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78 Unidade II Unidade II 5 MACRONUTRIENTES – PROTEÍNAS Agora será caracterizada a estrutura das proteínas, bem como o seu processo de digestão e absorção intestinal. Também discutiremos os seus diferentes papéis fisiológicos e potencial influência sobre a produção de energia durante o exercício físico. Em adição, as recomendações de ingestão proteica diária também serão abordadas. Sabe‑se que as proteínas possuem ação direta na regulação da massa muscular, logo, também será discutida a influência desse nutriente sobre a regulação da massa muscular, destacando potenciais fatores relacionados às proteínas, os quais vêm sendo implicados na modulação desse tecido, tais como a dose proteica, a fonte proteica, a distribuição proteica ao longo do dia e o momento de ingestão da proteína em relação à sessão de treino. As proteínas são macromoléculas, consistindo de uma ou mais cadeias longas de aminoácidos. Os aminoácidos, por sua vez, são moléculas que, tal como as gorduras e os carboidratos, contêm em sua estrutura átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio. Além desses átomos, os aminoácidos diferem das gorduras e carboidratos por possuírem átomos de nitrogênio em sua estrutura (FORBES; FERGUSON, 2001). A estrutura geral dos aminoácidos envolve um grupo amina e um grupo carboxila, ambos ligados ao carbono α (o primeiro depois do grupo carboxila). O carbono α também é ligado a um hidrogênio e a uma cadeia lateral, que é representada pela letra R. Os aminoácidos são classificados em polares, não polares e neutros, dependendo da natureza da cadeia lateral (FORBES; FERGUSON, 2001). R — C — C N Amina (básico) Carboxila (ácido) Cadeia lateral H H H OH O (α) Figura 39 – Ilustração da estrutura de um aminoácido Existem vinte aminoácidos principais. Dentre eles, nove são denominados aminoácidos essenciais, enquanto os outros 11 são denominados aminoácidos não essenciais. Os aminoácidos essenciais são a isoleucina, a leucina, a valina, a fenilalanina, a metionina, a treonina, o triptofano, a lisina e a histidina. O corpo humano não é capaz de produzi‑los e, por isso, é necessária sua ingestão por meio da dieta, de modo a evitar a sua deficiência no organismo. Já os aminoácidos não essenciais podem ser endogenamente sintetizados (BELITZ; GROSCH; SCHIEBERLE, 2009). Uma lista dos aminoácidos essenciais e não essenciais pode ser encontrada na tabela seguinte. Destaca‑se que os alimentos de origem vegetal, como as leguminosas secas (feijão, ervilha, lentilha, grão de bico etc) e os cereais integrais (milho, trigo etc.) 79 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE possuem um baixo volume de aminoácidos essenciais em sua estrutura, enquanto os alimentos de origem animal (carnes, ovos, leite e derivados) possuem um volume elevado de aminoácidos. Observação O valor biológico fornece uma medida de quão eficiente o corpo utiliza a proteína consumida na dieta, além de estar correlacionado com uma alta oferta de aminoácidos essenciais. Os aminoácidos podem ser classificados ainda em cetogênicos ou glicogênicos, com base no destino tomado por seu esqueleto carbônico quando o grupo amina é removido para a excreção por meio da urina, mas essas classificações serão mais exploradas adiante. A combinação de dois aminoácidos leva à formação de um dipeptídeo; a combinação de três aminoácidos resulta em um tripeptídeo; a combinação de 4 a 100 aminoácidos leva à formação de um polipeptídeo (apesar de a literatura divergir quanto à quantidade total de aminoácidos necessária para formar essa molécula). A partir dessa quantidade de aminoácidos, temos a formação das já mencionadas proteínas (BELITZ; GROSCH; SCHIEBERLE, 2009; FORBES; FERGUSON, 2001). Quadro 3 – Lista dos aminoácidos essenciais e não essenciais Essenciais Não essenciais Isoleucina Alanina Leucina Arginina Valina Asparagina Lisina Aspartato Metionina Cisteína Fenilalanina Ácido glutâmico Treonina Glutamina Triptofano Glicina Histidina Prolina Valina Serina Tirosina As proteínas diferem umas das outras principalmente em sua sequência de aminoácidos, que é ditada pela sequência de nucleotídeos de seus genes, a qual determina sua função. Nesse sentido, diversas funções podem ser atribuídas às proteínas. A exemplo, as proteínas podem atuar como enzimas, catalisando reações – exemplo: a lipase lingual, a enzima que inicia a digestão dos lipídios na boca, é uma proteína (MARCONDES, 1998). As proteínas também podem ter função estrutural, conferindo rigidez a componentes biológicos que, de outra forma, seriam apenas fluidos (exemplo: o colágeno, presente no tecido conjuntivo; ou a queratina, presente nas unhas e fios de cabelo). Também podemos atribuir às proteínas a função transportadora, conectando‑se a determinadas moléculas e as transportando até um tecido específico (exemplo: a hemoglobina e a albumina são proteínas que transportam o oxigênio e os 80 Unidade II ácidos graxos até os tecidos periféricos pela corrente sanguínea). Além disso, também temos proteínas de função contrátil, como a actina e a miosina, responsáveis pelo processo de contração do músculo esquelético. Por fim, também temos proteínas de função hormonal, tais como a insulina, um importante hormônio no metabolismo de carboidratos (MCMURRY, 2012). Esp iru lin a Le nt ilh a Qu ino a Fe ijã o p ret o Mi lho So ja Erv ilh a Ar roz Av eia He mp Ba tat a Tri go Wh ey Le ite de va ca Ca seí na Ca rn e v erm elh a Ov o Ba ca lha u Mú scu lo hu ma no 60 50 40 30 20 10 0 AA Es (% P TN A to ta l) Figura 40 – Estimativa de aminoácidos essenciais (AAEs) relativa ao conteúdo total de uma proteína (PTNA) de alimentos de origem animal (barras azuis) e vegetal (barras verdes) Lembrete Considerando as diversificadas funções da proteína, podemos dizer que toda enzima é uma proteína, mas nem toda proteína é uma enzima. 5.1 Digestão e absorção intestinal das proteínas Diferentemente dos carboidratos e gorduras, cuja digestão se inicia na boca, a digestão das proteínas é iniciada no estômago, no qual o ácido clorídrico presente no suco gástrico começa a desnaturação das proteínas. Com isso, as cadeias proteolíticas ficam mais acessíveis ao ataque das enzimas. Ainda no estômago, a enzima pepsina transforma as proteínas em moléculas menores (polipeptídeos), quebrando as ligações peptídicas. Subsequentemente, ao adentrar o duodeno, os polipeptídeos têm a sua digestão continuada pela tripsina, uma enzima produzida pelo pâncreas responsável por dividir os polipeptídeos em peptídeos menores. Por fim, no jejuno, os peptídeos sofrerão a última etapa de sua digestão ao entrarem em contato com a enzima erepsina, originando como produtos finais os dipeptídeos e aminoácidos livres, os quais são quase exclusivamente absorvidos pelos enterócitos. O intestino é um órgão metabolicamente ativo (NAKSHABENDI et al., 1999) e extrai ~ 40% a 50% dos aminoácidos disponibilizados pelas proteínas da refeição, principalmente para fins de produção de energia e para a síntese local de proteínas. O restante (~ 50%) dos aminoácidos é liberado na veia porta hepática antes de ser absorvido pelo fígado. Tal como o intestino, o fígado utiliza aminoácidos para o seu metabolismo local, mas, em vez de oxidar aminoácidos, uma proporção significativa de aminoácidos é usada para a síntese de proteínas hepáticas (STOLL et al., 1998). 81 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE Os aminoácidos que foram sequestrados pelos tecidos esplâncnicos e pelo fígado são eliminados na primeira passagem e, portanto, não estão disponíveis para o metabolismo periférico. É interessante notar que os aminoácidos de cadeia ramificada (do inglês branched‑chain amino acids – BCAA), os quais estão implicados no anabolismo muscular esquelético (JACKMAN et al., 2017), são relativamente pouco catabolizados pelo fígado devido a um baixo teor da enzima aminotransferase de cadeia ramificada em hepatócitos humanos (SURYAWAN et al., 1998). Logo, uma quantidadedesproporcional (relativa à composição da proteína ingerida) de aminoácidos liberados do leito esplâncnico para a veia hepática são BCAAs (WAHREN; FELIG; HAGENFELDT, 1976). No geral, ~ 50% dos aminoácidos de uma refeição contendo proteínas são extraídos pelos tecidos esplâncnicos, enquanto o restante é liberado na circulação plasmática para utilização extraesplâncnica (GROEN et al., 2015). Embora o músculo esquelético seja um grande depósito para a retenção de aminoácidos, nem todos os aminoácidos liberados no plasma estão destinados a serem incorporados em novo tecido muscular. Em um estudo recente empregando uma técnica sofisticada de marcação de aminoácidos para a identificação da síntese proteica muscular, Groen et al. (2015) demonstraram que somente ~ 11% dos aminoácidos fornecidos a homens jovens, em um bolo de 20 g da proteína caseína, foram usados na síntese proteica muscular, apesar de ~ 55% de disponibilidade de aminoácidos na circulação periférica após a extração esplâncnica. Os aminoácidos remanescentes são catabolizados e utilizados como substratos para a síntese de ureia e, em grau muito menor, na produção de neurotransmissores. 5.2 Destino dos aminoácidos e balanço proteico As proteínas corporais são constantes e simultaneamente sintetizadas e degradadas, alternando o seu estado de catabolismo e anabolismo. O equilíbrio entre esses dois fenômenos é conhecido por balanço ou turnover de proteínas, isto é, a diferença aritmética entre o nível de degradação e síntese proteica durante um determinado período (ROSE; RICHTER, 2009). Este turnover constante fornece um mecanismo de manutenção e regulação de proteínas potencialmente danificadas e disfuncionais. No músculo esquelético, o turnover de proteínas também ocorre e fornece a base para a plasticidade do músculo esquelético em resposta à alta intensidade imposta pelo treinamento resistido, por exemplo. O grau de reutilização dos aminoácidos liberados em resposta à proteólise muscular é extenso. Essa reciclagem intracelular, no entanto, não é 100% eficiente, e os aminoácidos são perdidos pelo músculo esquelético, muitas vezes em quantidades apreciáveis. Obviamente, a falta de eficiência na reutilização de aminoácidos da proteólise significa que temos uma necessidade diária de ingerir proteínas, a qual será discutida adiante. Os aminoácidos que são perdidos pelo músculo esquelético têm numerosos destinos, mas em geral são oxidados ou convertidos em corpos cetônicos (os anteriormente chamados aminoácidos cetogênicos) ou glicose (os anteriormente chamados aminoácidos glicogênicos) via gliconeogênese, com o grupamento amino levando à produção de ureia. Esse processo, entretanto, não é rápido. Em um primeiro momento, esses aminoácidos devem alcançar o fígado, onde irão sofrer as chamadas reações de transaminação (MARCONDES, 1998). A transaminação é a primeira etapa no catabolismo da maioria dos aminoácidos, em que sofrerão a remoção de seus grupos α‑amino. Nessas reações, o grupo α‑amino é transferido para o carbono α do α‑cetoglutarato, liberando o correspondente α‑cetoácido, análogo do aminoácido (exemplo: a alanina forma o piruvato; o aspartato forma o oxalacetato). O efeito das reações de transaminação é a coleta de grupos aminos a partir de diferentes aminoácidos, formando glutamato. Já o α‑cetoácido 82 Unidade II formado, nesse exemplo, pode ser utilizado para a produção de ATP, por se tratar de um intermediário do ciclo de Krebs. Além disso, o esqueleto carbônico restante do aminoácido pode ser utilizado para a síntese de glicose ou corpos cetônicos (MARCONDES, 1998). ATP NH+4 GlutamatoPiruvato Alanina Glucose Ureia α‑cetoglutarato Figura 41 – Ilustração da oxidação de um aminoácido através dos processos de transaminação e desaminação do aminoácido alanina. Sendo um intermediário do ciclo de Krebs, o α‑cetoglutarato pode ser utilizado para a produção de adenosina trifosfato (ATP), enquanto o piruvato, composto formado com o esqueleto carbônico do aminoácido alanina durante a transaminação, pode levar à síntese de glicose pela gliconeogênese. O glutamato sofre a desaminação oxidativa, liberando amônia (NH4), que será convertida em ureia. Existe gasto de ATP durante esses processos Subsequentemente, esse glutamato será submetido à desaminação oxidativa, que consiste na etapa em que o nitrogênio é retirado do glutamato pela enzima glutamato desidrogenase, gerando uma molécula inorgânica: a amônia (NH4) (MCMURRY, 2012). A amônia se trata de uma molécula extremamente tóxica, e quantidades produzidas em larga escala podem gerar sérios problemas fisiológicos, levando a uma melhor compreensão do motivo da ocorrência da desaminação oxidativa estar restrita apenas ao fígado. E é exatamente o fígado o único tecido que tem a capacidade de metabolizar a amônia, convertendo‑a em ureia, a qual é excretada via urina (MCMURRY, 2012). Por outro lado, conforme já mencionado, parte dos aminoácidos liberados em resposta à degradação proteica muscular, junta dos aminoácidos advindos da digestão das proteínas da dieta, pode ser utilizada para a síntese de novas proteínas nesse tecido. Quando a razão entre a síntese e degradação proteica são equivalentes, o turnover proteico é considerado neutro, resultando em manutenção da massa muscular. Em contrapartida, quando as taxas de síntese prevalecem sobre as de degradação proteica, balanço proteico é considerado positivo, favorecendo o aumento da massa muscular, enquanto a situação inversa – taxas de degradação maiores do que as de síntese proteica (turnover proteico negativo) – resulta em diminuição da massa muscular (BURD et al., 2009). O turnover proteico no tecido muscular é bem caracterizado em algumas situações. A exemplo disso, é muito bem conhecido que o exercício resistido e a alimentação – a administração de aminoácidos em específico – agudamente induzem um turnover proteico positivo devido a um aumento da taxa de síntese proteica (PHILLIPS, 2004). Nesse tocante, apesar de ambos os aminoácidos não essenciais e essenciais serem importantes para estimular a síntese proteica, a disponibilidade abundante de todos os aminoácidos essenciais é imprescindível para a otimização da estimulação da síntese proteica muscular, sendo a leucina o principal deles (VOLPI et al., 2003). Especula‑se que, de todos os aminoácidos essenciais, a leucina seria aquele com maior capacidade de aumentar a ativação e expressão da proteína alvo da rapamicina em mamíferos (do inglês mammalian target of rapamycin, 83 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE mTOR) em diversos tecidos, em especial o muscular; a ativação da mTOR, por sua vez, é um passo chave no processo de síntese proteica (AMARAL et al., 2015). Da mesma forma, sabe‑se que algumas condições, tais como a sepse ou o uso intenso de glicocorticoides, agudamente induzem um turnover proteico negativo (LANG; FROST; VARY, 2007; MENCONI et al., 2007). Outros fatores, como a idade, também podem influenciar o turnover proteico. Apesar de ainda não haver um consenso na literatura se o envelhecimento de fato induz a aumentos agudos das taxas de degradação proteica muscular (COMBARET et al., 2009), as alterações na síntese proteica muscular parecem estar mais bem descritas nessa população. Especificamente, tem‑se observado que, em repouso, a síntese proteica muscular não é diferente entre indivíduos idosos e jovens (KUMAR et al., 2009; VOLPI et al., 2001). Por outro lado, diversos autores têm demonstrado respostas atenuadas da síntese proteica muscular em idosos a partir do emprego de estímulos anabólicos, tais como o exercício de força e a ingestão de proteínas (DRUMMOND et al., 2008). Autores têm atribuído a esse contexto o termo resistência anabólica. E novamente, devido à óbvia dificuldade em se realizar investigações a longo prazo avaliando as alterações que ocorrem no turnover proteico, acredita‑se que tais alterações agudas resultem em adaptações crônicas no tecido muscular. I II TempoBa la nç o pr ot ei co m us cu la r Refeição Refeição Refeição Figura 42 – Aumento e diminuição do balanço proteico durante o estado alimentado (após a refeição) e jejum, respectivamente (isto é, síntese proteica – degradação proteica). A área de aumento sob a curva no estado alimentado (I) seria equivalente à área de perda sob a curva em jejum (II), assim, a massa muscular esquelética é mantida pela alimentação Dado que o turnover proteico pode determinar o ganho ou a perda de massa muscular, considerável atenção vem sendo dada aos estímulos que podem otimizar a síntese proteica muscular. Um destes fatores é o já mencionado treinamento resistido, o qual sabidamente induz a aumentos agudos de síntese proteica muscular tanto em jovens quanto em idosos (YARASHESKI et al., 1999; HASTEN et al., 2000), apesar de essa resposta anabólica estar mais discreta na população idosa (KUMAR et al., 2009). Um outro fator que tem recebido destaque nos últimos anos é a ingestão de proteínas (FINGER et al., 2015). Nesse sentido, é bem conhecido que, quando exercícios de força precedem a ingestão de proteínas, a estimulação da síntese proteica muscular é otimizada (MOORE et al., 2009b; YANG et al., 2012), e que a sensibilidade de resposta dessa síntese à ingestão de proteínas após uma sessão de treino de força pode ser sustentada por pelo menos 24 horas (BURD et al., 2011). Com isso, a combinação do treinamento resistido a um aumentado aporte proteico tem sido sugerida como uma 84 Unidade II estratégia mais eficiente para aumentar a massa e a força musculares ou combater sua perda do que qualquer uma delas isoladamente. I II Tempo Ba la nç o pr ot ei co m us cu la r Refeição Treinamento de força IV III Refeição Refeição Figura 43 – Aumento e diminuição do balanço proteico durante o estado alimentado (após a refeição) e jejum, respectivamente (isto é, síntese proteica – degradação proteica) conjuntamente à realização do treinamento de força. Nesse cenário, o aumento do balanço proteico é otimizado com a combinação do treinamento de força e o fornecimento de proteínas por meio da refeição, ambos estímulos capazes de aumentar a resposta da síntese proteica (III). Além disso, a diminuição do balanço proteico durante o estado de jejum parece ser menor (IV) Lembrete O balanço proteico tem impacto direto no acréscimo ou diminuição da massa muscular. Logo, o emprego de estratégias para mantê‑lo o mais positivado possível ao longo do dia é interessante. 5.3 Necessidades e recomendações proteicas Embora existam evidências corroborando a hipótese de que as necessidades proteicas se encontram elevadas em indivíduos engajados em treinamento físico, especialmente no treinamento resistido (LEMON et al., 1992; MEREDITH et al., 1989), não existe consenso, pelo menos na literatura científica revisada, se o treinamento físico de fato aumenta essa necessidade proteica (MILLWARD, 1999). Em apoio à ideia de que o treinamento pode induzir um aumento no turnover proteico muscular em repouso, Tarnopolsky, Macdougall e Atkinson (1988) verificaram que a necessidade de consumo de proteínas estava aumentada em 12% em um grupo de bodybuilders se comparados a um grupo controle de indivíduos sedentários; neste se verificou uma necessidade de ingestão proteica diária de 0.84 g/kg de peso corporal. Entretanto esse estudo, assim como tantos outros na literatura, utilizou da técnica da mensuração do balanço nitrogenado para aferir as necessidades proteicas. Dado que essa técnica é altamente sensível ao aumento de nitrogênio circulante (proveniente, por exemplo, de dietas hiperproteicas, reconhecidamente realizadas por indivíduos treinados em força), essa positivação substancial no balanço nitrogenado encontrada no estudo de Tarnopolsky, Macdougall e Atkinson (1988) pode ser atribuída mais propriamente ao aumento de ureia circulante. 85 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE Uma técnica alternativa à do balanço nitrogenado é a já mencionada infusão de aminoácidos marcados. Utilizando de tal abordagem, Tarnopolsky et al. (1992) verificaram que a síntese proteica de corpo inteiro estava reduzida em um grupo de atletas treinados em força quando consumiram uma dieta hipoproteica (0.86 g/kg/dia) se comparada a uma dieta de alta (2.4 g/kg/dia) e moderada (1.4 g/ kg/dia) ingestão de proteínas. Interessantemente, não houve diferença na síntese proteica entre as dietas de alta e moderada ingestão de proteínas. Além disso, a dieta hiperproteica resultou em um aumento da oxidação de aminoácidos, indicando que o consumo de tal dieta é desnecessário comparado à real necessidade dos atletas. Logo, a ideia de “quanto mais proteínas ingerirmos no dia, melhor” está longe de ser verdadeira. Trabalhos recentes do grupo de Phillips apontam para mesma direção (HARTMAN; MOORE; PHILLIPS, 2006). Os autores mostraram que indivíduos destreinados inseridos em um programa de treino de força obtiveram ganhos significantes de massa magra (2,5 kg em um período de 12 semanas) e um balanço nitrogenado mais positivo consumindo apenas 1.2 g/kg/dia . Observaram ainda, por meio da técnica da infusão de aminoácidos marcados, que o treinamento induziu uma redução do turnover protéico, indicando que a necessidade proteica de indivíduos engajados no treinamento resistido pode até mesmo diminuir após o período inicial de treinamento (HARTMAN; MOORE; PHILLIPS, 2006). Enquanto o posicionamento do Colégio Americano de Medicina Esportiva indica que a recomendação proteica para praticantes de treinamento de força deve estar entre 1,2 e 2,0 g/kg/dia, metanálises recentes sugerem que parece não haver benefício adicional sobre os ganhos de massa muscular com ingestões proteicas superiores a 1,6 g/kg/dia (MORTON et al., 2018). 400 350 300 250 200 150 100 50 0 0.89 g/kg/d Sí nt es e pr ot ei ca d e co rp o in te iro (m g/ kg /h ) 1.42 g/kg/d * * 2.32 g/kg/d SA = S = Figura 44 – Síntese proteica de corpo inteiro (mg/kg/h) em indivíduos sedentários (barras seccionadas) e treinados em força (barras pretas) após a realização de dietas de baixa (0.89 g/kg/dia), moderada (1.42 g/kg/dia) e elevada (2.32 g/kg/dia) ingestão proteica. Os resultados mostram que, para indivíduos sedentários, a dieta de baixo conteúdo proteico parece ser o suficiente para maximizar a síntese proteica. Já para indivíduos treinados, as dietas de moderado e elevado conteúdo proteico fornecem benefício superior à de baixo conteúdo, mas parecem não diferir entre si Lembrete Atletas precisam ingerir mais proteínas do que indivíduos sedentários diariamente. No entanto, a quantidade total é muito menor do que se pensa, desmistificando a ideia de quanto mais proteína, melhor. 86 Unidade II Mas talvez o ponto mais interessante seja o que será discutido a seguir. Uma compilação de estudos recentemente realizada, relatando a ingestão proteica habitual de indivíduos treinados em força, mostrou que esses indivíduos possuem, em média, a ingestão proteica de 2,05 g/kg/dia (PHILLIPS, 2004). Baseado nos estudos acima descritos e assumindo que o consumo proteico nos relatórios alimentares seja acurado, claramente esses atletas estão cumprindo a recomendação de ingestão proteica diária apenas com a dieta. Portanto, suplementos proteicos, embora convenientes, obviamente não são necessários para a maioria dos indivíduos treinados em força. 3 2 In ge st ão p ro te ic a (g . kg ‑1 . d‑ 1 ) 1 0 1 2 3 4 A B C 5 Estudo 6 7 8 9 Figura 45 – Consumo proteico habitual relatado nos estudos de 1 a 9. Os valores estão apresentados como média ± desvio‑padrão. A recomendação proteica atual para indivíduos sedentários é destacada pela linha A (0,8 g/kg/dia). A linha B destaca a quantidade de proteínas que, de acordo com recomendações internacionais, seria suficiente para atingir as necessidades de indivíduos engajados em treinamento resistido e promover o ganho de massa muscular (~1,3a 1,6 g/kg/dia). A linha C indica a média de consumo proteico relatado pelos estudos de 1 a 9 (~2,05 g/kg/dia). Em outras palavras, indivíduos que treinam força já possuem um consumo proteico habitual extremamente maior do que a recomendação, questionando a necessidade de suplementos Exemplo de aplicação Conforme observado na figura anterior, a maioria das pessoas que praticam o treinamento de força já realizam a ingestão de altas quantidades de proteína por dia, muito maiores do que as necessárias e recomendadas por órgãos internacionais. Ainda assim, tais pessoas consomem suplementos proteicos. Reflita a respeito dessa conduta, que não é tão improvável de ser verificada no nosso cotidiano, e pense na resposta para as seguintes perguntas: a suplementação para tais pessoas realmente se faz necessária? A conduta correta não incluiria a submissão a um profissional específico para checar a dieta individualmente e, assim, a real necessidade de utilizar suplementos proteicos? 87 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE 5.4 Influência da dose proteica Borsheim et al. (2002) provavelmente foram os primeiros a propor a existência de uma relação dose‑resposta entre a síntese proteica muscular e o consumo de aminoácidos e/ou proteínas após exercícios resistidos com base na comparação de dois estudos (BORSHEIM et al., 2002; MILLER et al., 2003). Os autores observaram uma estimulação da síntese proteica muscular pós‑exercício resistido quase duas vezes maior após a ingestão de 6 g de aminoácidos essenciais comparado à ingestão de 3 g (BORSHEIM et al., 2002; MILLER et al., 2003). Saindo da suplementação com aminoácidos e indo para a suplementação com proteínas, o estudo de Moore et al. (2009b) foi o primeiro a investigar em humanos o efeito de diferentes doses proteicas sobre a resposta da síntese proteica muscular. Apesar de apenas seis indivíduos terem participado do estudo, os pesquisadores relataram que a dose de 20 g de proteína do ovo (albumina, fornecendo ~ 8,6 g de aminoácidos essenciais) foi a que gerou maior resposta da síntese proteica muscular após uma sessão aguda de exercício resistido quando comparada às doses de 5 e 10 g. Curiosamente, os autores também testaram uma dose de 40 g, mas não foram observados efeitos adicionais sobre a síntese proteica. Saiba mais Para ter uma compreensão aprofundada sobre esse tema, leia: HEVIA, V. L.; PAINELLI, V. S. Influência da dose e da distribuição da ingestão de proteínas, associadas ou não ao treino de força, sobre a taxa de síntese proteica muscular. Revista Brasileira de Nutrição Esportiva, v. 11, n. 68, p. 963‑973, 2017. Disponível em: <http://www.rbne.com.br/ index.php/rbne/article/view/939/711>. Acesso em: 1º abr. 2019. a b c c 0 10 0 0.05 0.10 0.15 ~ 0.25 a 0.3 g/kg Dose proteica (g) Sí nt es e pr ot ei ca (% ) 20 30 40 b Figura 46 – Efeito de diferentes doses de albumina sobre a resposta da síntese proteica muscular de indivíduos jovens após uma sessão aguda de exercício resistido. A dose de 20 g foi aquela que potencializou a síntese proteica muscular, correspondendo a ~ 0,25‑0,3 g.kg‑1 (as letras a, b e c se referem à diferença estatisticamente significante de uma para a outra; isto é, a < b < c) 88 Unidade II Em um recente estudo sobre essa temática, e com desenho experimental similar, mas utilizando a proteína do soro do leite (do inglês whey protein), Witard et al. (2014) forneceram, em diferentes dias, uma dessas doses de whey protein após uma sessão aguda de exercício resistido: 0, 10, 20 ou 40 g. Assim como no trabalho de Moore et al. (2009b), os autores observaram que 20 g de proteínas foi a dose que gerou a maior resposta da síntese proteica muscular, não havendo efeito aditivo com a dose de 40 g. Ambos os estudos sugerem que parece haver um efeito teto na resposta da síntese proteica muscular à ingestão de proteínas, com dosagens ao redor de 20‑25 g de proteína (~ 0,25 g.kg‑1 de peso corporal) por refeição sendo aquelas geradoras da maior resposta da síntese proteica muscular em indivíduos jovens saudáveis. Doses maiores do que essa não proporcionam efeitos superiores e podem resultar em um aumento na oxidação de aminoácidos e da ureogênese. Um ponto a ser apontado como limitação desses estudos é que o modelo de exercício resistido empregado foi sempre unilateral, enfatizando apenas um grupamento muscular. Ainda que faça sentido a necessidade de uma maior dose de proteínas para sustentar uma maior resposta da síntese proteica muscular frente a uma sessão de treino incluindo mais grupamentos musculares, tal ponto ainda carece de ser adequadamente explorado. Observação O whey protein concentrado, isolado ou hidrolisado se diferencia apenas quanto ao seu teor associado de carboidratos (como a lactose) e gorduras, não havendo superior eficácia de um sobre o outro. Interessantemente, a dose proteica que parece otimizar a resposta da síntese proteica muscular em idosos parece ser diferente daquela em indivíduos jovens. Esse fato faz sentido se considerarmos novamente o fenômeno da resistência anabólica que assola a terceira idade. Nessa direção, Yang et al. (2012b) recrutaram homens idosos e os submeteram, em quatro dias diferentes, a um exercício de extensão de joelho unilateral para uma das pernas, enquanto a outra permaneceu em repouso. Porém, em cada um dos dias, uma quantidade diferente de whey protein (0, 10, 20 e 40 g) foi fornecida após a sessão de exercício, enquanto a síntese proteica muscular foi avaliada em ambas as pernas (exercitada e não exercitada). Para a perna não exercitada, de forma similar aos indivíduos jovens, os autores observaram que a dose de 20 g foi aquela que gerou a maior resposta de síntese proteica muscular, não havendo diferença para a dose de 40 g. Por outro lado, observou‑se que, para ambas as doses, a adição do exercício resistido proporcionou maiores respostas da síntese proteica muscular, e que tal resposta foi maximizada com a dose de 40 g (~ 0,55 a 0,60 g.kg‑1 de peso corporal por refeição). Portanto, parece existir uma dose máxima efetiva de proteínas na dieta para estimulação do anabolismo muscular após o exercício de força, sendo que tal dose parece ser maior para indivíduos idosos do que para indivíduos jovens. 89 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE * *‡ † 0 10 0 0.03 0.06 0.09 0.12 Perna não exercitada Perna exercitada Sí nt es e pr ot ei ca (% ) Dose de whey protein (g) ~ 0.55 a 0.60 g/kg 20 40 Figura 47 – Efeito de diferentes doses de whey protein sobre a resposta da síntese proteica muscular de homens idosos, com (barras pretas) ou sem (barras brancas) a realização de uma sessão aguda de exercício resistido. O símbolo * se refere à diferença estatisticamente significante em comparação às doses de 0 e 10 g na perna não exercitada. O símbolo ‡ se refere à diferença estatisticamente significante em comparação às doses de 0 e 10 g na perna exercitada. O símbolo † se refere à diferença estatisticamente significante em comparação às doses de 0, 10 e 20 g na perna exercitada. A dose de 40 g foi aquela que potencializou a síntese proteica muscular, correspondendo a ~ 0,55‑0,60 g.kg‑1 Lembrete Indivíduos intolerantes à lactose devem optar por não utilizar o whey protein concentrado, dada à possível presença do carboidrato lactose na formulação do produto. 5.5 Influência da distribuição proteica Pouca, mas crescente e recente atenção vem sendo dada à influência da distribuição da ingestão proteica ao longo do dia (ou seja, sua distribuição nas refeições) sobre a resposta da síntese proteica muscular. Ressaltando a importância desse fator, estudos transversais recentes na população idosa têm demonstrado interessantes associações entre a distribuição da ingestão proteica diária com a força e massa muscular, em que aqueles idosos com distribuições uniformes/equilibradas apresentam maiores índices de massa (FARSIJANI et al., 2016) e força muscular (FARSIJANI et al., 2017) secomparados aos idosos com distribuições proteicas desiguais ao longo de suas refeições. Os estudos longitudinais avaliando tal temática, entretanto, são escassos. Em dois estudos agudos, com propostas e desenhos experimentais bastante semelhantes, Moore et al. (2012) e Areta et al. (2013) igualaram o tipo de proteína (whey protein) e a quantidade proteica total (80 g) a ser ingerida por indivíduos jovens e saudáveis durante um período de 12 horas de recuperação após uma sessão de exercício resistido, e os submeteram a três diferentes distribuições da quantidade proteica a ser ingerida: 90 Unidade II • Grupo bolus: ingeriu as 80 g de proteína em duas porções iguais de 40 g separadas por um período de 6 horas. • Grupo intermediate: ingeriu as mesmas 80 g divididas em quatro porções iguais de 20 g separadas por um período de 3 horas. • Grupo pulse: ingeriu as 80 g divididas em oito porções iguais de 10 g separadas por um período de 1,5 horas. Em ambos os estudos a resposta da síntese proteica muscular mostrou‑se significantemente maior na condição intermediate. Em concordância com achados anteriores referente à influência da dosagem proteica sobre a síntese proteica muscular (Moore et al. 2009b), os autores explicaram que essa condição experimental (20 g a cada 3 horas) forneceu uma quantidade de proteínas suficiente para maximizar a síntese proteica em cada ingestão se comparada à condição pulse (que forneceu apenas 10 g), e insuficiente para estimular a oxidação de aminoácidos quando comparada à condição bolus (que forneceu 40 g). Subsequentemente, num desenho crossover, Mamerow et al. (2014) submeteram homens jovens e saudáveis a duas dietas, com duração de sete dias cada, contendo diferentes distribuições proteicas (de um total de 90 g) ao longo das refeições, sendo que uma delas com a distribuição equilibrada, em que foram ingeridas 30 g de proteína no café da manhã, almoço e jantar, e a outra com distribuição desigual, em que foram ingeridas 10 g no café da manhã, 15 g no almoço e 65 g no jantar. Os autores observaram que a síntese proteica muscular se encontrou 25% maior no grupo com distribuição igualitária de proteínas entre as refeições se comparada ao grupo com distribuição desigual. Enquanto a dieta com distribuição equilibrada provavelmente forneceu uma quantidade de proteínas capaz de maximizar a síntese proteica muscular a cada refeição, a síntese proteica provavelmente só foi maximizada no jantar quando a dieta com distribuição desigual foi adotada. Em conjunto, os estudos acima mencionados sugerem que dietas com distribuição da ingestão proteica mais igualitária e fornecendo uma quantidade de proteínas capaz de maximizar a síntese proteica muscular teriam a capacidade de manter o turnover proteico positivo ao longo do dia e, assim, poderiam gerar efeitos mais benéficos sobre a massa, a força e a função musculares a longo prazo. Na população idosa, por outro lado, até onde se tem conhecimento, apenas um estudo na literatura testou os benefícios da distribuição da ingestão proteica diária. Ao contrário de Moore et al. (2012) e Mamerow et al. (2014), que conduziram estudos agudos e avaliaram somente a resposta da síntese proteica muscular, Kim et al. (2016) investigaram esse efeito cronicamente sobre a força, massa e função musculares. Os autores recrutaram 14 idosos, saudáveis e sedentários, e os submeteram a dois tratamentos diferentes por oito semanas. Em um deles, uma dieta fornecendo proteínas a uma quantidade de 1.1 g/kg/dia teve esse macronutriente igualitariamente distribuído entre o café da manhã, almoço e jantar (33%/33%/33%); enquanto o outro tratamento consistiu na distribuição desigual da mesma quantidade proteica ao longo das mesmas refeições (15%/20%/65%). No entanto, diferentemente dos resultados provenientes dos estudos agudos (MOORE et al., 2012; ARETA et al., 2013; MAMEROW et al., 2014), e em discordância com as hipóteses dos estudos transversais (FARSIJANI et al., 2016; FARSIJANI et al., 2017), os autores não observaram quaisquer diferenças estatisticamente significantes entre os tratamentos para a força, massa ou função musculares. É importante salientar que nesse estudo (KIM et al., 2016) um baixo número amostral 91 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE foi incluído (sete participantes por grupo), o que pode ter diminuído o poder estatístico do estudo para encontrar diferenças entre os tratamentos. Tanto homens quanto mulheres foram incluídos na pesquisa. Ao considerarmos que existem diferenças entre os gêneros para o nível de força e massa muscular, tal fato pode ter induzido uma heterogeneidade das medidas, ressaltando ainda mais a necessidade da inclusão de um maior número de participantes ou padronização do gênero. Além disso, apesar de crônico, o estudo foi conduzido por apenas dois meses; estudos com durações superiores seriam imprescindíveis para melhor atestar ou refutar a hipótese da influência da distribuição proteica sobre a força, a massa e a função musculares, principalmente devido ao fato de que idosos parecem sofrer do fenômeno da resistência anabólica (COMBARET et al., 2009; DRUMMOND et al., 2008), o que sugeriria a necessidade de um maior tempo de exposição a uma dada intervenção com efeitos potencialmente anabólicos para que esta passe a fazer efeito. Por fim, salienta‑se que não se pode garantir que os mesmos resultados seriam apresentados caso um programa de treinamento de força fosse empregado concomitantemente à intervenção. Tomados em conjunto, apesar da ausência de efeitos positivos observada no estudo de Kim et al., (2016), considerando‑se os estudos mencionados, a distribuição proteica ao longo do dia parece ser uma estratégia promissora e interessante para otimizar a resposta da síntese proteica muscular, desde que seja respeitada a dose ótima de proteínas e um intervalo de 3 horas entre as refeições. Todavia, é precipitado realizar grandes confirmações, pois ainda são necessários mais estudos para obter respostas mais conclusivas, já que a maioria dos trabalhos sobre essa vertente são agudos. Saiba mais Para uma compreensão aprofundada sobre esse tema, leia: LARRAIN, V. H.; PAINELLI, V. S. Influência da dose e da distribuição da ingestão de proteínas, associadas ou não ao treino de força, sobre a taxa de síntese proteica muscular. Revista Brasileira de Nutrição Esportiva, v. 11, n. 68, p. 963‑973, jan.‑dez. 2017. Disponível em: <http://www.rbne.com.br/ index.php/rbne/article/view/939/711>. Acesso em: 1º abr. 2019. 5.6 Influência da fonte proteica Sabe‑se que as proteínas de soja parecem ser preferencialmente direcionadas para a região esplâncnica e convertidas em ureia. As proteínas do leite, por outro lado, são direcionadas para os tecidos periféricos (PHILLIPS; HARTMAN; WILKINSON, 2005). Além disso, existem diferenças conhecidas entre o conteúdo de aminoácidos essenciais de alimentos de origem animal e vegetal (VAN VLIET; BURD; VAN LOON, 2015). Logo, é possível postular que diferentes fontes proteicas (origem animal versus vegetal) poderiam influenciar diferentemente a resposta da síntese proteica muscular. Ainda a respeito das proteínas do leite, parece haver diferenças entre a caseína e o whey protein. O whey protein é ácido‑solúvel e, portanto, digerido rapidamente no estômago se comparado à caseína, que é uma proteína lentamente digerida. Similarmente ao whey protein, a soja também é uma proteína ácido‑solúvel, rapidamente digerida, mas com menor teor de aminoácidos essenciais, principalmente leucina. Com isso, é possível especular que ocorreria uma 92 Unidade II aminoacidemia pronunciada e mais rápida com o whey protein do que com a caseína e a soja, apesar de todas serem consideradas proteínas de alto valor biológico (PHILLIPS; TANG; MOORE, 2009). Em um primeiro estudo sobre essa temática, homens jovens e saudáveis realizaram uma sessão aguda de exercício resistido de alta intensidade em apenas uma das pernas, de forma a isolar a massamuscular e a perfusão sanguínea após o exercício e maximizar a entrega de aminoácidos ao tecido muscular. Imediatamente após o exercício, os indivíduos consumiram bebidas isonitrogenadas (ou seja, mesma quantidade de proteínas: 18,2 g) e isoenergéticas (~750 kJ) contendo leite desnatado ou soja hidrolisada como fonte proteica em um bolus de 500 ml. Foi observado que a bebida contendo soja promoveu uma hiperaminoacidemia mais rápida, porém transitória, do que a bebida contendo leite. No entanto, durante a avaliação da resposta da síntese proteica muscular 3 horas após o exercício resistido, tal resposta foi significantemente maior após o consumo da bebida contendo leite (FOUILLET et al., 2002). Um estudo posterior a esse, e considerado clássico na literatura, comparou o efeito de doses iguais de whey protein, soja e caseína, sobre a resposta da síntese proteica de indivíduos jovens e saudáveis (TANG et al., 2009). Tomando como base os conceitos referentes à digestibilidade e conteúdo de aminoácidos essenciais das proteínas mencionadas, não é surpresa que o whey protein tenha sido aquele que gerou a maior resposta de síntese proteica muscular em repouso, e que tal resposta se mostrou ainda mais otimizada após a realização de uma sessão aguda de exercício resistido. Interessantemente, resultados extremamente similares têm sido observados em indivíduos idosos (BURD et al., 2012; YANG et al., 2012a), com o whey protein sempre se mostrando superior a outras proteínas como a soja e a caseína. Assim, quando se pensa em maximizar a resposta anabólica, proteínas de fonte animal e de rápida digestibilidade (como o whey) devem ser escolhidas em detrimento das proteínas de origem vegetal (como a soja) ou de lenta digestibilidade (como a caseína). * * * * # Repouso Exercício Whey Caseína Soja 0 0.05 0.10 0.15 0.20 Sí nt es e pr ot ei ca (% ) Figura 48 – Resposta da síntese proteica muscular em repouso (barras brancas) e após uma sessão aguda de exercício resistido (barras pretas) diante do consumo de doses iguais de soja, caseína e whey protein. O símbolo * se refere à diferença estatisticamente significante em comparação à caseína; o símbolo # se refere à diferença estatisticamente significante em comparação à soja 93 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE 5.7 Influência da combinação de proteínas com carboidratos Como já discutido anteriormente, sabe‑se que a ingestão de carboidratos pode estimular a secreção de insulina. Além de ser um hormônio importante para a captação de glicose pelos tecidos periféricos, como o músculo esquelético, a insulina é um hormônio de características anabólicas, capaz de desencadear a ativação de uma série de sinalizadores intracelulares no músculo esquelético, os quais têm sido apontados como etapas essenciais no estímulo do processo de síntese proteica muscular (TIMMERMAN et al., 2010). Além disso, tem sido demonstrado que esse hormônio pode estimular a perfusão sanguínea no tecido muscular (FUJITA et al., 2006; TIMMERMAN et al., 2010), possivelmente aumentando o aporte de nutrientes e oxigênio no músculo esquelético. Dessa forma, alguns autores já se dedicaram a investigar se a adição de carboidratos a proteínas após a sessão de treino de força poderia otimizar a síntese proteica muscular e/ou reduzir sua degradação. Alguns estudos foram conduzidos de forma a testar essa hipótese (ROY et al., 1997; ROY et al., 2000). Porém, a falta de controle interno nesses estudos, como, por exemplo, a adição de um grupo suplementado somente com proteína, limita a extrapolação de seus resultados. Tendo essa limitação em mente, Staples et al. (2011) conduziram um elegante estudo comparando a síntese e degradação proteica muscular em repouso e após uma sessão aguda de exercício resistido, tendo ingerido proteína ou proteína combinada com maltodextrina. Os autores demonstraram que a secreção de insulina foi superior quando a maltodextrina foi ingerida com a dose de proteína. Entretanto, os autores não observaram efeito aditivo do carboidrato nas taxas de síntese e degradação protéica muscular em comparação com a ingestão isolada de proteína. A ausência de efeito aditivo do carboidrato à proteína sobre a resposta da síntese proteica muscar é corroborada por outros estudos, tanto em indivíduos idosos (HAMER et al., 2013) quanto em jovens (KOOPMAN et al., 2007). Logo, ingerir esses dois macronutrientes imediatamente após a sessão de treino se torna uma conduta desnecessária, caso o objetivo seja a otimização da resposta da síntese proteica. Por outro lado, devemos lembrar que o glicogênio muscular é um substrato comumente utilizado para fornecer energia para a manutenção da contração muscular, e a sua reposição se dá especificamente por meio da ingestão de carboidratos. Com isso, a ingestão de ambos os macronutrientes se trata de uma estratégia interessante, mas por razões distintas. 5.8 Influência do timing O timing nutricional é uma estratégia nutricional popular que envolve o consumo de nutrientes – carboidratos ou proteínas – próximo a uma sessão de treino. Alguns autores afirmam que essa abordagem pode produzir melhoras dramáticas na composição corporal. Outros autores postulam ainda que o timing de consumo nutricional pode ser mais importante do que o consumo absoluto diário de um determinado nutriente. Nesse tocante, o período pós‑exercício vem sendo amplamente considerado a parte mais crítica do timing de nutrientes. Teoricamente, tal estratégia auxiliaria uma rápida reconstrução do tecido muscular danificado após a sessão de exercício e reposição das reservas energéticas. Diversos pesquisadores têm atribuído a esse período o nome de janela de oportunidade anabólica, na qual existiria um tempo limitado após a sessão de exercício para otimizar as adaptações musculares relacionadas ao treinamento. 94 Unidade II Esmarck et al. (2001) forneceram a primeira evidência experimental de que o consumo de proteínas imediatamente após a sessão de exercício resistido otimizou a resposta hipertrófica muscular em comparação ao consumo de proteínas em outro momento. Treze voluntários idosos, sedentários, foram pareados com base na composição corporal e ingestão proteica diária, e divididos em dois grupos: P0 e P2. Os indivíduos realizaram um programa de treinamento resistido para membros superiores e inferiores. O grupo P0 recebeu um suplemento oral contendo proteínas imediatamente após a sessão de exercício, enquanto P2 recebeu o mesmo suplemento 2 horas após a sessão de exercício. O programa de treinamento foi realizado três dias por semana, durante 12 semanas. Ao final do estudo, a área de secção transversa do quadríceps femoral e a área de secção das fibras musculares aumentou significantemente para o grupo P0, enquanto nenhum aumento significativo foi visto em P2. Esses resultados apoiam a presença de uma janela de oportunidade pós‑exercício e sugerem que atrasar a ingestão de nutrientes pós‑sessão de treino pode atrapalhar os ganhos musculares. Em contraste com esses achados, Verdijk et al. (2009) não conseguiram detectar qualquer aumento na massa muscular esquelética ao consumir um suplemento proteico imediatamente pré e pós‑exercício em uma população similar de homens idosos. Vinte e oito idosos sedentários foram aleatoriamente designados para receber um suplemento de proteína ou placebo consumido imediatamente antes e imediatamente após a sessão de exercício. Os indivíduos realizaram exercícios específicos para o grupamento quadríceps femoral três dias por semana, com a intensidade aumentada progressivamente ao longo do período de treinamento de 12 semanas. Não foram observadas diferenças significativas na força muscular ou hipertrofia entre os grupos no final do período do estudo, indicando que a estratégia de timing nutricional não foi efetiva. Deve‑se notar que, ao contrário do estudo de Esmark et al. (2001), aquele estudo investigou apenas respostas adaptativas à suplementação sobre umamusculatura isolada de membros inferiores. Portanto, não é claro, com base nesses resultados, se os membros superiores poderiam responder de forma diferente à suplementação e ao timing. Em um desenho experimental elegante, porém uni‑cego, Cribb e Hayes (2006) encontraram um benefício significativo quando um suplemento contendo proteína foi ingerido o mais próximo o possível da sessão de treino, se comparado à ingestão longe da sessão. Nesse estudo, 23 fisiculturistas recreativos foram divididos aleatoriamente em um grupo pré‑pós, o qual consumiu um suplemento proteico imediatamente antes e após a sessão de treinamento resistido; ou em um grupo manhã‑noite, que consumiu o mesmo suplemento pela manhã e à noite pelo menos 5 horas longe do horário de treino. Ambos os grupos realizaram treinamento resistido, cuja intensidade foi progressivamente aumentada de 70% do 1‑RM (uma repetição máxima) para 95% do 1‑RM ao longo de dez semanas. Os resultados mostraram que ambos os grupos aumentaram a massa e força muscular. Mas o grupo pré‑pós alcançou um aumento significativamente maior desses parâmetros em comparação com o grupo manhã‑noite. Assim, esses resultados confirmam a influência do timing sobre as adaptações musculares induzidas pelo treinamento. Por outro lado, em um estudo abrangente incluindo participantes bem treinados, Hoffman et al. (2009) distribuíram aleatoriamente 33 homens jovens para receber ou um suplemento proteico de manhã e à noite (n = 13) ou imediatamente antes e imediatamente após a sessão de exercício resistido (n = 13). Os treinos consistiam de três a quatro séries de seis a dez repetições máximas de vários exercícios para o corpo todo. O treinamento foi realizado em uma rotina de quatro dias por semana, 95 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE com intensidade progressivamente aumentada ao longo do período do estudo. Após dez semanas, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos em relação à massa corporal magra. No entanto, tal estudo foi limitado pelo uso do Dexa (do inglês Dual‑Energy X‑Ray Absorptiometry; isto é, densitometria por dupla emissão de raios‑X) para avaliar a composição corporal, o qual não tem a devida sensibilidade para detectar pequenas alterações na massa muscular em comparação com outros métodos de imagem, como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada (LEVINE et al., 2000). Em virtude do mencionado, apesar das alegações de que o timing é essencial para maximizar os ganhos hipertróficos com a suplementação de proteínas, com base no material discutido acima, o suporte científico baseado em evidências dessa janela de oportunidade anabólica está longe de ser definitivo. E, portanto, mais do que se preocupar com o timing, devemos nos preocupar com o aporte proteico diário total. Afinal, preocupar‑se com o timing, mas ter um aporte proteico diário abaixo daquele recomendado por agências internacionais para otimizar os ganhos de massa muscular com o treinamento físico, ou para minimizar a perda de massa muscular (por patologias, desuso etc.), pode ser problemático. 5.9 Aminoácidos livres versus proteínas inteiras Conforme vimos, diferentes estudos têm demonstrado efeitos positivos da ingestão de proteínas (DANGIN et al., 2003) ou aminoácidos (PADDON‑JONES et al., 2004) sobre a disponibilidade de aminoácidos no plasma e, principalmente, sobre o anabolismo muscular. Foi demonstrado que os aumentos da síntese proteica muscular são maiores após a ingestão de whey (proteína digerida rapidamente) do que a caseína (proteína digerida lentamente), presumivelmente devido ao rápido aumento dos aminoácidos plasmáticos com o whey. O rápido aumento de aminoácidos plasmáticos também é observado após a ingestão de aminoácidos livres, e sabe‑se que a ingestão de uma mistura equilibrada de aminoácidos também estimula o anabolismo muscular (VOLPI et al., 1999). Além disso, tem sido demonstrado que esse efeito é resultado do conteúdo de aminoácidos essenciais na mistura (VOLPI et al., 2003), os quais compreendem ~ 50% do total de nitrogênio e calorias encontradas no whey. Adicionalmente, alguns estudos já demonstraram que a estimulação aguda da síntese proteica muscular é aproximadamente duas vezes maior após a ingestão de 6 g de aminoácidos essenciais, em comparação com 6 g de uma mistura equilibrada de aminoácidos essenciais e não essenciais (BORSHEIM et al., 2002). Esses resultados têm levado diferentes pesquisas a estudar e enfatizar o papel da suplementação com aminoácidos essenciais, tais como a leucina e os BCAA (AMARAL et al., 2015; WOLFE, 2017), sobre a estimulação do anabolismo proteico muscular. Sem contar que existem considerações práticas associadas ao custo e palatabilidade do suplemento, que poderiam levar a alternâncias na escolha entre uma proteína intacta (como o whey) e aminoácidos essenciais, caso os mesmos benefícios anabólicos fossem alcançados com qualquer um deles. No entanto, a literatura científica é bem clara no que diz respeito à dúvida entre aminoácidos livres ou proteína inteira. O estudo de Katsanos et al. (2008) deixa bem clara a resposta. Nele, homens idosos foram selecionados para ingerir três bebidas diferentes em diferentes dias, tendo a síntese proteica muscular avaliada em cada um dos dias. Eram as bebidas: whey protein, uma mistura de aminoácidos 96 Unidade II essenciais e uma mistura de aminoácidos não essenciais. Foram ingeridos 6,72 g de aminoácidos essenciais, 7,57 g de aminoácidos não essenciais e 15 g de whey, de forma que a quantidade de aminoácidos essenciais e não essenciais ingeridos com o whey foi a mesma de quando ingeridos isoladamente. E de maneira interessante, os autores verificaram que a ingestão do whey protein proporcionou um aumento significantemente maior da síntese proteica muscular quando comparada com a mistura de aminoácidos essenciais, enquanto a mistura de aminoácidos não essenciais não gerou qualquer alteração nesse parâmetro. Isso sugere que, por mecanismos que estão além daqueles associados ao seu conteúdo de aminoácidos essenciais, a ingestão de proteínas inteiras, como é o caso do whey, se trata de uma estratégia mais efetiva para maximizar a resposta da síntese proteica muscular do que os aminoácidos livres/isolados. 6 MICRONUTRIENTES – VITAMINAS E MINERAIS Abordaremos agora os conceitos de vitaminas de minerais, como se dão suas classificações, e quais são as funções de cada uma das vitaminas e minerais que compõem a dieta do ser humano. De maneira geral, atualmente há grande interesse da população nesses micronutrientes e nos possíveis efeitos deletérios que sua deficiência pode gerar para o desempenho físico e para a saúde. Em 2016, uma pesquisa informal realizada pela Toledo & Associados, e encomendada pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad) em conjunto com a Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (Abifisa) e a Associação Brasileira das Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri), demonstrou que 48% e 22% dos suplementos nutricionais consumidos pela amostra da pesquisa consistiam de suplementos contendo vitaminas e minerais, respectivamente. Assim, também serão discutidas as recomendações desses micronutrientes para praticantes de exercício. É fato conhecido de longa data que certos alimentos são necessários para manter a saúde e/ou evitar algumas doenças. Contudo, as causas de certas doenças só vieram a ser descobertas a partir do século XX, já que, antes, as causas de doenças como o pelagra, o beribéri, o escorbuto, a cegueira noturna, o raquitismo e a anemia perniciosa não eram conhecidas. Na época, os médicos acreditavam que eram doenças de natureza infecciosa, pois afetavam muitas pessoas de uma mesma comunidade, como, por exemplo, os habitantes pobres da Londres vitoriana, as crianças de um orfanato ou os marinheiros de navios por longo tempo no mar (VIEIRA, 2003). Ostratamentos, portanto, eram totalmente inadequados e não curavam ninguém. Em 1906, o bioquímico inglês Frederick Gowland Hopkins demonstrou a existência de fatores acessórios existentes nos alimentos que poderiam auxiliar no combate a essas doenças. Em 1911, o bioquímico polonês Casimir Funk descobriu na casca do arroz um fator antiberibéri (que hoje sabemos ser a vitamina B6 ou niacinamida), que era capaz de corrigir a doença experimentalmente em animais e seres humanos. Como a substância era uma amina, Funk a denominou de vital amin (ou amina vital); que acabou sendo abreviada posteriormente para vitamina – embora se tenha identificado posteriormente que algumas delas não são aminas (VIEIRA, 2003). 97 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE A) B) Figura 49 – Retrato dos pesquisadores considerados os pais das vitaminas, Frederick Gowland Hopkins (A) e Casimir Funk (B) Em 1912, depois de várias pesquisas semelhantes, ambos os pesquisadores propuseram a hipótese da deficiência de vitaminas, ou seja, que várias doenças poderiam ser causadas pela falta de uma quantidade mínima dessas substâncias. Por meio de experimentos, nos quais os animais tinham alguns tipos de alimentos restritos, os cientistas conseguiram reproduzir em laboratório o raquitismo, o escorbuto e a pelagra, e assim foram capazes de isolar e identificar as vitaminas que conhecemos hoje (CHAMPE; HARVEY; FERRIER, 2006; VIEIRA, 2003). Esse foi um dos mais importantes progressos da medicina de todos os tempos. Ele levou à virtual erradicação de todas essas doenças a partir da recomendação de complementações dietéticas com as vitaminas dos alimentos normalmente consumidos (por exemplo, leite), com a adoção de dietas mais balanceadas e, principalmente, com a ingestão de alimentos ricos em certos tipos de vitaminas. Mais recentemente surgiram os suplementos vitamínicos na forma de cápsulas e drágeas, hoje amplamente consumidos. 6.1 Vitaminas As vitaminas são compostos orgânicos não sintetizados pelo organismo. Algumas delas são exceções à regra, como a vitamina D, que pode ser sintetizada a partir do contato com os raios solares; e as vitaminas B5, B8 e B9, as quais podem ser sintetizadas pelas bactérias da microbiota intestinal. No entanto, a ausência de contato com os raios solares, como ocorre nos dias de hoje e em países escandinavos, por exemplo, pode levar à deficiência de vitamina D. Já a síntese das vitaminas B5, B8 e B9 pela microbiota intestinal ocorre em baixíssimas quantidades (LEHNINGER; NELSON; COX , 1995). De fato, a ausência sistemática de vitaminas na dieta pode resultar em crescimento e desenvolvimento deficientes e outras perturbações orgânicas, configurando‑se um quadro sintomatológico característico de carência, o que pode levar às conhecidas avitaminoses (MURRAY et al., 1998). Logo, de uma maneira geral, a ingestão de vitaminas por meio da dieta ou da suplementação se faz indispensável. Destaca‑se que as vitaminas não fornecem calorias ao organismo. Treze vitaminas diferentes já foram isoladas, analisadas e classificadas e, com isso, os seus níveis de ingestão dietéticas recomendada (QDR) têm sido estabelecidos, embora os requerimentos nutricionais desses micronutrientes aumentem durante 98 Unidade II os períodos de crescimento, gestação e lactação, nas condições de trabalho intenso e ocorrência de determinadas doenças, notadamente as infecciosas (LEHNINGER; NELSON; COX , 1995; MURRAY et al., 1998). Tradicionalmente, tais vitaminas podem ser subdivididas em vitaminas lipossolúveis e hidrossolúveis. As vitaminas lipossolúveis incluem as vitaminas A, D, E e K. As vitaminas hidrossolúveis incluem a vitamina C e as vitaminas do complexo B. 6.1.1 Vitaminas lipossolúveis As vitaminas lipossolúveis são as vitaminas solúveis em lipídios e outros solventes orgânicos, porém não solúveis em água. Para serem absorvidas, é necessária a presença de lipídios, além de bile e suco pancreático. Após a absorção no intestino, elas são transportadas pelo sistema linfático até aos tecidos em que serão armazenadas. As vitaminas lipossolúveis têm merecido destaque quando do desenvolvimento de produtos enriquecidos e vitaminados, com o intuito de assegurar ao público infantil o suprimento desses micronutrientes essenciais ao crescimento, desenvolvimento e outras funções biológicas (MACHLIN, 1984). Crianças e jovens, por exemplo, são extremamente sensíveis às variações dos teores de vitaminas A e D em função das baixas reservas ao nascer, rápido crescimento, diferenciação celular e alto turnover desses nutrientes em relação aos dos adultos (CARVALHO et al., 2015). A partir deste momento, descreveremos cada uma das vitaminas lipossolúveis quanto à sua estrutura química, função e influência sob situações de deficiência. Um resumo dessas informações pode ser encontrado no quadro seguinte. Quadro 4 – Função, fonte de obtenção e avitaminoses das vitaminas lipossolúveis Lipossolúveis Vitamina Para que serve? Onde podemos encontrar? Avitaminoses A (Retinol) Dá pigmento às células visuais; antioxidante; manutenção do tecido visual e das membranas celulares Vegetais de cor verde, amarelo e laranja; frutas; alguns derivados do leite (manteiga); gema do ovo; fígado Cegueira noturna; ressecamento da córnea D (Calciferol) Crescimento dos ossos e dentes Derivados do leite; gema do ovo; óleo de fígado de bacalhau; raios solares Raquitismo; ossos fracos; problemas nos dentes E (Tocoferol) Antioxidante; auxilia na gametogênese masculina Sementes oleaginosas (nozes, castanha); óleos vegetais; óleo de fígado de bacalhau Infertilidade; aborto K (Filoquinona) Atua na coagulação sanguínea Vegetais verde‑escuros Hemorragia; deficiência na coagulação Vitamina A A vitamina A é um grupo de hidrocarbonetos insaturados, incluindo retinol e compostos relacionados, bem como alguns carotenoides. A atividade da vitamina A em tecidos animais se faz predominantemente sob a forma de retinol ou de seus ésteres, de retinal e, em menor quantidade, como ácido retinoico. O retinol é um álcool primário que contém um anel β‑ionona com cadeia lateral insaturada, sendo encontrado em tecidos animais como éster retinila com ácidos graxos de cadeia longa (LEHNINGER; NELSON; COX, 1995). Já o retinal é o aldeído derivado da oxidação do retinol. O retinal e o retinol podem 99 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE ser facilmente interconvertidos. O ácido retinoico é o ácido derivado da oxidação do retinal. Esse ácido não pode ser reduzido no organismo e, assim, não pode originar retinal ou retinol. A concentração da vitamina A é maior no fígado, principal órgão armazenador do corpo, no qual o retinol e seus ésteres são as principais formas presentes. O termo retinoides se refere à classe de compostos que inclui retinol e seus derivados químicos, com quatro unidades de isoprenoides. Vários retinoides análogos exibem propriedades farmacológicas úteis. Além disso, o acetato de retinil e o palmitato de retinil são utilizados em sua forma sintética para a fortificação de alimentos (RADOSTITS, 2001). O transporte de vitamina A para o fígado ocorre sob a forma de ésteres de retinol presentes na dieta, os quais são hidrolisados na mucosa intestinal, liberando retinol e ácidos graxos livres. O retinol derivado dos ésteres é novamente esterificado em ácido graxo de cadeia longa na mucosa do intestino e secretado como componente dos quilomícrons no sistema linfático. Os ésteres de retinol contidos nos quilomícrons remanescentes são captados pelo fígado e nele armazenados como ésteres de retinil (LEHNINGER; NELSON; COX, 1995). Sua liberação do fígado se dá quando necessário: o retinol é liberado do fígado e transportado para os tecidos extra‑hepáticos por uma proteína plasmática, a proteína ligadora de retinol (PLR). O complexo PLR‑retinol se liga a receptores específicos na superfície das células dos tecidos periféricos, permitindo a entrada do retinol. Muitos tecidos possuem uma proteína celular ligadorade retinol que o transporta para sítios no núcleo. O complexo ativado receptor‑ácido retinoico interage com a cromatina nuclear, estimulando a síntese de RNA retinoide‑específico, resultando na produção de proteínas específicas que medeiam várias funções fisiológicas. Por exemplo, os retinoides controlam a expressão do gene da queratina, uma proteína que auxilia na proteção/impermeabilização das células, na maior parte dos tecidos epiteliais do corpo (NELSON; COX, 2011). Os retinoides são essenciais para a visão, reprodução, crescimento e a manutenção dos tecidos epiteliais. O ácido retinoico, derivado da oxidação do retinol da dieta, medeia a maioria das ações dos retinoides, exceto para a visão, que depende do retinal, o derivado aldeídico do retinol. No ciclo visual, a vitamina A é componente dos pigmentos visuais das células cones e bastonetes. Derivados da vitamina A controlam a expressão de várias proteínas importantes para a formação de muco e integridade do citoesqueleto, como a queratina e transglutaminase, e a ciclicidade celular (CHAMPE; BRIDGE; JONES, 2009). A deficiência prolongada de vitamina A leva à perda irreversível do número de células visuais. A deficiência grave leva à xeroftalmia, o ressecamento patológico da conjuntiva e da córnea. Se não for tratada, a xeroftalmia resulta em ulceração da córnea e, por fim, cegueira devido à formação de tecido de cicatrização opaco. A xeroftalmia é observada em espécies animais como bovinos e suínos. A vitamina A, administrada como retinol ou ésteres de retinila, é utilizada para o tratamento de pacientes deficientes dessa vitamina. Em humanos, a cegueira noturna é um dos principais sinais de deficiência de vitamina A. O limiar visual aumenta, dificultando a visão em ambientes com pouca luminosidade. Na derme, esse processo resulta em uma sobrecamada escamosa. Essa superfície leva à perda da funcionalidade da célula epitelial. Condições patológicas que influenciam a obtenção de vitamina A pelo indivíduo incluem a má absorção (insuficiência pancreática e colestase), a fibrose cística, as doenças hepáticas e as doenças renais (MACHLIN, 1984). A vitamina A pode ser encontrada em alimentos como fígado de boi, na nata, manteiga e gema de ovo. Frutas, plantas e vegetais amarelos e verde‑escuros são boas fontes dietéticas de carotenos. Grãos, 100 Unidade II com algumas exceções (exemplo: milho amarelo), são menores fontes de vitamina A. Entre os grãos de leguminosas, o grão‑de‑bico parece ser a melhor fonte de carotenoides. Vitamina D A vitamina D nos alimentos está associada a vários análogos de esteróis em lipídeos, incluindo o colecalciferol e o ergocalciferol. O colecalciferol também é formado na pele, a partir da exposição à luz solar. O processo bioquímico de síntese do colecalciferol inclui algumas etapas, as quais envolvem a modificação fotoquímica do 7‑desidrocolesterol, seguida por sua isomerização não enzimática. Em virtude disso, na síntese in vivo, as exigências de vitamina D da dieta dependerão do grau de exposição à luz solar. Embora a maioria dos animais possuam o 7‑ desidrocolesterol de forma abundante na pele, espécies como gatos, cães e, possivelmente, outros carnívoros contêm apenas pequenas quantidades desse composto, o que não permite adequada síntese de vitamina D. Logo, esses animais dependem exclusivamente da dieta para sua síntese (ZITTERMANN, 2003). A estrutura hidroxilada 1,25‑dihidroxicolecalciferol (a chamada vitamina D3) é a principal forma fisiologicamente ativa da vitamina D e está envolvida na regulação da absorção e do metabolismo de cálcio. Nos ossos, receptores de vitamina D estão localizados nos osteoblastos, onde controlam a síntese e secreção de proteínas específicas, como a osteocalcina, osteopontina, colágeno e fosfatase alcalina (CANNELL; HOLLIS, 2008b). Além disso, no músculo esquelético, a vitamina D pode estimular a proteína calmodulina, responsável pela rápida regulação dos canais de cálcio da membrana no músculo esquelético (VAZQUEZ; BOLAND; DE BOLAND, 1995). Essa ação vem demonstrando ter influência especial no contexto esportivo e será melhor destacada adiante. A vitamina D pode ser encontrada em maiores quantidades em peixes, particularmente aqueles de água salgada, como o salmão e as sardinhas, inclusive em óleos de fígado de peixe, ricos em vitamina D. Ela também pode ser encontrada no leite (CANNELL; HOLLIS, 2008b). A deficiência de vitamina D leva à desmineralização dos ossos, resultando em raquitismo em crianças e osteomalacia nos adultos (LEVIS et al., 2005). No raquitismo, os ossos se apresentam frágeis, com possibilidades de fraturas espontâneas. Além disso, seu crescimento é alterado, em que os ossos longos das extremidades, como aqueles das pernas, tendem a se arquearem. Já na osteomalacia, a desmineralização dos ossos aumenta a chance de fraturas (CANNELL et al., 2008a). Vitamina E Vitamina E é o termo genérico para tocóis e tocotrienóis que apresentam atividade vitamínica semelhante à do α‑tocoferol. Os tocoferóis normalmente são os principais compostos com atividade de vitamina E em alimentos. O α‑tocoferol é aquele que apresenta sua maior atividade. Ele e todos os outros tocoferóis e tocotrienóis apresentam função antioxidante geral. Os tocoferóis, antes de serem absorvidos, integram as micelas no intestino. Seguindo a absorção, são transferidos para a linfa associada aos quilomícrons, similar ao que ocorre com outras vitaminas lipossolúveis (FENNEMA; DAMODARAN; PARKIN, 2010). Os tocoferóis são constituintes naturais de todas as membranas biológicas. Todos os tocoferóis e tocotrienóis, quando não esterificados, têm a capacidade de agir como antioxidantes. Eles desativam 101 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE radicais livres, doando um H+ fenólico e um elétron (HARRISON; HANCOCK; CONRAD, 1984). Com isso, se especula que eles contribuam para a estabilidade das membranas, devido a sua atividade antioxidante. Em outras palavras, a vitamina E fornece tempo à célula para regenerar a membrana lipídica de um dano. Os tocoferóis e os tocotrienóis de ocorrência natural também contribuem para a estabilidade de óleos vegetais altamente insaturados, por meio de sua ação antioxidante. A alta ingestão de ácidos graxos poli‑insaturados aumenta o requerimento de vitamina E, devido a seu eventual depósito nas membranas celulares e aumento da suscetibilidade à peroxidação lipídica. A principal fonte dietética de tocoferol são os óleos vegetais e os vegetais verde‑escuros, como o brócolis, ao passo que o fígado de boi e ovos contêm quantidades moderadas dessa vitamina. A deficiência de vitamina E pode causar infertilidade e até mesmo aborto (MACHLIN, 1984). Vitamina K A vitamina K existe em diversas formas. Por exemplo, nas plantas como fitoquinona (vitamina K1) e nas bactérias da flora intestinal como menaquinona (vitamina K2). Para a suplementação, está disponível um derivado sintético da vitamina K, a menadiona. O principal papel da vitamina K é a modificação pós‑traducional de fatores de coagulação sanguínea, em que essa vitamina serve como coenzima na carboxilação de certos resíduos de ácido glutâmico presentes nas proteínas anticoagulantes. Além disso, a Vitamina K é necessária para a síntese de protrombina (CHAMPE; BRIDGE; JONES, 2009). Em outras palavras, a vitamina K atua na coagulação sanguínea, prevenindo a hemorragia. Podendo ser encontrada em vegetais verde‑escuros, tais como a couve‑flor, o repolho e o espinafre (PAIXÃO, 1998). De maneira óbvia, a deficiência de vitamina K pode levar à hemorragia e está associada a síndromes de má absorção ou ao uso de anticoagulantes farmacológicos. Recém‑nascidos possuem intestinos estéreis e, inicialmente, não possuem as bactérias que a sintetizam. Com isso, a administração intramuscular de vitamina K pode ser indicada contra doenças hemorrágicas nessa população (RADOSTITS, 2001). Por outro lado, de uma maneira geral, a deficiência de vitamina K é incomum, poisquantidades adequadas são produzidas pelas bactérias intestinais ou obtidas pela dieta sob a forma K2 (menaquinona). Se a população bacteriana diminui, por exemplo, pelo uso de antibióticos, a quantidade de vitamina K formada endogenamente diminui e pode levar à hipoprotrombinemia em indivíduos subnutridos. 6.1.2 Vitaminas hidrossolúveis As vitaminas hidrossolúveis são aquelas solúveis em água. São absorvidas pelo intestino e transportadas pelo sistema circulatório até os tecidos em que serão utilizadas. Elas não se acumulam no corpo, ou seja, não permanecem no nosso organismo por muito tempo, sendo assim excretadas por meio da urina. Serão abordadas cada uma das vitaminas hidrossolúveis quanto à sua estrutura química, função e influência sob situações de deficiência. Um resumo dessas informações pode ser encontrado no quadro seguinte. Veremos que a maioria das vitaminas hidrossolúveis possuem ação direta ou indireta com o metabolismo energético, e as diferentes rotas de atuação dessas vitaminas podem ser observadas na figura seguinte. 102 Unidade II Quadro 5 – Função, fonte de obtenção e avitaminoses das vitaminas hidrossolúveis Vitamina Para que serve? Onde encontrar? Avitaminose B1 (tiamina) Síntese de pentoses; condução do potencial elétrico ao longo de membranas e nervos; participa da produção de energia Carnes; peixe; gema do ovo; vegetais; legumes e cereais integrais Beribéri; confusão mental; fraqueza muscular; insuficiência cardíaca B2 (riboflavina) Tem papel na síntese de coenzimas; produção de hormônios pelas glândulas suprarrenais Leite; iogurte; queijo; ovos; vegetais de folha verde Prurido; fotofobia B3 (niacina) Componente do NAD e do FADH; participa de reações de oxidorredução; participa da produção de hormônios sexuais Carnes; peixes; aves; ovos; cereais e derivados Confusão e desorientação mental; dermatite atópica B5 (ácido pantotênico) Constituinte da Coenzima A; síntese de colesterol, fosfolipídios e hormônios esteroides Brócolis; batata; abacate; lentilha; carnes; aves; ovo; leite e derivados Fadiga; insônia; câimbras B6 (piridoxina) Forma as coenzimas que participam das reações de transaminação; forma neurotransmissores Carne de porco; fígado; cereais integrais; batata; legumes; banana; frutas secas Distúrbios relacionados ao sistema nervoso central B8 (biotina) Forma as enzimas envolvidas na gliconeogênese, bem como na oxidação de ácidos graxos e de aminoácidos Fígado; gema do ovo; cogumelos; sementes oleaginosas Palidez; náuseas; vômitos; dermatite atópica Lembrete Considerando as diversificadas fontes alimentares das vitaminas hidrossolúveis e lipossolúveis, podemos dizer que uma dieta variada e equilibrada fornecerá todas as vitaminas que o corpo necessita. Figura 50 – Ilustração da interação das vitaminas hidrossolúveis com o metabolismo dos carboidratos, gorduras e aminoácidos 103 NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE Vitamina B12 (cobalamina) A vitamina B12 é necessária para duas reações enzimáticas essenciais: a conversão de homocisteína em metionina e a isomerização da metilmalonil‑CoA, que é produzida durante a degradação de alguns aminoácidos e de ácidos graxos com número ímpar de átomos de carbono. Nos animais mamíferos, essas reações são indispensáveis para a conversão do propionato até succinil‑CoA, um substrato do ciclo de Krebs. Assim, se trata de uma vitamina importante no metabolismo dos carboidratos (CHAMPE; BRIDGE; JONES, 2006). Quando a vitamina é deficiente, ácidos graxos anormais acumulam‑se e são incorporados nas membranas celulares, incluindo as do sistema nervoso. Isso pode contribuir para algumas manifestações neurológicas da deficiência da vitamina B12. Os efeitos da deficiência de cobalamina são mais pronunciados em células que se dividem rapidamente, tais como aquelas do tecido eritropoiético da medula óssea e as células da mucosa intestinal. A vitamina B12 é sintetizada somente por microrganismos, logo, não está presente nos vegetais. Os animais obtêm essa vitamina a partir de sua flora bacteriana natural ou pela ingestão de alimentos derivados de outros animais. Com isso, a cobalamina está presente em quantidades apreciáveis, principalmente em alimentos de origem animal, como o fígado de boi, no leite, em ovos, camarões frescos, carne de porco e de frango (BIANCHI; SILVA; TIRAPEGUI, 2000). Ao contrário de outras vitaminas hidrossolúveis, quantidades significativas de vitamina B12 são armazenadas no organismo. Como resultado, podem ser necessários vários anos para que se desenvolvam sintomas clínicos de sua deficiência nos indivíduos que tenham sofrido gastrectomia total ou parcial e não possam mais absorver a vitamina, ou naqueles indivíduos que tenham optado por dietas deficientes de vitamina B12, como as vegetarianas (CARVALHO, 2015). Vitamina B9 (ácido fólico) O ácido fólico desempenha um papel chave no metabolismo dos grupos de um carbono e é essencial para a biossíntese de vários compostos. A deficiência de ácido fólico é provavelmente a deficiência vitamínica mais comum nos Estados Unidos, principalmente entre mulheres grávidas e alcoolistas (NELSON; COX, 2011). Essa vitamina está envolvida com os processos da hematopoiese. Está amplamente distribuída nos alimentos, especialmente nas carnes, mas também pode ser encontrada em vegetais verde‑escuros. Depois de ser absorvido no intestino, o ácido fólico é reduzido a tetrahidrofolato (H4folato) nos lisossomos pela enzima H2folato‑redutase. Na circulação, a vitamina encontra‑se como N5‑metil‑H4folato. Dentro das células, o H4folato aparece na forma poliglutâmica, a qual é biologicamente mais potente, sendo, dessa forma, armazenado no fígado. O tetrahidrofolato recebe, de doadores, um fragmento composto de um carbono, como a serina, a glicina e a histidina, e os transfere para intermediários na síntese de aminoácidos, purinas e timina (MURRAY et al., 1998). Níveis sorológicos inadequados de ácido fólico podem ser causados por aumento na demanda (por exemplo, durante a gestação e a lactação), absorção deficiente (causada por patologia do intestino delgado), alcoolismo ou tratamento com drogas que são inibidoras da diidrofolato redutase, 104 Unidade II como, por exemplo, o metotrexato. Uma dieta sem folato pode causar uma deficiência em poucas semanas. O principal resultado da deficiência de ácido fólico é a anemia megaloblástica, causada pela diminuição na síntese de purinas e timidina, o que leva a uma incapacidade da célula em produzir DNA e, assim sendo, essas células não podem se dividir. A deficiência de ácido fólico também pode causar defeitos do tubo neural ao nascimento, como espinha bífida e anencefalia (MACHLIN, 1984). Vitamina C (ácido ascórbico) A forma ativa da vitamina C é o ácido ascórbico. A principal função do ácido ascórbico é como agente redutor em diversas reações diferentes. A vitamina C tem um papel muito bem documentado como coenzima nas reações de hidroxilação, como, por exemplo, na hidroxilação dos resíduos prolil‑elisil do colágeno. A vitamina C é, dessa forma, necessária para a manutenção normal do tecido conectivo, assim como para recompor tecidos danificados. A vitamina C também facilita a absorção do ferro da dieta no intestino. Por fim, mas não menos importante, o ácido ascórbico tem a capacidade de ceder e receber elétrons, o que lhe confere um papel essencial como antioxidante. Dessa forma, a vitamina C participa do sistema de proteção antioxidante, assumindo a função de reciclar a vitamina E (VIEIRA, 2003). A deficiência de ácido ascórbico resulta no escorbuto, uma doença caracterizada por gengivas doloridas e esponjosas, dentes frouxos, fragilidade dos vasos sanguíneos, edemas nas articulações e anemia. A maioria dos sintomas da doença pode ser explicada por uma deficiência na hidroxilação do colágeno, resultando em um tecido conectivo defeituoso. A vitamina C pode ser encontrada em frutas cítricas – laranja, limão, tangerina –,
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