiva ao longo da vida

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
Isadora Balbinot Bortolo, Janaina A. Lodi, Lívia S. Marques, Natália V. de Avila, Pedro
Henrique de Melo e Silva;
Relação da formação da reserva cognitiva e os hábitos ao longo da vida
Florianópolis - SC
2022
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 3
2 AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DA RESERVA COGNITIVA 6
2.1 FATORES QUE CONTRIBUEM COM A FORMAÇÃO DA RC 8
2.2 O PENSAMENTO DIVERGENTE E O IMPACTO NA RC 10
3 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS 12
REFERÊNCIAS 13
2
1 INTRODUÇÃO
Enquanto questão social e de saúde pública, o envelhecimento é um tema inevitável.
Ao considerar isso, podemos dizer que o trabalho de prevenção no sentido de preparação para
essa fase da vida se faz necessário, sendo a infância a primeira fase em que pode ser
trabalhada (Schoentgen, Gagliardi e Défontaines, 2020).
A neuropsicologia - ciência que estuda as funções cognitivas e suas bases biológicas
(Rodrigues, 1993) - observa também o comportamento neurológico durante o envelhecimento
e, com isso, traz conceitos e construtos1 sobre o tema.
Um desses conceitos é o de reserva, ou resiliência. Conforme Barulli e Stern (2013), o
cérebro humano consegue trabalhar de forma compensatória quando alguma patologia ou
envelhecimento normal afeta as redes neurais responsáveis por determinadas tarefas -
demandando que redes alternativas sejam ativadas para completá-las. Indivíduos com maiores
reservas teriam mais sucesso com esse "recurso" compensatório. Para Bartrés-Faz et al.
(2020), a reserva explicaria, portanto, diferenças na cognição e funções cerebrais em
indivíduos enfrentando as mesmas doenças do envelhecimento e/ou do cérebro.
Baseando-se em alguns outros autores, Rodrigues (2021) apresenta a diferença entre
dois tipos de reserva: reserva cerebral (RC) e reserva cognitiva (RC):
Ainda que paralelas, elas enfrentam de formas distintas o dano neurológico,
sendo: passiva e ativa. No modelo passivo (reserva cerebral), a reserva vai
se dar mediante as características de substrato anatômico - tamanho cortical,
número de neurônios ou sinapses (Katzman, 1993). Entretanto, o modelo
passivo acabou se tornando insuficiente para explicar os déficits
encontrados, pois era possível encontrar sujeitos com volumes cerebrais
parecidos e traumas/lesões semelhantes, mas com funcionamento cognitivo
e funcional diferente entre si (visto exemplo acima) (Landenberger,
Cardoso, Oliveira & Argimon, 2019).
Já o modelo ativo (reserva cognitiva), a diferença em nível de
funcionamento cognitivo e funcional se daria pelo esforço ativo e eficiente
do cérebro em compensar a lesão fazendo uso de processo cognitivos já
existentes ou de processos compensatórios (Stern 2009, 2017;
Landenberger, Cardoso, Oliveira & Argimon, 2019). (Rodrigues, 2021,
p.06).
Enquanto a reserva cerebral é um fator determinado biologicamente, a reserva
cognitiva não é fixa. Esta pode ser influenciada por exemplo por interações in-utero ou em
1 Um construto é um conceito ou construção puramente teórica.
3
https://www.frontiersin.org/people/u/945645
https://www.frontiersin.org/people/u/980753
experiências ao longo da vida, como educação recebida, ocupação, prática de atividades
físicas, atividades de lazer e sociais (Bartrés-Faz et al., 2020).
Espera-se que essas experiências adquiridas ao longo dos anos reflitam em uma
melhor convivência com certa patologia (Resende et al., 2018). Na figura 1, podemos
observar o exemplo do modelo da reserva de Stern - o impacto de uma patologia na cognição
de indivíduos com maior ou menor nível de reserva cognitiva, sendo que em um indivíduo
que possui maior reserva, o dano pode não chegar no limiar de funcionamento das
capacidades cognitivas (Stern, 2002, apud Dias, 2020).
Figura 1. Impacto da reserva cognitiva por Stern
Fonte: Dias, 2020
Na figura 2, abaixo, temos uma representação gráfica da modificação das capacidades
cognitivas de dois indivíduos com diferentes níveis de RC ao serem impactados pela doença
de Alzheimer.
4
Figura 2. Evolução das funções cognitivas em relação à neuropatologia da doença de Alzheimer
Fonte: Adaptado de Barulli & Stern (2013)
O gráfico mostra um estado cognitivo (eixo y) mais elevado no caso da pessoa com
maior reserva cognitiva e os sinais de demência começam a aparecer mais tarde em
comparação com a pessoa com menor RC. Isso faz com que a partir do momento que sinais
clínicos da doença começam a aparecer no indivíduo com maior RC, eles evoluem mais
rápido (Barulli e Stern, 2013).
Se tratando de um construto, ainda há muito a se explorar para que se possa
caracterizar as reservas propriamente. Não se sabe ainda como ocorre a interação das reservas
com as patologias cerebrais a nível biológico, nem se tem uma definição consolidada sobre a
forma de medir o nível de reserva de um indivíduo, apesar de alguns métodos já serem
utilizados com esse propósito (Bartrés-Faz et al., 2020).
Este trabalho busca apresentar sobre a formação da reserva cognitiva ao longo da vida
e sua formação ao longo dos anos. Levando a reflexão, quais são os fatores que impactam
para que indivíduos tenham maiores níveis de RC durante a vida?
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2 AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DA RESERVA COGNITIVA
Para compreender a reserva cognitiva é importante analisar dois modelos que
explicam como os indivíduos reagem ao envelhecimento, patologia ou lesão cerebral.
(Landenberger et al., 2021) O primeiro é chamado de modelo passivo, ou reserva cerebral
(BRC), que se define como “...a quantidade de dano cerebral que pode ser sustentada antes da
expressão clínica de uma doença” (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008, p. 173), tudo isso
através de características como tamanho do cérebro e número de neurônios, sendo algo bem
individual ao limiar de cada indivíduo.
Já o segundo modelo, e o foco da presente escrita, são os ativos, que se dão quando o
“...cérebro tenta ativamente compensar as tarefas ambientais” (Baldivia, Andrade & Bueno,
2008, p. 174), sendo dois tipos, a reserva cognitiva (RC) e a compensação neuronal (CN). Os
dois trabalham de forma complementar, para que seja possível lidar com as tarefas e utilizar
estratégias para compensar, por exemplo, uma lesão cerebral.
Segundo Baldivia, Andrade e Bueno (2008, p.174) “A reserva cognitiva também pode
ser definida como a capacidade de otimizar ou maximizar o desempenho por meio do
recrutamento diferencial de redes cerebrais”. Já a compensação neural (CN), “implica um
esforço para maximizar o desempenho em caso de dano cerebral usando áreas alternativas e
vias de rede” (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008, p. 174).
A RC não é imutável, pelo contrário, ela pode ser estimulada ao longo da vida, e
alguns fatores contribuem para a sua formação, como, ambientais (incluindo nível
socioeconômico), genéticos, comportamentais e sociais, (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008).
Portanto, como tudo isso pode ser atribuído a reserva cognitiva? É possível ser quantificado
cada um dos itens?
Para considerar diversos fatores da experiência de vida do indivíduo foi elaborada, na
Espanha, a Escala de Reserva Cognitiva (ERC), que seria capaz de obter uma medida
aproximada de RC se baseando no modelo de Stern (2013) (Landenberger, et al., 2021). Mais
detalhadamente:
A escala é composta de 24 itens, relativos a atividades cognitivamente
estimulantes, subdivididos em quatro categorias: 1) Atividades de vida
diária, 2) Formação-informação, 3) Hobbies/passatempos e 4) Vida social.
Cada item é respondido em uma escala Likert (0-4), de acordo com a
frequência com que realizou cada uma das atividades em três diferentes
estágios de sua vida - Juventude (18-35 anos), Adultez (36-64 anos) e
Maturidade (a partir de 60 anos).” (Landenberger, et al., 2021, p.754).
6
A escala original, como citado acima, foi desenvolvida na Espanha, adaptada para a
população italiana e, a pesquisa de Landenberger et al. (2021), foi a primeira adaptação da
escala para a população brasileira, com objetivode “descrever os procedimentos de tradução
e adaptação da ERC para o português brasileiro e apresentar as primeiras evidências de
validade da escala” (Landenberger, et al., 2021, p. 755).
O estudo não foi tão abrangente no quesito quantidade de amostra, pois no total foram
132 participantes no Rio Grande do Sul (BR), sendo 31 adultos de 40 a 59 anos de idade e
101 idosos ≥ 60 anos de idade (Landenberger, et al., 2021). Por ser uma escala que considera
múltiplos fatores, foram utilizados outros testes em conjunto para uma maior análise de
dados, como o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), Escala Wechsler Abreviada de
Inteligência (WASI), Escala Baptista de Depressão (EBADEP) e Questionário
Sociodemográfico (Landenberger, et al., 2021).
No estudo foram medidas a ERC em relação à escolaridade, ocupação e QI. Iniciando
com a escolaridade, Landenberger et al. (2021, p. 762) identificaram que há maior variação
de RC “entre os níveis analfabeto/fundamental I, ensino fundamental II e os que completaram
o ensino médio.”, pois sujeitos que completaram níveis de ensino acima do médio (superior,
pós-graduação, etc.) obtiveram maiores escores na ERC do que aqueles com níveis inferiores.
Corroborando com os dados, a pesquisa de Herrera et al. (2002) identificou que a
demência teve uma variação de 3,5% em idosos com oito ou mais anos de estudo e uma
variância de 12% entre analfabetos. Portanto, conclui-se que o período de séries iniciais
impactam, dentre outras coisas, diretamente no envelhecimento saudável, pois além de
desenvolver a leitura, escrita e cálculo, ainda possibilita “condições para que o indivíduo
tenha desenvolvimento pessoal e participação ativa na sociedade” (Santos, 2003, p. 12).
Já no que se refere à ocupação afetou diretamente o escore na ERC, pois os indivíduos
com níveis profissionais mais baixos tiveram escores menores comparados aos indivíduos
com níveis médio e alto (Landenberger, et al., 2021). Portanto, quanto maior o nível de
exigência mental da atividade do trabalho, além de concentração e exatidão, mais ativo o
cérebro se mantém cognitivamente e menor o risco do desenvolvimento de um atraso
cognitivo. Além disso, a conexão social, a variância de raciocínio e o senso de autoeficácia
são pontos importantes para a RC (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008).
Landenberger et al. (2021) mencionam que a ocupação de alto nível cognitivo,
alinhado à leitura e atividade física pode compensar a RC mesmo em indivíduos com baixos
níveis de escolaridade. Corroborando com esse dado, Baldivia e Bueno (2008, p.177)
7
identificaram que um melhor desempenho no “Rey Cópia de Figura Complexa (uma medida
de planejamento executivo)” tinham maiores complexidades atribuídas ao nível de trabalho, e
isso era quantificável independente de outras variáveis (nível de escolaridade, nível
socioeconômico, etc.). Portanto, "Os autores concluíram que a complexidade do trabalho
como medida de RC pode estar associada à manutenção do poder executivo” (Baldivia,
Andrade & Bueno, 2008, p. 177).
Por fim abrangeram-se os dados de QI pesquisa de Landenberger et. al (2021), onde
percebe-se algumas variâncias consideráveis, sendo a primeira uma surpresa, já que não
foram “identificadas associações entre escores da ERC e QI total , QI verbal, nem QI
executivo, mesmo quando controlados efeitos de sexo e de idade (QI total, p = 0,264; QI
verbal, p = 0,823; QI executivo, p = 0,128).” (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008, p. 161).
Portanto, neste estudo não foi possível associar ERC ao QI.
Porém, em relação a variável demográfica, classificação econômica e sintomas de
depressão, houveram maior variância na ERC, na amostra geral e de idosos (quanto maior a
idade, menor é o ERC), assim como indivíduos com maiores níveis econômicos (A, B1 e B2)
tiveram maiores escores. Sendo inovador para a pesquisa, já que não havia sido relatado
anteriormente em estudos de ERC (Landenberger, et al., 2021). Completando a ideia:
É possível considerar que indivíduos de classes mais altas, especialmente
em países em desenvolvimento como o Brasil, tenham maior
disponibilidade para dedicarem-se aos estudos, ocupem atividades
profissionais de maior exigência cognitiva, bem como, tenham maior acesso
a atividades cognitivamente estimulantes como cursos, viagens, eventos
culturais, etc. (Landenberger, et al., 2021, p. 762).
2.1 FATORES QUE CONTRIBUEM COM A FORMAÇÃO DA RC
Dimensionar e determinar com exatidão como se dá a formação da Reserva Cognitiva
ainda é um desafio para a ciência. Entretanto, atualmente, há uma concordância no meio
acadêmico e científico frente ao pressuposto de que a Reserva Cognitiva está relacionada à
exposição do indivíduo frente a diversos estímulos ao longo da vida, como educação,
trabalho, lazer e atividade física (Stern et al., 2020). Nesse sentido, a exposição do sujeito a
esses estímulos pode favorecer o desenvolvimento de um cérebro mais resiliente e flexível
frente às exigências do meio e a demandas de algumas patologias, possibilitando prever e
compreender os motivos que levam a alguns indivíduos responderem melhor frente a certos
quadros patológicos do que outros (Richards e Sacker, 2003; Stern e Barulli, 2019;)
Assim como afirma Richards e Sacker (2003), tradicionalmente a formação da reserva
cognitiva é amplamente associada à educação, não só por ser um fator mais explícito, e mais
8
fácil de ser quantificado, como também por ser precursora (ainda que indiretamente) do
desenvolvimento de outros aspectos que aparentam estar relacionados a formação da reserva
cognitiva, como hábitos mais saudáveis e prosperidade econômica. O estudo realizado por
Bennett et al. (2003), por exemplo, cujo método utilizado foi acompanhar 130 idosos,
submetendo-os a testes recorrentes de funções cognitivas e a autópsia cerebral no momento
da morte, através da observação de placas neuríticas, placas difusas e emaranhados
neurofibrilares, registrou uma relação inversamente proporcional entre o nível educacional e
a manifestação da Doença de Alzheimer, evidenciando a existência de uma relação entre o
nível de reserva cognitiva e a educação formal.
Vale ressaltar que, assim como pontua Vernaglia (2019), atividades intelectuais
consideradas não acadêmicas também podem ser capazes de contribuir com a formação de
uma rede neuronal flexível e mais abrangente, corroborando com a formação da reserva
cognitiva. Do mesmo modo, ainda de acordo com a mesma autora, o nível de escolaridade
formal no Brasil não é uma fonte segura para avaliar as habilidades aprendidas pelos sujeitos,
tendo em vista que é marcada pela baixa qualidade de ensino, a heterogeneidade da educação
e pela evasão escolar.
Recentemente, a formação da reserva cognitiva vem sendo associada ao bilinguismo.
Nesse sentido, de acordo com Bialystok (2021), ainda que esta condição não seja um fator
que garanta a não-manifestação de quadros de demência, como Alzheimer, indivíduos
bilíngues têm mais resistência frente à manifestação de sintomas. Semelhantemente, o estudo
de Alladi et al (2015), que examinou a relação entre o bilinguismo e o resultado cognitivo
após um acidente vascular cerebral (AVC), em 608 indivíduos que tiveram AVC, concluiu
que a porcentagem de indivíduos com as funções cognitivas preservadas após o AVC era duas
vezes maior entre indivíduos bilíngues. A mesma pesquisa aponta não ter encontrado relação
entre ser bilíngue e os fatores de risco de sofrer um AVC.
Aspectos sociais são outros dos fatores para a existência da reserva e se mostraram em
diversos estudos como essenciais nesse contexto (Shoentgen, Gagliardi & Défontaines,
2020). O nível socioeconômico de uma pessoa é responsável por ditar muita coisa de sua
vivência, o acesso a educação, a literatura, experiências culturais diversas, a complexidade do
seu trabalho e até a prevalência de atividades físicas em sua rotina. As atividades físicas por
si só favorecem a neuroplasticidade, um maior volume do cérebro, além de alterações
funcionaise estruturais no encéfalo (Vernaglia, 2019). Alguns outros estudos foram feitos até
então buscando uma melhor compreensão de como essas particularidades sociais interferem
no funcionamento do cérebro e na formação da reserva cognitiva em seus aspectos mais
9
microscópicos, mas ainda é difícil de estabelecer um padrão confiável justamente por estarem
imersos em diversos contextos.
Além do nível socioeconômico é importante a atenção sobre o quanto as relações
sociais também podem contribuir para a formação da reserva cognitiva. O ser humano como
um ser social foi constituído a partir da sua relação com o outro e é inegável que a
convivência traz mudanças para o cérebro e para a cognição. E mais do que isso, estudos
demonstraram que relações sociais “saudáveis” estariam associadas a benefícios cognitivos
ao passo que conflitos estariam relacionados a uma menor velocidade de processamento de
informação. (Trejo & Reynoso-Alcántara, 2019).
A ocupação profissional das pessoas também foi tema de estudo no campo das
neurociências para uma melhor compreensão das reservas cognitivas (Baldivia, Andrade e
Bueno, 2008), e de acordo com Vernaglia (2019), taxistas ingleses que tinham que dirigir
usando somente a memória tinham hipocampo posterior com maior volume do que motoristas
que dirigiam por rotas fixas. A relação do trabalho com o melhor desenvolvimento da reserva
cognitiva foi bastante associada com estudos da escolaridade. O trabalho, apesar de ter
características diferentes de uma escola, desenvolve competências específicas, sendo o nível
de complexidade do trabalho um dos maiores fatores que determinam se uma pessoa terá uma
maior ou uma menor reserva cognitiva, profissionais de atividades menos estimulantes,
operários por exemplo, tiveram maiores índices de demência nas pesquisas.
2.2 O PENSAMENTO DIVERGENTE E O IMPACTO NA RC
Com o objetivo de investigar a relação entre e a reserva cognitiva e a criatividade -
com foco principal no pensamento divergente (PD) - Mendes et al. (2020) apresenta uma
pesquisa contando com a participação de 53 Portugueses, de idade avançada e sem problemas
cognitivos.
A criatividade é conceituada por Mendes et al. (2020) de acordo com outros autores,
como sendo “um conjunto de processos cognitivos que facilitam a criação de produtos finais
inovadores (ou seja, originais ou atípicos) e relevantes (ou seja, úteis ou funcionais)”. Além
disso, a criatividade é comumente estudada através da análise do pensamento divergente
(PD), que pode ser explicado como a habilidade de buscar novas soluções e ideias para um
problema em aberto
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Mendes et al. (2020) ressalta que o pensamento divergente (PD) representa mais o
potencial de criatividade do que um construto que define todo um processo criativo - uma vez
que o processo criativo envolve mais coisas, como por exemplo, o pensamento convergente.
Estudos associando a criatividade e a reserva cognitiva são significantemente novos;
introduzido por Palmiero, Giacomo & Passafiume (2016) defendeu-se que a criatividade pode
representar um fator de proteção em declínio cognitivo e também como estímulo para elevar a
RC.
Parece haver alguma sobreposição entre regiões cerebrais importantes
para as funções executivas que podem apoiar a RC no envelhecimento
saudável e os aspectos DT da criatividade (Beaty et al., 2016;
Colangeli et al., 2016; Palmiero et al., 2017). Nesse sentido, é
razoável levantar a hipótese de que alguns dos processos cognitivos
implicados na realização de tarefas criativas devem estar parcialmente
relacionados aos envolvidos na Reserva Cognitiva. (Mendes. et al.,
2020, p. 230).
Colombo, Antonietti & Daneau (2018) argumentam que a criatividade e a reserva
cognitiva podem ter ao menos três processos cognitivos em comum, e também que as
estratégias alternativas usadas para entender e lidar com declínios advindos do
envelhecimento ou de alguma disfunção cerebral – característica central da definição de RC
que pode ser associada a flexibilidade cognitiva – talvez envolvem processos cognitivos
subjacentes que são indissociáveis do pensamento criativo. Para Antonietti e Colombo (2013,
2016) esses processos cognitivos são: alargamento, conexão e reorganização.
O estudo contou com 53 participantes provenientes de centros comunitários da cidade
de Funchal em Portugal. A pesquisa tinha como critério que os participantes: (a) tivessem
mais de 60 anos de idade; (b) Obtivesse um resultado normal no teste The Mini-Mental State
Examination (MMSE) - eliminando assim a possibilidade de impedimentos cognitivos; (c)
tivessem acuidade visual e auditiva o suficiente.
A pesquisa foi desenvolvida através da Prova de Criatividade (ProCriativ) e do
Questionário de Reserva Cognitiva (QRC) e tinha como objetivo explorar a relação entre o
pensamento divergente e a RC. Através do Teste de Criatividade (ProCriativ) seria possível
coletar medidas sobre quatro principais componentes do PD: “1) fluência - número de
respostas, 2) flexibilidade - número de categorias diferentes, 3) elaboração - número de
detalhes enriquecedores nas respostas, e 4) originalidade - número de respostas pouco
frequentes” (Mendes. et al., 2020, p. 231), contudo foi abordado no estudo somente três
elementos do pensamento divergente: fluência, flexibilidade e elaboração.
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A pesquisa constatou que existe uma relação subjacente entre a criatividade e a
reserva cognitiva, gerando algumas limitações em relação às primeiras hipóteses sobre
criatividade e RC. Contudo, a análise de correlação mostrou que a fluência e a flexibilidade
foram positiva e significativamente associada à RC. Mendes et al. sugerem também que o
processo ao gerar um número maior de respostas ou ideias de categorias diferentes -
habilidades necessárias em processos executivos como a flexibilidade - está relacionado aos
maiores níveis de RC. Além disso, em relação à análise de regressão, a flexibilidade foi o
único preditor significativo da reserva cognitiva (Mendes. et al., 2020).
Mendes et al. também hipotetizam que as divergências com outros estudos, como o de
Colombo et al. (2018) e Palmiero et al. (2016) - onde colocam a fluência e a originalidade
como os preditores mais significativos para a proxy da RC -, se dá por a RC não envolver
tanta fluência, mas principalmente flexibilidade cognitiva, que é a essência do índice de
flexibilidade do pensamento divergente.
Não foi possível obter através da pesquisa de Mendes et al. (2020) um resultado
absoluto sobre a relação entre a criatividade - pensamento divergente - e o desenvolvimento
da reserva cognitiva. No entanto, houveram resultados positivos quanto à aspectos da fluência
e flexibilidade com relação à reserva cognitiva , além disso, a pesquisa traz novos caminhos e
possibilidades de estudo para o campo.
3 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo sobre a reserva cognitiva é ainda pouco especializado, no sentido de que
aparece, na maioria das vezes, incluído em outras pesquisas. É bastante citado em artigos que
estudam a doença de Alzheimer, por exemplo, e explicam o impacto da reserva cognitiva na
forma como os pacientes convivem com a doença.
Dessa forma, as respostas para algumas perguntas sobre o tema ainda ficam em aberto
na literatura: como medir a reserva cognitiva? Como a reserva interage com as patologias
cerebrais? Quais as faixas etárias mais propícias para desenvolvimento da reserva cognitiva e
de que forma ele ocorre em cada uma? Entre outras.
No âmbito da neuropsicologia, é amplamente aceita a ideia de que o cérebro da
criança possui mais plasticidade do que o do adulto e, com isso, estudos em relação à reserva
cognitiva indicam a infância como o melhor período para seu desenvolvimento. Ainda assim,
alguns estudos mostraram que os esforços em indivíduos mais velhos também têm potencial
de aumentar a reserva cognitiva, embora provavelmente com menor impacto.
12
Foi possível observar a conotação social do tema durante o desenvolvimento deste
trabalho.Sendo amplamente relacionada com acesso a experiências estimulantes e de
qualidade, a formação da reserva é impactada pelo fator socioeconômico do indivíduo. Além
disso, Baldivia et al. (2008) reforça como esse fator deve ser considerado ao tratar de RC,
acrescentando que se assume um padrão inexistente na qualidade educacional quando
assumimos "anos de escolaridade" como medida de RC.
Ao tratar o tema como um fator preventivo para doenças neurológicas e reflexos do
envelhecimento normal, é possível ver a reserva cognitiva como um aliado na preparação da
população para um envelhecimento mais saudável. Entender os fatores que tornam uma
pessoa mais ou menos resiliente é importante para que sejam propostas políticas públicas que
favoreçam aqueles e diminuam esses.
13
REFERÊNCIAS
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