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Autores: Profa. Fernanda Patrícia Gullo Luzente Profa. Luana Cardoso de Oliveira Prof. Rogério Nepomuceno Kreidel Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Tecnologia Farmacêutica Professores conteudistas: Fernanda Patrícia Gullo Luzente / Luana Cardoso de Oliveira / Rogério Nepomuceno Kreidel © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) L979l Luzente, Fernanda Patrícia Gullo. Tecnologia Farmacêutica / Fernanda Patrícia Gullo Luzente, Luana Cardoso de Oliveira, Rogério Nepomuceno Kreidel. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 164 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Comprimidos. 2. Fármaco. 3. Nanopartícula. I. Luzente, Fernanda Patrícia Gullo. II. Oliveira, Luana Cardoso de. III. Kreidel, Rogério Nepomuceno. IV. Título. CDU 615.014.4 U515.33 – 22 Fernanda Patrícia Gullo Luzente Graduada em Farmácia pela Universidade de Ribeirão Preto (2008), mestre em Biociências e Biotecnologia Aplicada à Farmácia pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp (2010) e doutora em Biociências e Biotecnologia Aplicada à Farmácia, com ênfase em Biotecnologia, pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp (2016). Também possui doutorado sanduíche, no Instituto de Medicina Molecular (IMM), pela Faculdade de Medicina de Lisboa (2013-2014), por meio do programa FCT-Capes. Docente na Universidade Paulista. Acompanha os estágios e é orientadora de projetos de iniciação científica envolvendo produtos naturais, atividade antifúngica e biotecnologia farmacêutica. Luana Cardoso de Oliveira Graduação em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Estadual Paulista – Unesp (1999), especialista em Manipulação Magistral Alopática pela Anfarmag (2003) e em Gestão da Assistência Farmacêutica pela Universidade Federal de Santa Catarina (2015). Também é mestre em Ciências Farmacêuticas pela Unesp (2006). Atualmente, é docente na Universidade Paulista e farmacêutica da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Apresenta experiência na área de produção e controle de qualidade de medicamentos e cosméticos, bem como assistência farmacêutica na atenção básica e especializada. Rogério Nepomuceno Kreidel Graduado em Farmácia pela Universidade Católica de Santos (2001) e especialista em Farmacologia pela mesma instituição (2003). É especialista em Formação e Cuidado em Rede pela Unifesp (2014) e em Apoio à Saúde da Família pela Unifesp (2016). Também possui especialização em Produção e Controle de Medicamentos pela Universidade de São Paulo (2005) e mestrado em Fármaco e Medicamentos pela mesma instituição (2010). Docente na Universidade Paulista. Tem experiência em farmácia comunitária, farmácia hospitalar e atua desde 2007 no Departamento de Atenção Básica da Prefeitura Municipal de Santos como componente do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Já foi chefe de Unidades de Saúde da Família e é tutor de Farmácia no Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Primária à Saúde (PRMAPS) e coordenador municipal do Programa de Tabagismo do Município de Santos. Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade Talita Lo Ré Sumário Tecnologia Farmacêutica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO EM INDÚSTRIA FARMACÊUTICA ........................................... 11 1.1 Sistema de Qualidade Farmacêutica ............................................................................................ 14 1.2 Pessoal – qualificação, treinamento e organograma ............................................................ 15 1.3 Instalações e equipamentos ............................................................................................................ 17 1.4 Documentos/Registros ....................................................................................................................... 19 1.5 Produção .................................................................................................................................................. 21 1.6 Controle de qualidade (CQ) .............................................................................................................. 23 1.7 Reclamação e recolhimento ............................................................................................................ 26 1.8 Autoinspeção ......................................................................................................................................... 27 2 CÁPSULAS .......................................................................................................................................................... 28 2.1 Cápsulas de gelatina dura ................................................................................................................. 30 2.1.1 Fabricação do invólucro ....................................................................................................................... 32 2.1.2 Etapas importantes do preparo e desenvolvimento da formulação ................................. 33 2.1.3 Fatores de correção (Fc) e de equivalência (Feq) ....................................................................... 34 2.1.4 Escolha do tamanho da cápsula ....................................................................................................... 38 2.1.5 Enchimento da cápsula em pequena escala ................................................................................ 44 2.1.6 Enchimento da cápsula em larga escala ....................................................................................... 46 2.1.7 Limpeza e selagem ................................................................................................................................. 48 2.2 Cápsulas de gelatina mole ................................................................................................................ 48 2.3 Controle de qualidade ........................................................................................................................ 50 3 GRANULADOS ................................................................................................................................................... 55 3.1 Vantagens ................................................................................................................................................ 56 3.2 Desvantagens .........................................................................................................................................56 3.3 Via de administração .......................................................................................................................... 57 3.4 Características dos granulados ....................................................................................................... 57 3.5 Processo de granulação ..................................................................................................................... 57 3.5.1 Granulação por via seca ....................................................................................................................... 57 3.5.2 Granulação por via úmida ................................................................................................................... 59 3.6 Tipos de granuladores úmidos ........................................................................................................ 62 3.6.1 Granuladores de cisalhamento ......................................................................................................... 62 3.6.2 Misturadores granuladores de alto cisalhamento (high-shear/alta velocidade) .......... 62 3.6.3 Granuladores de leito fluidizado ...................................................................................................... 63 3.7 Impacto do método de granulação sobre a estrutura do granulado.............................. 65 3.8 Classificação dos granulados ......................................................................................................... 66 3.8.1 Granulados efervescentes ................................................................................................................... 66 3.8.2 Granulados de liberação modificada .............................................................................................. 66 3.8.3 Granulados esféricos ............................................................................................................................ 67 3.8.4 Granulados vermiculares .................................................................................................................... 67 4 COMPRIMIDOS ................................................................................................................................................. 68 4.1 Vantagens ................................................................................................................................................ 68 4.2 Desvantagens ......................................................................................................................................... 68 4.3 Vias de administração versus tipos de comprimidos ............................................................. 69 4.3.1 Comprimidos orais ................................................................................................................................. 70 4.3.2 Comprimidos sublinguais e bucais .................................................................................................. 70 4.3.3 Comprimidos mastigáveis ................................................................................................................... 71 4.3.4 Comprimidos orodispersíveis ou comprimidos de desintegração oral ............................. 71 4.3.5 Comprimidos efervescentes ............................................................................................................... 71 4.3.6 Comprimidos vaginais .......................................................................................................................... 72 4.4 Excipientes/Adjuvantes ...................................................................................................................... 73 4.4.1 Diluentes .................................................................................................................................................... 73 4.4.2 Aglutinantes .............................................................................................................................................. 74 4.4.3 Desintegrantes ......................................................................................................................................... 74 4.4.4 Lubrificantes ............................................................................................................................................ 78 4.4.5 Absorventes ............................................................................................................................................. 79 4.4.6 Tampões ...................................................................................................................................................... 79 4.4.7 Flavorizantes ............................................................................................................................................. 80 4.4.8 Edulcorantes ............................................................................................................................................. 80 4.4.9 Corantes e pigmentos ........................................................................................................................... 80 Unidade II 5 COMPRIMIDOS – ASPECTOS PRODUTIVOS ........................................................................................... 88 5.1 Componentes de uma máquina de comprimir ........................................................................ 88 5.2 Condições e fases da compressão ................................................................................................. 89 5.3 Máquinas de comprimir .................................................................................................................... 90 5.3.1 Máquina excêntrica ............................................................................................................................... 90 5.3.2 Máquina rotativa .................................................................................................................................... 91 5.4 Diferenças entre máquinas rotativas e excêntricas ............................................................... 92 5.5 Forma e tamanho dos comprimidos............................................................................................. 92 5.6 Compressão da mistura ..................................................................................................................... 94 5.6.1 Compressão direta .................................................................................................................................. 94 5.6.2 Compressão por granulação via seca ............................................................................................. 95 5.6.3 Compressão por granulação via úmida ......................................................................................... 96 5.7 Fatores que afetam a produção de comprimidos ................................................................... 98 5.7.1 Granulometria .......................................................................................................................................... 98 5.7.2 Determinação do ângulo de repouso ............................................................................................. 99 5.7.3 Determinação da densidade da mistura de pós .......................................................................100 5.7.4 Fator de Hausner ...................................................................................................................................102 5.7.5 Índice de compressibilidade (índice de Carr) .............................................................................102 5.8 Problemas na compressão ..............................................................................................................103 5.8.1 Capping e laminação ...........................................................................................................................103 5.8.2 Sticking .....................................................................................................................................................1046 FORMAS FARMACÊUTICAS REVESTIDAS ..............................................................................................106 6.1 Revestimentos .....................................................................................................................................108 6.1.1 Revestimento com açúcar (drageamento) .................................................................................108 6.1.2 Revestimento pelicular .......................................................................................................................109 6.1.3 Revestimento a seco ............................................................................................................................ 110 6.1.4 Excipientes usados nos revestimentos ......................................................................................... 110 6.1.5 Equipamentos usados para revestimento ....................................................................................111 6.2 Controle de qualidade ......................................................................................................................114 7 SISTEMAS DE LIBERAÇÃO MODIFICADA DE FÁRMACOS ...............................................................116 7.1 Histórico ................................................................................................................................................116 7.2 Vias de administração ......................................................................................................................118 7.3 Terminologia .........................................................................................................................................119 7.3.1 Liberação prolongada .......................................................................................................................... 119 7.3.2 Liberação retardada ............................................................................................................................ 120 7.3.3 Ação repetida .........................................................................................................................................121 7.3.4 Liberação vetorizada ............................................................................................................................121 7.4 Identificação de formas de liberação modificada de fármacos ......................................122 7.5 Vantagens .............................................................................................................................................124 7.6 Desvantagens .......................................................................................................................................124 8 SISTEMAS DE LIBERAÇÃO MODIFICADA DE FÁRMACOS – TECNOLOGIAS DISPONÍVEIS PARA SUSTENTAR A LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS ......................................................125 8.1 Sistemas matriciais ............................................................................................................................125 8.1.1 Sistemas matriciais hidrofílicos ..................................................................................................... 126 8.1.2 Matrizes hidrofóbicas (matrizes plásticas inertes) ................................................................ 128 8.1.3 Matrizes lipídicas ................................................................................................................................. 129 8.1.4 Matrizes biodegradáveis ................................................................................................................... 129 8.2 Sistemas reservatórios (sistemas controlados por membrana) .......................................129 8.3 Sistemas osmóticos (bomba osmótica) .....................................................................................131 8.3.1 Bomba osmótica elementar ............................................................................................................ 132 8.3.2 Bomba osmótica push-pull (OROS Push-Pull) ......................................................................... 132 8.4 Nanoestruturas utilizadas como sistemas de liberação controlada de fármacos .............134 8.4.1 Nanopartículas poliméricas ............................................................................................................. 134 8.4.2 Nanopartículas lipídicas sólidas (NLS) ......................................................................................... 137 8.4.3 Lipossomas ............................................................................................................................................. 139 8.4.4 Microemulsões e nanoemulsões .................................................................................................... 142 8.4.5 Nanocristais ........................................................................................................................................... 144 9 APRESENTAÇÃO Esta disciplina apresenta os conceitos de tecnologia farmacêutica, a ciência que estuda a obtenção das formas farmacêuticas. Os conhecimentos adquiridos nesta disciplina são importantes para a atuação do profissional na área farmacêutica, mais especificamente em farmácias de manipulação, indústria farmacêutica e pesquisa e desenvolvimento farmacotécnico. O conteúdo deste livro-texto é de grande valia, mesmo para os profissionais que não atuarão diretamente na produção de medicamentos, a exemplo do controle de qualidade e drogarias. Quem dispensa medicamentos precisa conhecer os processos produtivos para orientar melhor os pacientes. Os objetivos desta disciplina são preparar o aluno para a elaboração de formulações, dispensação, utilização de medicamentos, produção, operações unitárias e equipamentos, controles envolvidos, estabilidade e características do produto acabado, além de técnicas de preparação das principais formas farmacêuticas. Todo esse conteúdo tem o foco tanto nos processos magistrais (farmácias de manipulação) quanto nos industriais (indústria farmacêutica). INTRODUÇÃO Vamos estudar neste livro-texto as formas farmacêuticas. Antes, porém, teremos um tópico para as Boas Práticas de Fabricação, um conjunto de ações que visa garantir a qualidade, a segurança e a eficácia de medicamentos produzidos pelas indústrias farmacêuticas. Será dada ênfase à atual norma em vigor, abordando aspectos relacionados a sistema da qualidade, recursos humanos, infraestrutura e equipamentos, documentos e registros, produção e controle de qualidade dos medicamentos, atendimento à reclamação e recolhimento de produtos, além de autoinspeção. Também será acentuada a forma farmacêutica cápsulas, assim, poderemos aprender como são produzidas cápsulas duras e moles, destacando a possível necessidade de correção da massa de fármacos através da aplicação de fatores de correção ou equivalência, o enchimento em farmácias de manipulação e indústrias e a avaliação da qualidade dos produtos obtidos. Em seguida, verificaremos os granulados, uma forma sólida usualmente utilizada na fabricação de comprimidos, mas que também pode representar o medicamento extemporâneo para administração. Serão estudados os aspectos e as características dos diferentes tipos de granulados e equipamentos relacionados a sua produção. Ainda na unidade I, iniciaremos o aprendizado sobre comprimidos. Essa forma farmacêutica apresenta grande relevância porque é a mais consumida mundialmente. Assim, veremos suas vantagens e desvantagens, tipos de comprimidos para diferentes vias de administração e excipientes específicos para sua obtenção. Já na unidade II, avançaremos no entendimento dos aspectos produtivos dos comprimidos, estudando tipos de máquinas, tipos de compressão e fatores da mistura de pós ou granulados que podem afetar a obtenção, bem como possíveis problemas que podem surgir na compressão. 10 Veremos que as formas sólidas, os granulados,as cápsulas, especialmente os comprimidos, podem ser revestidos com vistas a obter um benefício adicional, como maior adesão ao tratamento e liberação entérica. Desse modo, é essencial conhecer os diferentes tipos de revestimento disponíveis, assim como os equipamentos utilizados, além de saber como garantir sua qualidade. Como é possível melhorar aspectos intrínsecos à farmacocinética dos fármacos usando os conhecimentos da tecnologia farmacêutica? Essa questão será respondida quando estudarmos os sistemas de liberação modificada de fármacos, que existem desde a década de 1950, mas foram evoluindo ao longo dos anos, até atingir os sistemas de liberação vetorizada em nanoescala. Faremos o histórico desses medicamentos, abordando a terminologia utilizada, suas vantagens, desvantagens e os tipos de sistemas disponíveis. Esperamos que tenha êxito em seus estudos e que este livro-texto possa concluir o ciclo de aprendizado referente à produção das diferentes formas farmacêuticas. Contudo, esperamos que você sempre tenha curiosidade e crítica reflexiva sobre os aspectos produtivos dos medicamentos. 11 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Unidade I 1 BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO EM INDÚSTRIA FARMACÊUTICA Neste tópico estudaremos as normas que devem ser aplicadas para o funcionamento de uma indústria farmacêutica. Essas normas estão inseridas nas Boas Práticas de Fabricação (BPF), que são diretrizes aplicadas antes, durante e após a produção de um lote de medicamento, cosmético ou correlato. As BPF têm o objetivo de garantir que todo o produto farmacêutico apresente o padrão de qualidade exigido nas especificações e pelos órgãos sanitários para que tenha a eficácia no uso pretendido. Observação Vejamos as definições para alguns termos citados no texto, de acordo com RDC n. 301 de 2019 (BRASIL, 2019). Lote: é a quantidade definida de matéria-prima, material de embalagem ou produto processado em um ou mais processos, cuja característica essencial é a homogeneidade. Especificações: são documentos em que estão descritos, em detalhes, os requisitos com os quais produtos ou materiais usados ou obtidos durante a fabricação devem atender. Servem de base para a avaliação da qualidade. É importante ressaltar que tais normas devem ser aplicadas tanto aos produtos já aprovados para comercialização, ou seja, na rotina da indústria farmacêutica, quanto para os medicamentos que se encontram em fases experimentais, ou seja, os que ainda estão em ensaios clínicos. O emprego das BPF visa gerenciar e minimizar riscos que podem ocorrer durante o processo de produção e, porventura, interferir na qualidade e na eficácia do produto farmacêutico, garantindo a segurança durante o uso do produto pelo consumidor. A Resolução n. 301 (BRASIL, 2019) é aplicada a qualquer estabelecimento farmacêutico que realize operações envolvidas na fabricação de produtos farmacêuticos. O primeiro texto a especificar as BPF foi escrito no Decreto n. 20.397 de 1946 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e sofreu diversas atualizações até o momento. Em sua última publicação, a RDC n. 301, traz inovações nas BPF no sentido de alinhar as normas do Brasil com normas internacionais de qualidade, tendo o gerenciamento de riscos como a grande novidade quando comparada com 12 Unidade I legislações anteriores, como RDC n. 17 (2010), RDC n. 210 (2003), RDC n. 134 (2001) e Portaria n. 16 (1995) (FUSINATO, 2021; VOGLER et al., 2017). Nesse contexto, destacam-se as instruções normativas (IN) que complementam a RDC n. 301 (2019), as quais abordam, especificamente, a produção dos diferentes tipos de formas farmacêuticas (exemplo: IN 41 para líquidos, cremes e pomadas, IN 42 para aerossóis), os tipos de medicamentos (IN 35 para medicamentos estéreis, IN 36 para medicamentos biológicos, IN 39 para fitoterápicos, IN 45 para medicamentos experimentais, IN 46 para hemoderivados) e procedimentos aplicados no setor industrial farmacêutico (IN 40 para amostragem, IN 43 para sistemas computacionais, IN 47 para atividade de qualificação, IN 48 para amostras de referência e retenção). Saiba mais Para obter o texto integral da RDC n. 658 de 2022, acesse: BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 658, de 31 de março de 2022. Dispõe sobre as Diretrizes Gerais de Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos. Brasília, 2022. Disponível em: https://bit.ly/394nHEQ. Acesso em: 2 jun. 2022. Consulte as instruções normativas no endereço a seguir: Disponível em: https://bit.ly/3KVFuM7. Acesso em: 2 jun. 2022. O gerenciamento de riscos está associado à questão de minimizar erros, o que é essencial no setor da indústria farmacêutica. Podemos exemplificar a importância da minimização de erros quando lembramos de alguns episódios na história que relatam a venda de medicamentos sem qualidade e que, por consequência, proporcionaram riscos à saúde dos usuários. Por exemplo, o caso de intoxicação por comprimidos de sulfatiazol contaminados com fenobarbital e a falha na inativação viral de um lote de vacina de pólipo, ambos ocorridos nos EUA (VOGLER et al., 2017). Conforme a Resolução n. 301 (BRASIL, 2019), os requisitos básicos da BPF são: • Todos os processos de fabricação devem estar claramente definidos e demonstrar capacidade de produzir medicamentos com a qualidade exigida e em conformidade com as suas especificações do produto. • As etapas críticas do processo de produção, bem como quaisquer mudanças significativas, devem estar validadas. • As instruções e os procedimentos devem ser escritos de forma instrutiva, em linguagem clara e inequívoca em um documento denominado Procedimento Operacional Padrão (POP). 13 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA • Todos os procedimentos devem ser seguidos corretamente pelos operadores, que devem receber treinamento para tal função desempenhada. • O cumprimento de todas as etapas exigidas pelos procedimentos e instruções definidas deve ser registrado para comprovar que a quantidade e a qualidade do produto estão conforme o previsto. • Quaisquer desvios de qualidade devem ser registrados e investigados com o objetivo de determinar a causa raiz e implementar as ações corretivas e preventivas apropriadas. • O registro de fabricação e distribuição deve ser realizado de modo que permita o rastreamento completo de um lote e deve ser mantido de forma compreensível e acessível. • A distribuição dos produtos farmacêuticos deve acontecer de forma a minimizar qualquer risco relacionado a qualidade. • Deve haver um sistema disponível para recolher qualquer lote de produto em comercialização ou distribuição que tenha um lote comprometido. • As reclamações sobre os produtos e as causas dos desvios de qualidade devem ser investigadas. Assim, medidas apropriadas devem ser adotadas em relação aos produtos com desvio e em relação à prevenção da recorrência. Para abordar melhor o tema das BPF, o assunto será dividido em oito sistemas, como ilustrado na figura a seguir: Sistema de Qualidade Farmacêutica Pessoal Instalações e Equipamentos Autoinspeção Documentações Reclamações e Recolhimento de Produtos Controle de Qualidade Produção Boas Práticas de Fabricação (BPF) Figura 1 14 Unidade I Lembrete A aplicação das BPF na indústria farmacêutica refere-se a qualquer produto farmacêutico, o que inclui medicamentos, cosméticos e correlatos. 1.1 Sistema de Qualidade Farmacêutica O Sistema de Qualidade Farmacêutica (SQF) é executado pelo responsável pelo estabelecimento farmacêutico com a finalidade de alcançar o objetivo da qualidade na fabricação dos produtos. Apesar de ser o responsável técnico que responde às questões de qualidade da empresa, toda a equipe é considerada responsável pela produção dentro do padrão de qualidade. Podemos dizer que a qualidade dos medicamentos é suportada por um tripé envolvendo as normas de BPF, o Sistema de Gerenciamento de Risco (SGR) e o SQF, conforme a figura a seguir. Sistema de Qualidade Farmacêutica(SQF) Boas Práticas de Fabricação (BPF) Sistema de Gerenciamento de Risco (SGR) Figura 2 – Tripé da qualidade na produção de medicamentos Para ficar clara a diferença entre esses sistemas: no manual de BPF está descrito o passo a passo para realizar a produção e é onde está descrito todo o registro dos procedimentos efetuados até a comercialização do produto. Com esse registro, é possível rastrear os processos realizados antes, durante e após a produção, caso seja necessário. O SGR é um processo sistemático de avaliação, controle, comunicação e revisão dos riscos que acontecem durante a produção e que possam reduzir a qualidade do produto. Já o SQF garante que as BPF e que o SGR sejam implementados corretamente, por meio do controle dos processos, por exemplo, o registro da ordem de produção, de manutenção preventiva em equipamentos, de calibração, de limpeza e sanitização, o registro de condições ambientais (temperatura, umidade) etc. Ao compreendermos as definições desse tripé, entendemos que para alcançar a qualidade é necessário que a indústria tenha um SQF abrangente e corretamente implementado. Destaca-se que todas as ações do SQF devem ser documentadas, monitoradas e revisadas periodicamente e que essas ações são aplicadas em todas as etapas do ciclo de vida do produto. 15 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Vejamos as definições para alguns termos importantes, de acordo com RDC n. 301 (BRASIL, 2019): • Calibração: é o conjunto de operações que estabelece, sob condições especificadas, a relação entre os valores indicados por um instrumento ou sistema de medição, ou valores representados por uma medida materializada, e os valores correspondentes conhecidos de um padrão de referência. • Responsável técnico: é o profissional reconhecido pela autoridade regulatória nacional e cuja responsabilidade é garantir que cada lote de produto terminado tenha sido fabricado, testado e aprovado para a liberação em consonância com as leis e normas em vigor no país. • Validação: é a ação de provar, de acordo com os princípios das BPF, que qualquer procedimento, processo, equipamento, material, atividade ou sistema realmente leva aos resultados esperados. 1.2 Pessoal – qualificação, treinamento e organograma A indústria farmacêutica deve ter o número de funcionários adequados com a demanda de produção, e as responsabilidades individuais devem ser claramente definidas, compreendidas e registradas, constituindo um organograma. O organograma é um documento em que as relações entre os responsáveis pelos setores de produção, qualidade e técnico estejam claramente apresentadas de acordo com a hierarquia gerencial. Nesse documento, cada funcionário tem as funções específicas devidamente descritas. Presidente Produção Finanças Recursos humanos Manutenção Qualidade TI Gerente de produção Gerente de finanças Gerente de recursos humanos Gerente de manutenção Gerente de qualidade Gerente de TI Supervisor de produção Supervisor de finanças Psicólogo Supervisor de manutenção Gerente do controle de qualidade Supervisor de TI Técnico de produção Técnico Técnico em recursos humanos Técnico de manutenção Auditor de qualidade Técnico de TI Assistente de produção Assistente Assistente de recursos humanos Assistente de manutenção Assistente de qualidade Assistente de TI Figura 3 – Organograma representativo da hierarquia na indústria farmacêutica Adaptada de: Paula e Barros (2016). 16 Unidade I Para os que os funcionários desenvolvam suas funções adequadamente, é obrigatório que eles recebam treinamento. Acentua-se que o treinamento deve ser inicial (antes de o funcionário começar uma função na indústria) e contínuo, devendo incluir as instruções sobre a sua função desempenhada, sobre a teoria e prática do SQF e das BPF, incluindo as questões de higiene. A aplicação das orientações recebidas no treinamento deve ser avaliada periodicamente. Assim, tanto o treinamento quanto a avaliação do cumprimento das normas devem ser registrados. É obrigatório que a indústria farmacêutica tenha programas que incluam a prática de higiene e paramentação. Todo funcionário contratado deve fazer exames médicos e afins para assegurar a saúde pessoal durante o trabalho. Dessa forma, nenhuma pessoa que apresente doença infecciosa ou lesões abertas deve participar da produção. Também é obrigatório, entre os materiais de paramentação, o uso de roupas, óculos e luva protetora para garantir que o funcionário não se exponha a riscos durante a produção devido ao contato com produtos ou matérias-primas. O uso de acessórios pessoais, como bijuterias e joias, não é permitido na área de produção, pois esses itens podem acumular resíduos e aumentar as chances de contaminação. É proibido comer, beber, mascar, fumar ou armazenar alimentos, bebidas, materiais derivados do tabaco ou medicamentos de uso pessoal nas áreas de produção e armazenamento. Outro aspecto importante que envolve as funções dos funcionários é que os responsáveis pela produção e pela qualidade (controle de qualidade e gerenciamento da qualidade) devem ser independentes entre si, como podem observar no organograma demonstrado na figura 3. Observe no quadro a seguir as funções detalhadas dos responsáveis pelos setores de produção, controle de qualidade e garantia da qualidade, com base na RDC n. 301 (BRASIL, 2019). Quadro 1 Produção Controle de qualidade Garantia da qualidade Incumbido de garantir a produção adequada de produtos farmacêuticos Assegurar a implementação dos POPs no setor de produção Organizar e arquivar os registros do setor de produção Garantir a manutenção de instalações, equipamentos e funcionários do setor de produção Garantir a validação periódica dos processos Assegurar que treinamentos sejam realizados quando necessário Encarregado de aprovar ou reprovar matérias-primas, embalagens, produtos intermediários, a granel e terminados Garantir que todos os testes de controle de qualidade sejam realizados e registrados Aprovar as especificações, instruções de amostragem e metodologias de análises Garantir que as análises de controle de qualidade microbiológico sejam realizadas nos processos de produção e no ambiente Responsável por autorizar e atualizar documentos como POPs Monitorar e controlar os ambientes de fabricação, instalações, salas de armazenamento de matérias-primas e produtos Validar processos e treinamento de funcionários Aprovar e monitorar, por meio de auditorias, os fornecedores e prestadores de serviços terceirizados Reter e arquivar todos os registros Realizar autoinspeção e participar de auditorias 17 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA No contexto de etapas da produção de produtos farmacêuticos, estão acentuadas a seguir as definições dos diferentes produtos que podemos encontrar na indústria farmacêutica. • Produto intermediário: produto parcialmente processado que deve ser submetido a etapas subsequentes de fabricação antes de se tornar um produto a granel. • Produto a granel: qualquer produto não estéril que tenha completado todos os estágios de processamento, mas não incluindo a embalagem primária. Atenção para os produtos estéreis: em sua embalagem primária, estes são considerados produtos a granel. • Produto acabado: produto que tenha passado por todas as etapas de produção, incluindo rotulagem e embalagem final (BRASIL, 2019). 1.3 Instalações e equipamentos Ao projetar a construção de uma indústria farmacêutica, é necessário que instalações e equipamentos sejam construídos e localizados de acordo com o(s) tipo(s) de produtos que a indústria produzirá. É importante que a planta baixa da indústria mantenha um fluxo unidirecional de passagem de pessoas autorizadas e de matéria-prima, produto intermediário e produto acabado, como veremos mais adiante. O projeto da planta baixa da indústria farmacêutica deve ser elaborado para minimizar riscos e facilitar a limpeza e manutenção da área,evitando contaminações, acúmulo de pó ou sujeira. As instalações devem ser limpas e desinfetadas de acordo com as instruções definidas nos POPs para cada tipo de produção. Para que a limpeza e desinfeção sejam efetivas, as superfícies internas das salas, como paredes, pisos e tetos, devem ser lisas, livres de fissuras e, quando estiverem abertas ao mesmo tempo, não devem liberar partículas. Tubulações, luminárias e pontos de ventilação também devem ser projetados para evitar o acúmulo de partículas e facilitar a limpeza. Quanto aos pontos de ventilação, deve haver pontos de tratamento do ar na sala de produção, tanto para filtrar o ar que entra na produção quanto para filtrar o ar que sai da produção, pois suas partículas podem contaminar o meio ambiente. Com a finalidade de reduzir a quantidade de partículas que podem ser possíveis contaminantes, a indústria farmacêutica conta com salas que apresentam diferença de pressões dentro e fora. As pressões diferenciais têm o objetivo de bloquear a passagem de partículas entre as salas e manter o fluxo de ar unidirecional (MORETTO; CALIXTO, 2013). Lembrete Quando abordamos o termo instalação, consideramos que é um espaço físico delimitado onde há máquinas, aparelhos, equipamentos e sistemas auxiliares que são utilizados para executar os processos na produção dos produtos farmacêuticos (MORETTO; CALIXTO, 2013). 18 Unidade I Iluminação, temperatura, umidade e ventilação devem ser adequadas tanto na produção quanto no armazenamento de matérias-primas, produto intermediário, a granel e produto acabado. Tais parâmetros ambientais devem ser monitorados e registrados com frequência, uma vez que a exposição de matérias-primas e produtos aos fatores ambientais adversos pode gerar alteração de estabilidade, o que afeta diretamente a qualidade do produto farmacêutico (MORETTO; CALIXTO, 2013). Na planta baixa da indústria farmacêutica, devem-se planejar as instalações para que que toda a produção seja conduzida com facilidade para as áreas interligadas; tudo deve ocorrer em uma ordem lógica, com a sequência de operações e os níveis de limpeza requeridos, com o intuito de reduzir riscos de contaminação cruzada ou microbiana. Para compreendermos melhor, vamos observar na figura 4 a seta amarela, que representa o caminho que a matéria-prima fará dentro da indústria. Note que é um caminho unilateral, pois a matéria-prima faz o seguinte trajeto: sai da recepção, é estocada no almoxarifado em local de quarentena, onde irá aguardar até que o controle de qualidade (CQ) avalie e aprove o seu uso. A matéria-prima aprovada passa do almoxarifado (área de aprovados) para a sala de pesagem, e na sequência para a sala de produção, onde é transformada em um produto em processo. O caminho do produto intermediário, ou em processo, é representado pela seta laranja, que indica que o produto em processo se torna um produto acabado quando é embalado. O produto acabado tem seu caminho representado pela seta vermelha, que indica que o produto acabado sai da sala de embalagem e é avaliado quanto à qualidade pelo CQ e, se aprovado, o produto é estocado no almoxarifado para produtos acabados e está pronto para a comercialização. Observe que as setas seguem apenas um sentido, o que evita contaminação entre as etapas. Passagem Recepção Produção Embalagem CQ Expedição Almoxarifado produto acabado Almoxarifado matéria-prima Fluxo unidirecional de produção Fluxo de matéria-prima Fluxo de produto em processo Fluxo de produto acabado Figura 4 – Representação do fluxo unidirecional de produção de medicamentos na indústria farmacêutica Observe as definições a seguir: • Contaminação: é a introdução não desejada de impurezas de natureza química ou microbiológica, ou de matéria estranha, em matéria-prima, produto intermediário e/ou produto acabado durante as etapas de amostragem, pesagem, formulação, produção, embalagem, armazenamento ou transporte. 19 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA • Contaminação cruzada: contaminação de determinada matéria-prima, produto intermediário, produto a granel ou produto acabado durante as etapas de amostragem, pesagem, formulação, produção, embalagem e armazenamento (BRASIL, 2019). O segregamento das áreas colabora com a redução do risco de contaminação. Por exemplo, a produção, os laboratórios de controle de qualidade, o almoxarifado e as áreas auxiliares (sala de descanso, refeitório, vestiários e sanitários) devem ser separados entre si. É importante ressaltar que vestiários e sanitários devem ser facilmente acessíveis, porém não devem se comunicar diretamente com a área de produção ou almoxarifado. O uso de equipamentos, seja no processo de produção, no controle da qualidade ou mesmo em processos de tratamento de água em uma indústria farmacêutica, deve ser rigorosamente utilizado conforme as descrições do POP, que envolve os métodos necessários para preparar os equipamentos para uso (limpeza, montagem, calibração, esterilização). Também é necessário verificar se o equipamento e a estação de trabalho estão livres de resquícios de produtos anteriores e limpos adequadamente para uso. Sempre que realizar a limpeza, esta deve ser registrada, assim como a calibração dos equipamentos. 1.4 Documentos/Registros É de responsabilidade do setor de garantia da qualidade organizar documentos e registros do trabalho realizado na indústria farmacêutica indicando que a empresa opera de acordo com as BPF. Os principais objetivos dos documentos são estabelecer, controlar, monitorar e registrar todas as atividades que, direta ou indiretamente, afetam a qualidade dos produtos farmacêuticos. Os documentos são divididos em dois tipos: as instruções e os registros/relatórios, conforme a RDC n. 301 (BRASIL, 2019). Quadro 2 Instruções O documento de instrução é o POP, o qual é aplicado em todo procedimento realizado na indústria farmacêutica, seja ele ou direta ou indiretamente envolvido com a produção. Neste documento deve estar descrito o passo a passo de todas as instruções para realizar uma ação; também deve ser livres de erros e não apresentar conteúdo ambíguo, com a finalidade de orientar os operadores a realizar o procedimento da maneira correta e mais eficiente, de acordo com as BPF Registros/Relatórios Os registros ou relatórios devem ser completados sempre que uma ação for realizada, por exemplo, sempre que houver a calibração de uma balança, a limpeza de uma sala, a conferência de temperatura e umidade do ambiente, a liberação de um lote de medicamento, o recebimento de uma matéria-prima, entre outros procedimentos. Tais registros permitem que as atividades realizadas possam ser rastreadas e facilmente identificar algum problema associado ao desvio de qualidade Toda documentação referente a um lote deve ser arquivada por 1 ano após a expiração do lote a que se refere ou, pelo menos, após a certificação do lote pela garantia da qualidade; sempre devemos optar pelo prazo mais longo. Quando se trata da documentação de um lote de medicamento ainda não aprovado para comercialização, ou seja, em fase experimental, os documentos devem ser 20 Unidade I arquivados pelo menos por 5 anos após a conclusão ou descontinuação formal do último estudo clínico em que o lote for utilizado. As documentações devem conter as seguintes informações: • nome e número do lote; • datas e horários de início e conclusão da produção; • identificação dos operadores que realizaram cada etapa significativa do processo; • qualquer informação relevante e equipamento usado; • registro dos controles de qualidade e resultados obtidos; • rendimento do produto acabado; • observações sobre quaisquer problemas; • aprovação das operações feita pela pessoa responsável (BRASIL, 2019). Informações como nome e número do lote devem estar descritas nos rótulos das embalagens. Devem-se manter os registros de distribuição do produto acabado para que, em caso de problemas com o lote, ele seja facilmente rastreado eentão seja realizado o recolhimento do produto do mercado, se necessário. Diante dos diversos processos que envolvem a produção e comercialização dos produtos farmacêuticos, a RDC n. 301 (BRASIL, 2019) lista alguns documentos de instruções e relatórios ou registro para as atividades realizadas na indústria farmacêutica: I – Validação e qualificação de processos, equipamentos e sistemas. II – Montagem e calibração de equipamentos. III – Transferência de tecnologia. IV – Manutenção, limpeza e sanitização. V – Treinamento em BPF. VI – Monitoramento ambiental. VII – Controle de pragas. 21 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA VIII – Reclamações. IX – Recolhimento. X – Devoluções. XI – Controle de mudanças. XII – Investigação sobre desvio de qualidade e não conformidade. XIII – Auditorias internas. XIV – Resumos de registros. XV – Auditorias em fornecedores. 1.5 Produção Já aprendemos que todas as operações de produção farmacêutica, seja produto acabado, seja produto intermediário, devem respeitar os POPs e as BPF. O processo de produção está entre as etapas críticas para contaminação cruzada e, para que esta seja evitada, a manipulação de produtos diferentes deve ser realizada em salas diferentes. Durante a produção de um medicamento, a sala deve ser identificada com o nome do produto que está sendo produzido, a concentração e o número do lote. Já estudamos que essas contaminações podem ser evitadas na distribuição das salas de produção e no fluxo unidirecional de pessoas e produtos. Lembrete A etapa de produção é considerada processo crítico tanto para a contaminação cruzada quanto para a contaminação microbiana, por isso, em todas as etapas de produção os materiais, equipamentos e ambientes devem ser protegidos da contaminação microbiana por meio de limpeza, desinfecção e controle da qualidade microbiológica do ambiente. As matérias-primas que serão utilizadas para o preparo de um lote devem ser pesadas apenas por pessoas devidamente capacitadas. Todas as matérias-primas de um lote devem ser mantidas juntas e visivelmente etiquetadas com identificação e para qual fórmula serão utilizadas. Depois da produção, os produtos farmacêuticos serão acondicionados em sua embalagem primária, a qual deve ser escolhida de acordo com as necessidades que o medicamento tem para manter a sua estabilidade e qualidade. Por exemplo, embalagens que protejam da luz e que evitem o contato do medicamento com o ar ambiente. É importante que as embalagens primárias estejam devidamente limpas e higienizadas. 22 Unidade I Após o envase, os produtos acabados serão colocados em suas embalagens secundárias, que deverão conter todas as informações pertinentes para rastreabilidade e identificação. Os seguintes parâmetros devem ser avaliados na embalagem secundária: • a aparência geral das embalagens; • se as embalagens estão completas; • se os produtos e materiais foram usados adequadamente; • se as impressões aplicadas durante o processo de embalagem estão corretas e visíveis; • o funcionamento correto dos monitores de linha de embalagem (BRASIL, 2019). Qualquer amostra que for retirada da linha de embalagem por apresentar algum parâmetro irregular não deve voltar para o envase, e todo material de embalagem que não for usado deve ser destruído, jamais sendo reutilizado. Concluída a etapa de embalagem, temos o produto farmacêutico acabado. Todo o produto que termine seu curso pelo setor de produção deve ser colocado em estado de quarentena, para que possa passar por testes de qualidade, somente depois será liberado para distribuição. O estado de quarentena, aprovação ou reprovação do produto deve ser identificado por etiquetas com cores diferentes para a fácil visualização do status do produto: Quarentena Aprovado Reprovado Figura 5 – Etiquetas de identificação do status de produtos e matérias-primas Observe as definições a seguir: • Quarentena: estado das matérias-primas ou do material de embalagem, produtos intermediários, a granel ou acabados, separados fisicamente, não necessariamente em ambientes distintos, ou por outros meios eficazes, enquanto se aguarda uma decisão sobre a sua liberação ou recusa (BRASIL, 2019). • Embalagem primária: embalagem que mantém contato direto com o medicamento (BRASIL, 2010). • Embalagem secundária: embalagem externa do produto, que está em contato com a embalagem primária ou envoltório intermediário, podendo conter uma ou mais embalagens primárias (BRASIL, 2010). 23 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA 1.6 Controle de qualidade (CQ) O controle de qualidade (CQ) participa ativamente do sistema de qualidade farmacêutica. Estudamos anteriormente as funções do responsável pelo setor de CQ, o que facilita a compreensão de que este setor é responsável por coletar amostras, realizar testes para avaliar a qualidade química, físico-química e microbiológica de matérias-primas, água, embalagens, produtos intermediários e a granel para que possam ser utilizados no preparo de medicamentos, assim como avalia os produtos acabados verificando se estão adequados para serem comercializados. Ainda tem a atribuição de avaliar e monitorar a qualidade dos processos de produção e do ambiente da indústria farmacêutica. Além de realizar testes, o setor de CQ é responsável por validar e implementar os procedimentos de controle de qualidade, supervisionar a amostragem, garantir a correta etiquetagem de recipientes e produtos, garantir o monitoramento da estabilidade dos produtos, definindo seu prazo de validade, bem como participar da investigação de desvio de qualidade em casos de reclamações relacionadas à qualidade do produto. Quando se trata do CQ de matéria-prima e embalagem primária recebidas por um fornecedor devidamente qualificado, o setor deve avaliar as características comparando com as especificações, ou seja, as características específicas que garantem a originalidade do produto. Também é necessário que a empresa tenha especificações de produtos intermediários e a granel, assim como dos produtos acabados, visto que todos devem passar por análise de qualidade. Para melhor entendimento sobre uma ficha de especificação, observe o quadro 3. As especificações de matérias-primas, embalagens primárias, produtos intermediários e a granel devem conter os seguintes aspectos: • descrição dos materiais (nome e referência do código interno, referência farmacopeica, se houver, fornecedores aprovados); • instruções de como realizar a amostragem e as análises aplicadas; • requisitos qualitativos e quantitativos com limites de aceitação; • condições de armazenamento e precauções; • período máximo de armazenamento antes de uma reanálise. 24 Unidade I Quadro 3 – Exemplo de ficha de especificação de matéria-prima contendo os requisitos exigidos pelas BPF Ficha de especificação de matéria-prima Nome: Atenolol Número DCB: 00911 Código DCB: 00683.01-9 Sinonímia: Não aplicável Código interno: 00001 Fórmula molecular: C14H22N2O3 Peso molecular: 266,34 Usos: anti-hipertensivo, antagonista de receptores B-adrenérgicos, antianginoso e antiarrítmico Grau de pureza: grau farmacêutico Fornecedores qualificados: Especificações gerais Teor: mínimo de 98% e máximo de 102% Testes de identificação Características organolépticas: pó cristalino, branco ou quase branco Solubilidade: muito pouco solúvel em água; facilmente solúvel em metanol; solúvel em ácido acético glacial e em etanol; pouco solúvel em diclorometano; muito pouco solúvel em acetona; praticamente insolúvel em acetonitrila Ponto de fusão: entre 152 e 155 ºC Poder rotatório específico: ente +0.10º e -0.10º Densidade: não aplicável Identificação Espectrofotometria de absorção no infravermelho, espectro da amostra apresenta máximos de absorção somente nos mesmos comprimentos de onda e com as mesmas intensidades relativas daqueles observados no espectro da substância padrão Espectrofotometria de absorção no ultravioleta; a razão entre os valores de absorbânciasmedidos a 275 nm e 282 nm está compreendida entre 1.15 e 1.20 Cromatografia em camada delgada, com obtenção de mancha principal de posição, cor e intensidade similar à obtida com a substância padrão Ensaios de pureza pH: não aplicável Perda por dessecação: no máximo 0,5% Cinzas sulfatadas: no máximo 0,1% Cloretos: no máximo 0.1% (1000 ppm) Embalagem e armazenamento Armazenar em recipientes bem fechados Amostragem Verificar procedimento geral de amostragem Referências Farmacopeia Brasileira, 2010, p. 611, 5. ed. Adaptado de: Machado, Dutra e Pinto (2015). 25 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA As especificações também são aplicadas para produtos acabados, devendo, nesse caso, conter os seguintes itens: • nome do produto e o código de referência interno; • fórmula; • descrição da forma farmacêutica e detalhes da embalagem; • instruções para amostragem e análises aplicáveis; • requisitos qualitativos e quantitativos, com limites de aceitação; • condições de armazenamento; • prazo de validade (BRASIL, 2019). As matérias-primas ou embalagens que não forem aprovadas pelo CQ devem ser armazenadas em área restrita, identificada como reprovada; nesse caso, elas podem ser devolvidas aos fornecedores. No caso de reprovação de produtos produzidos na empresa, eles devem ser destruídos ou reprocessados quando apropriado. Note a importância de a indústria farmacêutica ter fornecedores com qualificação. Por isso, auditorias devem ser realizadas com os fabricantes e distribuidores de matérias-primas a fim de confirmar o cumprimento das BPF e Boas Práticas de Distribuição. Tais auditorias podem ser realizadas pela própria empresa ou por entidade que atue pela empresa. Durante a auditoria, deve ser realizada uma avaliação completa e clara das BPF. Depois, deve ser emitido um relatório com o resultado da auditoria. Quando se trata do CQ do produto, recomenda-se realizar a coleta de amostras durante todo o processo de produção, principalmente nas etapas críticas, ou seja, etapas com maior chance de erros. O ideal é que a amostragem aconteça no início, meio e fim do processo produtivo. Quando se obtém o produto acabado, uma amostra deve ser armazenada, a qual é chamada de amostra de referência, para que a qualidade do produto seja avaliada mesmo após a comercialização do produto farmacêutico, promovendo o monitoramento da estabilidade por um programa específico para isso. Observação Um programa de estabilidade de acompanhamento tem como objetivo monitorar o produto durante a sua vida útil e determinar se ele permanece dentro das especificações sob as condições de armazenamento presentes no rótulo. Aplica-se, principalmente, ao medicamento na embalagem em que é vendido, mas também pode ser aplicado ao produto a granel (BRASIL, 2019). 26 Unidade I 1.7 Reclamação e recolhimento A indústria farmacêutica deve contar com um sistema para registro, avaliação, investigação e revisão de reclamações dos produtos farmacêuticos que estão no mercado. Esse sistema deve incluir uma busca por possíveis desvios de qualidade e recolhimento dos produtos de forma efetiva e rápida. Todas as reclamações recebidas pela indústria farmacêutica devem ser documentadas e avaliadas, visando à identificação dos possíveis desvios de qualidade ou novos efeitos adversos. Quando há suspeita de falsificação, deve-se dar atenção especial à reclamação. As ações a serem tomadas para atender a uma reclamação devem estar descritas em POP, sendo obrigatórias ações que abordem os seguintes itens: • descrição do desvio relatado; • determinação da extensão do desvio de qualidade; • verificação ou testes de amostras referências e de amostra do produto recolhido; • avaliação dos riscos causados pelo desvio de qualidade com base na extensão e gravidade; • processo de tomada de decisão em relação à necessidade potencial de ações de redução de riscos a serem tomadas nas redes de distribuição e a necessidade de notificar autoridades sanitárias; • identificação da provável causa raiz do desvio de qualidade; • necessidade de Ações Corretivas e Preventivas (Capas – Corrective and Preventive Action) apropriadas e implementadas, bem como para a avaliação da eficácia das Capas (BRASIL, 2019). Observação Capas é um componente do sistema da qualidade que, conduzido de maneira consistente pela indústria farmacêutica, tem o poder de auxiliar na promoção da melhoria do sistema de qualidade farmacêutica (BRASIL, 2019). Como já citado, o gerenciamento de riscos é um ponto importante na legislação atual que rege as BPF, e é seguindo os princípios do gerenciamento de riscos que todos os desvios de qualidade devem ser documentados e avaliados. Para iniciar a investigação sobre o desvio de qualidade, todos os registros envolvendo o lote em questão devem ser avaliados, na tentativa de identificar uma possível não conformidade. Essa não conformidade pode estar associada ao registro do produto, às especificações do produto ou às BPF. Assim, levando em consideração a gravidade do desvio de qualidade, é realizada a tomada de decisão, a qual deve ser documentada. Ao identificar um desvio de qualidade, autoridades sanitárias, assim como o detentor de registro, devem ser comunicados sobre o recolhimento do produto e, por consequência, o desabastecimento do mercado. 27 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA O recolhimento do produto no mercado deve seguir os procedimentos descritos nos POPs. Poderá acontecer a qualquer momento, visando proteger os pacientes antes mesmo que a causa raiz seja identificada. Para que seja possível o recolhimento, os registros de distribuição de lotes e produtos devem conter informações sobre atacadistas e clientes abastecidos com o produto farmacêutico. Os produtos recolhidos devem ser identificados e armazenados separadamente em local seguro até que seja determinado o destino. Observação O impacto do recolhimento dos produtos no mercado pode apresentar grandes impactos na saúde, principalmente em caso de fabricantes exclusivos. Dados têm demonstrado que os desvios de qualidade corresponderam a 93% do total de medicamentos, as falsificações a 3%, e outros problemas a 4% desse total (REIS; PERINI, 2008). Quando temos um desvio de qualidade, é importante que a causa seja identificada, no entanto, nem sempre isso é possível. Quando a suspeita envolver erros humanos, é necessária uma justificativa formal sobre as causas reais do erro, garantindo que estas não sejam mascaradas ou negligenciadas. Uma vez identificado o desvio de qualidade, devem ser adotadas ações corretivas e preventivas. 1.8 Autoinspeção O cumprimento das BPF é avaliado por autoinspeções em todos os setores da indústria farmacêutica. O objetivo da autoinspeção é, além de monitorar a implementação das BPF em todos os setores, propor medidas corretivas e preventivas quando necessárias. Existem vários sistemas de inspeção, e os setores recebem uma numeração condizente com o cumprimento das BPF. Essa inspeção deve ser detalhada e conduzida por pessoas capacitadas e deve ser registrada por meio de relatórios, os quais devem conter as observações realizadas durante a inspeção e, quando aplicável, devem conter propostas de ações corretivas. Saiba mais Consulte exemplos de planos de inspeção na referência a seguir: ZAPPAROLLI, F. P. Boas práticas de documentação e integridade de dados no sistema de gestão da qualidade: uma questão nova para a indústria farmacêutica? 2020. Dissertação (Graduação) – Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020. Disponível em: https://bit.ly/38085Bi. Acesso em: 18 abr. 2022. 28 Unidade I 2 CÁPSULAS Neste tópico estudaremos um pouco sobre a forma farmacêutica cápsula, a fabricação do invólucro, os processos de enchimento e seu controle de qualidade. As cápsulas são formas farmacêuticas sólidas, sendo as mais usadas nas farmácias de manipulação/ magistrais. O nome cápsula deriva do latim e significa “invólucro pequeno”. A definiçãode cápsulas encontrada na maior parte dos livros é: formas farmacêuticas sólidas, com invólucro geralmente feito com gelatina, de forma ovoide, esférica, de tamanhos variados e usadas para acondicionar substâncias farmacêuticas, pastosas, sólidas e líquidas. Figura 6 – Cápsulas duras e moles com diferentes tamanhos e cores Disponível em: https://bit.ly/3Lfg2BD; https://bit.ly/36I6Ma0. Acesso em: 18 abr. 2022. Além da gelatina, que é o material mais usado para produzi-las, algumas podem ser feitas com amido, polissacarídeo e celulose. Como a gelatina é produzida a partir de proteína animal, os consumidores vegetarianos, veganos, judeus e muçulmanos têm procurado invólucros feitos com materiais derivados de vegetais, como a tapioca. As cápsulas são classificadas em duras e moles, podendo ser coradas ou não. É importante também ressaltar que possuem diferentes tamanhos e podem conter diferentes tipos de materiais (ALLEN JUNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). 29 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA As cápsulas são formas farmacêuticas com ótima aceitabilidade por parte dos pacientes por vários motivosTem a conforme ilustra a figura a seguir. Vantagens no uso de cápsulas São facilmente transportadas São facilmente identificadas Protegem o fármaco e os excipientes Têm administração simples Mascaram sabor desagradável Figura 7 – Vantagens no uso das cápsulas Fonte: Allen Junior, Popovich e Ansel (2013). Imagine um paciente que usa um anti-hipertensivo diariamente. O que seria mais fácil para o seu cotidiano, usar uma forma farmacêutica líquida como uma solução ou cápsulas? É claro que nesse caso as cápsulas são preferíveis, pois ocupam menos espaço, são mais leves e já contêm a dosagem exata de fármaco. O uso de diferentes cores e a possibilidade de inserir na cápsula o nome do fabricante permite sua ágil identificação. O fato de a cápsula conter o invólucro possibilita que este isole o fármaco e os excipientes de agentes externos, como luz, oxigênio e umidade, que podem propiciar mecanismos de degradação como hidrólise e oxidação. Do ponto de vista farmacêutico, as cápsulas de gelatina dura são versáteis, pois podem ser abertas para que o pó seja utilizado para preparar outra forma farmacêutica. Isso ocorre em hospitais quando crianças e idosos não conseguem deglutir as cápsulas, então o farmacêutico usa o pó contido na cápsula para preparar um xarope ou uma suspensão. A essa prática se dá o nome de farmacotécnica adaptativa (ALLEN JUNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Adicionalmente, as cápsulas podem ser produzidas com relativa eficiência em menor escala (farmácias de manipulação) e em maior escala (indústria). Todavia, as cápsulas possuem desvantagens, por exemplo: • espaço para estocagem (duras); • sensibilidade à umidade; • impossibilidade de fracionamento. 30 Unidade I Pense em uma farmácia de manipulação que compra os invólucros prontos. Esses estabelecimentos precisam de um espaço considerável de armazenamento. Apesar de a maioria das cápsulas não serem lacradas e os pacientes conseguirem abri-las, não é recomendado que o façam, pois não há como o paciente dividir o seu conteúdo ao meio sem erros de dosagem (BERMAR, 2014). Saiba mais Para se aprofundar no assunto, leia: ALLEN JUNIOR, L. V.; POPOVICH, N. G.; ANSEL, H. C. Ansel’s pharmaceutical dosage forms and drug delivery systems. 10. ed. Filadélfia: Wolters Kluwer Health, 2013. 2.1 Cápsulas de gelatina dura Elas foram criadas por Lehuby em 1846 usando-se inicialmente tapioca. Em 1948 o processo produtivo com gelatina foi patenteado (PRISTA, 2011). As cápsulas duras são muito mais usadas que as cápsulas moles. Elas podem acomodar substâncias sólidas, líquidas e pastosas, embora na prática seja mais comum seu uso para conter pós e granulados (sólidos). A gelatina é obtida a partir da hidrólise do colágeno, que é encontrado em abundância em pele e ossos de animais. A gelatina, além de ser atóxica, é facilmente dissolvida nos fluidos biológicos, o que facilita a desintegração das cápsulas e a liberação de seu conteúdo. Ela também tem a vantagem de formar um filme em temperaturas pouco maiores que 30 ºC, facilitando a produção do invólucro. Outra característica interessante é que, por ser uma proteína, ela é quebrada no estômago e absorvida sem causar qualquer tipo de problema (AULTON; TAYLOR, 2016). Apesar de esse tipo de cápsula ser dura, possui certa elasticidade quando comparada aos comprimidos. Provavelmente você já deve ter percebido que, quando o invólucro é molhado com saliva ou água, a cápsula tem uma tendência de escorregar pela garganta, facilitando a deglutição. A gelatina possui boa estabilidade, mas é preciso controlar a exposição à umidade, pois em ambientes úmidos existe risco de crescimento microbiano e as cápsulas podem amolecer e deformar. Quando expostas a altas umidades, comprovadamente têm alto risco de ter a biodisponibilidade do fármaco diminuída. Ambientes muito secos também podem prejudicá-las, pois elas podem perder parte de seu conteúdo de água, que varia de 13 a 16%, tornando-se ressecadas e quebradiças (ALLEN JUNIOR; POPOVICH; ANSEL, 2013). Além da gelatina, a solução usada para preparar o invólucro contém corantes (solúveis), pigmentos (insolúveis), agente molhante, plastificantes (glicerina e propilenoglicol) e opacificantes (dióxido de titânio). 31 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA As cápsulas são constituídas de duas partes, a tampa e o corpo (figura a seguir). O corpo é a parte onde se acomoda o material medicamentoso, e a tampa é utilizada para fechar a cápsula. Após o enchimento das cápsulas, elas podem ser seladas para não permitir que os pacientes as abram, evitando erros de administração e uso inadequado. Figura 8 – Cápsula de gelatina dura – tampa e corpo Disponível em: https://bit.ly/3EM0faM. Acesso em: 18 abr. 2022. Você já deve ter percebido que existem cápsulas de tamanhos diferentes no mercado, pois as dosagens dos fármacos que as farmácias de manipulação e indústria farmacêutica precisam preparar são muito variadas. Por exemplo, uma cápsula de amoxicilina de 500 mg deve ser maior que uma cápsula de captopril de 25 mg. Capacidade em mililitros Número da cápula A 1,37 000 0,95 00 0,68 0 0,50 1 0,37 2 0.30 3 0,21 4 0,13 5 Figura 9 – Classificação das cápsulas por tamanho e seus volumes de acondicionamento Fonte: Prista (2011, p. 545). A escolha do tamanho da cápsula não depende da massa, mas sim do volume que o fármaco mais os excipientes ocuparão. A densidade dos pós é a característica mais importante na determinação do volume que um pó ocupa, pois a densidade relaciona a massa com o volume ocupado. 32 Unidade I Equação 1: d m v = d: densidade (g/mL) m: massa (g) v: volume (mL) É possível que na prática tenhamos que usar cápsulas de tamanhos diferentes para encapsular fármacos de mesma dosagem e com densidades diferentes. Para ficar mais claro, podemos relembrar o exemplo clássico do algodão e do chumbo. Um quilograma de algodão ocupa um volume muito maior que um quilograma de chumbo. Assim, o algodão possui uma densidade menor que a do chumbo. Além do volume que os fármacos e excipientes ocupam, é importante saber que podemos encapsular diferentes materiais e fazer combinações (figura a seguir). 1 2 3 4 5 Figura 10 – Diferentes materiais de enchimento para cápsulas de gelatina dura. 1) Pós e grânulos misturados; 2) Pelletes; 3) Pasta; 4) Cápsula mais outro material sólido; 5) Minicomprimido mais outro material sólido Fonte: Allen Junior, Popovich e Ansel (2013, p. 212). 2.1.1 Fabricação do invólucro Hoje o processo utilizado é basicamente o mesmo concebido na patente de 1846. Esses equipamentos automatizados usados na indústria possuem placas de aço inoxidável que contêm pinos com o formato das cápsulas. Esses pinos são mergulhados na solução aquecida (45 a 55 ºC) de gelatina (35 a 40%) e excipientes. O tempo em que os pinos ficam submersos pode ser alterado para que secontrole a espessura das cápsulas. A espessura das cápsulas pode ser aumentada, com o acréscimo de viscosidade da solução de gelatina (AULTON; TAYLOR, 2016). Quando os pinos entram em contato com a solução de gelatina, forma-se um filme em sua superfície. Posteriormente, as placas com os pinos são retiradas automaticamente e passam por um processo de secagem com corrente de ar e estufa. Em seguida, o filme seco, que já está com o formato da cápsula, é cortado, formando-se a tampa e o corpo. Finaliza-se o processo com o encaixe das duas partes, a limpeza, a lubrificação e, opcionalmente, a impressão de códigos, marca ou fabricante. O processo resumido pode ser visto na figura a seguir. 33 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Secando Juntando Cortando Destacando Mergulhando Gi ra nd o em p ar af us o Figura 11 – Fabricação do invólucro de cápsulas duras de gelatina Fonte: Aulton e Taylor (2016, p. 1160). 2.1.2 Etapas importantes do preparo e desenvolvimento da formulação Agora que você entendeu os aspectos básicos das cápsulas de gelatina dura e o processo de produção do invólucro, podemos estudar outros pontos do preparo e da formulação. Primeiro devemos desenvolver a formulação e selecionar o tamanho da cápsula a ser usada. A cápsula de gelatina dura normalmente contém uma mistura de pós, compostos por fármaco e excipientes. Como todo medicamento, as cápsulas também precisam ter biodisponibilidade adequada, boa aparência, estabilidade e facilidade para seu preparo em menor e em maior escala. Tanto o fármaco quanto os excipientes devem ser pesados, triturados e tamisados individualmente. Somente depois são misturados para obtenção do pó. A mistura também é uma operação farmacêutica importante, pois, quando feita corretamente, o fármaco se encontra homogeneamente distribuído, garantindo-se a uniformidade de conteúdo em todas as cápsulas (THOMPSON, 2013). Observação Operações farmacêuticas são as técnicas usadas para preparar uma forma farmacêutica. Exemplos: pesagem, tomada de volume, trituração, tamisação, dissolução, filtração. Quando se está trabalhando com um fármaco de baixo índice terapêutico, que possui concentração mínima efetiva próxima da tóxica, a mistura torna-se ainda mais importante. Nesse caso, a diluição geométrica deve ser utilizada. Essa técnica caracteriza-se pela mistura de fármaco e diluente ocorrer 34 Unidade I em etapas, ou seja, uma pequena parte das duas substâncias é misturada inicialmente e o diluente é adicionado aos poucos. A cada adição é feita nova mistura, como pode ser visto na tabela a seguir. Tabela 1 – Procedimento de mistura Procedimento de mistura (diluição geométrica) Clonazepam 1 g + talco 1 g = mistura 1 Mistura 1 + talco 2 g = mistura 2 Mistura 2 + 4 g = mistura 3 Segue-se assim até acabar o diluente Observação: trata-se de fármaco de baixo índice terapêutico Adaptada de: Anfarmag (2017). O diluente é o excipiente ou adjuvante farmacotécnico com função de aumentar o volume do pó para permitir o preparo das cápsulas, pois muitas vezes o fármaco sozinho não possui volume suficiente para completar a cápsula. Como exemplo, temos a lactose, a celulose microcristalina, o talco farmacêutico etc. Outro excipiente usado é o desintegrante, que tem a função de facilitar a desintegração das cápsulas (exemplo: croscarmelose e amidoglicolato de sódio). Os tensoativos também podem ser utilizados para facilitar a dissolução do fármaco no estômago (lauril sulfato de sódio). Algumas empresas comercializam produtos que contêm uma mistura de adjuvantes farmacotécnicos (diluente + desintegrante + tensoativo + lubrificante + deslizante) para que possa ser usada como excipiente. Tanto em produção de menor escala quanto de escala industrial é importante que o pó não tenha adesão aos equipamentos e que possua bom fluxo. Essas características permitem que o processo de enchimento das cápsulas seja eficiente. Como lubrificante, normalmente é usado o estearato de magnésio e como deslizante, a sílica coloidal. Com a formulação pronta, é necessário escolher o tamanho do invólucro a ser usado. O ideal é que se use o menor possível para facilitar a deglutição. Contudo, em muitos casos não é possível, como quando se pretende encapsular 300 mg de Pholia magra. Nesse caso não há possibilidade de se usar uma cápsula de tamanho n. 5, pois ela acomoda somente um volume máximo de 0,13 mL. Nessa situação deverá ser usada uma cápsula n. 3, que pode comportar um volume de 0,3 mL. Como mencionado anteriormente, para escolher o tamanho do invólucro, o mais importante é conhecer a densidade e as características de compressibilidade de fármaco e excipientes. 2.1.3 Fatores de correção (Fc) e de equivalência (Feq) São fatores usados para corrigir a quantidade de fármaco a ser usada em cada cápsula. Fator de Correção (Fc) Imagine que você tenha que preparar uma cápsula com 100 mg de um determinado fármaco e ele tenha 2% de umidade. 35 TECNOLOGIA FARMACÊUTICA Se você pesar 100 mg de fármaco por cápsula, quanto esse paciente estará realmente recebendo? Nessa situação, esse paciente receberá 98%, que corresponde a 98 mg dos 100 mg que deveria receber. Desse modo, percebe-se que essas correções são importantes para que o paciente receba a dosagem correta. Como corrigir a dosagem? Usamos uma fórmula simples de correção: Equação 2: Fc desejado dispon vel � � � � � % % 100 í • desejado (100%): usamos o número 100, pois desejamos que a cápsula contenha 100% da dosagem; • disponível: é a porcentagem disponível de fármaco descontando-se a umidade. Nesse exemplo, teríamos: Fc � � 100 100 2 Fc = 1,02 Como cada cápsula precisa de 100 mg, a correção é feita do seguinte modo: 100 mg x 1,02 = 102 mg Na realidade, devemos pesar 102 mg por cápsula para que o paciente receba uma dosagem de 100 mg. Esse mesmo raciocínio é usado quando conhecemos a pureza do fármaco, que não é 100%. Por exemplo, se o fármaco tem uma pureza de 99,5%, significa que 0,5% corresponde a outras substâncias. Então, deve-se corrigir a massa: Fc � � 100 100 0 5, Fc = 1,005 Outra situação rotineira em farmácias de manipulação ocorre quando precisamos manipular fármacos diluídos (fármaco + diluente). Alguns fármacos são preparados dessa forma e armazenados porque são de baixo índice terapêutico. Por serem substâncias mais perigosas ao paciente, elas são diluídas para diminuir o impacto de possíveis erros na pesagem e facilitar a manipulação com volumes maiores de pó. 36 Unidade I Observação Fármacos de baixo índice terapêutico ou de janela terapêutica estreita possuem a concentração mínima efetiva próxima da concentração mínima tóxica. Um exemplo comum ocorre quando precisamos preparar cápsulas de digoxina. Como normalmente a dosagem por cápsula é de 0,25 mg, a recomendação é que o diluído seja preparado na proporção 1:100 (1 g de digoxina para 99 g de diluente). Se você precisar preparar cápsulas de digoxina 0,25 mg com esse diluído 1:100 e pesar 0,25 mg, você colocará na cápsula 0,0025 mg de digoxina e 0,2475 de diluente. Perceba que o paciente não receberá 0,25 mg de digoxina. Desse modo, é necessário corrigir a massa, como pode ser visto a seguir: Fc desejado dispon vel � � � � � % % 100 í A digoxina está em uma concentração de 1% no diluído, então: Fc = 100 1 Fc = 100 Como cada cápsula precisa de 0,25 mg, a correção é feita do seguinte modo: 0,25 mg x 100 = 25 mg Com essa correção, pesando-se 25 mg de diluído por cápsula, o paciente receberá 0,25 mg de digoxina. Fator de equivalência (Feq) O Feq é um tipo de fator de correção usado quando o fármaco é prescrito na forma de base, porém na farmácia dispomos de um sal ou um solvato. Exemplo: o médico prescreve clindamicina (base) 300 mg/cápsula e na farmácia a matéria-prima disponível é o sal cloridrato de clindamicina. Se o farmacêutico pesar 300 mg de cloridrato de clindamicina por cápsula, o paciente usará a dosagem errada, pois uma parte desses 300 mg é
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