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2016 Cultura religiosa Prof. Eduardo Luiz de Medeiros Copyright © UNIASSELVI 2016 Elaboração: Prof. Eduardo Luiz de Medeiros Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 200.9 M488c Medeiros; Eduardo Luiz de Cultura religiosa /Eduardo Luiz de Medeitros: UNIASSELVI, 2016. 166 p. : il. ISBN 978-85-515-0011-8 1.Religião - História. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. III apresentação Prezado acadêmico! A primeira questão que surgiu, quando do início da redação do presente Caderno de Estudos, foi a seguinte: como analisar e discutir as mais diversas religiões com o acadêmico, mantendo a imparcialidade científica? Posso dizer a você que a resposta para essa questão não foi fácil. Em primeiro lugar, porque tenho minhas próprias convicções religiosas e ao escrever a respeito de outras vertentes, automaticamente, sinto tentação em cometer o pecado da parcialidade. Busquei me retirar deste debate a respeito da certeza absoluta para tentar, através da descrição isenta, deixar que você, caro acadêmico, possa tirar por si mesmo suas conclusões. Já nos encontramos anteriormente em História da Igreja no Brasil, então já nos conhecemos muito bem e será uma honra andar com você nesta jornada através do desenvolvimento das religiões ao longo da História. A primeira unidade de estudo tem o objetivo de oferecer um debate teórico a respeito de como os pesquisadores analisam as religiões, além de analisar aquilo que chamamos de “Os Povos do Livro”, ou seja, o que estudaremos nesta unidade: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. A análise será pautada tendo em vista destacar os principais pontos relativos às doutrinas de cada uma e os fatores que as diferenciam. A partir disso o acadêmico terá condições de estabelecer um diálogo entre cada uma delas, o que o capacita a entender o praticante de cada religião, o que pensa do mundo, da eternidade e de seu papel na sociedade. A análise buscará permanecer nos mesmos pontos para que os mesmos temas estejam incluídos em cada uma das religiões analisadas. A segunda unidade tratará das religiões orientais, ou seja: hinduísmo, budismo e confucionismo, além de movimentos religiosos oriundos do momento histórico atual, o que se convencionou chamar de pós-modernidade. Para tanto, precisamos entender o que quer dizer este conceito, e verificar como o pós-modernismo traz um novo contexto político e social, que favorece um renascimento de cultos e rituais místicos esotéricos, a evolução da maçonaria, entre outros movimentos. Na terceira unidade falaremos a respeito da religiosidade brasileira, sua diversidade e mistura. Algo muito peculiar que não foi comum em outros países do período da colonização. Discutiremos o conceito de sincretismo religioso e a partir dele entendemos como a religiosidade brasileira é única no mundo. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Lembramos que cada tópico apresenta uma autoatividade para fixar seus conhecimentos e alguns textos de apoio para ilustrar os conceitos trabalhados durante a unidade. Sobre o professor, Eduardo Luiz de Medeiros, ele é Doutor em História pela UFPR, especialista em Teologia Bíblica, pela Mackenzie de São Paulo, Pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular em Curitiba, esposo da Meiry e pai do Joshua. Desejo a você excelentes estudos! Espero que possa filtrar as religiões diferentes da sua e respeitá-las, pois, a partir do conhecimento de cada uma delas será possível entender como as pessoas entendem e o que estão buscando. Desejo uma ótima jornada e que, após estas semanas, você amplie sua visão de mundo! Prof. Eduardo Luiz de Medeiros V VI VII UNIDADE 1 – AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS .............................................................................. 1 TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO TEÓRICA ............................................................................................. 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 JUSTIFICATIVA DA ABORDAGEM TEÓRICA E LINHA DE PESQUISA ADOTADA ...... 6 3 TERRITORIALIDADE DO SAGRADO E ESPAÇOS DO PROFANO ...................................... 7 4 UMA DEFINIÇÃO DE CULTURA RELIGIOSA? .......................................................................... 8 4.1 CONCEITO DE CRENÇA .............................................................................................................. 10 4.2 CERIMÔNIA .................................................................................................................................... 10 4.3 ORGANIZAÇÃO ............................................................................................................................. 11 4.4 EXPERIÊNCIA ................................................................................................................................. 11 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 12 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 14 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 15 TÓPICO 2 – OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO ...................................................................... 17 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 17 2 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 18 3 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 21 4 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 30 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................33 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 34 TÓPICO 3 – OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO ................................................................. 35 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 35 2 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 35 3 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 42 4 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 46 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 49 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 50 TÓPICO 4 – OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO .................................................................... 51 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 51 2 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 51 3 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 53 4 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 61 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 63 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 65 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 66 UNIDADE 2– RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE .................................................................... 67 TÓPICO 1 – HINDUÍSMO .................................................................................................................... 69 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 69 sumário VIII 2 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 70 3 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 72 4 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 75 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 79 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 84 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 85 TÓPICO 2 – BUDISMO ......................................................................................................................... 87 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 87 2 HISTÓRIA .............................................................................................................................................. 88 3 DOUTRINA ........................................................................................................................................... 90 3.1 AS QUATRO NOBRES VERDADES SOBRE O SOFRIMENTO ............................................... 92 3.2 O CAMINHO DAS OITO VIAS ..................................................................................................... 92 3.3 OS CINCO MANDAMENTOS BUDISTAS.................................................................................. 93 4 RELAÇÕES ............................................................................................................................................. 94 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 99 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................101 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................102 TÓPICO 3 – AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE ...............................................................103 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................103 2 CONFUCIONISMO ...........................................................................................................................104 3 TAOÍSMO ............................................................................................................................................106 4 XINTOÍSMO ........................................................................................................................................108 5 HARE KRISHNA ................................................................................................................................109 6 VARIAÇÕES DO BUDISMO TRADICIONAL ............................................................................109 6.1 BUDISMO TIBETANO ..................................................................................................................110 6.2 O ZEN-BUDISMO .........................................................................................................................111 7 SEICHO-NO-IE ...................................................................................................................................111 8 IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL – JOHREI .............................................................................113 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................115 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................116 UNIDADE 3 – RELIGIOSIDADE BRASILEIRA .............................................................................117 TÓPICO 1 – AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL. OU SERIA PINDORAMA? ............119 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................119 2 OS CULTOS INDÍGENAS ................................................................................................................120 3 HISTÓRIA ............................................................................................................................................120 4 RELIGIOSIDADE INDÍGENA ........................................................................................................122 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................126 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................127AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................128 TÓPICO 2 – AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS ......................................................................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129 2 HISTÓRIA ............................................................................................................................................130 3 RELIGIÕES AFRICANAS NO BRASIL .........................................................................................131 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................138 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................140 IX TÓPICO 3 – OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS ................................................................ 141 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 141 2 O ESPIRITISMO ................................................................................................................................ 142 3 ESOTERISMO .................................................................................................................................... 145 3.1 ASTROLOGIA ............................................................................................................................... 146 3.2 UFOLOGIA .................................................................................................................................... 147 3.3 NOVA ERA .................................................................................................................................... 148 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 150 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 152 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 153 TÓPICO 4 – ECUMENISMO .............................................................................................................. 155 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 155 2 ORIGEM DO ECUMENISMO ........................................................................................................ 155 3 O ECUMENISMO CONTEMPORÂNEO ..................................................................................... 156 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 159 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 161 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 162 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 163 X 1 UNIDADE 1 AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • oferecer um debate teórico a respeito de como os pesquisadores analisam as religiões; • analisar aquilo que chamamos de “Os Povos do Livro”, ou seja, o judaís- mo, o cristianismo e o islamismo; • destacar os principais pontos relativos a cada uma destas doutrinas e os fatores que as diferenciam; • estabelecer um diálogo entre cada uma delas, o que o capacita a entender o praticante de cada religião, o que pensa do mundo, da eternidade e de seu papel na sociedade. Esta unidade está dividida em quatro tópicos e em cada um deles, você encontrará atividades que o auxiliarão a compreender os conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO TEÓRICA TÓPICO 2 – OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO TÓPICO 3 – OS POVOS DO LIVRO: O CRISTIANISMO TÓPICO 4 – OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 INTRODUÇÃO TEÓRICA 1 INTRODUÇÃO Ao iniciarmos o estudo das manifestações, a primeira ideia que precisa estar em nossas mentes é a de que não é possível entender o sagrado através da visão profana. UNI Não entendeu a frase acima? Não se preocupe, caro acadêmico, conversaremos com o professor para que ele explique o que é sagrado e o que é profano antes que ele continue. Atendendo a pedidos, antes de continuarmos, gostaríamos de definir sagrado e profano dentro do contexto desta disciplina. Todos nós temos uma noção a respeito do sagrado. Quando falamos sobre o Brasil é ainda mais compreensível, pois aqui temos uma religiosidade peculiar, a qual estudaremos de maneira pormenorizada na Unidade 3 deste caderno de estudos. O ser humano traz um conceito de religiosidade intrínseco dentro de si. Uma tribo indígena em uma floresta tropical, cultuando os elementos da natureza, cristãos adorando a Deus em um templo, muçulmanos numa mesquita ou judeus em uma sinagoga. Todos eles têm uma perspectiva a respeito do sagrado e qual é a sua influência em sua vida cotidiana. Mas então, como podemos definir o sagrado? Essa não é uma tarefa simples, na medida em que o sagrado se encontra numa realidade “extraordinária”, distinta do cotidiano do homem. Nos grupos primitivos não havia distinção entre o sagrado e o profano, na medida em que todas as suas atividades do dia a dia, como a alimentação, o sexo e o trabalho, por exemplo, eram manifestações do sagrado para estes grupos. Através do estabelecimento de sociedades e das regras de convívio social que se estabelecem a partir do momento em que a união UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 4 de vários grupos forma as primeiras aglomerações de grupos humanos, que poderíamos chamar também de cidades primitivas, o estabelecimento de ritos e regras sociais, que distanciam a experiência do sagrado da vida comum, forma esta separação entre o sagrado e profano. Em uma primeira análise, utilizando a definição de Rudolf Otto (1991), o sagrado é a oposição ao profano. UNI Caro acadêmico! É comum que nós associemos o conceito de profano a tudo aquilo que é contrário à nossa fé, aquilo que é pecaminoso, contrário aos dogmas das religiões. E é natural que seja assim, na medida em que o Dicionário Michaelis (ANO) define profano como: adj (lat profanu) 1 Que não é sagrado ou devotado a fins sagrados. 2 Não consagrado. 3 Estranho à religião; que não trata de religião: História profana; literatura profana. 4 Estranho ou contrário à religião cristã. 5 Contrário ao respeito devido à religião. 6 Que não pertence à classe eclesiástica; não monástico; secular. 7 Herético. 8 Não iniciado nos ritos ou mistérios religiosos. 9 Não iniciado em certas ideias ou conhecimentos; leigo. 10 Que não tem ilustração; vulgar. Antôn (acepções 1 a 5): sagrado. sm 1 Oposto a coisas sagradas. 2 Indivíduo sem ordens sacras; leigo. 3 O que não faz parte de uma seita, associação, ou certa categoria de pessoas. 4 Indivíduo não iniciado em certos conhecimentos; leigo. Antôn: sagrado. Porém, em nossa abordagem, o profano tem a denotação de natural, ou seja, tudo aquilo que não faz parte do sagrado, a vida cotidiana, o trabalho, as relações sociais etc. Não é um termo pejorativo, apenas utilizado para estabelecer os limites do sagrado em nossos dias. O sagrado é o produto de uma experiência religiosa, ou, se utilizarmoso conceito do romeno Mircea Eliade (2001), uma hierofania, ou manifestação do sagrado. UNI Hierofania é um conceito de Eliade. Segundo ele, significa algo de sagrado que nos é revelado. TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA 5 Através deste conceito de hierofania é possível entender o que se passa pela cabeça de um adorador celta que adora os elementos da natureza como pedras e rios, ou como a transposição da fé dos fiéis nas orações diante de imagens de esculturas, sejam elas santos ou deuses indianos. Neste sentido, a pedra, embora não deixe de ser uma pedra, já não é APENAS uma pedra, é algo mais que recebe, através de uma revelação, um novo significado associado à divindade. UNI Ficou claro o conceito de hierofania para você, meu amigo acadêmico? Caso você tenha dúvidas, acesse o site <http://alvanomutz.blogspot.com.br/2006/08/hierofania. html>, onde existe um texto complementar extraído do livro Cultura religiosa, de Irineu Wilges, da Editora Vozes, para que você aprofunde seus conhecimentos neste importante e desconhecido conceito sobre a cultura religiosa. É complicado para nós, ocidentais do século XXI, aceitarmos este conceito, pois não nos é familiar, na medida em que vivemos em uma sociedade cada vez mais dessacralizada, onde essas ideias de apropriação do sagrado já não são discutidas. O credo é praticado muitas vezes sem que se questione a origem desta fé. UNI Não podemos aprofundar aqui a questão da dessacralização do pensamento ocidental, que aconteceu especialmente no século XIX, quando muitos teóricos chegaram a propor a morte de Deus! Se você ficou interessado, ou até incomodado com esta afirmação dos teóricos pós-modernos (e eu espero que fique mesmo!), saiba que no século seguinte, o XX, uma nova geração de teóricos voltou a anexar Deus e o sagrado na concepção da sociedade. Estes intelectuais da religião apontam que a separação de Deus da sociedade tem trazido resultados nefastos para nosso tempo. Para entender como este pensamento evoluiu no século XIX, acesse: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/nietzsche_deus.htm>. Nele você pode saber também quais são estes teóricos que retiraram Deus e a ideia da existência do sagrado de seus estudos. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 6 2 JUSTIFICATIVA DA ABORDAGEM TEÓRICA E LINHA DE PESQUISA ADOTADA UNI Você pode se perguntar: O autor deste caderno deve “pegar pesado” falando em tantas teorias? Mas não se preocupe, ele vai explicar agora o porquê de tantos nomes complicados! Iniciamos este tópico analisando, de forma abreviada, conceitos importantes e recorrentes dentro do estudo das religiões, por exemplo, hierofania, dessacralização, sagrado e profano. Neste segundo ponto gostaríamos de explicar quais são as razões que nos levaram a enveredar por tal caminho. Entender que todas as religiões, embora de maneira muito distinta, possuem uma raiz comum, no sentido de entenderem que o mundo funciona de acordo com a hierofania, ou seja, com a revelação de algo que transcende a realidade conhecida e entra no território do sagrado. Essa ideia nos ajuda a entender de maneira mais humana todos os credos e religiões, na medida em que, por mais diferente e discrepante possa parecer de início, todas elas têm uma raiz comum no desejo de explicar como o mundo ao nosso redor funciona. Outra razão para justificarmos nossa estrutura teórica é explicar nossa visão de tolerância religiosa. Este conceito significa respeito pelas pessoas que possuem pontos de vista diferentes do nosso e é uma palavra-chave dentro do estudo das religiões. Ser tolerante não significa o desaparecimento das diferenças e das contradições, ou que não importa naquilo que se crê. Uma atitude tolerante pode perfeitamente coexistir com uma sólida fé e com a tentativa de converter os outros. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda religiosa, mas exige que seja feita com respeito pela opinião dos outros. A intolerância é, normalmente, fruto da falta de conhecimento de determinado assunto. É bastante comum que filhos entrem em conflito de ideias com seus pais, e um ser intolerante com o outro devido à falta de compreensão mútua dos universos envolvidos. Da mesma forma a intolerância religiosa, que foi a maior causa de guerras e mortes na história da humanidade, é causada pela falta de conhecimento profundo das religiões divergentes. O respeito pela vida religiosa dos outros, por suas opiniões e seus pontos de vista, é um pré-requisito para a coexistência humana. Isso não significa que devemos aceitar tudo como igualmente correto, mas que cada um tem o direito de ser respeitado em seus pontos de vista, desde que estes não violem os direitos humanos básicos. TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA 7 UNI Através da mídia e da própria história ocidental, temos visto os povos muçulmanos como bárbaros, terroristas e intolerantes. Existem perseguições a cristãos, existem homens-bomba, porém não é a maioria do povo muçulmano o responsável por estes atos. É como se no Brasil disséssemos que todos os cariocas são bandidos e traficantes por causa das imagens que vemos na TV todos os dias. A seguir você vê uma imagem datada do século VIII, no período da ocupação muçulmana na Península Ibérica. Você pode ver na imagem um cristão e um muçulmano jogando tranquilamente uma partida de xadrez! Isso há 1200! FIGURA 1 – CRISTÃO E MUÇULMANO JOGANDO XADREZ – FIGURA DO SÉCULO XIII FONTE: Disponível em: <http://al-qasr-abu-danis.blogspot. com/2008_0601_archive.html>. Acesso em: 9 set. 2009. Ao término desta disciplina, esperamos que você tenha ainda mais convicção de sua fé, no caso de ser protestante como nós, porém que respeite as demais religiões e, além do respeito, que você possa entender como um fiel pensa, pois na medida em que alguém se converte para a sua religião, seja ela qual for, é preciso entender como estes neófitos pensam e qual é a visão de mundo deles, para que você possa ajudá-los em sua jornada em busca da verdade. 3 TERRITORIALIDADE DO SAGRADO E ESPAÇOS DO PROFANO Para o homem religioso das sociedades tradicionais, o encontro com o sagrado o torna, de certa forma, participante deste mundo sacralizado. Isso acontece através de uma teofania. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 8 UNI Lá vem ele de novo! Deixe-nos ajudá-lo: Teofania é um conceito de cunho teológico que significa a manifestação de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa. Tem sua etimologia enraizada na língua grega: “theopháneia” ou “theophanía”. É uma revelação ou manifestação sensível da glória de Deus ou de outra divindade, ou através de um anjo, ou através de fenômenos impressionantes da natureza. Para maiores informações sobre este conceito, acesse: <http://www.universidadedabiblia.com.br/o-que-e-teofania/>. Esta teofania é uma revelação da divindade que indica, de alguma forma, qual espaço do mundo físico deve ser considerado como sagrado, e a partir disto este novo local passa a ser aquilo que Mircea Eliade chama de “Ponto Fixo”, ou seja, um ponto de ligação entre o Céu e a Terra ou as regiões inferiores. Neste espaço sagrado, o acesso acontece nos dois sentidos: a divindade pode acessar o fiel, assim como o fiel pode se comunicar com seu objeto de adoração. Assim podemos explicar a importância do templo religioso para qualquer fiel que procure nele respostas e experiências com a divindade. Para um cristão, este lugar é a igreja, para os judeus, a sinagoga, para o muçulmano, a mesquita, para os adeptos dos cultos de origem africana, são os terreiros. Independentemente do credo, todos têm em comum esta teofania quanto ao local sagrado. Entrar em uma igreja é, para o católico, passar do espaço profano para um novo espaço, onde ele pode encontrar Deus e relembrar os elementos que fortalecem sua fé através de ritos e o preparaassim para retornar ao espaço profano, onde sua vida cotidiana acontece, com uma força renovada. Esse relembrar remonta a outro importante elemento da teoria da religião: o tempo. O tempo religioso é um tempo reversível, na medida em que é possível voltar ao passado. De que maneira isso se manifesta? Através dos ritos que são repetidos nas reuniões, o passado se torna presente mais uma vez, onde os atos fundadores da visão religiosa são relembrados, seja através das palavras do fundador da fé, lidas e explicadas pelo líder religioso, seja através de ritos cheios de significado onde o fiel se sente parte viva do início da fé que ele compartilha com outros de mesma visão que ele. 4 UMA DEFINIÇÃO DE CULTURA RELIGIOSA? Dentro de tudo o que vimos até agora no campo da ciência da religião, seria possível definirmos religião? Pensando sobre a perspectiva proposta em nosso trabalho, vamos buscar uma definição que possa ser utilizada por todos os fenômenos religiosos que iremos estudar nas próximas unidades de nosso caderno de estudos. TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA 9 Algumas definições de religião propostas por teóricos que se debruçaram sobre esse intrigante e complexo assunto podem nos dar algumas pistas para uma solução: De acordo com Friedrich Schleiermarcher (1768-1834) (apud GAARDNER, 2000, p. 18), “A religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta dependência”. “Religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acredita ou do qual se sente dependente. Essa relação se expressa em emoções especiais (confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética)” – C. P. Tiele (1830-1902). (TIELE apud GAARDER, 2000, p. 19). “A religião é a convicção de que existem poderes transcendentes, pessoais ou impessoais, que atuam no mundo, e se expressa por insigth, pensamento, sentimento, intenção ou ação” – Helmuth von Glasenapp (1891-1963). (GLASENAPP apud GAARDER, 2000, p. 20). As definições acima podem nos auxiliar a entender como é difícil ter uma definição universal de religião. Esta tarefa é complexa na medida em que, ao compararmos as religiões, podemos correr o risco de qualificá-las, deixando uma como a verdadeira, a partir da qual todas as demais são intituladas como secundárias ou primitivas. Para entendermos as religiões como expressões culturais de determinada sociedade, não podemos colocar parâmetros que as qualifiquem, mas sim conceitos, através dos quais podemos analisar cada uma delas, sem julgar a fé das pessoas como inferior ou superior à nossa. UNI Mais uma vez gostaria de lembrá-lo de que essa visão tolerante das demais religiões não faz com que você abra mão das verdades nas quais acredita, nem significa que você não deva chamar outros para participar da mesma fé que você. Apenas queremos que você possa retirar os pré-conceitos que porventura tenha contra alguma religião, em especial para que possa respeitar aqueles que professam algo com o que você discorde. O apóstolo Paulo diz que temos que oferecer a Deus um culto racional, ou seja, precisamos conhecer nossa fé e em que ela difere das demais crenças, para estabelecermos um diálogo. Uma abordagem baseada em conceitos pode ser encontrada em outro livro de nossa bibliografia básica da disciplina: O livro das religiões, de Jostein Gaarder, Victor Hellern e Henry Notakerr, além do livro organizado por Burkhard Scherer, intitulado As grandes religiões, temas centrais comparados. Ambos serão amplamente utilizados em nossas análises. Os quatro conceitos fundamentais que serão analisados são os seguintes: conceito (crença), cerimônia, organização e experiência. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 10 4.1 CONCEITO DE CRENÇA Cada ser humano tem uma consciência de mundo que lhe atribui um sentido à sua vida. Estes conceitos estão ligados a uma cultura religiosa. Mesmo que o homem pratique nenhuma religião especificamente, a sociedade recebe influências de gerações passadas que montam todo o arcabouço teórico que dá um sentido de moral, de certo e errado, do que é lícito ou do que é proibido. Estes conceitos surgem através de escrituras sagradas, ritos, doutrinas ou mitos. No tocante à divindade, as religiões podem ser monoteístas, monolatristas, politeístas, panteístas ou animistas. UNI Caro acadêmico! Não se preocupe em entender estas denominações das religiões em relação à divindade neste momento. Quando estudarmos cada uma delas em separado, você as entenderá, com certeza! No que concerne ao homem, todas as religiões buscam atribuir uma criação do mundo e do próprio homem, bem como dar uma resposta ao que acontece ao ser humano quando este morre. 4.2 CERIMÔNIA Todas as religiões apresentam a cerimônia como um importante elemento constitutivo. Reuniões que se repetem periodicamente apresentam um fluxo de funcionamento distinto, através de uma série de ritos que formam um culto ou liturgia. UNI A palavra culto vem do latim “colere”, que significa cultivar. Normalmente é utilizada para indicar adoração à divindade, porém nas ciências da religião é um termo coletivo que designa todas as formas de rito religioso. Podem ser considerados ritos: a oração, o sacrifício, a oferenda, sacrifícios de alimento, sacrifícios de expiação, ritos de passagem, nascimento e morte, ritos de puberdade (circuncisão). TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA 11 4.3 ORGANIZAÇÃO Um aspecto importante em todas as religiões é a irmandade entre seus seguidores. Existe um vínculo que é gerado entre os fiéis que, muitas vezes, é o elo mais forte de uma nação inteira. Os judeus, por exemplo, passaram quase 2000 anos espalhados pelo mundo após a conhecida diáspora dos judeus no ano 70 d.C. Durante séculos, gerações nasceram e morreram em países estrangeiros em todos os cantos do mundo, porém eles continuavam a se considerar judeus, ou seja, o elo que manteve a nação unida mesmo em países com crenças diferentes da sua foi a religião. Grande parte das religiões é organizada através de um corpo de funcionários próprio que desenvolve tarefas específicas relacionadas ao serviço do culto e o atendimento dos fiéis. Pastores, padres, curandeiros desenvolvem atividades bastantes distintas uns dos outros, porém todos eles desfrutam de um status superior mediante os fiéis, para os quais são líderes. Essa liderança é demonstrada através de aconselhamentos, explicação da maneira correta de viver, da ética peculiar de cada grupo. Algumas possuem uma hierarquia internacional, tendo um líder único para todo o mundo, como no caso do catolicismo; outras religiões apresentam uma independência nacional, como no caso da igreja da Noruega, e outras, ainda, possuem uma hierarquia em nível regional, sendo algumas denominações pentecostais, um bom exemplo deste tipo de organização. 4.4 EXPERIÊNCIA O elemento intelectual da religião (crença) não pode ser o único vinculado à religião, pois ela envolve, com igual intensidade, as emoções do fiel. Emoções essas que são tão importantes quanto os pensamentos e a racionalidade do homem. A experiência com o sagrado se manifesta através da música, dança e em algumas religiões através de oferendas e utilização de elementos naturais alucinógenos que aproximam o fiel da divindade. UNI De maneira nenhuma a experiência relacionada às emoções do fiel deve ser considerada como algo inferior ou fraqueza mediante manipulação dos líderes religiosos. Todos nós ficamos alegres ou tristes, vivemos tempos de tranquilidade e épocas de desespero e angústia. Essas emoções não são sinais de fraqueza. A experiência religiosa traz estas emoções para o campo do sagrado com resultados muito satisfatórios no auxílio da melhora no emocional do fiel. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 12 SAGRADO E PROFANO NA RELIGIÃO E NO CARNAVAL Vanderlei Dorneles Diasantes do carnaval (do ano 2000), as Arquidioceses de São Paulo e do Rio entraram com ação na justiça a fim de garantir uma estranha proibição: que imagens religiosas não fossem usadas nos carros alegóricos. Algumas escolas já tinham preparado imagens como a cruz, um painel com Nossa Senhora da Boa Esperança, e uma Virgem Maria. Do outro lado, o padre Marcelo Rossi faz a sua Folia do Senhor, uma celebração religiosa em ritmo de carnaval. O destaque é o ritmo, o corpo e a dança. Marcelo e outros padres denominados pop conquistaram a simpatia popular especialmente por suas movimentadas missas, onde a dança ou a “aeróbica do Senhor” são pontos altos. Nos últimos tempos, a religião saiu dos domínios da Igreja. Está na empresa, na escola, na rua, mas especialmente nas manifestações culturais. São centenas de músicas com letras religiosas. O mercado editorial está cheio de livros do gênero. A presença de religiosos na TV é coisa comum. Por fim, o carnaval também se tornou um espaço para a manifestação do espiritual. Diante desse rompimento de fronteiras, a Igreja se vê obrigada a recorrer à lei para garantir a preservação de suas imagens. Na disputa judicial para garantir o monopólio do “sagrado”, cabe uma questão: por que os religiosos quiseram proibir os foliões de usar as imagens em meio à dança, se os próprios religiosos levaram primeiro a dança e o ritmo para dentro dos templos? Discórdia à parte, esses fatos mostram como as distinções entre o sagrado e o profano estão sendo pressionadas, nessa era de expansão religiosa e de explosão da cultura pop. O dicionário define profano como algo “não pertencente à religião”, “não sagrado”, “secular”; enquanto que sagrado é algo “concernente às coisas divinas, à religião, aos ritos ou ao culto”, “inviolável” ou “santo”. Entre os povos antigos, a vida religiosa não contemplava essa distinção. Sagrado e profano eram categorias inexistentes. A religião era o centro da vida e todas as demais coisas eram naturalmente relacionadas a ela. O plantio da terra, a procriação e a diversão eram expressões religiosas, na medida em que se tornavam oferendas aos deuses. Os rituais misturavam atos sexuais, orgia e danças, como no festival de Dionísio, divindade greco-romana. A dança sempre foi um acessório cultual, entre os índios, nas religiões afro, no antigo Egito e em inúmeros cultos antigos. Mircea Eliade, historiador das religiões, afirma que a dança e a música de tambores eram parte indispensável dos cultos antigos. LEITURA COMPLEMENTAR TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA 13 A presença de sexo, dança e bebida nos cultos pagãos se deve ao fato de que a diversão era uma forma adequada de cultuar, segundo os padrões daquela religião. A união entre sagrado e profano era natural num mundo em que os deuses eram espíritos evoluídos ou espíritos de guerreiros humanos, que, portanto, apreciavam as coisas próprias do homem. As religiões que seguem a revelação bíblica – judaísmo e cristianismo – criaram a distinção entre sagrado e profano, ao introduzir a ideia do pecado e o conceito da santidade de Deus. O profano e o sagrado não têm espaço na religião destituída da ideia do pecado. As religiões antigas e as espiritualistas de hoje não têm para essas categorias um conceito claro, exatamente porque não estabelecem a realidade do pecado e da redenção. O que está acontecendo, com a acomodação das igrejas cristãs à cultura secular, é uma perda gradativa dessas categorias. Com isso, as expressões culturais vão sendo aceitas pelos religiosos como ingredientes próprios para o culto. E no mundo secular as imagens religiosas vão conquistando espaço nas diversas expressões de arte, inclusive no carnaval. A mistura de sagrado e profano, no cristianismo, reduz a religião a uma mera manifestação cultural e simplifica Deus a um personagem do imaginário popular. No século XVIII, o filósofo Edmund Burke, em seu livro Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo, chamava a atenção para a perda da noção da sublimidade de Deus, na medida em que Deus era visto como uma ideia a ser apreendida. O mesmo ocorre quando a religião é reduzida a uma simples manifestação cultural. Para Burke, a sublimidade divina repousa no pensamento de que Deus é um Ser majestoso separado do mundo e impossível de se igualar ao mundo, mesmo tendo Se feito carne. A ideia de um Deus igual ao homem, tolerante e bom camarada, própria do tempo atual, favorece o amor a Deus, mas enfraquece o temor. O amor se fortalece com a encarnação, a acessibilidade, a graça. O temor é o resultado da santidade, da grandeza, da ira, da sublimidade. O temor é tão indispensável que a Bíblia o chama de “o princípio da sabedoria”. Na relação com Deus, amor e temor precisam estar juntos. Mas isso só é possível quando sagrado e profano permanecem separados. FONTE: Disponível em: <http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/meio/sagrado_profano. htm>. Acesso em: 12 set. 2009. 14 Neste tópico, você aprendeu que: Antes de estudar as religiões é necessário pensar qual será a abordagem teórica a ser adotada pelo pesquisador das religiões. Tolerância religiosa não é sinônimo de abrir mão de conceitos próprios e nem de concordar com tudo que os outros concordam. A tolerância apenas pressupõe o respeito à opinião daqueles que não partilham da mesma fé. Hierofania é a manifestação do sagrado no mundo profano, ou seja, uma árvore sagrada já não é apenas uma árvore, porém é uma árvore revestida de um poder divino que a transforma em sagrada. Para que o homem religioso possa ter acesso ao objeto de seu culto, é preciso que existam espaços sagrados, que são diferentes de quaisquer dos demais espaços onde o homem vive. Pode ser uma igreja, uma mesquita, um terreiro ou uma sinagoga. Uma definição de religião única é bastante complexa, na medida em que colocaria uma religião como a principal ou a verdadeira enquanto todas as demais seriam falsas ou inferiores. Uma definição que seja baseada em conceitos ao invés de parâmetros é mais adequada para a abordagem proposta. Os quatro conceitos-chave que podem ser identificados em todas as religiões são conceito, cerimônia, organização e experiência. RESUMO DO TÓPICO 1 15 Como esta unidade foi muito densa, ou seja, com muitos conceitos nem sempre muito fáceis de serem assimilados, revise o tópico e responda às seguintes questões: 1 Defina, com suas palavras, o conceito de hierofania. 2 Após o estudo do tópico, como você encara a questão da tolerância religiosa? 3 Defina espaço sagrado e espaço profano, de acordo com a abordagem de Mircea Eliade. 4 Conceito de teofania. 5 É possível definir religião? Explique. 6 Qual é o parâmetro segundo o qual estudaremos as religiões? AUTOATIVIDADE 16 17 TÓPICO 2 OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Após a abordagem teórica do tópico anterior, passaremos a analisar juntos os chamados Povos do Livro, ou seja, as três grandes religiões monoteístas da humanidade: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Embora o diálogo entre elas não seja uma tarefa muito fácil, é importante destacarmos que existem semelhanças entre elas, embora as fronteiras entre o que é tolerável, em termos teológicos, estejam bastante claras para cada uma delas. As três religiões têm origem no Oriente Médio, são monoteístas, como já dissemos e, portanto, chamadas de “abraâmicas”, devido ao homem chamado Abraão ser o primeiro patriarca a realizar um pacto com o Único Deus. A região de influência destas religiões foi em primeiro lugar o Mediterrâneo Oriental, cristianismo e islamismo tiveram um crescimento muito mais expressivo que o judaísmo. Podemos dizer que o cristianismo é a religião do Ocidente e o islamismo se tornou uma força praticamente irresistívelno Oriente Médio, enraizado na cultura árabe, enquanto o judaísmo continuou praticamente estagnado no tocante ao crescimento. Na ordem cronológica, do antigo para o mais recente, faremos uma abordagem individual de cada uma delas, iniciando pelo judaísmo, passando pelo cristianismo e concluindo com o islamismo. UNI O termo “Povos do Livro” faz referência à utilização de livros considerados sagrados por cada uma delas: A Torá para os judeus, a Bíblia para os cristãos e o Corão para os muçulmanos. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 18 2 HISTÓRIA Uma das principais características do povo judeu é sua íntima ligação com a História. Toda a fé judaica está enraizada na crença de um pacto, ou melhor, uma aliança especial feita por Deus com um homem chamado Abraão. A descendência de Abraão deu origem ao povo judeu. Embora o relato do Antigo Testamento inicie sua narrativa com a história de Adão e Eva e a origem da raça humana por meio da criação divina, é com Abraão que a ideia de um povo especial, separado por Deus como Seu, aparece pela primeira vez. A trajetória do povo judeu tem sua origem por volta de 3.800 anos atrás, através da figura de Abraão, que parte da terra de Ur, na Caldeia, obedecendo a uma orientação divina de que deveria sair de sua terra e migrar para a terra de Canaã. As ruínas de Ur encontram-se hoje no sul do Iraque e Abraão rumou para próximo das margens orientais do Mediterrâneo. O povo ganhou um nome através do neto de Abraão, Jacó, que após uma dramática luta com um anjo de Deus, tem seu nome mudado para Israel. São os 12 filhos de Israel que dão origem às 12 tribos. FIGURA 2 – PINTURA DE REMBRANDT RETRATANDO O SACRIFÍCIO DE ISAAC FONTE: Disponível em: <www.bbc.co.uk/.../167_rembrandt/ page5.shtml>. Acesso em: 20 set. 2009. Após um período extremo de fome em Canaã, o povo migra rumo ao Egito, onde desfruta das bênçãos em virtude de José, um dos filhos de Jacó, ser o vice-rei do Egito. Após muito tempo, os egípcios escravizam os israelitas por 400 anos, quando surge a figura de Moisés como um libertador instituído por Deus para esta função. Com o chamado Êxodo, os israelitas saem do Egito e passam a viver errantes pelo deserto por volta de 40 anos, sob a liderança de Moisés. TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO 19 É neste momento que o povo recebe a chamada Lei do Senhor, ou as Tábuas da Lei, mandamentos de conduta moral e espiritual dadas por Deus para Seu povo. Sempre que obedecessem a essas leis, receberiam o apoio e o favor divino, e quando rejeitassem a Lei seriam repreendidos para que voltassem seus caminhos para Deus. UNI Caro acadêmico, você já deve ter percebido que o autor está correndo com esta história, apontando apenas os fatos que são fundamentais para entender a trajetória do povo judeu. Se você quiser aprofundar esta história, leia o Antigo Testamento de sua Bíblia ou procure nas referências bibliográficas no livro de História de Israel. O povo entra na chamada Terra Prometida por volta de 1200 a.C. Sob a liderança do sucessor de Moisés, Josué e após ele sob a liderança dos chamados Juízes, através de um governo teocrático, onde era o próprio Deus quem os governava através dos líderes instituídos divinamente. Após este período, os israelitas entram no período monárquico, onde, à semelhança aos povos circunvizinhos, um rei deveria governar o povo. O reino unido durou aproximadamente 120 anos sob os governos de Saul, Davi e Salomão, sendo este último o responsável pela construção do famoso Templo de Jerusalém, símbolo máximo do judaísmo até os dias de hoje, embora só tenha restado uma das paredes do antigo templo, conhecido hoje como o Muro das Lamentações. FIGURA 3 – MAQUETE POSSÍVEL DO PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM, CONSTRUÍDO POR SALOMÃO FONTE: Disponível em: <revisando.wordpress.com/.../>. Acesso em: 20 set. 2009. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 20 Após a morte de Salomão, o reino se divide em dois: o Reino de Israel e o Reino de Judá, com dinastias distintas. É neste período que surgem os chamados profetas, homens que recebiam a missão de transmitir a Palavra de Deus, advertindo o povo de que o Juízo divino viria sobre todo o povo caso continuassem a seguir o mesmo caminho dos povos ao seu entorno. UNI Quais eram estas práticas abomináveis pelo Deus de Israel? A principal delas era a prática pagã da idolatria. Ela tem origem nas palavras gregas Eidolon (imagem) + latreia (culto). Esta era uma prática muito comum no mundo antigo e consistia na fabricação de ídolos ou imagens dos deuses para que fosse prestado culto à divindade através desta imagem. No caso específico de Israel, o povo cananeu adorava de maneira especial a quatro deuses: Baal, Moloque, Astarote e Mamom. Os rituais a estes deuses englobavam sacrifícios de crianças, orgias rituais com sacerdotisas que se prostituíam nos templos. Você consegue entender agora porque tantas restrições e proibições para o povo de Israel não seguir os deuses dos cananeus? Você consegue mais informações a respeito de escavações arqueológicas nas ruínas das cidades cananeias que explicam cada vez mais como funcionavam os cultos destes povos, no link: <http://www.cafetorah.com/Destruicao-dos-Cananeus>. O Reino do Norte (Israel) é devastado pelo povo assírio por volta de 722 a.C. A partir desta data, este reino deixa de ter importância política e religiosa para o contexto geral de Israel. Isso se deu principalmente pela maneira como os assírios atacavam as cidades e exilavam os povos. Uma parte da população conquistada era levada cativa até a Assíria, em especial os soldados, a nobreza e os intelectuais. Ao mesmo tempo, assírios eram mandados até as cidades para implantar a cultura assíria nos reinos conquistados. O Reino do Norte sofreu o processo ao qual chamamos de aculturação, formando depois o povo conhecido como os samaritanos. UNI Aculturação é o processo segundo o qual existe a troca de experiências culturais entre dois ou mais povos. Este conceito, até pouco tempo atrás, era utilizado para explicar como culturas inteiras desapareciam após o contato com outra dita “superior”. Isso, porém tem sido revisto por antropólogos e sociólogos, na medida em que a troca de cultura é recíproca. A resultante deste contato é uma terceira cultura que une elementos de cada um dos povos originais. No caso do Reino do Norte, Israel + Assíria = Samaria. TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO 21 O Reino do Sul foi conquistado pela Babilônia por volta de 587 a.C., porém em 539 a.C. foi permitido que os que assim desejassem retornassem a Judá. Este foi um período muito importante para o povo de Israel, por diversas razões. Foi a partir do retorno da Babilônia que o termo judeu passou a ser utilizado para designar os remanescentes do exílio. Foi durante o exílio na Babilônia que surgiu uma grande preocupação em registrar os acontecimentos e fabricar cópias dos livros da Torá ou Pentateuco, bem como os livros das crônicas dos reis de Israel e Judá. Cópias destes livros foram feitas e guardadas tendo como objetivo principal preservar a tradição de Israel para as gerações futuras. 3 DOUTRINA A vida na Babilônia trouxe a figura da sinagoga para o contexto do culto religioso dos judeus. Já que estavam em uma terra estranha sob forte influência do sistema politeísta babilônio, os líderes começaram a reunir o povo para ensinar e ler os escritos sagrados. A partir de então, o Templo não era mais indispensável para a realização das reuniões, mesmo mantendo uma importância considerável no tocante à identidade judaica. Após o retorno dos remanescentes a Judá, os judeus foram repetidamente perseguidos e dominados por povos estrangeiros, culminando com a ocupação romana que sufocou em definitivo as tentativas dos revoltosos judeus em recuperar o controlee domínio sobre a Palestina. O ponto alto desta derrota final dos judeus frente aos romanos foi a destruição do Segundo Templo de Jerusalém no ano 70 d.C. pelo general romano Tito. Com esta derrota, os judeus foram espalhados por todo o mundo no movimento conhecido como “diáspora judaica”. Em todos os países por onde estiveram desde então, os judeus se reúnem em sinagogas para orar, ler e aprender a Torá e a respeitar as festas e preceitos éticos ensinados na Lei e no Talmud. UNI Diáspora deriva do hebraico tefutzah, “dispersado”, ou גלות galut “exílio” e faz referência à dispersão dos judeus após a destruição do templo e o massacre de cerca de um milhão de judeus na batalha de resistência contra os romanos. A tradição atribui a destruição do templo pelos babilônios à idolatria do povo. A segunda destruição do templo, segundo a tradição, é atribuída à falta de caridade e respeito vazio pelas leis sem a contrapartida do respeito e auxílio ao próximo. Os judeus acreditam que o terceiro templo será reconstruído pelo Messias numa época quando todos os judeus voltarão a se importar uns com os outros através do amor incondicional. Para maiores informações, acesse <http://www.morasha.com. br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=274&p=2>. Esta é a página de uma revista judaica que fala sobre as lições que a destruição do templo deve trazer para os judeus de todo o mundo. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 22 Numa sinagoga não existem imagens nem objetos no altar, pois são estritamente proibidas pela Lei de Moisés. O ponto central de uma sinagoga é a chamada Arca, um armário que fica na parede oriental, na direção de Jerusalém, onde são guardados os rolos da Torá, todos escritos em formato de pergaminhos. A principal reunião judaica acontece no sábado, com uma grande cerimônia repleta de significados em torno da leitura do Livro Sagrado. Acontecem reuniões também às segundas e quintas-feiras com o objetivo de, ao término do ano, todo o cânone seja lido em público. Além da Torá, são lidos salmos, orações e bênçãos, contidos num livro especial chamado Sidur. Os cânticos podem ser efetuados por um membro do sexo masculino adulto leigo, porém o sermão e o ensino da Lei devem ser feitos por um rabino. Todo o serviço na sinagoga é desempenhado por homens adultos, enquanto as mulheres desempenham um papel fundamental no culto familiar, que é tão importante quanto a reunião pública, em especial o chamado Shabat. FIGURA 4 – ENTRADA DA SINAGOGA DE CURITIBA-PARANÁ FONTE: Disponível em: <http://www.curitiba-parana.net/religiao.htm>. Acesso em: 20 set. 2009. UNI O shabbat se inicia com o pôr do sol de sexta-feira e dura até o pôr do sol de sábado. Todas as refeições deste dia possuem profundos significados religiosos e são responsáveis pela manutenção dos costumes religiosos e da transmissão destes costumes de geração em geração. TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO 23 Os judeus aguardam a vinda de um Messias que restaurará o trono de Davi e devolverá a glória ao povo de Israel. Este Messias deve reconstruir o grande Templo de Jerusalém. Este será um tempo de grande alegria e paz na Terra para os judeus. O judaísmo apresenta basicamente três linhas ou correntes doutrinárias, todas elas fundamentadas na interpretação dos livros e ritos considerados sagrados por eles. Esta divisão didática é a seguinte: judaísmo ortodoxo, reformista e conservador. Outras subdivisões existem, mas não são aceitas pela comunidade judaica e serão citadas a título de conhecimento. Estas correntes têm sua origem na tentativa de adaptar o discurso religioso e teológico da tradição judaica para o contexto das sociedades modernas. Os ortodoxos são os mais rígidos com o cumprimento das leis e preceitos propostos, os reformistas um grupo com tendência mais liberal e os conservadores buscam um meio-termo e um tom conciliador entre os dois primeiros grupos. DICAS Não se preocupe, caro acadêmico, o professor vai explicar cada uma destas linhas do judaísmo contemporâneo a partir de agora! Os judeus ortodoxos são aqueles que buscam cumprir de maneira cabal todos os preceitos da Lei Judaica, conhecida como Halachá. IMPORTANT E A Halachá é composta por 613 preceitos estipulados pela Lei Judaica. E o que seriam estes “preceitos”? Eles têm relação com a vida cotidiana do fiel sobre seus hábitos, por exemplo, a dieta Kosher. Esta dieta determina alguns alimentos que não podem fazer parte da alimentação dos judeus ortodoxos. Outros hábitos presentes na Halachá são o descanso sabático e as leis de pureza familiar, entre outras. Os judeus ortodoxos possuem algumas peculiaridades em seu cotidiano, por exemplo, a adoção de roupas simples, separação entre as atividades de homens e mulheres dentro do contexto das práticas públicas da religiosidade judaica. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 24 FIGURA 5 – GRUPO DE JUDEUS ORTODOXOS FONTE: Disponível me: <http://latitude.blogs.nytimes.com/2012/07/04/ imposing-the-draft-on-ultra-orthodox-jews/?_r=0>. Acesso em: 25 jun. 2016. Além do terno característico, existem roupas ritualísticas bastante interessantes, se analisarmos seu significado para os fiéis. O quipá, o peiot, o tsitsit, o tefilin e o talit. O quipá representa a superioridade de Deus sobre a Sua Criação e que Ele sempre nos observa. Por esta razão, acompanha o judeu em todos os lugares. É importante salientar que o uso destes elementos é meramente ritual em respeito à tradição, não servindo como uma espécie de amuleto ou algo do gênero. FIGURA 6 – QUIPÁ FONTE: Disponível em: <http://www.ehow.com.br/judeus-usam- quipa-fatos_80900/>. Acesso em: 25 jun. 2016. TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO 25 DICAS Sugiro que você se aprofunde um pouco mais na ritualística judaica e em como os judeus tratam a questão das vestimentas. O link <http://www.ehow.com.br/judeus-usam- quipa-fatos_80900/> explica quais são as razões para que os judeus usem o quipá. Ah, sim, claro! O professor Eduardo acaba de me pedir para lembrar você de fazer a leitura com um olhar de pesquisador, buscando se colocar na posição de um judeu ortodoxo que vive em uma realidade que tentamos explicar até este momento. Peiot significa costeleta no hebraico. O termo consta no livro de Levítico capítulo 19:17, que diz: "Não cortem o cabelo dos lados da cabeça, nem aparem as pontas da barba”. O corte desta parte do cabelo é considerado por alguns como uma prática pagã, pertencente aos de fora da comunidade judaica. Alguns religiosos deixam esta parte do cabelo crescer de maneira permanente para mostrar sua devoção aos preceitos do Pentateuco. FIGURA 7 – JUDEU ORTODOXO COM O PEIOT NA LATERAL DO CABELO FONTE: Disponível em: <http://www.es.chabad.org/library/ article_cdo/aid/3003569/jewish/Por-qu-algunos-judos-jasdicos- usan-las-peot-largas-tirabuzones.htm Acesso em 26/06/2016>. Acesso em: 30 ago. 2016. Tsitsit são as franjas do Talit. Traduzindo para o bom português, são quatro cordões que são fixados nas quatro pontas do Talit, que é quadrado. O texto base para seu uso é Números 15:38, que diz: "Diga o seguinte aos israelitas: Façam borlas nas extremidades das suas roupas e ponham um cordão azul em cada uma delas; façam isso por todas as suas gerações”. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 26 FIGURA 8 – TSITSIT FONTE: Disponível em: <http://www.ioffer.com/i/100-cotton-jewish-tzitzit-1-set-of- 4-tsitsit-chassidic-170168339>. Acesso em: 26 jun. 2016. Talit é o manto utilizado nas orações matinais na sinagoga. Tem a função de gerar isonomia entre os participantes do culto.UNI Conversando: Isono... o que? Por favor, professor, nos ajude explicando melhor... Não sabemos qual é o horário em que nosso caríssimo ou caríssima aluna estão estudando. Então é melhor você dizer o que este termoque você usou significa... Isonomia quer dizer igualdade de direitos e deveres de diferentes elementos desta sociedade. A questão da vestimenta implícita no Talit demonstra um desejo de colocar todos os praticantes em um mesmo patamar. Durante as práticas religiosas, todos seriam iguais. FIGURA 9 - TALIT FONTE: Disponível em: <http://asvespertinas.blogspot.com. br/2012_04_01_archive.html>. Acesso em: 26 jun. 2016. TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO 27 Por fim, o Tefilin são duas pequenas caixas em couro que contêm trechos da Torá. São amarradas uma ao braço e outra na testa de todos os homens maiores de 13 anos todos os dias, exceto sábados. Indica a adesão do indivíduo aos valores judaicos. Seu uso está descrito em Deuteronômio 6:6-8, que diz: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; E as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando- te e levantando-te. Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos”. FIGURA 10 – TEFILIN FONTE: Disponível em: <http://tefilinparatodos.blogspot. com.br/2009/01/tefilin-la-importancia-de-colocar.html>.Acesso em: 25 jun. 2016. IMPORTANT E Achamos interessante trazer para você uma descrição dos paramentos judaicos ortodoxos, bem como sua origem na Torá, para que você possa ver como eles efetuaram uma interpretação literal da mensagem bíblica em todos os aspectos, compondo uma linha bastante rígida na teologia. Para os ortodoxos, a Torá é um texto revelado por Deus e por esta razão não pode ser alterada em nenhum ponto, devendo permanecer intacta através de uma manutenção bastante rígida das tradições. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 28 Este grupo procura manter sua unidade interna, alheia ao seu entorno. Formam comunidades em locais específicos, suas crianças recebem uma educação distinta daquela que o sistema educacional apresenta, para que elas aprendam desde cedo sobre sua ortodoxia religiosa. E, por fim, não querem que os princípios que eles seguem sejam alterados ou modificados, para serem melhor aceitos pela comunidade não ortodoxa. DICAS Estava aqui pensando agora sobre este último parágrafo que o professor nos trouxe e percebo que não é uma prioridade o recebimento de novos membros nestas comunidades. Pois se o discurso é tão rígido e não existe o desejo de integrar-se à sociedade, então não existe um forte trabalho de trazer outras pessoas para esta religião. Confere, professor? Isto faz algum sentido ou eu estou viajando na reflexão? Como o Brasil possui uma tradição religiosa cristã, nos é comum a ideia de Evangelismo onde se procura trazer pessoas para sua fé e o processo de conversão é bastante simples, não demandando muito esforço por parte do que ingressa na religião, iniciando então um processo de conhecimento e amadurecimento da fé que ele acabou de abraçar. No judaísmo este processo é mais complicado e demorado, pois o candidato ou candidata a se tornar um judeu precisa passar um ano ou mais estudando os fundamentos do judaísmo, além de escolher qual das três linhas ele vai participar. Caso procure a linha ortodoxa, por exemplo, precisa passar por um teste e ser circuncidado. DICAS Será que o senhor poderia explicar, para nosso aluno que não está acostumado com o termo, o que significa circuncisão? Claro que posso! Circuncisão é a retirada cirúrgica do prepúcio, pele que recobre o pênis, para fins higiênicos ou religiosos, o que é o nosso caso em nossa conversa com vocês sobre o judaísmo. A ruptura no judaísmo ortodoxo moderno ocorreu em grande medida por causa da rigidez das práticas e de seu afastamento do mundo moderno. Ela iniciou no século XIX na Alemanha, através de críticas de reformistas que criticaram a Torá e de maneira especial sua interpretação, que poderia mudar de TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO 29 acordo com as mudanças na sociedade. Estes reformistas propõem uma adaptação do judaísmo às novas realidades sociais. Propõem abrir mão da rigidez na dieta alimentar, o descanso sabático e outros itens das práticas rituais. IMPORTANT E É fundamental entender que estas mudanças no discurso judaico têm o objetivo de manter a relevância da religião na sociedade contemporânea. A interpretação literal é considerada em conjunto com uma explicação metafísica e atemporal. Por exemplo, o tefilin, ao invés de ser entendido literalmente como uma ordenança divina para manter o texto nas caixas de couro na testa e no braço, poderia ser entendido como mantê-la guardada na mente e nas atitudes. Para os reformistas, portanto, não existem problemas com a obediência à Torá, apenas uma nova interpretação de seu conteúdo. Entre estas mudanças ritualísticas está a adoção de línguas vernáculas dos países onde os grupos de judeus estão inseridos, além da equiparação de atributos religiosos entre homens e mulheres. Teologicamente, a peregrinação à Terra Santa e a criação de um Estado judeu deixam de ser uma prioridade para os judeus desta linha reformista. Este ponto é fundamental para diferirmos as duas correntes de pensamento. O judaísmo, por definição, é uma religião de certa forma política, ou seja, é a trajetória de um povo na história conectado através da religião. Por esta razão, a manutenção de um Estado judeu para os ortodoxos é o cumprimento de uma ordenança e promessas divinas para o Seu povo, adicionando o território físico à religião. O conceito de sionismo é proveniente desta teoria e razão de discussão com os judeus reformistas que não aceitam a ligação política com a questão do Estado de Israel. Para eles o judaísmo deve permanecer restrito ao campo religioso, não político. IMPORTANT E É importante que você não confunda sionismo com antissemitismo! Sionismo é o movimento político que buscou fortalecer a ideia de que Israel precisava de um Estado soberano, como maneira de reparar os danos causados por séculos de perseguição aos judeus. Este movimento teve início no século XIX e culminou com a criação do Estado de Israel em 1948, após a Segunda Guerra Mundial. Antissemitismo é o movimento que incita o ódio aos judeus. Foi bastante forte na Alemanha, onde se pregou, por muito tempo, que eles eram os responsáveis pelos males econômicos e políticos pelos quais o país passou no final do século XIX, até a materialização do Holocausto nazista. UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 30 Existe ainda uma terceira via para o judaísmo contemporâneo, chamado de conservador, que está entre as duas correntes anteriores. Esta vertente surgiu nos Estados Unidos com um grupo de rabinos que não aceitaram as práticas alimentares consideradas liberais por demais. A partir desta discordância teológica e doutrinária, fundou-se o Seminário Teológico Judeu, em Nova York, um centro para a formação deste novo grupo de líderes chamados conservadores. Baseiam sua teologia em três pontos principais, os quais chamam de pilares: a Lei Judaica, a libertação nacional e o uso do hebraico como língua litúrgica. Entre as diferenças com a linha ortodoxa podemos citar a saída dos guetos para fazer parte da sociedade na qual os grupos estão inseridos. As mulheres foram igualadas aos homens na corrente conservadora, porém mantêm a peregrinação à Terra Santa que eles consideram um preceito divino. Outras linhas teológicas relacionadas com o judaísmo, mas que não são aceitas por nenhuma das correntes apresentadas até aqui e gostaríamos de rapidamente citá-las para o seu conhecimento: • Judaísmo Messiânico: interage com o cristianismo por aceitar que Jesus Cristo é o Messias esperado pelos judeus. • Judaísmo Caraíta: Desconsidera os textos orais utilizados para compor o corpo doutrinal judaico, aceitando apenas os textos escritos da Torá. • Judaísmo Samaritano: Divisãooriunda dos habitantes da Samaria, antigo Reino do Norte de Israel que adotam sua versão da Torá e consideram o monte Gerizim como lugar sagrado. • Judaísmo Ateístico: Não acreditam em Deus, mas consideram-se judeus, pois apresentam simpatia não com a teologia, mas com os costumes e a ética judaica. 4 RELAÇÕES Para os judeus não existe diferença entre ética e religião. A ética é, portanto, uma extensão da sua doutrina. Na lei judaica existem 248 afirmações e 346 restrições ou proibições, totalizando 613 mandamentos. A tradição diz que um costume tem o mesmo peso de uma lei. Esta lei dá muita ênfase às seguintes qualidades eticamente aprovadas pela sociedade: generosidade, hospitalidade, boa vontade, honestidade e respeito pelos pais. Segundo este conjunto de regras, a ajuda aos necessitados não deve ser encarada como caridade, mas na justiça, pois é uma determinação divina que não existam pobres sobre a Terra. (Ver Levítico 19:34). Verificamos no código das leis judaicas que o exemplo do descanso sabático faz referência à igualdade entre empregadores e empregados, ou seja, todos devem ser iguais perante esta Lei. Em última instância, no caso de impor risco à vida humana, as regras poderão ser quebradas para preservar a vida de alguém. TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO 31 Dois filósofos judeus resumiram muito bem a ética judaica: Mas o reino da liberdade é o reino do conhecimento ético. (Hermann Cohen) Aquilo que não gostas, não o faças a ninguém. Isto é toda a Torah. (Hillel) Após a imigração em massa de judeus pelo mundo, muitos alcançaram posições de destaque nas sociedades onde se fixaram. Mesmo assim, desde muito tempo até o presente, os judeus têm sido perseguidos em vários locais, em primeiro lugar pelas sociedades cristãs europeias, por atribuírem a eles a morte de Jesus Cristo, e mais recentemente, pelos povos de origem muçulmana, que não aceitam a ocupação das áreas antes pertencentes aos palestinos, que tiveram que sair de suas terras para que o Estado de Israel fosse criado em 1948. A principal perseguição contra os judeus foi, sem dúvida, o Holocausto nazista, ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1933 e 1945. Historiadores estimam que aproximadamente seis milhões de judeus tenham sido mortos nos campos de concentração nazistas. Além do elemento étnico presente neste conflito, é preciso entender outro importante elemento para explicar a perseguição tão acirrada aos judeus por Hitler e Mussolini. Desde a Idade Média, os judeus foram proibidos de possuírem terras para cultivo agrícola. Eles ficaram restritos aos famigerados guetos e como, ao contrário do cristianismo católico e do islamismo, o judaísmo permitia que seus seguidores fizessem transações financeiras através da prática dos juros. Através disso, os judeus eram importantes comerciantes e muitos importantes banqueiros, obtendo proeminência nas artes e na cultura. E, por fim, a Alemanha de Hitler estava em crise, com altas taxas de desemprego e descontentamento popular. Este cenário favorece o surgimento de ações xenófobas, como foi o caso. Apontar um culpado para todas as agruras do povo e do Estado foi o argumento utilizado pela cúpula do regime nazista. UNI Para o seu final de semana, caro acadêmico, sugerimos que você possa assistir a dois filmes considerados clássicos recentes sobre o tema do Holocausto nazista: A Lista de Schindler, de Steven Spilberg, e O Pianista, de Roman Polanski. Se você já assistiu a estes filmes, encorajo-o a assistir novamente, prestando atenção nos itens trabalhados neste tópico. Não se esqueça da pipoca e de uma boa companhia! UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS 32 FIGURA 11 – A LISTA DE SCHINDLER E O PIANISTA FONTE: Disponível em: <cinehaus.wordpress.com/.../06/o-pianista-2002/www. historianet.com.br/conteudo/default.aspx?...>. Acesso em: 25 jun. 2016. UNI Estamos chegando ao término de nosso tópico de estudos, caro aluno. Se você se interessou em conhecer mais sobre a história dos judeus e esta relação deles com o comércio, vou deixar duas sugestões de leitura para aprofundar seus estudos sobre o tema. História dos Hebreus, de Flávio Josefo, que conta a trajetória do povo desde Abraão até a destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos. Mercadores e banqueiros da Idade Média, de Jacques Le Gof, que conta como os judeus desenvolveram o comércio e as atividades relacionadas ao dinheiro desde a Alta Idade Média. Eis as referências. JOSEFO, Flávio. A história dos hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 2004. LE GOFF, Jacques. Mercadores e banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 33 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Das religiões de cunho monoteísta, o judaísmo é a mais antiga delas, e tanto o cristianismo quanto o islamismo contam com elementos judaicos em suas doutrinas. • A religião judaica é uma religião histórica, ou seja, toda sua doutrina está baseada nos relatos de sua história com início há aproximadamente 3.800 anos. • Após a queda do segundo templo de Jerusalém, o centro do ritual judeu passou a ser a sinagoga e os lares das famílias. • Os homens são os responsáveis pelo serviço na sinagoga, enquanto as mulheres são as responsáveis por organizar os ritos domésticos e ensinar aos filhos a tradição judaica. • O livro sagrado dos judeus é a Torá, ou o Pentateuco da Bíblia Cristã, o Talmud, que são comentários antigos acerca da Lei, além dos demais textos do Antigo Testamento, que são utilizados como complemento do serviço nas sinagogas. • Para o judeu, a ética e a religião são devem caminhar lado a lado e, portanto, a conduta social deve condizer com a prática religiosa. • Os judeus sempre sofreram perseguições, tanto por parte dos cristãos, como por parte dos muçulmanos. A maior de todas foi o Holocausto nazista que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial. • Tanto na Europa como nos Estados Unidos, os judeus exercem grande influência no pensamento, economia e cultura, em virtude de, desde a Idade Média, buscarem o comércio como atividade, por não poderem trabalhar no campo, na agricultura. 34 Apresentamos, neste tópico, algumas divisões do judaísmo que são muito importantes para seu entendimento desta importante religião monoteísta. Para relembrar o que foi tratado neste tópico, responda às seguintes questões: 1 Quais são as divisões principais do judaísmo? E as secundárias que não são aceitas pelas principais correntes teológicas judaicas? Quais são as razões para esta divisão de pensamento e doutrina? 2 Defina sionismo e antissemitismo. 3 Quais são as peças de roupas rituais dos judeus ortodoxos e qual é o significado de sua utilização? AUTOATIVIDADE 35 TÓPICO 3 OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO O segundo dos chamados “Povos do Livro” são os cristãos. Até o início do século XX, o cristianismo foi a religião predominante em todo o Ocidente. Das três religiões estudadas, nesta Unidade, foi a que mais sofreu modificações estruturais ao longo de seus dois mil anos de história, seja através do Cisma do Oriente, seja pela Reforma Protestante, ou ainda pelos movimentos contemporâneos cristãos, como os protestantes neopentecostais, ou pelo movimento carismático católico. Portanto, é de suma importância entendermos os traços históricos do cristianismo para observarmos a sociedade em que vivemos, pois a cultura cristã está enraizada na política, nas leis e nos estatutos de nossas cidades. Também iremos entender por que a sociedade ocidental está vivendo um movimento de franca secularização e porque o islamismo tem avançado de forma tão expressiva sobre países onde anteriormente o cristianismo predominava. DICAS Já viu o que lhe aguarda, caro acadêmico? Então recomendo que você aperte os cintos e mergulhe na
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