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MEDEIROS, Cynthia Pereira de; HOLANDA, Suely Alencar Rocha de. Psicanálise aplicada à educação: uma discussão teórica a partir de Freud e Lacan. Estilos clin., São Paulo, v. 14, n. 26, p. 128-137, 2009. RESENHA CRÍTICA Em Psicanálise aplicada à educação: uma discussão teórica a partir de Freud e Lacan, as autoras Cynthia Pereira de Medeiros1 e Suely Alencar Roda de Holanda2 discutem teoricamente a questão da aplicação da psicanálise à educação, abordando-a a partir das obras de Freud e Lacan. Na obra de Freud, é possível encontrar alusões à aplicação dos conceitos e descobertas psicanalíticas a outros campos do saber, como a educação. O pai da psicanálise já considerava as vantagens da utilização dos conhecimentos psicanalíticos na área da educação. Conforme evidenciam as autoras (2009), ao passo que lança luz à sexualidade infantil, a psicanálise promove um reposicionamento do adulto frente às questões da infância, o que possibilitaria uma “educação psicanaliticamente esclarecida”. Todavia, nessa perspectiva, a aplicação da psicanálise teria como precondição a análise pessoal, uma vez que exigiria o desenvolvimento de determinadas estruturas psíquicas e de uma atitude específica para com o analista. As autoras (2009) salientam, no entanto, que não se trata de uma prescrição freudiana de análise para todos. Assim, em relação às limitações da aplicação da psicanálise à educação, a advertência é justamente contra a tendência de se fazer da teoria psicanalítica uma visão de mundo. Medeiros e Holanda (2009) evidenciam que a obra de Lacan, por sua vez, está centrada na questão da produção do analista e da ética da psicanálise, ética do desejo, intimamente articulada à formação do analista. Assim, as autoras apontam que, conforme as postulações de Lacan, estes dois eixos – produção do analista e ética da psicanálise - definem e restringem o campo de aplicação da psicanálise. 1 Psicanalista, Doutora em Psicologia da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2 Psicanalista, Mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vimos que Medeiros e Holanda (2009) iniciam seu percurso de forma otimista, a partir da esperança de Freud nos benefícios da aplicação dos conceitos analíticos ao campo da educação. Contudo, essa ideia é descartada diante do impasse quanto a exigência de análise pessoal dos educadores, considerando que a prescrição de análise para todos é contraditória à própria psicanálise. Do mesmo modo, na obra de Lacan, a aplicação da psicanálise seria um desdobramento da formação do analista. Todavia, como contraponto, podemos mencionar as contribuições de Pedroza (2010) que, a partir da análise das práticas pedagógicas, faz uma leitura psicanalítica da relação aluno-professor e evidencia a pertinência de intervenções que forneçam subsídios aos professores para o enfretamento de problemáticas inerentes a este contexto. Do mesmo modo, em seus estudos, Buck e Santos (2009) refletem sobre o conceito psicanalítico de transferência, enfocando suas consequências para o desenvolvimento da aprendizagem e, assim, demonstrando que a educação é um campo possível para aplicação da psicanálise. Por sua vez, D’Agord (2002) utiliza conceitos lacanianos para descrever a relação aluno-professor, marcada por uma triangulação: conhecimento, saber do professor e saber do aprendente. Assim, a maneira como se estabelece (ou não) esta triangulação terá repercussões em todo o processo de ensino-aprendizagem e, portanto, justifica a atuação do psicanalista neste contexto. Ademais, corroborando com os achados de Medeiros e Holanda (2009) nas obras de Freud e Lacan, podemos afirmar que a aplicação da psicanálise no campo da educação é possível sem a necessidade de prescrição de análise aos educadores, mas mantendo como precondição a formação do analista para a atuação de outro profissional: o psicólogo escolar/educacional. De acordo com a definição de psicólogo escolar/educacional apresentada na Resolução CFP nº 13/2007 que institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de Especialista em Psicologia, a atuação deste profissional enfoca todos os segmentos do sistema educacional que participam do processo de ensino- aprendizagem e considera as características do corpo docente, do currículo, das normas da instituição, do material didático, do corpo discente e demais elementos do sistema; seu trabalho ocorre em equipe interdisciplinar, integrando os seus conhecimentos aos dos demais profissionais da educação. Portanto, é um profissional que atua nos bastidores do processo de ensino-aprendizagem, podendo aplicar os conceitos psicanalíticos em sua atuação. Cabe salientar que o Sistema Conselhos de Psicologia (CFP e CRPs) defende a ampla liberdade na utilização dos métodos e técnicas psicológicas, respeitando a autonomia profissional, os princípios estabelecidos no Código de Ética Profissional do Psicólogo, bem como as demais normativas em vigência, pertinentes à profissão de Psicologia, desse modo, o psicólogo tem a prerrogativa da escolha da abordagem teórica e das técnicas que utilizará em seu trabalho, incluindo a Psicanálise. Embora o Sistema Conselhos de Psicologia não ofereça referências teóricas para a atuação profissional, por meio do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), apresenta à categoria o documento Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica, material essencial para fundamentar a atuação do psicólogo na área da educação. Assim, enfatizamos a importância das reflexões sobre a formação teórico- técnica e ética dos profissionais da área da Psicologia, considerando a iminente expansão do campo de atuação na área escolar/educacional devido a publicação da Lei nº 13.935 de 11 dezembro de 2019 que dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Por fim, podemos concluir que o artigo Psicanálise aplicada à educação: uma discussão teórica a partir de Freud e Lacan apresenta relevância no que diz respeito à apresentação das referências nas obras freudianas e lacanianas das (im)possibilibidades de aplicação da psicanálise a outros campos do saber, entretanto, efetivamente, não apresenta alternativas que de fato viabilizem a aplicação da psicanálise à educação, tornando necessário o levantamento bibliográfico de outras produções que tratem do tema. REFERÊNCIAS: BRASIL, Lei nº 13.935, de 11 dezembro de 2019. Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. BUCK, Marina Bertone; SANTOS, José Wellington dos. A transferência na sala de aula. Revista Científica Eletrônica de Psicologia, Garça/SP, ano VII, n. 13, n.p., nov./2009. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (BRASIL). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) na educação básica. Conselho Federal de Psicologia. 2. ed. Brasília: CFP, 2019. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp- content/uploads/2019/08/EducacaoBASICA_web.pdf CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (BRASIL). Resolução CFP nº 13/2007 - Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e procedimentos para seu registro. D’AGORD, Marta. Psicanálise das aprendizagens: argumentos. Mars Gradivus, Rio Grande do Sul, ano I, n. 1, n.p., 2002. MEDEIROS, Cynthia Pereira de; HOLANDA, Suely Alencar Rocha de. Psicanálise aplicada à educação: uma discussão teórica a partir de Freud e Lacan. Estilos clin., São Paulo, v. 14, n. 26, p. 128-137, 2009. PEDROZA, Regina Lucia Sucupira. Psicanálise e Educação: análise das práticas pedagógicase formação do professor. Psic. Da Ed., São Paulo, v. 30, 1º sem. De 2010, pp. 81-96. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/08/EducacaoBASICA_web.pdf https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/08/EducacaoBASICA_web.pdf
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