Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Aplicação do Direito e Moral - da neutralidade ao ativismo judicial. Primeiramente, é de conhecimento geral que a moral e o direito são campos diversos e não se confundem, por isso, primeiramente, importante conceituá-los. Sobre a relação entre ambos, cumpre esclarecer que diversas são as teorias que se debruçam sobre a controvérsia, sendo que a ideia de neutralidade liberal se enquadra na vertente da separação, que nasceu da necessidade de haver tolerância no que se refere às diferentes concepções morais e religiosas dos indivíduos. Nesse sentido, exsurge a dúvida sobre a possibilidade ou não da adoção de valores morais na aplicação do direito, os limites de interpretação do jurista e a questão do ativismo judicial, conforme se abordará a seguir. A moral consiste no conjunto de convicções de uma pessoa, de um grupo ou de toda uma sociedade. Por sua vez, o direito, na sua forma objetiva, é o conjunto de normas editadas pelas autoridades competentes que regulamentam o comportamento das pessoas e que prevê a imposição de penalidades em caso de descumprimento. Disto, depreende-se que o Direito é heterônomo, é o legislador quem elabora as normas. É coercitivo, pode obrigar o indivíduo à prática ou não prática de determinado ato. É bilateral, pois prescinde a relação entre duas ou mais pessoas. É atributivo, ou seja, afere valor objetivo para o ato praticado. Enquanto a moral é autônoma, a moral é a expressão da individualidade. Incoercível, não tem o condão de coação. Não é atributiva, uma vez que não é possível a valoração objetiva do juízo moral. Pois bem, após as explanações supracitadas, vem aquela indagação: qual a relação entre Direito e Moral? A moral relaciona-se com o direito na elaboração das leis, uma vez que o legislador está imbuído dos seus valores morais no momento de redigir referida norma. Ademais, a moral relaciona-se com o direito no que tange à aplicação das leis pelos juízes, na interpretação da lei e sua aplicação “in concreto”. A partir da interrelação entre Direito e moral, diversos estudiosos se debruçaram e editaram teorias, a saber, a Teoria do Mínimo Ético, delineada pelo jurista Georg Jellinek (1851-1911). Tal teoria afirma que todas as normas jurídicas são normas morais. Especificamente, considera-se que as normas morais mais importantes da sociedade são transformadas, pelo Estado, em normas jurídicas. Outra teoria é a Teoria da Separação entre o Direito e a Moral, Thomasius (1655-1728) afirma que não há ponto de contato entre as esferas analisadas. A Moral é um conjunto de regras que regula a esfera íntima dos seres humanos, sendo aplicável apenas no nível da consciência. O Direito, por sua vez, é um conjunto de regras que apenas regula a esfera externa dos comportamentos humanos, ou seja, a manifestação e a concretização desses comportamentos. Por fim, há a Teoria dos “círculos secantes”, que estabelece que há um núcleo comum entre a Moral e o Direito, composto por normas simultaneamente morais e jurídicas. Diariamente, consciente ou inconscientemente, podemos nos deparar com juristas e figuras públicas que tratam o direito e a moral de formas bastante diferentes, aproximando-se de uma das teorias acima, vejamos. Na visão do ex-presidente dos EUA, Barack Obama, os valores morais e religiosos não se dissociam da política e do direito, para ele, era um erro insistir na ideia de que convicções morais e religiosas não desempenham nenhuma função na política e na lei, adotando, assim, a concepção do mínimo ético em seus discursos. Em contraposição a esse pensamento, cita-se o de John Kennedy, que afirmou que suas concepções religiosas e morais não estavam ligadas às suas concepções sobre o interesse nacional, o que se coaduna com a teoria da separação entre o direito e a moral, bem como com a ideia de neutralidade liberal. A ideia da neutralidade liberal pauta-se da premissa de que o governo deveria manter-se neutro quanto a questões morais e religiosas, para que todos os indivíduos pudessem escolher livremente as suas concepções de vida boa. Para Rawls, não devemos levar nossas convicções morais e religiosas para sustentar o discurso público sobre justiça e direito, pois deve ser respeitado o pluralismo. Os indivíduos discordam sobre questões morais e religiosas, e a neutralidade liberal nasce da necessidade de haver tolerância no que se refere às concepções morais e religiosas. Nesse ponto reside o cerne da questão, se é possível a adoção de valores morais individuais na aplicação do direito e na realização da justiça em uma sociedade. Sustenta-se que caso a moral interfira nas interpretações jurídicas haverá um problema, pois cada um tem sua própria moral, logo, as sentenças tornar-se-ão subjetivas. Dessa forma, um mesmo caso, julgado sob perspectivas morais diferentes, poderá ter diferentes sentenças, o que não é admissível no nosso ordenamento jurídico, ferindo o princípio da segurança jurídica. Evidentemente, os juízes não podem invocar as próprias noções pessoais de moralidade, tampouco os ideais e virtudes da moralidade em geral. Estes devem ser considerados irrelevantes. Eles não podem, da mesma forma, invocar visões religiosas ou filosóficas, deles próprios ou de outras pessoas, para tomarem as decisões técnicas. Se os juízes usarem uma interpretação moral da lei de forma a deturpar sua aplicação, pois a aplicação da lei colide com suas concepções morais ou religiosas, pode-se dizer que se está diante de uma situação de ativismo judicial, em que o magistrado julga de acordo com suas convicções subjetivas e não de acordo com o que determina o direito e ordenamento jurídico como um todo coeso. O direito deixa de funcionar como uma ciência e passa a ser mero instrumento de retórica para decisões subjetivistas. Portanto, a questão da moral e o direito enseja muitos debates, sobre qual a relação entre o direito e a moral, até onde vai a interpretação moral do jurista na aplicação do direito, sem que isso culmine em sentenças subjetivas e um estado de insegurança jurídica. A título de conclusão, mas sem querer ter a prepotência de pôr fim à discussão, mas direcionando um pensamento final sobre a temática, pode-se dizer que o jurista não deve adotar as suas concepções morais individuais para aplicar o direito, pois cada indivíduo tem sua própria moral e ela não deve ser imposta aos demais. As decisões judiciais devem se pautar pelo Direito (em sua concepção ampla - leis, súmulas, jurisprudências e princípios) tão somente, de acordo com suas premissas de ciência jurídica, sob pena de se instaurar uma crise no Direito em virtude de insegurança jurídica institucional. Natalia Cola de Paula – advogada criminalista. Referências bibliográficas: SANDEL, Michael J. Justiça: O que é fazer a coisa certa? 3ª edição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2011. FERREIRA, Adriano. Relações entre o Direito e a Moral. Link de acesso: https://direito.legal/aintdir/relacoes-entreodireitoea- moral/ https://direito.legal/aintdir/relacoes-entre-o-direito-e-a-moral/ https://direito.legal/aintdir/relacoes-entre-o-direito-e-a-moral/
Compartilhar