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A_interdisciplinaridade_e_a_Transdiciplinaridade_na_Formação_dos

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Copyright © Viseu
Copyright © Flavio Caldonazzo de Castro
Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por
qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos
xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem a permissão expressa da
Editora Viseu, na pessoa de seu editor (Lei nº 9.610, de 19.2.98).
editor: Thiago Domingues
revisão: Flavio Caldonazzo de Castro
projeto gráfico e diagramação: Rodrigo Rodrigues
capa: Tiago Shima
e-ISBN 978-85-300-0019-6
Todos os direitos reservados, no Brasil, por
Editora Viseu Ltda.
falecom@eviseu.com
www.eviseu.com
Ao amigo e mestre Ernesto Hartmann
Les parfums, les couleurs et les sons se répondent
Charles Baudelaire
1. INTRODUÇÃO
A motivação para a realização deste livro nasceu a partir da observação de uma
peculiaridade existente em muitos estudantes de diversos cursos de música, que,
quer façam parte da rede pública ou privada, sejam eles de nível médio ou
superior, têm como finalidade exclusivamente a performance e o aprendizado
relacionado apenas com a técnica do instrumento escolhido e o dos conceitos
teóricos da música.
A princípio nada existe de errado com este desejo, e, aliás, ele é responsável por
muitas histórias de sucesso de grandes artistas. Sem dúvida, o empenho e
dedicação à prática constante do instrumento do qual se pretende tornar um
exímio executante é louvável e fundamental. No entanto, muitos deixam de lado,
neste processo, uma parte da formação integral que parece ser a ideal para
aqueles que querem se transformar em músicos completos e professores capazes.
Certamente que as exceções existem e elas nos motivam a pensar que o
aprendizado de uma arte pode e deve trazer junto com ele uma gama de outros
conhecimentos que farão com que exista um grande enriquecimento cultural do
indivíduo que se entrega àquele estudo.
Mesmo que nos currículos dos cursos de música constem disciplinas como
História da Música, História da Arte, Filosofia, Estética, entre outras matérias,
este simples fato por si só não garante um completo envolvimento do aluno com
estas matérias de maneira que ele venha a relacionar-se com elas de uma forma
íntima e nem que ele permanecerá motivado a se atualizar nelas ou mantê-las na
memória.
Poderíamos nos perguntar se além do interesse particular de cada um, a maior
ou menor dedicação aos estudos e uma posterior continuação deles, não está
também vinculada ao fato de existir um baixo nível de exigências nos cursos e
não somente à indisposição dos alunos.
Uma formação adequada deve provavelmente poder ser atingida somente se
estiver vinculada à valorização de fatores essenciais que se ligam
indissoluvelmente ao estudo das artes como um todo. Dentre estes fatores, seria
relevante considerar uma maior valorização da literatura e do hábito da leitura
diversificada. Esta conduta contribuiria para um aprimoramento do ensino de
forma qualitativa na apreciação artística, uma vez que a literatura foi muitas
vezes inspiração e ponto de partida para a realização de muitas obras de inúmeros
artistas que acabaram sempre por beber desta fonte. Por conseguinte, podemos
entender que quanto mais os estudantes tomarem conhecimento destas origens
motivadoras das obras que pretendem interpretar ou apreciar, mais subsídios
eles terão para uma melhor compreensão delas.
Apesar destes aspectos relacionados acima pertencerem a uma área de
interesse mais específico da interdisciplinaridade, tenciona-se ampliar esta
perspectiva de forma a atingir a priorização da transdisciplinaridade que abrange
todos os aspectos inclusos naquela, mas lança uma nova visão e idealiza uma
multiplicidade que procura transcender todas as outras maneiras de se pensar o
ensino.
No entanto, parece muito improvável que este nível de empatia entre homem e
estudo possa ser alcançado através de uma didática que privilegie o
aperfeiçoamento de uma única disciplina ou, na melhor das hipóteses, de
disciplinas de relação apenas direta entre matérias.
Quanto maior a conexão entre os temas diversos, quanto mais se demonstrar
uma interdependência entre as partes, maior será o nível de apreciação do todo e
a consolidação da construção do conhecimento cultural do indivíduo. Para que se
possa obter este tipo de formação ou pelo menos, para que se busque atingi-lo, faz
se necessária uma transformação do posicionamento dos alunos e também de
professores diante da consciência da importância de relações diversificadas,
transformação esta que atuará na priorização deste aprendizado completo.
Esta mudança, no entanto, somente será possível com uma melhor preparação
dos professores para que estes possam guiar seus discípulos, assim como é de
fundamental importância uma maior atenção da política educacional do país, a
fim de que esta venha a efetivar resoluções como, por exemplo, as que estão
inclusas nos PCN’s, tirando-as do papel e fazendo com que elas se tornem uma
realidade do ensino nacional.
Acredita-se que exista um arrefecimento na busca das condições ideais do
ensino- aprendizagem, o que faz com que este ensino apresente lacunas
significativas que comprometem a formação dos alunos no que confere a
ampliação das associações entre matérias, e que há uma urgente necessidade de
modificação deste quadro.
Assim sendo, este trabalho pretende demonstrar que esta passividade em
relação aos estudos mais profundos no sentido de apreender de maneira eficaz
estas inter-relações disciplinares no ensino e no estudo de todas as matérias, mas
especificamente nas artes musicais, pode e deve ser revertido e que para que se
venha atingir este estágio transdisciplinar é fundamental um desenvolvimento
gradual que possibilitará uma ampliação cultural adequada a este objetivo.
Espera-se ainda concluir que um ensino adequado da arte musical, juntamente
com outras matérias, está vinculado à conquista deste ensino qualitativo
pretendido, o que determinaria a erradicação de um conhecimento fragmentado,
transformando o ensino das artes e possibilitando uma melhor qualificação de
músicos, de outros artistas, dos profissionais de outras áreas e dos professores.
2. CULTURA: 
uma tentativa de conceituação
Segundo o antropólogo Clifford Geertz (1926-2006) em seu livro “A
Interpretação das Culturas”
[...] a cultura é melhor vista não como um conjunto de padrões concretos de
comportamento – costumes, regras, instruções [...] isso significa que a cultura, em
vez de ser acrescentada a um animal acabado ou virtualmente acabado, foi um
ingrediente, e um ingrediente essencial, na produção desse mesmo animal.[...]
Grosso modo isso sugere não existir o que chamamos de natureza humana
independente da cultura [...] o que nos aconteceu na Era Glacial é que fomos
obrigados a abandonar a regularidade e a precisão do controle genético detalhado
sobre nossa conduta em favor da flexibilidade e adaptabilidade de um controle
genético mais generalizado [...] para obter a informação adicional necessária
fomos forçados a depender cada vez mais de fontes culturais – o fundo acumulado
de símbolos significantes. Tais símbolos são, portanto, não apenas simples
expressões, instrumentalidade ou correlatos de nossa existência biológica,
psicológica e social: eles são seus pré-requisitos. Sem os homens certamente não
haveria cultura, mas de forma semelhante e muito significativamente, sem
cultura não haveria homens (1989, p.56, 59 e 61)
As afirmativas de Geertz demonstram de forma muito clara que a cultura é,
segundo o seu pensamento, o resultado de um processo amplo de
desenvolvimento do homem e que não somente foi criada para atender às
diversas necessidades estéticas que este homem foi tendo no decorrer de sua
história, mas é também um ponto de partida simultâneo à própria origem deste
homem, sem a qual não seria possível a sua sobrevivência.
No entanto, o próprio autor citado acima parece concordar que esta definição
não suprime, mas ratifica a necessidade de um entendimento de um processo de
construção cultural gradativo que determinaráo avanço em direção de uma visão
cultural abrangente. O homem é, pois, um animal cultural. Sem este pré-requisito
a história da humanidade seria outra, ou nula, pois, muito provavelmente, o
homem já tivesse se extinguido.
A cultura que pertence ao nível de condição de sobrevivência para o homem,
não pode ser vista apenas como um ornamento, não tem como ser encarada como
conhecimento em forma de verbetes enciclopédicos que se acumulam em
volumes na sua memória, mas antes, faz parte da matéria-prima que formou e
vem formando esta mesma memória através dos séculos, desde os períodos mais
antigos até os dias atuais, e mesmo que Geertz não intente aplicar conceitos
biológicos, psicológicos ou sociológicos na análise da formação cultural ele
defende que as relações entre estes conceitos são importantes para esta formação,
como aparece expresso na citação abaixo:
[...] a despeito do que possa parecer, não há aqui uma tentativa séria de aplicar os
conceitos e teorias da biologia, da psicologia ou até da sociologia a análise da
cultura [...] mas apenas a colocação, lado a lado, de fatos supostos dos níveis
cultural, e não cultural, de forma a induzir um sentimento vago de que existe uma
espécie de relação entre eles.(GEERTZ, 1989, p.49.)
Sem o homem, é obvio que os acontecimentos e as realizações culturais que
compõem as suas aquisições, os elementos que se ordenam e se transferem no
tempo transformando-se em vivência efetiva em sua mente e nas próprias ações
deste homem, não poderiam existir ou se alimentar, impossibilitando a sua
continuidade e evolução. No entanto, sem o caminho inverso, aquele de uma
visão que coloca a cultura como sendo o impulso gerador das realizações
humanas, a cultura como base de sua “seleção natural”, este homem também não
seria viável, não subsistiria. O homem é a cultura e a cultura é o homem, e este
entendimento de formação cultural através do homem, pelo homem e em prol do
homem é que faz com que a constituição inata do ser humano parece ser não
somente herdada, mas também um produto do meio.
Desta forma os elementos conceituais da cultura estão nesta via de mão dupla,
nesta interdependência, no amálgama formado entre homem e cultura no tempo
e no espaço, o que os torna um só elemento.
Este entrelaçamento, que no decorrer dos tempos foi urdindo essa trama, essa
“teia” de ligações, atingiu uma densidade ampla e codificada que faz com que
tenhamos condições de compreender as solicitações que as inúmeras
necessidades cotidianas nos fazem, absorvendo-as, e, por assim dizer,
instintivamente as decodificando em um nível abstrato no nosso íntimo.
[...] Como sistemas entrelaçados de signos interpenetráveis (o que eu chamaria
símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao
qual podem ser atribuídos, casualmente os acontecimentos sociais, os
comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro
do qual eles podem ser descritos de forma inteligível — isto é, descritos com
densidade (GEERTZ. p.24)
A cultura, assim entendida, trabalhou ao longo dos anos para que este “quase
instinto” do qual ela seria decorrente, fosse construindo um contraponto de
informações complementares que equipasse a humanidade e a tornasse adaptada
às suas diversas necessidades. Preparando, pois, o indivíduo, tanto para as mais
básicas questões de sobrevivência como também para o desenvolvimento
gradativo das realizações artísticas e culturais provenientes de um
desenvolvimento posterior.
Seria importante notar que existem pelo menos duas correntes fundamentais
de pensamento ao se analisar a formação cultural e a aquisição de conhecimentos
que implicam nesta análise. De um lado se encontram aqueles que tendem a
tachar de puro academicismo toda e qualquer exposição de conhecimento
fragmentado, e de outro os que não conseguem descobrir na cultura (ou culturas)
aquela transcendência dos aspectos puramente escolares.
Talvez ambos os pensamentos pequem pelo radicalismo. Pois assim como é
certo que todo o desenvolvimento dos fenômenos culturais transformou-se, se
desenvolveu, e se traduziu em aquisições benéficas e de ordem fundamental para
a sobrevivência da humanidade, também é verdade que as construções culturais
posteriores a estas reações básicas de preservação, foram elaboradas e re-
elaboradas até se transformarem nesta relação intrínseca: homem-cultura-
cultura-homem. Como também não poderiam ter sido conquistadas estas
configurações mais complexas, sem o armazenamento metódico de lições
assimiladas com o passar dos anos através das fontes culturais tradicionalmente
aceitas como cultas e que englobam todas artes, idiomas, e pensamentos
científicos e filosóficos.
Assim sendo, ao se pensar, na atualidade, em uma educação que valorize o
aprimoramento de uma análise de seus objetivos e aplicações, dentro de um
enfoque cultural, não se pode prescindir de estágios de formação adequados a
estas finalidades, uma vez que parece ser a consolidação de capacidades
adquiridas nestes domínios e a expansão constante destas capacidades o que
qualifica o homem a interagir com significados em diversos níveis de contextos,
como sugere Geertz nesta outra observação no seu livro:
[...] A análise cultural é (ou deveria ser) uma adivinhação dos significados,uma
avaliação das conjecturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir das
melhores conjecturas e não a descoberta e o mapeamento da sua paisagem
incorpórea.(p. 30 e 31).
Finalmente delineia-se o objeto fundamental desta pesquisa, que é a tentativa
de abordar a importância de um segundo aspecto que envolve a cultura e que está
ligado especificamente à preparação de professores e alunos para que eles possam
ter acesso (simultâneo e posterior) àquelas relações de empatia cultural as quais
seriam ideais por remontarem à condição de cultura vital. Este aspecto parece
representar os primeiros passos para que se possa ampliar o entendimento e a
visão de cultura para padrões mais elevados e, como se observa, tais fundamentos
exigem um comprometimento efetivo por parte do profissional, como nos
assegura o educador Paulo Freire:
[...] toda prática educativa envolve uma postura teórica por parte do educador.
Esta postura, em si mesma, implica às vezes mais, às vezes menos explicitamente
numa concepção dos seres humanos e do mundo. E não poderia deixar de ser
assim. É que o processo de orientação dos seres humanos no mundo envolve não
apenas a associação de imagens sensoriais, como entre os animais, mas,
sobretudo, pensamento-linguagem; envolve desejo, trabalho-ação transformado.
Este compreendido, de um lado, de um ponto de vista puramente subjetivo, de
outro, de um ângulo objetivo mecanicista. Na verdade, esta orientação no mundo
só pode ser realmente compreendida na unidade dialética entre subjetividade e
objetividade. Assim entendida, a orientação no mundo põe a questão das
finalidades da ação ao nível da percepção crítica da realidade.(1982, p.42).
Um fator importante a ser abordado ao se pensar neste outro aspecto
relacionado à cultura, é que existe uma interdependência nessa relação, onde a
tentativa de busca de uma cultura plena (embora inatingível), somente poderá
existir com um constante aperfeiçoamento do indivíduo em direção à ampliação
de seus níveis de capacidade em realizar associações, pois os estudos se
constroem sobre outros estudos no sentido de que cada vez que estejamos mais
informados mergulharemos mais profundamente no significado das coisas e
poderemos realizar uma melhor análise cultural.
Deveria-se assim, considerar com algum critério, que este “acúmulo de
conhecimento” funciona, e muito bem, como mecanismo de valor para
impulsionar os indivíduos a atingir outros níveis de espectro cultural bem mais
amplos, não obstante muitas vezes acabe sendo marginalizado pelos novos
conceitos de educação que às vezes associa esta busca da erudição a um elitismo
excludente que tornaria os indivíduos isolados em seus conhecimentos e de onde
nada de proveitoso poderia surgir.
Talvez fossemais interessante pensarmos se não são a partir destas posturas,
aparentemente radicais, que nascem os raciocínios que dão impulso ao
desenvolvimento do pensamento e da educação, por haverem, alguns homens,
refletido nas questões importantes para a interpretação de alguns valores
fundamentais, o que tornou, então, possível uma formação de criadores novos e
originais, de novos pensamentos, novas ciências e mesmo de nova estética
artística.
O filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), um crítico mordaz das culturas
estabelecidas nos moldes de pensamento racional ou de valorização de modelos e
ídolos, diz- nos em seu livro A Gaia Ciência que ele havia se mudado da casa dos
eruditos e que tinha também batido a porta ao sair, assim como no mesmo livro
critica o filósofo Emanuel Kant (1724–1804), dizendo que: “Kant queria
demonstrar a todos de um modo constrangedor, que todos têm razão: foi esta a
secreta pilhéria desta alma. Escreveu contra os sábios, em favor do preconceito do
povo, mas foi para eles, não para o povo que o fez” (NIETZSCHE, 2004, p. 132).
Nietzsche afirma que abandonou os eruditos e a casa deles, mas não deixa de
ter uma ferramenta muito importante, ou essencial para ter o poder de fazê-lo: a
própria erudição. Pois que era notadamente um grande pensador com um vasto
conhecimento em diversas áreas, e foi durante alguns anos dono da cadeira de
filologia da Universidade da Basiléia, na Suíça.
O outro ponto importante de se notar é que ele, ao criticar Kant, nos deixa claro
que a razão de sua crítica é, entre outras coisas a (para ele) incoerência do filósofo
que ao escrever contra os sábios o faz para estes mesmos, pois que os que não
tivessem erudição suficiente (o povo) para ler e para entender Kant não poderiam
ter acesso ao seu pensamento. Sendo assim Nietzsche, acaba por declarar que a
erudição que ele critica e que torna inacessível ao homem comum o pensamento
de Kant, é imprescindível para este acesso. É interessante notar também que não
menos convívio com a prática da leitura culta é necessário para se tomar
conhecimento da “retirada” de Nietzsche da erudição, e que ele também ao
escrever esta máxima que contraria os eruditos, o faz para que estes o leiam e não
para o povo.
Assim poderíamos dizer que antes de se conquistar um nível de entendimento
para se poder fazer uso do livre arbítrio da distinção entre esta ou aquela forma de
vida ou desta ou de outra escolha de envolvimento intelectual ou não com algo,
faz se necessário um certo grau de preparação cultural, já que parece claro que,
[...] O ser humano se desenvolve criando critérios (medidas) de convivência, com o
ambiente, critérios e medidas de convivência consigo mesmo e com a sociedade.
Tais critérios (ou medida...ou modelo) são criados conforme seu processo cultural
de interagir (com a sociedade, consigo mesmo, com o Ambiente) ele amadurece
aprimorando (sistematizando) sua capacidade de formação, cada dia mais
criativa, mais auto determinada, mais sistemática. Neste outro momento,
pensamos no Ser Humano lidando com a “cultura acumulada” da espécie humana.
(NOGUEIRA, 1994,p.89)
Pensemos no famoso preceito socrático onde o filósofo alega só saber que nada
sabe. Este é um bom exemplo para entendermos este ponto em questão. É
interessante notar que tal aforismo somente pode ser formulado ou repetido por
alguém que tenha atingido um certo nível intelectual para que possa então se
considerar indigno de achar que sabe algo. A outra única opção é que alguém que
realmente fosse um ignorante (no sentido de ignorar qualquer forma de
conhecimento formal, acadêmico) sentisse sinceramente o que professa o ditado
do famoso filósofo ateniense, mas pelo menos teríamos que admitir que esta
pessoa não o poderia repetir, ou pelo menos não o repetiria com a finalidade de
citar o filósofo grego, pois não saberia quem foi Sócrates (470-339 AEC).
O que se vê é que o conhecimento produzido e estudado é ferramenta essencial,
também, para qualquer estudioso da importância das culturas, para a formação
cultural do homem, e para todos que pretendam demonstrar através de suas
argumentações que o que se deve valorizar é a relação da humanidade com a
cultura e não o simples acúmulo de conhecimento. Observa-se, pois, que qualquer
destes estudiosos necessitaram e necessitarão sempre destas relações e
conhecimentos para tornarem plenamente inteligíveis para os seus
interlocutores, ou leitores, qualquer discurso a respeito da cultura. Da mesma
forma será necessário preparo intelectual para que posteriormente se tome
alguma posição em relação a qualquer uma das implicações decorrentes de
qualquer visão filosófica e cultural para que se possa tomar posição favorável ou
contrária a ela.
Um problema parece residir no fato de quase sempre existir uma associação do
termo “erudito” a algo pedante e intransigente. Não há como negar que esta
associação é bastante justificável por existir uma tendência em se atribuir valores
mortos a determinadas coisas, mas deve-se observar quais são aqueles que assim
agem e colher exemplos nas exceções.
Os que verdadeiramente apreciam e se beneficiam das criações denominadas
eruditas (infelizmente não existe outro termo), não o fazem por demonstração de
conhecimento ou por arrogância. Geralmente, estes, são os que vêem nestas
criações uma parte de um todo que determina uma relação íntima que eles têm
com o universo cultural, por serem estas para eles dignas de interesse, e por
entenderem que as mesmas estão ligadas a uma representatividade fundamental
para uma apreciação de qualidade.
Quando filósofos, educadores, qualquer artista ou escritor, questiona a
validade dos procedimentos acumulativos de conhecimentos, quando criticam
qualquer forma de erudição, estes somente poderão ser levados a sério, se, em
última análise, eles forem, por formação, eruditos. Sem se passar pelos
necessários caminhos de aperfeiçoamento e ampliação da sua própria cultura não
se pode almejar atingir um nível conceitual no qual se possa decidir pela
ampliação dos conhecimentos ou mesmo pelo simples abandono de tudo, pelo
repouso intelectual, se é que este é possível.
Há que se pensar também, que esta intimidade resultante de um alargamento
da cultura, através do estudo, parece somente estar disponível a uma
determinada elite privilegiada uma vez que os governantes brasileiros atribuem
sempre um valor errôneo à educação, entendendo que o simples acesso à escola já
constitui por si só estar proporcionando educação ao povo. Sendo assim as classes
médias e baixas da sociedade brasileira recebem um “ensino” massificante no
qual, muitas vezes, a simples conquista de escrever corretamente o próprio nome
é considerada alfabetização satisfatória.
Poderá se concluir, então, que existem algumas definições para esta entidade
complexa, multifacetada e, ao mesmo tempo, tradicionalmente erudita ou
popular, a qual se denomina cultura: que ela seria um elemento constitutivo do
universo humano e do próprio homem. Que esta cultura nas suas mais
diversificadas formas e estágios, esteve, ainda está, e sempre estará presente na
nossa história e formação. Que foi criada pelo homem e é responsável pelo
desenvolvimento e pela constante re-formulação dos conceitos e novas
construções realizadas na humanidade. Que a cultura, da forma ampla e
abrangente como deve ser entendida, e estudada, não é de maneira alguma uma
prioridade em muitos governos. Que a cultura se apresenta sob inúmeras facetas
que tendem a se atrair e efetivamente se atraem e se mesclam visando formar um
corpo abrangente e único, porém infinito e vivo, do qual nunca se logrará abarcar
o todo. Mas que estaremos pelo menos mais aptos a compreender relações e
interações no todo se pensarmos nestas correlações inerentes à cultura, uma vez
que:
[...] a prática que se constitui em critério de verdade é sempre aquela motivada por
uma finalidade, ou seja, toda a prática verdadeira está intimamente
correlacionada ao fim que o homem tem em vista, e ao seu engajamento no
processo produtivo. Neste sentido,é fundamental que o homem perceba-se a si
próprio pelo acúmulo de conhecimentos sobre a prática que adquiriu em sua vida.
Embora as situações do cotidiano não se repitam de formas absolutamente iguais,
as respostas dadas às situações se revelam no simples aproveitamento de
experiências cujos resultados são conhecidos. O que estamos com isso querendo
dizer é que a capacidade de conhecer uma prática em suas limitações e
possibilidades supõe o conhecimento das intenções que determinaram ou
direcionaram esse agir pessoal, particular, individual, e que somente assim
teremos condições de adquirir novas formas de perceber, conhecer e agir em
outras perspectivas. (FAZENDA, 1994, p.71-72)
E, finalmente, poderíamos terminar, dizendo que a cultura é também a junção
dos elementos formais de todas as áreas do conhecimento. Da música e da
literatura, das artes plásticas e da arquitetura, das ciências e da história, e que
todos estes elementos podem e devem ser aprendidos e ensinados, para que se
possa conviver com a cultura em níveis de familiarização gradual e de constante
adensamento e elevação. E que naquele sentido almejado de cultura ideal, ela é o
Parnassum a ser atingido, mas que para que isso venha a se tornar uma
possibilidade precisamos do Gradus como escada de ascensão.
3. FORMAS DE ENSINO E ESTUDO
3.1 Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade
A necessidade de se pensar o ensino de uma forma mais abrangente que ligue
umas disciplinas às outras, que torne possível que se revele diante dos olhos de
todos os docentes e discentes as inúmeras relações entre as partes, e que aponte
para um ensino de qualidade de valorização do ideal cultural, é, ao que parece, se
não o principal, pelo menos um dos objetivos da pedagogia do ensino
interdisciplinar. Muitos educadores têm, assim, procurado demonstrar que
através da interdisciplinaridade, ou seja, de um aprendizado calcado na inter-
relação de disciplinas, se pode alcançar melhores resultados educacionais.
A professora Ivani C. Arantes Fazenda (1941-) ao definir a atitude
interdisciplinar, escreve:
[...] Entendemos por atitude interdisciplinar, uma atitude diante de alternativas
para conhecer mais e melhor; atitude de espera ante os atos consumados, atitude
de reciprocidade que impele à troca, que impele ao diálogo – ao diálogo com pares
idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo – atitude de humildade diante
da limitação do próprio saber, atitude de perplexidade ante a possibilidade de
desvendar novos saberes, atitude de desafio – desafio perante o novo, desafio em
redimensionar o velho – atitude de envolvimento e comprometimento com os
projetos [...] atitude, pois de compromisso em construir sempre da melhor forma
possível, atitude de responsabilidade, mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de
encontro, enfim, de vida.(1994, p. 82)
Este compromisso com a construção de um conhecimento ou de uma didática
de ensino, esta atitude de responsabilidade e a sempre presente possibilidade de
desvelar novos saberes é algo que, sem dúvida, poderia tornar muito eficaz a ação
do professor.
Imaginemos, por exemplo, que um professor de matemática aborde o assunto
das proporções do número de ouro, ou padrão Fibonacci (1175–1250).
Imaginemos também que este professor saiba que a primeira observação feita em
relação aos padrões desta ordem progressiva tenha sido observada por Pitágoras
(571-497AEC), e que este professor possa associar este conceito do número phi1,
não só às fórmulas numéricas expressas por algarismos, ou à sua aplicabilidade
científica, mas também demonstre sua importância na elaboração e na confecção
de obras artísticas. Que este professor possa dizer aos seus alunos que inúmeros
pintores, construtores , escultores e grandes mestres da música, utilizaram este
conceito de secção áurea na realização de muitas de suas obras. Este professor,
que certamente será um professor diferenciado, no quadro dos docentes de
nossas escolas, o professor bem sucedido, nos dizeres da professora Ivani Fazenda,
logrará atingir aspectos de importância crucial para a verdadeira formação dos
alunos pois estará construindo a ponte que liga o ensino destas artes ao da
história, da geografia, das ciências, como também das religiões e da filosofia.
Ampliam-se, assim, as possibilidades dos seus discípulos de descobrirem que há
uma relação entre os estudos que eles realizam na atualidade, com outras
atividades e com outros períodos e lugares onde viveram e trabalharam estes
artistas, matemáticos e pensadores.
O caminho inverso também é verdadeiro. Um professor de artes, que tenha
conhecimento destas relações, pode demonstrar aos seus alunos que aquelas
belas proporções realizadas nas telas, nas construções ou na música, fazem parte
não só de um padrão que pretende imitar a perfeição divina da natureza, mas que
esta beleza também pode ser expressa geometricamente. Poderá um professor
deste tipo, estar reascendendo um interesse pelo estudo das ciências exatas em
alguém que, enxergará agora, alguma sensibilidade nas fórmulas que antes lhe
pareciam rígidas e destituídas de harmonia.
Dificilmente se poderá negar que os alunos que forem assim instruídos e
informados demonstrarão um interesse muito maior e mais vivo para o
aprendizado daquele conceito matemático e de suas implicações. Pois eles estarão
se debruçando sobre a história, sobre as realizações reais do homem e
estabelecendo, ou sendo instigados a estabelecer conexões, e, assim, realizando
uma prática metodológica coerente, que certamente lhes parecerá atraente, como
sugerido no texto de Nogueira:
[...] como uma espécie de metodologia para este conhecimento, Aristóteles sugere
um raciocínio de tipo progressivo. Faz-se uma progressão das observações. Vai-se
rumo aos princípios genéricos. Destes se retorna às observações [...] Qual o avanço
de Galileu, no campo do conhecimento científico? Ele coloca o movimento (a
transformação, o fluxo) como centro da experiência científica e, portanto, como
componente do conhecimento verdadeiro.[...] isso nos leva a um outro sábio
chamado H. Poincaré. Ele considerava que é importante nos debruçarmos sobre a
história para o ensino. Uma das preocupações dele era retomar a intuição no
ensino da matemática. A intuição é tão relevante quanto é a lógica e, portanto, é
tarefa do educador compreender que elas desempenham papéis diferentes na
construção do conhecimento.[...] E quanto ao ensino da matemática? Como é que
fica? Se ela for apresentada apenas como rigorosa na aplicação momentânea de
fórmulas ou esquemas, ela corre o risco de parecer muito artificial. Ela se
“esvazia”. Perde a intuição, perde a possibilidade de invenção e se apresenta como
uma gramática, “pronta” pra ser decorada. Mas se a relação professor-aluno
percorrer o processo (intuir-supor-descobrir-avaliar) então o rigor tem sentido. O
rigor não é algo chato. Ele é um critério de certeza que acompanha a curiosidade e
qualifica a descoberta, portanto, desperta interesse, motiva. (1994, p.79-81)
Por esta razão talvez se deva pensar que um envolvimento completo com os
estudos musicais deve também ambicionar conseguir o maior número possível
de associações. Esta atitude levaria o indivíduo a transitar com familiaridade por
um leque de informações, e este leque deve ser tanto mais abrangente quanto
possível.
A estética comparada demonstra a utilização de temas em comum entre as
várias artes, e faz notar que o estudo e uma melhor apreciação das obras, não pode
se realizar plenamente sem associações comparativas:
[...] ‘A arte são todas as artes’. Aforismo que afirma simultaneamente a unidade da
arte, uma vez que um único termo genérico a designa, e atrai a tumultuosa
presença da arquitetura e da música, da pintura e da escultura, do cinematógrafo e
da cerâmica, etc [...] Assim a música pode ser calcada no poema [...] como Duparc
ao repensar Baudelaire musicalmente [...] quando Lucrécio se inspira numa
estátua ou David para vários de seus quadros [...] ou Schumann (Kreisleriana) em
arabescos e personagens recortadosem silhuetas (SOURIAU,1983, p.3).
Deveríamos pois considerar o valor que pode existir em se ter uma visão
abrangente. E que quando se estuda uma arte, não se pode prescindir de uma
constante leitura comparativa. A perspectiva deste tipo de aprendizado é
fundamental para se conquistar uma cultura apropriada que propicie um maior
aproveitamento, um fluir adequado, do observador ou do próprio artista, bem
como, para se adquirir uma capacidade real de se tornar um orientador capaz de
conduzir outros futuros estudantes pelos mesmos caminhos.
A interdisciplinaridade trabalha com estas possibilidades, com estes objetivos
definidos de complementar as disciplinas vinculando-as umas às outras. Talvez
ela possa ser definida ou conceituada de uma forma simples e sintética, como um
processo de integração das diversas disciplinas que tem a propriedade de romper
a estrutura individual de cada uma propiciando uma integração entre todas.
Trabalharia pois, para conquistar a eliminação de uma tendência de
fragmentação existente no estudo mono disciplinar.
Ela não nega os diferentes princípios de cada matéria ou de cada ciência, porém
faz oposição ao pensamento em campos restritos e fechados, e mesmo
respeitando o terreno de cada conhecimento, analisa quais são os pontos comuns
a todos e quais as peculiaridades que os diferenciam, estabelecendo, então, as
conexões possíveis de serem feitas.
A conduta interdisciplinar no ensino funciona, entre outras coisas, como um
meio eficaz de atingir uma formação profissional mais ampla, incentiva a
pesquisa induzindo os estudantes ao aprendizado constante e a perceberem a
necessidade da educação ininterrupta, do aprendizado contínuo. Assim, ela
conscientiza-nos de que não se pode interromper a busca do conhecimento, mas
antes, permanecer inquieto em relação a uma procura permanente. É o que
sugere Paulo Freire, quando diz:
[...] Em última análise, o estudo sério de um livro como de um artigo de revista
implica não somente numa penetração crítica em seu conteúdo básico, mas
também numa sensibilidade aguda, numa permanente inquietação intelectual,
num estado de predisposição à busca.[...] Quase sempre, ao se transformarem na
incidência de reflexão dos que as anotam estas idéias remetem a leituras de textos
com que podem instrumentar-se para seguir em sua reflexão.[...] O educador
jamais pode ser um memorizador, mas alguém que constantemente refaz sua
capacidade de conhecer no exercício que desta capacidade fazem os educandos.
Para ele a educação envolve sempre uma certa teoria do conhecimento posta em
prática. Ele sabe, porém, que nem todo diálogo é, em si, a marca de uma relação de
verdadeiro conhecimento.(1982, p.11,12 e 54)
Da mesma forma, para Ivani Fazenda, a lógica que preside o trabalho dos
professores bem-sucedidos é, entre outras coisas, aquela que faz com que este
professor tenha o gosto por conhecer – por um conhecimento em múltiplas e
infinitas direções. Este gosto por conhecer, citado pela professora Ivani, parece
ampliar o aspecto disciplinar e demonstra que não se pode ter uma visão
unilateral, pois sugere uma valorização de qualquer forma de conhecimento e que
se deve buscar na formação do indivíduo, seja na do aluno ou na do próprio
professor, a postura de uma mente aberta às diversas manifestações culturais.
Sejam estas manifestações originárias do pensamento europeu, do
conhecimento das danças tribais indígenas, na sabedoria popular, no folclore de
qualquer povo, ou de qualquer outra origem, elas são muito relevantes para o
alargamento cultural do homem, e especialmente aproveitadas na formação do
artista. Compositores como Bela Bartók (1881–1945) e Igor Stravinsky (1882–
1971) foram buscar material para algumas de suas obras nos mesmos tipos de
fontes, onde também foram o procurar, por exemplo, Heitor Villa-Lobos (1887–
1959), Lorenzo Fernandez (1897–1948), Astor Piazzola (1921–1992) ou
Pixinguinha (1897–1973). Independentemente do tipo de composição e do estilo,
popular ou clássico.
Um aspecto que se propõe deixar claro neste trabalho é que há uma
importância fundamental em se valorizar o conceito de interdisciplinaridade e de
se respeitar, sem nenhum tipo de restrição ou partidarismo étnico, toda e
qualquer forma de cultura. Esta valorização, no entanto, somente poderá ser
consciente e consistente, abrangendo aspectos importantes e determinantes nas
escolhas que se farão, e mesmo servir como base para refutação de qualquer
partidarismo étnico, se for compreendida de forma eficaz pelos professores ou
estudantes de forma a contribuir para a formação do pensamento crítico e
criativo. A conquista deste patamar só será possível se houver uma valorização do
conceito interdisciplinar, e uma ampliação do próprio conceito de cultura,
criando-se algumas familiaridades com elementos que fazem parte deste mosaico
cultural, sejam eles pinturas, sinfonias, cantigas de roda, ditados populares, uma
escultura do barroco mineiro ou uma estátua grega de um escultor da
antiguidade clássica.
No entanto, há que se fazer algum aprofundamento da percepção intuitiva
intelectual, sem a qual, talvez, haveria uma valorização irrestrita de todas as
coisas, que poderia se tornar mera vulgarização, sem uma visão crítica, repetição
irrefletida, pois aquilo que a tudo apóia, sem restrições, e sem embasamento, tudo
diminui. Enquanto que a reflexão e a observação sem nenhuma forma de
preconceito ou preferência pré-estabelecida, poderá ao contrário, perpetuar um
gosto eclético e a transmissão deste gosto, pois:
[...] Claro que a pedagogia dos mestres, multiplicando os comentários, os
‘exercícios de estilo’, a explicação meticulosa de cada palavra, cada frase, cada
verso de um autor tomado como modelo, pode, e com razão, ser acusada de ter
provocado uma ‘inércia admirativa’ cujos efeitos se fazem por vezes sentir na
prosa e na poesia latinas. Mas as exigências da formação retórica propriamente
dita implicavam, além da leitura dos grandes autores, a aquisição de um saber
pluridisciplinar: o direito, a história, a geografia, a filosofia, até mesmo a música e
os elementos de cultura científica. Assim se formava a inuentio dos futuros
oradores (a inuentio é a arte de encontrar idéias, argumentos) (GAILLARD, 1992,
p.20)
A transdisciplinaridade parece tocar em aspectos ainda mais amplos,
conduzindo também a este tipo de raciocínio de valorização dos mais variados
aspectos culturais e das relações existentes entre as diversas disciplinas. Ela
sugere que existe algo além das matérias que somente se tornará acessível com a
prática da observação comparativa que se transformará, através da experiência e
do aperfeiçoamento (o que parece fazer com que se retome as concepções de
Geertz sobre a cultura como fundamento e meio para a construção do homem),
em algo que poderá ser percebido de uma forma, por assim dizer, intuitiva, como
sugere para nós também o físico teórico Basarab Nicolescu (1942-) ao conceituar
a transdisciplinaridade:
[...] a transdisciplinaridade diz respeito ao que está, ao mesmo tempo, entre as
disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de todas as disciplinas. Seu
objetivo é a compreensão do mundo presente, e um dos imperativos para isso é a
unidade do conhecimento. Existe algo entre ou através das disciplinas e além de
todas as disciplinas? [...] A estrutura descontínua dos níveis de realidade
determina a estrutura descontínua do espaço transdisciplinar, que por sua vez
explica por que a pesquisa transdisciplinar é radicalmente distinta da pesquisa
disciplinar, mesmo quando totalmente complementar. A pesquisa disciplinar diz
respeito, na melhor das hipóteses, a um único e mesmo nível de realidade; além do
mais, na maioria dos casos, refere-se a apenas um fragmento de um nível de
realidade. Por outro lado, a transdisciplinaridade diz respeito à dinâmica
engendrada pela ação de diferentes níveis de realidade ao mesmo tempo. A
descoberta dessas dinâmicas passa necessariamente pelo conhecimento
disciplinar.[...] Nesse sentido, a pesquisa disciplinar e transdisciplinarnão são
antagônicas, mas complementares.(1997)
Nicolescu comentou ainda, no programa Arquivo N (exibido pelo canal Rede
Globo News, em 22/11/2005), que por volta do século XIII havia
aproximadamente umas sete disciplinas, que em meados do séc.XX este número
teria crescido para algo em torno de 50 disciplinas. Que hoje em dia existem algo
na ordem de 8.000 disciplinas, que formam o tempo todo especialistas que são
experts em um determinado conhecimento muito específico, e,
conseqüentemente, por assim dizer, ignorantes em 7.999 outros.
Com o ritmo de produção de conhecimento científico constante que acontece
nos dias de hoje, sem possibilidade de conecta-los uns aos outros, tende-se a
permanecer neste molde que parece ignorar a globalização que está aí e é, ao que
tudo indica, uma realidade irreversível. Assim, faz se necessário criar meios de
conexão entre as diversas disciplinas. A transdisciplinaridade faz isso, porém não
visa a multiplicação de itens como acontece com os conhecimentos inseridos em
uma enciclopédia, mas sim a criação de conexões entre as áreas de conhecimento.
Precisaríamos, segundo esta filosofia transdisciplinar, de uma linha de pensar a
educação e o homem na direção de unir a parte prática da mente do homem, o seu
pensamento analítico, com o lado emotivo, espiritual deste homem.
Basarab Nicolescu coloca também a seguinte questão: seremos nós os humanos
compostos somente de células e neurônios ou somos também seres que trazem a
necessidade de fazer a ligação entre estes dois pólos opostos, o do saber e o do ser?
Conclui ele, que acredita que a transdisciplinaridade trata de uma pessoa humana
e da sua necessidade de lidar com várias e complexas dimensões.
Parece pois, que a transdisciplinaridade pode ser considerada como uma
relação de ordem abstrata e íntima entre homem e cultura, como componentes do
universo e que este conceito de homem-transdisciplinar pertence àquele último
estágio a ser alcançado na escalada para um entrosamento cultural adequado.
Neste sentido de cultura abrangente em altas esferas de percepção, de
compartilhamento, a atitude transdisciplinar se caracterizaria por uma forma de
visão e de compreensão do universo e das relações entre todas as coisas. Ela
superaria assim o âmbito das disciplinas mesmo quando associadas
(interdisciplinaridade), o que seria algo ligado apenas ao conhecimento específico
de determinado, ou determinados assuntos, e rompendo com este invólucro o
transcenderia. Estabeleceria, pois, diferentes níveis de percepção, trazendo à luz
com isso, uma grande quantidade de maneiras de se conhecer. Valoriza não só o
conhecimento científico, mas, visa ampliar seu alcance aos mais variados modos
de produção de conhecimento.
Isso não só faz com que se voltem os olhos para questões e interesses muitas
vezes menosprezados em sua condição de componentes formadores de cultura,
como os já citados aspectos folclóricos e valores diversos da cultura popular que
ampliam o universo cultural do homem, como reergue também os valores
tradicionais, encarando-os de maneira a mesclar estes com o todo que existe nas
mais heterogêneas tendências. Percebe-se que sem um gradual aprimoramento e
familiarização com estes diversos temas e aspectos não se poderá avançar rumo
ao estabelecimento da maneira transdisciplinar de observar o mundo. Criariam-
se desta forma parcerias e onde antes somente um tipo de profissional
especializado atuava, atuariam agora vários outros, trocando experiências e se
relacionando uns com as atividades e com os conhecimentos dos outros, criando
um outro nível de conhecimento participativo que beneficiaria qualquer um que
dele necessitasse ou que nele atuasse.
Assim se poderia conquistar avanços em questões básicas como, por exemplo,
na saúde, quando, em um determinado momento, um paciente fosse atendido,
não se olharia para o problema daquele indivíduo de uma forma restrita, mas
ampla, inserindo-o em vários contextos, como o social, o filosófico, o psicológico e
o físico, o que certamente faria com que o atendimento a este paciente fosse de
melhor qualidade.
Segundo Jean Piaget (1896-1980), o termo Interdisciplinaridade deve ser
reservado para designar “o nível em que a interação entre várias disciplinas ou
setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações reais, a uma
certa reciprocidade no intercâmbio levando a um enriquecimento mútuo” (1972,
p. 136-139).
Já a Transdisciplinaridade para Piaget envolve “não só as interações ou
reciprocidade entre projetos especializados de pesquisa, mas a colocação dessas
relações dentro de um sistema total sem quaisquer limites rígidos entre as
disciplinas.” (1972)
No campo da educação não é necessário repetir as inúmeras vantagens desta
forma abrangente de se pensar a pedagogia para uma formação completa e
diferenciada, e não resta dúvida que esta realidade transdisciplinar, é o ideal
perseguido pela educação no entendimento integral de cultura, como já ficou aqui
defendido como o melhor caminho para o desenvolvimento e sobrevivência do
homem.
Novamente temos a difícil e controversa questão sobre o que tem valor na
cultura e como transitar pelos dois lados, realizando o estudo e a consolidação dos
fundamentos da tradição acadêmica e valorizando também, os aspectos culturais
informais, sabendo-os não incompatíveis, mas antes, parceiros na consolidação
de um universo rico e definitivamente heterogêneo.
Esta visão transdisciplinar é, sem dúvida alguma, uma nova e completa forma
de sentir e de abordar este assunto, de agir e reagir frente aos diferentes aspectos
do saber que se interagem praticando um respeito mútuo de convivência e de
cooperação que pressupõe uma diversidade que se interliga por todos os lados.
Quando se extrapola desta forma o perímetro da interdisciplinaridade e se
avança para um estudo que se situa além do âmbito desta, e que constitui, por
assim dizer, um terreno que não pertence isoladamente a nenhuma disciplina,
porque somente se forma com as partes de todas, então estamos entrando no
terreno da transdisciplinaridade.
Não é, pois, a transdisciplinaridade um conjunto de conhecimentos que
deverão ser comparados e confrontados, mas muito mais uma valorização de toda
cultura e de todo conhecimento e experiência que venha a contribuir para o
crescimento total do indivíduo não só de forma intelectual, mas de maneira
integral. Este seria um elemento transformador que influiria em nossos conceitos
e visões da sociedade e das diversas culturas, reintegrando-os a todo o momento
no universo, do qual ambos, homem e cultura, fazem ou deveriam fazer parte,
através de uma interação ampla de empatias naturais que estão estabelecidas no
todo.
O indivíduo que intuir de forma a valorizar esta visão de integração com a
totalidade transitará pela sensibilidade, pela experiência e pelo prático, nunca
desassociando estas três realidades, mas vivenciado-as em conjunto, unidas em
uma só o que redundará em beneficio da sua percepção do mundo e interação
com ele. Poderia se afirmar que na transdisciplinaridade temos uma proposta de
uma espécie de procura de transcendência de um campo de foco relativamente
ainda fechado para um que traga à tona as múltiplas formas do conhecimento
que virão valorizar cada indivíduo, cada cultura, cada concepção artística,
filosófica ou científica, em conjunto, como fator real de produção de um
conhecimento participativo e integrador .
No entanto (e aqui retornamos ao cerne do objetivo deste trabalho) não se pode
cair no engano de que este complexo amadurecimento possa surgir sem antes
vencermos etapas iniciais que embotam e estagnam o afloramento desta forma
extraordinária de intuir a totalidade dos conceitos. Sem o rompimento das
amarras que prendem uma grande parte dos alunos e professores a uma visão
estática, jamais se logrará atingir o ideal transdisciplinar, e o passo inicial para
que isso venha a ocorrer é seguir a via aberta pela interdisciplinaridade, a qual
não nega que se deve preservar os fundamentos de uma consolidação dos
conhecimentos,como se pode observar nos dizeres da professora Ivani Fazenda:
[...] A relação mais antiga ao tema (interdisciplinar) em questão me sugere uma
volta à velha Grécia, mais especificamente, à Paidéia e, com ela, a possibilidade de
revermos uma situação: a de preceptor e discípulo. O preceptor, se bem me recordo
[...] é aquele que ajuda o discípulo a fazer uma leitura das coisas próprias do
conhecimento geral. O discípulo é aquele que gradativamente é indicado a ampliar
essa leitura.Preceptor e discípulo trazem consigo conhecimentos próprios de um e
de outro, que ampliados sintetizam uma proposta eterna e primeira da educação:
Paidéia – hoje posso simplifica- la ou reduzi-la a uma palavra pertencente ao meu
universo atual de discurso teórico: parceria.[...] (1989, p.38)
E ainda:
[...] ensinar é aprender, porque ensinar é sobretudo pesquisar, e por isso é também
construir, é aprender. [...] cabe ao professor, antes de mais nada, haver adquirido
uma considerável leitura de vida e de mundo, pois aprender é, inicialmente,
aprender em relação à própria vida. Com ele, o gosto da pesquisa que nasce na
relação preceptor/discípulo, o espírito daquele que se dispões a trabalhar, a criar, a
ousar, a construir. O aluno [...] adquire nesse processo uma admirável disciplina de
trabalho, aprende o valor dos conhecimentos necessários, o valor da pesquisa e da
documentação. Guarda da escola e do mestre o sabor do saber e permanece um
perpétuo estudante. É, segundo Piaget, aquele que não se apressa em virar a página,
mas aquele que se demora nela.(1989, p.40-41)
Enquanto todos nós, estudantes e professores de música, de outras artes, de
ciências, de letras, ou de qualquer outro ramo, não mostrarmos mais empenho
em relação à busca de conhecimentos e conceitos importantes para uma
compreensão global da cultura, e não mudarmos nossas atitudes para a atitude do
aluno que não se apressa em virar a página, e enquanto nós não nos
transformarmos naqueles que têm o gosto pela pesquisa, estaremos nos privando,
ou sendo privados, quando não orientados adequadamente, de uma fatia
saborosa do saber. Somente através de uma entrega pessoal e íntima aos estudos é
que se poderá conquistar um entendimento abrangente e transdisciplinar. Mas
havemos de lutar para dar os primeiros passos antes de conquistarmos a
habilidade do vôo. Precisamos, “auxiliar-nos a ganhar acesso ao mundo
conceptual de maneira que possamos conversar com os nossos sujeitos em um
sentido mais amplo, e necessitamos penetrar num universo familiar de apoio
simbólico, e as exigências do avanço técnico na teoria da cultura, entre a
necessidade de aprender e a de analisar, é tão necessária como irremovível”.
(GEERTZ, 1989). Certamente não se pode obrigar alguém a ter uma experiência
emocional com as relações existentes entre a música e a literatura, por exemplo,
mas pode-se sugerir que quando se abandona esta possibilidade, ou por não a
conhecer adequadamente, ou por menosprezar a sua importância, estamos
causando uma lesão grave na formação do indivíduo culto.
Dizia Machado de Assis (1839-1908) pela boca do personagem Brás Cubas que
“Grande coisa é haver recebido do Céu uma partícula da sabedoria, o dom de achar
as relações das cousas, a faculdade de as comparar e o talento de concluir”! (2001,
p.264)
Ninguém pode concluir nada a respeito de nada, analisar uma música, uma
pintura ou um ritual de fertilidade de uma tribo africana se não houver
trabalhado para isso, se não tiver adquirido esta habilidade, ou estar adquirindo
estas habilidades (já que o conhecimento e a cultura são infinitos se pensarmos na
sua constante ampliação e transformação). Decorre disso, que, se não nos
interessarmos e não estudarmos alguma coisa sobre música, pintura ou rituais
africanos de fertilidade, não teremos como interpretar estes temas em associação
uns com os outros, se em algum momento eles aparecerem para nós como parte
de uma mesma obra ou de obras relacionadas.
Logicamente, existirão pessoas que poderão analisar música, executá-la e
mesmo compô-la, sem que estejam intimamente ligados a uma pluralidade de
conhecimentos interligados, tenham ou não estes conhecimentos associação com
esta música. Assim como, sempre haverá os que poderão analisar alguns
princípios que regem rituais africanos de fertilidade, ou pintores de qualidade e
mesmo apreciadores e bons analistas de pintura, de música e apaixonados por
práticas indígenas, que não estejam cientes de realizações em outras áreas que se
ligam a todas estas coisas citadas, e, realizações estas, que talvez jamais farão falta
alguma para eles. O ponto em questão é que existe a possibilidade de uma
ampliação de conhecimentos que faz com que exista uma maior familiaridade e
um maior entendimento de várias atividades culturais. E apesar desta pesquisa
citar relações de outros grupos com este fator de alargamento cultural, não se
pode perder de vista que o alvo principal desta mudança de atitude em relação ao
conhecimento é o aluno, especialmente o aluno de artes, e mais especificamente o
de artes musicais. Uma vez se constituindo este tipo de abordagem mais ampla,
esta modificação fará com que aqueles que detiverem este tipo de informação
associativa diferenciada, além de poderem apreciar de forma otimizada a pintura,
o ritual ou a peça musical, obviamente, estarão também muito mais aptos a
exercer a prática do ensino. Poderão, sem sombra de dúvida, estabelecer, quando
em algum momento se requisitar, algum tipo de associação entre àquelas duas
artes e a manifestação tribal citada. O que constituirá, no caso de professores,
grande vantagem de conhecimento específico em relação àqueles que não
puderem estabelecer estas relações.
Certamente este dom não vem gratuitamente, não cai do céu como sugere
Machado no seu livro, através de Brás Cubas, mas adquire-se esta condição de
observador perspicaz por meio do estudo e do trabalho. Não se poderá negar,
evidentemente, que existem mentes aguçadas inatas, que têm extraordinária
rapidez de raciocínio, como também está claro que a inteligência não é medida
pelo grau de cultura dos indivíduos, e que um analfabeto que vive na aldeia mais
remota do globo pode ter grande inteligência.
Sabemos, no entanto, que apesar de poder aquele escritor brasileiro ser
considerado alguém muito inteligente não só pela sua produção literária, mas
pelas circunstâncias adversas que fizeram parte de sua história, foi somente com
muito esforço e dedicação aos muitos estudos das artes, da cultura clássica, da
história antiga e do seu tempo, das religiões e logicamente da literatura, que ele
pôde aprimorar aquela mente de percepção aguda e fina, e que se não foi somente
através do diálogo com os mestres através dos livros que ele a conquistou, isso
também para tal muito contribuiu.
O caso de Machado de Assis, instiga-nos a pensar que não foi só uma motivação
intelectual interdisciplinar que motivou aquela reflexão machadiana, (através do
personagem) mas que tal observação poderia estar ligada a uma condição
intuitiva peculiar a transdisciplinaridade. Estava Machado, com certeza, além de
seu tempo pelo que afirma Roberto Schwarz, um dos estudiosos de suas obras,
quando diz:
[...] Realmente se nós olharmos o Brasil como parte da cena contemporânea, e se
não nos limitarmos ao ângulo da história nacional, veremos que aqui certos
aspectos do mundo moderno aparecem de maneira particular e que os autores que
têm garra para apanhar esse modo particular podem ser autores de vanguarda e
‘universais’, não só apesar, mas por causa de nosso chamado atraso. Machado de
Assis é um autor que em 1880 está dizendo coisas que o Freud diria 25 anos
depois. (BOSI et al. 1982, p.318)
Pensando neste avanço em relação à sua época, no que diz respeito ao
desenvolvimento psicológico de seus personagens, poderia ter trazido M. de A
consigo uma percepção transdisciplinar que lhe fizesse criar aqueles tipos
inseridos em uma visão mais ampla de análise do que muitos dos seus
contemporâneos? Não seria tirar uma conclusão fútil acreditar quesim, devido ao
conjunto de observações de agudeza semelhantes que transpassam suas obras e
que sempre estão amparadas em uma diversidade de temas filosóficos, históricos,
artísticos e religiosos. O que pode nos levar a deduzir que algumas vezes podemos
ter este tipo de interpretação das complexas relações que podiam por ele ser
pressentidas, e que parecem não se tratar apenas de literatura comparada.
Mesmo que o, bruxo do Cosme velho, naquela época não pudesse definir o tipo de
relação que ele tinha com o conhecimento diversificado, como sendo uma relação
de transdisciplinaridade, uma observação, agora do próprio autor, e não mais de
um personagem, citada por Afrânio Coutinho (1911-2000) num estudo crítico,
ilustra bem esta questão e faz com que possamos cogitar da possibilidade do saber
transdisciplinar estar presente, intuitivamente, em sua conduta:
[...] Tiro de cada coisa uma parte e faço o meu ideal de arte, que abraço e defendo
[...] Que a evolução natural das coisas modifique as feições, a parte externa,
ninguém jamais o negará; mas há alguma coisa (grifo nosso) que liga, através dos
séculos, Homero e Lord Byron, alguma coisa inalterável, universal e comum, que
fala a todos os homens e a todos os tempos. (ASSIS apud COUTINHO, 1962, p.3)
Estes elementos que permanecem inalterados, não no sentido de valor perene e
imóvel, mas no de fomentar interesses que falam a todos os homens e a todos os
tempos, e que determinam a capacidade de captura de idéias que se formam a
partir de um texto poético, de uma sinfonia, ou de uma escultura, atingem as
regiões intuitivas, criando um novo sentimento decorrente daquela beleza
expressa naquelas formas de arte. Estas coisas, por assim dizer, ocultas, entre as
notas de uma música ou na expressão dos contornos de uma estátua de mármore,
as mensagens nas entrelinhas a espera de serem decodificadas, são os caminhos
para a capacidade da compreensão artística total (ou a maior possível).
Tudo isso são detalhes que muitas vezes não podem ser ensinados, mas
curiosamente eles podem ser aprendidos em parceria (na redução do termo
Paidéia de Ivani Fazenda), com a prática do interesse diversificado, com o retorno
ao estilo de relação preceptor/discípulo entre aluno e professor. São estes os
fatores que demonstram ser a transdisciplinaridade um conceito muito
abrangente e vivo e de grande possibilidade didática.
Esta multifacetada visão é que pode fazer com que o estudante de música, por
exemplo, que antes se encontrava preso a um único elemento de interesse que era
a performance, ou mesmo, na melhor das hipóteses, envolvido também com o
aprendizado das matérias comuns ao seu curso, possa vir a ampliar seus
horizontes e enxergar além dos objetivos primários, transformando em objetivo
principal um estudo mais amplo, mais diversificado e rico em significados.
[...] Assim como não é possível identificar teoria com verbalismo, tão pouco o é
identificar prática com ativismo. Ao verbalismo falta a ação, ao ativismo, a
reflexão crítica sobre a ação. Não é estranho que os verbalistas se isolem em suas
torres de marfim e considerem desprezíveis os que se dão à ação, enquanto os
ativistas consideram os que pensam sobre a ação e para ela como ‘intelectuais
nocivos’, ‘teóricos’ e ‘filósofos’ que nada fazem senão obstaculizar sua atividade.
Para mim, que me situo entre os que não aceitam a separação impossível entre
prática e teoria, toda prática educativa implica numa teoria educativa. (FREIRE,
1982, p.17)
Aqui retornamos à questão dos primeiros passos a serem ensaiados antes de se
entregar à prática de voar, voltamos aos degraus que conduzirão ao Parnaso. De
maneira geral, nosso ensino se encontra hoje em uma espécie de simplificação
consentida, que é o resultado de uma contaminação com o vírus do desinteresse
de gerações de estudantes e de professores que se deixam envolver pelo marasmo
da tranqüilidade do mínimo, e não se aventuram a buscar a transformação deste
estado.
Existem, logicamente, razões para este estado de inércia em relação à
modificação das políticas educacionais. Uma delas está ligada a um programa de
acesso irrestrito à educação, porém uma educação que acaba sendo massificada e
sem qualidade, que é a única que não oferece perigo para que se orientem as
pessoas a refletir de forma inteligente e participativa, o que seria uma ameaça
para o sistema neoliberal excludente atual. Desta forma esta educação alienante
se detém em um ensino precário e apático que acaba por ser também o
responsável por esta doença de estagnação cultural, agravada pelo
distanciamento do interesse pela leitura e pela alienação político-social, que sem
dúvida é o primeiro ponto a ser reformado para se começar a andar em direção a
transdisciplinaridade.
Vejamos o que a esse propósito têm a dizer Paulo Freire (1921-1997):
[...] O educador não pode furtar-se, em determinados momentos, de informar. E
não pode na medida mesma em que conhecer não é adivinhar. O fundamental,
porém, é que a informação seja sempre precedida e associada a problematização
do objeto em torno de cujo conhecimento ele dá esta ou aquela informação.(1982,
p.54)
E Ivani Fazenda:
[...] A palavra revela o mundo ao homem, anunciando o homem ao mundo.
Através dela, o homem sai de si, interfere no mundo e deixa que o mundo interfira
nele.(...) A palavra capta, conhece, interfere e transcende a consciência do homem
em sua busca do mundo.(...) Afirmada pois a interdependência existente entre
palavra e mundo, restaria ressaltarmos a importância da leitura como forma de
desvendar o mundo, fazendo do homem seu sujeito efetivo.(...) Através da leitura,
o homem aumenta o seu universo de discurso, e, com isso, a possibilidade de
multiplicar suas visões e aspirações sobre o mundo. A leitura poderá também
conduzi-lo a uma disciplina pessoal que o levará a desvendar os intrincados
dilemas e as diferentes facetas dos problemas que o mundo oferece. Aplicará sua
capacidade de raciocínio e sua aptidão perceptual, permitindo ao homem agir,
conhecer e transformar o mundo. (1994, p.54)
Se o governo pratica uma política educacional limitante e tendenciosa,
devemos, reagir a este tipo de conduta e lutar para a modificação deste quadro.Os
professores que têm uma formação adequada no modelo já exaustivamente
abordado neste trabalho podem, sem dúvida, ser agentes motivadores desta
transformação. É um trabalho árduo e, muitas vezes, solitário, mas para que
algum progresso venha a ser conquistado há que se deter em uma questão que
pode ser o primeiro fator que deve ser revertido: o hábito da leitura. Mais ainda, o
hábito da re-leitura e da reflexão sobre o que se lê.
Esta reflexão corresponde certamente a uma observação atenta de tudo que o
indivíduo encontra no caminho de suas pesquisas, uma audição criteriosa e
atenta das obras musicais, a reação crítica diante da programação da televisão, a
postura política diante das notícias da imprensa escrita ou televisionada. Tudo
isso são os fundamentos que levarão a uma ampliação das perspectivas daquele
que estuda ou daquele que ensina.
Pensando particularmente no estudante de música, ao qual sempre temos que
retornar, para que não se desvie o objetivo central do trabalho, muito embora este
objetivo central esteja definitivamente atrelado às questões político-sociais
abordadas acima, podemos citar Nikolaus Hanoncourt (1929-2016) que nos
lembra a observação que, a propósito da leitura, fez o compositor romântico
alemão Johannes Brahms (1833-1897): “Brahms dizia que para tornar-se um bom
músico era preciso empregar tanto tempo lendo quanto estudando piano”.
(BRAHMS, apud HANONCOURT, 1998, p. 31).
O estudante de música, ou de qualquer matéria, deveria, pois, reconhecer que a
sua formação completa está vinculada a esta postura de um estudo comparativo
de todas as artes, textos, experiências, tradições populares ou eruditas, de todas as
pinturas que puder observar, de todos os filmes e peças teatrais que puder
assistir, dos jornais que puder ler ou assistir pela televisão, das questões políticase sociais que puder acompanhar. Aqueles que lançarem mão de todos estes
recursos, com a finalidade de ampliarem seus horizontes perceptivos,
exercitando sua mente no sentido de absorver tudo e formular pensamentos e
conclusões, seguramente estarão dando passos seguros, criando condições para a
realização máxima de suas potencialidades e consolidando em seu aprendizado os
pilares da transdisciplinaridade: a realidade, a lógica e a complexidade.
3.2 Ganhos e perdas no ensino
Uma questão que parece pertinente de ser abordada a fim de justificar algumas
colocações já feitas neste trabalho, embora elas também estejam associadas às
questões político-sociais, é a de que até que ponto o ensino em geral, não somente
o ensino de música ou das artes, mas todos os currículos das escolas deixaram de
lado o ensino de certas disciplinas fundamentais.
Pode-se argumentar que existia um ensino duro, autoritário e que somente
havia uma grande quantidade de matérias e de exigências na carga horária dos
alunos. Mas será que isso realmente é o único aspecto que deve ser considerado?
Estariam nossas escolas desculpando-se ou se justificando por um
empobrecimento curricular, assim como também, por um menor grau de
envolvimento dos próprios mestres com a valorização cultural, por ser este talvez
um caminho mais fácil para todos os acomodados? Na realidade não existe hoje
uma vulgarização e uma comercialização do ensino, que, muito mais que as
exigências de agilidade do mundo moderno, talvez sejam na realidade os grandes
responsáveis pelo empobrecimento intelectual de todos, alunos e professores, e,
conseqüentemente, da sociedade em geral?
A qualidade do ensino no Brasil acaba por estar vinculada a uma questão
monetária, as escolas passam a ser empresas que priorizam o lucro em
detrimento da educação. Este fato faz com que as escolas que ainda oferecem um
ensino que possa ser considerado de qualidade fiquem restritas a uma elite
minoritária que pode pagar por este ensino, o que dá origem a um círculo vicioso.
Somente quem poderia arcar com o custo de uma universidade privada cara, é
que acaba estudando de graça nas universidades públicas, pois puderam cursar o
ensino médio em uma boa escola privada que lhes deu base para garantir uma
vaga nos disputados cursos daquelas instituições.
A prática do ensino de qualquer matéria teve através dos séculos um avanço
extraordinário no que diz respeito ao relacionamento professor-aluno, no que
confere aos aspectos psicológicos e às estratégias didáticas que foram atingindo
com o passar dos anos altos níveis de sensibilidade no tratamento das questões
pertinentes ao desenvolvimento emocional do educando.
Porém devemos pensar se não se deixou de lado, ou se pelo menos, não se
valorizou menos, neste processo, a exigência de domínio de disciplinas
importantes para a consolidação de uma formação cultural adequada.
Quando este tipo de política educacional, que privilegia um conhecimento
estratificado, ou minimizado, é praticada, deve se ter cuidado para que não se
deixe de valorizar conhecimentos preciosos que deveriam ser interligados uns aos
outros.
Realmente havemos de admitir que se torna às vezes inviável que se
disponibilize para os alunos dos mais variados cursos todas as matérias e há que
se selecionar disciplinas mais pertinentes ao curso específico de cada um, porém
não pode haver uma completa ignorância de relações interdisciplinares. Podemos
nos indagar quais são as matérias que se relacionam? Esta é uma pergunta de
difícil resposta, pois parece que em última análise tudo tem haver com tudo.
Vejamos o que diz Adriano Nogueira, relembrando Martin Heidegger (1889-
1976), ao abordar especificamente o estudo da matemática, mas demonstrando
que este também não é puramente específico:
[...] A objetividade destes objetos está calcada num esgotamento: eles deixam de
existir como ‘coisa’ (ou como “entes” da physis) e reaparecem como representação
matemática, reaparecem como conhecimento matemático. Isso é coisa de grego,
diz o Heidegger. São matemáticos: a álgebra, a aritmética, a geometria, a
astronomia e a música (aqui entendida como harmonia de proporções e ritmos).
Entre os gregos, diz o Heidegger, não são eles que constituem a matemática mas,
sim, é o inverso: sendo eles campos de saber intelectualmente constituídos por
este procedimento cognitivo (o procedimento ta mathema) então eles são campo
de conhecimento rigoroso, de proporção rigorosa, são conhecimentos que opera
com a harmonia dos contrários.(1994, p.82-83)
Parece que o filósofo, aqui retomado por Nogueira, acredita em uma
destituição de uma visão da matemática como matéria isolada, e chamando o
filósofo a nossa atenção para o pensamento grego, diz que a idéia de matemática
está contida no universo e que muitas matérias que têm algo de exato como a
matemática, dela fazem parte.
Este pensamento é compartilhado pela modernidade e não se fixa na Europa
como herança grega apenas, mas podemos observar que esta abordagem fez
parte, como nos mostra Nogueira neste seu mesmo livro, de um Congresso
Interamericano de Educação Matemática, em Miami, E.U.A, realizado em 1991, o
que podemos observar na citação abaixo:
[...] A natureza das matemáticas está mudando, têm-se muitos indícios disto. Cada
dia que passa mais gente questiona aquele modelo de matemática infalível,
distante da intuição empírica e da realidade, aquele modelo que, até agora, tem
dominado universalmente (1994, p.84)
A insistência na questão matemática tem um objetivo claro. Pois se uma
matéria que poderia estar isolada das outras por apresentar modelos rígidos de
ensino pelas muitas características fixas que apresenta, tende a se mesclar e se
abrir para interpretações mais intuitivas, por que não se deveria ter este tipo de
atitude com disciplinas tradicionalmente ligadas à criatividade, como a música,
as artes em geral, ou mesmo aspectos de interpretação histórica? Lembremos da
já referida utilização da história da arte no ensino da matemática (quando
abordamos o número de ouro), quando pudemos demonstrar o enriquecimento
possível no ensino de ambas as matérias.
Devemos no entanto fazer outras associações para que se não perca o principal
objetivo deste trabalho, que é o de demonstrar que qualquer tipo de associação de
estudos somente pode resultar em benefício para os estudantes e professores,
quando estes são ou passam a ser (pela própria mudança de postura que estas
associações podem fomentar) transformadores de realidades. Ao observarmos as
palavras transliteradas do grego que aparecem na penúltima citação acima,
poderíamos voltar a “bater na mesma tecla” da ameaça de uma gradual perda
(para a grande maioria dos estudantes e professores) da importância da
preservação de estudos clássicos, configurando-se este abandono em uma
dissociação prejudicial.
Esta falta de interesse parece estar ligada a uma questão de se considerar
ultrapassados certos estudos. Parece que o conceito de modernidade para um tipo
de aluno ou de professor acomodado, pressupõe uma falta de interesse pelo
estudo do que é antigo, se não o de todo o estudo em geral.
Certamente isso tem suas origens também no próprio descaso de muitas das
instituições, que se multiplicam no país, que não ambicionam a formação de
indivíduos bem preparados e questionadores, mas são antes, empresas lucrativas
que preferem pagar menos por professores mal qualificados, do que investir na
qualidade do ensino.
Institui-se assim outro círculo vicioso, onde, os professores despreparados não
têm como alimentar os interesses dos alunos, os alunos já não têm interesses e os
professores acomodados e despreparados, sentem-se protegidos por esta situação,
pois, seguramente, é bem mais difícil “encarar” uma turma de estudantes com
questões difíceis de serem resolvidas.
Esta realidade em nossas escolas não é em grande parte culpa das próprias
universidades que acabam por priorizarem a rapidez e a agilidade rotativa dos
cursos, com objetivos muito mais voltados para os ganhos financeiros do que
para a formaçãointegral dos seus estudantes? Não acabam, desta forma,
ministrando o programa de atropelo, entregando as cadeiras aos professores
menos capacitados por constituírem mão de obra barata? Como se deter em
detalhar as questões importantes para uma formação sólida dos alunos com uma
política de supervalorização das razões financeiras? O quadro se agrava ao
vermos que muitos alunos, em busca da facilitação de currículo, procuram,
quando podem pagar, justamente a escola que lhe oferecer condições mais fáceis
para a obtenção de um diploma. O que contribui para o agravamento da situação,
pois que dá cada vez mais condições para que a universidade-empresa possa
subsistir.
Para se conquistar a respeitabilidade deve se proceder de forma inversa.
Investir em um corpo docente de qualidade deixando de lado o mercantilismo e,
mesmo que obtendo lucros, não fazer deste lucro o principal objetivo de uma
instituição.
Quando as disciplinas e professores competentes lecionando-as, são colocados
à disposição de todos os alunos, sejam quais forem os cursos em que estão
matriculados, mesmo que isso pareça, ou possa ser verdadeiramente inviável, do
ponto de vista cronológico, pelo menos a Instituição cumpre sua obrigação de
atender a qualquer aluno de qualquer curso que poderá então contar com o
estudo de qualquer disciplina que deseje para que se processe a
interdisciplinaridade de forma ampla. Este é o conceito de universidade previsto
nos PCN’s, o de uma instituição capaz de oferecer uma formação ampla e
universalizada, o qual deveria estar funcionando de forma eficaz se os interesses e
as priorizações do governo não fossem outras.
Um ponto muito importante parece ser o de que a postura do profissional de
ensino altamente capacitado, sempre é aquela de alguém que poderá auxiliar o
estudante que dele necessite. Independente da possibilidade de freqüência
constante do aluno em determinadas matérias do seu interesse, e,
aparentemente, estranhas ao seu curso, à medida que for requisitado, tal
professor, poderá instruir o aluno que busca mais conhecimento, direcionando-o
de forma que ele possa conseguir, individualmente, uma maior aproximação da
transdisciplinaridade. Desta forma, um professor comprometido, que fosse
amparado por uma instituição igualmente comprometida não consideraria
desnecessária a preocupação com a existência de um abandono de matérias que
parecem ser antes muito mais próximas do que distantes de todos os temas. Se
pensarmos que nos cursos de artes, de literatura ou filosofia, existem critérios de
relação íntima entre todas estas disciplinas, tal preocupação de uma maior
atenção à multiplicidade é mais do que justificável. Basta para se ter certeza disso,
pensar em como na realização de seus trabalhos, os compositores, escritores,
pintores e filósofos foram motivados e inspirados por temas clássicos, pelo
folclore, por costumes diversificados, fossem eles universais ou regionais e que
estes temas desempenharam papel muito relevante em muitas criações artísticas.
Não raras vezes a familiaridade com assuntos diversificados, serão a chave
principal na inteligibilidade de algum termo importante para um contexto
interpretativo onde se nota que o que aparentemente poderia ser considerado
desnecessário ao estudante, pode sob outro prisma de avaliação ser essencial. Em
curso de Interpretação Musical o pianista e regente suíço Alfred Cortot (1877 –
1962), afirmou:
[...] Poderíamos sustentar que não há arte que, acima da interpretação musical,
suponha o manejo delicado, a compreensão requintada de todos os tipos de
emoções ou de sensação que se trata de transferir ao espírito do ouvinte pela
magia misteriosa das sonoridades. Rousseau afirmou: ‘Para se elevar às grandes
expressões da música, seria necessário ter feito um estudo particular das paixões
humanas e da linguagem da natureza’.Tolstoi acrescenta: ‘A arte é a comunicação
dos sentimentos experimentados’.(CORTOT apud THIEFFRY, 1986, p.16)
Estes exemplos são, no entanto, apenas algumas gotas no oceano de disciplinas
de formação das quais se deveriam fornecer, pelo menos, os conceitos básicos
mais importantes, se quisermos que as gerações futuras não se entreguem
definitivamente a uma especialização extrema que acabe por tornar todos
ignorantes em tudo que não é a sua micro-especialidade.
Um dos exemplos mais significativos de professor bem-sucedido e que sempre
valoriza na cultura (para retornar ao início deste capítulo) a vida essencial
existente nela, é o do educador e psicólogo mineiro Rubem Alves (1933-2014).
Existe em todos os textos de Rubem Alves, um entendimento e uma vivacidade
que mostram aspectos culturais que ele chama à luz em todo momento ao
construir os seus escritos, que são os mais variados. Embora demonstrando um
vasto e eclético conhecimento cultural, em seus textos jamais transparece a
menor sombra de pedantismo ou arrogância. Torna-se evidente que este autor-
educador, é alguém que tendo galgado os degraus até um estágio de compreensão
ampla, reconhece na simplicidade de tudo todas as coisas que ele viveu ou leu,
equiparadas e igualitárias. Não atribuiu, ele, à filosofia de um pensador famoso ou
a uma Paixão de Bach um peso maior do que o de um causo que ouviu de um
caipira, ou a uma moda de viola, tocada e cantada em uma cozinha de uma velha
casa do interior do país. Não deixa, no entanto, de chamar como sua testemunha,
ao contar suas histórias, seja uma superstição da roça, uma concepção filosófica
de origem européia, ou um poema de autor famoso. E nestas relações, lê,
compreende e enxerga a unidade da arquitetura do todo e depois nos informa
sobre uma beleza e empatia entre tudo isso de maneira sincera em seus escritos.
Isto pode ser observado ao lermos alguns trechos de escritos de Rubem Alves
que demonstram o trânsito fácil deste autor (notadamente um autor contrário à
valorização da rigidez de pensamento ou no conhecimento) por áreas da cultura,
para tentarmos continuar demonstrando, a necessidade de se passar por estágios
de aprendizado, para podermos conquistar a liberdade de pensamento e de
escolha:
Comecei a gostar dos livros mesmo antes de saber ler. Descobri que os livros eram
um tapete mágico que me levavam instantaneamente a viajar pelo mundo...
Lendo, eu deixava de ser o menino pobre que era e me tornava um outro.[...] Eu
passava horas vendo as figuras e não me cansava de vê-las de novo [...] Um outro
livro que me encantava era o “Jeca Tatu”, do Monteiro Lobato. Começava assim:
“Jeca Tatu era um pobre caboclo...” De tanto ouvir a estória lida para mim, acabei
por sabe-lo de cor. “De cor”: no coração. Aquilo que o coração ama não é jamais
esquecido.[...] Florais de Bach: confesso minha ignorância. Nada sei sobre os seus
poderes. Mas sei muito sobre os poderes terapêuticos dos “Corais de Bach”. A
música tem poderes mágicos.[...] Um amigo me disse que o poeta Mallarmé tinha o
sonho de escrever um poema de uma palavra só. Ele buscava uma única palavra
que contivesse o mundo. T.S. Eliot no seu poema O Rochedo tem um verso que diz
que temos “conhecimento de palavras e ignorância da Palavra”.A poesia é uma
busca da Palavra essencial, a mais profunda, aquela da qual nasce o universo.
(http://www.rubemalves.com.br/).
http://www.rubemalves.com.br/)
Um ponto importante que se pretende demonstrar também, é que a conclusão
de que tomar a decisão de se deixar de lado estudos que dêem uma noção razoável
da cultura e do pensamento de importantes autores antigos, modernos, ou
contemporâneos, sem tentar encontrar alguma solução alternativa que
possibilite um convívio mais próximo com estes estudos, não parece ser algo
inteligente e que contribua para a melhoria do ensino. Ainda que esta atitude não
torne os cursos mais rápidos, a preocupação em ministrar pelo menos as bases e
os aspectos principais dos conhecimentos clássicos, e de outros, deveria ser
encarada como ferramenta fundamental à realização de uma prática adequada na
busca da excelência no ensino. A solução pode ser a fomentação da pesquisa, da
indagação, e isso