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4 - Epistemologia Reformada

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CONHECIMENTO E CRENÇA
A razoabilidade da fé cristã e do conhecimento de Deus
Aula 01
O Conhecimento de Deus colocado em questão
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
A nossa questão é esta: acaso uma crença desse gênero é 
intelectualmente aceitável? Em particular, é intelectualmente 
aceitável para nós, hoje? Para pessoas instruídas e inteligentes 
que vivem no século 21, com tudo o que aconteceu nos últimos 
quatro ou cinco séculos? Haverá quem admita que a crença 
cristã era aceitável até apropriada para os nossos 
antepassados, pessoas que pouco sabiam de outras religiões, 
que nada sabiam da evolução e da nossa ascendência animal, 
que nada sabia da física subatômica, nem do mundo estranho, 
fantasmagórico e inquietante por ela postulado, que não 
conheciam Nietzsche, Marx e Freud (p. 17-18).
Alvin Plantinga
Conhecimento e
MI
(2015)
Crença Cristã
Recentemente, essa questão tornou-se ainda mais 
importante com o chamado “novo ateísmo” irrompendo em 
cena… Em sentido filosófico, os novos ateístas são sem 
dúvida inferiores aos atingis ateístas (e.g., Bertrand Russell, 
Charlie Dunbar Broad e John Leslie Mackie), porém eles 
parecem fazer mais barulho. Alguém poderia dizer que eles 
têm mais estilo do que conteúdo, exceto que também não há 
muito estilo; suas obras parecem pender menos para o 
academicismo sério que para a denúncia panfletária e 
raivosa… Apesar disso, algumas das questões por eles 
colocadas precisam de respostas (p. 26-27)
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Qual é exatamente, o problema? A resposta, penso, é que se 
alega haver dois problemas principais. O pensamento 
ocidental desde o Iluminismo do século 18 evidenciou pelo 
menos dois estilos distintos de objeção. Primeiro, existem as 
objeções de facto: objeções à veracidade da crença cristã. 
Talvez a mais importante objeção de facto seja o argumento 
baseado no sofrimento e no mal… O argumento do mal talvez 
seja a mais importante objeção de facto, mas não é a única. 
Há também as teses de que as principais doutrinas cristãs — 
A trindade, a Encarnação e a Expiação, por exemplo — são 
incoerentes ou necessariamente falsas (p. 18).
As objeções de facto são, portanto, muitas, e gozam de uma 
história longa e marcante no pensamento ocidental. Ainda 
mais disseminadas, contudo, têm sido as objeções de jure. 
Trata-se nesse caso de argumentos que concluem que a 
crença cristã, seja verdadeira, seja falsa, é de qualquer 
modo injustificável, ou não tem justificativa racional, ou é 
irracional, ou não é intelectualmente respeitável, ou é 
contrária a uma moralidade saudável, ou não tem evidências 
suficientes ao seu favor, ou é, de algum outro modo, 
inaceitável para a razão, não sendo adequada da 
perspectiva intelectual (p. 18).
Há, por exemplo, a tese freudiana de que a crença em 
Deus é na realidade o resultado da realização de um 
desejo; há a tese evidencial de que não ha evidência 
suficiente a favor da crença cristã; e há a tese pluralista 
de que ha algo de arbitrário e até de arrogante em 
sustentar que a crença cristã é verdadeira e que é falso 
tudo o que com ela for incompatível. As objeções de 
facto e de jure pertencem a diferentes espécies, mas 
às vezes coincidem (p. 19). 
As objeções de jure, por sua vez, apesar de serem talvez mais 
amplamente apresentadas que as suas homólogas de facto, 
são muito menos claras. A conclusão de uma objeção desse 
tipo é sempre a de que há algo de errado na crença cristã — 
algo que não a sua falsidade — ou então que há algo de 
errado no crente cristão: a crença ou o crente não têm 
justificação, ou são irracionais, ou racionalmente 
inaceitáveis, ou deixam a desejardes algum modo. Mas de 
que modo, exatamente? O que significa, na realidade, não ter 
justificação ou ser irracional?.. Responder essas perguntas é 
muito mais difícil do que se poderia pensar (p. 19).
Professar a fé cristã no século 21 diz 
respeito, dentre outras coisas, 
responder a dois estilos de objeção: 
quanto a veracidade do 
conhecimento de Deus e quanto à 
razoabilidade de sua justificação. 
Aula 02
A tese cética como questão prévia à justificação da fé
Alvin Plantinga
Conhecimento e
MI
(2015)
Crença Cristã
Nossa questão neste livro tem relação com a justificação, 
razoabilidade ou racionalidade da manutenção da fé cristã. Contudo, 
de acordo com algumas pessoas, essa não é uma questão, pois, de 
acordo com elas, a fé cristã de fato não existe. Não é o caso que a 
fé cristã seja falsa, tola ou equivocada; o caso é que ninguém tem 
de fato uma fé cristã. Argumenta-se a impossibilidade de alguém, 
ou pelo menos para qualquer um de nós, seres humanos, ter essa 
crença. Isso soa bastante fantasioso, para dizer o mínimo: o que 
dizer de todas as pessoas que vão às igrejas cristãs todos os 
domingos? Ao menos algumas delas não têm crenças cristãs? 
Apesar disso, essa opinião — de que a fé cristã de fato inexiste — é 
e tem sido surpreendentemente difundida (p. 35). 
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Para que eu possa pensar acerca de Deus e atribuir-lhe propriedades, 
não é necessário somente que tal ser exista, mas também que os 
meus conceitos se apliquem a ele. Caso contrário, não estou 
autorizado a afirmar qualquer das proposições mencionadas 
anteriormente, a acreditar nelas ou até a fórmula mentalmente — se é 
que elas realmente existem… é aqui que o suposto problema ocorre. 
Parece que muitos teólogos, e outras pessoas, pensam que há uma 
genuína dificuldade na ideia de que o nossos conceitos poderiam 
aplicar-se a Deus — isto é, poderiam aplicar-se a um ser dotados das 
propriedades de ser infinito, transcendente, e absoluto. A ideia é que, 
se houvesse um ser assim, não poderíamos falar dele (p. 29-30). 
Immanuel Kant
Crítica da Razão
MI
(1781)
Pura
Aquilo que denominamos númeno deveria, pois, como tal, ser 
entendido apenas em sentido negativo. Se retirar ao 
conhecimento empírico todo o pensamento (efetuado 
mediante categorias), não resta o conhecimento de nenhum 
objeto; porque pela simples intuição nada é pensado, e do 
fato desta afeição da minha sensibilidade se produzir em 
mim não deriva nenhuma referência de uma tal 
representação a qualquer objeto. Se, em contrapartida, 
abstrair de toda a intuição, resta ainda a forma de 
pensamento, isto é, o modo de determinar um objeto para o 
diverso de uma intuição possível (B 309).
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
O que se afirma ou se dá a entender é que Kant nos mostrou, 
de algum modo, que há problemas genuínos, talvez 
insuperáveis, na ideia de que exista um ser como o que é 
reconhecido no cristianismo tradicional, ao qual podemos 
nos referir e ao qual os nossos conceitos se aplicam… A partir 
da década de 1930, os positivistas lógicos gostavam de insistir 
em que os enunciados que os cristãos tipicamente profere — 
“Deus nos ama” ou “o Universo foi criado por Deus”, ou “Deus 
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo”— tal como 
são comumente usados, não dizem seja o que for; não 
exprimem proposição alguma (p. 33).
Os fenômenos são objetos, objetos que existe no tempo e 
no espaço. Os númenos, ao contrário, não são temporais 
nem espaciais; o espaço e o tempo são formas de nossa 
intuição e não realidades que caracterizam as coisas em si. 
Os númenos e os fenômenos são, consequentemente, 
distintos. Além disso, só temos experiência dos fenômenos e 
não dos númenos… Exprimindo-o sinteticamente e sem 
nenhum detalhamento, há dois domínios de objetos; a nossa 
experiência refere-se a apenas um domínio, o domínio dos 
fenômenos, que em si depende de nós para existir. (p. 37).
Isso porque o domínio fenomenal é de algum modo 
construído por nós a partir dos dados, do material 
cru da experiência… Por fim, há uma conexão entre 
os dois mundos, à medida que uma espécie de 
transação causal entre númenos e o ego 
transcendental (que é em si um númeno) produz 
em nós os dados a partir dos quais construímoso 
mundo fenomenal. Denomina-se essa maneira de 
ver as coisas a imagem de dois mundos. (p. 37-38).
Alvin Plantinga
Conhecimento e
MI
(2015)
Crença Cristã
É claro que Deus deve estar entre as coisas em si. Essa orientação do 
pensamento de Kant implicaria, pois, que nós, seres humanos, não 
podemos pensar a respeito de Deus. Não temos qualquer conceito 
que se aplique a ele. Nossos conceitos se aplicam só às aparências, 
não ao mundo da realidade. Portanto, Deus, a realidade in excelsis, 
está tão acima de nós, ou tão além de nós, que nossa mente 
insignificante não pode alcançá-lo. Nossa mente, nosso pensamento e 
nossa linguagem apenas não chegam até Deus. Portanto, algumas 
pessoas que entendem Kant nesses termos e pensam que ele está 
fundamentalmente correto acerca disso, concluem que não podemos 
pensar a respeito de Deus. E, obviamente, se não podemos pensar a 
respeito de Deus, não podemos também falar a respeito dele (p. 38).
Immanuel Kant colocou todo o pensamento 
ocidental diante de dois mundos radicalmente 
distintos, em que nossos conceitos e linguagem 
não se aplicam às coisas em si (que permanecem 
incognoscíveis), mas tão somente às aparências 
que experimentamos na realidade temporal. Para 
Kant, essa é a razão da multiplicação dogmática 
de perspectivas metafísicas e religiosas.
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Mas se isso for verdadeiro, é de se 
presumir que pelo menos um dos nossos 
conceitos — o de que esse ser é tal de 
modo que nossos conceitos não se lhe 
aplicam — aplica-se realmente a ele… 
Assim, se ele for bem-sucedido ao afirmar 
sua tese, torna a tese falsa (p. 31).
Essa maneira de pensar é claramente caracterizada por uma 
incoerência profunda: nessa imagem, Kant sustenta que as Dinge 
têm uma relação causal ou interativa conosco, sendo nós tomados 
aqui como egos transcendentais; e também afirmar que as não 
estão no espaço nem no tempo. Entretanto, pela subimagem 
radical, Kant (pelo menos se o seu equipamento intelectual for 
como o nosso) não deveria ser capaz de se referir às Dinge nem 
sequer de especular sobre a existe cia de tais coisas. No mínimo, 
ele não seria capaz de se referir a elas nem de lhes atribuir as 
propriedades de serem atemporais e a-espaciais ou a 
propriedade de afetar o ego transcendental, produzindo assim 
experiência nele (p. 45).
Não parece que haja uma boa razão, 
seja em Kant, ou em seus 
continuadores, a favor da conclusão de 
que os nossos conceitos não se aplicam 
a Deus, de modo que não possamos 
pensar ou falar a acerca dele.
Aula 03
Os limites e o ocaso das teologias contemporâneas
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
O nosso tema é a questão de jure quanto à crença cristã: se é 
racional, ou razoável, ou racionalmente justificável, ou 
intelectualmente defensável aceitar tal crença… A crença é, entre 
outras coisas, uma crença na existência de Deus… Muitos teólogos 
contemporâneos, contudo, acreditam aparentemente que essas 
ideias são excessivamente ingênuas: sustentam que há problemas 
profundos na própria ideia de que podemos nos referir a um ser 
caracterizado como os cristãos caracterizam Deus e pensar acerca 
dele. Em particular, parecem acreditar que Immanuel Kant nos 
deu excelente razoes para (na melhor das hipóteses) desconfiar 
fortemente desse ingênuo realismo no pensamento acerca de 
Deus ou na linguagem religiosa (p. 57).
Gordon Kaufman
God The Problem
MI
(1972)
O problema central do discurso teológico, não compartilhado 
com qualquer outro “jogo de linguagem”, é o significado do 
termo “Deus”. “Deus” suscita problemas especiais de significado 
porque é um nome que por definição se refere a uma realidade 
transcendente à experiência, e assim não localizável em seu 
interior. Um récem-convertido pode ter vontade de se referir ao 
“sentimento caloroso” no seu coração quanto a Deus, mas Deus 
não se identifica com essa emoção; o biblista pode considerar que 
a Bíblia é a Palavra de Deus, o moralista pode acreditar que Deus 
fala por meio da consciência humana, o pastor pode acreditar que 
Deus está presente no seu rebanho — mas todos concordariam 
que o próprio Deus transcende o locus referido (p. 7).
Como o Criador ou fonte de tudo que existe, Deus 
não deve ser identificado com qualquer realidade 
finita particular; como o objeto próprio da 
lealdade última ou fé, Deus deve ser distinguido de 
todo valor ou ente próximo ou penúltimo. Contudo, 
se nada em nossa experiência pode ser 
identificado de forma direta com o que o termo 
“Deus” propriamente se refere, que significado 
essa palavra tem ou pode ter? (p. 7). 
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
O termo “Deus” tem um referente disponível: trata-se de 
uma construção humana, algo que criamos; quando 
falamos de Deus ao adorá-lo ou quando lhe falamos ao 
orar, é acerca desse referente disponível, ou com ele, 
que estamos falando. Talvez o termo tenha também um 
verdadeiro referente. Se o tem, contudo, tal referente 
transcende a nossa experiência e por isso é algo ao 
qual os nossos conceitos não se aplicam: um mero 
desconhecido X, para dotar a terminologia kantiana de 
Kaufman (p. 62).
Suspeito, contudo, que essa posição oficial tem outras consequências 
que Kaufman não deseja. Se esse ser, este verdadeiro referente, é 
realmente tal que nenhum dos nossos conceitos se lhe aplica, então 
não terá também propriedades como a identidade consigo mesmo, a 
existência e ser um objeto material ou imaterial, dado que todas estas 
são propriedades das quais temos conceitos. Na verdade, ele não teria 
nem mesmo a propriedade de ser o verdadeiro referente do termo 
“Deus" ou de qualquer outro termo; o nosso conceito ser o referente 
de um termo não se lhe aplicaria. O fato é que este ser não teria 
nenhuma propriedade, porque o próprio conceito de ter pelo menos 
uma propriedade não se lhe aplica… Consequentemente, estritamente, 
a posição de Kaufman é incoerente (p. 64).
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
As obras de John Hick são interessantes 
tanto por elas mesmas quanto no que diz 
respeito ao nosso tópico; também ele 
defende uma perspectiva que muito deve 
a Kant, perspectiva que pode ser entendida 
como a ideia de que os nossos conceitos 
são se aplicam a Deus ou a “O Real”.
John Hick
Uma interpretação
MI
(1989)
da Religião
Cada uma das grandes tradições fez 
uma distinção, ainda que com diferentes 
graus de ênfase, entre o Real (entendido 
como Deus, Brahma, o Dharmakaya…) em 
si e o Real tal como se manifesta no seu 
do domínio intelectual e experimental 
dessa tradição (p. 236).
É no seio do domínio fenomênico ou da experiência que a 
linguagem se desenvolveu e é aí que se aplica literalmente. Com 
efeito, o sistema de conceitos integrados na linguagem humana 
contribuiu reciprocamente para a formação deu mundo percebido 
pelos seres humanos. Há aqui tanto de construído como de dado. 
Mas a nossa linguagem não pode aplicar-se a uma postulada 
realidade numênica que nem mesmo parcialmente é formada por 
conceitos humanos. Isso está além do âmbito das nossas 
capacidades cognitivas… Assim, apesar de não podemos falar do 
Real an sich em termos literais, vivemos inescapavelmente em 
uma relação com ele (p. 350-351). 
Só podemos fazer afirmações negativas sobre o 
Absoluto… Esta via negativa (ou via remotionis) 
consiste em aplicar conceitos negativos ao 
Absoluto — o conceito de não ser finito, etc. — 
para indicar que ele está além do alcance de 
todos as nossas caracterizações positivas 
substanciais. É nesse sentido restrito que faz 
perfeito sentido dizer que nossos conceitos 
substanciais não se aplicam ao Absoluto (p. 239).
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Desse ponto de vista, a tese de Hick sobre o 
Real não é que nenhum dos nossos conceitos 
se lhe aplica; isso seria claramente 
incoerente. Sua tese é que só os nossos 
conceitos e termos formais e negativos se 
lhe aplicam, ou seja, as únicaspropriedades 
dele que aprendemos são as formais e 
negativas (p. 72). 
Como é obvio, isso apenas retarda o problema: como eles 
se refere a ele? Como é possível que os cristãos, ao usarem 
o termo “Deus”, estejam na realidade referindo-se a este ser 
que não tem propriedades positivas que eles apreendam, 
apesar do fato de que eles pensarem que estão se referindo 
a um ser com muitas propriedades positivas desse gênero? 
Uma vez mais, é preciso haver alguma conexão entre elas 
e o Real… Em tese, isso só poderia ocorrer se eles tivessem 
algum tipo de contato exponencial com ele, tivessem a 
experiência desse ser de um ou de outro modo (p. 76).
Se as coisas são assim, o Real tem pelo menos uma 
propriedade positiva não formal da qual temos 
concepção: a propriedade de ser objeto da nossa 
experiência. Tem pelo menos uma relação positiva 
não toma da qual temos concepção: a relação ser 
objeto da minha experiência… Essa modificação 
pode levar a outras, pois o que significa dizer que 
algo é objeto da nossa experiência, ou da experiência 
dos praticantes das grandes religiões? (p. 76).
A menos que recaia em uma contradição 
explicita e vexatória, a inspiração kantiana 
na teologia contemporânea lhe coloca na 
mesma posição de impasse que a teologia 
negativa está: a impossibilidade de 
proferir qualquer enunciado sobre a 
divindade. Um silenciamento sem saída.
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Seria de se esperar de quem é ateu ou agnóstico quanto a 
Deus que se afastasse completamente da religião, 
encarando a devoção e a crença religiosa com um olhar de 
hostilidade ou, na melhor das hipóteses, de dó. Não é essa a 
rota de Kaufman. Em vez disso, ele argumenta que a prática 
e a devoção religiosas “tem uma função importante a 
desempenhar na vida”. Essa função, é claro, não consiste em 
nos pôr em contato com um ser que tenha as propriedades 
tradicionalmente atribuídas a Deus ou permitir que nos 
apropriemos da salvação em Jesus Cristo que Deus nos 
prometeu (p. 66).
Essa nova função exige, isso sim, que os teólogos 
construam e reconstruam o conceito de Deus. A linguagem 
religiosa ainda é importante, mas deve ser reformulada para 
deixar de lado a vã tentativa de se referir a um ser que não 
existe. Em vez disso, ela deve ser usada para promover o 
florescimento humano, “a realização humano e o sentido”… 
Ela deve ser vista como uma espécie de símbolo de certos 
estados de coisas. Por exemplo, os cristãos entenderam a 
transcendência como uma propriedade de Deus; Kaufman 
recomenda que, ao construir o novo símbolo, mantenhamos a 
transcendência (p. 66-7).
Podemos levar alguma pate disso a sério?… 
essa reedição de secularidade disfarçada de 
“reconstrução" do cristianismo encoraja a 
desonestidade e a hipocrisia; tem como 
resultado uma espécie de código privado no 
qual se proferem as mesmas expressões de 
quem aceita a crença cristã, mas querem dizer 
algo inteiramente diferente (p. 67-68).
Em uma postura de (falsa) tolerância às 
afirmações arrogantes de religiosos, o 
discurso do diálogo interreligioso é 
incoerente em sua base e incapaz de 
alcançar o florescimento humano que 
assevera, uma vez que coloca seus adeptos 
em uma posição de silêncio empobrecedora. 
Aula 04
O fundacionalismo clássico e sua 
inconsistência autorreferente
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Está longe de ser óbvio qual é exatamente a questão ou 
objeção de jure, que questão (ou questões) os críticos têm em 
mente quando perguntam se a crença cristã e teísta é racional, 
ou racionalmente defensável, ou racionalmente justificável, ou 
seja o que for?… qual é, exatamente, a fraqueza ou defeito 
que atribuem ao crente cristão? Qual é, exatamente, a 
questão? Vamos chamar essa investigação de 
“metaquestão”… As pessoas perguntam se a crença cristã é 
racional ou razoável ou racionamento justificável; e passam 
imediatamente a responder à pergunta, sem considerar qual 
é exatamente a questão (p. 93).
Esse capítulo é dedicado ao exame de certa resposta à 
metaquestão: a questão de jure diria respeito à 
justificação da crença cristã. Essa questão surge no 
fundacionalismo clássico, uma maneira de pensar 
acerca destes tópicos que foi extremamente influente 
no decorrer da história e ainda está muito presente na 
época atual. Segundo os fundacionalistas clássicos, a 
questão de jure é, na verdade, a questão de saber se a 
crença cristã é justificada; mas como entender o termo 
“justificação”? (p. 93).
A questão da justificação racional da crença cristã remonta à 
reação iluminista à atividade espiritual e intelectual gerada 
(parcialmente) pela Reforma; o início da resposta 
caracteristicamente moderna a essa atividade se manifesta 
nas obras de René Descartes e John Locke. Tanto um como 
outro ficaram impressionados com o grau de discordância 
que havia em questões religiosas e filosóficas; isso significa, 
é claro, que o erro afeta a nossa crença nessas áreas. 
Também ficaram impressionados (como os seus sucessores) 
com o escasso progresso alcançado em questões filosóficas 
(p. 94-95).
John Locke
Ensaio acerca do
MI
(1689)
Entendimento Humano
Se as capacidades do nosso entendimento fossem bem 
consideradas, e fossem descoberto o domínio do nosso 
conhecimento, e se encontrasse o horizonte que 
estabelece os limites entre as partes iluminadas e as 
partes obscuras das coisas, entre aquelas que são e 
aquelas que não são compreensíveis para nós, os 
homens aceitariam talvez com menos escrúpulo a 
ignorância manifesta das últimas, empregando os seus 
pensamentos e discursos com mais vantagem e 
satisfação nas primeiras (§ 7).
A maior parte do nosso conhecimento depende de 
deduções e ideias intermediárias; e naqueles casos em 
que estamos dispostos a substituir o conhecimento 
pelo assentimento, tomando proposições como 
verdadeiras sem estarmos certos de que o sejam, 
precisamos descobrir, examinar e comparar as bases 
de sua probabilidade. Nesses dois casos, a faculdade 
que descobre os meios e os aplica corretamente, para 
descobrir a certeza em um caso e a probabilidade no 
outro, é aquilo a que chamamos razão (IV, xvii, § 2).
Um homem nunca pode ter um conhecimento tão 
certo de que uma proposição que contradiz os 
princípios claros e a evidência de seu próprio 
conhecimento foi revelada por Deus, ou de que 
entende corretamente as palavras em que foi 
transmitida, quando pode ter certeza do contrário; 
por isso, é obrigado a considerá-la e apreciá-la 
como matéria de razão, não a simplesmente 
engoli-la (IV, xviii, § 8).
A fé não é mais do que um assentimento mental firme: se for 
regulado, como é o nosso dever, ele não pode ser produzida por 
outra coisa senão pela razão; e assim não pode se opor a ela. 
Quem acredita sem ter qualquer razão para acreditar, pode estar 
apaixonado pelas próprias fantasias; mas não busca a verdade 
como deveria e nem presta a devida obediência ao Criador, que 
incentiva o uso das faculdades de discernimento que lhe 
concedeu, para mantê-lo afastado do engano e do erro. Quem 
não faz isso tanto quanto pode, embora algumas vezes atinja a 
verdade, está certo, mas por acaso; não sei se a sorte da fortuna 
desculpará a irregularidade do seu procedimento (IV, xvii, § 24).
Ao menos isso é certo: ele seja responsável por qualquer erro que 
encontre. Quem faz uso da luz e das faculdades que Deus lhe deu 
— e busca com sinceridade descobrir a verdade com os recursos e 
capacidades que tem — pode ter essa satisfação ao cumprir seu 
dever como criatura racional, que, embora a verdade lhe escape, 
não perderá a recompensa por ela. Pois governa o próprio 
assentimento com correção, e o coloca como deveria, quem, em 
qualquer caso ou questão, acredita ou não acredita de acordo com 
o que a razão lhe diz. Quem faz outra coisa transgride a própria luz 
e faz mau uso das faculdades concedidas para buscar e seguir a 
mais clara evidência e a maior probabilidade (IV, xvii, § 24).
Alvin Plantinga
CrençaCristã
MI
(2000)
Avalizada
O pensamento de Locke dá início ao pacote clássico: 
evidencialismo, deontologismo e fundacionalismo clássico. É 
de acordo com os primeiros dois elementos que a crença cristã 
exige evidência; ou seja, os crentes cristãos só terão direitos 
intelectuais e só estarão cumprindo seus deveres intelectuais 
se tiverem evidências suficientes a favor dessa crença. E é 
graças ao terceiro elemento que as evidências devem remontar, 
finalmente, ao que é certo para eles: o que é autoevidente ou 
incorrigível ou evidente aos sentidos. Há tempos essa conexão 
entre justificação e evidências está no centro de toda a tradição 
justificacionalista da epistemologia ocidental (p. 111).
ela foi especialmente importante no pensamento 
subsequente acerca da questão de jure quanto à crença 
cristã. Segundo essa tradição, a questão de jure é na 
realidade a questão de a crença cristã ter justificação racional 
ou não — ou seja, de os crentes terem ou não justificação 
para sustentar tais crenças e de estarem ou não cumprindo 
seu dever intelectual ao sustentá-las. O dever principal é o 
de adequar a crença às evidências, ao que é certo. Assim, a 
primeira versão da questão de jure vê-se transformada em 
uma segunda: acaso os crentes têm evidência suficientes a 
favor das suas crenças? (p. 111).
Uma das primeiras e mais duradouras formas de 
questionar a razoabilidade da crença cristã foi o 
pacote iluminista clássico de evidencialismo 
associado ao fundacionalismo e o deontologismo. 
Desde o século 17, a crença religiosa só será 
racionalmente aceita se houver evidências 
suficientes para justificá-la racionalmente — caso 
contrário, estamos agindo em desrespeito aos 
nossos deveres epistêmicos.
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Por que aceitar tais pressupostos? Por que pensar que o 
teísmo só é racionalmente aceitável se houver bons 
argumentos a seu favor? Por que pensar que se trata de uma 
hipótese científica ou de algo significativamente semelhante a 
uma hipótese científica? Claro que esses pressupostos fazem 
parte do pacote clássico: bem, por que haveremos de aceitar 
esse pacote? É claro que há alternativas sensatas… Essa 
imagem, contudo, tal como algumas outras imagens gerais, 
não resiste a um exame atento; está sujeita a objeções 
poderosas e, na verdade, fatais (p. 114-115). 
Primeiro, como argumentei alhures, o fundacionalismo 
clássico parece autorreferencialmente incoerente: 
estabelece um padrão da crença justificada a que ele 
mesmo não obedece… ao afirmar o fundacionalismo 
clássico (e presumivelmente acreditar nele), estabelece 
um padrão para que tenhamos justificação, não 
tenhamos culpa, façamos jus ao nossos direitos 
intelectuais — um padrão, contudo, a que a sua própria 
crença na imagem clássica não obedece (p. 115).
Para ser apropriadamente básica deveria ser autoevidente, 
incorrigível ou lockeanamente evidente aos sentidos. 
Entretanto, em primeiro lugar, ela não é autoevidente para 
os fundacionalistas (nem para qualquer outra pessoa)… 
Nesse aspecto, a imagem clássica é completamente diferente 
de 2+1 = 3 ou Se todos os gatos são animais e Maynard é um 
gato, então Maynard é um animal. Segundo, a imagem 
clássica não é uma crença acerca de estados mentais seja de 
quem for e, consequentemente, não é incorrigível para os 
fundacionalistas (nem para pessoas comuns). E terceiro, é 
óbvio que ela não é evidente aos sentidos (p. 116-117).
Alvin Plantinga
Conhecimento e
MI
(2015)
Crença Cristã
Mas existe outro problema. De acordo com o fundacionalismo clássico, 
para estar justificado ao acreditar na existência de uma árvore no quintal, 
ou que vejo uma árvore no meu quintal, devo crer nessa proposição com 
base na evidência de proposições autoevidentes ou incorrigíveis. Talvez 
eu não possa encontrar um argumento decente desse tipo para a 
proposição de que há uma árvore no meu quintal… Eu poderia tentar: 
"Na maioria das vezes no passado em que parecia haver uma árvore no 
meu quintal, a árvore se encontrava de fato ali; agora parece haver uma 
árvore no meu quintal; portanto, agora é provável haver uma árvore ali". 
Mas como sei que nas vezes passadas em que parecia haver uma 
árvore no meu quintal ela de fato estava ali? Apelando para outras 
vezes? Obviamente, isso não funcionará (p. 58)
E o que dizer da própria ideia de vezes passadas, ou, de forma mais 
geral, da própria ideia de passado? Sem dúvida, creio que realmente 
houve o passado; mas onde posso encontrar um bom argumento para a 
conclusão de que o passado ocorreu de verdade? Todo o 
desenvolvimento da filosofia moderna de Descartes a Hume mostra que 
não há um bom argumento a partir do que é autoevidente ou incorrigível 
para proposições do tipo. Além disso, quando olho da minha janela, 
formo a crença na existência de uma árvore lá fora; e não está em meu 
poder suspender a crença. O fato é que as crenças desse tipo não estão 
sob nosso controle voluntário. Não decidimos formá-las. Não se trata de 
eu olhar para o quintal, algo aparecer para mim de forma familiar e, na 
sequência, escolho acreditar na existência de uma árvore lá fora. Não 
escolho crer nisso ou não: apenas me vejo acreditando (p. 59).
Quando confrontado com a formação das 
crenças mais banais de nosso cotidiano — como 
aquelas que se baseiam em nossa memória — a 
imagem clássica do fundacionalismo não é em 
sucedida. Além disso, se for confrontada com 
sua própria imagem de justificação racional, o 
fundacionalismo clássico não é autoevidente, 
incorrigível e evidente aos sentidos.
Aula 05
A justificação da crença cristã
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
O pacote clássico tomado puro, por assim dizer, não 
pode estar correto: simplesmente não parece haver o 
dever de formar crenças de acordo com a imagem 
clássica. Claro que poderá haver outros gêneros de 
deveres intelectuais… sejam quais forem exatamente os 
nossos deveres para com a verdade, quero defender a 
seguir que a crença cristã pode certamente ser 
justificada de modo geral e pode, além disso, ser 
justificada quando tomada do modo básico (p. 121-122).
Alvin Plantinga
Conhecimento e
MI
(2015)
Crença Cristã
Em todo o caso, evidencia-se com perfeição que uma pessoa pode 
estar justificada em aceitar toda a narrativa cristã; ou seja, é claro que 
uma pessoa poderia aceitar essa narrativa sem contrariar o dever. Não 
é difícil para o cristão — mesmo o crente sofisticado e instruído ciente de 
todas as objeções e correntes contrárias de opinião — estar justificado, 
nesse sentido, em sua crença; e isso independente de ele acreditar ou 
não em Deus (ou de forma mais especifica, nas doutrinas cristãs) com 
base em evidências proposicionais. Considere uma crente. Ela está 
ciente das objeções feitas à fé cristã; leu e refletiu sobre Freud, Marx e 
Nietzsche (sem mencionar Flew, Mackie e Nielsen) e outros críticos da fé 
cristã ou teísta; sabe que o mundo contém muitas pessoas desprovidas 
da mesma crença. (p. 60-61)
Ela não acredita com base em evidências proposicionais; portanto, 
sua crença se dá de modo básico. Ela poderia estar justificada em 
acreditar em Deus desse modo? A resposta parece muito fácil. Ela 
leu Nietzsche, mas sua posição não foi alterada pela acusação 
nietzscheana de que o cristianismo cultiva um tipo de pessoa fraca, 
queixosa, descontente, pusilânime, enganadora, e geralmente 
muito desagradável: a maioria dos cristãos que conhece ou sobre 
os quais ouviu falar — madre Teresa, por exemplo — não se 
adequa ao molde. Ela considera a atitude desdenhosa de Freud 
para com o cristianismo e a crença teísta apoiada em nada mais 
que fantasias implausíveis sobre a origem da crença em Deus e ela 
vê só um pouco mais de substância em Marx. (p. 61)
Embora esteja ciente dos argumentos teístas e pense que alguns 
deles não são sem valor, ela não acredita com base neles. Em vez 
disso, tem uma vida espiritual interior muito rica, do tipo descrito 
nas primeiras páginasde Afeições Religiosas de Jonathan 
Edwards; parece-lhe que algumas vezes se torna ciente, capta um 
vislumbre, de um pouco da extrema beleza e amor do Senhor; ela 
está muitas vezes cônscia, como fortemente lhe parece, da obra 
do Espírito Santo em seu coração, confortando, encorajando, 
ensinando, guiando-a para aceitar as “grandes coisas do 
evangelho” (como Edwards as chama), ajudando-a a ver que o 
esquema magnífico da salvação planejado pelo Senhor não é só 
para outras pessoas, mas também para si. (p. 61-62).
Depois de uma longa, difícil e cuidadosa reflexão, isso tudo lhe 
parece muito mais convincente que as acusações dos críticos. 
Ela então contraria o dever por acreditar no que acredita? Está 
sendo irresponsável? É certo que não. Poderia haver algo 
defeituoso nela, alguma disfunção não aparente à primeira vista. 
Apesar dos seus melhores esforços, ela poderia estar enganada, 
ser a vítima de ilusão ou de produto da imaginação. Poderia 
estar errada, desesperadamente errada, lamentavelmente errada, 
quando pensa nessas coisas; porém não deixa de cumprir 
qualquer dever discernível. Ela cumpre suas responsabilidades 
epistêmicas e faz o melhor que pode; está justificada (p. 62). 
E isso não só é verdadeiro, mas é obviamente verdadeiro. 
Podemos sentir de algum modo oculto que ela não está 
justificada sem evidência se for esse o caso, isso acontece 
porque apresentamos aqui outro conceito de justificação. 
Mas se for a justificação no sentido deontológico, no sentido 
de responsabilidade, de proceder em conformidade com o 
direito intelectual, ela sem dúvida está justificada. Pois, como 
poderia merecer alguma censura ou ser irresponsável, se 
pensa sobre a questão com tanta seriedade quanto pode, 
do modo mais responsável possível, e ainda chega a essas 
conclusões? (p. 62).
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Os crentes podem estar enganados, podem 
estar iludidos, podem ser tolos, podem ser 
insuficientemente críticos (de um modo que 
não implique censura); mas não há razão para 
pensar ou que negligenciaram 
inevitavelmente os seus deveres epistêmicos 
ou que não têm justificação em uma dessas 
extensões analógicas do termo (p. 131).
Uma condução cuidadosa na análise da 
crença cristã — até mesmo frente às 
críticas tradicionais de Freud, Marx e 
Nietzsche —faz do crente cristão 
justificado em seus deveres epistêmicos. 
Não há censura para uma formação 
básica de crença como esta.
Aula 06
A crítica de Freud e Marx e a falta da aval da crença cristã
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Os ateólogos (aqueles que argumentam contra a crença cristã) 
sustentaram muitas vezes que a crença cristã é irracional; até 
agora, não conseguimos encontrar uma versão sensata da 
tese. No entanto, talvez possamos ganhar terreno explorando 
as censuras à crenças cristã propostas por Freud, Marx e todo 
o exército de seus seguidores do séculos 19 e 20… É ao 
examinar os seus comentários críticos à crença religiosa que 
podemos finalmente encontrar, penso, uma questão de jure 
adequada: uma questão diferente da de facto, cuja resposta 
não é trivial e que é pertinente, já que uma resposta negativa 
representaria um ponto sério contra a crença cristã (p. 158).
Sigmund Freud
O futuro 
MI
(1927)
de uma ilusão
Essas [as crenças religiosas] são apresentadas como 
doutrinas, não são produtos da experiência ou resultados do 
pensamento: são ilusões, realizações dos mais antigos, 
fortes e persistentes desejos da humanidade. O segredo da 
força das crenças religiosas consiste na força desses desejos. 
Como já sabemos, as impressões terríveis de desamparo na 
infância dão origem à necessidade de proteção — de 
proteção por meio do amor — fornecida pelo pai; e o 
reconhecimento desse desamparo dura a vida toda, 
tornando necessário apegar-se à existência de um pai, mas 
dessa vez um pai mais poderoso.
Assim, a regra benevolente da Providência divina 
diminui o medo dos perigos da vida; o 
estabelecimento da ordem moral para o mundo 
assegura a realização das demandas de justiça, 
não realizadas com muita frequência na civilização 
humana; e o prolongamento da existência humana 
na vida futura oferece uma estrutura local e 
temporal em que essas realizações de desejo 
terão lugar.
Nunca houve um caso de desculpa tão convincente, 
como o que nos encontramos diante. Ignorância é 
ignorância: nenhum direito de acreditar em algo pode 
ser daí derivado. Em outras questões, nenhuma pessoa 
razoável se comportará com tanta irresponsabilidade 
ou ficará satisfeita com razões fracas a respeito do 
ponto de vista e do lado que escolhe… Quando estão 
em jogo questões sobre religião, as pessoas são 
culpadas de todo tipo possível de desonestidade e 
maus hábitos intelectuais.
Karl Marx
Crítica da filosofia
MI
(1843)
do Direito de Hegel
A base da crítica irreligiosa é que o homem faz a religião, e 
não que a religião faz o homem. Em outras palavras, a 
religião é a autoconsciência e o sentimento próprio do 
homem que ainda não se encontrou ou (tendo se 
encontrado) se perdeu mais uma vez. Contudo, o homem não 
é um ser abstrato instalado fora do mundo. O homem é o 
mundo do homem, o estado, a sociedade. Esse estado, essa 
sociedade, produzem a religião, o mundo da consciência 
pervertida, porque eles são o mundo pervertido… A miséria 
religiosa é ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o 
protesto contra a miséria real.
A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração 
do mundo sem coração, como é o espírito da situação 
não espiritualizada. Ela é o ópio do povo. A supressão 
da religião como felicidade ilusória do povo é 
necessária para a felicidade real. A demanda de abrir 
mão de ilusões sobre sua condição é a demanda de 
abrir mão da condição que requer ilusões. A crítica 
da religião é, portanto, embrionariamente a crítica do 
vale de lágrimas, sua auréola é a religião.
Richard Dawkins
New York Times
MI
(1989)
É a absolutamente seguro dizer que, 
se encontramos alguém que afirme 
não acreditar na evolução, essa 
pessoa é ignorante, obtusa ou louca 
(ou está mal-intensionada, mas 
prefere desconsiderar essa hipótese). 
Alvin Plantinga
Crença Cristã
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(2000)
Avalizada
Quando F&M dizem que a crença cristã, ou a crença teísta, ou 
talvez a crença em geral, são irracionais, a ideia básica é que 
esse tipo de crença não fazem parte dos produtos 
apropriados das nossas faculdades racionais. Elas não são 
produzidas por faculdades ou processos cognitivos que 
estejam funcionando apontadamente e visem à verdade… E 
isso significa que o pressuposto de confiabilidade que 
acompanha as faculdades cognitivas que funcionam 
apropriadamente não se aplica aos processos que dão lugar à 
crença em Deus ou à crença cristã de modo mais geral (p. 171).
A ideia fundamental é que a crença religiosa não é 
produzida por aquelas faculdades que visam à verdade, mas 
por uma fonte diferente. Alternativamente, se a crença 
religiosa resultar afinal, de algum modo, dessas faculdades 
que visam à verdade, é porque a operação delas, quando 
produzem a crença religiosa, está sendo cancelada ou 
obstruída por outro fator: uma necessidade de segurança, 
ou de nos sentirmos importantes no esquema geral das 
coisas, ou de sentirmos conforto psicológico em face de um 
mundo cruel, intimidante e implacável (p. 172).
A crença cristã talvez seja verdadeira, talvez seja falsa; 
mas, de qualquer modo, é irracional aceitá-la. A melhor 
maneira de entender essa crítica, segundo penso, é vê-la 
como a queixa de que a crença cristã não é produzida 
por faculdades cognitivas funcionando 
apropriadamente e que visem à verdade. Ora, isso se 
refere à questão do aval. Freud e Marx, da perspectiva 
desse volume, estão se queixando de que a crença 
teísta e religiosa em geral carece de aval (p. 173).
Seja pela obstrução dos arranjos sociais 
deturpados, seja pelas necessidades 
ilusórias de nossos desejos, a crítica de 
jure deve ser entendida comoa tese de 
que a crença cristã — seja ela verdadeira 
ou falsa — é destituída de aval.
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
A questão remonta ao Teeteto de Platão: o que distingue o 
conhecimento da mera crença verdadeira? Que outra qualidade ou 
quantidade a crença verdadeira deve ter para que constitua 
conhecimento? Esta é uma das questões principais da epistemologia… 
uma crença só tem aval se for produzida por faculdades cognitivas 
que estão funcionando apropriadamente, que não estejam sujeitas a 
qualquer enfermidade ou disfunção — entendendo isso como ausência 
de empecilhos e de patologias. Todavia, essa noção está intimamente 
ligada a outra: a de plano de desígnio (design plan). Os seres 
humanos e os seus órgãos são constituídos de tal modo que devem 
funcionar de determinadas maneira, a maneira que funcionam quando 
funcionam bem; (p. 173-174).
Todavia, não basta isso. É óbvio que muitos sistemas de 
nosso corpo foram concebidos para funcionar em certo tipo 
de ambiente. Não podemos respirar debaixo d’água… o 
mesmo acontece com claramente no caso de nossas 
faculdades cognitivas; também elas alcançam o seu 
propósito apenas se funcionarem em um ambiente parecido 
com aquele para o qual foram especificamente constituídas 
(por Deus ou pela evolução). Assim, não funcionam bem em 
um ambiente (um planeta, por exemplo) no qual uma 
radiação sutil qualquer obstrua o funcionamento da memória 
(p. 175).
E mesmo isso ainda não basta… Pensamos que o propósito ou 
função de nossas faculdades de produção de crença é fornecer-
nos crenças verdadeiras (ou verossímeis). Como viemos ao 
examinar a queixa F&M, contudo, é claramente possível que o 
propósito ou função de algumas faculdades ou mecanismos de 
produção de crenças seja a produção de crenças com outras 
virtudes — talvez nos permitir enfrentar este mundo frio, cruel e 
ameaçador, ou nos permitir sobreviver a uma situação perigosa ou 
a uma doença potencialmente mortal. Assim, temos de 
acrescentar que a crença em questão seja produzida por 
faculdades cognitivas cujo propósito seja a produção de crenças 
verdadeiras (p. 175). 
Mesmo isso não é suficiente… imagine-se que uma divindade 
principiante, jovem e sem instrução, decide fazer seres cognitivos, 
capazes de crença e conhecimento. A imaturidade e a 
incompetência triunfam; a constituição desses seres tem defeitos 
muito sérios. De fato, em algumas áreas dessa constituição, 
quando as faculdades funcionam como foram concebidas, o 
resultado são crenças ridiculamente falsas… O que lhes falta? Como 
é óbvio, o que devemos acrescentar é que o plano de desígnio 
em questão seja bom, que vise com êxito à verdade, que seja tal 
a ponto de ser elevada a probabilidade (objetiva) de que uma 
crença produzida segundo o plano de desígnio seja verdadeira 
(ou aproximadamente verdadeira) (p. 176).
Uma crença só tem aval para um indivíduo X se 
essa crença for (1) produzida por faculdades 
cognitivas funcionando apropriadamente, (2) em 
um ambiente cognitivo apropriado e (3) segundo 
um plano de desígnio que visa com êxito a 
verdade. Tão somente assim, essa crença tem 
aval — de acordo com o grau de força da crença 
e de firmeza com que X a sustenta.
Aula 07
O modelo Calvino e Aquino de crença cristã avalizada
Alvin Plantinga
Crença Cristã
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(2000)
Avalizada
O que vimos foi que essa queixa é, na verdade, a tese de 
que a crença cristã e teísta é irracional por ter origem em 
uma disfunção cognitiva (Marx) ou em função cognitiva 
que, embora apropriada, visa a outra coisa que não a 
verdade (Freud)… Em outras palavras ainda, a acusação é 
que a crença teísta e cristã carece de aval. Como resposta, 
neste capítulo começarei oferecendo um modelo — 
baseado em uma tese defendida conjuntamente por Tomás 
de Aquino e João Calvino — de uma maneira pela qual a 
crença teísta poderia ter aval (p.185).
Tomás de Aquino e João Calvino concordam que existe uma 
espécie de conhecimento natural de Deus…Segundo Tomás: 
“saber de uma maneira geral e instintiva que Deus existe é 
algo que está implantado em nós por natureza”… Calvino 
concorda: há uma espécie de conhecimento natural de Deus. 
Ele expande esse tema oferecendo uma sugestão de como as 
crenças acerca de Deus podem ter aval; ele tem uma ideia 
sobre a natureza da faculdade, o mecanismo pelo qual 
adquirimos crenças verdadeiras acerca de Deus. A sua ideia 
aqui também pode ser entendida como um desenvolvimento 
do que o apóstolo Paulo afirma em Romanos 1 (p. 188).
Como afirma Étienne Gilson, foram muitíssimos os pensadores 
medievais e posteriores que encontraram nessa passagem um alvará 
para a teologia natural, entendida como o esforço para apresentar 
provas ou argumentos a favor da existência de Deus. Entretanto, será 
que Paulo realmente está falando, aqui, de provas ou argumentos? A 
teologia natural, como afirma Tomás, e muito difícil para a maior parte de 
nós; a maior parte de nós não têm o ócio, a capacidade, a vontade ou a 
instrução necessária para seguir essas provas teístas. Todavia, Paulo 
parece aqui estar falando de todos nós, seres humanos; o que se pode 
saber de Deus é manifesto, afirma ele. É verdade que este 
conhecimento resultado do que Deus criou, mas não se segue que resta 
por meio de argumentos — dos argumentos da teologia natural, por 
exemplo (p. 188, n.5).
A ideia básica, parece-me, é que há uma espécie de faculdade ou 
mecanismo cognitivo, a que Calvino chama sensus divinitatis ou 
sentido do divino, que em muitíssimas circunstâncias produz em nós 
crenças acerca de Deus. Essas circunstâncias desencadeiam, por assim 
dizer, a disposição para formar as crenças em questão; propiciam a 
ocasião na qual essas crenças surgirem. Nessas circunstâncias, 
desenvolvemos ou formamos crenças teístas — ou antes, essas crenças 
surgem em nós; no caso típico, não decidimos conscientemente tê-las. 
Em vez disso, simplesmente as constatamos em nós, assim como 
constatamos as crenças perceptivas e de memória. Essas passagens 
sugerem que a consciência da existência de Deus é natural, comum e 
não é fácil esquecê-la ou destruí-la (p. 190).
O sensus divinitatis é uma faculdade de produção de crenças (ou 
poder, ou mecanismo) que, nas condições certas, produz crenças 
que não se baseiam em outras crenças de forma evidenciam. 
Nesse modelo, as nossas faculdades cognitivas foram concebidas e 
criadas por Deus; o plano de desígnio, consequentemente, é um 
plano no sentido literal e paradigmático. É um diagrama ou 
projeto de nossas maneiras de funcionar e foi desenvolvido e 
instituído por um agente consciente e inteligente. O propósito do 
sensus divinitatis é permitir-nos ter crenças verdadeiras sobre 
Deus… Essas crenças satisfazem consequentemente as condições 
do aval; se as crenças produzidas forem suficientemente fortes, 
constituirão conhecimento (p. 196)
O sensus divinitatis e sua relação com o 
conhecimento natural de Deus em Tomás 
funciona como um modelo de faculdade 
ou mecanismo de produção de crenças 
— um dispositivo de input-output, 
recebendo input de várias circunstâncias 
e dá como output as crenças teístas.
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Segundo o modelo presente, pois, o sensus divinitatis foi danificado ou 
corrompido pelo pecado. Além disso, segundo o modelo estendido que 
pretendo propor, o sensus divinitatis é parcialmente curado e 
restaurado pela fé e pela obra concomitante do Espírito Santo no 
coração, passando a funcionar apropriadamente. Assim, o modelo tal 
como até agora o esboçamos está incompleto… Apesar de incompleto, 
contudo, o modelo até agora esboçado é suficiente para os propósitos 
que temos por ora, pois esse modelo mostra-nos de maneira 
suficientemente pormenorizada como um sensus divinitatis funcionando 
apropriadamente pode produzir uma crença cristã que seja (1) tomada 
de maneira básica e que (2), tomada desse modo, possa realmente ter 
aval, um aval suficiente para o conhecimento (p. 202).
Alvin PlantingaConhecimento e
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(2015)
Crença Cristã
Como Agostinho e Pascal notaram, toda a complexa e 
confusa coleção de atitudes, afetos e crenças que constitui 
o estado do pecado é um campo fértil para a ambiguidade 
e o autoengano. De acordo com o modelo Aquino e Calvino 
estendido, mesmo no estado de pecado, e mesmo com a 
exclusão da regeneração, nós, seres humanos, temos pelo 
menos algum conhecimento de Deus, e alguma apreensão do 
que se exige de nós. A condição do pecado envolve o dano 
do sensus divinitatis, mas não sua completa eliminação; ele 
permanece funcionando em parte na maioria de nós (p. 110)
Portanto, temos alguma apreensão da presença, 
das propriedades e demandas de Deus, mas esse 
conhecimento é ocultado, impedido e suprimido. 
Estamos propensos a odiar a Deus, mas também, 
de forma confusa, estamos de algum modo 
inclinados a amá-lo e buscá-lo; estamos propensos 
a odiar o semelhante, a vê-lo como competidor por 
bens escassos, mas também, paradoxalmente, 
estamos inclinados a estimá-lo e amá-lo (p. 111).
Alvin Plantinga
Crença Cristã
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(2000)
Avalizada
A consequência mais importante do pecado, assim, é o 
desconhecimento de Deus. E esse desconhecimento pode 
ter outras consequências cognitivas. Atualmente, e 
especialmente na academia, a dúvida e o agnosticismo com 
respeito à própria existência de Deus são onipresentes. 
Entretanto, não sabemos que existe uma pessoa com as 
qualidades comumente atribuídas a Deus, não sabemos a 
primeira coisa (e a mais importante) sobre nós, os outros e o 
mundo. Isso porque, do ponto de vista do nosso modelo as 
verdades mais importantes sobre nós e os nossos 
semelhantes é que (p. 231)
fomos criados pelo Senhor e dependemos 
completamente dele para continuar a existir. Não 
sabemos em que consiste a nossa felicidade e não 
sabemos como atingi-la. Não sabemos que fomos 
criados à imagem de Deus e não entendemos a 
importância desses fenômenos 
caracteristicamente humanos que são o amor, o 
humor, a aventura, a ciência, a arte, a música, a 
filosofia, a história e assim por diante (p. 231).
Na contramão da crítica F&M, é o 
funcionamento inapropriado do sensus 
divinitatis que produz ilusão e descrença. Para 
uma completa compreensão do modelo Tomás 
de Aquino/Calvino é necessário acrescentar o 
queda do ser humano no pecado como um 
fator de danificação — mas sem eliminação —
do sensus divinitatis.
Alvin Plantinga
Conhecimento e
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(2015)
Crença Cristã
Meu modelo estendido terá uma característica adicional: completará e 
aprofundará a explicação prévia do conhecimento de Deus. Os temas 
centrais do modelo estendido são a Bíblia, o testemunho interior do 
Espírito Santo e a fé. De acordo com o modelo (como já vimos), nós, 
seres humanos, fomos criados à imagem de Deus. Infelizmente, caímos 
no pecado — condição perniciosa da qual precisamos ser resgatados e 
redimidos. Deus propôs e instituiu um plano de salvação: a vida, o 
sofrimento sacrificial, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo — a 
segunda pessoa da Trindade que se tornou carne. Para nós, resulta a 
possibilidade de salvação do pecado, da relação com Deus renovada e 
da vida eterna. No entanto, Deus precisava de um meio para nos 
informar — a nós, seres humanos, de diferentes eras e lugares — (p. 
112-113).
o esquema da salvação disponibilizado por ele de forma graciosa 
(e chegamos aqui à ampliação especificamente epistemológica 
do modelo). Ele escolheu fazer isso por meio de um processo 
cognitivo em três níveis. Primeiro, Deus falou por meio de profetas 
e apóstolos e providenciou a produção da Escritura, a Bíblia, um 
conjunto de livros ou escritos compostos por autores humanos 
diferentes, dos quais o próprio Deus é o autor principal. Nesse 
conjunto de livros e textos, ele propõe muitas coisas para a crença 
e a ação, mas há um tema e um foco centrais (por essa razão, esse 
conjunto de livros e textos consiste mesmo em um livro): o 
evangelho, as boas-novas do caminho da salvação disponibilizado 
por Deus de maneira graciosa (p. 114) 
Correlato à Escritura, e necessário para que ela cumpra propriamente o 
seu propósito, encontra-se o segundo elemento desse processo 
cognitivo: a presença e a ação do Espírito Santo prometidas por Cristo 
antes de sua morte e ressurreição, invocadas e celebradas nas epístolas 
do apóstolo Paulo. Em virtude da obra do Espírito Santo no coração de 
quem a fé é concedida, os danos do pecado (incluindo-se o aspecto 
cognitivo) são reparados, de modo gradual ou repentino, em pequena 
ou grande extensão. Além disso, por causa da atividade do Espírito 
Santo, os cristãos chegam a apreender, endossar e se regozijar com a 
verdade das grandes coisas do evangelho. Por essa atividade o cristão 
crê que "Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, 
não levando em conta as transgressões dos homens" (2Co 5.19) (p. 115).
A extensão do modelo Tomás de Aquino/
Calvino significa reconhecer os meios 
escolhidos por Deus para contornar a 
queda do ser humano no pecado e fazer 
com que o sensus divinitatis volte a 
funcionar apropriadamente na produção 
de crenças teístas básicas.
Alvin Plantinga
Conhecimento e
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(2015)
Crença Cristã
Mas como esse modelo, com excursão na teologia, serve 
para a fé cristã obter ou poder obter justificação, 
racionalidade e garantia? A resposta é a própria 
simplicidade. Essas crenças não surgem no cristão por meio 
da memória, percepção, razão, do testemunho, sensus 
divinitatis, ou de quaisquer outras faculdades ou processos 
cognitivos com os quais nós, seres humanos, fomos 
originariamente criados; elas surgem, em vez disso, por 
obra do Espirito Santo, que nos leva a aceitar e enxergar a 
veracidade dessas grandes verdades do evangelho (p. 118)
As crenças não surgem só por meio da atuação 
normal das nossas faculdades; elas são uma dádiva 
sobrenatural. Mesmo assim, o cristão recipiente da 
dádiva da fé estará obviamente justificado (no 
sentido básico do termo) ao crer como o faz; não há 
nada contrário ao dever epistêmico ou a algum 
outro dever quando acredita desse modo (e, de 
fato, uma vez ele tenha aceitado essa dádiva, pode 
não estar em seu poder suspender a crença) (p. 118).
No entanto, dado o modelo, as crenças em questão terão 
tipicamente (ou frequentes vezes, pelo menos) outros tipos de 
valores epistêmicos que consideramos. Em primeiro lugar, essas 
crenças serão racionais: não precisa ocorrer nenhuma disfunção 
cognitiva no crente; todas as suas faculdades cognitivas podem 
funcionar bem. Em segundo lugar, no modelo, essas crenças 
contarão também com a garantia para o crente: elas serão 
produzidas nele por um processo que funciona de forma correta 
no ambiente cognitivo adequado (para o qual foi projetado) em 
conformidade com o projeto de design que visa com sucesso à 
produção da crença verdadeira (p. 118).
A compreensão completa do modelo Tomás de 
Aquino/Calvino fornece aos crentes cristãos não 
só uma descrição da faculdade ou mecanismo de 
formação de crenças religiosas, mas o 
detalhamento do que realmente afeta esse 
mecanismo e como a própria divindade lida para 
ultrapassar tais danos — produzindo crenças 
teístas que respondem adequadamente os critérios 
de aval.
Aula 08
A reavaliação da crítica F&M 
à luz do modelo Tomás de Aquino/Calvino
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Como vimos, Freud não argumenta realmente que a crença teísta 
não tem aval se for tomada de maneira básica: ele parece pressupor 
que essa crença é falsa depois infere de modo bastante rápido e 
casual que ela é produzida pela realização de desejo e, por isso, 
não tem aval. Nesse aspecto (apesar da aparente falta de cuidado), 
talvez os intentos de Freud estejam certos: argumentarei que se a 
crença cristã for falsa, mas for tomada do modo básico, 
provavelmente não tem aval… Se a pessoa de Deus não existe, é 
claro que o sensus divinitatis tampouco existe; e que faculdade 
visando à verdade seria esta que estaria funcionando nolimites da 
sua capacidade ao produzir a crença de que Deus efetivamente 
existe, se esta última crença for falsa? (p. 203).
No fim das contas, Freud tinha razão: se a crença teísta for falsa, 
é no mínimo muito provável que ela tenha pouco aval, ou mesmo 
nenhum. No entanto, se a crença teísta for verdadeira, é provável 
que tenha aval. Se for verdadeira, é porque existe realmente uma 
pessoa divina, uma pessoa que nos criou à sua imagem (de modo 
que nos assemelhamos a ele, entre outros aspectos, porque somos 
capazes de o conhecer), que nos ama, deseja que o contestamos 
e amemos, e sendo tal que conhecê-lo e amá-lo é a nossa 
finalidade e o nosso bem. Mas se estas coisas forem verdadeiras, 
então ela visaria, claro, a que fôssemos capazes de ter consciência 
da sua presença e de saber algo acerca dele (p. 204-205).
E se isso for assim, então natural pensar que aquele 
que concebeu os processos cognitivos que 
realmente produzem a crença em Deus concebeu-
os em vista da produção dessa crença. Nesse caso, 
então, a crença em questão será produzida por 
faculdades cognitivas funcionando propriamente 
segundo um plano de desígnio que visa com êxito à 
verdade: terá, portanto, aval (p. 205).
Alvin Plantinga
Conhecimento e
MI
(2015)
Crença Cristã
Aqui vemos as raízes metafísicas ou últimas da questão da 
racionalidade ou garantia ou da sua falta para a crença em Deus. O que 
se toma como racional ou garantido depende do tipo de posicionamento 
metafísico ou religioso. Depende do tipo de seres considerados seres 
humanos, dos tipos de crenças produzidos por suas faculdades quando 
funcionam propriamente e quais faculdades ou mecanismos cognitivos 
visam à verdade. Sua perspectiva sobre que tipo de criatura é o ser 
humano determinará, ou pelo menos influenciará fortemente, suas 
opiniões sobre a gatanha da crença teísta e a racionalidade dos seres 
humanos. Assim a disputa sobre a racionalidade (garantia) da crença 
teísta não pode ser decidida apenas com considerações 
epistemológicas; no fundo, ela não consiste apenas em uma disputa 
epistemológica, e sim metafísica ou teológica (p. 94).
Talvez você pense que a humanidade foi criada por Deus à 
imagem dele — e criada com a tendência natural de enxergar a mão 
de Deus sobre nós no mundo, de reconhecer que fomos de fato 
criados e temos obrigações para co nosso Criador, devendo a ele 
louvor e obediência. Nesse caso, você obviamente não considerará 
a crença em Deus uma manifestação de qualquer tipo de defeito 
intelectual. Nem pensará que ela é a manifestação de um poder ou 
mecanismo de produção de crença que não visa à verdade. Em vez 
disso, entenderá ser ela a manifestação do mecanismo pelo qual 
somos colocados em contato com parte da realidade — e de longe 
a parte mais importante. Nesse aspecto, ela se parece com um 
produto da percepção sensível, memória ou razão (p. 94-95).
Entretanto, você pode pensar que os seres humanos 
são produtos de forças evolucionárias cegas, que 
Deus não existe e somos parte do universo sem 
Deus. Assim estará inclinado a aceitar o tipo de 
perspectiva com a qual a crença em Deus é uma 
ilusão de algum tipo, que remonta ao pensamento 
ilusório, a algum outro mecanismo cognitivo que não 
visa á verdade (Freud), ou a um tipo de doença ou 
disfunção do indivíduo ou da sociedade (Marx) (p. 95).
A relação de dependência entre a questão da garantia ou 
racionalidade e a verdade ou falsidade do teísmo leva a uma 
conclusão bastante interessante. Se a garantia, que tem a crença em 
Deus, se relaciona desse modo com a verdade dessa crença, então a 
questão da garantia da crença teísta não independe da questão da 
verdade da crença teísta. Assim, a questão de jure que por fim se 
estabelece não é independente da questão de facto; para responder 
à primeira deve-se responder à segunda. Isto é importante: essa 
conclusão mostra que a objeção ateológica bem-sucedida (i.e., a 
objeção à crença teísta bem-sucedida) terá de incidir sobre a 
verdade do teísmo, e não só sobre sua racionalidade, justificação, 
respeitabilidade intelectual, ou justificação racional (p. 95-96)
O ateólogo que deseja atacar a crença teísta deverá se 
restringir às objeções — como o argumento do mal, a 
afirmação da incoerência do teísmo, ou a ideia que existe, de 
algum outro modo, uma forte evidência contra a crença 
teísta. Ele não pode mais adotar a seguinte posição: “Ora, 
eu não sei se a crença teísta é verdadeira — quem poderia 
saber uma coisa dessas? Mas sei o seguinte: ela é irracional, 
injustificada, não racionalmente justificada, contrária à razão, 
intelectualmente irresponsável, ou…”. Inexiste questão ou 
objeção de jure razoável independente da questão de facto 
(p. 96).
O raciocínio de Plantinga invalida uma 
enorme quantidade de ateologia 
contemporânea. Isso porque grande parte 
dessa ateologia é devotada a objeções de jure 
— alegando a independência da questão de 
facto. Segundo o filósofo americano, até hoje 
não foi colocada nenhuma objeção razoável 
desse tipo.
Alvin Plantinga
Crença Cristã
MI
(2000)
Avalizada
Agora que temos o modelo A/C perante nós, podemos 
lidar sumariamente com a queixa F&M… Além da 
famosa frase “A religião é o ópio do povo”, contudo, 
Marx não tem muito que dizer acerca da crença 
religiosa — exceto, claro, vários insultos e zombarias 
mais ou menos jornalísticos e outras expressões de 
hostilidade. Irei por isso concentrar-me em Freud, que 
sustenta não que a origem da crença teísta seja uma 
disfunção cognitiva, mas que é uma ilusão no sentido 
técnico (p. 208).
Há alguma razão para creditar nessas coisas? Há algum indício a 
favor da queixa F&M? Por que haveria alguém de acreditar nessa 
queixa?… O estilo F&M de crítica à crença religiosa (ou outra) 
costuma ser inadequadamente rechaçado por ser um exemplo da 
“falácia genética”. A questão, segundo essa reação, é saber se as 
crenças teístas em causa são verdadeiras; a questão não é saber 
como alguém começou a tê-las nem qual poderá ser a origem 
delas. Além disso, (continua essa reação), a questão da origem em 
geral em nada se relaciona com a questão da veracidade… Por 
exemplo, podemos saber que Samuel começou a acreditar em uma 
proposição aceitando o testemunho de alguém que, quanto ao 
tema da crença em questão, só diz falsidade (p. 209-210).
Essa crítica da queixa F&M está equivocada. É 
verdade que a questão da origem, em geral, em nada 
se relaciona com a questão da veracidade de uma 
crença; mas ela pode estar totalmente relacionada 
com a questão do aval que essa crença tem. O 
objetor não se dá conta de que não existem somente 
questões e críticas de facto, mas também de jure; e 
sua objeção só é cabível se o que estiver em causa for 
as questões e críticas de facto e nada mais (p. 210).
Contudo, será que Freud estava certo? Será que a crença teísta 
realmente nasce da realização de desejos, não tendo, por isso, 
aval? Há alguma razão para acreditar nisto? Oferece ele 
argumentos ou indícios a favor dessa tese ou, no mínimo (para 
usar a expressão de Mill), outras considerações para determinar o 
intelecto? Note-se que, para que a queixa F&M constitua uma 
crítica bem-sucedida, para que efetivamente demonstre que a 
crença teísta não tem aval, ela deveria satisfazer duas condições. 
Primeiro, precisa demonstrar que a crença teísta nasce realmente 
do mecanismo da satisfação de desejos; segundo, precisa 
demonstrar que a operação particular desse mecanismo não visa à 
produção de crenças verdadeiras (p. 210-211).
Considere-se a primeira condição. Freud não oferece aqui sendo o 
argumento mais superficial, e vê-se bem por que: não é fácil argumentar 
a favor dessa ideia. Como se argumentaria que é esse mecanismo — a 
realização de desejos —, e não qualquer outro, que produz a crença 
religiosa?… onde estão os indícios (empíricos ou não) a favor da tese de 
Freud? Uma pesquisa de opinião em nada nos ajudaria. Dificilmente 
alguém declara acreditar em Deus por causa do processo de realizaçãode desejos; o que as pessoas dizem habitualmente, em vez disso, é que 
elas foram arrebatadas por essa crença, como que compelidas a adotá-
las, ou que a crerá apenas lhes pareceu correta depois de muito pensar e 
de muita agonia, ou que sempre lhes pareceu claramente verdadeira, ou 
que subitamente se tornou óbvio que as coisas são realmente desse 
modo (p. 211).
E como Freud ou um de seus seguidores provaria que o 
mecanismo pelo qual os seres humanos começam a acreditar 
e Deus (começar a acreditar que a pessoa de Deus existe) não 
visa à verdade? Este é de fato o coração da questão. Freud 
não oferece aqui quaisquer argumentos ou razões. Tanto 
quanto consigo ver, limita-se a pressupor que não há Deus e 
que a crença teísta é falsa; procura então algum tipo de 
explicação desse fenômeno comum de crença errada… Como 
vimos, esse pressuposto é seguro se o teísmo de fato for 
falso. Mas, nesse caso, a versão de Freud da crítica de jure 
depende do seu ateísmo, é uma consequência deste (p. 213).
Alvin Plantinga
Conhecimento e
MI
(2015)
Crença Cristã
Naturalmente, quem acredita em Deus, seja cristão, judeu ou muçulmano, 
provavelmente não aceita a afirmação Freud e Marx de que a crença em 
Deus não tem garantia. (Só certa variedade de teólogo “liberal", 
enlouquecido pela sede de novidade e pelo desejo de acomodar a 
secularidade corrente poderia concordar aqui tom Freud e Marx). De fato, 
ele verá a situação de outro modo. De acordo tom Paulo, a descrença 
resulta de uma disfunção, um defeito, uma falha no funcionamento 
adequado, ou o impedimento das faculdades racionais. A descrença, 
Paulo afirma, é o resultado do pecados tomo se diz em Romanos 1, ela tem 
origem no esforço de “suprimir a verdade pela injustiça”… De fato, a 
descrença também pode ser considerada resultado da realização do desejo 
— o resultado do desejo de viver no mundo sem Deus, o mundo em que 
não há ninguém a quem se deva louvor e obediência (p. 99).
A mais adequada candidata à crença de 
jure à fé cristã não se mantém em pé 
por simples questionamentos sobre 
suas conclusões. Afirmam a ausência 
de aval da crença teísta, mas não 
explicam em momento algum como 
essa afirmação se sustenta.
Obrigado!
Que o rigor de Plantinga com as 
críticas feitas ao cristianismo te 
inspire a ser igualmente austero 
contra altivez que se levanta contra 
o conhecimento de Deus!

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