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* Seminário apresentado pelo aluno FREDERICO AÉCIO CARVALHO SOARES na disciplina BIOQUIMICA DO TECIDO ANIMAL, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2013. Professor responsável pela disciplina: Félix H. D. González. COMPOSIÇÃO DO LEITE: FATORES QUE ALTERAM A QUALIDADE QUÍMICA* Introdução As exigências do consumidor por produtos mais saudáveis e as novas descobertas científicas sobre os efeitos na saúde humana de diversos alimentos são cada vez mais evidentes (Nunes et al., 2010). Assim, a qualidade da composição do leite é um assunto que exige atenção de indústria, produtores e órgãos governamentais responsáveis por sua fiscalização. A busca pela máxima produtividade na exploração leiteira determina que a vaca passe por alterações fisiológicas que podem provocar desequilíbrios entre os nutrientes que ingressam no organismo animal, sua biotransformação e a eliminação das substâncias resultantes, podendo ocasionar transtornos metabólicos (Corrêa et al., 2010). Embora a composição do leite não varie tanto, essas pequenas variações têm importante significado econômico para a indústria. O presente trabalho tem por objetivo discutir a composição do leite, abordando fatores que influenciam sua síntese e composição química. Síntese e composição do leite O leite é um produto de alto grau de complexidade, composto por diversos tipos de moléculas. Seus principais componentes estão apresentados na Tabela 1. Além dos componentes apresentados na Tabela 1, fazem parte da composição do leite (em menores teores) vitaminas, bactérias, leucócitos e células mamárias secretoras. Tabela 1. Principais componentes do leite bovino. Componente Percentual no leite Água 86,0 a 88,0 Sólidos Totais 12,0 a 14,0 Gordura 3,5 a 4,5 Proteína 3,2 a 3,5 Lactose 4,6 a 5,2 Minerais 0,7 a 0,8 Fonte: Noro (2001). 2 A glândula mamária é um órgão diferenciado e metabolicamente ativo, sendo que no início da lactação acontecem inúmeras alterações que fazem com que o metabolismo volte-se quase totalmente para esta glândula. A síntese do leite é feita pelas células secretoras da glândula mamária, a partir de nutrientes fornecidos pelo sangue (Noro, 2001). O aporte de nutrientes para a síntese de compostos do leite tem origem tanto exógena (dieta) quanto endógena (mobilização de reservas orgânicas). A composição do leite pode sofrer alterações através da nutrição, de forma direta ou indireta, pois são os alimentos que fornecem os precursores para síntese dos principais componentes do leite. Contudo, quando há manipulações nutricionais, o metabolismo do animal frente a um desequilíbrio nutricional, passa a compensá-lo, utilizando suas reservas corporais e favorecendo o aparecimento de doenças metabólicas (Wittner, 2000). Essas doenças subagudas ou sub- clínicas são de difícil percepção, limitando assim a produção de forma persistente, provocando uma diminuição da rentabilidade do produtor. O leite é isotônico ao plasma sanguíneo, sendo o transporte da água através da membrana apical da célula secretora determinado pela pressão osmótica exercida principalmente pela secreção de lactose e íons. A água passa para o leite para manter o equilíbrio osmótico deste com o sangue, consequentemente, sendo que as concentrações de lactose e alguns íons mantêm- se relativamente constantes, determinando o volume produzido. Considerando que a matéria prima para a síntese do leite é proveniente do sangue, alterações sistêmicas, principalmente de origem nutricional e/ou metabólica, comprometem os constituintes sanguíneos e podem levar a alterações na composição do leite (Corrêa et al., 2002). Gordura O componente lipídico do leite é formado principalmente por triglicerídeos (98%). Esses são compostos por três ácidos graxos em ligação covalente a uma molécula de glicerol por pontes éster. A gordura do leite é secretada das células epiteliais mamárias na forma de glóbulos gordurosos, principalmente compostos de triglicerídeos rodeados de uma dupla camada lipídica similar à membrana apical das células epiteliais. Esta membrana ajuda a estabilizar o glóbulo de gordura, formando uma emulsão dentro da fase aquosa do leite. Por estarem suspensos na água e apresentarem uma densidade inferior à da água, os glóbulos de gordura irão se concentrar na camada superior da massa de leite resfriado, sendo necessário homogeneizar constantemente (Durr, 2000). A quantidade e a composição dos triglicerídeos do leite variam muito entre as espécies. Nos ruminantes, a proporção de ácidos graxos de cadeia curta e insaturados é bem maior que nos monogástricos. Os precursores dos ácidos graxos sintetizados no tecido mamário incluem glicose, acetato e β-hidroxibutirato (BHB). Entretanto, alguns ácidos graxos provenientes da 3 dieta ou do metabolismo ruminal e intestinal são incorporados à glândula mamária a partir do sangue. Aproximadamente 25% dos ácidos graxos do leite são derivados da dieta e 50% do plasma sanguíneo. O restante é elaborado na glândula mamária a partir de precursores, principalmente o acetato. Os ruminantes sintetizam quantidades pequenas de ácidos graxos a partir de glicose, devido à falta de atividade da enzima citrato-liase. Os ácidos graxos de cadeia média (8-12 carbonos) são característicos do leite, não sendo possível encontrá-los em outro tecido. Os ácidos graxos de cadeia curta são sintetizados na glândula mamária, com participação do acetato e, provavelmente, do BHB. Os ácidos graxos de cadeia longa derivam, quase em totalidade, do sangue, aparecendo livres em quantidades muito baixas no leite. O acetil-CoA utilizado pela glândula mamária dos ruminantes para a síntese de gordura do leite forma-se, fundamentalmente, a partir do acetato proveniente do sangue, que, por sua vez, provém do acetato absorvido no rúmen (González, 2001). A gordura é o componente do leite com maior variação dentro de uma mesma espécie e raça, principalmente por fatores nutricionais e/ou metabólicos. A gordura do leite depende da relação volumoso/concentrado. Assim, quanto maior for a proporção de concentrado, menor será o teor de gordura, o que é explicado pela relação acetato/propionato no rúmen, devido ao pH abaixo de 6,0, compatível com dietas com alta proporção de concentrado. O estágio de lactação apresenta efeito significativo sobre a porcentagem de gordura do leite, ocorrendo aumento com avanço da lactação, com máximo teor acima de 221 dias. Por outro lado, vacas no início da lactação também apresentam elevação do teor de gordura no leite, por terem lipomobilização resultante do balanço energético negativo (Carvalho, 2002). Proteína A composição proteica do leite reúne várias proteínas específicas. A caseína é a proteína mais importante do leite (85% das proteínas lácteas), sendo que existem vários tipos identificados de caseínas (alfa, beta, gama, kappa), que possuem estruturas similares, porém diferente importância para qualidade do leite. As caseínas são anfipáticas (características hidrofílicas e hidrofóbicas) e se agregam formando grânulos insolúveis chamados “micelas”, unidas através de fosfato de cálcio. As demais proteínas do leite estão em forma solúvel. As proteínas do soro do leite de vaca são a β-lactoglobulina e a α-lactoglobulina, esta última correspondendo a 2,5% do total de proteínas e funcionando como uma das subunidades da enzima lactase-sintetase (González e Noro, 2011). A proteína é o segundo componente que mais variabilidade tem em função dos fatores ambientais, incluindo a nutrição. Geralmente, à medida que aumenta o teor de proteína do leite, aumenta a produção total, o que não ocorre com a gordura (Carvalho, 2002). 4 A composição da proteína no leite pode estar afetada pelo estágio da lactação, sendo menor nos três primeiros meses e aumentandoprogressivamente à medida que a lactação avança. A concentração de proteína do leite pode diminuir quanto maior for o número de lactações da vaca, provavelmente pela menor eficiência das células alveolares nos animais mais velhos (Carvalho et al., 2002). Glicídeos A lactose é o principal glicídeo do leite. É um dissacarídeo composto pelos monossacarídeos D-glicose e D-galactose, ligados por ponte glicosídica -1,4. Destes dois monossacarídeos que formam a lactose, a glicose chega à glândula mamária através do sangue e a galactose é sintetizada na própria glândula. A lactose tem importante papel na síntese do leite, uma vez que é o seu principal fator osmótico responsável por 50% desta variável, e no processo de síntese do leite puxa água para as células epiteliais mamárias. Em razão da estreita relação entre a síntese de lactose e a quantidade de água drenada para o leite, o conteúdo de lactose é o componente que tem menor variação em função de fatores ambientais. Alterações na dieta não teriam efeitos significativos no teor da lactose, embora condições extremas de subnutrição possam reduzi-lo. Outros glicídeos podem ser encontrados no leite, porém em concentrações baixas, tais como galactose, amino-açúcares, açúcar-fosfatos, oligassacarídeos e açucares nucleotídicos (González, 2001). Um estudo evidenciou que o teor de lactose diminui significativamente com o avanço da lactação, sendo que nos primeiros sessenta dias ocorre o maior teor deste glicídeo (Noro et al., 2006). O mesmo trabalho mostrou que a lactose reduz significativamente à medida que aumenta a idade das vacas. Fatores que rompem o equilíbrio metabólico da glândula mamária, tal como mastite, podem diminuir o conteúdo de lactose do leite (Schmidt, 1974), esperando-se que esteja relacionado a aumentos na contagem de células somáticas. Vitaminas e minerais Os principais minerais encontrados no leite são cálcio e fósforo, que estão basicamente associados com a estrutura das micelas de caseína. Assim, o soro do leite tem relativamente pouco cálcio e fósforo se comparado com leite integral. O leite também contém pequenas quantidades dos demais minerais encontrados no organismo animal. O cálcio e o magnésio insolúveis encontram-se física ou quimicamente combinados com caseinato, citrato ou fosfato. Assim, o leite tem um mecanismo que lhe permite acumular uma concentração alta de cálcio, ao mesmo tempo em que mantém o equilíbrio osmótico com o sangue (González, 2001). O leite contém todas as principais vitaminas, embora a glândula mamária não possa sintetizá-las. Portanto, sua secreção no leite depende do aporte sanguíneo. Também há a 5 presença de leucócitos, cuja quantidade varia com a espécie e com o estado de saúde da glândula mamária. O leite contém enzimas como a peroxidase e a catalase, as quais aumentam nos processos inflamatórios. Outros fatores que influenciam a composição química do leite A raça é um fator que influencia na composição química do leite. Geralmente, raças de maior capacidade de produção têm menor concentração dos componentes lácteos. Comparando a produção leiteira de vacas das raças Holandesa e Jersey, por exemplo, o leite da primeira possui menor conteúdo de sólidos que o da segunda (González e Noro, 2011). A Tabela 2 mostra uma comparação da produção, composição e estimativa de balanço energético destas duas raças. Tabela 2. Indicadores de produção, composição e estimativa de balanço energético na produção leiteira de bovinos das raças Holandesa e Jersey. Indicador Holandesa Jersey Produção de leite (kg/dia) 42,6 25,3 Produção de gordura (kg/dia) 1,622 1,323 Produção de proteína (kg/dia) 1,314 0,910 Produção de lactose (kg/dia) 1,981 1,200 Teor de gordura (%) 3,85 5,24 Teor de proteína (%) 3,10 3,60 Teor de lactose (%) 4,68 4,76 Energia no leite (MJ/kg) 3,01 3,64 Balanço energético (MJ/dia) -28 -26 Fonte: Martinez, J.C. (2008), adaptado de Aikman et al., (2007). As condições climáticas e estações do ano podem influenciar também na composição do leite. Em trabalho que avaliou a concentração de proteína do leite em vacas no estado do Rio Grande do Sul, verificou-se maior teor nos meses de maio a setembro, correspondendo às estações de outono e inverno (Noro et al., 2006). Possivelmente, tanto um maior teor de proteína, mas também de gordura e lactose do leite durante os meses de inverno, podem estar relacionados à melhor qualidade nutritiva das pastagens utilizadas nesta época do ano nesta região. 6 Transtornos metabólicos que afetam a composição química do leite Balanço energético negativo e cetose O balanço energético negativo é um desequilíbrio caracterizado por uma ingestão de nutrientes (principalmente energia) menor do que a necessidade das vacas para manter a qualidade química e a produção de leite. O transtorno pode ser explicado pelo fato de o pico de produção de leite ocorrer antes do pico de ingestão de matéria seca. Vacas com esta condição têm uma diminuição dos níveis glicêmicos sanguíneos e, consequentemente, mobilizam suas reservas corporais na tentativa de compensar esta hipoglicemia. A lipomobilização aumenta os ácidos graxos livres na circulação, que podem aumentar o teor de gordura do leite em até 1% (González, 2004). Esta condição pode levar o animal ao transtorno metabólico conhecido como cetose, comumente observado em vacas leiteiras no início da lactação e caracterizado por uma elevação na concentração de corpos cetônicos no sangue, leite e urina, condição decorrente de um desequilíbrio no metabolismo hepático de carboidratos e gorduras (Nielsen, 2004). Acidose ruminal e síndrome da baixa gordura do leite A acidose ruminal pode ser aguda ou subaguda e caracteriza-se pela diminuição do pH ruminal a valores abaixo de 5,6 (Stone, 2004). Estas alterações de pH estão associadas ao consumo excessivo de carboidratos rapidamente fermentáveis, característica do desequilíbrio entre a ingestão de alimentos volumosos e concentrados. Além de diminuir a produção de leite, esta condição influencia em sua composição. A queda de pH ruminal favorece o crescimento de bactérias que tendem a manter o meio cada vez mais ácido, acarretando em um aumento na produção de ácido propiônico e ácido láctico, e diminuição na produção de acetato e BHB (González et al., 2004). Com a redução dos principais precursores da gordura do leite, existe uma redução do seu teor, um dos fatores envolvidos no desenvolvimento da síndrome da baixa gordura do leite (Bondan, 2011). Referências bibliográficas AIKMAN, P.C.; REYNOLDS, C.K.; BEEVER, D.E. Diet digestibility, rate of passage, and eating and rumination behavior of Jersey and Holstein Cows. Journal of Dairy Science, v.91, p.1103-1114, 2007. BONDAN, C. Transtornos metabólicos que afetam a qualidade do leite. 2011. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/lacvet/restrito/pdf/bondan_transt_metabol_leite.pdf> Acesso em: 08/07/2013. CARVALHO, G.F., et al. Milk yield, somatic cell count and physicochemical characteristics of raw milk collected from dairy cows in Minas Gerais state. In: Congresso Panamericano de Qualidade do Leite e Controle da Mastite. Anais... Ribeirão Preto, 2002. http://www.ufrgs.br/lacvet/restrito/pdf/bondan_transt_metabol_leite.pdf 7 CORRÊA, M.N.; GONZÁLEZ, F.H.D.; DA SILVA, S.C. Transtornos metabólicos nos animais domésticos. Pelotas: Editora Universitária, 2002, 520p. DURR, J.W.; FONTANELLI, R.S.; BURCHARD, J.F. Fatores que afetam a composição do leite. In: KOCHANN, R.A.; TOMM, G.O.; FONTANELLI, R.S. Sistemas de produção de leite baseado em pastagens sob plantio direto. Passo Fundo: Embrapa, 2000, 135-156. GONZÁLEZ, F.H.D. Composição bioquímica do leite e hormônios da lactação. In: Uso do leite para monitorar a nutrição e o metabolismo de vacas leiteiras. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.2001. GONZÁLEZ, F.H.D. Pode o leite refletir o metabolismo da vaca? In: Congresso Brasileiro de qualidade do leite. Anais... Passo Fundo, Rio Grande do Sul, 2004. GONZÁLEZ, F.H.D.; NORO, G. 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