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Litíase urinária – Dr. Guilherme Munhoz 1 Litíase urinária A litíase urinária se caracteriza pela formação de cálculos sólidos no sistema renal, esses que serão constituídos de proteínas e materiais cristalinos, podendo gerar obstrução urinária em qualquer nível, desde a pelve renal até a uretra. É predominante em homens (3:1) e rara em afro-americanos e asiáticos, sendo que pacientes com histórico familiar apresentam risco relativo de desenvolvimento de cerca de 2,6 vezes comparado com a população geral. Fatores de risco: litíase prévia, histórico familiar, baixa ingesta de citrato, dieta rica em sódio e proteínas, dieta pobre em cálcio, infecções do trato urinário de repetição, medicamentos (indinavir, aciclovir e sulfadiazina), baixa ingesta de água, profissões de risco para desidratação, sedentarismo, alterações anatômicas que propiciem a estase urinária, by-pass gástrico, acidose tubular renal tipo 1 (excreção disfuncional de íons H+ e urina alcalina), entre outros. Fisiopatologia: para formação dos cálculos necessita-se de um baixo volume de urina, uma supersaturação com solutos microscópicos – como cálcio, oxalato, ácido úrico e cistina – e/ou fatores que diminuam a solubilidade, como redução do pH urinário. Assim, os cristais se acumularão para formar um núcleo cristalino, de modo que ocorre o crescimento do cálculo pela junção de vários cristais e agregação de outras substâncias (supersaturação → nucleação → crescimento). Como fatores inibidores da cristalização urinária, cita-se substâncias como citrato, pirofosfato, magnésio, glicosaminoglicanos e o fluxo urinário. Assim, para formação do cálculo pode-se ter a associação de uma redução dos fatores protetores com o aumento de fatores promotores. As células dos túbulos renais possuem carga negativa, enquanto que os cristais nucleados possuem carga positiva, de modo que eles podem se fixar, fato que contribui para seu crescimento. Uma urina ácida favorece a formação de ácido úrico e cistina, enquanto que um mais alcalino predispõe à formação de cálculos de fosfato de cálcio e estruvita. Os cálculos podem estar localizados em cálices renais (caliciais), pelve renal (piélicos), pelve e cálices (coraliformes completos ou parciais), ureter proximal, médio ou distal (ureterais), bexiga (vesicais) ou uretra (uretrais). Sabe-se que aqueles formados em grupamentos calicinais superiores possuem mais chances de descender no trato urinário e promover uma obstrução. Existem alguns locais de impactação mais comum, como a junção ureteropélvica, vasos ilíacos e na junção ureterovesical, onde existem as constrições anatômicas do ureter. Quadro clínico: na ausência de obstrução pode-se ter um paciente assintomático ou com dor lombar leve, quadros de infecções crônicas ou de repetição, podendo evoluir para insuficiência renal ou exclusão renal. Enquanto isso, a presença do cálculo pode causar dilatação do sistema coletor, espasmo ureteral, edema e irritação local, fatores que podem contribuir para obstrução aguda do sistema de drenagem urinária. Assim, tem-se manifestação de dor abrupta do tipo cólica nefrética em flanco, essa que se relaciona com o movimento do cálculo no ureter e pode ter irradiação para parte alta e direita do abdome, fossa ilíaca, escroto (♂) e grandes lábios (♀), além de ocasionar náuseas e vômitos. Se o cálculo for grande ou com forma pontiaguda ele pode gerar lesão ao epitélio urinário e causar hematúria (microscópica ou macroscópica), podendo também aumentar a predisposição a infecção secundária por natureza obstrutiva e traumática. Pode ocorrer insuficiência renal aguda em cálculos bilaterais ou em pacientes com rim único. Ao exame físico tem-se Giordano positivo do lado da obstrução com paciente inquieto, sem posição ou fator de melhora e/ou piora. Deve-se diferenciar de lombalgia pela história clínica, essa que descende para membros inferior, não vai para o abdome, é bilateral, entre outros. Litíase urinária – Dr. Guilherme Munhoz 2 De modo geral, os cálculos podem ser compostos por: 1) Cálculo de oxalato e fosfato de cálcio (80%) Os cálculos de oxalato de cálcio são ovalados e geralmente se precipitam em pH normal e estão presentes em condições de hipercalciúria sem hipercalcemia pela redução da reabsorção de cálcio, de modo que esse íon fica presente na urina. Como causas relacionadas cita-se hiperparatireoidismo, dieta rica em sódio, uso de diuréticos de alça, síndrome de Cushing ou distúrbios associados à hipercalcemia ou hiperoxalúria. Quando as concentrações de lipídios são altas no lúmen intestinal nota-se que o cálcio prefere se ligar aos ácidos graxos do que ao oxalato, de modo que o oxalato é reabsorvido. Em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica pode ocorrer absorção intestinal aumentada de oxalato por redução da colonização intestinal pela Oxalobacter formigenes, bactéria responsável pela degradação desse composto, gerando um quadro de oxalúria que predispõe à formação de cálculos. A deficiência de citrato urinário também pode auxiliar na formação de cálculos, já que essa substância é um fator protetor. Os cálculos de fosfato de cálcio geralmente se precipitam em pH alcalino. 2) Cálculo de ácido úrico (1%) São cálculos formados geralmente em pacientes com gota ou síndrome metabólica com hiperuricemia pelo produto do metabolismo das purinas, esses que são radiotransparentes no raio X, mas aparecem na tomografia. É um cálculo que se precipita em urinas de pH < 5,5 e pode ser dissolvido por tratamento clínico com alcalinização da urina. 3) Cálculo de estruvita (15%) São cálculos coraliformes compostos por sais de fosfato de amônio e magnésio formados pós infecção bacteriana com presença de urease, geralmente Proteus, Klebsiela ou Pseudomonas (PPK). Assim, esses microrganismos promovem a conversão da ureia em amônia e geram uma urina alcalinizada que facilita a precipitação dos sais, formando cálculos maiores pela alta quantidade de ureia excretada diariamente – realiza-se antibiótico profilático para que a pedra não aumente até o tratamento. Como fatores de risco para esse tipo de cálculo tem-se ITU prévia, nefrolitíase prévia, cateteres urinários e bexiga neurogênica. 4) Cálculo de cistina (3%) São cálculos hexagonais duros de alta densidade por defeito genético – autossômico recessivo – na reabsorção intestinal e renal de aminoácidos dibásicos, de modo que ele permanecerá na urina por ser um composto insolúvel e poderá formar cálculos em pH urinário ácido. Diagnóstico: inicia-se com a realização adequada da anamnese e exame físico identificando manifestações clínicas sugestivas, além de pedir exames laboratoriais e de imagem. O raio-X simples do abdome pode ser utilizado para visualização de cálculos de fosfato e oxalato de cálcio, que são radiodensos. Todavia, possui limitações em cálculos pequenos e/ou radiotransparentes de ácido úrico ou causado por antirretrovirais e pode ter visualização reduzida em interposição gasosa com distensão de alça. É um bom exame para comparações durante o segmento. O exame padrão-ouro é a tomografia computadorizada de abdome sem contraste endovenoso, essa que apresenta sensibilidade de 98% e especificidade de 97%. Os cálculos medicamentosos podem ser transparentes na tomografia. Pode-se pressupor a origem do cálculo pela densidade na tomografia. Litíase urinária – Dr. Guilherme Munhoz 3 A ultrassonografia tem sensibilidade de 61% e especificidade de 97%, sendo realizada sem radiação e boa para visualizar cálculos radiopacos e radiotransparentes. Esse exame possibilita a observação da loja renal e do ureter proximal, mas não visualiza restante de ureter médio e distal, tendo dificuldade na verificação de cálculos em trajeto ureteral e cálculos < 5 mm, além de apresentar limitações na presença de gases, alças dilatadas, obesidade, entre outros. Tem-se manifestaçãode sombra acústica posterior na presença do cálculo, mas não delineia o local de obstrução. A ressonância magnética localiza bem o local da obstrução do ureter, sendo exame de escolha em gestantes. Todavia, não é usado na rotina normal, já que é caro, demora e cálculos podem passar despercebidos. Como exames laboratoriais pede-se urina do tipo 1 e urocultura para verificar o pH, a presença de hematúria e infecções, além de solicitar hemograma completo e marcadores de função renal como ureia e creatinina. Alguns exames como ácido úrico, sódio, potássio, cálcio iônico e proteína C reativa podem ser requeridos em pacientes mais graves e com emergência de tratamento. A urina de 24 horas também pode ser útil para mensurar níveis de citrato, oxalato, cistina, ácido úrico, cálcio/fósforo, sódio e creatinina. Todavia, deve-se lembrar que o paciente pode ter redução total ou parcial do fluxo urinário por obstrução. Se houver um cálculo disponível deve-se realizar a análise química para melhor conduta. Tratamento: para todos os pacientes realiza-se controle de dor vigoroso com anti- inflamatórios e analgésicos simples de rápida absorção, associando a antieméticos em casos de vômitos. Como tratamento para a dor refratária à prescrição inicial utiliza-se antiespasmódicos, como Buscopan, associado a opioides. O tratamento conservador pode ser submetido para pacientes com cálculo ureteral de até 1 cm, implementando hidratação e medicamentos para realização da terapia expulsiva com -bloqueadores adrenérgicos como a tansulosina – que relaxa a musculatura ureteral e pode ser usada por até quatro semanas. Essa escolha terapêutica possui contraindicações em pacientes com dor refratária, sepse urinária, obstrução persistente ou fatores de risco para insuficiência renal, como cálculo bilateral ou rim único. A chance de eliminação do cálculo é maior quanto mais distal ele estiver, sendo que o diâmetro também é inversamente proporcional à chance de expulsão espontânea. Quando se suspeita de cálculo de ácido úrico pode ser feita a dissolução química por alcalinização da urina com citrato de potássio ou bicarbonato, tendo resolução em três meses se o pH for mantido em 7,0. Em caso de pielonefrite obstrutiva, quando ocorre infecção associada à obstrução urinária, deve-se interpretar como urgência urológica com necessidade imediata de descompressão das vias urinárias. Esse procedimento pode ser realizado por cateter ureteral duplo J ou por nefrostomia percutânea para drenagem das secreções. Raio X de abdome detectando cálculo USG com sombra acústica posterior TCSC com cálculo no rim esquerdo e dilatação ureteral Litíase urinária – Dr. Guilherme Munhoz 4 Cateter duplo J: permite drenagem para descompressão do sistema urinário, além de permitir a abertura do lúmen e impedir que o edema ureteral. É um cateter mole e furado na ponta, podendo ser usado em infecção para que o edema urotelial não cause obstrução e também na permeabilidade da via para saída de cálculos maiores após LECO. Litotripsia renal extracorpórea (LECO): apresenta sucesso de cerca de 65%, sendo que produz uma onda de energia focada que se propaga com o intuito de quebrar o cálculo permitindo que os fragmentos saiam na urina do paciente. É utilizada principalmente em cálculos renais < 2 cm e no ureter proximal. Como contraindicações tem-se gravidez, coagulopatias, aneurisma de aorta abdominal e infecção. além disso, existem alguns fatores que podem representar baixa eficácia do procedimento, como em pacientes obesos com distância pele-cálculo > 10cm, cálculos duros > 1000 UH e cálculos presentes no polo inferior renal. A sedação do paciente pode contribuir para a eficácia do procedimento, já que a musculatura abdominal ficará mais relaxada, facilitando a chegada do impulso até o cálculo. Ureteroscopia: utiliza-se um ureteroscópio rígido no ureter distal, semirrígido no ureter médio e um flexível quando o cálculo está em ureter proximal e pelve renal. O aparelho será introduzido na uretra, identificando o meato ureteral na bexiga, de modo que ele ascende pelo ureter até achar o cálculo, podendo usar energia mecânica ou a laser para fragmentar o cálculo e desobstruir o lúmen. Nefrolitotripsia percutânea: é o padrão-ouro em cálculos renais > 2 cm, podendo ser utilizada para o tratamento de cálculos coraliformes, localizados no polo renal inferior e/ou refratários à LECO. O procedimento é realizado por uma punção guiada por ultrassom transpassando o parênquima renal, inserção de um canal de trabalho para entrada de um nefroscópio com uma câmera, esse que é capaz de fragmentar e aspirar os cálculos. Cálculo renal < 1 cm Conservador LECO Ureteroscopia > 1 cm e < 2 cm LECO Ureteroscopia > 2 cm Nefrolitotripsia percutânea Nefrolitotripsia percutânea Litotripsia renal extracorpórea Cateter duplo J Litíase urinária – Dr. Guilherme Munhoz 5 Videolaparoscopia ou cirurgia aberta: é o procedimento invasivo para retirada do cálculo em casos de pacientes refratários aos outros tipos de métodos não invasivos. Também é o primeiro passo em pacientes com obstrução bilateral, ITU associada ou rim único, evitando um quadro irreversível do parênquima. Pielografia: inserção de um cateter, uso de contraste para visualização do sistema renal, de modo que os locais com falhas de enchimento podem sinalizar a presença de cálculos. Cintilografia renal com DMSA: oferece função renal relativa, podendo ser utilizada para definição de conduta como em quadros de hidronefrose acentuada, cálculo coraliforme e pielonefrite crônica – pielonefrite xantogranulomatosa ou pionefrose. Diagnóstico diferencial: abdome agudo, escroto agudo, dor muscular, condições ginecológicas, estenose ureteral, obstrução ureteral por outros mecanismos, entre outros. Além disso, cita-se algumas causas mais comuns em pacientes > 60 anos, como aneurisma de aorta abdominal e infarto renal embólico. Prevenção: aumento da ingesta hídrica, dieta balanceada com cálcio, redução de sódio e proteína animal na dieta, controle da ingestão de alimentos ricos em oxalato – como chocolate, chá preto, beterrabas e espinafre – suplementação de magnésio e piridoxina, entre outros.
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