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141 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Unidade IV 7 AMÉRICAS NO PÓS‑SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A articulação das relações contemporâneas nas Américas passa, necessariamente, pelos fatores que provocaram a emergência do neoliberalismo. O período da Guerra Fria, para além das grandes tensões militares envolvendo sérias ameaças de eclosão de hecatombes nucleares em razão de possíveis enfrentamentos diretos entre as superportências – Estados Unidos e União Soviética – foi, também, repleto de discussões relativas ao papel dos indivíduos em suas sociedades, dos países em relação aos vizinhos – relações internacionais – de economia e de cultura. Isso para mencionar os aspectos mais evidentes uma vez que a liderança norte‑americana no ocidente fez com que esses debates ganhassem força e, assim, alinhar‑se era deixar de lado algumas demandas sócio‑políticas e econômicas, o que tinha custo político e econômico. Durante as décadas de 1950 e 1960, uma das grandes discussões na política internacional era a questão da necessidade da construção de blocos econômicos e a América Latina não ficou alheia ao processo de construção de alianças visando a integração econômica. Segundo Arruda, a partir de 1955 cresceu intensamente o endividamento dos países do continente junto aos países desenvolvidos. A inflação tornou‑se galopante em muitos países, pois a emissão era o meio pelo qual se procurava cobrir o déficit deixado pela balança comercial e pelas despesas orçamentárias (ARRUDA, 2004, p. 569). Muito mais dinheiro é colocado em circulação e isso provoca inflação com os gastos na compra de produtos supérfluos que atendiam a demandas de consumo novas, incentivadas no pós Segunda Guerra representando uma “americanização” de costumes. No Brasil, o governo do Gal. Dutra (1946‑1951) representou uma guinada em direção ao modelo norte‑americano de consumo e as reservas acumuladas foram gastas com importações de bens dos Estados Unidos – tamanha foi a crise que se tornou necessário o planejamento e ação do governo para solucionar a questão, sendo que esse esforço levou a formação da Missão Abbink e da Comissão Mista Brasil‑Estados Unidos. 142 Unidade IV Saiba mais Para saber mais sobre a Missão Abbink, leia: RIBEIRO, T. R. M. Das missões à Comissão: ideologia e projeto desenvolvimentista nos trabalhos da “Missão Abbink” (1948) e da Comissão Mista Brasil‑Estados Unidos (1951‑1953). Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: http://www.historia.uff. br/stricto/td/1643.pdf. Acesso em: 15 jun. 2015. 7.1 Estados Unidos e os anos 1960 e 1970: a emergência das reivindicações sociais e políticas Os Estados Unidos assistiram ao surgimento de uma nova esquerda, e a explosão da juventude na vida pública com manifestações de contestação e rebeldias em torno da liberdade de dispor do corpo como bem entendesse com a busca da liberdade sexual e a contracultura assustaram alguns dos setores mais conservadores e até mesmo retrógrados dos Estados Unidos, e a reação não demoraria a se articular. Segundo Karnal (2007). historiadores chamam os anos 1960 de a “longa década”, pois muito da mudança social e cultural dessa década foi sentida ao longo dos anos 1970. Fazendo campanhas, em 1968 e 1972, para restaurar a “lei e a ordem”, o presidente Nixon, não obstante continuou algumas das iniciativas liberais que tinham marcado os governos Kennedy e Johnson. Nixon e seu sucessor, Gerald Ford, queriam acabar com as heranças do New Deal [...] a Suprema Corte acelerou a expansão das noções de igualdade, cidadania e proteção da liberdade individual iniciada na década de 1950. A retirada das últimas tropas americanas do Vietnã e a renúncia do presidente Nixon, por abuso de poder em 1974, marcaram o ápice da “crise de autoridade” nos Estados Unidos (KARNAL, 2007, p. 253). Apesar da constante menção aos avanços nas liberdades individuais e sociais – condição essencial para a construção de sociedades realmente democráticas, vale lembrar que Nixon renunciou em agosto de 1974, em função do escândalo do Watergate surgido durante um ano de disputa eleitoral contra George McGovern vencida por Nixon. Além das instabilidades políticas, economicamente a crise se instaurava com o choque do petróleo desde 1973, causado pela súbita alta dos preços internacionais por determinação dos países árabes produtores com represália ao apoio ocidental e norte‑americano à Israel. Os EUA começaram então a enfrentar inflação e a cada ano, entre 1973 e 1981, a renda dos trabalhares diminui 2% e o poder aquisitivo em geral baixou ao nível de 1961, segundo Karnal (2007). 143 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Saiba mais Para desenvolver um olhar amplo sobre o momento histórico e a realidade econômica dos Estados Unidos, recomendamos: MARINHO, H. A. M. P. Estados Unidos: o contexto dos anos 1970 e as crises do petróleo. Revista Eletrônica História em Reflexão, Dourados, v. 4 n. 7, jan/jun 2010. Disponível em: http://www.periodicos.ufgd.edu.br/ index.php/historiaemreflexao/article/viewFile/753/469. Acesso em: 15 jun. 2015. Como resposta à rápida “deteriorização” do quadro político e econômico, ocorre uma espécie de “contra‑ofensiva conservadora” e que deveria portar‑se como uma nova direita. Karnal (2007) adverte ainda que a partir das crises do petróleo os grupos defensores da economia livre cresceram e passaram a ter a força necessária para pressionar o governo. Esse grupo era favorável à retomada de políticas mais agressivas em relação a outros países na defesa dos interesses colocados como sendo norte‑americanos. Setores da grande mídia eram controlados por esse grupo que passava então a fazer propaganda do modo de vida americano, que novamente se identificava com um modelo de liberdade que pregava um certo tipo de liberdade. “Liberdade veio a ser redefinida como nos anos 1920 e 1950: o direito de o capitalismo norte‑americano florescer livremente” (KARNAL, 2007, p. 253). Dessa maneira, foi num contexto de reestruturação interna que o país passa a adotar práticas neoliberais, uma vez que salários eram reduzidos e o desemprego eram “aceitos” como métodos de saneamento das grandes corporações para assegurar a manutenção de sua rentabilidade, quase que ignorando as enormes consequências sociais do processo. A grande ofensiva dessa “nova direita” se articulou como uma resposta às importantes mudanças sociais pelas quais passava a sociedade norte‑americana durante a década de 1960 e as pressões existentes ainda nos primeiros anos da década de 1970. A discussão a respeito dos direitos civis para os negros com o Poder Negro (Black Power) e Panteras Negras colocava à mostra as desigualdades e violentas exclusões que existiam no interior da sociedade que se colocava para as outras nações do mundo com a terra da defesa da liberdade e igualdade. Os imigrantes hispânicos e seus descendentes também estavam as discussões no dia a dia – o que para alguns autores seria a defesa dos direitos dos “chicanos” (JENKINS, 2012) e havia, ainda, demandas de populações indígenas. O Poder vermelho assumiu o renascimento do movimento índio americano, que levou a cabo protestos espetaculares e confrontos com forças federais. Estes culminaram na ocupação de vários lugares em Wounded Knee, local do massacre brutal de 1890 que constituiu o fim simbólico dos conflitos militares da fronteira do século anterior. Além dos movimento étnicos, aquilo que pode ser descrito como ‘68ismo’ manifestou‑se também no Movimento das Mulheres, que fez renascer o feminismo, responsável por 144 Unidade IV uma das linhas sociais mais importantes da América nos finais do século XX. O movimento teve origem a meio da década, com a publicação de obras como Feminine Mystique (1963), de Betty Friedan, e a formação da National Organization for Women (NOW); e a ideia explodiu na atmosfera política de 1968 [...] o descontentamentoem relação aos conceitos tradicionais de gênero e sexualidade levaram à criação do movimento pelo direitos dos homossexuais [...] o momento crucial deste movimento ocorreu com a revolta no bar Stonewall de Nova Iorque, em 1969, quando os manifestantes homossexuais resistiram a um sistema já antigo de assédio policial (JENKINS, 2012, p. 239‑240). Essas observações nos permitem ver uma sociedade complexa e cindida, questionada por seus próprios membros e distante do paraíso da liberdade e democracia que surgia como propaganda no exterior. Um novo e poderoso grupo de reivindicações tornou‑se extremamente relevante e acabou por tornar‑se uma forma de inclusão política via um ativismo político para além das velhas bandeiras que, aparentemente, estariam desgastadas. O ambientalismo, assim, tornou‑se um movimento de grande relevância e outra grande polêmica era a manutenção da Guerra do Vietnã. 7.2 Estados Unidos e o avanço do conservadorismo Nos Estados Unidos, as mudanças culturais, o aumento populacional, os problemas sociais internos com os questionamentos em relação ao papel dos poderes de Estado provocaram receios no setores menos progressistas e estes passaram à uma contra‑ofensiva articulada com a finalidade de se manter no poder e “salvar” os valores da sociedade americana que consideravam mais “verdadeiros”. A partir de finais dos anos 1970, os conservadores [...] encontraram uma causa comum no movimento contra o aborto e na luta para evitar que os estados e cidades adotassem medidas sobre os direitos de homossexuais e passassem a incluí‑los nos direitos civis. Igualmente crítica foi a campanha contra a proposta da Emenda sobre a Igualdade de Direitos (ERA) à Constituição dos Estados Unidos, que proibia a discriminação sexual. A emenda foi reprovada pelo Congresso [...] a campanha galvanizou o movimento feminista: em 1978, 100.000 pessoas marcharam em Washington para apoiar a medida (JENKINS, 2012, p. 249). Nesse cenário, a direita, com o Partido Republicano, indicou às eleições presidenciais Ronald Regan, ex‑artista de televisão e cinema de filmes de “segunda linha” que ganhara notoriedade recente com um posicionamento de extrema direita sendo seu vice George H. W. Bush, que depois se tornou presidente – nos meios jornalísticos ele passou a ser Bush “pai”, já que seu filho foi outro presidente. Percebe‑se aqui uma “linhagem” na política federal com um discurso político utilizando Deus, Nação, Bandeira e Família – o que nos dá a medida de suas convicções e posicionamento político inequivocamente à direita. 145 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA 7.3 As Eras Reagan e Bush: a consolidação do discurso neoliberal A vitória de Ronald Wilson Reagan nas eleições presidenciais norte‑americanas em 1980 o transformou no 40º presidente do país e seus mandatos se estenderam de 20 de janeiro de 1981 a 20 de janeiro de 1989, uma vez que foi reeleito. Reagan estava muito ligado à sua imagem pública construída em grandes veículos midiáticos como rádio e cinema – no qual apareceu em mais de 50 filmes – e também às posições cada vez mais conservadoras e de direita quando atuou no sindicato dos artistas norte‑americanos. Vale lembrar que a Guerra Fria ainda não havia terminado e o discurso anticomunista agregava votos e arregimentava intenções. Nos finais da década de 1970 e no princípio do governo Reagan, o discurso contra o “império do mal” fazia enorme sucesso junto ao de combate aos comunistas, ajudando na afirmação do liberalismo econômico. Exagerando a situação encarada em 1981, descreveu a inflação e o desemprego da época como “terror” a serem combatidos por sua administração e que justificariam suas medidas anti‑New Deal: corte de gastos e de impostos, política monetária restritiva e diminuição da regulamentação estatal. [...] uma verdadeira revolução nas relações entre economia e governo, com o estabelecimento do Estado mínimo (MELLO FILHO, 2010, p.11). E ainda na dissertação de Mello Filho, mas citando outro autor, vem o esclarecimento, Por detrás da euforia do corte de impostos [...] estava [...] o Estado mínimo – uma criatura magra e pão‑duro, que oferecia justiça pública imparcial, mas não mais. Sua visão de boa sociedade repousava na força e potencial produtivo dos homens livres nos mercados livres (STOCKMAN, 1986, p. 8 apud MELLO FILHO, 2010, p. 11) E retomando diretamente Mello Filho, Observaremos, na retórica do presidente, a defesa de princípios de livre mercado e de diminuição do papel do Estado na economia. A essas ideologias, princípios teóricos e práticas que argumentam a ineficiência da ação governamental na economia e promovem ordenações econômicas com menor intervenção estatal, chama‑se neoliberalismo (MELLO FILHO, 2010, p. 11). Assim com um discurso que utilizava uma retórica liberal, os sentidos são modificados e, ao invés da defesa de direitos sociais com a ampliação de liberdades, o que ocorre é um combate ao papel do Estado promotor de bem‑estar social. Se o nascimento neoliberalismo ocorreu antes da Era Reagan, foi em seu governo internacionalmente ligado à Inglaterra governada por Thatcher que se transformou em prática e em política de Estado. Normalmente identifica‑se o surgimento do neoliberalismo com a criação da Mont Pelerin Society, nome do spa suíço em que um grupo, congregado 146 Unidade IV em torno da figura de Friedrich von Hayek, se reuniu pela primeira vez em 1947 para defender tais tipos de ideias. Entre os membros dessa sociedade, estavam Ludwig von Misses, Milton Friedman e, por algum tempo, Karl Popper [...]. Em sua declaração de fundação o grupo defendia que: Os valores centrais da civilização se acham em perigo. Em grandes extensões da superfície da Terra, as condições essenciais da dignidade e da liberdade humanas já desapareceram. Noutras, acham‑se sob a constante ameaça do desenvolvimento das atuais tendências políticas [...] sustenta [...] que esses desenvolvimentos vêm sendo promovidos por um declínio da crença na propriedade privada e no mercado competitivo; porque, sem o poder e a iniciativa difusos associados a essas instituições, torna‑se difícil imaginar uma sociedade em que se possa efetivamente preservar a liberdade (DECLARAÇÃO DA FUNDAÇÃO DA MONT PELERIN SOCIETY, 1947, apud HARVEY, 2008, p. 29). Mello Filho (2010) observa que essas ideias ficaram um pouco em desuso durante as décadas de 1950 e 1960, mas seu retorno foi premiado pela Academia Sueca com o Nobel de Economia em 1974 para von Hayek e em 1976 para Milton Friedman. O neoliberalismo associa propriedade privada e mercado competitivo a liberdade em geral. [...] esse é o cerne do pensamento econômico de Ronald Reagan. Porém [...] nunca houve, na história da humanidade, uma sociedade unicamente organizada em torno da liberdade de mercado. Nesse sentido, o neoliberalismo não passa de uma utopia ou, na pior das hipóteses, de uma visão de mundo construída apenas para a restauração do poder econômico e de classe das elites enfraquecidas pelo liberalismo americano do pós‑Guerra (PALLEY, 2005, p. 21‑3 apud MELLO FILHO, 2010, p. 13). O governo Reagan promoveu ajustes no sentido da redução dos gastos orçamentários com assistência social e, no plano externo, gerou uma escalada das ações dos Estados Unidos com forças oficiais ou mesmo clandestinas, da CIA, atuando em diversas partes do globo no combate ao poder dos soviéticos e de seus aliados. O orçamento do Departamento de Defesa dos Estados Unidos aumentou de 136 mil milhões de dólares em 1980 para 244 mil milhões em 1985 [...] durante a presidência de Reagan, as restrições anteriores foram abandonadas e défices anuais da ordem de 200 mil milhões de dólares eram comuns no anos 1980, o que equivalia a cerca de 5% ou 6% do PIB (JENKINS, 2012, p. 251). O militarismo ressurgia como a defesa dos valores americanos indo além da propaganda e discursos inflamados. Os Estados Unidos desenvolveram uma série de mísseis de médio alcance (Pershing e Cruise)e eles foram posicionados na Europa em países aliados, contra a União Soviética em 1983. O risco de um armagedon, de uma hecatombe nuclear provocada por um 147 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA ataque mútuo que levaria ao fim da civilização provocou manifestações pacifistas na Inglaterra e na Alemanha e também provocou mudanças no imaginário norte‑americano uma vez que as pessoas passaram a construir abrigos antinucleares e a estocar mantimentos ou ainda, diversos filmes eram produzidos pela mais significativa máquina de propaganda norte‑americana – Hollywood – em que essa temática surgia. O mundo pós guerra nuclear amedrontava e isso era reforçado pelo cinema. Saiba mais Como forma de perceber o universo cultural em torno do medo de um armagedom nuclear, recomendamos os filmes de ficção: O DIA Seguinte. Dir.: Nicholas Meyer. 1983, 127min. MAD Max. Dir.: George Miller. Austrália: 1979, 93 min. E suas continuações: MAD Max 2: A caçada continua. Dir. George Miller. Austrália: 1981, 95 min. MAD Max 3: Além da cúpula do trovão. Dir. George Miller. Austrália: 1985, 105 min. Reagan promovia grandes gastos com a indústria bélica e a desregulamentação dos mercados financeiros – com o neoliberalismo e a globalização – e a desvalorização do sindicalismo com a diminuição de restrições às indústrias. Dentro desse quadro aparentemente próspero e sedutor como modelo a ser imitado, associando‑se ao enorme desenvolvimento do mundo da informática e, portanto, digital com grandes corporações se estruturando na década de 1980, havia um problema grave de desindustrialização e a taxa de desemprego oficial passou de 6% em 1978‑9 para quase 10% em 1982‑3, conforme indica Jenkins (2012). Para se entender toda a dinâmica dos Estados Unidos articulada com as relações internacionais e com a expansão de determinadas práticas financeiras, é importante observar as adesões ao pensamento neoliberal, como ele foi construído enquanto discurso e prática. Um dos aspectos da análise de Harvey, inspirado em Gramsci, sobre o neoliberalismo é a capacidade que o neoliberalismo tem de mobilizar ideias presentes em diversas sociedades e fazer que sua mensagem faça parte do senso comum. “Nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato conceitual que mobilize nossas sensações e nossos instintos, nossos valores e nossos desejos, assim como as possibilidades inerentes ao mundo social que habitamos. Se bem‑sucedido, esse aparato 148 Unidade IV conceitual se incorpora a tal ponto ao senso comum que passa a ser tido por certo e livre de questionamento” (HARVEY, 2008, p. 15 apud MELLO FILHO, 2010, p. 48‑9). E continua, Ao longo dos anos 1970, espalhou‑se a concepção de que a presença do Estado na economia seria prejudicial ao funcionamento da mesma. A mídia, os think thanks e universidades foram alguns dos elementos primordiais na elaboração e propagação de tal visão de mundo. A década de 1970 assistiu [...] a uma maior unificação das corporações capitalistas formando uma poderosa correlação de forças. [...] Propagandeiam as noções de liberdade individual e de nivelamento do funcionamento do mercado com a diminuição da interferência governamental mas, na verdade, estão propondo um tipo de comportamento do Estado que favorece mais a grupos específicos da sociedade sob o pretexto de que esse tipo de governo seria mais benéfico para a sociedade como um todo. [...] Gramsci já havia observado esse importante aspecto da hegemonia: O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que se leve em conta interesses e grupos sobre os quais a hegemonia se exerce, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômica corporatista; mas é evidente que tais sacrifícios e tal compromisso não podem dizer respeito ao essencial (GLUCKSMANN, 1990, p. 100 apud MELLO FILHO, 2010, p.48‑9). A partir dessa observação percebe‑se que no neoliberalismo não é possível eliminar completamente o Estado de Bem‑Estar criado anteriormente pois as enormes tensões sociais criadas aí seriam insuportáveis e poderiam, inclusive, explodir em conflitos sociais e étnicos – assustadores para diversos setores sociais. Vale lembrar que em 1992, em diversas cidades norte‑americanas, sendo a mais notável, Los Angeles, explodiram conflitos étnicos que deixaram mais de 50 mortos – ao lado do racismo das forças oficiais na repressão à população negra, havia a recessão e o aumento do desemprego e isso provocou um estado de tensões muito significativas. Exemplo de aplicação Você consegue estabelecer um paralelo entre esses confrontos e a crise em maio de 2015 e que teve início na cidade norte‑americana de Baltimore? Para isso sugerimos a consulta de jornais e revistas desse período. No cenário econômico, mesmo com a expansão ocorrida na Era Reagan, o sistema não estava livre de crises, ao contrário, sua dinamização provoca alterações tão intensas e momentos tão críticos que cada vez mais houve‑se falar de crises nas bolsas de valores. De acordo com as observações de Arruda, (2004), em 1987 a Bolsa de Nova Iorque sofreu fortes baixas, a produção industrial desacelerou – o foco 149 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA havia sido o capitalismo financeiro e a ênfase na manutenção de elevados índices de rentabilidade na Bolsa de Valores, independentemente das graves consequências. O combate a essa situação torna‑se uma das bandeiras republicanas, apoiados também na manutenção de uma política externa agressiva. Sobre George Bush (pai), A grande obra política de Bush foi a Guerra do Golfo contra o Iraque, seu antigo aliado, que transformou Saddam Hussein no inimigo público número um dos Estados Unidos. A vitória arrasadora obtida pelas tropas norte‑americanas. [...] Isso não foi o bastante para garantir a reeleição de Bush, que, em 1992, foi derrotado pelo democrata Bill Clinton. Tinha início a era Clinton [...] (ARRUDA, 2004, p. 603). O termo que constantemente utilizamos para fazer referência ao grupo político que chega ao poder com Reagan, permanece com Bush pai e retorna com Bush é, nas palavras de Finguerut (2014), O que chamamos de Nova Direita é a coalizão ou articulação de três atores centrais do conservadorismo americano: os libertários, a Direita Cristã e os conservadores tradicionais e neoconservadores, agindo em três campos distintos: cultural, social e político. Esta articulação em nossa discussão ganha corpo a partir dos anos 60 e conforme o momento histórico ganha evidência ou se desarticula (FINGUERUT, 2014, p. 1). E Finguerut (2014) completa, as ideias são disseminadas (seja pela imprensa conservadora – que tenta se contrapor a mídia progressista num embate ideológico que perpassa por diferentes temas e assuntos tais como os direitos dos gays, aborto, o estado de bem‑estar social, a regulação do sistema financeiro, o aquecimento global/pressões ambientais internas e externas, os limites e formas de fazer a guerra contra o terrorismo etc. (FINGUERUT, 2014, p. 2). A articulação do discurso em torno da defesa de valores considerados como norte‑americanos não é uma especulação de quem analisa a realidade social dos Estados Unidos em fins do século XX e princípios do XXI. Anualmente são promovidas reuniões para promover discussões e traçar os rumos desses setores da Nova Direita no sentido de conseguir retornar o poder na Casa Branca. O Values Voters Summit é um dos eventos dos mais tradicionais do conservadorismo social dos EUA. Possibilita todos os anos uma grande mobilização de ativistas de todo país que reúnem em Washington D.C. [...] A proposta do encontro é mobilizar e energizar ativistas, cidadãos, lideranças políticas e futuros candidatos políticos em torno de temas da agenda do conservadorismo social [...] Se prestarmos atenção nas ideias e nas formas de mobilização [...] notaremos a centralidade em 150 Unidade IV torno das ameaças ao casamento heterossexual e à tradicional família cristãcomo temas centrais dos painéis e das conferências secundárias do evento. [...] Ted Cruz, vencedor da eleição interna do encontro como candidato favorito dos conservadores para a próxima eleição presidencial americana, enfatiza o fracasso do chamado Obamacare, a tentativa do governo Obama de oferecer um plano de saúde estatal universal. [...] Michelle Bachmann, do estado de Minnesota, revela a força do argumento Tea Party, com uma retórica que prega a desobediência civil e o enfretamento diante de um governo apresentado como tirânico e autoritário (FINGUERUT, 2014, p. 7). Quadro 1 – Conservadores X liberais: dois modelos familiares Família conservadora Família liberal / progressista Centralidade na figura paterna Os pais dividem as tarefas e os papéis A educação dos filhos é centrada na disciplina. Criam‑se mecanismos de recompensa e de punição a partir dela Os liberais focam‑se na comunidade e na atuação social do governo A educação é norteada por forte senso competitivo, criando a perspectiva de uma divisão entre vencedores e perdedores. A educação é norteada pelo diálogo e pela experiência social plural e multicultural Obediência, disciplina e autoridade se destacam como valores morais Empatia, responsabilidade e esperança se destacam como valores morais. Desconfiança diante da atuação do governo Aposta e visão proativa do governo Fonte: Lakoff (2008) apud Finguerut (2014, p. 12). Nessa visão conservadora, o país seria uma nação a ser preservada contra mudanças que consideram contrárias à liberdade individual e à manutenção da União. Finguerut (2014) afirma, ainda que os dois grupos referem‑se às liberdades direitos civis mas os liberais querem seu aumento enquanto os conservadores, sua manutenção. 7.4 A Era Clinton e a reação ao conservadorismo político O processo de intensas mudanças econômicas com a reestruturação do capitalismo sob a forma neoliberal desenvolvidos pelos governos de Reagan e Thatcher começa a dar resultados no início do anos 1990 com a intensificação da revolução tecno‑científica que, para alguns autores, representa a 3º Revolução Industrial. Robôs na produção, informatização crescente do setor bancário conferindo maior agilidade às transações financeiras. As mudanças tecnológicas tiveram fortes impactos na economia com o aumento da produtividade, queda de preços e ajuda na recuperação econômicas dos Estados Unidos, tirando o país do quadro de piora do final da era Reagan. O início da administração Clinton coincidiu com a manutenção de um congresso de maioria republicana de tendências conservadoras. 151 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA ao iniciar o seu primeiro mandato presidencial, em 1992, Bill Clinton foi impedido pelo Congresso, de maioria republicana, de realizar muitos gastos em sua política social, o que contribuiu para diminuir os gastos públicos e zerar o déficit em 1998 (ARRUDA, 2004, p. 671). O trecho é elucidativo dos mecanismos de funcionamento do neoliberalismo – naquele momento já operando de maneira muito intensa – e os governos que adotam essas práticas se afastam de gastos sociais. A expansão capitalista resultado da modernização e dinamização do sistema levou a uma recuperação da capacidade produtiva dos Estados Unidos e a retomada de sua capacidade de exportar, mas o outro lado da questão é uma concentração de riquezas no mundo nunca antes visto em toda a História. Mas nem tudo é maravilhoso. As grandes fortunas cresceram de forma brutal. Poucas empresas controlam orçamentos superiores a muitos países do mundo. As fortunas individuais tornam‑se fantásticas, como a de Bill Gates, dono da Microsoft. Enquanto, a situação social dos negros pouco mudou. Apesar da ascensão social possibilitada pelas leis dos direitos civil, pelo ingresso em universidades, somente 35% dos negros têm rendimentos de classe média, em trono de 35 mil dólares anuais (em 1968 eram 10%). O salário dos brancos é em média 65% superior ao dos negros (ARRUDA, 2004, p. 672). Considerando a modernização e sofisticação do capitalismo, nossa preocupação constante aqui é desenvolver um olhar mais crítico a respeito de suas dinâmicas e impactos no dia a dia das nações americanas. De norte a sul do continente as mudanças são percebidas intensamente e podemos considerar que certamente o que se passava nos Estados Unidos afetava cada vez mais seus vizinhos. A era Clinton se desenvolveu sob o signo da informação e constantemente ele esteve em noticiários – direta ou indiretamente como, por exemplo, em denúncias de irregularidades no setor imobiliário envolvendo uma empresa em que sua esposa Hillary Clinton era sócia – o escândalo Whitewater. A retórica democrata de ênfase em aspectos sociais – para combater a obra dos republicanos – com projetos para saúde, educação e previdência não se consolidava e a inflação, a queda do déficit fiscal e também a redução do desemprego deram um segundo mandato da Clinton. A mais poderosa nação do planeta era abalada por escândalos envolvendo assédio sexual do presidente contra Paula Jones e de ter um caso com a estagiária Monica Lewinski e, como Clinton teria solicitado que ela mentisse em seu testemunho, negando o caso, os boatos de um possível impeachment tomaram conta dos noticiários e do cenário político interno e externo. Mas o que tem que ver isso com a realidade do restante das Américas? Politicamente Clinton se desgastava rapidamente e sua esposa o defendeu publicamente alegando haver um ataque da extrema direita contra seu marido. Em sua defesa Clinton apresentava o fim do déficit 152 Unidade IV público, o baixo desemprego, inflação baixa e seus programas de ajuda a setores mais desfavorecidos. A “opinião pública” pendeu para Clinton e o processo de Paula Jones acabou arquivado. Ao mesmo tempo que o presidente corria risco de impeachment, a política externa torna‑se novamente agressiva na recuperação da imagem de um país que determinava os rumos da História não apenas continental, mas mundial. Os discursos oficiais frequentemente mobilizavam o argumento da defesa dos interesses norte‑americanos para justificar intervenções militares – como no caso do Iraque que novamente era invadido em nome do combate às armas de destruição em massa que Saddam Hussein alardeava possuir. Saiba mais Para saber mais a respeito das constantes invasões norte‑americanas no Oriente Médio, recomendamos: EBRAICO, P. R. B. M. As opções de geopolítica americana: o caso do golfo pérsico. 2005 (Dissertação de mestrado). Rio de Janeiro: PUCRJ. Disponível em: http://www.maxwell.vrac.puc‑rio.br/Busca_etds.php?strSecao=res ultado&nrSeq=8064@1. Acesso em: 15 jun. 2015. Com o fracasso dos esforços de contenção do Iraque por meio de sanções econômicas e buscando agradar os setores favoráveis ao fortalecimento internacional dos Estados Unidos, a Secretária de Estado norte‑americana Madeleine Albrigth alardeou publicamente: “nós temos o motivo, o direito e os meios para fazê‑lo” (ARRUDA, 2004, p. 676) iniciando uma série de bombardeios à Bagdá. Em outubro de 1994, a administração Clinton começou a despachar aviões, navios e tropas terrestres para responder a uma aproximação militar iraquiana na fronteira do Kuwait. [...] Os EUA enviaram 30.000 soldados americanos para a região em nome da manutenção da paz. [...]“(Irã e Iraque) mantém terroristas dentro de suas fronteiras. Eles apoiam bases terroristas em outras terras. Eles anseiam por armas nucleares e outras armas de destruição em massa. Todos os dias, eles colocam inocentes em perigo e incitam a discórdia entre as nações. Nossa política com relação a eles é simples: Eles devem ser contidos”. [...] o Presidente Clinton iniciou uma campanha de bombardeamento contra o Iraque, conhecida como Operação Raposa do Deserto, em dezembro de 1998 (EBRAICO, 2005, p. 100). Vale lembrar que o mesmo governo que avançou sobre o Iraque – importante produtor mundial de petróleo – em 1993 havia patrocinado um célebre encontro entre os líderesarquirivais de Israel e da Autoridade Palestina, Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, respectivamente. 153 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Figura 49 – O histórico aperto de mão entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, mediado pelo presidente Clinton em Washington, 13/9/1993 A imagem dos líderes apertando as mãos com Bill Clinton sorridente e ao fundo como promotor da paz mundial foi amplamente explorada pela propaganda que promovia os Estados Unidos como liderança mundial. Desde a década de 1980, as relações com a América Latina eram muitas vezes definidas por invasões militares dos Estados Unidos e ações da CIA. Por exemplo, o caso de Manuel Noriega, apeado do poder por um ataque que o capturou e levou preso para os Estados Unidos. De antigo colaborador da CIA passou a acusado de colaborador com o narcotráfico internacional promovido pelo Cartel de Medellín, da Colômbia, que alcançaria notoriedade mundial com ações agressivas contra candidatos presidenciáveis, sequestros e assassinatos ordenados por seu chefe Pablo Escobar. Noriega acabou condenado a quarenta anos de prisão nos Estados Unidos. Arruda indica ainda sobre a América Latina que Razões ainda diferentes explicam a intervenção americana no Haiti. Nem motivos ideológicos, nem combate ao narcotráfico. País nascido de uma rebelião de escravos no século XVIII, o Haiti encerrou, em 1986, um período trágico de sua história, com a deposição do ditador Baby Doc, filho do famigerado François Papa Doc, que impôs uma ditadura férrea ao país desde sua chegada ao poder em 1957, apoiado pelos terríveis tontons macoutes, membros de sua guarda pessoal que espalhavam o terror no seio da população (ARRUDA, 2004, p. 680). 7.5 Era George W. Bush e o 11 de Setembro: a guerra ao terror O ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center (WTC), em Nova Iorque, no dia 11 de setembro de 2001 é um dos principais eventos que marcaram o final do século XX e princípios do XXI. Talvez nenhum outros tenha sido tão discutido, analisado, visto e questionado. Tal evento, ao menos no imaginário norte‑americano, constitui‑se como um divisor de águas – algo que funciona como o marco de uma geração – e que define a política externa dos Estados Unidos no decorrer do governo de George W. Bush. 154 Unidade IV O WTC foi construído no momento de expansão do capitalismo dos norte‑americanos com um símbolo incontestável de progresso material e da pujança do capitalismo de Wall Street – em Manhattan. Sua destruição, num atentado que envolveu também o ataque ao Pentágono – símbolo máximo da potência militar estadunidense – e uma outra aeronave que caiu sobre solo norte‑americano se transformam em marcos de memória para muitas pessoas, inclusive não norte‑americanos que acompanharam o evento pela televisão, mas que não tinham, no momento, clareza do que estava ocorrendo. Nossa intenção aqui não é reconstituir o dia 11 de setembro de 2001, mas perceber de que maneira esse evento contribuiu para as formas como a política interna e externa dos Estados Unidos passaram a ser conduzidas a partir de então. Não faria sentido aqui fazer um longo histórico dos ataques sofridos pelos Estados Unidos dede o século XIX – com assassinatos de presidentes e declarações de guerra no decorrer do século XX. Nossa preocupação é apresentar de que maneira a Era da globalização e do Neoliberalismo se articulam e provocam novos conflitos entre diferentes povos – principalmente nas Américas. Considerando os danos causados no imaginário norte‑americano, quando a confianças nas autoridades é abalada, o medo de novos atentados é crescente e a presença de norte‑americanos mortos dentro do próprio país por inimigos estrangeiros foi algo muito difícil de combater. Uma imagem, entretanto, somente pode ser combatida com outra imagem. Se a ação terrorista seguiu um script cinematográfico, a reação americana teria que seguir o mesmo figurino. A televisão incumbiu‑se de fazer isso desde o primeiro momento. Elegeu logo seus novos heróis: bombeiros, policiais militares e tripulantes do vôo 93. As revistas em quadrinhos colocaram seus super‑heróis a serviço do resgate dos mortos ou desaparecidos no ataque, muitos dos quais foram certamente volatilizados pela explosão dos tanques dos aviões. A rede americana CNN voltou aos dias de glória da Guerra do Golfo, quando o jornalista Peter Arnette transmitiu suas imagens sob o registro America under Attack (América sob ataque), logo substituído pelo rótulo America’s New War (A nova guerra da América) (ARRUDA, 2004, p. 752). A reação norte‑americana foi equivalente à declaração de uma Terceira Guerra Mundial, posto que internamente o país se uniu sob o governo de George W. Bush acreditando que quem não estivesse ao seu lado, seria seu inimigo ou faria parte do “Eixo do Mal”. Uma vez que o Afeganistão foi identificado como protetor da Al Qaeda, rede terrorista de Osama Bin Laden, a guerra contra esse país foi declarada. O militarismo e o patriotismo foram revalorizados na sociedade norte‑americana. A indústria bélica ganhou novo alento no esforço mundial de combate ao terrorismo e isso fica evidente com a escolha do vice de Bush, Dick Cheney – amplamente favorável àquilo que foi chamado de Guerra ao Terror, admitindo, inclusive o recurso da tortura contra opositor dos Estados Unidos. 155 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Saiba mais Indicamos a leitura sobre estar em Nova Iorque no 11 de setembro de 2001, com vários relatos, inclusive do crítico à política agressiva dos Estados Unidos, Noam Chomsky. ARRUDA, J. J. Nova História moderna e contemporânea. Bauru: Edusc, 2004. O passo seguinte do recrudescimento da política internacional foi um novo ataque ao Iraque. O núcleo político em torno de George W. Bush era composto por Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Paul Wolfowitz e Colin Powell – sendo os três primeiros também chamados de “falcões” – sendo Rumsfeld e Cheney peças‑chave da administração de Bush pai que havia realizado a primeira Guerra do Iraque – e representando a ala neoconservadora e sua agressividade militarista e o ataque de 11 de setembro de 2001 aproximou as alas mais conservadoras e agressivas da figura do presidente e os moderados – no caso Colin Powell – perderam espaço. O país rumava novamente para guerra externas e em setembro de 2002 – após um ano do ataque, foi apresentado o que seria a Doutrina Bush por meio do documento “Estratégia de Segurança Nacional dos EUA”, do qual Arruda, 2004, nos apresenta seus quatro eixos principais, a saber, • Na academia militar de West Point, em 2 de junho de 2002, George Bush disse: “a guerra contra o terror não se ganha na defensiva. [...] promessa de retaliação maciça nada significam contra esquivas redes terroristas sem nações ou cidadãos para defendê‑las. [...] É preciso levar a batalha ao inimigo e confrontar as piores ameaças antes que elas venham à tona”. Isso significa a legitimação dos ataques preventivos como elemento central da nova ordem internacional. • No Congresso norte‑americano, em 20 de setembro de 2001, George Bush dissera: “Todas as nações, em todas as regiões, agora têm uma decisão a tomar: ou estão conosco ou estão com os terroristas”. Isto é, o terrorismo o principal inimigo da humanidade e os países são divididos em favoráveis aos terroristas ou aos Estados Unidos, sem lugar para os neutros (ARRUDA, 2004, p. 767). Aqui podemos observar o delineamento da ação do governo dos Estados Unidos naquele momento. Na pertinente observação crítica de Kurz – citado por Arruda (2004, p. 769) – “os Estados Unidos precisam adotar as funções de um Estado mundial, sem poder ser o Estado mundial”. Daí a unilateralidade da agressiva Doutrina Bush. O significado do empenho dos Estados Unidos pode ser avaliado quando se observa que cerca de 4% do PIB vai para a defesa, o equivalente aos gastos realizados pelas demais 192 nações do globo. E ainda segundo Arruda, “O orçamento de 400 bilhões de dólares anuais equivale ao dobro do faturamentoindividualizado das três maiores corporações norte‑americanas, a saber, a Wall‑Mart, a Exxon e a General Motors” (ARRUDA, 2004, p. 780). 156 Unidade IV Relembra Arruda (2004, p. 777) que além do aspecto humanitário da morte de milhares de civis em função dos ataques – algo como 7.000 pessoas, além de 10.000 soldados iraquianos contra 169 soldados da coligação invasora, existe a destruição de um patrimônio cultural irrecuperável em um país símbolo do início da civilização e que contava com mais de 25 mil sítios arqueológicos. A Biblioteca Nacional, onde estavam versões muito antigas do Alcorão, foi queimada. O Museu Nacional, atacado e saqueado e jamais se saberá ao certo o que se perdeu uma vez que os registros também foram destruídos. Internamente, a guerra do Iraque servia para se articular da reeleição de Bush – vale lembrar que eleito anteriormente sob suspeitas. Afinal, diz Robert Kurz, as novas religiões do ódio, sejam elas de origem islâmica ou cristã, são todas de natureza sintética, arbitrária e eclética. Todas têm apenas o nome em comum com autênticas tradições religiosas que se remetem. São um subproduto da modernidade decadente das sociedades de mercado ocidentais ou ocidentalizadas (KURZ apud ARRUDA, 2004, p. 787). E continua Arruda (2004, p. 787) com outros autores O que está em causa é a própria perpetuidade dos valores americanos, no lamento de Gunter Grass. O país generoso, defensor do direito inarredável de expressão, vê sua imagem regredir, empalidecer, um simulacro do que já foi. Contradição inevitável da história. Exatamente no momento em que o brilho da democracia precisa resplandecer sobre o Oriente Médio, porque é isso que se deseja, seu poder iluminador se eclipsa (ARRUDA, 2004, p. 787). De maneira mais ampla, podemos perceber conexões entre a política interna e externa dos Estados Unidos no médio e curto prazos e, assim, Pecequilo faz uma observação que aparentemente é despretensiosa, mas que se lida atentamente é esclarecedora da maneira como a política externa foi conduzida. Afirma a autora que Na ausência de consensos, as posições oscilam como produto de bases sociais fragmentada, e não como resultado de uma ‘política disfuncional’ de Washington [...]. A política é reflexo da sociedade da qual emerge e representa suas contradições, não podendo dela ser descolada. Em duas décadas do pós‑Guerra Fria, esses tendências produziram três grandes estratégias diferentes: o Engajamento e Expansão (1993) no governo do democrata Bill Clinton (1993/2000), a Doutrina Bush (2002) com o republicano George W. Bush (2001/2008) e a Doutrina Obama (2010), do democrata Barack Obama (2009/2012) (PECEQUILO, 2012, p. 14). Assim, as mudanças internas com o crescimento dos neoconservadores – que mesmo durante a administração Clinton tiveram grande capacidade de atravancar projetos sociais do governo, reflete uma sociedade cindida e preocupada com sua própria manutenção. 157 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Por fim, é preciso mencionar que a tática neoconservadora envolveu pesadas ofensivas na mídia, opondo‑se ao que definem como excessos liberais (apoio aos citados aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, proteção à imigrantes e minorias em geral), sendo uma de suas manifestações o processo de impeachment contra Clinton por conta de seu caso extraconjugal com Monica Lewinski, estagiária da Casa Branca no período de 1998/1999. Porém, sua volta ao poder foi somente em 2000, uma vez que em 1992 Bush pai não conseguiu a reeleição. Sustentando sua campanha no slogan ‘It’s the economy, stupid’(‘é a economia, estúpido!’), e na mudança e na esperança, o que seria repetido por Barack Obama em 2008, o democrata Bill Clinton foi eleito Presidente (PECEQUILO, 2012, p. 17). O governo Clinton investiu a expansão de valores caros aos norte‑americanos como a democracia em âmbito mundial e, num contexto de globalização da economia, a ideia da supremacia do livre mercado. Essa estratégia foi apelidada de Engajamento & Expansão, quando os Estado Unidos se posicionam estrategicamente seguindo quatro pontos, indicados por Lake (1993), mas aqui citados via Pecequilo (2012), a saber 1. Fortalecer o núcleo principal das democracias de mercado, inclusive a norte‑americana, favorecendo a disseminação dos valores e princípios democráticos para todo o sistema a partir desta comunidade 2. Incentivar, quando possível, a implantação e consolidação de novas democracias e livres mercados em Estados significativos e importantes. 3. Impedir a agressão de Estados hostis à democracia e incentivar a sua liberalização por meio de políticas específicas. 4. Perseguir uma agenda humanitária para a melhora das condições de vida em regiões prejudicadas. Posteriormente, criar condições para que eventualmente essas comunidades possam integrar‑se ao sistema pacífica e democraticamente (PECEQUILO, 2012, p. 18). Outra importante diferença dos democratas em relação aos republicanos foi a afirmação de Clinton em áreas como meio ambiente, direitos humanos e até saúde apesar da intensa a oposição à aprovação das medidas de cunho mais social. O período final do governo Clinton assistiu a uma certa recuperação geral da economia e isso lhe permitiu lançar seu vice, Al Gore, à presidência, mas surpreendentemente a campanha foi um fracasso e a família Bush, apoiada em diversos setores conservadores retornou à Casa Branca. Como aponta Pecequilo (2012, p. 19), a agenda neoconservadora foi marcada pelo chamado conservadorismo com compaixão (compassionate conservantism) afirmando que não atacariam direitos adquiridos como o aborto mas combateriam os “excessos liberais” como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a delicada questão da tolerância com os ilegais. No voto direto, Al Gore teve mais votos mas no colégio eleitoral foi Bush o que conduziu os republicanos para o Salão Oval da Casa Branca, mas sob suspeitas de fraude e irregularidades. 158 Unidade IV 7.5.1 Bush (filho): conservadorismo com compaixão Em termos cronológicos Pecequilo (2012) divide o governo de Bush filho em três fases: De janeiro a setembro de 2001, setembro de 2001 a dezembro de 2004 e janeiro de 2005 ao final de seu mandato. A primeira destas fases é representada por tendências mistas de ofensiva neoconservadora, resistência interna e baixa popularidade. Mais da metade da população não apoiara a eleição de Bush filho e muitos contestavam a forma como a eleição fora decidida pelos tribunais, uma vez que a Suprema Corte Federal suspendera os processos de recontagem de votos, solicitados e em andamento. [...] a Retórica da Casa Branca (pendia fortemente para o unilateralismo) (PECEQUILO, 2012, p. 19). E ainda segundo a mesma autora, mas em obra de 2011, Na manhã de 11 de setembro de 2001, os atentados terroristas às cidades de Nova Iorque e Washington mudaram essa realidade, ao gerar um consenso baseado no medo inédito que atingiu os Estados Unidos depois da perda da invulnerabilidade do território continental. A exacerbação do nacionalismo e da união nacional foram outros resultados (PECEQUILO, 2011, p. 21). E prossegue, Internamente, os mesmos liberaram as forças neoconservadoras, favoreceram a construção de um novo inimigo, o terrorismo fundamentalista islâmico de caráter transnacional [...] e a implementação de regras de censura e restrição de liberdades civis pelo Estado. [...] Essas regras foram sistematizadas no Ato Patriota (2001), lei de combate ao terror que permitia a prisão de suspeitos sem direito a advogado, e que, conforme sua última prorrogação em 2011, permanecerá em vigor até 2015. Resultaram, também, nos memorandos internos autorizando a tortura, redefinida como práticas de interrogatório mais duras, e no caráter de prisioneiros, vistos não mais como soldados, mas combatentes inimigos, sem pátria, somente com afiliação a grupos terroristas. Estas posturas resultaram nos escândalos de maus tratos de prisioneiros na base norte‑americana deGuantánamo em Cuba, nas instalações de Abu Graib no Iraque e em instalações secretas da CIA em outros países. Para dar amparo a essas ações, foi criado o Departamento de Segurança Doméstica (Homeland Security) e o USNORTHCOM (Comando do Norte), em 2001. Externamente, a Guerra Global Contra o Terror (GWT, Global War on Terrorism), geraria duas guerras na Ásia Central e no Oriente Médio, o Afeganistão (2001 em andamento) e o Iraque (2003/2011) (PECEQUILO, 2012, p. 21). 159 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Reunindo todos os esforços dos Estados Unidos no sentido de promover a Guerra Global ao Terror, surge a Doutrina Bush, ou também denominada Doutrina Preventiva, Não podemos defender a América e nossos amigos esperando pelo melhor. Devemos estar preparados para derrotar os planos de nossos inimigos [...] único caminho para a paz e a segurança é o caminho da ação [...] Devemos estar preparados para deter Estados Bandidos e seus clientes terroristas antes de se tornarem aptos a nos ameaçar ou usar armas de destruição em massa contra os EUA e seus aliados e amigos (PECEQUILO, 2012, p. 22). Os setores mais conservadores provocaram uma reestruturação e posicionamento dos Estados Unidos para tentar equacionar os problemas mais preementes que Pecequilo elenca, a saber: à perda de legitimidade e credibilidade hegemônicas; ao definhamento e estagnação do sistema multilateral; à crescente valorização de coalizões anti‑hegemônicas e a utilização de doutrinas preventivas por outros Estados que temiam ser invadidos pelos norte‑americanos (como os membros remanescentes do Eixo do Mal, Coreia do Norte, Irã, Venezuela); a ascensão de novas potências e o distanciamento de aliados, que indicavam a consolidação de um sistema internacional com tendências multipolares e de desconstrução de poder (PECEQUILO, 2012, p. 24). Se tivermos em conta que a crise e o receio de novos ataques ou atentados foi amplamente explorados pelo governo de Bush filho num esforço de garantir a segurança de seu país, mas também de promover uma legitimação de um governo eleito sob suspeitas, podemos de alguma maneira montar um quadro em que a guerra ao terror permanece como elemento central. Não significa isso que os Estados Unidos declararam guerra a tudo e a todos, uma vez que são necessários aliados para sua causa e assim Bush filho promoveu uma série de viagens pela Europa, Ásia e América Latina, visitando o Brasil e causando diversos transtornos na rotina das cidades por onde passou, sendo o caso de São Paulo emblemático uma vez que cada vez que sua comitiva se deslocava de um ponto a outro da cidade avenidas eram bloqueadas, escoltas de helicópteros tornavam os céus tensos espetáculos militaristas e assim presença de Bush na cidade não pôde passar desapercebida por sua população mais comum. Quando o governo de Bush filho, em seu segundo mandato, já se encaminhava para o final, a articulação conservadora se constrói em torno de Cheney para dar continuidade ao projeto político representado por Bush, mas os democratas ganharam força com a crise interna pois a situação econômica se deteriorara muito rapidamente a partir de 2007 e piorava em 2008. O fantasma de uma nova recessão, de escala que lembrava a todos as consequências da Grande Depressão que se seguiu à quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929 e a crise mundial nos anos posteriores assustava muitos. No ano em que a crise ganha força, 2008 e no seguinte, 2009, o PIB ficou na casa de ‑0,4% e ‑3,5%. A campanha de Obama, em oposição ao governo federal lançou mão de slogans como Yes, we can e Change We Can Believe In (“Sim, nós podemos” e “Mudança na qual podemos acreditar”). 160 Unidade IV A defesa de suas posições políticas Obama acenou para a formação de um governo no qual até mesmo os rivais republicanos poderiam ter espaço – o que na prática significou articular uma ideia de reconciliação nacional via partidos políticos. Dessa forma sua propaganda enfatizava sim o papel hegemônico dos Estados Unidos mas, novidade na história recente dos Estados Unidos, tinha uma agenda social importante. Sua eleição, para Pecequilo significava em linhas gerais, que Obama tornou‑se o primeiro afro‑americano a chegar à Casa Branca, como símbolo de uma nova América, multicultural, multirracial e global, com a tarefa de renovar o poder e a sociedade dos Estados Unidos para os desafios internos e externos do século XXI (Pecequilo, 2012, p. 25). Assim, continua a autora, A eleição de Barack Obama deve ser entendida como histórica por diversos prismas: pelo fato de ter se tornado o primeiro afro‑americano a ser tornar Presidente, pela gravidade da crise norte‑americana e pelas operações militares nas quais o país estava envolvido (PECEQUILO, 2012, p. 25). Apesar da crise econômica e financeira desencadeada a partir de 2008 no ser imobiliário dos Estados Unidos, contaminando bolsas de valores pelo mundo e se agravando nos meses seguintes, os republicanos não se alinharam automaticamente ao consenso e paulatinamente foram minando os esforços sociais de Obama, uma vez que estímulos à economia eram reduzidos, bem como foi impedida estrutura de uma de suas bandeiras de campanha que era a criação de um serviço de saúde nacional. E por mais incrível que possa parecer, em razão do aumento da presença do Estado na vida das pessoas, houve quem considerasse Obama socialista. Externamente, cumprir a promessa de fechar Guantánamo acabou se revelando mais difícil do que parecia – vale lembrar que o Ato Patriótico foi prorrogado até 2015. Apesar das enormes dificuldades enfrentadas tanto internamente quanto externamente, Obama conseguiu em 2009 ter seus esforços reconhecidos internacionalmente e ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Expressões agressivas saíram do rol dos discursos presidenciáveis e foram organizados os esforços para tirar as tropas do Iraque e do Afeganistão, em 2011 e 2014, respectivamente. Nos dizeres de Clinton, ex‑presidente, a nova realidade pode ser vista assim, Vivemos em um mundo profundamente interdependente no qual as velhas regras e fronteiras não mais se aplicam [...] precisamos fazer uso do que vem sendo chamado de “paz inteligente”, de todas as ferramentas ao nosso dispor – diplomática, econômica, militar, político, legal e cultural, escolhendo as ferramentas e sua combinação para cada situação. Com o poder inteligente, a diplomacia estará na vanguarda da política externa. (CLINTON, 2009 apud PECEQUILO, 2012, p. 26). 161 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Saiba mais Para uma análise crítica do 11 de Setembro, recomendamos a leitura de Noam Chomsky. Obra realizada por um norte‑americano que procurou entender o que provocou o 11 de setembro e não apenas referendar o ataque CHOMSKI, N. 11 de Setembro. 5. ed. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2002. A transição política da Era Bush para o sucessor Barack Obama não foi um processo simples. Devemos considerar que desde a Era Reagan o neoconservadorismo se fortaleceu e na Era Bush, tanto do pai como do filho, suas práticas militaristas agressivas serviram para reafirmar a imagem pública norte‑americana de potência militar, na sequencia com a Era Obama, ao menos na retórica, o governo da Casa Branca parece defender algumas mudanças de rumo e os discursos internacionais – apesar da manutenção da rigidez no que é tido por Guerra ao Terror, com a captura e execução de Osama Bin Laden por forças norte‑americana que invadiram o Paquistão. 7.6 Era Obama: Yes, We Can Barack Obama ao ser eleito derrotou os setores mais conservadores, Como nenhuma outra o fora antes, a campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos é um fenômeno planetário. A notícia da sua vitória sobre o republicano John McCain foi festejada com manifestações em todo o mundo. O jovem senador do Illinois, filho de uma antropóloga branca e de um economista negro, sobressai‑se já em meados de 2004, quando discursa na Convenção Democrática de Boston e a sua intervenção évista por quase dez milhões de telespectadores. Mas poucos ousam prever que um negro com um middlename árabe – Hussein – irá ser o sucessor de George W. Bush. Mas o carisma de Obama é contagiante e a sua campanha, centrada na palavra de ordem ‘sim, nós podemos’ (yes, we can), mobiliza músicos, atores e outras figuras públicas, como a apresentadora de televisão Oprah Winfey, espalha‑se pela internet e cria uma adesão popular sem precedentes. Barack Obama fora um dos primeiros políticos americanos a opor‑se à invasão americana do Iraque e a promessa da retirada dos soldados americanos é um dos temas fortes de sua campanha. A prioridade militar dos Estados Unidos deve ser o Afeganistão, defende o candidato democrata, que assume também objetivos ambiciosos na política interna, como o de garantir cuidados de saúde para todos, assegurar a independência energética do país ou reduzir drasticamente o poder dos lobbies de Washington. Nas eleições de 4 de novembro de 2008, vence McCain com 53 por cento do voto popular, 162 Unidade IV obtendo mais de 69 milhões de votos, um recorde absoluto na história das eleições presidenciais americanas. Quando chega ao Grant Park de Chicago, no dia seguinte, para fazer seu discurso de vitória, espera‑o uma multidão de 240 mil pessoas. Usando o slogan ‘yes, we can’ como refrão de seu texto – numa tática muito semelhante à que Martin Luther King usara, quase meio século antes, com o seu ‘I have a dream’ ‑, Obama centra a sua intervenção na ideia de que se vive um momento histórico e que os Estados Unidos, cuja reputação internacional decaíra durante a era Bush, voltarão a ser uma nação respeitada e admirada no mundo (DISCURSOS..., 2010, p. 131). E nas palavras do próprio presidente Barack Obama no discurso pós eleição, Yes, we can. Boa noite, Chicago. Se houver uma única pessoa nesta sala que duvide ainda que a América seja um lugar onde tudo é possível, que se pergunte todos os dias se o sonho dos nossos fundadores continua vivo, que duvide do poder de nossa democracia, aqui tem a resposta. [...] Esta é a vitória de vocês. [...] Prometo para vocês. Nós, enquanto povo, chegaremos lá. Haverá fracassos e passos em falso. Haverá muitos que não estarão de acordo com todas as decisões que tomarei como presidente. Sabemos que o governo não pode resolver todos os problemas, mas serei sempre honesto com vocês sobre os desafios que nos afrontam. [...] Esta vitória em si não representa a mudança que buscamos. Para nós, é apenas a oportunidade de fazermos esta mudança e isso não pode acontecer se voltarmos a fazer as coisas da mesma maneira que foram feitas anteriormente. [...] Lembremos que, se esta crise financeira tiver nos ensinado alguma coisa, é que não podemos ter uma Wall Street forte e uma Main Street que sofre. [...] Como Lincoln disse a uma nação ainda mais dividida do que a nossa, não somos inimigos, mas amigos. Embora a paixão tenha colocado sob tensão os nossos laços afetivos, ela não pode rompê‑los. E a esses americanos cujo apoio ainda tenho de conquistar, digo: talvez não tenha conquistado o seu voto, mas ouço suas vozes. [...] Àqueles... àqueles que querem destruir o mundo: nós vamos vencê‑los. Àqueles que procuram a paz e a segurança: nós vamos apoiá‑los. E a todos aqueles que se perguntam se o farol da América ainda brilha todos os dias, provamos uma vez mais esta noite que a verdadeira força da nossa nação não vem do poder das nossas armas ou da extensão da nossa riqueza, mas sim da força das nossas ideias: a democracia, a liberdade, a oportunidade e a esperança que nunca morre. Este é o verdadeiro caráter da América: a sua capacidade de mudar (DISCURSOS..., 2010, p. 131‑4). Registramos aqui apenas alguns dos trechos de sua fala e ressaltamos o caráter ideológico da valorização da unidade e da capacidade de superação das dificuldades internas e externas numa época em que indubitavelmente a liderança dos Estados Unidos não já era tão evidente assim, um pouco 163 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA em razão da agressiva Era Bush (filho), mas também como consequência de uma crise financeira que teve epicentro nos Estados Unidos entre 2007 e 2008 e que se alastrou por quase todo o mundo, com consequências desastrosas para diversos países. Apesar do tom conciliador e de esperança de um mundo melhor, o projeto de derrotar os inimigos desse sonho americano prossegue e em 2011 Barack Obama faz outro discurso “histórico”, mas agora noutro sentido, A Casa Branca. Escritório do Secretário de Imprensa. Para divulgação imediata. 23h36 – Horário de verão da Costa Leste dos EUA, domingo, 1º de maio de 2011. Presidente Obama: Boa noite. Esta noite posso informar ao povo americano e ao mundo que os Estados Unidos realizaram uma operação que matou Osama bin Laden, líder da Al Qaeda e terrorista responsável pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças inocentes. [...] Há quase 10 anos, um lindo dia de setembro foi obscurecido pelo pior ataque ao povo americano na nossa história. As imagens do 11 de Setembro estão marcadas em nossa memória nacional – aviões sequestrados cruzando o céu limpo de setembro, as Torres Gêmeas desabando, a fumaça negra subindo do Pentágono, os destroços do voo 93 em Shanksville, Pensilvânia, em que as ações de heróicos cidadãos impediram mais tristeza e destruição. [...] logo após tomar posse, ordenei a Leon Panetta, diretor da CIA, que fizesse do assassinato ou captura de Osama bin Laden prioridade máxima de nossa guerra contra a Al Qaeda. [...] Ao mesmo tempo, devemos também reafirmar que os Estados Unidos não estão – e nunca estarão – em guerra com o Islã. [...] Bin Laden não era um líder muçulmano. Ele era um assassino em massa de muçulmanos (MISSÃO diplomática..., 2011). Se acreditarmos apenas nos aspectos superficiais dos discursos políticos, sendo assim capturados pela lógica dos produtores dessas falas, podemos considerar uma aproximação com diversos países no sentido de se modernizar politicamente para sobreviver no século XXI, mas, se uma análise mais detida é elaborada, fica mais fácil de observar que os discursos favoráveis a um ou outro país acabam por auxiliar o impedimento da formação de conjuntos regionais muito fortes. Tal observação não exclui a questão da liderança dos Estados Unidos, no cenário econômico mundial no início do século XX. Internamente, Obama sofre derrotas políticas impostas pela oposição republicana e também pelo escândalo do vazamento de informações sigilosas num escândalo conhecido como Wikileaks promovido por Assange, e isso tem contribuído para o desgaste da Era Obama. Em diversos momentos da História recente, os Estados Unidos precisaram se articular no sentido de estabelecer os parâmetros continentais para que sua liderança fosse assegurada. Se voltarmos o olhar para a Doutrina de Monroe, que apregoava “América para os americanos”, isso fica evidente. No entanto, em termos práticos, e mais relevantes para nossas discussões, visamos ao período pós‑Guerra 164 Unidade IV Fria, e principalmente, naquele momento em que os Estados Unidos novamente buscou desenvolver sua política continental. A integração regional voltou para a agenda política dos Estados Unidos e diversas iniciativas de encontros, acordos e aproximações econômicas auxiliaram nesse movimento. Desde os acordos comerciais como o Nafta (implementado em 1º de janeiro de 1994 e com intensas reações populares locais contra ele mas que veremos mais adiante quando tratarmos de movimentos sociais contemporâneos), envolvendo Estados Unidos, Canadá e México até a Área de Livre Comércio das Américas – chamada de Alca, existe um esforço no sentido mencionado. Os Estados Unidos, no início dos anos 1990 viviam a já mencionada rearticulação neoconservadora em sua política interna, mas economicamente ganhava força a propaganda neoliberal e na primeira Era Bush (pai) isso fica claro com o Nafta para o Norte, mas também – o que é particularmenterelevante ao Brasil, o Mercosul visava integrar Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – segundo a lógica do neoliberalismo que foi, indiscutivelmente, uma política norte‑americana de promoção de seus fundamentos econômicos. O alinhamento aos Estados Unidos ocorreu naquilo que passou a ser chamado de Consenso de Washington, segundo o qual o neoliberalismo acaba por se tornar a política desses Estados também – então recém‑saídos de longas e sangrentas ditaduras militares. Os governos de Fernando Collor de Melo, no Brasil (entre 1990 e 1992 – que marcou época por ser o primeiro presidente eleito do Brasil de forma direta na Nova República e também por seu impeachment em 1992, com intensa mobilização popular nas ruas do Brasil) e no caso dos vizinhos argentinos, era o governo de Carlos Menem (entre 1989 e 1999). A crise política no Brasil alçou ao comando do executivo nacional Itamar Franco (1992‑4), que desenvolveu ainda mais esse aspecto continental, tendo deixado a articulação do processo sob responsabilidade de seu Ministro das Relações Exteriores, entre 1992‑3, Fernando Henrique Cardoso, que posteriormente foi eleito presidente do país. As ambiguidades da época são bem apontadas por Pecequilo (2012, p. 41), uma vez que internamente ocorre a manutenção do Plano Real e o governo segue a cartilha neoliberal de privatizações com redução da presença do Estado em diversos setores, mas externamente não enfatiza a participação na OMC ou a América Latina – o que nos indica não ser a região uma prioridade de seu governo uma vez que foi preferida a articulação com potências de outros continentes como a China, a Rússia e a Índia. Esse quadro, no entanto, sofre uma reviravolta nos dois governos de Luis Inácio Lula da Silva (2003‑2010), com sua ênfase no papel da liderança do Brasil e na intensificação das articulações regionais próximas, no caso, dos parceiros vizinhos. Foi emblemático em seu governo, a aproximação da Venezuela, sob o governo de Hugo Chávez (entre 1999 e 2012) e também com Cuba. 165 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Equador Trópico de Capricórnio Brasil Guianas 1 – Guiana Francesa 2 – Suriname 3 – República Cooperativa da Guiana América Andina 4 – Venezuela 5 – Equador 6 ‑ Peru 7 – Bolívia 8 – Chile 9 – Colômbia América Platina 10 ‑ Paraguai 11 – Argentina 12 – Uruguai Figura 50 – Países da América do Sul Em termos continentais, a maior articulação econômica foi obra da administração Clinton e uma tendência retomada com Obama. Diversas cúpulas continentais ocorreram para assegurar a implementação daquilo que foi alardeado como sendo a democracia e a boa governança. No ano 2000, ocorreu a I Cúpula de Brasília e da reunião dos chefes de Estado sulamericanos nasceu uma proposta de Integração da Infraestrutura Regional Sul‑Americana (IIRSA), dando ênfase a setores locais como telecomunicações, transportes e energia – problemas comuns aos diversos países. As mudanças podem ser percebidas em termos de um salto qualitativo, nas palavras de Pecequilo (2012) Também foi apresentado o conceito de “globalização assimétrica”, de crítica moderada à globalização (SILVA, 2009), e retomados os contatos com as potências regionais do mundo em desenvolvimento. A reaproximação do Brasil com nações como a China, Rússia e Índia não trazia, porém, um sentido político mais amplo, mas representava a quebra dos padrões de alinhamento que dominaram os anos 1990. Esse salto qualitativo foi observado a partir do governo Lula (2003/2010). Lula consolidou o fim dos alinhamentos e imprimiu uma nova agenda interna e externa para o país. Em termos internos, a retomada de políticas sociais (Fome Zero, investimentos em saúde e educação) e de ações de desenvolvimento, trouxe uma nova era de crescimento econômico, que levou à consolidação da estabilidade e a diminuição da vulnerabilidade do país. Na dimensão externa, essa política 166 Unidade IV levou a ganhos de poder com o reforço do poder brando brasileiro e a retomada de seu papel de líder do Terceiro Mundo. A ênfase na cooperação Sul‑Sul, mas sem abandonar o Norte‑Sul, reforçaram a atuação brasileira no mundo e na região. Em termos globais, isso significou a aproximação com os países emergentes, posturas mais assertivas no multilateralismo e, na região, observou‑se a continuidade da IIRSA e o lançamento do projeto da Comunidade Sul‑Americana de Nações (Casa) em 2004, depois renomeada UNASUL (União Sul‑Americana de Nações) a partir de 2007. Em 2004, ainda, o Brasil passou a líder a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), demonstrando seu papel afirmativo e assertivo na região e nas Nações Unidas (PECEQUILO, 2012, p. 46‑7). Ressaltamos, no entanto, outro aspecto fundamental que ganhou força – apesar de muitas vezes não ser muito presente nos noticiários regionais da época – que foram as reações ao movimento genericamente tratado por globalização. Carlos Fuentes, eminente escritor mexicano, observou com muita propriedade os momentos críticos que envolveram o início do século XXI e registrou sua visão de mundo e percepção do que estava ocorrendo num livro chamado Contra Bush, de 2004. A necessidade de restaurar uma ordem jurídica internacional, multilateral e confiável, dedicada a resolver os conflitos políticos mediante negociação diplomática e os conflitos sociais mediante solidariedade internacional. Subjacentes aos eventos [...] existem seis bilhões de seres humanos à espera de um mundo de cooperação que se ocupe da vasta pauta do trabalho e da saúde, da educação e da habitação. Não teremos um mundo justo e equilibrado se não atendermos a essas necessidades. Exaltar o “choque de civilizações” propicia os fundamentalismos violentos de um e de outro lado, esquecendo que todos somos descendentes de encontros de civilizações e que nos incumbe respeitar as diferenças e somar as semelhanças das grandes culturas humanas. [...] O presidente Bill Clinton declarou, com grande propriedade: ‘não se vencerá o terror se não se conseguir determinar a maneira de um mundo interdependente’. Esse é o grande problema de nossa época e George W. Bush não contribuiu para resolvê‑lo, somente para exacerbá‑lo (FUENTES, 2004, prefácio). Vale lembrar que o vice de Bush era Cheney e que da administração pública ele passou a controlar uma corporação, a Halliburton Incorporated, que administra mais de cem mil funcionários e que chega a faturar anualmente mais de quinze bilhões de dólares e que essa empresa é grande produtora e fornecedora de insumos e tecnologia petrolífera. E, segundo Fuentes (2004), A Halliburton Inc. ampliou seus interesses da Argélia a Angola, da Nigéria à Venezuela, do Mar do Norte ao Oriente Médio, e da Birmânia a Bangladesh. “Os Estados Unidos não tem amigos, têm interesses”, disse cinicamente John 167 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Foster Dulles, secretário de Estado do presidente Eisenhower. Mais sutil, Cheney declarou: “É lamentável que o bom Deus não haja posto as jazidas de petróleo nas nações democráticas” (FUENTES, 2004, p. 13). Carlos Fuentes, relata ainda que, em um texto de 18 de janeiro de 2001, com o título “Adeus, Mr. Clinton”, que Num jantar com Gabriel García Marquez e Bernardo Sepúlveda, perguntei ao presidente Clinton quem eram seus piores inimigos. Sem hesitar, o presidente respondeu: “a extrema direita fundamentalista’ (FUENTES, 2004, p. 25). As complexas relações entre México e Estados Unidos também foram objeto de discussões no início do século XX, sendo que em 2001 indicava Carlos Fuentes que Vicente Fox, presidente mexicano, e George W. Bush se encontraram em Guanajuato, no México, para discutir quatro pontos, a saber: drogas, trabalho, comércio e energia. Por ocasião da reafirmação de seus princípios, Bush e seu o procurador geral John Ashcroft tomaram medidas para combater o terror, a saber, • Criação de tribunais militares secretos para julgar e condenar as pessoas suspeitas de ser, poder ser ou quererser terroristas. • Faculdade arbitrária do executivo para decidir quem vai ser julgado pelos tribunais ad hoc. • Celebração de julgamentos secretos em alto‑mar ou em bases militares como guantánamo, em cuba. • Abolição de jurados e sua substituição por comissões de oficiais das forças armadas. • Supressão do direito do acusado de se comunicar com seus advogados. • Revogação do princípio de que toda pessoa é inocente até prova em contrário, em favor do princípio de culpabilidade e, em consequência, da responsabilidade do acusado em provar que é inocente. • Advogados defensores impostos pelo tribunal, sem consulta do acusado. • O acusado e seus advogados não terão acesso aos documentos da acusação. • A culpabilidade não exigirá, como estabelece o direito vigente, provas “além de qualquer dúvida razoável”. 168 Unidade IV • Bastará a decisão majoritária e discricional dos juízes militares. • Não haverá direito a apelações (FUENTES, 2004, p. 62‑3). Fuentes alega que Apesar de todas as salvaguardas, [...] o governo de Bush Jr. diz não. E o faz para afirmar que os EUA não estão sujeitos a nenhuma lei ou jurisdição superior aos próprios EUA. Paradoxo dos paradoxos: na era da globalização, quando se celebra ou lamenta, conforme o caso, a morte das soberanias nacionais, a potência máxima do mundo afirma sua própria soberania em grau sem precedentes, pelo menos, desde a época do Império Romano. Sem poderes limitantes ou equilíbrios potenciais, os Estados Unidos dizem ao mundo: minha soberania é inviolável, a sua não. Ou seja, neste mundo existe uma regra para os EUA, e outra para os demais países (FUENTES, 2004, p. 83). Afirma o mesmo autor que Bush é um “tratadicida” (FUENTES, 2004, p. 84), ficando evidente o tom das acusações. Não significa que ao relacioná‑las aqui estejamos corroborando com todos os pontos ressaltados, mesmo porque o fundamental é seu olhar crítico. Lembra Fuentes que na administração que chama de Bush Jr. os Estados Unidos ficaram contra o Tratado de Kioto e a favor das emissões nocivas de gases. Contra o Protocolo sobre Armas Nucleares. Contra o Tratado de Experiências Nucleares. Contra o Tratado de Minas Antipessoais. A favor da exploração petrolífera em zonas ecológicas do Alasca. E a favor de medidas protecionistas do aço e dos gigantescos subsídios à agricultura. Exemplo de aplicação Você consegue relacionar as discussões ecológicas presentes no início do século XXI em relação ao desmatamento, poluição e esgotamento de recursos hídricos – além de problemas de planejamento e infraestrutura, com as questões apresentadas em conferências ambientais internacionais, tais como a ECO‑1992? Mencionamos, ainda, as mais recentes alterações em termos de política externa nas Américas quando por ocasião da Cúpula das Américas, em 2014, no Panamá, a imprensa especializada pôde noticiar um gesto que simboliza uma sensível alteração das relações entre Estados Unidos e Cuba quando seus chefes de Estados – Barack Obama e Raul Castro – apareceram juntos em um cumprimento que, de alguma maneira, acena para novas relações para o século XXI. 7.6.1 Estados Unidos e o início da era Trump – 2017 O final da era Obama foi marcado pela eleição, em 2016, do Republicano de Donald Trump, derrotando a candidata democrata e ex‑primeira dama, Hillary Clinton – candidatura que sucederia a Obama, que não podia concorrer a um terceiro mandato. A eleição foi muito discutida, pois o sistema norte‑americano é bastante diferente do brasileiro, uma vez que Hillary Clinton obteve mais votos entre a população, mas como não venceu no colégio eleitoral não ficou com o cargo. 169 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Saiba mais No Brasil, na Nova República, não temos eleições por colégio eleitoral. O último caso recente foi a eleição indireta de Tancredo Neves, derrotando Paulo Maluf, em 1984, para o primeiro mandato pós‑Ditadura Cívico Militar (1964‑1985), mas com a morte de Tancredo Neves o cargo ficou com José Sarney. Sobre isso, indicamos dois filmes: O PACIENTE: o caso Tancredo Neves. Dir.: Sérgio Resende. Brasil: Globo Filmes, 2018. 100 min. TANCREDO: a travessia. Dir.: Silvio Tendler. Brasil, 2011. 104 min. Em sua campanha, Trump adotou como slogan “Make America Great Again!” (Torne a América Grande Novamente!), e estruturou suas propostas como a antítese da era Obama, prometendo retirar o país de acordo internacionais relacionados à proteção ambiental, tornar mais rigorosa a política anti‑imigração – tendo como ponto mais famoso e controverso a construção de um muro entre os Estados Unidos e o México, custeado pelos próprios mexicanos. O governo Trump tem sido marcado na política externa por debates relacionados a tarifas e aumento de taxas externas, rivalizando muitas vezes com a nova potência emergente no início do Terceiro Milênio e, também, no século XXI – a China. Na política interna, em dezembro de 2019 foi processado e teve encaminhado o seu pedido de impeachment – aprovado pela Câmara dos Representantes (semelhante à Câmara dos Deputados no Brasil), mas absolvido pelo Senado, o que encerrou o caso. Podemos considerar que a história da América Contemporânea ganha complexidade à medida que chega cada vez mais próxima de nossa época. Isso equivale a dizer que é preciso desenvolver cada vez mais a capacidade de analisar criticamente as informações que circulam, as produções da grande imprensa e mesmo de diversas áreas culturais. Se a chamada era Trump começa envolvida em grandes discussões, beirando crises, é sinal de que novos tempos se anunciam. Não se está dizendo com isso que são tempos de grandes rupturas ou calamidades, mas que é importante ter o olhar atento para todas as referências que são produzidas e que podem influenciar nossa maneira de pensar e entender o mundo. Se a Era Trump se inicia com o debate sobre uma possível crise na globalização – marcada na Europa pela saída da Inglaterra da União Europeia, naquilo que se convencionou, na grande imprensa, chamar de Brexit (vocábulo formado pela junção das palavras inglesas Britain e exit, que juntas formam a ideia de saída britânica) – antes mesmo da eleição de Trump –, muitos outros temas aparecem na ordem do dia. A promessa de construção de um muro na fronteira com o México visando impedir a entrada de imigrantes, tidos como ilegais, as ações contrárias à entrada de muçulmanos no país, as disputas comerciais com a China e a saída de tratados internacionais de proteção ambiental são ações que reiteram um dos grandes lemas de campanha de Trump: a América em primeiro lugar. 170 Unidade IV É curiosa essa crise e os ataques à globalização, pois esta teve como um de seus motores os EUA, com a implementação do neoliberalismo do governo de Ronald Reagan. Na atualidade, o debate sobre o desemprego intensifica‑se e discussões nacionalistas e xenofóbicas têm marcado presença nos debates e na mídia, principalmente, com a presença cada vez mais intensa da imigração. Saiba mais Para conhecimentos adicionais a respeito da produção cultural e da construção do imaginário norte‑americano sobre a crise no mundo do trabalho e o impacto das relações entre os norte‑americanos e os chineses, indicamos o filme: INDÚSTRIA americana. Dir.: Steven Bognar; Julia Reichert. Estados Unidos: Higher Ground Productions, 2019. 110 min. E sobre o ano final da era Obama, indicamos: THE final year. Dir.: Greg Barker. Estados Unidos: Motto Pictures, 2017. 89 min. 7.6.2 América: território de tensões e enormes possiblidades nos anos iniciais da década de 2020 Para trazer aqui a diversidade das questões que envolvem os povos e países americanos no início do século XXI, podemos mencionar as muitas dificuldades enfrentadas pelo governo venezuelano de Nicolás Maduro, desde 2013, ou ainda a polarização de projetos políticos e de sociedade que envolveu a Argentina em 2019, quando nas eleições presidenciais, Alberto Fernández, e sua vice Cristina Kirchner, derrotaram o então presidente
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