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Copyright © Viseu Copyright © Flavio Caldonazzo de Castro Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem a permissão expressa da Editora Viseu, na pessoa de seu editor (Lei nº 9.610, de 19.2.98). editor: Thiago Domingues revisão: Flavio Caldonazzo de Castro projeto gráfico e diagramação: Rodrigo Rodrigues capa: Tiago Shima e-ISBN 978-85-300-0019-6 Todos os direitos reservados, no Brasil, por Editora Viseu Ltda. falecom@eviseu.com www.eviseu.com Ao amigo e mestre Ernesto Hartmann Les parfums, les couleurs et les sons se répondent Charles Baudelaire 1. INTRODUÇÃO A motivação para a realização deste livro nasceu a partir da observação de uma peculiaridade existente em muitos estudantes de diversos cursos de música, que, quer façam parte da rede pública ou privada, sejam eles de nível médio ou superior, têm como finalidade exclusivamente a performance e o aprendizado relacionado apenas com a técnica do instrumento escolhido e o dos conceitos teóricos da música. A princípio nada existe de errado com este desejo, e, aliás, ele é responsável por muitas histórias de sucesso de grandes artistas. Sem dúvida, o empenho e dedicação à prática constante do instrumento do qual se pretende tornar um exímio executante é louvável e fundamental. No entanto, muitos deixam de lado, neste processo, uma parte da formação integral que parece ser a ideal para aqueles que querem se transformar em músicos completos e professores capazes. Certamente que as exceções existem e elas nos motivam a pensar que o aprendizado de uma arte pode e deve trazer junto com ele uma gama de outros conhecimentos que farão com que exista um grande enriquecimento cultural do indivíduo que se entrega àquele estudo. Mesmo que nos currículos dos cursos de música constem disciplinas como História da Música, História da Arte, Filosofia, Estética, entre outras matérias, este simples fato por si só não garante um completo envolvimento do aluno com estas matérias de maneira que ele venha a relacionar-se com elas de uma forma íntima e nem que ele permanecerá motivado a se atualizar nelas ou mantê-las na memória. Poderíamos nos perguntar se além do interesse particular de cada um, a maior ou menor dedicação aos estudos e uma posterior continuação deles, não está também vinculada ao fato de existir um baixo nível de exigências nos cursos e não somente à indisposição dos alunos. Uma formação adequada deve provavelmente poder ser atingida somente se estiver vinculada à valorização de fatores essenciais que se ligam indissoluvelmente ao estudo das artes como um todo. Dentre estes fatores, seria relevante considerar uma maior valorização da literatura e do hábito da leitura diversificada. Esta conduta contribuiria para um aprimoramento do ensino de forma qualitativa na apreciação artística, uma vez que a literatura foi muitas vezes inspiração e ponto de partida para a realização de muitas obras de inúmeros artistas que acabaram sempre por beber desta fonte. Por conseguinte, podemos entender que quanto mais os estudantes tomarem conhecimento destas origens motivadoras das obras que pretendem interpretar ou apreciar, mais subsídios eles terão para uma melhor compreensão delas. Apesar destes aspectos relacionados acima pertencerem a uma área de interesse mais específico da interdisciplinaridade, tenciona-se ampliar esta perspectiva de forma a atingir a priorização da transdisciplinaridade que abrange todos os aspectos inclusos naquela, mas lança uma nova visão e idealiza uma multiplicidade que procura transcender todas as outras maneiras de se pensar o ensino. No entanto, parece muito improvável que este nível de empatia entre homem e estudo possa ser alcançado através de uma didática que privilegie o aperfeiçoamento de uma única disciplina ou, na melhor das hipóteses, de disciplinas de relação apenas direta entre matérias. Quanto maior a conexão entre os temas diversos, quanto mais se demonstrar uma interdependência entre as partes, maior será o nível de apreciação do todo e a consolidação da construção do conhecimento cultural do indivíduo. Para que se possa obter este tipo de formação ou pelo menos, para que se busque atingi-lo, faz se necessária uma transformação do posicionamento dos alunos e também de professores diante da consciência da importância de relações diversificadas, transformação esta que atuará na priorização deste aprendizado completo. Esta mudança, no entanto, somente será possível com uma melhor preparação dos professores para que estes possam guiar seus discípulos, assim como é de fundamental importância uma maior atenção da política educacional do país, a fim de que esta venha a efetivar resoluções como, por exemplo, as que estão inclusas nos PCN’s, tirando-as do papel e fazendo com que elas se tornem uma realidade do ensino nacional. Acredita-se que exista um arrefecimento na busca das condições ideais do ensino- aprendizagem, o que faz com que este ensino apresente lacunas significativas que comprometem a formação dos alunos no que confere a ampliação das associações entre matérias, e que há uma urgente necessidade de modificação deste quadro. Assim sendo, este trabalho pretende demonstrar que esta passividade em relação aos estudos mais profundos no sentido de apreender de maneira eficaz estas inter-relações disciplinares no ensino e no estudo de todas as matérias, mas especificamente nas artes musicais, pode e deve ser revertido e que para que se venha atingir este estágio transdisciplinar é fundamental um desenvolvimento gradual que possibilitará uma ampliação cultural adequada a este objetivo. Espera-se ainda concluir que um ensino adequado da arte musical, juntamente com outras matérias, está vinculado à conquista deste ensino qualitativo pretendido, o que determinaria a erradicação de um conhecimento fragmentado, transformando o ensino das artes e possibilitando uma melhor qualificação de músicos, de outros artistas, dos profissionais de outras áreas e dos professores. 2. CULTURA: uma tentativa de conceituação Segundo o antropólogo Clifford Geertz (1926-2006) em seu livro “A Interpretação das Culturas” [...] a cultura é melhor vista não como um conjunto de padrões concretos de comportamento – costumes, regras, instruções [...] isso significa que a cultura, em vez de ser acrescentada a um animal acabado ou virtualmente acabado, foi um ingrediente, e um ingrediente essencial, na produção desse mesmo animal.[...] Grosso modo isso sugere não existir o que chamamos de natureza humana independente da cultura [...] o que nos aconteceu na Era Glacial é que fomos obrigados a abandonar a regularidade e a precisão do controle genético detalhado sobre nossa conduta em favor da flexibilidade e adaptabilidade de um controle genético mais generalizado [...] para obter a informação adicional necessária fomos forçados a depender cada vez mais de fontes culturais – o fundo acumulado de símbolos significantes. Tais símbolos são, portanto, não apenas simples expressões, instrumentalidade ou correlatos de nossa existência biológica, psicológica e social: eles são seus pré-requisitos. Sem os homens certamente não haveria cultura, mas de forma semelhante e muito significativamente, sem cultura não haveria homens (1989, p.56, 59 e 61) As afirmativas de Geertz demonstram de forma muito clara que a cultura é, segundo o seu pensamento, o resultado de um processo amplo de desenvolvimento do homem e que não somente foi criada para atender às diversas necessidades estéticas que este homem foi tendo no decorrer de sua história, mas é também um ponto de partida simultâneo à própria origem deste homem, sem a qual não seria possível a sua sobrevivência. No entanto, o próprio autor citado acima parece concordar que esta definição não suprime, mas ratifica a necessidade de um entendimento de um processo de construção cultural gradativo que determinaráo avanço em direção de uma visão cultural abrangente. O homem é, pois, um animal cultural. Sem este pré-requisito a história da humanidade seria outra, ou nula, pois, muito provavelmente, o homem já tivesse se extinguido. A cultura que pertence ao nível de condição de sobrevivência para o homem, não pode ser vista apenas como um ornamento, não tem como ser encarada como conhecimento em forma de verbetes enciclopédicos que se acumulam em volumes na sua memória, mas antes, faz parte da matéria-prima que formou e vem formando esta mesma memória através dos séculos, desde os períodos mais antigos até os dias atuais, e mesmo que Geertz não intente aplicar conceitos biológicos, psicológicos ou sociológicos na análise da formação cultural ele defende que as relações entre estes conceitos são importantes para esta formação, como aparece expresso na citação abaixo: [...] a despeito do que possa parecer, não há aqui uma tentativa séria de aplicar os conceitos e teorias da biologia, da psicologia ou até da sociologia a análise da cultura [...] mas apenas a colocação, lado a lado, de fatos supostos dos níveis cultural, e não cultural, de forma a induzir um sentimento vago de que existe uma espécie de relação entre eles.(GEERTZ, 1989, p.49.) Sem o homem, é obvio que os acontecimentos e as realizações culturais que compõem as suas aquisições, os elementos que se ordenam e se transferem no tempo transformando-se em vivência efetiva em sua mente e nas próprias ações deste homem, não poderiam existir ou se alimentar, impossibilitando a sua continuidade e evolução. No entanto, sem o caminho inverso, aquele de uma visão que coloca a cultura como sendo o impulso gerador das realizações humanas, a cultura como base de sua “seleção natural”, este homem também não seria viável, não subsistiria. O homem é a cultura e a cultura é o homem, e este entendimento de formação cultural através do homem, pelo homem e em prol do homem é que faz com que a constituição inata do ser humano parece ser não somente herdada, mas também um produto do meio. Desta forma os elementos conceituais da cultura estão nesta via de mão dupla, nesta interdependência, no amálgama formado entre homem e cultura no tempo e no espaço, o que os torna um só elemento. Este entrelaçamento, que no decorrer dos tempos foi urdindo essa trama, essa “teia” de ligações, atingiu uma densidade ampla e codificada que faz com que tenhamos condições de compreender as solicitações que as inúmeras necessidades cotidianas nos fazem, absorvendo-as, e, por assim dizer, instintivamente as decodificando em um nível abstrato no nosso íntimo. [...] Como sistemas entrelaçados de signos interpenetráveis (o que eu chamaria símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos, casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível — isto é, descritos com densidade (GEERTZ. p.24) A cultura, assim entendida, trabalhou ao longo dos anos para que este “quase instinto” do qual ela seria decorrente, fosse construindo um contraponto de informações complementares que equipasse a humanidade e a tornasse adaptada às suas diversas necessidades. Preparando, pois, o indivíduo, tanto para as mais básicas questões de sobrevivência como também para o desenvolvimento gradativo das realizações artísticas e culturais provenientes de um desenvolvimento posterior. Seria importante notar que existem pelo menos duas correntes fundamentais de pensamento ao se analisar a formação cultural e a aquisição de conhecimentos que implicam nesta análise. De um lado se encontram aqueles que tendem a tachar de puro academicismo toda e qualquer exposição de conhecimento fragmentado, e de outro os que não conseguem descobrir na cultura (ou culturas) aquela transcendência dos aspectos puramente escolares. Talvez ambos os pensamentos pequem pelo radicalismo. Pois assim como é certo que todo o desenvolvimento dos fenômenos culturais transformou-se, se desenvolveu, e se traduziu em aquisições benéficas e de ordem fundamental para a sobrevivência da humanidade, também é verdade que as construções culturais posteriores a estas reações básicas de preservação, foram elaboradas e re- elaboradas até se transformarem nesta relação intrínseca: homem-cultura- cultura-homem. Como também não poderiam ter sido conquistadas estas configurações mais complexas, sem o armazenamento metódico de lições assimiladas com o passar dos anos através das fontes culturais tradicionalmente aceitas como cultas e que englobam todas artes, idiomas, e pensamentos científicos e filosóficos. Assim sendo, ao se pensar, na atualidade, em uma educação que valorize o aprimoramento de uma análise de seus objetivos e aplicações, dentro de um enfoque cultural, não se pode prescindir de estágios de formação adequados a estas finalidades, uma vez que parece ser a consolidação de capacidades adquiridas nestes domínios e a expansão constante destas capacidades o que qualifica o homem a interagir com significados em diversos níveis de contextos, como sugere Geertz nesta outra observação no seu livro: [...] A análise cultural é (ou deveria ser) uma adivinhação dos significados,uma avaliação das conjecturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir das melhores conjecturas e não a descoberta e o mapeamento da sua paisagem incorpórea.(p. 30 e 31). Finalmente delineia-se o objeto fundamental desta pesquisa, que é a tentativa de abordar a importância de um segundo aspecto que envolve a cultura e que está ligado especificamente à preparação de professores e alunos para que eles possam ter acesso (simultâneo e posterior) àquelas relações de empatia cultural as quais seriam ideais por remontarem à condição de cultura vital. Este aspecto parece representar os primeiros passos para que se possa ampliar o entendimento e a visão de cultura para padrões mais elevados e, como se observa, tais fundamentos exigem um comprometimento efetivo por parte do profissional, como nos assegura o educador Paulo Freire: [...] toda prática educativa envolve uma postura teórica por parte do educador. Esta postura, em si mesma, implica às vezes mais, às vezes menos explicitamente numa concepção dos seres humanos e do mundo. E não poderia deixar de ser assim. É que o processo de orientação dos seres humanos no mundo envolve não apenas a associação de imagens sensoriais, como entre os animais, mas, sobretudo, pensamento-linguagem; envolve desejo, trabalho-ação transformado. Este compreendido, de um lado, de um ponto de vista puramente subjetivo, de outro, de um ângulo objetivo mecanicista. Na verdade, esta orientação no mundo só pode ser realmente compreendida na unidade dialética entre subjetividade e objetividade. Assim entendida, a orientação no mundo põe a questão das finalidades da ação ao nível da percepção crítica da realidade.(1982, p.42). Um fator importante a ser abordado ao se pensar neste outro aspecto relacionado à cultura, é que existe uma interdependência nessa relação, onde a tentativa de busca de uma cultura plena (embora inatingível), somente poderá existir com um constante aperfeiçoamento do indivíduo em direção à ampliação de seus níveis de capacidade em realizar associações, pois os estudos se constroem sobre outros estudos no sentido de que cada vez que estejamos mais informados mergulharemos mais profundamente no significado das coisas e poderemos realizar uma melhor análise cultural. Deveria-se assim, considerar com algum critério, que este “acúmulo de conhecimento” funciona, e muito bem, como mecanismo de valor para impulsionar os indivíduos a atingir outros níveis de espectro cultural bem mais amplos, não obstante muitas vezes acabe sendo marginalizado pelos novos conceitos de educação que às vezes associa esta busca da erudição a um elitismo excludente que tornaria os indivíduos isolados em seus conhecimentos e de onde nada de proveitoso poderia surgir. Talvez fossemais interessante pensarmos se não são a partir destas posturas, aparentemente radicais, que nascem os raciocínios que dão impulso ao desenvolvimento do pensamento e da educação, por haverem, alguns homens, refletido nas questões importantes para a interpretação de alguns valores fundamentais, o que tornou, então, possível uma formação de criadores novos e originais, de novos pensamentos, novas ciências e mesmo de nova estética artística. O filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), um crítico mordaz das culturas estabelecidas nos moldes de pensamento racional ou de valorização de modelos e ídolos, diz- nos em seu livro A Gaia Ciência que ele havia se mudado da casa dos eruditos e que tinha também batido a porta ao sair, assim como no mesmo livro critica o filósofo Emanuel Kant (1724–1804), dizendo que: “Kant queria demonstrar a todos de um modo constrangedor, que todos têm razão: foi esta a secreta pilhéria desta alma. Escreveu contra os sábios, em favor do preconceito do povo, mas foi para eles, não para o povo que o fez” (NIETZSCHE, 2004, p. 132). Nietzsche afirma que abandonou os eruditos e a casa deles, mas não deixa de ter uma ferramenta muito importante, ou essencial para ter o poder de fazê-lo: a própria erudição. Pois que era notadamente um grande pensador com um vasto conhecimento em diversas áreas, e foi durante alguns anos dono da cadeira de filologia da Universidade da Basiléia, na Suíça. O outro ponto importante de se notar é que ele, ao criticar Kant, nos deixa claro que a razão de sua crítica é, entre outras coisas a (para ele) incoerência do filósofo que ao escrever contra os sábios o faz para estes mesmos, pois que os que não tivessem erudição suficiente (o povo) para ler e para entender Kant não poderiam ter acesso ao seu pensamento. Sendo assim Nietzsche, acaba por declarar que a erudição que ele critica e que torna inacessível ao homem comum o pensamento de Kant, é imprescindível para este acesso. É interessante notar também que não menos convívio com a prática da leitura culta é necessário para se tomar conhecimento da “retirada” de Nietzsche da erudição, e que ele também ao escrever esta máxima que contraria os eruditos, o faz para que estes o leiam e não para o povo. Assim poderíamos dizer que antes de se conquistar um nível de entendimento para se poder fazer uso do livre arbítrio da distinção entre esta ou aquela forma de vida ou desta ou de outra escolha de envolvimento intelectual ou não com algo, faz se necessário um certo grau de preparação cultural, já que parece claro que, [...] O ser humano se desenvolve criando critérios (medidas) de convivência, com o ambiente, critérios e medidas de convivência consigo mesmo e com a sociedade. Tais critérios (ou medida...ou modelo) são criados conforme seu processo cultural de interagir (com a sociedade, consigo mesmo, com o Ambiente) ele amadurece aprimorando (sistematizando) sua capacidade de formação, cada dia mais criativa, mais auto determinada, mais sistemática. Neste outro momento, pensamos no Ser Humano lidando com a “cultura acumulada” da espécie humana. (NOGUEIRA, 1994,p.89) Pensemos no famoso preceito socrático onde o filósofo alega só saber que nada sabe. Este é um bom exemplo para entendermos este ponto em questão. É interessante notar que tal aforismo somente pode ser formulado ou repetido por alguém que tenha atingido um certo nível intelectual para que possa então se considerar indigno de achar que sabe algo. A outra única opção é que alguém que realmente fosse um ignorante (no sentido de ignorar qualquer forma de conhecimento formal, acadêmico) sentisse sinceramente o que professa o ditado do famoso filósofo ateniense, mas pelo menos teríamos que admitir que esta pessoa não o poderia repetir, ou pelo menos não o repetiria com a finalidade de citar o filósofo grego, pois não saberia quem foi Sócrates (470-339 AEC). O que se vê é que o conhecimento produzido e estudado é ferramenta essencial, também, para qualquer estudioso da importância das culturas, para a formação cultural do homem, e para todos que pretendam demonstrar através de suas argumentações que o que se deve valorizar é a relação da humanidade com a cultura e não o simples acúmulo de conhecimento. Observa-se, pois, que qualquer destes estudiosos necessitaram e necessitarão sempre destas relações e conhecimentos para tornarem plenamente inteligíveis para os seus interlocutores, ou leitores, qualquer discurso a respeito da cultura. Da mesma forma será necessário preparo intelectual para que posteriormente se tome alguma posição em relação a qualquer uma das implicações decorrentes de qualquer visão filosófica e cultural para que se possa tomar posição favorável ou contrária a ela. Um problema parece residir no fato de quase sempre existir uma associação do termo “erudito” a algo pedante e intransigente. Não há como negar que esta associação é bastante justificável por existir uma tendência em se atribuir valores mortos a determinadas coisas, mas deve-se observar quais são aqueles que assim agem e colher exemplos nas exceções. Os que verdadeiramente apreciam e se beneficiam das criações denominadas eruditas (infelizmente não existe outro termo), não o fazem por demonstração de conhecimento ou por arrogância. Geralmente, estes, são os que vêem nestas criações uma parte de um todo que determina uma relação íntima que eles têm com o universo cultural, por serem estas para eles dignas de interesse, e por entenderem que as mesmas estão ligadas a uma representatividade fundamental para uma apreciação de qualidade. Quando filósofos, educadores, qualquer artista ou escritor, questiona a validade dos procedimentos acumulativos de conhecimentos, quando criticam qualquer forma de erudição, estes somente poderão ser levados a sério, se, em última análise, eles forem, por formação, eruditos. Sem se passar pelos necessários caminhos de aperfeiçoamento e ampliação da sua própria cultura não se pode almejar atingir um nível conceitual no qual se possa decidir pela ampliação dos conhecimentos ou mesmo pelo simples abandono de tudo, pelo repouso intelectual, se é que este é possível. Há que se pensar também, que esta intimidade resultante de um alargamento da cultura, através do estudo, parece somente estar disponível a uma determinada elite privilegiada uma vez que os governantes brasileiros atribuem sempre um valor errôneo à educação, entendendo que o simples acesso à escola já constitui por si só estar proporcionando educação ao povo. Sendo assim as classes médias e baixas da sociedade brasileira recebem um “ensino” massificante no qual, muitas vezes, a simples conquista de escrever corretamente o próprio nome é considerada alfabetização satisfatória. Poderá se concluir, então, que existem algumas definições para esta entidade complexa, multifacetada e, ao mesmo tempo, tradicionalmente erudita ou popular, a qual se denomina cultura: que ela seria um elemento constitutivo do universo humano e do próprio homem. Que esta cultura nas suas mais diversificadas formas e estágios, esteve, ainda está, e sempre estará presente na nossa história e formação. Que foi criada pelo homem e é responsável pelo desenvolvimento e pela constante re-formulação dos conceitos e novas construções realizadas na humanidade. Que a cultura, da forma ampla e abrangente como deve ser entendida, e estudada, não é de maneira alguma uma prioridade em muitos governos. Que a cultura se apresenta sob inúmeras facetas que tendem a se atrair e efetivamente se atraem e se mesclam visando formar um corpo abrangente e único, porém infinito e vivo, do qual nunca se logrará abarcar o todo. Mas que estaremos pelo menos mais aptos a compreender relações e interações no todo se pensarmos nestas correlações inerentes à cultura, uma vez que: [...] a prática que se constitui em critério de verdade é sempre aquela motivada por uma finalidade, ou seja, toda a prática verdadeira está intimamente correlacionada ao fim que o homem tem em vista, e ao seu engajamento no processo produtivo. Neste sentido,é fundamental que o homem perceba-se a si próprio pelo acúmulo de conhecimentos sobre a prática que adquiriu em sua vida. Embora as situações do cotidiano não se repitam de formas absolutamente iguais, as respostas dadas às situações se revelam no simples aproveitamento de experiências cujos resultados são conhecidos. O que estamos com isso querendo dizer é que a capacidade de conhecer uma prática em suas limitações e possibilidades supõe o conhecimento das intenções que determinaram ou direcionaram esse agir pessoal, particular, individual, e que somente assim teremos condições de adquirir novas formas de perceber, conhecer e agir em outras perspectivas. (FAZENDA, 1994, p.71-72) E, finalmente, poderíamos terminar, dizendo que a cultura é também a junção dos elementos formais de todas as áreas do conhecimento. Da música e da literatura, das artes plásticas e da arquitetura, das ciências e da história, e que todos estes elementos podem e devem ser aprendidos e ensinados, para que se possa conviver com a cultura em níveis de familiarização gradual e de constante adensamento e elevação. E que naquele sentido almejado de cultura ideal, ela é o Parnassum a ser atingido, mas que para que isso venha a se tornar uma possibilidade precisamos do Gradus como escada de ascensão. 3. FORMAS DE ENSINO E ESTUDO 3.1 Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade A necessidade de se pensar o ensino de uma forma mais abrangente que ligue umas disciplinas às outras, que torne possível que se revele diante dos olhos de todos os docentes e discentes as inúmeras relações entre as partes, e que aponte para um ensino de qualidade de valorização do ideal cultural, é, ao que parece, se não o principal, pelo menos um dos objetivos da pedagogia do ensino interdisciplinar. Muitos educadores têm, assim, procurado demonstrar que através da interdisciplinaridade, ou seja, de um aprendizado calcado na inter- relação de disciplinas, se pode alcançar melhores resultados educacionais. A professora Ivani C. Arantes Fazenda (1941-) ao definir a atitude interdisciplinar, escreve: [...] Entendemos por atitude interdisciplinar, uma atitude diante de alternativas para conhecer mais e melhor; atitude de espera ante os atos consumados, atitude de reciprocidade que impele à troca, que impele ao diálogo – ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo – atitude de humildade diante da limitação do próprio saber, atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes, atitude de desafio – desafio perante o novo, desafio em redimensionar o velho – atitude de envolvimento e comprometimento com os projetos [...] atitude, pois de compromisso em construir sempre da melhor forma possível, atitude de responsabilidade, mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro, enfim, de vida.(1994, p. 82) Este compromisso com a construção de um conhecimento ou de uma didática de ensino, esta atitude de responsabilidade e a sempre presente possibilidade de desvelar novos saberes é algo que, sem dúvida, poderia tornar muito eficaz a ação do professor. Imaginemos, por exemplo, que um professor de matemática aborde o assunto das proporções do número de ouro, ou padrão Fibonacci (1175–1250). Imaginemos também que este professor saiba que a primeira observação feita em relação aos padrões desta ordem progressiva tenha sido observada por Pitágoras (571-497AEC), e que este professor possa associar este conceito do número phi1, não só às fórmulas numéricas expressas por algarismos, ou à sua aplicabilidade científica, mas também demonstre sua importância na elaboração e na confecção de obras artísticas. Que este professor possa dizer aos seus alunos que inúmeros pintores, construtores , escultores e grandes mestres da música, utilizaram este conceito de secção áurea na realização de muitas de suas obras. Este professor, que certamente será um professor diferenciado, no quadro dos docentes de nossas escolas, o professor bem sucedido, nos dizeres da professora Ivani Fazenda, logrará atingir aspectos de importância crucial para a verdadeira formação dos alunos pois estará construindo a ponte que liga o ensino destas artes ao da história, da geografia, das ciências, como também das religiões e da filosofia. Ampliam-se, assim, as possibilidades dos seus discípulos de descobrirem que há uma relação entre os estudos que eles realizam na atualidade, com outras atividades e com outros períodos e lugares onde viveram e trabalharam estes artistas, matemáticos e pensadores. O caminho inverso também é verdadeiro. Um professor de artes, que tenha conhecimento destas relações, pode demonstrar aos seus alunos que aquelas belas proporções realizadas nas telas, nas construções ou na música, fazem parte não só de um padrão que pretende imitar a perfeição divina da natureza, mas que esta beleza também pode ser expressa geometricamente. Poderá um professor deste tipo, estar reascendendo um interesse pelo estudo das ciências exatas em alguém que, enxergará agora, alguma sensibilidade nas fórmulas que antes lhe pareciam rígidas e destituídas de harmonia. Dificilmente se poderá negar que os alunos que forem assim instruídos e informados demonstrarão um interesse muito maior e mais vivo para o aprendizado daquele conceito matemático e de suas implicações. Pois eles estarão se debruçando sobre a história, sobre as realizações reais do homem e estabelecendo, ou sendo instigados a estabelecer conexões, e, assim, realizando uma prática metodológica coerente, que certamente lhes parecerá atraente, como sugerido no texto de Nogueira: [...] como uma espécie de metodologia para este conhecimento, Aristóteles sugere um raciocínio de tipo progressivo. Faz-se uma progressão das observações. Vai-se rumo aos princípios genéricos. Destes se retorna às observações [...] Qual o avanço de Galileu, no campo do conhecimento científico? Ele coloca o movimento (a transformação, o fluxo) como centro da experiência científica e, portanto, como componente do conhecimento verdadeiro.[...] isso nos leva a um outro sábio chamado H. Poincaré. Ele considerava que é importante nos debruçarmos sobre a história para o ensino. Uma das preocupações dele era retomar a intuição no ensino da matemática. A intuição é tão relevante quanto é a lógica e, portanto, é tarefa do educador compreender que elas desempenham papéis diferentes na construção do conhecimento.[...] E quanto ao ensino da matemática? Como é que fica? Se ela for apresentada apenas como rigorosa na aplicação momentânea de fórmulas ou esquemas, ela corre o risco de parecer muito artificial. Ela se “esvazia”. Perde a intuição, perde a possibilidade de invenção e se apresenta como uma gramática, “pronta” pra ser decorada. Mas se a relação professor-aluno percorrer o processo (intuir-supor-descobrir-avaliar) então o rigor tem sentido. O rigor não é algo chato. Ele é um critério de certeza que acompanha a curiosidade e qualifica a descoberta, portanto, desperta interesse, motiva. (1994, p.79-81) Por esta razão talvez se deva pensar que um envolvimento completo com os estudos musicais deve também ambicionar conseguir o maior número possível de associações. Esta atitude levaria o indivíduo a transitar com familiaridade por um leque de informações, e este leque deve ser tanto mais abrangente quanto possível. A estética comparada demonstra a utilização de temas em comum entre as várias artes, e faz notar que o estudo e uma melhor apreciação das obras, não pode se realizar plenamente sem associações comparativas: [...] ‘A arte são todas as artes’. Aforismo que afirma simultaneamente a unidade da arte, uma vez que um único termo genérico a designa, e atrai a tumultuosa presença da arquitetura e da música, da pintura e da escultura, do cinematógrafo e da cerâmica, etc [...] Assim a música pode ser calcada no poema [...] como Duparc ao repensar Baudelaire musicalmente [...] quando Lucrécio se inspira numa estátua ou David para vários de seus quadros [...] ou Schumann (Kreisleriana) em arabescos e personagens recortadosem silhuetas (SOURIAU,1983, p.3). Deveríamos pois considerar o valor que pode existir em se ter uma visão abrangente. E que quando se estuda uma arte, não se pode prescindir de uma constante leitura comparativa. A perspectiva deste tipo de aprendizado é fundamental para se conquistar uma cultura apropriada que propicie um maior aproveitamento, um fluir adequado, do observador ou do próprio artista, bem como, para se adquirir uma capacidade real de se tornar um orientador capaz de conduzir outros futuros estudantes pelos mesmos caminhos. A interdisciplinaridade trabalha com estas possibilidades, com estes objetivos definidos de complementar as disciplinas vinculando-as umas às outras. Talvez ela possa ser definida ou conceituada de uma forma simples e sintética, como um processo de integração das diversas disciplinas que tem a propriedade de romper a estrutura individual de cada uma propiciando uma integração entre todas. Trabalharia pois, para conquistar a eliminação de uma tendência de fragmentação existente no estudo mono disciplinar. Ela não nega os diferentes princípios de cada matéria ou de cada ciência, porém faz oposição ao pensamento em campos restritos e fechados, e mesmo respeitando o terreno de cada conhecimento, analisa quais são os pontos comuns a todos e quais as peculiaridades que os diferenciam, estabelecendo, então, as conexões possíveis de serem feitas. A conduta interdisciplinar no ensino funciona, entre outras coisas, como um meio eficaz de atingir uma formação profissional mais ampla, incentiva a pesquisa induzindo os estudantes ao aprendizado constante e a perceberem a necessidade da educação ininterrupta, do aprendizado contínuo. Assim, ela conscientiza-nos de que não se pode interromper a busca do conhecimento, mas antes, permanecer inquieto em relação a uma procura permanente. É o que sugere Paulo Freire, quando diz: [...] Em última análise, o estudo sério de um livro como de um artigo de revista implica não somente numa penetração crítica em seu conteúdo básico, mas também numa sensibilidade aguda, numa permanente inquietação intelectual, num estado de predisposição à busca.[...] Quase sempre, ao se transformarem na incidência de reflexão dos que as anotam estas idéias remetem a leituras de textos com que podem instrumentar-se para seguir em sua reflexão.[...] O educador jamais pode ser um memorizador, mas alguém que constantemente refaz sua capacidade de conhecer no exercício que desta capacidade fazem os educandos. Para ele a educação envolve sempre uma certa teoria do conhecimento posta em prática. Ele sabe, porém, que nem todo diálogo é, em si, a marca de uma relação de verdadeiro conhecimento.(1982, p.11,12 e 54) Da mesma forma, para Ivani Fazenda, a lógica que preside o trabalho dos professores bem-sucedidos é, entre outras coisas, aquela que faz com que este professor tenha o gosto por conhecer – por um conhecimento em múltiplas e infinitas direções. Este gosto por conhecer, citado pela professora Ivani, parece ampliar o aspecto disciplinar e demonstra que não se pode ter uma visão unilateral, pois sugere uma valorização de qualquer forma de conhecimento e que se deve buscar na formação do indivíduo, seja na do aluno ou na do próprio professor, a postura de uma mente aberta às diversas manifestações culturais. Sejam estas manifestações originárias do pensamento europeu, do conhecimento das danças tribais indígenas, na sabedoria popular, no folclore de qualquer povo, ou de qualquer outra origem, elas são muito relevantes para o alargamento cultural do homem, e especialmente aproveitadas na formação do artista. Compositores como Bela Bartók (1881–1945) e Igor Stravinsky (1882– 1971) foram buscar material para algumas de suas obras nos mesmos tipos de fontes, onde também foram o procurar, por exemplo, Heitor Villa-Lobos (1887– 1959), Lorenzo Fernandez (1897–1948), Astor Piazzola (1921–1992) ou Pixinguinha (1897–1973). Independentemente do tipo de composição e do estilo, popular ou clássico. Um aspecto que se propõe deixar claro neste trabalho é que há uma importância fundamental em se valorizar o conceito de interdisciplinaridade e de se respeitar, sem nenhum tipo de restrição ou partidarismo étnico, toda e qualquer forma de cultura. Esta valorização, no entanto, somente poderá ser consciente e consistente, abrangendo aspectos importantes e determinantes nas escolhas que se farão, e mesmo servir como base para refutação de qualquer partidarismo étnico, se for compreendida de forma eficaz pelos professores ou estudantes de forma a contribuir para a formação do pensamento crítico e criativo. A conquista deste patamar só será possível se houver uma valorização do conceito interdisciplinar, e uma ampliação do próprio conceito de cultura, criando-se algumas familiaridades com elementos que fazem parte deste mosaico cultural, sejam eles pinturas, sinfonias, cantigas de roda, ditados populares, uma escultura do barroco mineiro ou uma estátua grega de um escultor da antiguidade clássica. No entanto, há que se fazer algum aprofundamento da percepção intuitiva intelectual, sem a qual, talvez, haveria uma valorização irrestrita de todas as coisas, que poderia se tornar mera vulgarização, sem uma visão crítica, repetição irrefletida, pois aquilo que a tudo apóia, sem restrições, e sem embasamento, tudo diminui. Enquanto que a reflexão e a observação sem nenhuma forma de preconceito ou preferência pré-estabelecida, poderá ao contrário, perpetuar um gosto eclético e a transmissão deste gosto, pois: [...] Claro que a pedagogia dos mestres, multiplicando os comentários, os ‘exercícios de estilo’, a explicação meticulosa de cada palavra, cada frase, cada verso de um autor tomado como modelo, pode, e com razão, ser acusada de ter provocado uma ‘inércia admirativa’ cujos efeitos se fazem por vezes sentir na prosa e na poesia latinas. Mas as exigências da formação retórica propriamente dita implicavam, além da leitura dos grandes autores, a aquisição de um saber pluridisciplinar: o direito, a história, a geografia, a filosofia, até mesmo a música e os elementos de cultura científica. Assim se formava a inuentio dos futuros oradores (a inuentio é a arte de encontrar idéias, argumentos) (GAILLARD, 1992, p.20) A transdisciplinaridade parece tocar em aspectos ainda mais amplos, conduzindo também a este tipo de raciocínio de valorização dos mais variados aspectos culturais e das relações existentes entre as diversas disciplinas. Ela sugere que existe algo além das matérias que somente se tornará acessível com a prática da observação comparativa que se transformará, através da experiência e do aperfeiçoamento (o que parece fazer com que se retome as concepções de Geertz sobre a cultura como fundamento e meio para a construção do homem), em algo que poderá ser percebido de uma forma, por assim dizer, intuitiva, como sugere para nós também o físico teórico Basarab Nicolescu (1942-) ao conceituar a transdisciplinaridade: [...] a transdisciplinaridade diz respeito ao que está, ao mesmo tempo, entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de todas as disciplinas. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, e um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento. Existe algo entre ou através das disciplinas e além de todas as disciplinas? [...] A estrutura descontínua dos níveis de realidade determina a estrutura descontínua do espaço transdisciplinar, que por sua vez explica por que a pesquisa transdisciplinar é radicalmente distinta da pesquisa disciplinar, mesmo quando totalmente complementar. A pesquisa disciplinar diz respeito, na melhor das hipóteses, a um único e mesmo nível de realidade; além do mais, na maioria dos casos, refere-se a apenas um fragmento de um nível de realidade. Por outro lado, a transdisciplinaridade diz respeito à dinâmica engendrada pela ação de diferentes níveis de realidade ao mesmo tempo. A descoberta dessas dinâmicas passa necessariamente pelo conhecimento disciplinar.[...] Nesse sentido, a pesquisa disciplinar e transdisciplinarnão são antagônicas, mas complementares.(1997) Nicolescu comentou ainda, no programa Arquivo N (exibido pelo canal Rede Globo News, em 22/11/2005), que por volta do século XIII havia aproximadamente umas sete disciplinas, que em meados do séc.XX este número teria crescido para algo em torno de 50 disciplinas. Que hoje em dia existem algo na ordem de 8.000 disciplinas, que formam o tempo todo especialistas que são experts em um determinado conhecimento muito específico, e, conseqüentemente, por assim dizer, ignorantes em 7.999 outros. Com o ritmo de produção de conhecimento científico constante que acontece nos dias de hoje, sem possibilidade de conecta-los uns aos outros, tende-se a permanecer neste molde que parece ignorar a globalização que está aí e é, ao que tudo indica, uma realidade irreversível. Assim, faz se necessário criar meios de conexão entre as diversas disciplinas. A transdisciplinaridade faz isso, porém não visa a multiplicação de itens como acontece com os conhecimentos inseridos em uma enciclopédia, mas sim a criação de conexões entre as áreas de conhecimento. Precisaríamos, segundo esta filosofia transdisciplinar, de uma linha de pensar a educação e o homem na direção de unir a parte prática da mente do homem, o seu pensamento analítico, com o lado emotivo, espiritual deste homem. Basarab Nicolescu coloca também a seguinte questão: seremos nós os humanos compostos somente de células e neurônios ou somos também seres que trazem a necessidade de fazer a ligação entre estes dois pólos opostos, o do saber e o do ser? Conclui ele, que acredita que a transdisciplinaridade trata de uma pessoa humana e da sua necessidade de lidar com várias e complexas dimensões. Parece pois, que a transdisciplinaridade pode ser considerada como uma relação de ordem abstrata e íntima entre homem e cultura, como componentes do universo e que este conceito de homem-transdisciplinar pertence àquele último estágio a ser alcançado na escalada para um entrosamento cultural adequado. Neste sentido de cultura abrangente em altas esferas de percepção, de compartilhamento, a atitude transdisciplinar se caracterizaria por uma forma de visão e de compreensão do universo e das relações entre todas as coisas. Ela superaria assim o âmbito das disciplinas mesmo quando associadas (interdisciplinaridade), o que seria algo ligado apenas ao conhecimento específico de determinado, ou determinados assuntos, e rompendo com este invólucro o transcenderia. Estabeleceria, pois, diferentes níveis de percepção, trazendo à luz com isso, uma grande quantidade de maneiras de se conhecer. Valoriza não só o conhecimento científico, mas, visa ampliar seu alcance aos mais variados modos de produção de conhecimento. Isso não só faz com que se voltem os olhos para questões e interesses muitas vezes menosprezados em sua condição de componentes formadores de cultura, como os já citados aspectos folclóricos e valores diversos da cultura popular que ampliam o universo cultural do homem, como reergue também os valores tradicionais, encarando-os de maneira a mesclar estes com o todo que existe nas mais heterogêneas tendências. Percebe-se que sem um gradual aprimoramento e familiarização com estes diversos temas e aspectos não se poderá avançar rumo ao estabelecimento da maneira transdisciplinar de observar o mundo. Criariam- se desta forma parcerias e onde antes somente um tipo de profissional especializado atuava, atuariam agora vários outros, trocando experiências e se relacionando uns com as atividades e com os conhecimentos dos outros, criando um outro nível de conhecimento participativo que beneficiaria qualquer um que dele necessitasse ou que nele atuasse. Assim se poderia conquistar avanços em questões básicas como, por exemplo, na saúde, quando, em um determinado momento, um paciente fosse atendido, não se olharia para o problema daquele indivíduo de uma forma restrita, mas ampla, inserindo-o em vários contextos, como o social, o filosófico, o psicológico e o físico, o que certamente faria com que o atendimento a este paciente fosse de melhor qualidade. Segundo Jean Piaget (1896-1980), o termo Interdisciplinaridade deve ser reservado para designar “o nível em que a interação entre várias disciplinas ou setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações reais, a uma certa reciprocidade no intercâmbio levando a um enriquecimento mútuo” (1972, p. 136-139). Já a Transdisciplinaridade para Piaget envolve “não só as interações ou reciprocidade entre projetos especializados de pesquisa, mas a colocação dessas relações dentro de um sistema total sem quaisquer limites rígidos entre as disciplinas.” (1972) No campo da educação não é necessário repetir as inúmeras vantagens desta forma abrangente de se pensar a pedagogia para uma formação completa e diferenciada, e não resta dúvida que esta realidade transdisciplinar, é o ideal perseguido pela educação no entendimento integral de cultura, como já ficou aqui defendido como o melhor caminho para o desenvolvimento e sobrevivência do homem. Novamente temos a difícil e controversa questão sobre o que tem valor na cultura e como transitar pelos dois lados, realizando o estudo e a consolidação dos fundamentos da tradição acadêmica e valorizando também, os aspectos culturais informais, sabendo-os não incompatíveis, mas antes, parceiros na consolidação de um universo rico e definitivamente heterogêneo. Esta visão transdisciplinar é, sem dúvida alguma, uma nova e completa forma de sentir e de abordar este assunto, de agir e reagir frente aos diferentes aspectos do saber que se interagem praticando um respeito mútuo de convivência e de cooperação que pressupõe uma diversidade que se interliga por todos os lados. Quando se extrapola desta forma o perímetro da interdisciplinaridade e se avança para um estudo que se situa além do âmbito desta, e que constitui, por assim dizer, um terreno que não pertence isoladamente a nenhuma disciplina, porque somente se forma com as partes de todas, então estamos entrando no terreno da transdisciplinaridade. Não é, pois, a transdisciplinaridade um conjunto de conhecimentos que deverão ser comparados e confrontados, mas muito mais uma valorização de toda cultura e de todo conhecimento e experiência que venha a contribuir para o crescimento total do indivíduo não só de forma intelectual, mas de maneira integral. Este seria um elemento transformador que influiria em nossos conceitos e visões da sociedade e das diversas culturas, reintegrando-os a todo o momento no universo, do qual ambos, homem e cultura, fazem ou deveriam fazer parte, através de uma interação ampla de empatias naturais que estão estabelecidas no todo. O indivíduo que intuir de forma a valorizar esta visão de integração com a totalidade transitará pela sensibilidade, pela experiência e pelo prático, nunca desassociando estas três realidades, mas vivenciado-as em conjunto, unidas em uma só o que redundará em beneficio da sua percepção do mundo e interação com ele. Poderia se afirmar que na transdisciplinaridade temos uma proposta de uma espécie de procura de transcendência de um campo de foco relativamente ainda fechado para um que traga à tona as múltiplas formas do conhecimento que virão valorizar cada indivíduo, cada cultura, cada concepção artística, filosófica ou científica, em conjunto, como fator real de produção de um conhecimento participativo e integrador . No entanto (e aqui retornamos ao cerne do objetivo deste trabalho) não se pode cair no engano de que este complexo amadurecimento possa surgir sem antes vencermos etapas iniciais que embotam e estagnam o afloramento desta forma extraordinária de intuir a totalidade dos conceitos. Sem o rompimento das amarras que prendem uma grande parte dos alunos e professores a uma visão estática, jamais se logrará atingir o ideal transdisciplinar, e o passo inicial para que isso venha a ocorrer é seguir a via aberta pela interdisciplinaridade, a qual não nega que se deve preservar os fundamentos de uma consolidação dos conhecimentos,como se pode observar nos dizeres da professora Ivani Fazenda: [...] A relação mais antiga ao tema (interdisciplinar) em questão me sugere uma volta à velha Grécia, mais especificamente, à Paidéia e, com ela, a possibilidade de revermos uma situação: a de preceptor e discípulo. O preceptor, se bem me recordo [...] é aquele que ajuda o discípulo a fazer uma leitura das coisas próprias do conhecimento geral. O discípulo é aquele que gradativamente é indicado a ampliar essa leitura.Preceptor e discípulo trazem consigo conhecimentos próprios de um e de outro, que ampliados sintetizam uma proposta eterna e primeira da educação: Paidéia – hoje posso simplifica- la ou reduzi-la a uma palavra pertencente ao meu universo atual de discurso teórico: parceria.[...] (1989, p.38) E ainda: [...] ensinar é aprender, porque ensinar é sobretudo pesquisar, e por isso é também construir, é aprender. [...] cabe ao professor, antes de mais nada, haver adquirido uma considerável leitura de vida e de mundo, pois aprender é, inicialmente, aprender em relação à própria vida. Com ele, o gosto da pesquisa que nasce na relação preceptor/discípulo, o espírito daquele que se dispões a trabalhar, a criar, a ousar, a construir. O aluno [...] adquire nesse processo uma admirável disciplina de trabalho, aprende o valor dos conhecimentos necessários, o valor da pesquisa e da documentação. Guarda da escola e do mestre o sabor do saber e permanece um perpétuo estudante. É, segundo Piaget, aquele que não se apressa em virar a página, mas aquele que se demora nela.(1989, p.40-41) Enquanto todos nós, estudantes e professores de música, de outras artes, de ciências, de letras, ou de qualquer outro ramo, não mostrarmos mais empenho em relação à busca de conhecimentos e conceitos importantes para uma compreensão global da cultura, e não mudarmos nossas atitudes para a atitude do aluno que não se apressa em virar a página, e enquanto nós não nos transformarmos naqueles que têm o gosto pela pesquisa, estaremos nos privando, ou sendo privados, quando não orientados adequadamente, de uma fatia saborosa do saber. Somente através de uma entrega pessoal e íntima aos estudos é que se poderá conquistar um entendimento abrangente e transdisciplinar. Mas havemos de lutar para dar os primeiros passos antes de conquistarmos a habilidade do vôo. Precisamos, “auxiliar-nos a ganhar acesso ao mundo conceptual de maneira que possamos conversar com os nossos sujeitos em um sentido mais amplo, e necessitamos penetrar num universo familiar de apoio simbólico, e as exigências do avanço técnico na teoria da cultura, entre a necessidade de aprender e a de analisar, é tão necessária como irremovível”. (GEERTZ, 1989). Certamente não se pode obrigar alguém a ter uma experiência emocional com as relações existentes entre a música e a literatura, por exemplo, mas pode-se sugerir que quando se abandona esta possibilidade, ou por não a conhecer adequadamente, ou por menosprezar a sua importância, estamos causando uma lesão grave na formação do indivíduo culto. Dizia Machado de Assis (1839-1908) pela boca do personagem Brás Cubas que “Grande coisa é haver recebido do Céu uma partícula da sabedoria, o dom de achar as relações das cousas, a faculdade de as comparar e o talento de concluir”! (2001, p.264) Ninguém pode concluir nada a respeito de nada, analisar uma música, uma pintura ou um ritual de fertilidade de uma tribo africana se não houver trabalhado para isso, se não tiver adquirido esta habilidade, ou estar adquirindo estas habilidades (já que o conhecimento e a cultura são infinitos se pensarmos na sua constante ampliação e transformação). Decorre disso, que, se não nos interessarmos e não estudarmos alguma coisa sobre música, pintura ou rituais africanos de fertilidade, não teremos como interpretar estes temas em associação uns com os outros, se em algum momento eles aparecerem para nós como parte de uma mesma obra ou de obras relacionadas. Logicamente, existirão pessoas que poderão analisar música, executá-la e mesmo compô-la, sem que estejam intimamente ligados a uma pluralidade de conhecimentos interligados, tenham ou não estes conhecimentos associação com esta música. Assim como, sempre haverá os que poderão analisar alguns princípios que regem rituais africanos de fertilidade, ou pintores de qualidade e mesmo apreciadores e bons analistas de pintura, de música e apaixonados por práticas indígenas, que não estejam cientes de realizações em outras áreas que se ligam a todas estas coisas citadas, e, realizações estas, que talvez jamais farão falta alguma para eles. O ponto em questão é que existe a possibilidade de uma ampliação de conhecimentos que faz com que exista uma maior familiaridade e um maior entendimento de várias atividades culturais. E apesar desta pesquisa citar relações de outros grupos com este fator de alargamento cultural, não se pode perder de vista que o alvo principal desta mudança de atitude em relação ao conhecimento é o aluno, especialmente o aluno de artes, e mais especificamente o de artes musicais. Uma vez se constituindo este tipo de abordagem mais ampla, esta modificação fará com que aqueles que detiverem este tipo de informação associativa diferenciada, além de poderem apreciar de forma otimizada a pintura, o ritual ou a peça musical, obviamente, estarão também muito mais aptos a exercer a prática do ensino. Poderão, sem sombra de dúvida, estabelecer, quando em algum momento se requisitar, algum tipo de associação entre àquelas duas artes e a manifestação tribal citada. O que constituirá, no caso de professores, grande vantagem de conhecimento específico em relação àqueles que não puderem estabelecer estas relações. Certamente este dom não vem gratuitamente, não cai do céu como sugere Machado no seu livro, através de Brás Cubas, mas adquire-se esta condição de observador perspicaz por meio do estudo e do trabalho. Não se poderá negar, evidentemente, que existem mentes aguçadas inatas, que têm extraordinária rapidez de raciocínio, como também está claro que a inteligência não é medida pelo grau de cultura dos indivíduos, e que um analfabeto que vive na aldeia mais remota do globo pode ter grande inteligência. Sabemos, no entanto, que apesar de poder aquele escritor brasileiro ser considerado alguém muito inteligente não só pela sua produção literária, mas pelas circunstâncias adversas que fizeram parte de sua história, foi somente com muito esforço e dedicação aos muitos estudos das artes, da cultura clássica, da história antiga e do seu tempo, das religiões e logicamente da literatura, que ele pôde aprimorar aquela mente de percepção aguda e fina, e que se não foi somente através do diálogo com os mestres através dos livros que ele a conquistou, isso também para tal muito contribuiu. O caso de Machado de Assis, instiga-nos a pensar que não foi só uma motivação intelectual interdisciplinar que motivou aquela reflexão machadiana, (através do personagem) mas que tal observação poderia estar ligada a uma condição intuitiva peculiar a transdisciplinaridade. Estava Machado, com certeza, além de seu tempo pelo que afirma Roberto Schwarz, um dos estudiosos de suas obras, quando diz: [...] Realmente se nós olharmos o Brasil como parte da cena contemporânea, e se não nos limitarmos ao ângulo da história nacional, veremos que aqui certos aspectos do mundo moderno aparecem de maneira particular e que os autores que têm garra para apanhar esse modo particular podem ser autores de vanguarda e ‘universais’, não só apesar, mas por causa de nosso chamado atraso. Machado de Assis é um autor que em 1880 está dizendo coisas que o Freud diria 25 anos depois. (BOSI et al. 1982, p.318) Pensando neste avanço em relação à sua época, no que diz respeito ao desenvolvimento psicológico de seus personagens, poderia ter trazido M. de A consigo uma percepção transdisciplinar que lhe fizesse criar aqueles tipos inseridos em uma visão mais ampla de análise do que muitos dos seus contemporâneos? Não seria tirar uma conclusão fútil acreditar quesim, devido ao conjunto de observações de agudeza semelhantes que transpassam suas obras e que sempre estão amparadas em uma diversidade de temas filosóficos, históricos, artísticos e religiosos. O que pode nos levar a deduzir que algumas vezes podemos ter este tipo de interpretação das complexas relações que podiam por ele ser pressentidas, e que parecem não se tratar apenas de literatura comparada. Mesmo que o, bruxo do Cosme velho, naquela época não pudesse definir o tipo de relação que ele tinha com o conhecimento diversificado, como sendo uma relação de transdisciplinaridade, uma observação, agora do próprio autor, e não mais de um personagem, citada por Afrânio Coutinho (1911-2000) num estudo crítico, ilustra bem esta questão e faz com que possamos cogitar da possibilidade do saber transdisciplinar estar presente, intuitivamente, em sua conduta: [...] Tiro de cada coisa uma parte e faço o meu ideal de arte, que abraço e defendo [...] Que a evolução natural das coisas modifique as feições, a parte externa, ninguém jamais o negará; mas há alguma coisa (grifo nosso) que liga, através dos séculos, Homero e Lord Byron, alguma coisa inalterável, universal e comum, que fala a todos os homens e a todos os tempos. (ASSIS apud COUTINHO, 1962, p.3) Estes elementos que permanecem inalterados, não no sentido de valor perene e imóvel, mas no de fomentar interesses que falam a todos os homens e a todos os tempos, e que determinam a capacidade de captura de idéias que se formam a partir de um texto poético, de uma sinfonia, ou de uma escultura, atingem as regiões intuitivas, criando um novo sentimento decorrente daquela beleza expressa naquelas formas de arte. Estas coisas, por assim dizer, ocultas, entre as notas de uma música ou na expressão dos contornos de uma estátua de mármore, as mensagens nas entrelinhas a espera de serem decodificadas, são os caminhos para a capacidade da compreensão artística total (ou a maior possível). Tudo isso são detalhes que muitas vezes não podem ser ensinados, mas curiosamente eles podem ser aprendidos em parceria (na redução do termo Paidéia de Ivani Fazenda), com a prática do interesse diversificado, com o retorno ao estilo de relação preceptor/discípulo entre aluno e professor. São estes os fatores que demonstram ser a transdisciplinaridade um conceito muito abrangente e vivo e de grande possibilidade didática. Esta multifacetada visão é que pode fazer com que o estudante de música, por exemplo, que antes se encontrava preso a um único elemento de interesse que era a performance, ou mesmo, na melhor das hipóteses, envolvido também com o aprendizado das matérias comuns ao seu curso, possa vir a ampliar seus horizontes e enxergar além dos objetivos primários, transformando em objetivo principal um estudo mais amplo, mais diversificado e rico em significados. [...] Assim como não é possível identificar teoria com verbalismo, tão pouco o é identificar prática com ativismo. Ao verbalismo falta a ação, ao ativismo, a reflexão crítica sobre a ação. Não é estranho que os verbalistas se isolem em suas torres de marfim e considerem desprezíveis os que se dão à ação, enquanto os ativistas consideram os que pensam sobre a ação e para ela como ‘intelectuais nocivos’, ‘teóricos’ e ‘filósofos’ que nada fazem senão obstaculizar sua atividade. Para mim, que me situo entre os que não aceitam a separação impossível entre prática e teoria, toda prática educativa implica numa teoria educativa. (FREIRE, 1982, p.17) Aqui retornamos à questão dos primeiros passos a serem ensaiados antes de se entregar à prática de voar, voltamos aos degraus que conduzirão ao Parnaso. De maneira geral, nosso ensino se encontra hoje em uma espécie de simplificação consentida, que é o resultado de uma contaminação com o vírus do desinteresse de gerações de estudantes e de professores que se deixam envolver pelo marasmo da tranqüilidade do mínimo, e não se aventuram a buscar a transformação deste estado. Existem, logicamente, razões para este estado de inércia em relação à modificação das políticas educacionais. Uma delas está ligada a um programa de acesso irrestrito à educação, porém uma educação que acaba sendo massificada e sem qualidade, que é a única que não oferece perigo para que se orientem as pessoas a refletir de forma inteligente e participativa, o que seria uma ameaça para o sistema neoliberal excludente atual. Desta forma esta educação alienante se detém em um ensino precário e apático que acaba por ser também o responsável por esta doença de estagnação cultural, agravada pelo distanciamento do interesse pela leitura e pela alienação político-social, que sem dúvida é o primeiro ponto a ser reformado para se começar a andar em direção a transdisciplinaridade. Vejamos o que a esse propósito têm a dizer Paulo Freire (1921-1997): [...] O educador não pode furtar-se, em determinados momentos, de informar. E não pode na medida mesma em que conhecer não é adivinhar. O fundamental, porém, é que a informação seja sempre precedida e associada a problematização do objeto em torno de cujo conhecimento ele dá esta ou aquela informação.(1982, p.54) E Ivani Fazenda: [...] A palavra revela o mundo ao homem, anunciando o homem ao mundo. Através dela, o homem sai de si, interfere no mundo e deixa que o mundo interfira nele.(...) A palavra capta, conhece, interfere e transcende a consciência do homem em sua busca do mundo.(...) Afirmada pois a interdependência existente entre palavra e mundo, restaria ressaltarmos a importância da leitura como forma de desvendar o mundo, fazendo do homem seu sujeito efetivo.(...) Através da leitura, o homem aumenta o seu universo de discurso, e, com isso, a possibilidade de multiplicar suas visões e aspirações sobre o mundo. A leitura poderá também conduzi-lo a uma disciplina pessoal que o levará a desvendar os intrincados dilemas e as diferentes facetas dos problemas que o mundo oferece. Aplicará sua capacidade de raciocínio e sua aptidão perceptual, permitindo ao homem agir, conhecer e transformar o mundo. (1994, p.54) Se o governo pratica uma política educacional limitante e tendenciosa, devemos, reagir a este tipo de conduta e lutar para a modificação deste quadro.Os professores que têm uma formação adequada no modelo já exaustivamente abordado neste trabalho podem, sem dúvida, ser agentes motivadores desta transformação. É um trabalho árduo e, muitas vezes, solitário, mas para que algum progresso venha a ser conquistado há que se deter em uma questão que pode ser o primeiro fator que deve ser revertido: o hábito da leitura. Mais ainda, o hábito da re-leitura e da reflexão sobre o que se lê. Esta reflexão corresponde certamente a uma observação atenta de tudo que o indivíduo encontra no caminho de suas pesquisas, uma audição criteriosa e atenta das obras musicais, a reação crítica diante da programação da televisão, a postura política diante das notícias da imprensa escrita ou televisionada. Tudo isso são os fundamentos que levarão a uma ampliação das perspectivas daquele que estuda ou daquele que ensina. Pensando particularmente no estudante de música, ao qual sempre temos que retornar, para que não se desvie o objetivo central do trabalho, muito embora este objetivo central esteja definitivamente atrelado às questões político-sociais abordadas acima, podemos citar Nikolaus Hanoncourt (1929-2016) que nos lembra a observação que, a propósito da leitura, fez o compositor romântico alemão Johannes Brahms (1833-1897): “Brahms dizia que para tornar-se um bom músico era preciso empregar tanto tempo lendo quanto estudando piano”. (BRAHMS, apud HANONCOURT, 1998, p. 31). O estudante de música, ou de qualquer matéria, deveria, pois, reconhecer que a sua formação completa está vinculada a esta postura de um estudo comparativo de todas as artes, textos, experiências, tradições populares ou eruditas, de todas as pinturas que puder observar, de todos os filmes e peças teatrais que puder assistir, dos jornais que puder ler ou assistir pela televisão, das questões políticase sociais que puder acompanhar. Aqueles que lançarem mão de todos estes recursos, com a finalidade de ampliarem seus horizontes perceptivos, exercitando sua mente no sentido de absorver tudo e formular pensamentos e conclusões, seguramente estarão dando passos seguros, criando condições para a realização máxima de suas potencialidades e consolidando em seu aprendizado os pilares da transdisciplinaridade: a realidade, a lógica e a complexidade. 3.2 Ganhos e perdas no ensino Uma questão que parece pertinente de ser abordada a fim de justificar algumas colocações já feitas neste trabalho, embora elas também estejam associadas às questões político-sociais, é a de que até que ponto o ensino em geral, não somente o ensino de música ou das artes, mas todos os currículos das escolas deixaram de lado o ensino de certas disciplinas fundamentais. Pode-se argumentar que existia um ensino duro, autoritário e que somente havia uma grande quantidade de matérias e de exigências na carga horária dos alunos. Mas será que isso realmente é o único aspecto que deve ser considerado? Estariam nossas escolas desculpando-se ou se justificando por um empobrecimento curricular, assim como também, por um menor grau de envolvimento dos próprios mestres com a valorização cultural, por ser este talvez um caminho mais fácil para todos os acomodados? Na realidade não existe hoje uma vulgarização e uma comercialização do ensino, que, muito mais que as exigências de agilidade do mundo moderno, talvez sejam na realidade os grandes responsáveis pelo empobrecimento intelectual de todos, alunos e professores, e, conseqüentemente, da sociedade em geral? A qualidade do ensino no Brasil acaba por estar vinculada a uma questão monetária, as escolas passam a ser empresas que priorizam o lucro em detrimento da educação. Este fato faz com que as escolas que ainda oferecem um ensino que possa ser considerado de qualidade fiquem restritas a uma elite minoritária que pode pagar por este ensino, o que dá origem a um círculo vicioso. Somente quem poderia arcar com o custo de uma universidade privada cara, é que acaba estudando de graça nas universidades públicas, pois puderam cursar o ensino médio em uma boa escola privada que lhes deu base para garantir uma vaga nos disputados cursos daquelas instituições. A prática do ensino de qualquer matéria teve através dos séculos um avanço extraordinário no que diz respeito ao relacionamento professor-aluno, no que confere aos aspectos psicológicos e às estratégias didáticas que foram atingindo com o passar dos anos altos níveis de sensibilidade no tratamento das questões pertinentes ao desenvolvimento emocional do educando. Porém devemos pensar se não se deixou de lado, ou se pelo menos, não se valorizou menos, neste processo, a exigência de domínio de disciplinas importantes para a consolidação de uma formação cultural adequada. Quando este tipo de política educacional, que privilegia um conhecimento estratificado, ou minimizado, é praticada, deve se ter cuidado para que não se deixe de valorizar conhecimentos preciosos que deveriam ser interligados uns aos outros. Realmente havemos de admitir que se torna às vezes inviável que se disponibilize para os alunos dos mais variados cursos todas as matérias e há que se selecionar disciplinas mais pertinentes ao curso específico de cada um, porém não pode haver uma completa ignorância de relações interdisciplinares. Podemos nos indagar quais são as matérias que se relacionam? Esta é uma pergunta de difícil resposta, pois parece que em última análise tudo tem haver com tudo. Vejamos o que diz Adriano Nogueira, relembrando Martin Heidegger (1889- 1976), ao abordar especificamente o estudo da matemática, mas demonstrando que este também não é puramente específico: [...] A objetividade destes objetos está calcada num esgotamento: eles deixam de existir como ‘coisa’ (ou como “entes” da physis) e reaparecem como representação matemática, reaparecem como conhecimento matemático. Isso é coisa de grego, diz o Heidegger. São matemáticos: a álgebra, a aritmética, a geometria, a astronomia e a música (aqui entendida como harmonia de proporções e ritmos). Entre os gregos, diz o Heidegger, não são eles que constituem a matemática mas, sim, é o inverso: sendo eles campos de saber intelectualmente constituídos por este procedimento cognitivo (o procedimento ta mathema) então eles são campo de conhecimento rigoroso, de proporção rigorosa, são conhecimentos que opera com a harmonia dos contrários.(1994, p.82-83) Parece que o filósofo, aqui retomado por Nogueira, acredita em uma destituição de uma visão da matemática como matéria isolada, e chamando o filósofo a nossa atenção para o pensamento grego, diz que a idéia de matemática está contida no universo e que muitas matérias que têm algo de exato como a matemática, dela fazem parte. Este pensamento é compartilhado pela modernidade e não se fixa na Europa como herança grega apenas, mas podemos observar que esta abordagem fez parte, como nos mostra Nogueira neste seu mesmo livro, de um Congresso Interamericano de Educação Matemática, em Miami, E.U.A, realizado em 1991, o que podemos observar na citação abaixo: [...] A natureza das matemáticas está mudando, têm-se muitos indícios disto. Cada dia que passa mais gente questiona aquele modelo de matemática infalível, distante da intuição empírica e da realidade, aquele modelo que, até agora, tem dominado universalmente (1994, p.84) A insistência na questão matemática tem um objetivo claro. Pois se uma matéria que poderia estar isolada das outras por apresentar modelos rígidos de ensino pelas muitas características fixas que apresenta, tende a se mesclar e se abrir para interpretações mais intuitivas, por que não se deveria ter este tipo de atitude com disciplinas tradicionalmente ligadas à criatividade, como a música, as artes em geral, ou mesmo aspectos de interpretação histórica? Lembremos da já referida utilização da história da arte no ensino da matemática (quando abordamos o número de ouro), quando pudemos demonstrar o enriquecimento possível no ensino de ambas as matérias. Devemos no entanto fazer outras associações para que se não perca o principal objetivo deste trabalho, que é o de demonstrar que qualquer tipo de associação de estudos somente pode resultar em benefício para os estudantes e professores, quando estes são ou passam a ser (pela própria mudança de postura que estas associações podem fomentar) transformadores de realidades. Ao observarmos as palavras transliteradas do grego que aparecem na penúltima citação acima, poderíamos voltar a “bater na mesma tecla” da ameaça de uma gradual perda (para a grande maioria dos estudantes e professores) da importância da preservação de estudos clássicos, configurando-se este abandono em uma dissociação prejudicial. Esta falta de interesse parece estar ligada a uma questão de se considerar ultrapassados certos estudos. Parece que o conceito de modernidade para um tipo de aluno ou de professor acomodado, pressupõe uma falta de interesse pelo estudo do que é antigo, se não o de todo o estudo em geral. Certamente isso tem suas origens também no próprio descaso de muitas das instituições, que se multiplicam no país, que não ambicionam a formação de indivíduos bem preparados e questionadores, mas são antes, empresas lucrativas que preferem pagar menos por professores mal qualificados, do que investir na qualidade do ensino. Institui-se assim outro círculo vicioso, onde, os professores despreparados não têm como alimentar os interesses dos alunos, os alunos já não têm interesses e os professores acomodados e despreparados, sentem-se protegidos por esta situação, pois, seguramente, é bem mais difícil “encarar” uma turma de estudantes com questões difíceis de serem resolvidas. Esta realidade em nossas escolas não é em grande parte culpa das próprias universidades que acabam por priorizarem a rapidez e a agilidade rotativa dos cursos, com objetivos muito mais voltados para os ganhos financeiros do que para a formaçãointegral dos seus estudantes? Não acabam, desta forma, ministrando o programa de atropelo, entregando as cadeiras aos professores menos capacitados por constituírem mão de obra barata? Como se deter em detalhar as questões importantes para uma formação sólida dos alunos com uma política de supervalorização das razões financeiras? O quadro se agrava ao vermos que muitos alunos, em busca da facilitação de currículo, procuram, quando podem pagar, justamente a escola que lhe oferecer condições mais fáceis para a obtenção de um diploma. O que contribui para o agravamento da situação, pois que dá cada vez mais condições para que a universidade-empresa possa subsistir. Para se conquistar a respeitabilidade deve se proceder de forma inversa. Investir em um corpo docente de qualidade deixando de lado o mercantilismo e, mesmo que obtendo lucros, não fazer deste lucro o principal objetivo de uma instituição. Quando as disciplinas e professores competentes lecionando-as, são colocados à disposição de todos os alunos, sejam quais forem os cursos em que estão matriculados, mesmo que isso pareça, ou possa ser verdadeiramente inviável, do ponto de vista cronológico, pelo menos a Instituição cumpre sua obrigação de atender a qualquer aluno de qualquer curso que poderá então contar com o estudo de qualquer disciplina que deseje para que se processe a interdisciplinaridade de forma ampla. Este é o conceito de universidade previsto nos PCN’s, o de uma instituição capaz de oferecer uma formação ampla e universalizada, o qual deveria estar funcionando de forma eficaz se os interesses e as priorizações do governo não fossem outras. Um ponto muito importante parece ser o de que a postura do profissional de ensino altamente capacitado, sempre é aquela de alguém que poderá auxiliar o estudante que dele necessite. Independente da possibilidade de freqüência constante do aluno em determinadas matérias do seu interesse, e, aparentemente, estranhas ao seu curso, à medida que for requisitado, tal professor, poderá instruir o aluno que busca mais conhecimento, direcionando-o de forma que ele possa conseguir, individualmente, uma maior aproximação da transdisciplinaridade. Desta forma, um professor comprometido, que fosse amparado por uma instituição igualmente comprometida não consideraria desnecessária a preocupação com a existência de um abandono de matérias que parecem ser antes muito mais próximas do que distantes de todos os temas. Se pensarmos que nos cursos de artes, de literatura ou filosofia, existem critérios de relação íntima entre todas estas disciplinas, tal preocupação de uma maior atenção à multiplicidade é mais do que justificável. Basta para se ter certeza disso, pensar em como na realização de seus trabalhos, os compositores, escritores, pintores e filósofos foram motivados e inspirados por temas clássicos, pelo folclore, por costumes diversificados, fossem eles universais ou regionais e que estes temas desempenharam papel muito relevante em muitas criações artísticas. Não raras vezes a familiaridade com assuntos diversificados, serão a chave principal na inteligibilidade de algum termo importante para um contexto interpretativo onde se nota que o que aparentemente poderia ser considerado desnecessário ao estudante, pode sob outro prisma de avaliação ser essencial. Em curso de Interpretação Musical o pianista e regente suíço Alfred Cortot (1877 – 1962), afirmou: [...] Poderíamos sustentar que não há arte que, acima da interpretação musical, suponha o manejo delicado, a compreensão requintada de todos os tipos de emoções ou de sensação que se trata de transferir ao espírito do ouvinte pela magia misteriosa das sonoridades. Rousseau afirmou: ‘Para se elevar às grandes expressões da música, seria necessário ter feito um estudo particular das paixões humanas e da linguagem da natureza’.Tolstoi acrescenta: ‘A arte é a comunicação dos sentimentos experimentados’.(CORTOT apud THIEFFRY, 1986, p.16) Estes exemplos são, no entanto, apenas algumas gotas no oceano de disciplinas de formação das quais se deveriam fornecer, pelo menos, os conceitos básicos mais importantes, se quisermos que as gerações futuras não se entreguem definitivamente a uma especialização extrema que acabe por tornar todos ignorantes em tudo que não é a sua micro-especialidade. Um dos exemplos mais significativos de professor bem-sucedido e que sempre valoriza na cultura (para retornar ao início deste capítulo) a vida essencial existente nela, é o do educador e psicólogo mineiro Rubem Alves (1933-2014). Existe em todos os textos de Rubem Alves, um entendimento e uma vivacidade que mostram aspectos culturais que ele chama à luz em todo momento ao construir os seus escritos, que são os mais variados. Embora demonstrando um vasto e eclético conhecimento cultural, em seus textos jamais transparece a menor sombra de pedantismo ou arrogância. Torna-se evidente que este autor- educador, é alguém que tendo galgado os degraus até um estágio de compreensão ampla, reconhece na simplicidade de tudo todas as coisas que ele viveu ou leu, equiparadas e igualitárias. Não atribuiu, ele, à filosofia de um pensador famoso ou a uma Paixão de Bach um peso maior do que o de um causo que ouviu de um caipira, ou a uma moda de viola, tocada e cantada em uma cozinha de uma velha casa do interior do país. Não deixa, no entanto, de chamar como sua testemunha, ao contar suas histórias, seja uma superstição da roça, uma concepção filosófica de origem européia, ou um poema de autor famoso. E nestas relações, lê, compreende e enxerga a unidade da arquitetura do todo e depois nos informa sobre uma beleza e empatia entre tudo isso de maneira sincera em seus escritos. Isto pode ser observado ao lermos alguns trechos de escritos de Rubem Alves que demonstram o trânsito fácil deste autor (notadamente um autor contrário à valorização da rigidez de pensamento ou no conhecimento) por áreas da cultura, para tentarmos continuar demonstrando, a necessidade de se passar por estágios de aprendizado, para podermos conquistar a liberdade de pensamento e de escolha: Comecei a gostar dos livros mesmo antes de saber ler. Descobri que os livros eram um tapete mágico que me levavam instantaneamente a viajar pelo mundo... Lendo, eu deixava de ser o menino pobre que era e me tornava um outro.[...] Eu passava horas vendo as figuras e não me cansava de vê-las de novo [...] Um outro livro que me encantava era o “Jeca Tatu”, do Monteiro Lobato. Começava assim: “Jeca Tatu era um pobre caboclo...” De tanto ouvir a estória lida para mim, acabei por sabe-lo de cor. “De cor”: no coração. Aquilo que o coração ama não é jamais esquecido.[...] Florais de Bach: confesso minha ignorância. Nada sei sobre os seus poderes. Mas sei muito sobre os poderes terapêuticos dos “Corais de Bach”. A música tem poderes mágicos.[...] Um amigo me disse que o poeta Mallarmé tinha o sonho de escrever um poema de uma palavra só. Ele buscava uma única palavra que contivesse o mundo. T.S. Eliot no seu poema O Rochedo tem um verso que diz que temos “conhecimento de palavras e ignorância da Palavra”.A poesia é uma busca da Palavra essencial, a mais profunda, aquela da qual nasce o universo. (http://www.rubemalves.com.br/). http://www.rubemalves.com.br/) Um ponto importante que se pretende demonstrar também, é que a conclusão de que tomar a decisão de se deixar de lado estudos que dêem uma noção razoável da cultura e do pensamento de importantes autores antigos, modernos, ou contemporâneos, sem tentar encontrar alguma solução alternativa que possibilite um convívio mais próximo com estes estudos, não parece ser algo inteligente e que contribua para a melhoria do ensino. Ainda que esta atitude não torne os cursos mais rápidos, a preocupação em ministrar pelo menos as bases e os aspectos principais dos conhecimentos clássicos, e de outros, deveria ser encarada como ferramenta fundamental à realização de uma prática adequada na busca da excelência no ensino. A solução pode ser a fomentação da pesquisa, da indagação, e isso