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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA Isadora Balbinot Bortolo, Janaina A. Lodi, Lívia S. Marques, Natália V. de Avila, Pedro Henrique de Melo e Silva; Relação da formação da reserva cognitiva e os hábitos ao longo da vida Florianópolis - SC 2022 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 3 2 AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DA RESERVA COGNITIVA 6 2.1 FATORES QUE CONTRIBUEM COM A FORMAÇÃO DA RC 8 2.2 O PENSAMENTO DIVERGENTE E O IMPACTO NA RC 10 3 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS 12 REFERÊNCIAS 13 2 1 INTRODUÇÃO Enquanto questão social e de saúde pública, o envelhecimento é um tema inevitável. Ao considerar isso, podemos dizer que o trabalho de prevenção no sentido de preparação para essa fase da vida se faz necessário, sendo a infância a primeira fase em que pode ser trabalhada (Schoentgen, Gagliardi e Défontaines, 2020). A neuropsicologia - ciência que estuda as funções cognitivas e suas bases biológicas (Rodrigues, 1993) - observa também o comportamento neurológico durante o envelhecimento e, com isso, traz conceitos e construtos1 sobre o tema. Um desses conceitos é o de reserva, ou resiliência. Conforme Barulli e Stern (2013), o cérebro humano consegue trabalhar de forma compensatória quando alguma patologia ou envelhecimento normal afeta as redes neurais responsáveis por determinadas tarefas - demandando que redes alternativas sejam ativadas para completá-las. Indivíduos com maiores reservas teriam mais sucesso com esse "recurso" compensatório. Para Bartrés-Faz et al. (2020), a reserva explicaria, portanto, diferenças na cognição e funções cerebrais em indivíduos enfrentando as mesmas doenças do envelhecimento e/ou do cérebro. Baseando-se em alguns outros autores, Rodrigues (2021) apresenta a diferença entre dois tipos de reserva: reserva cerebral (RC) e reserva cognitiva (RC): Ainda que paralelas, elas enfrentam de formas distintas o dano neurológico, sendo: passiva e ativa. No modelo passivo (reserva cerebral), a reserva vai se dar mediante as características de substrato anatômico - tamanho cortical, número de neurônios ou sinapses (Katzman, 1993). Entretanto, o modelo passivo acabou se tornando insuficiente para explicar os déficits encontrados, pois era possível encontrar sujeitos com volumes cerebrais parecidos e traumas/lesões semelhantes, mas com funcionamento cognitivo e funcional diferente entre si (visto exemplo acima) (Landenberger, Cardoso, Oliveira & Argimon, 2019). Já o modelo ativo (reserva cognitiva), a diferença em nível de funcionamento cognitivo e funcional se daria pelo esforço ativo e eficiente do cérebro em compensar a lesão fazendo uso de processo cognitivos já existentes ou de processos compensatórios (Stern 2009, 2017; Landenberger, Cardoso, Oliveira & Argimon, 2019). (Rodrigues, 2021, p.06). Enquanto a reserva cerebral é um fator determinado biologicamente, a reserva cognitiva não é fixa. Esta pode ser influenciada por exemplo por interações in-utero ou em 1 Um construto é um conceito ou construção puramente teórica. 3 https://www.frontiersin.org/people/u/945645 https://www.frontiersin.org/people/u/980753 experiências ao longo da vida, como educação recebida, ocupação, prática de atividades físicas, atividades de lazer e sociais (Bartrés-Faz et al., 2020). Espera-se que essas experiências adquiridas ao longo dos anos reflitam em uma melhor convivência com certa patologia (Resende et al., 2018). Na figura 1, podemos observar o exemplo do modelo da reserva de Stern - o impacto de uma patologia na cognição de indivíduos com maior ou menor nível de reserva cognitiva, sendo que em um indivíduo que possui maior reserva, o dano pode não chegar no limiar de funcionamento das capacidades cognitivas (Stern, 2002, apud Dias, 2020). Figura 1. Impacto da reserva cognitiva por Stern Fonte: Dias, 2020 Na figura 2, abaixo, temos uma representação gráfica da modificação das capacidades cognitivas de dois indivíduos com diferentes níveis de RC ao serem impactados pela doença de Alzheimer. 4 Figura 2. Evolução das funções cognitivas em relação à neuropatologia da doença de Alzheimer Fonte: Adaptado de Barulli & Stern (2013) O gráfico mostra um estado cognitivo (eixo y) mais elevado no caso da pessoa com maior reserva cognitiva e os sinais de demência começam a aparecer mais tarde em comparação com a pessoa com menor RC. Isso faz com que a partir do momento que sinais clínicos da doença começam a aparecer no indivíduo com maior RC, eles evoluem mais rápido (Barulli e Stern, 2013). Se tratando de um construto, ainda há muito a se explorar para que se possa caracterizar as reservas propriamente. Não se sabe ainda como ocorre a interação das reservas com as patologias cerebrais a nível biológico, nem se tem uma definição consolidada sobre a forma de medir o nível de reserva de um indivíduo, apesar de alguns métodos já serem utilizados com esse propósito (Bartrés-Faz et al., 2020). Este trabalho busca apresentar sobre a formação da reserva cognitiva ao longo da vida e sua formação ao longo dos anos. Levando a reflexão, quais são os fatores que impactam para que indivíduos tenham maiores níveis de RC durante a vida? 5 2 AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DA RESERVA COGNITIVA Para compreender a reserva cognitiva é importante analisar dois modelos que explicam como os indivíduos reagem ao envelhecimento, patologia ou lesão cerebral. (Landenberger et al., 2021) O primeiro é chamado de modelo passivo, ou reserva cerebral (BRC), que se define como “...a quantidade de dano cerebral que pode ser sustentada antes da expressão clínica de uma doença” (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008, p. 173), tudo isso através de características como tamanho do cérebro e número de neurônios, sendo algo bem individual ao limiar de cada indivíduo. Já o segundo modelo, e o foco da presente escrita, são os ativos, que se dão quando o “...cérebro tenta ativamente compensar as tarefas ambientais” (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008, p. 174), sendo dois tipos, a reserva cognitiva (RC) e a compensação neuronal (CN). Os dois trabalham de forma complementar, para que seja possível lidar com as tarefas e utilizar estratégias para compensar, por exemplo, uma lesão cerebral. Segundo Baldivia, Andrade e Bueno (2008, p.174) “A reserva cognitiva também pode ser definida como a capacidade de otimizar ou maximizar o desempenho por meio do recrutamento diferencial de redes cerebrais”. Já a compensação neural (CN), “implica um esforço para maximizar o desempenho em caso de dano cerebral usando áreas alternativas e vias de rede” (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008, p. 174). A RC não é imutável, pelo contrário, ela pode ser estimulada ao longo da vida, e alguns fatores contribuem para a sua formação, como, ambientais (incluindo nível socioeconômico), genéticos, comportamentais e sociais, (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008). Portanto, como tudo isso pode ser atribuído a reserva cognitiva? É possível ser quantificado cada um dos itens? Para considerar diversos fatores da experiência de vida do indivíduo foi elaborada, na Espanha, a Escala de Reserva Cognitiva (ERC), que seria capaz de obter uma medida aproximada de RC se baseando no modelo de Stern (2013) (Landenberger, et al., 2021). Mais detalhadamente: A escala é composta de 24 itens, relativos a atividades cognitivamente estimulantes, subdivididos em quatro categorias: 1) Atividades de vida diária, 2) Formação-informação, 3) Hobbies/passatempos e 4) Vida social. Cada item é respondido em uma escala Likert (0-4), de acordo com a frequência com que realizou cada uma das atividades em três diferentes estágios de sua vida - Juventude (18-35 anos), Adultez (36-64 anos) e Maturidade (a partir de 60 anos).” (Landenberger, et al., 2021, p.754). 6 A escala original, como citado acima, foi desenvolvida na Espanha, adaptada para a população italiana e, a pesquisa de Landenberger et al. (2021), foi a primeira adaptação da escala para a população brasileira, com objetivode “descrever os procedimentos de tradução e adaptação da ERC para o português brasileiro e apresentar as primeiras evidências de validade da escala” (Landenberger, et al., 2021, p. 755). O estudo não foi tão abrangente no quesito quantidade de amostra, pois no total foram 132 participantes no Rio Grande do Sul (BR), sendo 31 adultos de 40 a 59 anos de idade e 101 idosos ≥ 60 anos de idade (Landenberger, et al., 2021). Por ser uma escala que considera múltiplos fatores, foram utilizados outros testes em conjunto para uma maior análise de dados, como o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), Escala Wechsler Abreviada de Inteligência (WASI), Escala Baptista de Depressão (EBADEP) e Questionário Sociodemográfico (Landenberger, et al., 2021). No estudo foram medidas a ERC em relação à escolaridade, ocupação e QI. Iniciando com a escolaridade, Landenberger et al. (2021, p. 762) identificaram que há maior variação de RC “entre os níveis analfabeto/fundamental I, ensino fundamental II e os que completaram o ensino médio.”, pois sujeitos que completaram níveis de ensino acima do médio (superior, pós-graduação, etc.) obtiveram maiores escores na ERC do que aqueles com níveis inferiores. Corroborando com os dados, a pesquisa de Herrera et al. (2002) identificou que a demência teve uma variação de 3,5% em idosos com oito ou mais anos de estudo e uma variância de 12% entre analfabetos. Portanto, conclui-se que o período de séries iniciais impactam, dentre outras coisas, diretamente no envelhecimento saudável, pois além de desenvolver a leitura, escrita e cálculo, ainda possibilita “condições para que o indivíduo tenha desenvolvimento pessoal e participação ativa na sociedade” (Santos, 2003, p. 12). Já no que se refere à ocupação afetou diretamente o escore na ERC, pois os indivíduos com níveis profissionais mais baixos tiveram escores menores comparados aos indivíduos com níveis médio e alto (Landenberger, et al., 2021). Portanto, quanto maior o nível de exigência mental da atividade do trabalho, além de concentração e exatidão, mais ativo o cérebro se mantém cognitivamente e menor o risco do desenvolvimento de um atraso cognitivo. Além disso, a conexão social, a variância de raciocínio e o senso de autoeficácia são pontos importantes para a RC (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008). Landenberger et al. (2021) mencionam que a ocupação de alto nível cognitivo, alinhado à leitura e atividade física pode compensar a RC mesmo em indivíduos com baixos níveis de escolaridade. Corroborando com esse dado, Baldivia e Bueno (2008, p.177) 7 identificaram que um melhor desempenho no “Rey Cópia de Figura Complexa (uma medida de planejamento executivo)” tinham maiores complexidades atribuídas ao nível de trabalho, e isso era quantificável independente de outras variáveis (nível de escolaridade, nível socioeconômico, etc.). Portanto, "Os autores concluíram que a complexidade do trabalho como medida de RC pode estar associada à manutenção do poder executivo” (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008, p. 177). Por fim abrangeram-se os dados de QI pesquisa de Landenberger et. al (2021), onde percebe-se algumas variâncias consideráveis, sendo a primeira uma surpresa, já que não foram “identificadas associações entre escores da ERC e QI total , QI verbal, nem QI executivo, mesmo quando controlados efeitos de sexo e de idade (QI total, p = 0,264; QI verbal, p = 0,823; QI executivo, p = 0,128).” (Baldivia, Andrade & Bueno, 2008, p. 161). Portanto, neste estudo não foi possível associar ERC ao QI. Porém, em relação a variável demográfica, classificação econômica e sintomas de depressão, houveram maior variância na ERC, na amostra geral e de idosos (quanto maior a idade, menor é o ERC), assim como indivíduos com maiores níveis econômicos (A, B1 e B2) tiveram maiores escores. Sendo inovador para a pesquisa, já que não havia sido relatado anteriormente em estudos de ERC (Landenberger, et al., 2021). Completando a ideia: É possível considerar que indivíduos de classes mais altas, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil, tenham maior disponibilidade para dedicarem-se aos estudos, ocupem atividades profissionais de maior exigência cognitiva, bem como, tenham maior acesso a atividades cognitivamente estimulantes como cursos, viagens, eventos culturais, etc. (Landenberger, et al., 2021, p. 762). 2.1 FATORES QUE CONTRIBUEM COM A FORMAÇÃO DA RC Dimensionar e determinar com exatidão como se dá a formação da Reserva Cognitiva ainda é um desafio para a ciência. Entretanto, atualmente, há uma concordância no meio acadêmico e científico frente ao pressuposto de que a Reserva Cognitiva está relacionada à exposição do indivíduo frente a diversos estímulos ao longo da vida, como educação, trabalho, lazer e atividade física (Stern et al., 2020). Nesse sentido, a exposição do sujeito a esses estímulos pode favorecer o desenvolvimento de um cérebro mais resiliente e flexível frente às exigências do meio e a demandas de algumas patologias, possibilitando prever e compreender os motivos que levam a alguns indivíduos responderem melhor frente a certos quadros patológicos do que outros (Richards e Sacker, 2003; Stern e Barulli, 2019;) Assim como afirma Richards e Sacker (2003), tradicionalmente a formação da reserva cognitiva é amplamente associada à educação, não só por ser um fator mais explícito, e mais 8 fácil de ser quantificado, como também por ser precursora (ainda que indiretamente) do desenvolvimento de outros aspectos que aparentam estar relacionados a formação da reserva cognitiva, como hábitos mais saudáveis e prosperidade econômica. O estudo realizado por Bennett et al. (2003), por exemplo, cujo método utilizado foi acompanhar 130 idosos, submetendo-os a testes recorrentes de funções cognitivas e a autópsia cerebral no momento da morte, através da observação de placas neuríticas, placas difusas e emaranhados neurofibrilares, registrou uma relação inversamente proporcional entre o nível educacional e a manifestação da Doença de Alzheimer, evidenciando a existência de uma relação entre o nível de reserva cognitiva e a educação formal. Vale ressaltar que, assim como pontua Vernaglia (2019), atividades intelectuais consideradas não acadêmicas também podem ser capazes de contribuir com a formação de uma rede neuronal flexível e mais abrangente, corroborando com a formação da reserva cognitiva. Do mesmo modo, ainda de acordo com a mesma autora, o nível de escolaridade formal no Brasil não é uma fonte segura para avaliar as habilidades aprendidas pelos sujeitos, tendo em vista que é marcada pela baixa qualidade de ensino, a heterogeneidade da educação e pela evasão escolar. Recentemente, a formação da reserva cognitiva vem sendo associada ao bilinguismo. Nesse sentido, de acordo com Bialystok (2021), ainda que esta condição não seja um fator que garanta a não-manifestação de quadros de demência, como Alzheimer, indivíduos bilíngues têm mais resistência frente à manifestação de sintomas. Semelhantemente, o estudo de Alladi et al (2015), que examinou a relação entre o bilinguismo e o resultado cognitivo após um acidente vascular cerebral (AVC), em 608 indivíduos que tiveram AVC, concluiu que a porcentagem de indivíduos com as funções cognitivas preservadas após o AVC era duas vezes maior entre indivíduos bilíngues. A mesma pesquisa aponta não ter encontrado relação entre ser bilíngue e os fatores de risco de sofrer um AVC. Aspectos sociais são outros dos fatores para a existência da reserva e se mostraram em diversos estudos como essenciais nesse contexto (Shoentgen, Gagliardi & Défontaines, 2020). O nível socioeconômico de uma pessoa é responsável por ditar muita coisa de sua vivência, o acesso a educação, a literatura, experiências culturais diversas, a complexidade do seu trabalho e até a prevalência de atividades físicas em sua rotina. As atividades físicas por si só favorecem a neuroplasticidade, um maior volume do cérebro, além de alterações funcionaise estruturais no encéfalo (Vernaglia, 2019). Alguns outros estudos foram feitos até então buscando uma melhor compreensão de como essas particularidades sociais interferem no funcionamento do cérebro e na formação da reserva cognitiva em seus aspectos mais 9 microscópicos, mas ainda é difícil de estabelecer um padrão confiável justamente por estarem imersos em diversos contextos. Além do nível socioeconômico é importante a atenção sobre o quanto as relações sociais também podem contribuir para a formação da reserva cognitiva. O ser humano como um ser social foi constituído a partir da sua relação com o outro e é inegável que a convivência traz mudanças para o cérebro e para a cognição. E mais do que isso, estudos demonstraram que relações sociais “saudáveis” estariam associadas a benefícios cognitivos ao passo que conflitos estariam relacionados a uma menor velocidade de processamento de informação. (Trejo & Reynoso-Alcántara, 2019). A ocupação profissional das pessoas também foi tema de estudo no campo das neurociências para uma melhor compreensão das reservas cognitivas (Baldivia, Andrade e Bueno, 2008), e de acordo com Vernaglia (2019), taxistas ingleses que tinham que dirigir usando somente a memória tinham hipocampo posterior com maior volume do que motoristas que dirigiam por rotas fixas. A relação do trabalho com o melhor desenvolvimento da reserva cognitiva foi bastante associada com estudos da escolaridade. O trabalho, apesar de ter características diferentes de uma escola, desenvolve competências específicas, sendo o nível de complexidade do trabalho um dos maiores fatores que determinam se uma pessoa terá uma maior ou uma menor reserva cognitiva, profissionais de atividades menos estimulantes, operários por exemplo, tiveram maiores índices de demência nas pesquisas. 2.2 O PENSAMENTO DIVERGENTE E O IMPACTO NA RC Com o objetivo de investigar a relação entre e a reserva cognitiva e a criatividade - com foco principal no pensamento divergente (PD) - Mendes et al. (2020) apresenta uma pesquisa contando com a participação de 53 Portugueses, de idade avançada e sem problemas cognitivos. A criatividade é conceituada por Mendes et al. (2020) de acordo com outros autores, como sendo “um conjunto de processos cognitivos que facilitam a criação de produtos finais inovadores (ou seja, originais ou atípicos) e relevantes (ou seja, úteis ou funcionais)”. Além disso, a criatividade é comumente estudada através da análise do pensamento divergente (PD), que pode ser explicado como a habilidade de buscar novas soluções e ideias para um problema em aberto 10 Mendes et al. (2020) ressalta que o pensamento divergente (PD) representa mais o potencial de criatividade do que um construto que define todo um processo criativo - uma vez que o processo criativo envolve mais coisas, como por exemplo, o pensamento convergente. Estudos associando a criatividade e a reserva cognitiva são significantemente novos; introduzido por Palmiero, Giacomo & Passafiume (2016) defendeu-se que a criatividade pode representar um fator de proteção em declínio cognitivo e também como estímulo para elevar a RC. Parece haver alguma sobreposição entre regiões cerebrais importantes para as funções executivas que podem apoiar a RC no envelhecimento saudável e os aspectos DT da criatividade (Beaty et al., 2016; Colangeli et al., 2016; Palmiero et al., 2017). Nesse sentido, é razoável levantar a hipótese de que alguns dos processos cognitivos implicados na realização de tarefas criativas devem estar parcialmente relacionados aos envolvidos na Reserva Cognitiva. (Mendes. et al., 2020, p. 230). Colombo, Antonietti & Daneau (2018) argumentam que a criatividade e a reserva cognitiva podem ter ao menos três processos cognitivos em comum, e também que as estratégias alternativas usadas para entender e lidar com declínios advindos do envelhecimento ou de alguma disfunção cerebral – característica central da definição de RC que pode ser associada a flexibilidade cognitiva – talvez envolvem processos cognitivos subjacentes que são indissociáveis do pensamento criativo. Para Antonietti e Colombo (2013, 2016) esses processos cognitivos são: alargamento, conexão e reorganização. O estudo contou com 53 participantes provenientes de centros comunitários da cidade de Funchal em Portugal. A pesquisa tinha como critério que os participantes: (a) tivessem mais de 60 anos de idade; (b) Obtivesse um resultado normal no teste The Mini-Mental State Examination (MMSE) - eliminando assim a possibilidade de impedimentos cognitivos; (c) tivessem acuidade visual e auditiva o suficiente. A pesquisa foi desenvolvida através da Prova de Criatividade (ProCriativ) e do Questionário de Reserva Cognitiva (QRC) e tinha como objetivo explorar a relação entre o pensamento divergente e a RC. Através do Teste de Criatividade (ProCriativ) seria possível coletar medidas sobre quatro principais componentes do PD: “1) fluência - número de respostas, 2) flexibilidade - número de categorias diferentes, 3) elaboração - número de detalhes enriquecedores nas respostas, e 4) originalidade - número de respostas pouco frequentes” (Mendes. et al., 2020, p. 231), contudo foi abordado no estudo somente três elementos do pensamento divergente: fluência, flexibilidade e elaboração. 11 A pesquisa constatou que existe uma relação subjacente entre a criatividade e a reserva cognitiva, gerando algumas limitações em relação às primeiras hipóteses sobre criatividade e RC. Contudo, a análise de correlação mostrou que a fluência e a flexibilidade foram positiva e significativamente associada à RC. Mendes et al. sugerem também que o processo ao gerar um número maior de respostas ou ideias de categorias diferentes - habilidades necessárias em processos executivos como a flexibilidade - está relacionado aos maiores níveis de RC. Além disso, em relação à análise de regressão, a flexibilidade foi o único preditor significativo da reserva cognitiva (Mendes. et al., 2020). Mendes et al. também hipotetizam que as divergências com outros estudos, como o de Colombo et al. (2018) e Palmiero et al. (2016) - onde colocam a fluência e a originalidade como os preditores mais significativos para a proxy da RC -, se dá por a RC não envolver tanta fluência, mas principalmente flexibilidade cognitiva, que é a essência do índice de flexibilidade do pensamento divergente. Não foi possível obter através da pesquisa de Mendes et al. (2020) um resultado absoluto sobre a relação entre a criatividade - pensamento divergente - e o desenvolvimento da reserva cognitiva. No entanto, houveram resultados positivos quanto à aspectos da fluência e flexibilidade com relação à reserva cognitiva , além disso, a pesquisa traz novos caminhos e possibilidades de estudo para o campo. 3 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo sobre a reserva cognitiva é ainda pouco especializado, no sentido de que aparece, na maioria das vezes, incluído em outras pesquisas. É bastante citado em artigos que estudam a doença de Alzheimer, por exemplo, e explicam o impacto da reserva cognitiva na forma como os pacientes convivem com a doença. Dessa forma, as respostas para algumas perguntas sobre o tema ainda ficam em aberto na literatura: como medir a reserva cognitiva? Como a reserva interage com as patologias cerebrais? Quais as faixas etárias mais propícias para desenvolvimento da reserva cognitiva e de que forma ele ocorre em cada uma? Entre outras. No âmbito da neuropsicologia, é amplamente aceita a ideia de que o cérebro da criança possui mais plasticidade do que o do adulto e, com isso, estudos em relação à reserva cognitiva indicam a infância como o melhor período para seu desenvolvimento. Ainda assim, alguns estudos mostraram que os esforços em indivíduos mais velhos também têm potencial de aumentar a reserva cognitiva, embora provavelmente com menor impacto. 12 Foi possível observar a conotação social do tema durante o desenvolvimento deste trabalho.Sendo amplamente relacionada com acesso a experiências estimulantes e de qualidade, a formação da reserva é impactada pelo fator socioeconômico do indivíduo. Além disso, Baldivia et al. (2008) reforça como esse fator deve ser considerado ao tratar de RC, acrescentando que se assume um padrão inexistente na qualidade educacional quando assumimos "anos de escolaridade" como medida de RC. Ao tratar o tema como um fator preventivo para doenças neurológicas e reflexos do envelhecimento normal, é possível ver a reserva cognitiva como um aliado na preparação da população para um envelhecimento mais saudável. Entender os fatores que tornam uma pessoa mais ou menos resiliente é importante para que sejam propostas políticas públicas que favoreçam aqueles e diminuam esses. 13 REFERÊNCIAS Alladi, S., Bak, T. H., Mekala, S., Rajan, A., Chaudhuri, J. R., Mioshi, E., & Kaul, S. (2015). Impact of Bilingualism on Cognitive Outcome After Stroke. Stroke, 47(1), 258–261. Disponível em: <10.1161/strokeaha.115.010418> Baldivia, B., Andrade, V. M. & Bueno, O. F. A. (2008). Contribuição da escolaridade, ocupação profissional e atividades cognitivamente estimulantes como variáveis formadoras da reserva cognitiva. Dementia & Neuropsychologia [online]. 2008, v. 2, n. 3 [Acessado 20 junho 2022] , pp. 173-182. 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