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RESENHA: VIGOTSKI E O “APRENDER A APRENDER”: CRÍTICA ÀS APROPRIAÇÕES NEOLIBERAIS E PÓS-MODERNAS DA TEORIA VIGOTSKIANA DUARTE, Newton Aluna: ...............................................................................................................Disciplina: Bases Conceituais A obra a ser resenhada é de autoria de Newton Duarte e se intitula “Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria Vigotskiana”. O livro foi publicado nos anos 2000 pela editora Autores Associados. Newton Duarte atua como pesquisador associado ao Institute for the Humanities, University of Simon Fraser, Vancouver, Canadá é autor de livros, capítulos de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. De acordo com portal Currículo Lates (2022): “Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal de São Carlos em 1985 e obteve o título de Mestre em Educação pela mesma universidade em 1987. Defendeu sua tese de doutorado na Faculdade de Educação da UNICAMP, em 1992. Em 1988 é docente da UNESP e leciona no campus de Araraquara. Nessa universidade obteve, já em1999 o título de Livre-Docente e em 2009 foi nomeado para o cargo de Professor Titular. Desde agosto de 2003 a junho de 2004 realizou pós-doutorado, com bolsa da CAPES, no Ontario Institute for Studies in Education (OISE) na Universidade de Toronto, Canadá. De agosto de 2011 a julho de 2012 foi pesquisador visitante, com bolsa da CAPES, Centre for Social and Political Thought (CSPT), Universidade de Sussex, Brighton, Inglaterra. De setembro de 2019 a março de 2020 foi pesquisador visitante no Institute for the Humanities, Universidade Simon Fraser, Vancouver, Canadá, tendo recebido bolsa da FAPESP para o período de novembro/2019 a fevereiro/2020.” A obra “Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós- modernas da teoria vigotskiana” se destina a educadores que buscam, no âmbito da psicologia, conhecer e estudar os fundamentos de Vigotski, bem como interpretar as ideias desse psicólogo. A tese principal da obra se ampara em evidenciar como a psicologia de Vigotski vem sendo apontada por muitos educadores como um dos pilares de propostas educacionais centradas no “aprender a aprender”. O que para Newton Duarte é uma errônea interpretação do pensamento de Vigotski. Nesse sentido, Duarte (2000) defende a necessidade de uma leitura marxista da psicologia vigotskiana e a necessidade de um trabalho de incorporação dessa psicologia à construção de uma pedagogia crítica e historicizada. Nesse sentido, o autor mostra como existem aproximações entre o construtivismo, o pós-modernismo e o neoliberalismo. A esse respeito, Duarte (2000) tece uma crítica consistente para demonstrar o caráter marxista da psicologia vigotskiana. Como ponto relevante da obra, discutimos a centralidade do lema “aprender a aprender” no pensamento pedagógico contemporâneo e como esta pode ser constatada no texto do documento intitulado “Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI”, também conhecido como Relatório Jacques Delors este relatório está divido em tres partes: Preâmbulo; Missões e funções da educação superior; Segundo Delors (2010, p. 12), aponta uma nova visão da educação referindo: [...] é necessário impor o conceito de educação ao longo da vida com as suas vantagens de flexibilidade, diversidade e acessibilidade no tempo e no espaço. [Desta forma a educação ao longo da vida] deve ser uma construção contínua da pessoa, de seu saber e de suas aptidões, assim como de sua capacidade para julgar e agir [...] sem deixar de desempenhar sua função na atividade profissional e nas estruturas sociais. Delors (20210, p.10) apresenta os problemas vivenciados pela sociedade, apontados como “desencantos” sobre o papel dos sistemas educativos: “ [estes] devem fornecer respostas para os múltiplos desafios da sociedade da informação, na perspectiva de um enriquecimento contínuo dos saberes e do exercício de uma cidadania adaptada às exigências do nosso tempo” Segundo Duarte (2000), a incorporação da teoria de Vigotski e sua escola psicológica, a ideários pedagógicos que acabam por apoiar, explicitamente ou não, o lema “aprender a aprender”, se deu de modo distorcido nas leituras que difundem o pensamento de Vigotski como um adepto do “aprender a aprender”. A esse respeito, uma das hipóteses centrais de Duarte (2000) é a de que a incorporação da teoria de Vigotski ao discurso pedagógico defensor do lema “aprender a aprender” alimenta-se da predominância de concepções naturalizastes do ser humano no campo da psicologia educacional. Duarte (2000) explica que as tentativas de articulação do pensamento de Vigotski aos ideários pós-modernos e neoliberais em educação são parte de um processo de luta ideológica para evidenciar o lema “aprender a aprender” no discurso oficial educacional contemporâneo, bem como para articular esse lema no cenário ideológico do capitalismo atual. O autor apresenta alguns argumentos para sustentar a tese defendida na obra: o primeiro se refere ao ocorrido em 1996 quando foi publicado pela UNESCO, o relatório da comissão internacional presidida por Jacques Delors, que durante o período de 1993 a 1996 trabalhou na elaboração de diretrizes para a educação mundial para o próximo século. Esse relatório foi publicado no Brasil em 1998 (DELORS, 1998), com apoio do Ministério da Educação com o intuito de repensar a educação brasileira. O segundo ponto discutido é sobre a presença do lema “aprender a aprender” nos PCN e no discurso pedagógico contemporâneo, bem como suas implicações para a apropriação que vem sendo realizada pelos educadores no sentido de uma adoção do construtivismo como referência teórica dos PCN que pode ser percebida ao longo dos princípios e fundamentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Diante do exposto, o lema “aprender a aprender” é interpretado por Duarte como expressão das proposições educacionais articuladas com o projeto neoliberal. A meta desse sistema é a formação de um indivíduo preparado para a constante adaptação às demandas do processo de reprodução do capital. O lema “aprender a aprender” é usado na educação com a intenção de preparar os indivíduos para a sociedade em constante mudança, onde o capitalismo dita o ritmo dessas mudanças. Então as pessoas devem estar preparadas para atender às novas demandas e para isso elas precisam “aprender a aprender”, pois nessa nova sociedade o sucesso ou fracasso é ditado pela capacidade e velocidade com que as pessoas buscam conhecimento e aprendem a lidar com as constantes mudanças. Esse processo revela que as leituras pós-modernas e neoliberais da obra vigotskiana a transformam em um instrumento ideológico útil ao esvaziamento do processo educacional escolar. Marx utilizou a expressão “esvaziamento completo” para se referir ao ser humano no capitalismo. A educação está sendo posta em sintonia com esse esvaziamento completo, na medida em que seu grande objetivo é tornar os indivíduos dispostos a aprender qualquer coisa, não importando o que seja, desde que seja útil a sua adaptação incessante à adaptação aos ventos do mercado. Da mesma forma que o trabalhador, no capitalismo, só possui sua força de trabalho, abstratamente concebida, o educando deve ser reduzido a alguém que está sempre disposto a aprender algo novo, pois seu único patrimônio é a capacidade de adaptação ao meio por intermédio da aprendizagem permanente. (DUARTE, 2000, p. 30). Às leituras pós-modernas e neoliberais da obra vigotskiana induzem a uma educação sem propósito, pois os indivíduos devem aprender a aprender qualquer coisa, sem nenhum outro critério a não ser a utilidade no mercado capitalista sempre em transformação. A falta de propósito e a necessidade de estar se adaptando sempre levaao esvaziamento do processo educacional escolar, pois se perde a essência de apreciar o conhecimento, de conhecer com profundidade determinados conteúdo sem necessariamente fazer uso dele no mercado de trabalho. Assim, Duarte (2000) defende a necessidade de uma leitura marxista da psicologia vigotskiana, pois, um dos grandes objetivos de Vigotski foi justamente o de “superar o modelo biológico de desenvolvimento humano, e construir uma psicologia fundada na concepção marxista, portanto histórico-social do homem”. (DUARTE, 2000, p. 3). Para Duarte (2000) a psicologia vigotskiana visava transpor a afirmativa que o desenvolvimento humano se dava apenas pelos fatores biológicos. A interação social era fundamental para a formação do indivíduo, afirmação essa defendida também pela obra marxista. O autor aponta que a perspectiva de Vigotski, a construção de uma psicologia marxista explicita a concepção de que a ontogênese humana não pode ser explicada através da relação biológica entre organismo e meio. A questão que não pode ser esquecida é a de que o modelo biológico de interação entre organismo e meio implica as noções de adaptação e equilíbrio na relação do organismo com o meio ambiente (sem o que o organismo não sobrevive). O modelo de interação entre organismo e meio não possibilita a compreensão da relação histórico-social entre objetivação e apropriação, que caracteriza a especificidade do desenvolvimento humano. (DUARTE, 2000, p. 3) De acordo com Duarte (2000), a perspectiva de Vigotski sobre a construção de uma psicologia marxista, é de que a formação humana não pode ser esclarecida levando em conta apenas os fatores biológicos e sua relação com o meio ambiente, eles são importantes para a adaptação e equilíbrio na relação indivíduo e meio, mas não explanam a profundidade e especificidades da formação e do desenvolvimento humano, o que só é possível por meio da interação social. Outro aspecto relevante da obra é sobre o revigoramento do “aprender a aprender” nas décadas de 1980 e 1990. Uma das formas mais importantes, ainda que não a única, de revigoramento do “aprender a aprender” nas duas últimas décadas foi a maciça difusão da epistemologia e da psicologia genéticas de Jean Piaget como referencial para a educação, por meio do movimento construtivista que, no Brasil, tornou-se um grande modismo a partir da década de 1980, defendendo princípios pedagógicos muito próximos aos do movimento escolanovista. O revigoramento do “aprender a aprender” nas décadas de 80 e 90 aconteceu principalmente devido a ampla divulgação das teorias de Jean Piaget por meio do movimento construtivista na educação, algo que se tornou popular nessa época no Brasil. Também cabe mencionar as cinco “hipóteses para uma leitura pedagógica da psicologia histórico-cultural” aventadas por Duarte (2000) a primeira hipótese afirma que é fundamental conhecer os fundamentos marxistas aplicados ao pensamento e escola de Vigotski para poder realmente entender essa escola psicológica. A segunda hipótese enfatiza que a teoria de Vigotski faz parte de um conjunto maior, composto pelos trabalhos elaborados pela psicologia histórico-cultural, e consequentemente deve ser estudado com parte de um todo. A terceira hipótese deixa bem evidente que a escola vigotskiana não é interacionista nem construtivista. A quarta hipótese ressalta a importância de uma consciência maior em relação ao ideário pedagógico mediado pela forma como os educadores brasileiros estão interpretando a obra de Vigotski. A quinta hipótese alega que a teoria de Vigotski não pode ser lida com a visão da escolanovista, pois seus princípios são contrários. É relevante mencionar os quatro posicionamentos valorativos desencadeados pelo lema “aprender a aprender” tanto no ideário escolanovista quanto no ideário construtivista. O primeiro posicionamento valorativo afirma que o aprendizado sozinho tem mais valor do que o aprendizado decorrente da participação de outros, pois isso contribui com a autonomia do indivíduo, sendo que a contribuição de outra pessoa poderia até atrapalhar essa aprendizagem. O segundo posicionamento valorativo enfatiza que é mais importante o aluno desenvolver seu próprio método para fazer descobertas e construir seu conhecimento do que aprender com base na descoberta de outras pessoas. O terceiro posicionamento valorativo compreende que a atividade do aluno deve ser fundamentada naquilo que é importante para o aluno e nas suas necessidades. O quarto posicionamento valorativo enfatiza que existe a necessidade de a educação preparar os indivíduos estarem prontos para sempre se adaptarem às aceleradas mudanças da sociedade, fugindo dos padrões tradicionais da educação de transmissão de conhecimentos do passado. Para esse posicionamento, se o indivíduo não aprender a se atualizar viverá em uma constante defasagem de seus conhecimentos. Ou seja, as pessoas devem estar aptas a aprenderem sempre aquilo que o capitalismo as impõe. Como forma de avaliar o texto resenhado, cabe mencionar que o autor apresenta os princípios do pensamento neoliberal elencando as estratégias dos que se apropriam do pensamento vigotskiano. As demarcações conceituais delineadas pelo livro de Duarte (2000) são fundamentais não só para os profissionais do campo da pesquisa educacional, mas também para os que se dedicam à análise dos processos sócio-histórico-cognitivos inerentes aos contextos concretos de trabalho. REFERENCIA BIBLIOGRAFICA DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o Século XXI. Brasília: UNESCO, 2010. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000109590_por. Acesso: 02/07/2022 DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. São Paulo, Autores Associados, 2000. [Capítulo 1] Lattes, Curriculo: Newton Duarte. Disponível em: Currículo do Sistema de Currículos Lattes (Newton Duarte) (cnpq.br). Acesso em 01/07/2022.
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