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TEMA 2 - ESPIRITUALIDADE E CONTEMPORANEIDADE

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ESPIRITUALIDADE E CONTEMPORANEIDADE 
Prof. Thomas Heimann 
 
 
Nesta unidade temática, você vai aprender 
 A avaliar a influência das diferentes religiões no estabelecimento de relações sociais, políticas, 
econômicas e culturais; 
 A participar da reflexão a respeito dos valores humanos, sociais, éticos e espirituais; 
 A construir, a partir de valores éticos e religiosos, princípios norteadores de sustentabilidade e 
cidadania; 
 A atuar eticamente frente a diferentes situações no campo pessoal, social e profissional; 
 A mediar conflitos no campo da ética e religiosidade a partir dos princípios de respeito, diálogo e 
tolerância. 
 
 
Introdução 
Nesse segundo capítulo teremos duas abordagens temáticas que vão transversalizar o campo da religião e 
espiritualidade em sua relação com a sociedade contemporânea. 
A primeira parte do capítulo irá abordar alguns conceitos importantes para compreendermos diversos 
fenômenos atuais no campo religioso e relacional. Conceitos como globalização, fundamentalismo, 
tolerância e secularização são tratados a partir do fenômeno da Globalização, ao passo que os conceitos de 
trânsito, sincretismo e mercado religioso estarão mais relacionados à religiosidade latino-americana e 
brasileira. 
A segunda abordagem temática do capítulo parte para um assunto que transcende especificidades 
culturais, enfocando um fenômeno de cunho mais ontológico e existencial, que diz respeito a cada ser 
humano na relação intra e interpessoal: a culpa e o perdão. A abordagem dessa temática é interdisciplinar, 
pois envolve elementos não apenas da religiosidade, mas também elementos filosóficos, antropológicos, 
psicológicos e teológicos, com diferentes possibilidades interpretativas. 
Que esses temas nos auxiliem a refletir sobre nossos pensamentos, valores, crenças e posturas cotidianas, 
nos diferentes âmbitos da convivência humana. 
 
 
Fundamentalismos, tolerância e fenômenos religiosos no contexto da Globalização 
Um dos conceitos marcantes do século XXI é o da Globalização. O mundo globalizado, através dos meios 
de comunicação, em especial a internet, permite a interação e conexão entre pessoas em quaisquer partes 
do mundo. De certa forma, tornaram-se tênues as linhas que demarcam nações, territórios, culturas e 
jurisdições. Vivemos todos em uma espécie de “aldeia global”. A Globalização não é, portanto, um 
fenômeno apenas da área da comunicação, mas mundial, das relações sociais, econômicas, culturais, 
religiosas, enfim, das relações humanas. 
Hall (2011) descreve que o processo de Globalização, ao interconectar as pessoas em diversas partes do 
mundo, cria um novo modelo de identidade, no qual se deve levar em conta não mais os modelos de uma 
sociedade organizada entre fronteiras, mas uma sociedade híbrida, multifacetada, transcultural em seus 
usos, costumes, tradições e concepções da realidade. Afirma Hall: “as identidades nacionais estão em 
declínio, mas novas identidades – híbridas estão tomando o seu lugar” (2011, p. 69). 
Na relação com a religiosidade, esse hibridismo retrata uma realidade muito presente em nosso país, 
o sincretismo religioso. Nele se constrói uma identidade religiosa híbrida, resultado da fusão ou 
interpenetração de diferentes religiões, seitas, filosofias, personagens, crenças e visões de mundo, numa 
mescla harmonizada de diferenças. Para Araújo, “o sincretismo ocorre quando dois ou mais sistemas 
religiosos se combinam, de modo que ambos deixam de existir como tais e produzem um sistema religioso 
original” (2008, p.930). 
A Umbanda, que combina elementos das religiões africanas, indígenas, kardecistas e também elementos 
do catolicismo popular é um claro exemplo de sincretismo. Além disso, indivíduos que alternam idas a 
missas ou cultos, frequentam esporadicamente centros espíritas, tomam passes em um terreiro, meditam 
num centro budista, fazem terapia de Reiki, consultam cartomantes etc, com idas e vindas nesses 
diferentes contextos, também demonstram uma atitude religiosa sincrética, fruto de uma globalização e 
indiferenciação religiosa, marcas da religiosidade brasileira. 
O próprio trânsito religioso, outra característica marcante de nossa religiosidade, demonstra a diluição 
gradativa de referências identitárias que vivemos na contemporaneidade. Isso é enfatizado pela socióloga 
da religião, Hervieu-Léger, que chama esse movimento de “religiosidade à la carte”, marcada pela 
mudança, fluidez e mobilidade de indivíduos entre as diversas opções religiosas existentes no seu contexto 
social. (HERVIEU-LÉGER, 2005, p. 28). Esse “trânsito” pode ser contínuo, implicando novas 
experimentações religiosas motivadas por curiosidade, modismos ou por necessidades pessoais, com a 
possibilidade de sucessivos retornos à religião de origem. Almeida e Montero acrescentam outra 
explicação para o trânsito religioso, relacionando-o com o processo de mercantilização dos bens de 
salvação pelas diferentes instituições, que oferecem cura, sucesso e prosperidade aos adeptos, numa 
espécie de “mercado religioso”. (2001, p.92). 
Diferentemente da Europa, onde o movimento de secularização é cada vez mais visível, com a religião 
perdendo sua força, poder e relevância, tanto para indivíduos quanto grupos, implicando a diminuição 
significativa do envolvimento religioso, no Brasil a força da religião ainda se faz muito presente na 
sociedade. Apesar das mudanças nas formas de expressão religiosa, ainda há forte influência da 
religiosidade na vida da maioria das pessoas. No Brasil, ainda consegue se encher estádios em cerimônias 
religiosas e cruzadas pela fé. Vamos ver esse paradoxo, a partir das imagens abaixo. 
 
Assista ao vídeo sobre a secularização crescente na Europa: templos religiosos se transformam em bares, 
livrarias e outros estabelecimentos comerciais. 
 
https://youtu.be/6kO1Rl9SGWs 
 
Já na relação com os Fundamentalismos, a Globalização introduz algumas questões para reflexão: é 
possível afirmar que a formação de uma identidade híbrida realmente está em processo na sociedade 
atual? Em pleno século XXI, pode-se afirmar que as diversas culturas, com seus princípios, com suas 
normas e valores, com suas tradições, com sua religiosidade, estão convivendo harmonicamente? O que 
dizer, então, das frequentes notícias que veiculam intolerâncias, preconceitos, radicalismos, seja em 
relação à etnicidade, a grupos minoritários, os indígenas, por exemplo, a gênero, ou mesmo em questões 
ligadas à religiosidade? 
As questões da intolerância e do preconceito estão ligadas essencialmente ao Fundamentalismo que, 
embora não seja algo novo, reaparece ou “globaliza-se” no século XXI. Pode-se afirmar que atitudes 
fundamentalistas muitas vezes têm corroborado práticas e atitudes discriminatórias para com aqueles que, 
por assim dizer, não se adequam a um padrão estabelecido pela sociedade ou por determinado grupo 
social. O teólogo Leonardo Boff assim conceitua o Fundamentalismo: 
 
Não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É assumir a letra das doutrinas e 
normas sem cuidar do seu espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da história, que obriga 
a contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter sua verdade essencial. O 
fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista. (BOFF, 
2002, p. 25) 
O Fundamentalismo, portanto, se caracteriza basicamente pela ideia de que existe apenas uma verdade, 
expressa na opinião do próprio fundamentalista, e que outras ideias não podem ser consideradas, 
respeitadas, sequer devendo existir (BOFF, 2002). Nesse sentido, precisamos admitir que os 
“fundamentalismos nossos de cada dia” estão muito mais perto de cada um de nós do que supomos. 
Convivemos e até compactuamos com posturas fundamentalistas em diferentes áreas da vida. A 
polarização crescente das discussões nas redes sociais, por exemplo, seja no campo das ideologias 
políticas, religiosas, morais, científicas e até futebolísticas revelamo quanto os indivíduos estão imersos na 
onda dos radicalismos e fundamentalismos na sociedade atual, marcados pela intolerância e agressividade 
das relações cotidianas. 
Num olhar histórico-social, identificamos exemplos clássicos de fundamentalismo. Na Idade Média, os 
tribunais da Santa Inquisição assumiram posições radicais, condenando todos os que se posicionavam 
contra os preceitos da Igreja. Também ideologias políticas como o Fascismo e Nazismo são reputadas como 
exemplos de fundamentalismos, com efeitos nocivos à sociedade. 
O Nazismo de Adolf Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, ao afirmar a existência de uma “raça 
superior” às demais, e a necessidade de extermínio das ditas “raças inferiores”, numa posição de 
eugenismo extremo, fez a humanidade presenciar os horrores dos campos de concentração, onde milhares 
de judeus e outros grupos minoritários foram exterminados pelos nazistas. De forma mais recente, o 
atentado do grupo fundamentalista islâmico al-Qaeda em 11 de setembro de 2001, às Torres Gêmeas 
do World Trade Center, matando cerca de três mil pessoas, mostra a relação entre o fundamentalismo e a 
violência. 
Como vai dizer Odalia, muitas vezes, atitudes violentas são justificadas sob o argumento do “pensar 
diferente”. O uso da violência se torna algo corriqueiro, banal, assumindo contornos de normalidade ao 
dizer que “o ato violento se insinua [...] como um ato natural cuja essência passa desapercebida” (ODALIA, 
2004, p. 23). 
Com relação ao fundamentalismo religioso, nele os indivíduos e grupos se apresentam como únicos 
detentores da verdade, não permitindo outras compreensões do Sagrado e do Divino que não seja aquela 
considerada pelo fiel. Esse pensamento pode levar à discriminação, à intolerância, ao desrespeito ao 
semelhante e, em muitos casos, até mesmo a atos de violência, como já aconteceu no cenário social e 
religioso brasileiro. 
É óbvio e claro que cada ser humano pode e deve eleger as suas ideias a respeito do Divino e do 
Transcendental. O que está em discussão é o respeito à diversidade de pensamento, seja ele religioso, 
ideológico ou moral. 
Aqui se mostra a importância de conhecermos o conceito de tolerância, tal como propugnado por Gaarder: 
 
Tolerância, ou seja, respeito pelas pessoas que têm pontos de vista diferentes do nosso, é uma palavra-
chave no estudo das religiões. Não significa, necessariamente, o desaparecimento das diferenças e das 
contradições. [...] Uma atitude tolerante pode perfeitamente coexistir com uma sólida fé e com a tentativa 
de converter os outros. Porém, a tolerância não é compatível com atitudes como zombar das opiniões 
alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda, mas 
exige que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros. (GAARDER, 2004, p. 14-5) 
 
Assista ao vídeo de Karen Armstrong sobre a intolerância e fundamentalismo religioso. 
 
https://youtu.be/SJMm4RAwVLo 
Cabe ao ser humano, no respeito ao seu semelhante, perceber as diversas religiões e culturas existentes, 
compreender as diversas formas de religiosidade e de pensamento numa sociedade plural e caminhar para 
uma convivência ética, onde possa dar testemunho do que crê sem desrespeitar quem pensa diferente. 
Passamos agora a uma outra questão contemporânea, que também está vinculada à promoção de uma 
cultura de paz e de resgate de relacionamentos mais saudáveis: o tema da culpa e perdão. 
 
 
Culpa e perdão: uma questão existencial 
Numa reportagem de capa da revista Veja (2002), intitulada "Culpa: por que esse sentimento se tornou um 
dos tormentos da vida moderna" a revista aborda um tema de grande relevância, não só para o campo da 
religião mas para toda vida relacional: o sentimento de culpa. A reportagem procura apontar para "as 
culpas cotidianas de cada um", que parecem não ser uma questão de escolha pessoal, mas sim uma 
realidade inexorável aos indivíduos que vivem na sociedade moderna: competição no emprego, optar por 
filhos ou carreira, o desempenho sexual, comer demais, a ditadura da beleza, o insucesso financeiro são 
apenas algumas dentre as diversas culpas listadas. 
Poderíamos perguntar se é possível um sujeito saudável psiquicamente olhar para o seu passado e dizer 
que nunca sentiu algum tipo de culpa. Estudiosos do comportamento humano confirmam que a ausência 
completa de culpa é um dos indicativos para um possível diagnóstico de psicopatia e sociopatia. Visto sob 
esse ângulo, a culpa parece fazer parte da dimensão humana, sendo uma questão inclusive civilizatória, 
que nos permite viver em coletividade, abarcando a dimensão da alteridade, ou seja, a capacidade de nos 
colocar no lugar do outro na relação interpessoal. 
O fato de ser universal não tira da culpa o seu caráter pessoal, particular e subjetivo. Há elementos 
familiares, religiosos, sociais e culturais na sua constituição, ou seja, o que para determinados indivíduos, 
grupos, sociedades ou culturas poderia ser considerado um ato culposo, para outros poderá ser um 
costume normal ou uma prática natural. 
Com relação às fontes da culpa, ela pode ser de origem interna ou externa. As culpas externas são 
atribuídas ou impostas aos indivíduos pelos costumes, tradições, regras e leis dos mais diferentes âmbitos: 
civis, religiosos, sociais, profissionais e mesmo pessoais. Quando uma regra ou lei é violada, o transgressor 
se torna culpado perante ela, mesmo que ele não se sinta culpado internamente, o que denominamos 
de culpa objetiva (COLLINS, 2004, p.158). Já a culpa subjetiva é o sentimento pouco confortável de pesar, 
remorso, vergonha e autocondenação que surge, com frequência, quando fazemos e pensamos algo que 
sentimos estar errado, ou quando deixamos de fazer algo que julgamos que deveria ter sido feito (2004, p. 
158). 
A culpa subjetiva, portanto, está intimamente associada aos sentimentos humanos, no sentido de provocar 
algum tipo de sofrimento psíquico, remetendo-nos à segunda fonte da culpa, essa de caráter interno: a 
nossa própria consciência. É possível afirmar que o ser humano é dotado de uma capacidade inata, uma 
voz interior que lhe dá uma intuição íntima e pessoal do que é certo ou errado. O curioso é que a culpa 
subjetiva pode brotar no indivíduo mesmo quando não há uma culpa objetiva ou exterior imposta a ele, ou 
seja, posso me sentir culpado por algo que objetivamente não foi provocado por mim (exemplo: a culpa de 
ter sido o único sobrevivente de uma tragédia ou acidente). 
Isso nos leva a uma outra reflexão. Afinal, o sentimento de culpa é um aspecto positivo ou negativo na vida 
das pessoas e da própria sociedade? 
Por mais paradoxal que possa parecer, a culpa pode cumprir funções positivas e construtivas para a vida 
relacional. Ela nos auxilia na prevenção de atos ilícitos ou prejudiciais, pois antes mesmo de violar uma 
regra a culpa antecipatória já pode se fazer presente no indivíduo. Uma segunda função é o ato 
da reflexão, pois após cometer um ato que a sua consciência apontou como má, a culpa surge e pode levar 
o indivíduo a uma autoanálise crítica das suas próprias ações. A reparação, no sentido de pedir perdão e 
restituir concretamente a quem lesamos também é um aspecto positivo da culpa. Por último, a culpa pode 
levar o indivíduo a não mais cometer um ato que sua consciência julgou ilícito e o fez sofrer, gerando 
uma mudança positiva de comportamento. 
Olhando para as funções positivas elencadas, pode-se afirmar que um indivíduo que não sinta nenhuma 
culpa diante de algumas atitudes e decisões pessoais, pode tornar-se uma ameaça para si e para a 
sociedade. A ausência da culpa, que parece indicar a inoperância da consciência moral, faz com que o 
indivíduo perca a noção dos limites e da liberdade do outro, tornando-o um indivíduo "perigoso" 
socialmente. 
Quanto aos aspectos negativos da culpa, esses são mais fáceis de serem percebidos. A culpa pode cobrar 
um alto preço do indivíduo, como provocar crises de ansiedade, angústia, preocupação, insônia,mau 
humor, baixa autoestima, melancolia, depressão e, inclusive, levar um indivíduo a cometer o suicídio. 
Doenças como úlceras, gastrites, impotência, frigidez, enxaquecas, entre outras, também podem ter um 
forte componente emocional ligado às culpas individuais. Culpas reprimidas e não resolvidas se tornam, 
potencialmente, sintomas neuróticos. A culpa também pode ser utilizada negativamente como forma de 
manipular e chantagear pessoas. Relacionamentos pautados sobre o sentimento de culpa são nocivos, pois 
geram sentimentos como pena, comiseração, rancor, indiferença, criando um ambiente não saudável e de 
sofrimento aos envolvidos. 
 
 
Infográfico 
Um outro elemento que merece destaque nesse assunto que estamos tratando é a relação existente entre 
a culpa e pagamento. Para o psiquiatra suíço Paul Tournier, a culpa traz como consequência quase 
inevitável uma ideia de pagamento, como se houvesse uma atitude psicológica enraizada no coração 
humano que nos diz que "Tudo deve ser pago". (1985, p.200). 
Esse sentimento de dívida constante está presente em muitos atos religiosos. Como diz Tournier (1985, p. 
201), basta lembrar as multidões inumeráveis de fiéis hindus que mergulham nas águas do rio Ganges a fim 
de serem lavados de suas culpas e até nas ofertas votivas e no ouro que cobrem as estátuas de Buda. 
Igualmente, são inúmeros os penitentes e peregrinos de todas as religiões que impõem a si mesmos 
sacrifícios, práticas ascéticas (privar-se de qualquer forma de prazer) ou duras jornadas como formas de 
pagamento, seja por culpas cometidas ou até por graças alcançadas. Tais pessoas parecem ter uma 
necessidade interna de pagar, de expiar as suas culpas. 
Porém, essa ideia de pagamento não fica circunscrita ao mundo religioso. O ser humano também busca 
pagar suas culpas do cotidiano. Uma falha leve com a namorada, por exemplo, pode ser paga com um 
buquê de flores e um convite para jantar. Um castigo imposto injustamente a um filho pode ser 
compensado com um presente; e assim por diante. 
A típica frase "Essa ele me paga!", muitas vezes repetida por nós em inúmeros e variados contextos e 
situações, expressa o que estamos aqui afirmando. Todas as faltas, erros, delitos e pecados parecem exigir 
um pagamento, cujo preço geralmente será proporcional ao tamanho do erro. Na prática da confissão 
católica, por exemplo, a penitência que é atribuída pelo sacerdote ao fiel normalmente será proporcional à 
gravidade do seu pecado. 
Os pagamentos podem ser, inclusive, inconscientes. A psicanálise afirma que muitas doenças nervosas e 
físicas, e até mesmo acidentes, bem como frustrações na vida profissional, podem ser tentativas de 
expiação da culpa que é totalmente inconsciente. Seriam formas de punição que o sofredor administra a si 
mesmo e continua repetindo indefinidamente como uma espécie de fatalidade inexorável (TOURNIER, 
1985, p. 201). 
 
 
Culpa e religião 
Já vimos que muitas religiões também têm na culpa um de seus aspectos fundantes sendo, por vezes, até 
utilizada como instrumento de domínio das igrejas sobre os fiéis. Como diz Tournier (1985, p. 202), para 
apagar o passado de culpas e pecados, uma expiação (pagamento) deve ser feita, sendo esse o sentido de 
quase todos os ritos e sacrifícios praticados nas diferentes religiões. Espera-se que eles garantam a 
libertação da culpa descartando o débito que deu origem a ela. 
Isso pode ser percebido desde as práticas primitivas de aplacar a ira dos deuses por oferendas e sacrifícios, 
quando acreditava-se que alguém havia cometido um delito grave contra os deuses. Nas religiões orientais 
o conceito da transmigração das almas e da lei do carma trazem implícita a ideia de que para evoluir 
espiritualmente o indivíduo precisa “pagar” as suas faltas através de ações positivas, negação de 
determinadas práticas ou realização de diferentes rituais. 
Em religiões espiritualistas, afro-brasileiras e mesmo em muitas denominações cristãs, também está 
presente o conceito da teologia retributiva, ou seja, de que dificuldades, doenças, sofrimentos e tragédias 
seriam uma forma de pagamento por erros, más ações ou pecados cometidos, doutrina também conhecida 
como “lei do retorno”. 
Por um longo tempo, o cristianismo também se estruturou sobre a prática do pagamento por culpas e 
pecados cometidos. Na Idade Média, era comum a venda de indulgências, que nada mais eram do que 
uma compra do perdão e da salvação eternas. Além disso, havia a veneração de relíquias sagradas, 
encomendas de missas pagas, realização de votos e promessas, práticas de autoflagelo, tudo como forma 
de expiar as suas culpas, pagar as dívidas com Deus e ganhar algum mérito pessoal diante Dele. 
Não é essa proposta, porém, que um cristianismo comprometido com os evangelhos bíblicos e com o 
ensino e obra de Jesus Cristo oferece aos seres humanos. A igreja cristã tem o compromisso de proclamar 
a salvação, a graça e o perdão de Deus à humanidade oprimida pela culpa: a salvação conquistada em 
Cristo, por Cristo e através de Cristo. Essa salvação não tem preço, não pode ser comprada por ninguém, 
até porque, para o cristianismo, sacrifícios expiatórios ou esforço moral não são suficientes para pagar a 
dívida com Deus. Na realidade, o cristão não precisa pagar nada, pois Cristo já pagou em seu lugar. Como 
lembra Tournier: 
 
[...] é Deus mesmo quem paga, Deus mesmo pagou o preço de uma vez por todas, o preço mais caro que 
ele poderia pagar: a sua própria morte, em Jesus Cristo, na cruz. A obliteração (destruição/eliminação) de 
nossa culpa é livre para nós porque Deus pagou o preço. Jesus Cristo veio "para salvar o que estava 
perdido" (Mt 18:11). (TOURNIER, 1985, p. 212-3) 
 
Em síntese, a libertação total da culpa, a salvação, não é mais uma ideia remota de perfeição para sempre 
inacessível; mas passa a ser personificada numa pessoa - Jesus Cristo - que veio como presente de amor e 
misericórdia dado por Deus à humanidade. (TOURNIER, 1985, p. 214). Essa é uma possibilidade que, 
racionalmente, é vista como “loucura para aqueles que não creem”, tal como diz o apóstolo Paulo em 1 
Coríntios 1.18. 
 
 
O perdão como ato libertador 
O grande ápice do nosso capítulo é a palavra "perdão". De nada adianta falar de culpas se não abrimos a 
possibilidade de refletir sobre o perdão. Numa dimensão humana, das relações interpessoais, poderíamos 
afirmar que o perdão é uma das mais importantes ferramentas terapêuticas existentes nesta vida. 
Numa sociedade cada vez mais pautada pela violência, intolerância, orgulho e individualismo, a arte de 
perdoar se torna um dos grandes desafios humanos, a ponto de esse ser um dos pedidos que Jesus inseriu 
na oração do Pai Nosso, ensinando aos seus discípulos: “[...] perdoa as nossas dívidas (ofensas), assim 
como nós perdoamos aos nossos devedores (a quem nos tem ofendido)” (Mateus 6.12). Jesus ensina e 
encarna o perdão, intercedendo até mesmo em favor daqueles que o açoitaram, crucificaram e o 
conduziram à morte, dizendo: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23.34). 
O psicólogo americano Dr. Frederic Luskin, autor do livro O poder do perdão, criador do Projeto do Perdão 
da Universidade de Stanford, faz uma relação entre o bem-estar trazido pelo perdão e a saúde do ser 
humano. Luskin afirma que guardar ressentimentos, culpar os outros ou apegar-se às mágoas estimulam o 
organismo a liberar na corrente sanguínea as mesmas substâncias químicas associadas ao stress, que 
prejudicam o corpo. Outro estudo de Luskin indicou que as pessoas mais inclinadas ao perdão sofriam 
menos enfermidades e tinham menos doenças crônicas diagnosticadas (TARANTINO, 2003). 
Portanto, perdoar e pedir perdão são ações promotoras da saúde, na dimensão emocional, física e 
espiritual. Sabemos, porém, que isso não é fácil. Mais do que ações, o ato de perdoar e pedir perdão 
acabam sendo um longo processo que precisa ser buscado e aprimorado em nossa vida. Numa perspectiva 
psicológica, o perdão sempre acontece no interior do indivíduo,sendo uma decisão íntima e pessoal. Por 
isso é que perdoar e reconciliar são conceitos diferentes. O perdoar é uma relação consigo mesmo, já o 
reconciliar envolve a relação com o outro, que nos feriu. Podemos perdoar mesmo quando não houver 
reconciliação, até porque, por vezes, ela é impossível de ser efetivada concretamente. 
Porém, quem não consegue perdoar acaba por fazer um pacto com o agressor, no qual só vai aumentar 
sua própria dor e sofrimento, ficando prisioneiro dela. Por isso é que se diz que perdoar é libertar-se, pois 
quem perdoa rompe os laços com o mal feito a si, eliminando o poder e domínio daquele que cometeu a 
ofensa. 
Já numa perspectiva religiosa cristã, o primeiro passo para aprendermos a perdoar e a recebermos o 
perdão é confiar que as nossas culpas e os nossos erros já foram todos pagos por Deus através da morte de 
Jesus Cristo. 
O reconhecimento dos nossos erros, que leve a um verdadeiro e sincero arrependimento, que nos motive 
a viver de forma correta e a ter uma disposição interna constante em perdoar aos outros, num 
compartilhamento mútuo e recíproco do perdão que nos é oferecido por Deus em Cristo Jesus, é aquilo 
que o próprio Jesus ensina nos evangelhos. Nada mais de auto sacrifícios, penitências ou sofrimentos auto 
impingidos. 
Culpa e perdão! Questões existenciais que permanecerão atuando, afligindo e ressoando nos corações 
humanos enquanto o indivíduo viver, mas cuja resolução está mais próxima do nosso alcance do que 
podemos imaginar. Dentre tantas possibilidades, na visão cristã, a resposta está na pessoa que se tornou a 
encarnação viva do amor, da paz, do consolo e do perdão, chamada Jesus Cristo. Crer e apoderar-se desse 
perdão é a ferramenta terapêutica por excelência, fonte de vida e alegria, da qual todos, sem exceção, 
podem fazer uso. 
 
 
 
Referências 
ARAÚJO, João Dias. Sincretismo. In: Dicionário Brasileiro de Teologia. (Fernando Bortolleto Filho – Org.). 
São Paulo, ASTE, 2008, p.930-1. 
BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 
2002. 
COLLINS, Gary R. Aconselhamento cristão. Edição Século 21. São Paulo: Vida Nova, 2004. 
GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das 
Letras, 2000. 
HERVIEU-LÉGER, D. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Lisboa: Gradiva, 2005. 
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. 
ODALIA, Nilo. O que é violência? 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. 
TARANTINO, Mônica. Perdoar é humano. Revista Isto É, 8 de janeiro de 2003, edição n.1736. 
TOURNIER, Paul. Culpa e graça: uma análise do sentimento de culpa e o ensino do evangelho. São Paulo: 
ABU, 1985. 
 
 
Créditos 
Produzido por Núcleo de Audiovisual e Tecnologias Educacionais (NATE) - ULBRA EADUniversidade 
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