Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Prática Penal - Apelação I – Introdução Conceito: a apelação é um recurso usado para impugnar decisões, conforme se verá abaixo nas hipóteses de cabimento. Sua forma é dupla, com petição de interposição mais razões de apelação, ou petição de juntada mais razões. A petição de interposição ou de juntada é endereçada ao juiz a quo, enquanto as razões recursais são direcionadas à instância superior àquela que proferiu a decisão ora impugnada, para reanálise. Conceituando o recurso de apelação, cita-se o renomado autor Renato Brasileiro: “A apelação é tratada na doutrina como recurso ordinário por excelência, já que consiste na impugnação de efeito devolutivo mais amplo, por permitir ao juízo ‘ad quem’, quando interposta contra sentença de mérito proferida por juiz singular, o reexame integral das questões suscitadas no primeiro grau de jurisdição, ressalvadas aquelas sobre as quais se tenha operado a preclusão. Funciona como eficaz instrumento processual para concretização do princípio do duplo grau de jurisdição, visto que, em face do extenso âmbito cognitivo do julgado recorrido, permite que o juízo ‘ad quem’ reaprecie questões de fato e de direito.” (LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Volume Único. 6ª ed. JusPodvm: 2019, p. 1736) Previsão legal da apelação, com exceção da apelação do júri: artigo 593 e seguintes do Código de Processo Penal e artigos 76 e 82 da Lei nº 9.099/95. II – Hipóteses de cabimento 1 – Artigo 593, inciso I, do CPP: cabe apelação das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas pelo juiz singular. Trata-se da hipótese de cabimento de recurso de apelação mais usual na prática. Vejamos. Cumpre esclarecer que, se o juiz acolher, no todo ou em parte, a pretensão punitiva do Estado, impondo pena ao responsável pela infração penal, a sentença será condenatória. Se, ao contrário, julgar improcedente o pedido da acusação, a sentença será absolutória. Será ainda absolutória a sentença que, reconhecendo a inimputabilidade do acusado, impuser medida de segurança, a chamada sentença de absolvição imprópria. De todas as sentenças condenatórias ou absolutórias (próprias e impróprias) cabe apelação, inclusive da absolvição sumária, tanto dos ritos ordinário e sumário (artigo 397 do CPP), quanto do rito especial do júri (artigos 415 e 416, ambos do CPP). Como no Direito, toda regra tem sua exceção, também há casos específicos e pontuais QUE NÃO CABE APELAÇÃO DE SENTENÇAS, vejamos as exceções: “Há apenas duas exceções: A primeira são as decisões absolutórias ou condenatórias proferidas pelos Tribunais nos casos de competência originária (nesses casos, serão cabíveis outros recursos, como o extraordinário, o especial, os embargos, etc.). A segunda é a sentença que julga crime político, da qual caberá recurso ordinário constitucional para o Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102, II, b, da CF/1988.” (Prática Jurídica Penal. Guilherme Madeira Dezem. Paulo Henrique Aranda Fuller. Gustavo Octaviano Diniz Junqueira. Patricia Vanzolini. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 125) Outro aspecto prático, pouco abordado, mas que gera dúvidas constantemente, é se em uma sentença, o juiz condenar pelo crime A, e julgar extinta a punibilidade pelo crime B, qual o recurso cabível dessa decisão? A apelação, com fulcro no artigo 593, inciso I, do CPP, pois se trata de sentença condenatória, ou o RESE, com fulcro no artigo 581, inciso VIII, pois a sentença declarou extinta a punibilidade do acusado? Dirimindo essa dúvida temos o artigo 593, § 4º, do CPP, que prevê o seguinte: “quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra.” Assim, quando de parte da sentença couber apelação e de outra parte couber recurso em sentido estrito, por previsão legal do artigo 581 do CPP, mesmo que o operador do direito deseje recorrer parcialmente da decisão, recorrer somente da extinção da punibilidade (no caso do exemplo acima), não desejando impugnar a condenação, a via recursal correta a ser depreendida é a apelação, conforme expressão previsão legal do artigo 593, § 4º, do CPP. 2 – Artigo 593, inciso II, do CPP: cabe apelação das decisões definitivas ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular, nos casos em que não caiba recurso em sentido estrito. O dispositivo em estudo refere-se às decisões definitivas ou com força de definitivas. Quais são elas? De forma simplória, decisões definitivas são decisões terminativas de mérito (põem fim ao processo, julgam o mérito, mas não condenam nem absolvem o acusado. Ex.: extinção da punibilidade, prescrição). Decisões com força de definitivas são decisões interlocutórias mistas (encerram etapa do procedimento ou o próprio processo sem julgamento do mérito da causa. Ex.: pronúncia, rejeição da denúncia). “Assim, além das sentenças condenatórias ou absolutórias, também desafiam o recurso de apelação as decisões interlocutórias mistas e as terminativas de mérito, contanto que não seja cabível na espécie o recurso em sentido estrito. Os casos de adequação do recurso em sentido estrito, por sua vez, estão taxativamente previstos no artigo 581 do CPP. Conclui-se, portanto, que, na sistemática do processo penal, o recurso de apelação é residual. Ou seja, no caso de decisão definitiva ou com força definitiva é preciso primeiro verificar se não seria cabível o recurso em sentido estrito.” (Prática Jurídica Penal. Guilherme Madeira Dezem. Paulo Henrique Aranda Fuller. Gustavo Octaviano Diniz Junqueira. Patricia Vanzolini. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 127) Algumas hipóteses de cabimento são muito usuais na prática, entretanto, outras são bem raras, mas é de suma importância ao menos conhecê-las, ainda mais porque não estão expressamente arroladas no inciso II do artigo 593 do CPP. 2.1 - Da decisão do juiz que julga pedido de coisa apreendida (artigo 120, § 1º, do CPP) Quando cabível a restituição de coisa apreendida (por exemplo, carro apreendido oriundo de furto), pode ser ordenada por duas autoridades, quais sejam: o delegado de polícia (autoridade policial), e o juiz (autoridade judicial). Importante chamar atenção que CABE APELAÇÃO TÃO SOMENTE DA DECISÃO DO JUIZ QUE JULGA PEDIDO DE COISA APREENDIDA. Da decisão do delegado que julga o mesmo pedido de coisa apreendida, cabe mandado de segurança. 2.2 – Da decisão do juiz que decreta o sequestro de bens ou ainda da decisão do juiz que indefere o pedido de sequestro de bens (artigo 127 do CPP). 2.3 – Da decisão que autoriza ou que indefere o pedido de levantamento do sequestro (artigo 131 do CPP) 2.4 – Da decisão que não homologa o laudo na busca e apreensão nos crimes contra a propriedade imaterial (artigo 528, do CPP) Trata de crimes como pirataria, em que deve ser feita uma perícia e, após o juiz deve homologar o laudo pericial. Se o magistrado não homologar o laudo, cabe apelação. 2.5 – Da decisão que decreta a hipoteca legal ou que indefere o pedido de hipoteca legal (artigo 134 do CPP). 2.6 – Da decisão que determina o cancelamento da hipoteca legal (artigo 141 do CPP). 2.7 – Da decisão que determina o arresto (artigo 136 do CPP) e também da decisão que nega o arresto (artigo 141 do CPP). 2.8 – Da decisão do juiz que remete as partes ao juízo cível no incidente de restituição de coisa apreendida (artigo 120, § 4º, do CPP). 2.9 – Da decisão que julga o pedido de explicações (artigo 144, do CP). 2.10 – Da decisão que acolhe a exceção de coisa julgada ou litispendência (artigo 110, do CPP). 2.11 – Da decisão que homologa o laudo do incidente de insanidade mental (artigo 149 do CPP). III – Competência e processamento da apelação O recurso de apelação deve ser interposto perante o juiz de primeiro grau que proferiu a decisão. Satisfeitosos pressupostos recursais, o juiz receberá a apelação e mandará processar, de modo que intimará as partes para apresentar razões de apelação e contrarrazões. Após o oferecimento das razões de apelação e contrarrazão, o juiz de piso remeterá os autos ao Tribunal para julgamento. Caso o apelante queira, pode apresentar de forma conjunta a petição de interposição e as razões de apelação, de modo que o prazo observado é de 5 (cinco) dias e o fundamento a ser usado na peça é o artigo 593, inciso I, do CPP. Caso a parte recorrente prefira interpor o recurso e aguardar ser intimado para apresentar as razões oportunamente, estas deverão ser precedidas de petição de juntada, endereçada ao juiz “a quo”. Importante consignar que as contrarrazões sempre devem ser endereçadas ao Tribunal. As contrarrazões deverão sempre vir anexadas a uma petição de juntada, dirigidas ao juiz da causa. “É possível, outrossim, excepcionalmente e apenas caso o recorrente assim requeira, a juntada das razões diretamente perante o tribunal ‘ad quem’. Nessa hipótese, também perante o tribunal, serão juntadas as contrarrazões de apelação. Em ambos os casos, a peça deverá ser precedida de petição de juntada, endereçada ao desembargador relator do recurso interposto.” (Prática Jurídica Penal. Guilherme Madeira Dezem. Paulo Henrique Aranda Fuller. Gustavo Octaviano Diniz Junqueira. Patricia Vanzolini. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 133) IV – Legitimidade Os legitimados para interpor recurso de apelação encontram-se previstos no artigo 577 do CPP, quais sejam: o Ministério Público, o querelante, o réu, seu procurador ou seu defensor. Acrescenta-se ainda como legitimado o assistente de acusação, nos termos do artigo 598 do CPP, nos casos de inércia ministerial. Ou seja, se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, o ofendido ou quaisquer das pessoas enumeradas no artigo 31 do CPP, ainda que não tenha se habilitado como assistente de acusação, poderá interpor apelação, que não terá, porém, efeito suspensivo. V – Prazo O prazo para interposição do recurso de apelação é de 5 (cinco) dias, conforme artigo 593, inciso I, do CPP. Esse é o prazo de manifestação do desejo de recorrer. O termo inicial de contagem do prazo é a data da audiência, se a sentença for ali proferida, de modo que as partes saiam de lá intimadas. Ou o prazo começa a contar a partir da data da intimação. Trata-se de prazo processual, utiliza-se como regra o artigo 798 do CPP, ou seja, exclui- se o dia do começo e inclui-se o do final. A súmula 310 do STF determina que, se a intimação ocorrer na sexta-feira, o prazo terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil seguinte. O prazo do Ministério Público não é em dobro, é de 5 (cinco) dias e inicia-se a partir da audiência, se a decisão foi proferida, ou a partir da intimação. Do mesmo modo, o prazo do querelante é de 5 (cinco) dias para apelar. Quanto ao assistente de acusação, o tema de prazo merece um pouco mais de atenção, vejamos. O artigo 598 do CPP prevê o prazo de 15 (quinze) dias para o recurso de apelação do assistente, que correrá do dia em que terminar o prazo do Ministério Público. O Código de Processo Penal, como se observa da leitura seca do artigo 598, não especifica se o prazo de 15 dias é para o assistente de acusação já habilitado quanto para o não habilitado nos autos. De modo que coube à jurisprudência diferenciar. O STF, a partir do HC 59.668, passou a distinguir as situações, decidindo que, se o ofendido já estiver habilitado como assistente no processo, deverá ser intimado da sentença condenatória e, a partir de tal data, tem o prazo de 05 (cinco) dias para apelar, posto que não há motivo especial algum para que o assistente habilitado tenha o triplo do prazo do Ministério Público. Em resumo, se o assistente já estiver habilitado, o prazo é de 5 (cinco) dias, e se não estiver habilitado, o prazo é de 15 (quinze) dias, conforme súmula 448 do STF. “Como já observado, em qualquer caso, a apelação do assistente é supletiva, ou seja, apenas pode ser interposta no caso de o Ministério Público não recorrer. Por isso, o prazo só pode fluir a partir do dia em que terminar o prazo do membro do Parquet.” (Prática Jurídica Penal. Guilherme Madeira Dezem. Paulo Henrique Aranda Fuller. Gustavo Octaviano Diniz Junqueira. Patricia Vanzolini. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 136) O prazo para apresentar as razões e as contrarrazões é de 08 (oito) dias, a partir da intimação da parte. Se o Ministério Público tiver apelado, o assistente de acusação não poderá interpor o recurso. Mas poderá arrazoar a apelação ministerial no prazo de 03 (três) dias. VI – Apelação no Jecrim (Juizado Especial Criminal – Lei nº 9.099/95) O fundamento legal da apelação no Juizado está no artigo 82 da Lei nº 9.099/95. Outro diferencial é que no Jecrim a petição de interposição virá junto com as razões, são conjuntas. O prazo é único de 10 (dez) dias, conforme artigo 82, § 1º, da Lei nº 9.099/95. VII – Teses e requerimentos Quanto às teses e pedidos, são as mesmas dos memoriais. Pode-se arguir em sede de apelação tese de nulidade, extinção da punibilidade, teses de mérito e subsidiárias de mérito. No meu perfil, em outro artigo de minha autoria sobre alegações finais sob a forma de memoriais, abordei em minúcias as teses e pedidos de defesa, para onde remeto o leitor que deseje se aprofundar, é só procurar aqui no Passei Direto. Ainda sobre os requerimentos, importante se atentar quanto aos verbos usados. Na interposição, o apelante deve requerer o RECEBIMENTO e o PROCESSAMENTO do recurso de apelação, bem como o ENCAMINHAMENTO do recurso ao tribunal de justiça (TJ), ao tribunal regional federal (TRF) ou à Turma Recursal (Jecrim). No que diz respeito às razões de apelação, importante ao final, nos pedidos, requerer a REFORMA DA DECISÃO. Dependendo das teses, pode-se requerer também a nulidade da decisão e/ou do processo, como preliminar. VIII – Conclusão Portanto, esses foram os principais pontos abordados no que diz respeito ao recurso de apelação, recurso usual na prática forense na área criminal. Abordou-se seu conceito, fundamentação legal, hipóteses de cabimento, competência e processamento, legitimidade, prazo, peculiaridades da apelação no Jecrim e teses e requerimentos, a fim de esclarecer a matéria. Natalia Cola de Paula - Advogada OAB/SP 454.372 Instagram: @natalia.cola.criminal E-mail: natalia.cola@adv.oabsp.org.br Bibliografia: 1 - Prática Jurídica Penal. Guilherme Madeira Dezem. Paulo Henrique Aranda Fuller. Gustavo Octaviano Diniz Junqueira. Patricia Vanzolini. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. 2 - LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Volume Único. 6ª ed. JusPodvm: 2019. mailto:natalia.cola@adv.oabsp.org.br
Compartilhar