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AULA 02 - PENAL III

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AULA 02 – O TRABALHO DO PRESO, DETRAÇÃO E PENAS PRIVATIVAS DE DIREITO
1. O trabalho do preso:
Hoje, o trabalho do preso é entendido tanto como um direito quanto como um dever do preso (binômio direito-dever). 
O direito de trabalhar, na teoria, seria em prol de uma finalidade construtiva, pedagógica, educativa; todavia, na prática, não é garantido o aperfeiçoamento laboral do preso. Além disso, os internos são submetidos a condições precárias de trabalho, muitas vezes sem o uso dos devidos equipamentos de segurança. Em síntese, há a imposição de atividades laborais indesejáveis (“uma nova pena de morte”). 
Para os tribunais, o trabalho enquanto dever não é inconstitucional, ou seja, não viola a proibição constitucional expressa de pena de trabalho forçado, já que não se força o indivíduo a trabalhar. Nesse sentido, há apenas a vinculação ao trabalho carcerário. Alguns benefícios estão vinculados ao trabalho como dever. Um dos requisitos para a progressão ao regime aberto é a demonstração de estar trabalhando.
Outro benefício vinculado ao desempenho do trabalho carcerário é a remição de pena – que será estudada mais adiante. 
Lei de Execução Penal (LEP): 
CAPÍTULO III
Do Trabalho
SEÇÃO I
Disposições Gerais
Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.
§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.
§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo. 
Conforme os artigos acima, o trabalho do preso não é regulado pela CLT. Destarte, o trabalhador não terá direito às férias remuneradas, ao FGTS e demais direitos trabalhistas previstos legalmente. Ademais, a LEP fixa um salário mínimo próprio para o preso: ¾ do salário mínimo para um cidadão não preso.
§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:
a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;
b) à assistência à família;
c) a pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores. 
O parágrafo 1º do art. 29 discorre sobre o que pode ser feito com a remuneração do trabalho do preso: indenizar os danos causados pelo crime, assistir a família, para pequenas despesas pessoais (como um cigarro, por exemplo) e, ainda, uma parcela é destinada para ressarcir o Estado com as despesas que este teve com o condenado. 
O tráfico de drogas hoje é muito perseguido em virtude da escolha política do que deve ou não ser permitido (associado, também, a razões históricas). Todavia, o que um traficante faz é uma atividade semelhante à desenvolvida por um farmacêutico, por exemplo. Em suma, o nosso Direito Penal sempre foi um instrumento de perseguição a determinados grupos específicos, voltado, sobretudo, para o tráfico de drogas e para os crimes patrimoniais. Nesse contexto de relação entre o Direito Penal e o Direito do Trabalho, as obras “Vigiar e Punir”, de Michel Foucault, e “Cárcere e Fábrica”, de Dario Melossi merecem destaque. 
2. A remição (arts. 126 a 130 – LEP): 
	REMIÇÃO
	REMISSÃO
	Do Direito Penal = abatimento dos dias de pena em razão do trabalho e/ou estudo (dias trabalhados e/ou estudados). 
	Do Direito Civil = perdão de dívidas; 
Para lembrar: “Missa” – dois “ss” = perdão; 
Remição trata-se do abatimento dos dias de pena em razão dos dias trabalhados e/ou estudados. Desse modo, tem-se a remição:
	POR TRABALHO
	POR ESTUDO
	1 (um) dia de pena para a cada 3 (três) dias trabalhados. 
	1 (um) dia de pena para cada 12 (doze) horas de estudos, divididas em, no mínimo, três dias).
Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.                  (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011).
§ 1o  A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:                   (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;                 (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.                  (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
A Lei nº 12.433/2011 deu fim a um debate antigo, já que a doutrina questionava se era possível ou não permitir a remição de pena por estudo através de analogia (mecanismo de integração do Direito). 
Ademais, além da remição do trabalho e do estudo, jurisprudencialmente, tem-se admitido outros fundamentos para remição – tais como a leitura. 
3. Quem pode remir a pena? 
No caso da remição por trabalho, poderão remir:
· Presos do regime fechado;
· Presos do regime semiaberto; 
No caso da remição por estudo, poderão remir:
· Presos do regime fechado (desde que EAD); 
· Presos do regime semiaberto; 
· Presos do regime aberto; 
§ 2o  As atividades de estudo a que se refere o § 1o deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.                    (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)
O estudo, mencionado no parágrafo 2º, é um termo amplo e envolve ensino médio, graduação, pós-graduação, etc. 
Um preso pode se formar em Direito e passar no exame da ordem, não podendo este ser impedido de advogar (não sofrer uma “pena perpétua”). 
§ 3o  Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho e de estudo serão definidas de forma a se compatibilizarem.                     (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 4o  O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição               .(Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
Caso um preso seja impossibilitado de seguir estudando e/ou trabalhando por um tempo em virtude de questões de saúde, ele continuará a remir pena. 
Infelizmente não há interesse do Estado em capacitar essa classe operária. 
§ 5o  O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação.                    (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 6o  O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.         (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 7o  O disposto neste artigo aplica-se às hipóteses de prisão cautelar.                .(Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 8o  A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa.               (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
A LEP previa a perda dias remidos caso o preso cometa novas infrações. A Lei nº 12.433/2011 completou a LEP ao expressar que até 1/3 do tempo remido pode ser revogado pelo juiz no caso de falta grave. 
Exemplos de falta grave: tentar fugir, liderar uma rebelião, portar arma, etc. 
Art. 127.  Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.                   (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011) 
Há possibilidade da perda de até 1/3 dos 180 dias a remir, isto é, 60 dias. 
4. Detração (art. 42, CP):Trata-se do abatimento, no total da condenação definitiva, do tempo de prisão/ internação provisória.
Art. 42 – CP: Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 
Se o indivíduo for absolvido, ele pode solicitar indenização em relação ao Estado pelo tempo em que ficou preso provisoriamente. Dificilmente o Estado é condenado e, nos casos em que é, dá o famoso “calote” (não paga o egresso). 
É admitida a detração em processos distintos? Depende. Para este exemplo específico não será admitida a detração, uma vez que a concessão de um “crédito de pena a cumprir”, estar-se-á estimulando a prática de condutas criminosas. Portanto, a justificativa é pautada na noção de segurança jurídica. 
Tem casos, porém, em que é permitida a detração em processos distintos. É admitida a detração entre processos distintos, desde que o crime em que se pretende detrair tenha sido praticado antes da prisão provisória que se pretende abater, tratando-se, portanto de infração que não foi motivada por crédito de pena. 
Em suma, a data do crime que se pretende detrair deve ser anterior ao momento do cumprimento da prisão preventiva. 
Neste exemplo, infere-se que o crime 02 não foi cometido por um crédito anterior no que tange ao crime 01, uma vez que 01 precedeu a prisão preventiva relacionada a 02. 
5. Penas restritivas de direitos:
As penas, vinculadas ao Direito Penal, podem ser: 
· Penas privativas de liberdade;
· Penas restritivas de direito (“penas alternativas (à prisão)”);
· Penas de multa; 
       Art. 43 – CP: As penas restritivas de direitos são: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
        I - prestação pecuniária; 
        II - perda de bens e valores;  
        III – REVOGADO; 
        IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; 
        V - interdição temporária de direitos;  
        VI - limitação de fim de semana.  
Legalidade (reserva legal): O juiz não pode inventar penas restritivas de direitos. Deve, portanto, respeitar o princípio da legalidade. 
Portarias, Medidas Provisórias, entre outros diplomas normativos não podem criar penas restritivas de liberdade. 
O rol do art. 43 do Código Penal não é taxativo, ou seja, outras leis em sentido formal podem prever outras penas restritivas de direito. A título exemplificativo pode-se citar o disposto na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), mais especificamente no seu art. 28. 
O art. 28 da Lei de Drogas foi um artigo bem inovador. Os traficantes passaram a ser tratados de forma mais severa em comparação aos usuários, muito em virtude da popularização de drogas ilícitas pelo Movimento Hippie na década de 1960 (como LSD e maconha). 
No Brasil, portanto, não cabe mais pena de prisão para os usuários (grande inovação da Lei de Drogas). Já em outros países, como Portugal, já descriminalizaram a conduta de usar drogas.
Art. 28 – Lei de Drogas: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Art. 44 – CP: As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
Consoante o caput do artigo transcrito, quando trabalhamos com uma pena restritiva, tal pena restritiva pode ser:
· Autônoma: A restritiva de direitos é diretamente prevista no preceito secundário;
· ou Substitutiva de uma pena privativa de liberdade (maioria dos casos – o juiz substituiu uma pena de prisão por uma restritiva de direito); 
O art. 28 da Lei de Drogas gerou debate doutrinário, já que o conceito de crime envolve “reclusão ou detenção” e o conceito de contravenção penal, “prisão simples”. O art. 28 da Lei de Drogas não menciona nem “reclusão”, nem “detenção” e nem “prisão simples”. 
O STJ decidiu que não houve descriminalização, mas uma “despenalização”. Essa perspectiva é criticada uma vez que o termo “despenalização” supõe a ausência de pena e as penas listadas nos incisos do art. 28 são penas privativas de liberdade.
Por isso, a doutrina considera mais adequada a nomenclatura “Desprisionalização”, ou seja, a imposição de penas mais brandas em comparação com as penas privativas de liberdade. 
Conforme já dito, o juiz pode substituir uma pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito. Todavia, o juiz pode, também, desde que fundamentado, reconverter a pena restritiva de direito em pena privativa de liberdade – como no caso do condenado demonstrar desinteresse pelo trabalho comunitário. 
Art. 28, § 6º - Lei de Drogas: Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
Existe uma crise de efetividade na aplicação da Lei de Drogas, uma vez que foi criado um sistema simbólico de proteção e a maioria das penas impostas são subjetivas. 
A imposição sozinha de critérios objetivos resolve uma questão e gera outro problema, favorecendo, de certo modo, os traficantes, os quais passam a vender de forma fracionada para respeitar os critérios objetivos presentes na lei. 
Daniela Portugal considera que o uso de drogas deve ser tratado por normas de saúde pública ao invés de penais. 
Referências:
Livro – Fumo de Negro/ Luísa Saad; 
Para a próxima aula: art. 44, I, CP.

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