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DOCÊNCIA EM SAÚDE CITOGENÉTICA 1 Copyright © Portal Educação 2012 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842c Citogenética / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 94p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-278-7 1. Citogenética. 2. Genética. 3. Biologia. I. Portal Educação. II. Título. CDD 574.87322 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 4 2 MORFOLOGIA DOS CROMOSSOMOS .................................................................................... 5 2.1 CENTRÔMERO .......................................................................................................................... 7 2.2 CONSTRIÇÃO SECUNDÁRIA ................................................................................................... 8 2.3 TELÔMERO .............................................................................................................................. 11 3 CARIÓTIPO ............................................................................................................................... 12 3.1 CARACTERIZAÇÃO DO CARIÓTIPO ....................................................................................... 14 3.1.1 Número de cromossomos .......................................................................................................... 15 3.1.2 Tamanho cromossômico ........................................................................................................... 18 3.1.3 Posição do centrômero .............................................................................................................. 21 4 DIVISÃO CELULAR: MITOSE .................................................................................................. 23 5 DIVISÃO CELULAR: MEIOSE .................................................................................................. 32 6 A MEIOSE COMO FATOR FAVORECEDOR DA EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES .................... 38 7 COMPLEMENTANDO NOSSO APRENDIZADO ...................................................................... 40 8 SÍNDROMES CROMOSSÔMICAS ........................................................................................... 42 8.1 SÍNDROME DE DOWN OU TRISSOMIA DO 21 ....................................................................... 42 8.2 SÍNDROME DE EDWARDS OU TRISSOMIA DO 18 ................................................................ 44 8.3 SÍNDROME DE PATAU OU TRISSOMIA DO 13 ...................................................................... 46 8.4 SÍNDROME DE KLINEFELTER OU SÍNDROME XXY .............................................................. 48 8.5 SÍNDROME DE TURNER OU SÍNDROME X0 .......................................................................... 50 3 9 NÃO DISJUNÇÃO CROMOSSÔMICA NA MEIOSE ................................................................ 53 10 CROMOSSOMOS SEXUAIS .................................................................................................... 56 11 HERMAFRODITA X UNISSEXUADO: DIFERENÇA SEXUAL ................................................. 58 12 ORIGEM DOS CROMOSSOMOS SEXUAIS ............................................................................ 61 13 OS CROMOSSOMOS E A DETERMINAÇÃO DO SEXO: SISTEMAS SIMPLES .................... 66 14 SISTEMAS MÚLTIPLOS DE DETERMINAÇÃO SEXUAL ....................................................... 69 15 ONDE OS SISTEMAS MÚLTIPLOS DE DETERMINAÇÃO SEXUAL SE ORIGINARAM ........ 72 16 ORGANELAS CELULARES COM DNA PRÓPRIO ................................................................. 78 17 CARACTERÍSTICAS DOS CROMOSSOMOS EM PROCARIONTES ..................................... 82 18 CROMOSSOMOS NOS VÍRUS ................................................................................................ 86 19 CARACTERÍSTICAS CITOGENÉTICAS EM EUCARIOTAS INFERIORES ............................ 89 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 93 4 1 INTRODUÇÃO Ainda antes que Mendel, no ano de 1865, tivesse divulgado para a comunidade científica da época suas observações sobre a transmissão dos caracteres, em 1833 o botânico escocês Robert Brown já havia descoberto que tanto células animais quanto vegetais, apresentavam uma estrutura interna de forma esférica à qual ele chamou de núcleo. Este núcleo, conforme demonstrado pelos citologistas era capaz de se dividir formando novos núcleos, sendo que durante o processo de divisão surgiam estruturas alongadas, mais tarde denominadas cromossomos. Passado não mais do que um ano após a publicação do trabalho de Mendel, o zoólogo alemão Ernst Haeckel, no ano de 1866, propôs que o núcleo era o principal agente da herança (GUERRA, 1988). No ano de 1880, Alexandre Flemming (o mesmo que viria a descobrir a Penicilina anos mais tarde) demonstrou que, durante o processo de divisão celular conhecido como mitose, os cromossomos se dividiam longitudinalmente. Durante algum tempo, após estudos realizados por diversos pesquisadores como Roux, em 1883, foi somente após a redescoberta dos estudos mendelianos no ano de 1900 pelos pesquisadores Correns, de Vries e Tschermark que a teoria da herança cromossômica ganhou credibilidade e passou a ser amplamente aceita na comunidade científica. Foi a partir deste momento que a Citologia (estudo das células) e a Genética passaram a gerar informações cruzadas a partir de uma área comum, hoje conhecida como Citogenética. Desde então, a Citogenética passou a ser reconhecida como uma ciência, expandindo-se rapidamente, passando a integrar outros ramos da Biologia como a Taxonomia, Melhoramento Animal e Vegetal, Bioquímica, entre outras. Segundo Guerra (1988), nos dias de hoje, a Citogenética compreende qualquer estudo relacionado com o cromossomo, isolado ou em conjunto, no que se refere à sua morfologia, função, organização, variação e evolução. 5 2 MORFOLOGIA DOS CROMOSSOS Quando estudamos os cromossomos, na maior parte das vezes, estamos nos referindo a cromossomos metafísicos de organismos eucarióticos em processo de mitose. Existe uma grande variação na morfologia deste cromossomo, quando diferentes espécies são utilizadas para comparação (FIGURA 1). FIGURA 1 - DIVERSIDADE CROMOSSÔMICA E CARIOTÍPICA EM DIFERENTES ESPÉCIES: A – MARMOSA CINEREA (MARSUPIAL), B – CALLOMYS CALLOSUS (ROEDOR), C – DESMODUS ROTUNDUS (MORCEGO), D – HERBETIA SP (IRIDACEAE), E – PASSIFLORA MUCRONATA (MARACUJÁ-DO-MATO) FONTE: Adaptado de Guerra (1988). Os cromossomos metafísicos são constituídos por duas estruturas paralelas chamadas cromátides. Cada cromátide é formada por um filamento de DNA, associado a proteínas e RNA, 6 denominado cromonema. As cromátides se encontram unidas entre si por meio de uma região delicada conhecida como centrômero ou constrição primária (FIGURA 2). FIGURA 2 - MORFOLOGIADO CROMOSSOMO METAFÍSICO. O SATÉLITE E A CONSTRIÇÃO SECUNDÁRIA SÃO GERALMENTE AUSENTES FONTE: Adaptado de Guerra (1988). A região conhecida como centrômero divide a cromátide em segmentos conhecidos como braços cromossômicos. De forma pouco frequente o centrômero pode se situar em um dos extremos da cromátide, o que pode resultar na existência de apenas um braço cromossômico por cromátide. As extremidades livres dos braços cromossômicos são chamadas de telômeros. Pode-se observar ainda presente em certos cromossomos a presença de uma segunda constrição nas cromátides, tão delicada quando o centrômero e conhecida como constrição secundária. Em mais de 80% dos casos essa constrição está localizada no braço curto do cromossomo e, ainda hoje, os motivos dessa localização preferencial são desconhecidos pela ciência. Como podemos observar na FIGURA 2, o segmento cromossômico situado entre a constrição secundária e o telômero é chamado de satélite. Segundo Guerra (1988), este segmento cromossômico corresponde à aproximadamente 10% da extensão total 7 do cromossomo, ou seja, apresenta tamanho inferior a 1µm (1 milímetro dividido por 1.000). Entretanto, existem registros de satélite que medem vários micrômetros de extensão, compreendendo 40% ou mais do cromossomo. Levando em consideração o que estudamos até o presente momento, as três regiões cromossomos que merecem uma melhor caracterização são o centrômero, a constrição secundária e o telômero. 2.1 CENTRÔMERO Assim como a constrição primária, a constrição secundária se mostra como uma região pouco condensada, resultada da baixa densidade de DNA localizado. Indiretamente, a constrição secundária está relacionada com o processo de divisão celular, quando pode ocorrer a formação de cromossomos acêntricos, ou seja, desprovidos de centrômero (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005). Cromossomos acêntricos são perdidos durante o processo de divisão celular. Para a grande maioria das espécies, os cromossomos apresentam apenas um centrômero, ou seja, são considerados monocêntricos. Salvo raras exceções, podem ser verificados cromossomos dicêntricos (dois centrômeros), tricêntricos (três centrômeros), etc. Estes casos podem ser observados com o auxílio do microscópio óptico, sendo reconhecidos a partir da presença de duas constrições primárias ou pela presença de uma constrição primária excepcionalmente longa quando comparada a uma constrição “padrão”. A imagem a seguir (FIGURA 3) mostra cromossomos com vários centrômeros em uma célula de camundongo. É comum observar nesta linhagem, conhecida como linhagem L, diversos cromossomos com mais de um centrômero. 8 FIGURA 3 - CROMOSSOMOS DE UMA CÉLULA DA LINHAGEM L DE CAMUNDONGOS APRESENTANDO VÁRIOS CENTRÔMEROS FONTE: Adaptado de Guerra (1988). Cromossomos que apresentam mais de um centrômero funcionam normalmente, o que ocorre devido à inativação do(s) centrômero(s) extra(s), ou ainda por meio do desenvolvimento de um mecanismo de coorientação dos centrômeros, que funcionam como se fossem um cromossomo apenas. Centrômeros inativos passam a ser denominados “centrômeros latentes”. 2.2 CONSTRIÇÃO SECUNDÁRIA Constrições secundárias são observadas em pelo menos um dos cromossomos do conjunto cromossômico haploide de cada espécie. Em geral, os cromossomos que apresentam 9 constrição secundária, são observados durante a prófase, associados ao nucléolo (região nuclear responsável pela produção dos ribossomos). Devido a esta associação, a constrição secundária é também chamada de região organizadora do nucléolo (RON). Essa associação recebe este nome, pois nas constrições secundárias se situam os genes que determinam a produção de certos tipos de RNA ribossomais, os quais serão os constituintes principais do nucléolo. As figuras a seguir (FIGURAS 4 e 5) mostram as constrições secundárias observadas nos cromossomos de Clyomys laticeps, um roedor, utilizando a técnica convencional de cloração e a coloração com nitrato de prata. A forte afinidade com as proteínas nucleolares permite que as constrições secundárias sejam fortemente coradas com o nitrato de prata. FIGURA 4 - CROMOSSOMOS DE CLYOMYS LATICEPS CORADOS UTILIZANDO A TÉCNICA CONVENCIONAL. SETAS INDICANDO AS CONSTRIÇÕES SECUNDÁRIAS FONTE: Adaptado de guerra (1988). 10 FIGURA 5 - CROMOSSOMOS DE CLYOMYS LATICEPS CORADOS UTILIZANDO NITRATO DE PRATA. SETAS INDICANDO AS CONSTRIÇÕES SECUNDÁRIAS FONTE: Adaptado de guerra (1988). Observa-se no conjunto haploide de cromossomos de uma determinada espécie certa constância no número de constrições secundárias, ou seja, nunca superior a duas constrições, sendo uma constrição secundária apenas o número mais frequente. Podemos citar como exemplo a mosca das frutas (drosófilas), a cebola e o milho em que se observa apenas um cromossomo com constrição secundária. Já no que se refere à espécie humana, existem cinco cromossomos (dos 23 que integram o conjunto haploide) que apresentam constrição secundária. Mas como toda regra tem sua exceção, existem ainda espécies que podem apresentar cromossomos com outras constrições, menos pronunciadas do que a constrição secundária, não relacionadas com a RON, sendo que sua função ainda é desconhecida pela ciência. 11 2.3 TELÔMERO Ao contrário do que observamos na caracterização das duas estruturas anteriores, morfologicamente não é possível distinguir o telômero do restante do corpo do braço do cromossomo. Ainda assim, os estudos citogenéticos permitiram conhecer que se trata de uma região importantíssima para o funcionamento do cromossomo. Análises realizadas sobre o segmento de DNA existente no telômero sugerem que as diferenças observadas, tanto na organização como na composição, devem estar relacionadas com sua função. Toda vez que um cromossomo se parte, a nova extremidade formada possui uma forte tendência de aderir a outros fragmentos cromossômicos, promovendo uma situação que pode dificultar a separação durante o processo de anáfase (GUERRA, 2008). Isso faz com que a nova célula formada seja perdida, já que se torna inviável. Dessa forma, observa-se que o telômero teria uma função cicatrizante das regiões terminais dos braços cromossômicos. Além disso, a funcionalidade do telômero também está relacionada com a organização dos cromossomos dentro do núcleo em interfase e em prófase. Para uma série de espécies tem sido demonstrado que cromossomos não se apresentam dispersos dentro do núcleo, mas sim, aderidos à carioteca (membrana nuclear) através dos chamados filamentos cromossômicos. Na maior parte das vezes, a interface deste contato entre os cromossomos e a membrana nuclear é feito pelos telômeros. Dessa forma, conforme se tem observado para diversas espécies, o pareamento dos cromossomos homólogos começa a partir das porções terminais aderidas à carioteca. 12 3 CARIÓTIPO Entende-se por cariótipo a descrição das características relacionadas com o conjunto de cromossomos de uma determinada espécie. A caracterização do cariótipo tem sido utilizada para diferentes fins na citogenética, entre os quais podemos destacar a comparação citogenética entre diferentes espécies e ainda a realização do exame da variação observada em indivíduos que pertencem à mesma espécie. Como exemplo disso, podemos citar a utilização do exame de cariótipo para verificar na espécie humana a ocorrência de determinadas patologias que podem ser ocasionadas por meio da existência de alterações no cariótipo normal. A representação do que chamamos de cariótipo é possível por meio de dois modos conhecidos como idiograma ou cariograma. O cariótipo em cariograma é representado a partir de uma imagem obtida da etapa da divisão celular conhecidacomo metáfase, na qual os cromossomos se mostram individualizados e bem corados. A representação neste formato é completada a partir do momento em que, uma vez realizada a foto, os cromossomos homólogos são recortados e dispostos de forma pareada, sendo enumerados conforme podemos observar na FIGURA 6. Entende-se como o conceito para delimitar uma espécie, indivíduos que apresentam características morfológicas similares e que ao cruzarem entre si são capazes de originar descentes férteis. 13 Já o idiograma se caracteriza como sendo uma representação esquemática do cariótipo, utilizando os valores médios do posicionamento do centrômero e o tamanho de cada conjunto haploide (FIGURA 7). Esses valores são sempre obtidos a partir de medições cromossômicas realizadas em um número considerável de células do indivíduo, ou ainda, como uma segunda opção, em células de diferentes indivíduos da mesma espécie. FIGURA 6 - CARIÓTIPO HUMANO REPRESENTADO EM FORMA DE CARIOGRAMA MOSTRANDO CROMOSSOMOS METAFÁSICOS BEM CORADOS ACIMA E ABAIXO HOMÓLOGOS PAREADOS FONTE: Adaptado de guerra (1988). 14 Na figura acima podemos observar os 23 pares de cromossomos que formam o cariótipo humano, sendo o cariótipo em questão pertencente a um indivíduo do sexo masculino devido à presença do cromossomo sexual Y. FIGURA 7 - IDIOGRAMA DE QUATRO ESPÉCIES PERTENCENTES AO GÊNERO BRIZA, REPRESENTANTE DA FAMÍLIA DAS POACEAE (GRAMÍNEAS) FONTE: Adaptado de guerra (1988). 3.1 CARACTERIZAÇÃO DO CARIÓTIPO 15 Quando observamos um cariótipo, percebemos que as características mais evidentes estão relacionadas com a posição do centrômero, tamanho e número dos cromossomos. Vamos iniciar nosso estudo sobre a caracterização do cariótipo a partir do número de cromossomos. 3.1.1 Número de cromossomos Os indivíduos apresentam normalmente dois números de cromossomos distintos, que por sua vez recebem nomes diferentes: o conjunto haploide (n) e o conjunto somático ou diploide (2n). O conjunto diploide sempre resulta do processo de fecundação sendo constituído pela presença de um par de cromossomos “do mesmo tipo” (homólogos). Os cromossomos homólogos recebem este nome, pois reúnem as mesmas informações genéticas, com exceção dos cromossomos sexuais. O número de cromossomos tende a ser constante dentro de cada espécie, podendo ocorrer, algumas vezes, alteração neste número. No caso da espécie humana, conforme veremos em nosso curso, diferentes síndromes podem ser acometidas a partir da variação no número de cromossomos. Veja no quadro a seguir (FIGURA 8) os diferentes números cromossômicos (conjunto somático) observados em diversas espécies. 16 FIGURA 8 - NÚMERO CROMOSSÔMICO DIPLOIDE DE ALGUMAS ESPÉCIES VEGETAIS E ANIMAIS ESPÉCIES N CROMOSSÔMICO 2n Vegetais Bixa orellana (urucum) 14 Passiflora edulis (maracujá) 18 Victoria amazonica (vitória-régia) 20 Caesalpinia echinata (pau-brasil) 24 Araucaria angustifolia (pinheiro-do-paraná) 26 Hevea brasiliensis (seringueira) 36 Manihot esculenta (mandioca) 36 Anacardium occidentale (caju) 42 Gossyoium hirsutum (algodão) 52 Artocarpus integrifolia (jaca) 56 Saccharum officinarum (cana-de-açúcar) 80 Ipomoea batatas (batata-doce) 90 Animais Culex pipiens (pernilongo) 6 Musca domestica (mosca) 12 Schistosoma mansoni (esquistossomo) 16 Didelphis albiventris (gambá) 22 17 Periplaneta americana (barata) 32 Biomphilaria glabrata (caramujo) 36 Bothrops jararaca (cobra jararaca) 36 Heliconius erato (borboleta) 42 Arapaina gigas (pirarucu) 56 Cavea aperea (preá) 64 Canis familiares (cachorro) 78 Gallus domesticus (galinha) 78 18 3.1.2 Tamanho cromossômico Os valores relacionados com o tamanho dos cromossomos podem variar, desde 0,5 µm (1 micrômetro = 1 milésimo de milímetro = 10-6 m) como observado em diversas espécies de fungos a até 36 µm como verificado para um representante do gênero Trillium (monocotiledônea). Se levarmos em consideração os valores médios observados para uma ampla gama de espécies, o valor médio do tamanho dos cromossomos varia entre 5 e 6 µm. Segundo Guerra (2008), a variação observada no tamanho dos cromossomos não ocorre ao acaso entre os seres vivos, sendo observada certa tendência em alguns grupos de apresentarem cromossomos maiores. Como exemplo disso podemos citar representantes do grupo das gimnospermas (pinheiros) e dos peixes pulmonados que apresentam cromossomos com tamanho acima desta média verificada para os demais organismos. Já para outros grupos, como, por exemplo, borboletas e mariposas, os tamanhos verificados em geral se mostram inferiores à média. Para aquelas espécies, nas quais se verifica a ocorrência de cromossomos de pequeno tamanho, torna-se praticamente inviável a obtenção de detalhes que permitam a descrição do cariótipo em maiores detalhes. Dessa forma, a descrição cariotípica se restringe ao número cromossômico (FIGURA 9). 19 FIGURA 9 - CARIÓTIPO DE TAGETES MINUTA, CONHECIDA POPULARMENTE COMO CRAVO-BRANCO FONTE: Adaptado de guerra (1988). O que se sabe é que a variação no tamanho dos cromossomos ocorre em um grande número de cromossomos, e de forma geral, esta variação ocorre gradativamente, como é o caso da espécie humana (FIGURA 10). 20 FIGURA 10 - VARIAÇÃO GRADATIVA DE TAMANHO CROMOSSÔMICO NO CARIÓTIPO FONTE: Adaptado de guerra (1988). Entretanto pode ocorrer o que é chamado de distribuição bimodal, na qual se observa um cariótipo com poucos cromossomos de tamanho grande e muitos cromossomos pequenos (FIGURA 11). Aves, um número considerável de répteis e espécies da família Agavaceae (sisal, agave) apresentam cariótipo tipicamente bimodal. Tomando como exemplo o frango doméstico, observa-se a ocorrência de doze cromossomos de maior tamanho e outros 66 menores ou, conforme a nomenclatura utilizada, “microssomos”. 21 FIGURA 11 - CARIÓTIPO DE HERBETIA SP. EM QUE SE OBSERVA UMA DISTRIBUIÇÃO CROMOSSÔMICA CHAMADA DE BIMODAL. FONTE: Adaptado de guerra (1988). Dessa forma, todos os cariótipos que apresentam variação no tamanho dos cromossomos ou ainda no que se refere à posição do centrômero são chamados de assimétricos, ao contrário daqueles que possuem maior similaridade quanto a estes aspectos, sendo assim denominados simétricos. 3.1.3 Posição do centrômero O centrômero pode estar localizado em qualquer posição entre o meio e a extremidade de um cromossomo. Dessa forma, os cromossomos são caracterizados de acordo com a posição do centrômero, sendo conhecidas as seguintes variações (FIGURA12): 22 a) Metacêntrico: o centrômero está localizado no meio e os dois braços cromossômicos apresentam o mesmo tamanho; b) Submetacêntrico: os centrômeros se mostram um pouco deslocados da região central e consequentemente os braços cromossômicos apresentam tamanhos desiguais. c) Acrocêntrico: o centrômero se localiza bem próximo a uma das extremidades e um dos braços cromossômicos se mostra bem maior que o outro. d) Telocêntrico: o centrômero localiza-se junto a uma das extremidades e o que se observa é praticamente a existência de apenas um braço cromossômico. FIGURA 12 - CLASSIFICAÇÃO DOS CROMOSSOMOS QUANTO À POSIÇÃO DO CENTRÔMERO. FONTE: Adaptado de guerra (1988). 23 4 DIVISÃO CELULAR: MITOSE Existem dois processos de divisão celular: a mitose e a meiose. A mitose origina células com a mesma carga genética da célula-mãe, enquanto que na meiose, a célula-filha apresenta apenas metade da bagagem genética. Neste item estudaremos a mitose. Conforme abordamos no parágrafo anterior, no processo da mitose o número cromossômico nas células-filhas se mantémo mesmo observado na célula-mãe. O processo de mitose dura entre trinta e sessenta minutos, sendo constituído por quatro etapas: PRÓFASE, METÁFASE, ANÁFASE e TELÓFASE (FIGURA 12). A seguir detalharemos cada uma das etapas da mitose. FIGURA 12 - REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DO CICLO CELULAR MOSTRANDO AS ETAPAS DA MITOSE FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). 24 PRÓFASE Esta etapa é caracterizada pela condensação dos cromossomos, tornando-se cada vez mais curtos e grossos, sendo possível sua observação com o microscópio óptico. O processo de condensação dos cromossomos que tende a diminuí-los de tamanho facilita a sua separação e posterior distribuição para as células filhas, sem que haja embaraçamento ou quebras (FIGURA 13). Uma vez estando condensados, o processo de produção de moléculas de RNA é bloqueado já que a compactação dos cromossomos inativa o DNA. É por esse motivo que durante a prófase se observa o desaparecimento dos nucléolos: a RON, ao se condensar, deixa de produzir o RNA ribossômico, principal integrante do nucléolo. FIGURA 13 - PRINCIPAIS EVENTOS OBSERVADOS DURANTE A PRÓFASE DA MITOSE FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). 25 Ainda durante a prófase se observa o início da formação do fuso acromático, formado por um conjunto de microtúbulos orientados de um polo a outro da célula, cuja principal função é levar os cromossomos até os polos da célula durante a etapa conhecida como anáfase. A formação do fuso acromático inicia com a separação dos centrossomos duplicados durante a fase S da interfase. Durante o processo de migração para os polos da célula, os centrossomos acabam por orientar os microtúbulos entre os dois polos celulares, originando fibras. Em células eucarióticas animais, os microtúbulos se organizam ao redor de cada centrossomo, formando uma estrutura chamada de áster (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005). O evento que caracteriza o fim da prófase é a fragmentação da carioteca (membrana nuclear ou envoltório nuclear) originando pequenas vesículas. Os cromossomos condensados se encontram dispersos pelo citoplasma. METÁFASE A metáfase é a etapa que sucede a prófase. Alguns autores ainda estabelecem a ocorrência de outra etapa que precede a metáfase, chamada de prometáfase, o que não será considerado em nosso estudo. Esta etapa é marcada pelo posicionamento dos cromossomos na região mediana (também chamada equatorial) do fuso acromático. Microtúbulos que se originam nos centrossomos “capturam” os cromossomos pela região do cinetócoro (estrutura proteica presente na região do centrômero). Uma vez o cinetócoro de uma cromátide sendo capturado por microtúbulos ligados a um dos polos, automaticamente o cinetócoro da cromátide-irmã estará voltado para o polo oposto e dessa forma capturado por microtúbulos que têm origem neste polo (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005). O que se observa é que este processo garante que as cromátides-irmãs se prendam sempre a polos celulares opostos (FIGURA 14). 26 Os cromossomos agora presos às fibras do fuso, progressivamente, posicionam-se na região equatorial da célula, constituindo o que chamamos de placa equatorial ou placa metafásica. Este processo que originou o nome desta etapa, já que meta = meio, ou seja, os cromossomos estão alinhados no meio da célula (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005). Conforme comentado no início de nosso estudo sobre a metáfase, alguns autores denominam prometáfase o momento situado entre a ruptura da carioteca no final da prófase até o momento da formação da placa equatorial. Dessa forma, o que se considera como metáfase seria justamente o momento exato entre do alinhamento dos cromossomos na faixa equatorial da célula. FIGURA 14 - REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA UNIÃO DOS CROMOSSOMOS AO FUSO MITÓTICO E FORMAÇÃO DA PLACA METAFÁSICA: A) CAPTURA DOS CROMOSSOMOS POR MICROTÚBULOS DE UM DOS POLOS; B) LIGAÇÃO DE MICROTÚBULOS DO OUTRO POLO AO CINETÓCORO DA CROMÁTIDE-IRMÃ; C) ALINHAMENTO DOS CROMOSSOMOS, FORMANDO A PLACA METAFÁSICA FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). 27 ANÁFASE A palavra anáfase tem origem no idioma grego (ana = separação). Esta fase representa o processo por meio do qual as cromátides-irmãs se separam sendo puxadas para os polos opostos da célula devido ao encurtamento dos microtúbulos que formam o fuso acromático (FIGURA 15). Esse processo de encurtamento dos microtúbulos ocorre devido à desintegração (controlada) das moléculas da proteína tubulina nas extremidades dos microtúbulos que estão ligados à região do cinetócoro (FIGURA 16). FIGURA 15 - REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA ANÁFASE FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). 28 FIGURA 16 - REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DO ENCURTAMENTO DOS MICROTÚBULOS O QUE FAZ COM QUE AS CROMÁTIDES-IRMÃS SEJAM PUXADAS PARA OS PÓLOS OPOSTOS DAS CÉLULAS. O ESQUEMA REPRESENTA APENAS UM MICROTÚBULO FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). O que pode se observar é que, de maneira rara, erros na disjunção das cromátides- irmãs podem ocorrer, fazendo com que duas cromátides de um mesmo cromossomo migrem para o mesmo polo. Isto se dá geralmente quando microtúbulos de um mesmo polo se unem às cromátides de um mesmo cromossomo. Esse processo conhecido como não disjunção cromossômica ocasiona um erro na distribuição cromossômica, fazendo com que as células- filhas fiquem com números de cromossomos diferenciados. 29 TELÓFASE A telófase se caracteriza como a última fase da mitose na qual se observa a descondensação dos cromossomos juntamente com a reorganização do envoltório nuclear (carioteca). O processo de reorganização da carioteca se dá no entorno de cada conjunto cromossômico, havendo desta forma, a formação de dois núcleos distintos. A partir do momento em que os cromossomos sofrem a descondensação retomam as suas atividades, incluindo nesse caso a retomada da síntese de RNA ribossômico e o consequente reaparecimento dos nucléolos (FIGURA 17). FIGURA 17 - DETALHAMENTO DA TELÓFASE FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). Uma vez reorganizados os núcleos-filhos o que se observa é a desintegração dos microtúbulos que formam o fuso acromático tendo início a partir deste momento a etapa conhecida como citocinese, o que resultará na formação de duas células-filhas. 30 CITOCINESE O processo que promove a divisão do citoplasma após passadas as quatro fases da mitose recebe o nome de citocinese. Tanto nas células animais quanto nas células dos protozoários o processo da citocinese se dá pelo estrangulamento celular, sempre na região equatorial pela ação de um anel de filamentos contráteis constituídos por moléculas de miosina e actina. Uma vez iniciando na periferia e avançando pela região central, esse tipo de divisão citoplasmática é chamado de citocinese centrípeta (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005) (FIGURA 18). FIGURA 18 - CITOCINESE CENTRÍPETA CARACTERÍSTICA DAS CÉLULAS ANIMAIS FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). Já o processo de citocinese que ocorre nas células vegetais é diferente daquele observado para as células eucarióticas animais. Ao final da etapa da telófase, é possível observar na região central das células vegetais a deposição de polissacarídeos (pectina) em bolsas membranosas. A partir daí é possível observar a fusão entre estas bolsas formando uma placa, conhecida como fragmentoplasto (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005). O fragmentoplasto cresce do centro para a periferia da célula até encostar-se na parede celular (parede celulósica) separando as duas células-filhas (FIGURA 19). Por esse motivo, a separação citoplasmática nas células vegetais é chamada de citocinese centrífuga. 31 FIGURA 19 - CITOCINESE CENTRÍFUGA CARACTERÍSTICA DAS CÉLULAS VEGETAIS FONTE:Adaptado de Amabis & Marto (2010). Antes de iniciarmos o nosso estudo sobre o outro processo de divisão celular conhecido (meiose), precisamos esclarecer em que etapa do ciclo celular ocorre a duplicação do DNA. O processo de mitose dura cerca de trinta minutos (FIGURA 13). Quando uma célula não está em mitose ela se encontra em um período conhecido como interfase que possui duração aproximada de 24 horas. Em outras palavras, podemos definir a interfase como sendo o período verificado entre duas divisões celulares consecutivas. A interfase pode ser dividida em três fases: G1, S e G2. A sigla S representa a síntese, ou seja, o momento em que se verifica a duplicação (do inglês synthesis) do material cromossômico. As siglas G1 e G2 derivam da palavra, também de origem inglesa, gap, ou seja, intervalo. Neste caso, G1 e G2 representam os momentos que antecedem e sucedem a síntese de DNA. É justamente durante a etapa S que o DNA celular é duplicado. A seguir estudaremos o processo de divisão meiótico. 32 5 DIVISÃO CELULAR: MEIOSE O significado de meiose tem origem no idioma grego, da palavra meiosis = diminuição, designando dessa forma o processo de divisão celular no qual se verifica uma diminuição na bagagem cromossômica das células filhas quando comparada com a célula-mãe. A redução no número cromossômico tem origem a partir da duplicação do conteúdo cromossômico seguido de duas divisões celulares consecutivas, conhecidas como: meiose I e meiose II. O resultado final do processo de meiose, como veremos a seguir, resulta em quatro células-filhas, sempre mostrando metade do número cromossômico observado na célula-mãe. Vamos ao detalhamento da meiose I e II. MEIOSE I A meiose I está subdividida em quatro etapas, sendo estas: prófase I, metáfase I, anáfase I e telófase I. Por ser uma etapa longa, a prófase I pode ser subdividida em cinco etapas menores: leptóteno, zigóteno, paquíteno, diplóteno e diacinese. O início da meiose pode ser caracterizado pela condensação de certos pontos ligados ao longo dos cromossomos, caracterizando o leptóteno. Neste momento, já é possível observar os cromossomos ao microscópio óptico, como sendo fios finos e longos, apresentando cromômeros (pontos pontilhados com grânulos) onde o grau de condensação é ainda maior. Uma vez estando duplicados, os cromossomos homólogos pareiam (se colocam lado a lado). De maneira interessante o que se observa é que o pareamento ocorre perfeitamente ao 33 longo de toda a extensão dos homólogos, como se as duas partes fossem a parte de um zíper fechado. A esta etapa, onde se verifica o emparelhamento denominamos zigóteno. Na etapa que sucede o zigóteno, os cromossomos homólogos pareados estão perfeitamente emparelhados e enrolados sobre si mesmos, de forma que sua observação ao microscópio revela uma estrutura única, denominada tétrade. Esta etapa é chamada de paquíteno. No diplóteno, os cromossomos homólogos iniciam o processo de separação. Observa- se que os cromossomos homólogos são formados por duas cromátides cada um. Em determinados pontos, as cromátides se cruzam, formando estruturas que lembram a letra “X”, denominadas quiasmas (FIGURA 20). Quiasmas serão observados sempre em locais nos quais as cromátides dos cromossomos homólogos trocam segmentos enquanto permanecem lado a lado, sendo este processo conhecido como permutação ou crossing over. Dessa forma, o que se verifica é que o mesmo cromossomo passa a reunir genes provenientes de ambos os progenitores, ou seja, tanto do pai quanto de sua mãe, localizados no par de homólogos. FIGURA 20 - REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DE UMA PERMUTAÇÃO ENTRE CROMOSSOMOS HOMÓLOGOS FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). 34 Na última etapa da prófase I, conhecida como diacinese, os cromossomos homólogos continuam unidos apenas pela região dos quiasmas. A partir desta etapa observa-se que os quiasmas deslizam para as extremidades cromossômicas, sendo este fenômeno conhecido com terminalização dos quiasmas. Esta fase, que determina o fim da prófase I, o envoltório nuclear se desintegra e os homólogos, ainda unidos pelos quiasmas se dispersam pelo citoplasma (FIGURA 21). FIGURA 21 - ETAPAS DA PRÓFASE I MOSTRADAS EM SEQUÊNCIA, RESPECTIVAMENTE: LEPTÓTENO (c), ZIGÓTENO (d), PAQUÍTENO (e), DIPLÓTENO (f), DIACINESE (g) FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). Na metáfase I, os pares de cromossomos homólogos se prendem ao fuso acromático formado durante a longa duração da prófase I. O fuso acromático meiótico também está disposto na região equatorial da célula, assim como observado na mitose. Nesta fase, um dos cromossomos homólogos se prende aos microtúbulos de um dos polos, enquanto o outro homólogo se prende aos microtúbulos do polo oposto. Na metáfase da mitose, conforme 35 estudamos no tópico quatro de nosso curso, cada cromossomo se prendia a microtúbulos de ambos os polos, de forma que as cromátides ficam unidas a polos opostos (FIGURA 22). FIGURA 22 - ESQUEMA CARACTERIZANDO A METÁFASE I FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). Na anáfase I, cada cromossomo origina-se a partir de um par de homólogos, sendo formado por duas cromátides unidas pelo centrômero. Os cromossomos são puxados para os polos da célula e os quiasmas desaparecem (FIGURA 23). 36 FIGURA 23 - ESQUEMA CARACTERIZANDO A ANÁFASE I FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). Na etapa seguinte, a telófase I, os cromossomos se encontram separados em dois lotes, cada um localizado em um dos polos da célula. O fuso acromático se desintegra, os envoltórios nucleares (cariotecas) se reorganizam e os nucléolos por sua vez reaparecem. A partir desse momento surgem dois núcleos, cada um deles com metade do número de cromossomos observado na célula-mãe, embora cada cromossomo ainda seja formado por duas cromátides unidas pelo centrômero (FIGURA 24). Logo após a primeira divisão meiótica finalizar, ocorre a citocinese I, com a separação das células-filhas e logo inicia a meiose II. FIGURA 24 - ESQUEMA CARACTERIZANDO A TELÓFASE I FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). 37 MEIOSE II A segunda divisão que se observa na meiose se assemelha muito aos processos observados durante a mitose. As duas células que resultam da meiose I iniciam, simultaneamente, a prófase II. Os cromossomos, formados por duas cromátides condensam-se, os nucléolos somem e a carioteca se fragmenta. A seguir, na metáfase II, os cromossomos se associam ao fuso acromático formado durante a etapa anterior (prófase II), alinhando-se na faixa equatorial da célula. Os microtúbulos que integram o fuso acromático puxam as cromátides-irmãs para os polos opostos, o que marca o início da anáfase II. Uma vez tendo os cromossomos-irmãos alcançado os polos da célula, tem fim a anáfase e inicia a telófase II. Nesta fase, os cromossomos iniciam o processo de descondensação, os nucléolos reaparecem e os envoltórios nucleares (cariotecas) reaparecem. A seguir, o citoplasma se divide (citocinese II) e surgem duas células-filhas a partir de cada célula que iniciou a meiose II. A meiose é um processo verificado em nosso organismo apenas durante a formação de nossos gametas, que normalmente possuem 23 cromossomos. A junção da célula gamética da mãe (óvulo – 23 cromossomos) com a célula gamética do pai (espermatozoide – 23 cromossomos) resulta na primeira célula diploide de nossos organismos, conhecida como zigoto e constituída por um conjunto de 46 cromossomos, sendo dois destes os chamados cromossomos sexuais. 38 6 A MEIOSE COMO FATOR FAVORECEDOR DA EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES Uma das principais características da meiose é se caracterizar como um tipo especial de divisão celular permitindoaos cromossomos homólogos, presentes na célula original, emparelhar-se de tal forma a ponto de trocarem material genético hereditário, sendo este processo conhecido como crossing-over. A troca física real de segmentos de DNA entre os cromossomos de origem materna e paterna de um par de homólogos resulta na união (mistura) dos genes parentais, o que por sua vez, resulta em um significativo aumento das combinações genéticas. Havendo uma maior recombinação genética, ocorre uma maior variabilidade dos tipos de gametas formados ao final de cada etapa da meiose, contribuindo marcantemente para a maior adaptação evolutiva da espécie (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005). Podemos assim dizer que, em uma última análise, o processo de recombinação genética acelera o processo de evolução das espécies. Mesmo o crossing-over, aparentemente, sendo o único evento-chave do processo de meiose que resulta em variabilidade genética, existe um segundo fator, tão ou mais importante do que o crossing-over: a segregação independente dos cromossomos homólogos, observada como estudamos anteriormente, na anáfase I. Uma vez que existe a possibilidade de cromossomos homólogos migrarem para qualquer dos polos celulares, independente se sua origem for materna ou paterna, e ainda pelo fato de que cada um dos cromossomos homólogos pode dirigir-se para um dos polos de forma independente dos outros cromossomos, observa-se que existem inúmeras possibilidades de combinações cromossômicas em cada célula-filha resultante da primeira divisão meiótica. O número possível de combinações cromossômicas, ou de diferentes tipos de gametas que podem ser formados a partir de uma célula-mãe inicial, será sempre igual a 2n, sendo n o 39 número haploide de cromossomos observado na espécie, ou o número de pares cromossômicos observado em cada núcleo. Vamos a um exemplo: a meiose de uma célula que possui três (3) pares cromossômicos poderia resultar em 8 (23) diferentes tipos de gametas, mesmo não havendo qualquer tipo de recombinação gênica ou permutação genética nessa divisão. Da mesma forma, tendo como exemplo a espécie humana, um número aproximado de 8 x 106 gametas, geneticamente distintos, poderiam ser formados a partir de uma única célula-mãe. Porém, em virtude das recombinações, o número de gametas geneticamente diferentes que são formados é ainda maior. Dessa forma, não existem dúvidas acerca de que uma das principais consequências da meiose é proporcionar às espécies uma enorme diversidade durante os processos evolutivos (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2005). 40 7 COMPLEMENTANDO NOSSO APRENDIZADO Estudaremos agora o artigo dos pesquisadores Karin Jegalian e Bruce T. Lahn (2001), publicado na revista de divulgação científica Scientific American e que aborda os avanços conquistados sobre o cromossomo Y humano. Por que o cromossomo y é tão estranho? Os cromossomos que determinam o sexo – o X e o Y – constituem um par bizarro. Os outros 22 pares de cromossomos em nossas células são parceiros bem semelhantes, como dois castiçais de um par. Um dos cromossomos de cada dupla vem do pai e o outro da mãe, mas ambos têm, normalmente, o mesmo tamanho e carregam os mesmos genes. Em marcante contraste, o cromossomo Y é muito menor que o cromossomo X; na verdade, o Y é insignificante abrigando não mais que algumas dezenas de genes, muito menos que os dois a três mil do cromossomo X. A maioria dos genes do Y não tem correspondentes no X. E o cromossomo Y contém uma quantidade anormalmente grande de “DNA lixo”, como são denominadas as sequências de bases nitrogenadas sem instruções para proteínas. Até recentemente, os biólogos tinham dificuldades apara explicar como o Y adquiriu tais características. Essa situação mudou, em grande parte graças ao Projeto Genoma Humano, cujo objetivo foi decifrar a sequência completa de nucleotídeos do DNA de todos os 24 diferentes cromossomos humanos – o X, o Y e os 22 autossomos (os cromossomos não implicados na determinação do sexo). Da mesma forma que um paleontólogo pode traçar a evolução de uma espécie examinando esqueletos de animais viventes e fósseis, o biólogo molecular aprendeu a traçar a evolução de cromossomos e de genes por meio da análise de suas sequências de DNA. As descobertas recentes demonstram que a história dos cromossomos sexuais foi notavelmente dinâmica, marcada por uma série de rupturas dramáticas do Y e por mudanças 41 compensadoras no X. Sem dúvida, essa interação entre os tipos de cromossomos sexuais continua até os dias de hoje. Além disso, o cromossomo Y – que se acreditava por ter poucas funções além de disparar o programa para o desenvolvimento de indivíduos do sexo masculino – tem se mostrado muito mais versátil do que a maioria dos biólogos poderia imaginar. Em cada 300 milhões de anos, ele conseguiu preservar genes importantes para a sobrevivência dos machos e adquirir outros, necessários à fertilidade. É a curiosidade dos pesquisadores que tem impulsionado boa parte das pesquisas sobre a evolução dos cromossomos sexuais humanos. Mas há também um objetivo prático: reverter a infertilidade masculina. A descoberta de genes no Y que influenciam a capacidade reprodutiva pode levar a tratamentos inovadores para homens que não possuem tais genes ou têm versões defeituosas deles, sendo por isso, inférteis. Antes do século XX, os biólogos pensavam que o sexo da espécie humana fosse determinado pelo ambiente, como acontece com os répteis atuais. Nestes organismos, a temperatura a que o embrião é submetido em certo momento do desenvolvimento desencadeia processos (ainda pouco compreendidos) que favorecem o surgimento de um macho ou de uma fêmea. Foi somente no início do século XX que os cientistas chegaram à conclusão de que os cromossomos podiam determinar o sexo em certas espécies. Cerca de vinte anos mais tarde, demonstrou-se que os mamíferos estavam entre as espécies que usavam cromossomos – especificamente o X e o Y – para determinar o sexo durante o desenvolvimento embrionário. Em 1990, os geneticistas estudaram a parte do cromossomo Y responsável pelo desenvolvimento do sexo masculino, encontrando um único gene, denominado SRY, sigla de sex-determining region Y (região determinadora do sexo no Y). A proteína codificadora por esse gene induz a formação dos testículos, aparentemente por ativar outros genes em diversos cromossomos. Em seguida, a testosterona (hormônio masculino) e outras substâncias produzidas nos testículos passam a atuar, fazendo com que o embrião desenvolva as características típicas do sexo masculino. 42 8 SÍNDROMES CROMOSSÔMICAS As aneuploidias representam alterações no número de cromossomos, muito estudadas no que se refere à espécie humana (GUERRA, 1988). Nos tópicos que seguem veremos as aneuploidias mais conhecidas, destacando sua frequência e características apresentadas pelo portador. 8.1 SÍNDROME DE DOWN OU TRISSOMIA DO 21 Esta síndrome apresenta uma frequência estimada de um para cada 650 nascimentos (1/650). As principais características observadas no fenótipo dos portadores são (GUERRA, 1988): Hipotonia muscular com hiperflexibilidade articular e tendência a manter a boca aberta com a língua protrusa; Retardo psicomotor; Braquicefalia; Face plana; Fendas palpebrais oblíquas (para cima), epicanto, orelhas pequenas e displásicas; Pescoço curto com pele redundante; Anomalia cardíaca; Mãos curtas, com 5os dedos curvos e prega palmar horizontal única (FIGURA 25); Intervalo aumentado entre o primeiro e segundo artelhos. 43 A síndrome de Down é com certeza a síndrome cromossômica mais estudada, na qual as características acima listadas permitem sua fácil identificação (FIGURA 26), sendo causada pela trissomiado cromossomo 21 (FIGURA 27). FIGURA 25 - PREGA PALMAR EM NÃO PORTADOR E PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN FONTE: Disponível em: <http://www.umm.edu/esp_imagepages/17226.htm>. Acesso em: 23 mar. 2011. FIGURA 26 - CRIANÇA PORTADORA DA TRISSOMIA DO 21 FONTE: Disponível em: <http://ibitinga.apaebrasil.org.br/noticia.phtml/21643?imprime>. Acesso em: 23 mar. 2011. 44 FIGURA 27 - CARIÓTIPO DE PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN FONTE: Disponível em: <http://www.presenteparahomem.com.br/doencas-geneticas-por-alteracao-nos- cromossomos-a-sindrome-de-down/>. Acesso em: 29 mar. 2011. 8.2 SÍNDROME DE EDWARD OU TRISSOMIA DO 18 Esta síndrome apresenta uma frequência de um para cada 4.000 nascimentos (1/4.000). As principais características observadas no fenótipo dos portadores são (GUERRA, 1988): Hipertonia muscular; Atraso psicomotor grave; Orelhas displásicas com implantação baixa; Micrognatia; Esterno curto; Anomalia cardíaca; 45 Hérnias inguinal e umbilical; Pelve pequena, mãos fechadas, com tendência à sobreposição dos 2os sobre os 3os dedos e dos 5os sobre os 4os dedos; Pilosidade exacerbada; Sobrevivência limitada, com 50% de óbitos no segundo mês de vida. Esta síndrome está marcada pela trissomia do cromossomo 18 (FIGURA 28), sendo evidente ainda nos portadores desta síndrome a ocorrência de microcefalia (FIGURA 29). FIGURA 28 - CARIÓTIPO DE PORTADOR DA SÍNDROME DE EDWARDS OU TRISSOMIA DO 18 FONTE: Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/sindrome-de-edward/>. Acesso em: 29 mar. 2011. Especialistas afirmam que a causa principal da trissomia do 18, em 95% dos casos, deve-se à não separação cromossômica no momento em que ocorre a formação do gameta de origem materna. Assim como no caso da Síndrome de Down, é mais comum em gestações cujas mães possuem idade superior a quarenta anos (GUERRA, 1988). 46 FIGURA 29 - CARACTERÍSTICAS DE PORTADOR DA SÍNDROME DE EDWARDS OU TRISSOMIA DO 18 FONTE: Disponível em: <http://scstc.blogspot.com/2009/04/sindrome-de-edwards.html>. Acesso em: 29 mar. 2011. 8.3 SÍNDROME DE PATAU OU TRISSOMIA DO 13 Esta anomalia cromossômica é observada com uma frequência de um para cada 6.000 nascimentos (1/6.000). As principais características fenotípicas apresentadas pelos portadores desta síndrome são as seguintes (GUERRA, 1988): Anomalia cerebral grave com deficiência mental severa; Microftalmia/anoftalmia, fissura labial e/ou palatina; Anomalia cardíaca; Anomalia genital; Defeitos localizados de couro cabeludo (região paríeto-occipital); Polidactilia. 47 Em geral o que se observa é que aproximadamente 50% dos portadores da Síndrome de Patau (FIGURA 30) morrem durante o primeiro mês após o nascimento. O cariótipo desta anomalia é caracterizado pela trissomia do cromossomo 13 (FIGURA 31). FIGURA 30 - CARIÓTIPO DE PORTADOR DA SÍNDROME DE PATAU FONTE: Disponível em: <http://artedecuidar.webnode.com.br/products/sindrome%20de%20patau%20- %20em%20constru%C3%A7%C3%A3o/>. Acesso em: 29 mar. 2011. Esta síndrome foi descrita no ano de 1960, quando o então médico Klaus Patau observara múltiplas malformações em um recém-nascido, sendo este trissômico para o cromossomo 13. A principal causa desta síndrome se dá devido a não disjunção dos cromossomos durante a anáfase I da meiose, originando gametas que apresentam 24 cromátides. 48 FIGURA 31 - FENÓTIPO DE PORTADOR DA SÍNDROME DE PATAU FONTE: Adaptado de Guerra (1988). 8.4 SÍNDROME DE KLINEFELTER OU SÍNDROME XXY Esta síndrome ocorre na frequência de um para cada 600 nascimentos (1/600), sendo mais comum do que a Síndrome de Down. Segundo Guerra (1988), os principais sintomas apresentados pelos portadores desta síndrome são os seguintes: Retardamento mental moderado; Estatura alta, com membros longos; Pênis e testículos pequenos; Infertilidade; 49 Ginecomastia; Caracteres sexuais secundários pouco desenvolvidos. Esta síndrome é caracterizada pela presença de um cromossomo sexual X a mais em indivíduos do sexo masculino (FIGURA 32). Entre as características marcantes dos portadores desta síndrome estão a ocorrência de membros superiores alongados e alta estatura (FIGURA 33). FIGURA 32 - CARIÓTIPO DE PORTADOR DA SÍNDROME DE KLINEFELTER OU SÍNDROME XXY FONTE: Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/sindrome-de-klinefelter/sindrome-de-klinefelter- 1.php>. Acesso em: 29 mar. 2011. Os casos de indivíduos portadores da Síndrome de Klinefelter que sejam férteis são muito raros, já que se observa uma ausência de células germinativas nos canais seminíferos. A ocorrência de portadores da Síndrome de Klinefelter que apresentam espermatozoides normais é realmente rara. 50 FIGURA 33 - FENÓTIPO DO PORTADOR DA SÍNDROME DE KLINEFELTER. OBSERVE A OCORRÊNCIA DE GINECOMASTIA (CRESCIMENTO DAS MAMAS) E HIPOCRESCIMENTO DO ÓRGÃO GENITAL MASCULINO FONTE: Disponível em: <http://casadoexercicio.blogspot.com/2010_12_19_archive.html>. Acesso em: 29 mar. 2011. 8.5 SÍNDROME DE TURNER OU SÍNDROME DO X0 Esta síndrome ocorre com um frequência estimada de um para cada 3.500 nascimentos (GUERRA, 1988). As principais características dos indivíduos portadores desta síndrome são as seguintes: Baixa estatura; Disgenesia ovariana, com elementos germinativos escassos ou ausentes; Edema congênito transitório (mãos/pés); Epicanto; Palato estreito; 51 Pescoço curto, alado, com implantação baixa posterior dos cabelos; Tórax largo, com mamilos muito afastados; Anomalia cardíaca; Anomalia do cotovelo (cúbito valgo), quarto metacarpiano curto, unhas estreitas e hiperconvexas; Rim em ferradura. A Síndrome de Turner acomete apenas mulheres, já que no cariótipo se observa a ausência de cromossomo Y e a existência de somente um cromossomo sexual X, daí esta aneuploidia ser também conhecida como Síndrome do X0 (FIGURAS 34 e 35). FIGURA 34 - CARIÓTIPO DE PORTADORA DA SÍNDROME DE TURNER OU SÍNDROME DO X0 FONTE: Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/sindrome-de-turner/sindrome-de-turner-4.php>. Acesso em: 29 mar. 2011. Ao observarmos as síndromes caracterizadas em nosso curso, percebemos que as aneuploidias autossômicas, ou seja, aquelas verificadas nos cromossomos autossomos se 52 mostram muito mais letais, causando deformações severas, sendo comum a verificação de natimortos e bebês que morrem durante os primeiros meses de vida. FIGURA 35 - PORTADORA DE SÍNDROME DE TURNER FONTE: Disponível em: <http://www.drscope.com/privados/pac/pediatria/p1pcl3/f5.html>. Acesso em: 29 mar. 2011. 53 9 NÃO DISJUNÇÃO CROMOSSÔMICA NA MEIOSE No processo da meiose, assim como na mitose, pode ocorrer a distribuição incorreta de um ou mais cromossomos, fenômeno este conhecido como não disjunção cromossômico. Caso a não disjunção ocorra durante a meiose I, uma das células acaba recebendo dois cromossomos homólogos que não se separaram. Caso a não disjunção cromossômica ocorra durante a segunda etapa da meiose (meiose II), recebe dois cromossomos-irmãos que não se separaram. Dessa forma, o que se observa é a formação de gametas com excesso ou falta de cromossomos. Uma vez um gameta portando um cromossomo a mais ou apresentando um cromossomo a menos se funde a um gameta considerado normal (23 cromossomos), tem origem um zigoto (primeira célula que surge após a fecundação) anormal, portando um número cromossômico diferente do esperado (46 cromossomos ou 23 pares). A maioria dessas alterações cromossômicas é letal e por isso, o embrião acaba morrendo precocemente. Ainda assim, comovimos, existem aberrações cromossômicas que são compatíveis com a vida, como é o caso da Síndrome de Down, Turner e Klinefelter, já detalhadas em nosso curso. Um fato interessante e que merece ser comentado, é que o número de eventos em que se verificam não disjunções cromossômicas na formação dos gametas, neste caso femininos, aumenta consideravelmente em mulheres com idade superior a 35 anos (FIGURA 36). Dessa forma, existe um risco maior de serem geradas crianças portadoras de aneuploidias. 54 FIGURA 36 - RELAÇÃO ENTRE A IDADE MATERNA E A GERAÇÃO DE CRIANÇAS COM SÍNDROME DE DOWN. FONTE: Adaptado de Amabis & Marto (2010). Recomenda-se que mulheres com idade superior a 35 anos e que queiram engravidar, procurem um serviço de aconselhamento genético, para que todos os riscos sejam alertados. Além das síndromes listadas anteriormente, as seguintes situações podem ser observadas em seres humanos: Cromossomo Y em dose dupla - 47, XYY: homens com este fenótipo não se distinguem dos demais, porém podem apresentar um sensível redução em seu desenvolvimento mental. Trissomia do X - 47, XXX: mulheres com esta configuração do cariótipo são extremamente normais, sendo esta considerada por Guerra (1988) a menos prejudicial de todas as aneuploidias. Salvo algumas exceções, portadoras desta síndrome podem apresentar esterilidade ou retardo mental de natureza leve. Mulheres – 49, XXXXX – distúrbios mais acentuados. Homens – 48, XXXY / 48, XXYY / 48, XYYY / 49, XXXXY e 49, XXXYY: distúrbios mais acentuados, com aumento do nível de deficiência mental e ainda se verifica o aparecimento de alterações físicas bem mais graves. 55 Segundo Guerra (1988), se observa nas aneuploidias humanas que o óvulo é o gameta incorretamente reduzido com mais frequência, à exceção das aneuploidias relacionadas com o cromossomo Y. Uma possível explicação para tal configuração reside no fato de que o óvulo apresenta maior passividade durante o período da fecundação, ao contrário do que se observa com os espermatozoides, onde existe a competição entre os chamados espermatozoides normais e anormais na corrida para fecundar o óvulo. 56 10 CROMOSSOMOS SEXUAIS O processo de reprodução sexuada permite que o conjunto total de genes de um indivíduo ou até mesmo de uma população sofra recombinação a cada nova geração, formando um grande número de distintos genótipos (GUERRA, 1988). Podemos dizer que uma espécie se reproduz sexuadamente, quando esta é capaz de gerar gametas que ao se unirem originam um novo indivíduo diploide. A produção de gametas sob as seguintes condições: Gametas masculinos e femininos podem ser formados no mesmo indivíduo (sistema reprodutivo chamado de monoico, por isso os indivíduos são chamados de hermafroditas). Gametas masculinos e femininos formados em indivíduos diferentes (sistema reprodutivo chamado de dioico, por isso os indivíduos são chamados de unissexuados). Do ponto de vista populacional, podemos dizer que sistema de reprodução monoico, observa-se a ocorrência de duas subpopulações, a feminina e a masculina, não sendo possível, desta forma, a ocorrência de cruzamento entre indivíduos que pertencem a uma mesma subpopulação. Em espécies hermafroditas, como é o caso de diversos filos de invertebrados e da maioria das plantas superiores, não se observa tal divisão e todos os indivíduos que integram uma população podem cruzar entre si, processo este conhecido como panmixia (GUERRA, 1988). Entretanto, em um grande número de espécies hermafroditas existem outros sistemas que bloqueiam o livre cruzamento entre dois indivíduos 57 quaisquer que integram esta população. Um exemplo disso pode ser observado no grupo das angiospermas (plantas que produzem frutos), no qual mesmo muitas espécies hermafroditas apresentam diferentes mecanismos que impedem a autofecundação ou ainda a fecundação entre indivíduos que possuem o conjunto de genes idêntico. Entre exemplos conhecidos do nosso dia a dia, em que é possível observar a ocorrência de autofecundação, estão o abacaxi, a mamona e algumas espécies de orquídeas. 58 11 HERMAFRODITA X UNISSEXUADO: DIFERENÇA SEXUAL Em uma espécie considerada hermafrodita, cada indivíduo integrante possui a bagagem genética que o permite produzir tanto os órgãos masculinos quanto os órgãos femininos, sendo tal fato mais fácil entender utilizando-se flores hermafroditas para a exemplificação. O estudo detalhado da ontogenia (desenvolvimento) de uma angiosperma, por exemplo, permitiu aos botânicos saber que as pétalas, sépalas, estames, carpelos, entre outras estruturas que aparecem no caule nada mais são do que folhas modificadas. Segundo Guerra (1988), o conteúdo genômico das células das pétalas é igual ao das células dos estames ou do carpelo e que somente pode haver diferenciação se genes distintos forem ativados. No caso do milho e da mamona se observa a ocorrência de flores masculinas e femininas em um mesmo indivíduo. Entretanto, quando se observa a ocorrência de flores masculinas e femininas em diferentes indivíduos, como é o caso da urtiga, observa-se que não se trata de uma questão de regulação gênica, mas sim da existência de diferenças no conjunto de genes entre os diferentes indivíduos. Podemos utilizar a mesma linha de raciocínio quando tomamos como exemplo animais hermafroditas e também animais considerados dioicos. No caso de um dos representantes mais conhecidos do grupo dos platelmintos, popularmente chamados de tênias, observa-se a formação de ovários e testículos em cada um dos segmentos do corpo (FIGURA 37). 59 FIGURA 37 - CORPO DE TAENIA SP. MOSTRANDO A SEGMENTAÇÃO CORPORAL FONTE: Disponível em: <http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://whippetp.no.sapo.pt/images/tenia- adulta.jpg>. Acesso em: 05 abr. 2011. A presença de ovários e testículos em cada segmento do corpo nas tênias se dá por regulação gênica. Já nas lombrigas, a diferença genética entre o macho e a fêmea acaba por promover a separação dos sexos (FIGURA 38). FIGURA 38 - MACHO E FÊMEA DE ASCARIS LUMBRICOIDES, ESPÉCIE DIOICA FONTE: Disponível em: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://biology.uco.edu/AnimalBiology/Pseudo/Ascaris1.jpg>. Acesso em: 05 abr. 2011. 60 Em outros animais, como por exemplo, certas espécies de peixes e moluscos o sexo pode mudar de acordo com a idade do indivíduo, podendo inclusive, passar por uma fase hermafrodita (GUERRA, 1988). Neste caso, o que se observa é a mesma situação da regulação gênica, desta vez não relacionada com o tecido, mas sim em função da idade. O sexo também pode ser influenciado por ação de agentes externos, como pode ser observado no verme marinho, cuja espécie é Bonellia viridis (FIGURA 39). Nas formas jovens é possível observar a diferenciação entre machos e fêmeas, o que depende unicamente do contato ou não com algumas substâncias liberadas pelo corpo da fêmea na idade adulta. As larvas cujo desenvolvimento ocorre distante do corpo da mãe apresentam desenvolvimento normal, enquanto que aquelas que por alguma razão se mantêm próximas à fêmea adulta não apresentam desenvolvimento e passam a parasitar o útero de alguma outra fêmea. FIGURA 39 - INDIVÍDUO DE BONELLIA VIRIDIS EM AMBIENTE NATURAL FONTE: Disponível em: <www.starfish.ch/c.invertebrates/wuermer.html>. Acesso em: 05 abr. 2011. 61 12 ORIGEM DOS CROMOSSOMOS SEXUAIS Em espécies nas quais se observa sexos distintos, estas apresentam, geralmente, um gene responsável pelo processo que conduz à diferenciação celular, que difere quantitativa ou qualitativamente entre fêmease machos. Os cromossomos nos quais se encontram estes genes são conhecidos na citogenética como cromossomos sexuais ou alossomos. Os demais cromossomos que integram o conjunto cromossômico recebem o nome de autossomos. Em muitas espécies, os alossomos desenvolveram mecanismos capazes de bloquear a recombinação dos genes que se encontram em determinados segmentos cromossômicos (GUERRA, 1988). Durante a meiose, quando ocorre a formação dos bivalentes, é possível observar que uma parte do par de cromossomos permanece sem efetuar o pareamento (FIGURA 40), sendo estes segmentos chamados de “segmentos diferenciais”. Para o restante do par, o pareamento ocorre de maneira normal, sendo estes chamados de segmentos homólogos. 62 FIGURA 40 - PAREAMENTO DE CROMOSSOMOS SEXUAIS NA MEIOSE. QUANDO O SEGMENTO DIFERENCIAL É MUITO PEQUENO (A) O PAREAMENTO É APARENTEMENTE NORMAL. SE ENVOLVER SEGMENTOS MAIORES, OS CROMOSSOMOS APRESENTARÃO DIFERENTES CONFIGURAÇÕES, DEPENDENDO DO TAMANHO E DA LOCALIZAÇÃO DESSES SEGMENTOS FONTE: Adaptado de Guerra (1988). Em geral, esse processo de que promove a diferenciação dos cromossomos é geralmente acompanhado por alterações da morfologia de um dos cromossomos alossomos, originando a existência de formas diferenciadas frequente em cromossomos sexuais. Na espécie humana, por exemplo, sabemos que o cromossomo X é submetacêntrico e bem maior que o cromossomo Y (FIGURA 41). 63 FIGURA 41 - CARIÓTIPO HUMANO DO SEXO MASCULINO. REPARE QUE O CROMOSSOMO X POSSUI MAIOR TAMANHO QUE O CROMOSSOMO Y FONTE: Adaptado de Guerra (1988). Já em Drosophila melanogaster (mosca das frutas) o X é acrocêntrico e menor que o submetacêntrico Y (FIGURA 42). 64 FIGURA 42 - DIFERENÇA DE TAMANHO EM CROMOSSOMOS SEXUAIS DE DROSOPHILA MELANOGASTER, TAMBÉM CONHECIDA COMO MOSCA DAS FRUTAS FONTE: Adaptado de Guerra (1988). Entretanto, existem aquelas espécies nas quais as diferenças de forma e tamanho não estão presentes ou são pouco evidentes, sendo praticamente impossível, neste caso, distinguir citogeneticamente os cromossomos sexuais dos autossomos. Podemos tomar como exemplo o lebiste, um peixe de aquário que ocorre com frequência em córregos e rios, não é possível observar diferença cromossômica qualquer entre machos e fêmeas. Uma vez que se trata de uma espécie amplamente estudada, principalmente devido ao fato de se adaptar facilmente ao laboratório e também pela grande facilidade de reprodução e ciclo curto (GUERRA, 1988), foi possível demonstrar que algumas de suas características são transmitidas na forma de uma herança típica do cromossomo X. Seria algo similar ao que acontece no ser humano com o daltonismo e a hemofilia. Já no que se refere à herança ligada ao cromossomo Y, observa-se nos machos a existência típica de um padrão de coloração, sendo que tais caracteres só são observados em machos, sendo transmitidos aos filhotes machos pelo pai. Segundo Guerra (1988), podemos concluir que nos lebistes existem cromossomos sexuais X e Y citologicamente indistinguíveis, porém identificados a partir de suas características fenotípicas. 65 Os diferentes níveis de diferenciação entre os cromossomos sexuais indicam que na maior parte das vezes a diferenciação se processa da seguinte forma (GUERRA, 1988): 1) Redução na frequência de recombinação em um par cromossômico durante o processo da meiose; 2) Heterocromatinização constitutiva, parcial ou total, do alossomo presente em apenas um dos sexos; 3) Diferenciação da morfologia do cromossomo heterocromatinizado; 4) Em alguns grupos de organismos, observações recentes demonstram uma correlação positiva entre o grau de especialização, entende-se aqui evolução, das espécies e o grau de diferenciação de seus alossomos. Dessa forma, sugere-se que, ao menos em relação a estes casos, a diferenciação dos cromossomos sexuais integra o processo de especialização geral do organismo. 66 13 OS CROMOSSOMOS E A DETERMINAÇÃO DO SEXO: SISTEMAS SIMPLES Mesmo a determinação do sexo sendo resultado da ação gênica, em espécies em que se observam cromossomos sexuais afirma-se que existe a determinação cromossômica do sexo. Obviamente que os genes se situam nos cromossomos, porém a expressão determinação cromossômica do sexo é aceita na citogenética. Nestas espécies o que se observa na maior parte das vezes é a existência de um par de cromossomos sexuais (alossomos) e por isso esses sistemas são chamados de sistemas simples de determinação cromossômica do sexo. Já em outras espécies, é possível observar três ou até mais cromossomos atuando no processo de determinação do sexo. Estes sistemas representam o que chamamos de sistemas múltiplos de cromossomos sexuais ou cromossomos sexuais múltiplos. Entre os sistemas cromossômicos de determinação do sexo, o mais conhecido é aquele no qual o macho possui um par de cromossomos com formas diferentes (heteromórficos), como é o nosso caso, a espécie humana (XY). Diante disso, as fêmeas são consideradas homogaméticas, já que são capazes de originar apenas um tipo de gameta, com metade dos autossomos e um alossomo sempre X. Já o macho é heterogamético, produzindo gametas com alossomo X ou alossomo Y. Na maior parte das vezes, como já vimos anteriormente em nosso curso, o cromossomo sexual Y geralmente apresenta menor tamanho quando comparado com o cromossomo X e em alguns casos o cromossomo Y desaparece por completo, resultando no tipo X0/XX onde o zero indica a ausência do cromossomo Y. Nessas situações, o macho não deixa de ser heterogamético, pois isto está relacionado com a sua natureza, porém o seu número diploide é diferente do da fêmea (GUERRA, 1988). A figura 43 mostra a metáfase espermatogonial (processo de meiose já que se trata de células que originam gametas) de um inseto conhecido como esperança (Tettigoniidae sp.) com número diploide 2n=31, sendo evidenciado o cromossomo X, com tamanho bem maior que os 67 autossomos e sem possuir par. Em sistemas como esse (X0/XX), o número diploide do indivíduo macho terá sempre um cromossomo a menos que o observado no conjunto diploide da fêmea. Diferenças como esta foram muito importantes quando a citologia ainda andava a passos curtos, servindo para demonstrar que os processos que atuavam na determinação do sexo poderiam estar relacionados com um determinado cromossomo. Em alguns hemípteros (família da maria-fedida) e coleópteros (família dos besouros) do tipo XY/XX observa-se a existência de machos X0, o que sugere que o sistema X0/XX representa uma modificação do sistema XY/XX. FIGURA 43 - METÁFASE ESPERMATOGONIAL DE UMA ESPERANÇA (TETTIGONIIDAE, 2n=31). OBSERVE O CROMOSSOMO X ÚNICO E A DISTRIBUIÇÃO MAIS OU MENOS ORDENADA DOS DEMAIS CROMOSSOMOS FONTE: Adaptado de Guerra (1988). 68 Inversamente ao que se observa no sistema XX/XY, no qual o macho é heterogamético e a fêmea homogamética, nos répteis o macho se mostra homogamético e a fêmea, por sua vez, heterogamética. Nos répteis e aves que apresentam cromossomos sexuais a heterogamia é mostrada pelas fêmeas, sendo esse sistema denominado ZW/ZZ pela maioria dos autores. Em grande parte dos lepidópteros (mariposas e borboletas) a fêmea é heterogamética (ZW) e em algumas espécies de mariposas, é possível observar que o cromossomo W está ausente, formando assim um sistema Z0/ZZ. 69 14 SISTEMAS MÚLTIPLOS DE DETERMINAÇÃO SEXUAL Na família do louva-a-deus (Mantidae) diversas espécies possuem machos com dois cromossomos sexuais X e um Y. Nota-se que, estruturalmente, os cromossomos X possuem diferenças e por isso os cromossomos sexuais são conhecidos como X1X2Y (GUERRA, 1988). De forma surpreendente as fêmeasdessas espécies apresentam um par para cada cromossomo X, mostrando os alossomos X1X1X2X2. De forma semelhante, muitas espécies de aranhas nas quais a fêmea também se mostra X1X1X2X2 o macho é X1X2 estando ausente o cromossomo Y, sendo esse sistema reconhecido X1X20. Outra possibilidade existente nos sistemas múltiplos é a ocorrência de mais de um cromossomo Y e apenas um cromossomo X. Nesse caso, o macho possui a configuração XY1Y2 e a fêmea XX. Na figura a seguir (FIGURA 44) podemos observar estas diferenças analisando o cariótipo de um roedor nativo do Rio Grande do Sul. FIGURA 44 - CARIOGRAMA DE UM ROEDOR MOSTRANDO SISTEMAS MÚLTIPLOS DE DETERMINAÇÃO DO SEXO FONTE: Adaptado de Guerra (1988). 70 Na figura a seguir (FIGURA 45) podemos verificar um exemplo de sistema XY1Y2 em exemplares do morcego Artibeus lituratus. FIGURA 45 - SISTEMA XY1Y2 EM MORCEGOS ARTIBEUS LITURATUS FONTE: Adaptado de Guerra (1988). Na tabela (TABELA 1) que segue podemos observar os principais tipos de determinação cromossômica do sexo em ambos os sistemas estudados em nosso curso, simples e múltiplos, incluindo exemplos de sua ocorrência na natureza. Cabe ressaltar ainda a existência de espécies que possuem número muito maior de cromossomos sexuais, sejam eles X e/ou Y, chegando em casos extremos a ocorrência de um número superior de alossomos do que autossomos. 71 TABELA 1 - SISTEMA DE DETERMINAÇÃO CROMOSSÔMICA DO SEXO A. Sistemas simples Fêmea Macho Exemplos XX XY Na maioria dos organismos, principalmente dípteros, mamíferos e a maioria das plantas que apresentam cromossomos sexuais. Macho heterogamético XX X0 Em algumas aranhas e na maioria dos insetos, especialmente odonatas, ortópteros, hemípteros e heterópteros. Fêmea heterogamética ZW ZZ Em esquistossomos e na maioria dos répteis, aves e lepidópteros. Z0 ZZ Em algumas espécies de mariposas e alguns outros insetos. B. Sistemas Múltiplos Fêmea Macho Exemplos Macho heterogamético X1X2X2X2 X1X2Y Em alguns vertebrados e, em especial, mamíferos. X1X2X2X2 X1X20 Na maioria das espécies de aranhas. XX X X1X2 Em morcegos da família Phyllostomatidae e alguns outros vertebrados. Fêmea heterogamética ZW1W2 ZZ Algumas espécies de serpentes. Z1Z2W Z1Z1Z2Z2 72 15 ONDE OS SISTEMAS MÚLTIPLOS DE DETERMINAÇÃO SEXUAL SE ORIGINARAM Acredita-se que os sistemas múltiplos de determinação sexual tenham se originado a partir de outros sistemas mais simples, preexistentes dentro do grupo. A translocação recíproca é considerada o principal mecanismo que atua na formação dos cromossomos sexuais múltiplos. Esse mecanismo é caracterizado pela troca de segmentos cromossômicos entre cromossomos não homólogos (GUERRA, 1988). Vamos a um exemplo para tornar claro o parágrafo anterior: suponhamos que em uma espécie qualquer, que apresente o sistema XY (como é o caso da espécie humana), uma quebra no cromossomo Y seja verificada e ao mesmo passo, outra quebra em um cromossomo do conjunto autossômico também ocorra (FIGURA 46). Uma vez um cromossomo estando fragmentado, a tendência é de que imediatamente após a quebra este venha a se fusionar com a outra extremidade cromossômica recém-rompida. Caso um dos segmentos do cromossomo X se fusionar com o autossomo e a outra parte do cromossomo X venha a se fusionar com a outra parte do autossomo, verifica-se a partir deste momento a formação de dois cromossomos X, diferentes, um deles chamado X1, contendo a maior parte do cromossomo X original e o fragmento oriundo do autossomo rompido e o outro cromossomo, chamado X2, formado pelo fragmento X original e a maior parte do cromossomo autossômico. Dessa forma, observa-se que ambos os cromossomos X, X1 e X2, são distintos geneticamente e diferentes estruturalmente. Por outro lado, o autossomo cujo par homólogo foi envolvido na translocação passa a atuar como se fosse um segundo cromossomo sexual Y, sendo assim chamado Y2. 73 FIGURA 46 - FORMAÇÃO DE UM SISTEMA MÚLTIPLO A PARTIR DE UM SISTEMA SIMPLES. PRIMEIRO OCORRE UMA QUEBRA NO CROMOSSOMO X E EM UM CROMOSSOMO DO CONJUNTO AUTOSSÔMICO, SEGUNDO-SE UMA TRANSLOCAÇÃO. O PAR AUTOSSÔMICO AFETADO PASSA A ATUAR COMO CROMOSSOMOS ALOSSÔMICOS (CROMOSSOMOS SEXUAIS) FONTE: Adaptado de Guerra (1988). Caso o cromossomo X2 possua apenas um segmento pequeno com origem a partir de um cromossomo sexual (origem alossômica) e o Y2 possua origem autossômica completa, pergunta-se: por que então estes cromossomos acabam sendo considerados cromossomos sexuais? A resposta para isso está relacionada com o fato de que, durante o processo de meiose, cromossomos homólogos ou segmentos homólogos devem, obrigatoriamente, migrar para os polos opostos da célula tendo como finalidade formar gametas, com cargas genéticas similares (balanceadas), ou seja, gametas que não possuam nenhum gene a mais ou a menos do que o esperado para o conjunto normal da espécie. 74 Observando a figura a seguir (FIGURA 47), podemos verificar que o conjunto diploide do indivíduo macho permanece inalterado depois de realizado o processo de translocação, porém distribuído de maneira diferente. FIGURA 47 - COMPARAÇÃO DO CONJUNTO CROMOSSOMO SOMÁTICO (DIPLOIDE) E GAMÉTICO ANTES E DEPOIS DA FORMAÇÃO DE UM SISTEMA MÚLTIPLO. OBSERVE QUE APÓS A TRANSLOCAÇÃO OCORRE UM REARRANJO DOS SEGMENTOS CROMOSSÔMICOS, PORÉM NÃO EXISTE PERDA NEM GANHO DE MATERIAL GENÉTICO FONTE: Adaptado de Guerra (1988). 75 No processo de formação dos gametas, antes de ocorrer a translocação se observa a separação equivalente dos homólogos, incluindo neste processo os cromossomos X e Y, que parcialmente se comportam como homólogos. Após a translocação, a única forma de produzir dois tipos de gametas geneticamente equilibrados é promovendo a separação do X1 e X2 para um dos polos e o Y e o cromossomo autossômico para o outro. Sendo possível apenas este tipo de arranjo, o autossomo, sem par, migrará sempre junto com o Y e por isso, somente será observado em indivíduos machos. Aqueles cromossomos que ocorrem em apenas um dos sexos, e nunca no sexo oposto, são reconhecidos como cromossomos sexuais. Dessa forma, este autossomo é considerado como sendo um segundo Y, denominado neo-Y ou Y2. Mesmo reunindo apenas genes autossômicos o comportamento de migrar sempre junto ao cromossomo Y, equipara-se, tomando como base a transmissão de caracteres, como se eles estivessem presos um ao outro, constituindo um único cromossomo. O mesmo ocorre com o autossomo que recebe um segmento do cromossomo sexual X, sendo denominado neo-X ou X2 (GUERRA, 1988). Na figura a seguir (FIGURA 48) é possível deduzir como seria o surgimento de um sistema X1X2Y a partir de X0/XX. Um mecanismo semelhante é utilizado para esclarecer a origem dos vários sistemas múltiplos existentes. Sistemas utilizados para explicar a determinação sexual cromossômica se mostram característicos para cada espécie ou para níveis superiores de classificação taxonômica, como gênero ou famílias. Como esses mecanismos de formação desses sistemas se mostram relativamente simples, e mesmo em espécies muito próximas, tais sistemas podem ser totalmente diferentes. Para algumas espécies, é possível observar a existência de dois ou mais sistemas de determinação sexual distintos. Como exemplo disso podemos citar duas populações do peixe de água-doce conhecido popularmente como traíra (Hoplias malabaricus). As populações situadas no Vale do Rio Doce (MG) e do Rio Juquiá (SP) apresentam sistemas de determinação sexual do tipo XY/XX, enquanto que a população do Rio Aripuanã (MT) apresenta XY1Y2/ XX e a população da Represa do Lobo (SP) possui o tipo X1X2Y/X1X1X2X2 (FIGURAS 49 E 50). 76 FIGURA 48 - FORMAÇÃO DE UM SISTEMA MÚLTIPLO