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Traumatismo crânio-encefálico (TCE) – prof Elisson Antônio 1 Traumatismo crânio-encefálico (TCE) O traumatismo crânio-encefálico se caracteriza como qualquer agressão gerada por forças externas capaz de ocasionar lesão anatômica ou comprometimento funcional de estruturas do crânio ou encéfalo. É um fenômeno que acontece com índices crescentes em todo mundo, gerando morte e impossibilitando inúmeras pessoas – fato que justifica a extrema necessidade de um tratamento rápido e eficaz, além de ações de prevenção. Epidemiologia: é a terceira maior causa de morte e incapacidade no mundo, sendo responsável por aproximadamente 30% dos óbitos associados ao trauma e principal causa de morte em pessoas abaixo de 25 anos. Mais de 50% dos casos de TCE graves estão associados a múltiplos traumas com lesões associadas, exigindo atenção redobrada para os sinais apresentados. É uma epidemia em todo mundo, tendo prevalência de 3 homens a cada 1 mulher. De modo geral, apresenta três picos de incidência: → Abaixo de 5 anos, com quedas como mecanismo principal; → Entre 15 e 24 anos, causados por acidentes automobilísticos, atropelamentos, violência e esportes; → Acima de 70 anos, com quedas como mecanismo principal. Fisiopatologia: na fase inicial, tem-se o mecanismo de lesão tecidual seguido por uma cascata isquêmica e desregulação do fluxo sanguíneo encefálico, de modo que o metabolismo anaeróbio aumenta com produção de lactato, apoptose e morte celular. Na fase intermediária o balanço hidroeletrolítico é comprometido e mensageiros químicos e celulares são sensibilizados, gerando inflamação – ativação do receptor de aquaporinas 4 – e edema cerebral. Na fase final, que deve ser evitada, tem-se reparo, extensa morte celular e modificação do circuito neuronal, gerando quadros de epilepsia, coma e morte. O TCE pode ser associado a fraturas cranianas, essas que podem ser: 1) lineares: fratura não é o problema em si, mas aponta grande risco de lesão intraparenquimatosa grave, tratamento geralmente é conservador; 2) por afundamento: os fragmentos ósseos entram em contato com o encéfalo ou com as meninges, exigindo um tratamento neurocirúrgico; 3) cominutivas: vários fragmentos ósseos espalhados na meninge, podendo entrar em contato com o parênquima cerebral. Quando ocorre laceração da pele ou do subcutâneo, já se considera como fratura exposta. O sinal mais sugestivo de fratura craniana é rinorreia, pois a comunicação do espaço subaracnóideo com os seios produz perda de líquor pelo nariz. A fratura de base de crânio geralmente indica um trauma de alta energia, maior severidade nas lesões intraparenquimatosas e um pior prognóstico. Como sinais e sintomas pode-se ter perda auditiva, hemotímpano, otolicorreia, equimose retroauricular (sinal de Battle – lesão da região petrosa do osso temporal), ‘sinal do guaxinim’ (equimose ocular bilateral), anosmia, sangramento nasal intenso, rinorreia, entre outros. É contraindicação absoluta para sondagem nasogástrica. Sua classificação pode ser feita quanto ao mecanismo do trauma, quanto à pontuação do paciente na escala de coma de Glasgow e quanto às repercussões das fraturas de crânio. 1 3 2 Traumatismo crânio-encefálico (TCE) – prof Elisson Antônio 2 Quanto ao mecanismo do trauma Atropelamento Queda – avaliar altura, local, possibilidade de amortecimento, posição na queda, teve proteção da cabeça? e qual local impactou primeiro? Acidente automobilístico – veículo, velocidade, uso de dispositivos de segurança. Trauma direto – características do objeto lançado contra a cabeça Outros Quanto à escala de coma de Glasgow Leve Entre 13 e 15 Moderado Entre 9 e 12 Grave Abaixo de 9 Quanto às fraturas de crânio Lesões intracranianas focais Hematomas extradurais Hematomas subdurais Contusões intraparenquimatosas Lesões difusas Lesão axonal difusa Concussão cerebral Edema cerebral difuso Lesões hipóxicas difusas Quadro clínico: pode-se ter amnésia após o trauma (qual a duração e o último evento que o paciente se lembra?), perda de consciência, convulsão pós-traumática, mudanças de comportamento comparado ao habitual, sinais de hipertensão craniana – cefaleia, vômitos em jato não precedido de náuseas, entre outros. O paciente pode apresentar um intervalo lúcido após o trauma, tendo posterior rebaixamento do nível de consciência com complicação do trauma – se atentar para a alta precoce, sempre analisar o mecanismo de trauma, sintomas pós-trauma e necessidade de observação para garantir que o paciente não está num intervalo lúcido. Tem-se um espaço virtual entre a dura-máter e os ossos do crânio (epidural) e outro espaço entre a dura-máter e a aracnoide (subdural), locais que podem ser acometidos por um hematoma no TCE. 1) Hematoma extradural No hematoma extradural (lente biconvexa) ocorre sangramento entre a dura-máter e a calota craniana, podendo ter perda de consciência rápida no momento do trauma (50%), seguida por um intervalo lúcido do paciente. Todavia, após alguns minutos ou horas, pelo aumento do hematoma, compressão das estruturas cerebrais e aumento da pressão intracraniana, tem-se rebaixamento do nível de consciência e até mesmo morte, caso não tenha nenhuma intervenção. A lesão geralmente ocorre próximo ao golpe. No hematoma extradural pode-se ter lesão da artéria meníngea média (80% dos casos), tendo evolução rápida e exigindo intervenção precoce com craniotomia, já que ocorre aumento da pressão intracraniana e desvio da linha média, podendo evoluir para óbito. O sangramento também pode ser venoso (15% dos casos), com lesão das veias da dura-máter. O hematoma extradural, apesar de arterial, nunca é responsável por choque hipovolêmico em adultos, de modo que a conduta é reavaliar o ‘C’ e procurar hemorragias extracranianas. 2) Hematoma subdural O hematoma subdural (lente côncava) ocorre entre a dura-máter e a aracnoide, onde tem-se íntimo contato com o encéfalo, e geralmente por sangramento venoso das veias ponte que ligam essas duas meninges – veias se estendem pelo mecanismo do trauma e se rompem. Também pode ter lesão de veias piais, geralmente em idosos pelo fato de ter um espaço maior entre as meninges e o encéfalo (atrofia). Traumatismo crânio-encefálico (TCE) – prof Elisson Antônio 3 O hematoma subdural agudo traz sintomas em até 72h, em que metade dos pacientes pode ter perda de consciência e 25% chegam ao hospital com importante rebaixamento de consciência. Dos 50% sem perda de consciência, metade deles apresentará intervalo lúcido com posterior piora. Se o hematoma subdural aumentar a pressão intracraniana (PIC), deve-se sugerir intervenção neurocirúrgica. Apresenta imagem côncava e hiperdensa na tomografia de crânio. O hematoma subdural crônico é mais comum em pacientes idosos e alcoólatras, em que os sintomas podem aparecer mais tardiamente entre 15 e 30 dias após o trauma – esse hiato temporal pode gerar dificuldade de relação causal do trauma com os sintomas. O hematoma subdural gera inflamação local, sofre liquefação e é encapsulado, fato que dificulta reabsorção e promove formação de um higroma que aparece como uma imagem hipodensa na tomografia (seta branca) acompanhando toda região do hematoma. Com o tempo esse hematoma absorve água do interstício e aumenta seu volume, crescendo e comprimindo o cérebro, fator que gera os sintomas tardios no paciente – de semanas até meses após o trauma e variam de cefaleia forte e progressiva até confusão mental, paralisia de um lado do corpo, coma e morte. O diagnóstico é feito por identificação de desvio da linha média ou por captação de contraste pela cápsula que englobou o hematoma. O hematoma intraparenquimatoso é associado a contusões cerebrais por conta do contato de alta energia entre o parênquima encefálico e os ossos do crânio, podendo ter lesãopor golpe no local próximo à batida ou por contragolpe quando o cérebro se desloca e encontra com a tábua óssea. Tem-se um hematoma intra parenquimatoso com área hiperdensa branca (seta vermelha) rodeado por uma área hipodensa que caracteriza o edema local que acontece nessa região – principalmente por mecanismo vasogênico. Nesse caso, tem-se um hematoma extradural por golpe e uma lesão intraparenquimatosa por contragolpe na região contralateral. Lesão Tomografia Fisiopatologia Hematoma subdural Imagem hiperdensa de lente côncava (banana) Sangramento predominantemente venoso – veias ponte Hematoma subdural crônica Imagem hipodensa de lente côncava Sangramento subdural antigo (higroma) e encapsulado Hematoma extradural Imagem hiperdensa de lente biconvexa Sangramento predominantemente arterial – artéria meníngea média Hemorragia intraparenquimatosa Hematoma intra parenquimatoso com área hiperdensa branca Lesões de alta energia por golpe ou contragolpe A lesão axonal difusa (LAD) acontece por um movimento de aceleração e desaceleração do parênquima cerebral, assim como de rotação sobre o próprio eixo, podendo ocorrer o cisalhamento do neurônio com dano nos seus canais iônicos e estrutura proteica, causando grave lesão anatômica e funcional. Pode-se ter trauma de alta energia, com rebaixamento persistente do nível de consciência e exame de imagem ‘inocente demais’ com algumas lesões na substância profunda cerebral (como substância reticular ativadora ascendente, ponte, mesencéfalo dorsolateral e corpo caloso posterior). Uma LAD leve promove perda de consciência entre 6 a 24h a partir do trauma, enquanto que um quadro moderado ou grave causa perda da consciência após 24h, sendo classificado a depender da clínica neurológica do paciente, que pode ficar em coma por horas, meses e até anos – uma lesão com descerebração (flexão anormal dos membros) é grave. Traumatismo crânio-encefálico (TCE) – prof Elisson Antônio 4 A concussão cerebral é um trauma leve e comum, tendo uma alteração transitória da função cerebral em que os sintomas geralmente se resolvem em semanas – tontura, amnesia anterógrada, desorientação. A longo prazo, uma concussão cerebral de repetição pode ter associação com doença de Alzheimer, Parkinson e depressão. Teoricamente, o neurônio perde a função transitória por aceleração, desaceleração e rotação, tendo remissão de poucos segundos a minutos. É extremamente dinâmica, precisa fazer segunda tomografia e verificar evolução. As lesões hipóxicas difusas ocorrem em decorrência de lesões sistêmicas que trazem consequências para o encéfalo. Como exemplo cita-se fraturas de costelas, hemotórax, pneumotórax, obstrução de vias aéreas, choque hipovolêmico, PCR recuperada, vasoespasmo cerebral, entre outros. De modo geral, causam hipoxemia e gerar dano cerebral pela privação temporária de oxigênio. O edema cerebral, geralmente está associado a um trauma moderado a grave após 24 a 72h, por edema vasogênico após perda da regulação do fluxo sanguíneo cerebral, em que os pequenos vasos ficam ingurgitados e o fluxo aumenta, podendo ter um extravasamento. Também pode ocorrer por citotoxicidade, extravasamento liquórico para o tecido intersticial, entre outros. O edema pode ser adjacente a contusões, mais predominante em um hemisfério ou então difuso. Nem sempre o edema está associado à gravidade do trauma. Linha média (> 5) Unidade óssea (fratura) Cisternas (apagamento) Assimetria Sangramento Abordagem inicial: recepcionar com garantia de vias aérea (IOT em Glasgow < 9), colar cervical e prancha de estabilização, checar pulmões e avaliar saturação, checar possibilidade de choque hipovolêmico no paciente e garantir estabilidade hemodinâmica, monitorização e acesso venoso. Na avaliação neurológica deve-se checar Glasgow e reatividade pupilar – pupila pode avaliar prognóstico do paciente. Se anisocoria (pupila dilatada é homolateral à lesão) tem-se alteração do NCIII, que pode ser acompanhada de ptose palpebral, ausência de reflexo fotomotor e estrabismo divergente, indicando que o paciente está na iminência de ter uma herniação transtentorial – hérnia de uncus. Deve-se despir o paciente, verificar fraturas, hematomas, lacerações e equimoses, além de manter a temperatura adequada. Também é muito importante a conferência da história AMPLA, verificando ambiente e mecanismo do trauma, medicações, gravidez, história patológica, alergias e ingestão de líquidos e alimentos. Promover inspeção e palpação do crânio e face, atentando para sinais de fratura de base de crânio – contraindicação para sonda nasogástrica, como otolicorreia, hemotímpano, equimose retroauricular ou periorbital bilateral. Deve-se elevar a cabeceira a 30º, evitar hipertermia > 38ºC e manter glicemia entre 140 e 180mg/dL. Traumatismo crânio-encefálico (TCE) – prof Elisson Antônio 5 Como drogas de sequência rápida de intubação utiliza-se idealmente Fentanil ou midazolam (opioide), etomidato (hipnótico), succinilcolina (relaxante muscular). Diagnóstico: como exames complementares pode-se realizar tomografia computadorizada de crânio e ressonância magnética de crânio (demora mais, usada para verificar dano estrutural e de partes moles, quando paciente tem estabilidade) → Trauma crânio-encefálico leve (Glasgow 13-15): se baixo risco: assintomáticos, sem alterações neurológicas ou com sintomas leves e não progressivos, como tontura, cefaleia e vertigem. Se assintomáticos, observar por 24h, em casa, sem necessidade de exames. Retornar ao pronto- atendimento se cefaleia súbita, sonolência excessiva, irritabilidade, ansiedade, desmaio, perda de força muscular, confusão mental, vômitos, déficit auditivo ou visual, entre outros. No moderado risco: em casos de mecanismo de alta cinética, cefaleia progressiva, convulsões, perda momentânea de consciência, lesão facial grave, uso de anticoagulantes – encaminhar para tomografia de crânio de entrada e de saída, pelo menos 24h de observação. No alto risco, considera-se gestantes, pacientes com distúrbios de coagulação, distúrbios de acuidade visual ou funções motoras superiores, mecanismo de trauma importante com morte no local, capotamento, ejeção – indicar tomografia de entrada e saída e observar ambulatorialmente por 36 a 48h. → TCE moderado ou grave: possivelmente exige conduta por cirurgião ou especialista, sempre devendo realizar tomografia. De modo geral, um TCE leve com permanência do escore, 2 episódios de vômitos; > 65 anos; perda da consciência por mais de 5 minutos; amnésia retrógrada e mecanismo grave de trauma realiza-se tomografia de crânio. O exame de escolha na investigação inicial do TCE grave é a tomografia computadorizada de crânio sem contraste, incluindo janelas estreita (para avaliar tecido cerebral), intermediária e ampla (para avaliar o crânio, como um todo). Sabe-se, porém, que a ressonância é igual ou superior à TC na detecção hematomas epidurais e subdurais agudos, lesão cerebral não hemorrágica e lesões do tronco cerebral e hemorragia aguda, subaguda e crônica. Por isso a RM é o exame de escolha em pacientes com lesão cerebral subaguda e crônica ou quando os achados da TC não são conclusivos no cenário agudo. Em crianças com Glasgow menor ou igual a 14 já tem indicação para realização de tomografia de crânio, realizando observação hospitalar por 12-24h em casos leves. A maioria das crianças que sofreram traumatismo craniano leve isolado podem receber alta com segurança após avaliação. Na ausência de sinais neurológicos a criança deve receber analgésicos e ser liberada, sendo orientado a procurar atendimento médico se mantiver dores de cabeça persistentes ou agravadas, mais episódios de vômito, marcha instável, alteração da consciência, convulsões ou incapacidade de despertar a criança. Indicação de neurocirurgia:A indicação de neurocirurgia em casos de TCE leve deve ser feita quando Glasgow < 15 nas primeiras 2h pós-TCE, suspeita de fratura exposta ou afundamento de crânio, sinais de fratura de base de crânio, 2 ou mais episódios de vômitos (sinal de aumento da pressão intracraniana), idade maior ou igual a 65 anos. Tem-se moderada indicação de neurocirurgia em TCE leve com amnesia anterior ao trauma maior que 30 minutos ou mecanismo de trauma grave (alta energia como atropelamento, ejeção, queda de altura > 1,5m). Em casos de hematoma subdural considera-se neurocirurgia quando espessura > 10 mm ou espessura < 10 mm e desvio de linha média < 5 mm se Glasgow reduzir 2 pontos da admissão, anisocoria ou PIC > 20mmHg. Em hematomas extradurais considera-se quando volume > 30 cm3 independente do Glasgow ou Glasgow < 9 e anisocoria. Traumatismo crânio-encefálico (TCE) – prof Elisson Antônio 6 Também existem outras indicações, como hemorragia subaracnoide traumática, lesão axonal difusa (LAD), lesão parenquimal com piora neurológica progressiva com hipertensão intracraniana refratária, volume > 50 cm3 ou Glasgow < 9 com volume temporal > 20 cm3 e/ou desvio de linha médica. Complicações secundárias ao TCE: estado vegetativo, sequelas neuropsicomotoras, epilepsia (profilaxia com anticonvulsivante por 7 dias em casos de trauma penetrante no encéfalo ou laceração dural com rebaixamento do nível de consciência por mais de 24h), hidrocefalia (geralmente quando ocorre inundação sanguínea ventricular e alteração dos mecanismos de drenagem, fazendo tratamento com DVE que pode progredir para derivação ventrículo peritoneal se necessário), entre outros. A prevenção sempre é o melhor remédio, mas na vigência de TCE deve-se promover tratamento rápido e eficaz, não desprezando as possíveis armadilhas que podem aparecer.
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