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1 SUMÁRIO 1 ORIGEM DA PSICOLOGIA ESCOLAR NO BRASIL .................................. 2 2 RELAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA ...................................................................................................... 8 3 ATUALIDADES ......................................................................................... 16 4 PESQUISA CIENTÍFICA EM PSICOLOGIA ESCOLAR ........................... 21 5 INTERVENÇÃO EM PSICOLOGIA ESCOLAR: CONCEPÇÕES E TENDÊNCIAS DE ATUAÇÃO E PRÁTICAS PROFISSIONAIS ................................ 27 6 COMPROMISSOS E PERSPECTIVAS PARA A PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL ..................................................................................................... 34 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 39 2 1 ORIGEM DA PSICOLOGIA ESCOLAR NO BRASIL A Psicologia se difunde no Brasil, na transição do século XIX para o século XX, como campo de estudos e pesquisas da Medicina e da Pedagogia. Na época da Primeira República (1906 a 1930), acadêmicos e pesquisadores europeus que se instalaram no País enfatizavam a Psicologia como área de conhecimento cuja vertente experimental alimentava, entre outros objetivos, os ideais capitalistas nos processos educacionais e sociais vigentes. A partir de então, os estudos em laboratório apoiados na experimentação e no modelo das ciências da natureza, que sustentavam o paradigma científico da Psicologia, segundo Patto (1984), acabaram tendo pouca repercussão, pois os trabalhos eram realizados por um número reduzido de profissionais e tinham pouca expressividade. De 1930 a 1960, a ciência psicológica consolidou-se no País ligada às tendências psicométrica, experimental e tecnicista, preponderantes nos estudos norte-americanos e coadunadas às orientações ideológicas vigentes. Fonte: historiabruno.blogspot.com.br A partir da década de 1960, com a ampliação do sistema educacional em suas diversas modalidades e consequentes solicitações por serviços de atendimento aos alunos, a Psicologia passou a constituir-se como uma prática profissional mais sistematicamente presente nas escolas, ainda que marcada por objetivos fortemente http://historiabruno.blogspot.com.br/2013/05/a-historia-da-psicologia.html 3 adaptacionistas. Surgiu, com uma identidade pouco definida, a figura do psicólogo escolar ou psicólogo educacional, chamado a resolver ou enfrentar as situações problema oriundas da escola (Maluf, 1994, 1992; Yazzle, 1997). O papel do psicólogo na escola era, fundamentalmente, responsabilizar-se pelo atendimento individual a alunos encaminhados com queixas escolares de diversas ordens, com o claro intuito de ajustá-los às normas e condutas escolares vigentes; tinha-se uma Psicologia fortemente comprometida com o ideário econômico da época, pois a maioria das teorias e práticas psicológicas construídas para atender às demandas escolares naturalizava e individualizava as soluções e saídas para os problemas escolares, desconsiderando ou reduzindo o papel da realidade social e das práticas pedagógicas e prescrevendo medidas “corretivas”, “punitivas” ou marginalizadoras. As teorias psicológicas de então, referendadas no ideário liberal e positivista para a produção de conhecimentos, refletiam dicotomias conceituais, concepções individualizadas e individualizantes nas explicações do ser humano, validando posições ideológicas vinculadas a práticas de discriminação, dominação e exclusão educacional e social. Tais tendências municiavam um projeto de controle social subjugado ideologicamente aos interesses hegemônicos da classe detentora do poder, a partir da organização socioeconômica capitalista (Araújo, 2003; Araújo, Almeida, 2003; Bock, 2002; Correia, Campos, 2000; Cruces, Maluf, 2007; Guzzo, 2005, 2001, 1999, 1996, 1993; Maluf, 2001, 1994; Marinho-Araújo, Almeida, 2005; Meira, 2000; Patto, 1997, 1990, 1984). Assim é que, até próximo aos anos 70, a identificação da Psicologia como profissão cujo comprometimento se associava ao conservadorismo, ao reprodutivismo social, ao tecnicismo e ao individualismo refletia-se na Psicologia Escolar, que sustentou a psicologização das questões educacionais “tratando” os problemas escolares de forma adaptativa e remediativa com ênfase no ajustamento. Críticas contundentes a essas bases científicas da Psicologia, denunciando sua contribuição na manutenção da ordem social injusta dominante no País, fortaleceram, a partir da década de 1970, revisões, reflexões e análises de natureza epistemológica e conceitual que redefiniram os referenciais teóricos para sustentação da atividade profissional. Para Patto (1997), essa década foi especialmente decisiva para a reformulação dos objetivos da Psicologia Escolar, no sentido da efetivação de uma análise crucial para as concepções biologizantes da dificuldade de aprendizagem e o 4 direcionamento de explicações e intervenções sobre o fracasso escolar em ações exclusivas com o aluno, desconsiderando a instituição e suas relações sociais. A partir de 1980, ocorreram profundas transformações socioeconômicas no cenário nacional, advindas, principalmente, das lutas por melhores condições de trabalho, saúde, educação, além de uma nova organização política, expressa pelo surgimento de entidades representativas das diversas categorias profissionais. A mobilização e a participação dos psicólogos, junto a outros profissionais, nessas lutas sociais caracterizaram um período de mudanças nas produções da Psicologia e na relação com a Educação. Cresceram e diversificaram-se as formas de organização da categoria tanto na busca de novas práticas quanto nos debates e questionamentos teórico-conceituais. Eventos científicos, encontros de conselhos e de sindicatos e outros movimentos de organização social levaram a Psicologia a recorrer às concepções e teorias histórico-críticas para auxiliar na compreensão dos impasses presentes na educação brasileira. Apesar de sua história recente, a Psicologia no Brasil tem sido marcada por mudanças paradigmáticas que refletem a tentativa de rompimento com os padrões tradicionais da teoria e da prática psicológica. Desde seus primórdios, a Psicologia brasileira esteve articulada à Educação, de forma que a história da Psicologia Escolar tem acompanhado esse movimento de mudança em direção a novos referenciais teórico-práticos. O paradigma positivista, sobre o qual a Psicologia científica nasceu há pouco mais de um século, definiu um padrão de ciência psicológica que fora adotado pelo Brasil e transposto para a prática educativa em forma de um modelo clínico e acrítico de intervenção na escola. O foco principal da Psicologia articulada à Educação, nessa perspectiva, era o atendimento a dificuldades de aprendizagem dos alunos, que eram “culpados” por seu fracasso, cuja análise era feita com a utilização descontextualizada e estigmatizadora de testes psicológicos. Dentre as primeiras formas de aplicação da Psicologia no Brasil, em seu diálogo com o campo educativo, surgia também a Orientação Profissional/Vocacional, com o mesmo instrumental metodológico limitado à utilização de testes. 5 Fonte: knoow.net As décadas de 70 e 80 assistiram à emergência de duras críticas a essa forma de ação da Psicologia na Educação. Bock (1999) analisa que, especialmente a partir da década de 80, diante das condições de vida tão deterioradas do povo brasileiro, geradoras de sofrimento psíquico, os psicólogos já não puderam mais manter-se de costas para esta realidade. Rompendo com a tradição individualista, naturalizante e patologizante da ciência e da prática psicológicas, começou a surgir uma nova Psicologia, que está se transformando para atender à exigência de compromisso social. Cada vez mais amplamente aceitopela categoria como critério de qualidade da intervenção psicológica, tal compromisso se expressa através da postura crítica do profissional perante a realidade de seu contexto de atuação e de atitudes condizentes à busca da transformação das condições de vida das pessoas com as quais trabalha. O campo da prática profissional psicológica, as reflexões teórico-metodológicas e a produção de conhecimentos na área configuraram um quadro complexo entre a Psicologia e a Educação em face das diferentes posições ideológicas, conceituais e práticas (Araújo, 2003; Maluf, 1992). Entretanto, essa relação vem se estreitando, com teorias, pesquisas e formas de intervenção profissional que influenciam as duas áreas. Os diálogos e debates têm avançado por meio de novos paradigmas e prismas, que direcionam e redefinem formas mais dialéticas para a compreensão do desenvolvimento psicológico humano e da construção do conhecimento, quando ocorrem nos espaços educacionais. Assim, a relação entre a Psicologia e a Educação 6 vem refletindo, nas produções e atuações contemporâneas, uma interdependência entre processos psicológicos e processos educacionais, referendada em um conjunto teórico que privilegia a concepção histórica e social da constituição humana. Na esteira dessas perspectivas, a Psicologia Escolar tem, durante os últimos 20 anos, intensificado discussões na busca de maior criticidade à formação e atuação daqueles que escolhem ou “são levados” a atuar na complexa intersecção entre o conhecimento psicológico e o educacional. Marcos decisivos nessa história foram os espaços criados, na década de 1990, pelo I Congresso Nacional de Psicologia Escolar (ocorrido em Valinhos, SP, em 1991), e a realização conjunta do XVII Congresso Internacional de Psicologia Escolar e do II Congresso Nacional de Psicologia Escolar (na PUC de Campinas, SP, em 1994). Wechsler (1996) evidencia, igualmente, a importância que teve a criação das associações profissionais como forma de congregar os psicólogos e dar visibilidade social e acadêmica à sua produção; nesse sentido, destaca-se, em 1988, a criação da 1ª seção da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee), no Distrito Federal. Outra iniciativa nessa direção institucionalizou-se na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp), que, a partir do II Simpósio (em 1989), passou a organizar-se pelo sistema de Grupos de Trabalho (GT), para ampliar a cooperação entre instituições e pesquisadores com objetivos comuns; a partir do V Simpósio (1994) foi criado o GT Psicologia Escolar/Educacional, atuante até o momento, objetivando o desenvolvimento e a consolidação da Psicologia Escolar por meio da pesquisa e de políticas de formação no âmbito da pós-graduação em Psicologia no Brasil. A história recente das mudanças educacionais, com repercussões no novo milênio, reflete-se fortemente nas demandas direcionadas à Psicologia Escolar. Mobilizados pela legislação educacional, os sistemas de ensino criaram mecanismos para responder à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Brasil, 1996), ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), ao Plano Decenal de Educação (Brasil. MEC, 1993), entre outras iniciativas que desencadearam várias políticas públicas ligadas aos contextos educativos. A exigência mínima de titulação superior para professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental originou uma efervescência no ensino superior, notadamente nas instituições privadas, que, por sua vez, demandaram novos profissionais para seus quadros. 7 Fonte: www.psiconlinews.com Essa procura pelas instituições de ensino superior passou a ser evidenciada tanto na formação inicial quanto na continuada, principalmente nos cursos lato sensu e stricto sensu. Em contraponto, proliferaram, a partir do final dos anos 90 e início do ano 2000, inúmeros projetos e políticas públicas de capacitação de docentes da educação básica, de reforma e construção de escolas, de incentivo a programas de recuperação da história escolar de alunos com defasagem idade-série, de combate ao trabalho infantil e de estímulo à permanência da criança na escola. Grande parte dos recursos financeiros para custear tais ações originou-se de negociações e empréstimos na esfera internacional, mediados por organismos como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Observou-se uma redução das responsabilidades do Estado e uma crescente abertura à iniciativa privada e à ação de Organizações Não Governamentais (ONGs), muitas vezes subsidiadas com recursos públicos. A Psicologia Escolar é compelida, neste século iniciado, a comparecer em um cenário educacional no qual os papéis requeridos pela realidade nem sempre são contemplados nas ofertas de formação. As demandas são muito diversificadas: os professores, nem sempre preparados nas competências convocadas pela ação docente, fragilizam-se em sua prática profissional, expressando desilusão, apatia, desânimo (o burnout, identificado por Codo, 1999); os projetos sociais e as ações 8 afirmativas de combate à exclusão, à discriminação, à violência e aos preconceitos clamam por ações institucionais articuladas, que buscam se concretizar nos e pelos espaços educacionais; os processos de gestão exigem desprendimento de ações individualistas, descentralizadas, autoritárias, mas, por vezes, objetivam-se em propostas ainda conservadoras, verticalizadas e unidirecionais; e, mais preponderantes e contundentes que todas, as trajetórias de desenvolvimento humano, infanto-juvenil ou adulto são resignificadas e transformadas pelas mediações simbólicas dos processos de ensino e aprendizagem e dos contextos educativos. Todos esses são pontos fundamentais que se configuram em objeto de estudo privilegiado da Psicologia e, em especial, da Psicologia Escolar. 2 RELAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA A história da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil pode ser identificada desde os tempos coloniais, quando preocupações com a educação e a pedagogia traziam em seu bojo elaborações sobre o fenômeno psicológico. Massimi (1986; 1990), ao estudar obras produzidas no período colonial, no âmbito da filosofia, moral, educação e medicina, entre outras, identifica temas como: aprendizagem, desenvolvimento, função da família, motivação, papel dos jogos, controle e manipulação do comportamento, formação da personalidade, educação dos indígenas e da mulher, entre outros temas que, mais tarde, tornaram-se objetos de estudo ou campos de ação da psicologia. É importante destacar que a maioria desses escritos estava comprometida com os interesses metropolitanos e expressava as mazelas de sua dominação na colônia. Entretanto, há contradições, sendo que algumas dessas obras assumiram posições que se opunham aos ideais da metrópole, como a defesa da educação feminina, entre outras. Além disso, várias obras não apenas trataram de temas que viriam a ser próprios da psicologia, mas os trataram de maneira bastante original, antecipando formulações que viriam a ser incorporadas pela psicologia do século XX. No século XIX, ideias psicológicas articuladas à educação foram também produzidas no interior de outras áreas de conhecimento, embora de maneira mais institucionalizada. No campo da pedagogia, escolas normais (criadas a partir da 9 década de 1830) foram espaços de discussão, ainda que incipientes e pouco sistemáticos, sobre a criança e seu processo educativo, incluindo temas como aprendizagem, desenvolvimento, ensino e outros. Em meados do século, essa preocupação torna-se mais sistemática e frequente e, nos anos finais desse mesmo século, é possívelperceber a incorporação de conteúdos que mais tarde viriam a ser considerados como objetos próprios da psicologia educacional, com particular interesse por temas anteriormente estudados, como aprendizagem e desenvolvimento, mas também por outros que já seriam considerados expressões da psicologia do século XX, como a inteligência, por exemplo. Fonte: bloggerdomobile.blogspot.com.br Deve-se destacar, no âmbito oficial, a Reforma Benjamin Constant, de 1890, que transformou a disciplina filosofia em psicologia e lógica, que, por desdobramento, gerou mais tarde a disciplina pedagogia e psicologia para o ensino normal. Data dessa época a introdução, ainda que assistemática e pontual, do ideário escolanovista, que só mais tarde viria a se tornar hegemônico no pensamento pedagógico e teria na psicologia seu principal fundamento cientifico. Os anos finais do século XIX e os primeiros anos do século seguinte trazem mudanças profundas na sociedade brasileira: fortalecimento do pensamento liberal; busca da "modernidade"; luta contra a hegemonia do modelo agrário-exportador, em direção ao processo de industrialização. Essas novas idéias traziam em seu bojo um 10 novo projeto de sociedade, que exigia uma transformação radical da estrutura e da superestrutura social, para o qual seria necessário um novo homem, cabendo à educação responsabilizar-se por sua formação. Nesse contexto, o debate sobre a educação tomou vulto, com a defesa da difusão da escolaridade para a massa da população e uma maior sistematização das idéias pedagógicas, com crescente influência dos princípios da Escola Nova. Assim, as escolas normais passaram a ser o principal centro de propagação das novas idéias, baseadas nos princípios escolanovistas, com vistas à formação dos novos professores, encarregando-se do ensino, da produção de obras e do início da preocupação com a produção de conhecimentos por meio dos então inaugurados laboratórios de psicologia, fatores estes que deram as bases para as reformas estaduais de ensino promovidas nos anos 1920 e foram por estas potencializados. Foi nesse quadro que ocorreu, paulatinamente, a conquista de autonomia da psicologia como área especifica de conhecimento no Brasil, deixando de ser produzida no interior de outras áreas do saber, sendo reconhecida como ciência autônoma e dando as condições para que, por essa via, penetrassem os conhecimentos da psicologia que vinham sendo produzidos na Europa e nos Estados Unidos. Assim, percebe-se uma interdependência entre psicologia e educação, sobretudo pela via da pedagogia, a partir da articulação entre saberes teóricos e prática pedagógica. Pode-se afirmar que o processo pelo qual a psicologia conquistou sua autonomia como área de saber e o incremento do debate educacional e pedagógico nas primeiras décadas do século XX estão intimamente relacionados, de tal maneira que é possível afirmar que psicologia e educação são, historicamente, no Brasil, mutuamente constituintes uma da outra. Esse momento foi responsável pela consolidação da articulação entre psicologia e educação, dando as bases para a penetração e a consolidação daquilo que nos Estados Unidos e Europa já se desenvolvia sob a denominação de psicologia educacional. O período seguinte, a partir da década de 1930, caracteriza-se pela consolidação da psicologia no Brasil e tem como base a estreita relação estabelecida entre essa área e a educação. Os campos de atuação da psicologia que se desenvolveram a partir dessa época, tornando-se campos tradicionais da profissão, como a atuação clínica e a intervenção sobre a organização do trabalho, tiveram suas raízes na educação, respectivamente pela criação dos Serviços de Orientação Infantil 11 nas Diretorias de Educação do Rio de Janeiro e de São Paulo e da Clínica do Instituto Sedes Sapientiae, com a finalidade de atender crianças com dificuldades escolares, e pela Orientação Profissional, dentre outras ações educacionais, no campo do trabalho. Ao mesmo tempo, o ensino formal de psicologia em cursos superiores tinha estreita articulação com a educação, pois as cátedras de psicologia estavam vinculadas primordialmente aos cursos de filosofia e de pedagogia, nestes últimos sob a denominação de psicologia educacional. Muitos foram os trabalhos realizados pela psicologia no âmbito da educação, dentre os quais: Serviço de Psicologia Aplicada do Instituto Pedagógico da Diretoria de Ensino de São Paulo; Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais e, posteriormente, Sociedade Pestalozzi do Brasil; "Escola para Anormais" em Recife; atividades realizadas no INEP, particularmente com a utilização de testes psicológicos; a criação das Clínicas de Orientação Infantil; o trabalho desenvolvido por Helena Antipoff na Escola de Aperfeiçoamento de Professores e na Fazenda do Rosário; Instituto de Seleção e Orientação Profissional - ISOP-FGV; além dos trabalhos desenvolvidos por Ana Maria Poppovic com "crianças abandonadas" no Abrigo Social de Menores da Secretaria de Bem-Estar Social do Município de São Paulo; a fundação do Instituto de Psicologia da PUCSP, oferecendo serviços de medidas escolares, pedagogia terapêutica e orientação psicopedagógica; além das muitas instituições estritamente educacionais que desenvolviam trabalhos relacionados à Psicologia. Pode-se dizer que a Educação continuou sendo a base para o desenvolvimento da psicologia, assim como esta permaneceu como principal fundamento para a educação, particularmente no âmbito pedagógico, como sustentação teórica da Didática e da Metodologia de Ensino, bases para a formação de professores. Essa tendência se expressa em experiências realizadas pela Escola Experimental da Lapa e pelos Ginásios Vocacionais em São Paulo, dentre outras inúmeras experiências, realizadas em todo o país. Concomitantemente, o ensino nas Escolas Normais e nos Cursos de Pedagogia continuavam dando à Psicologia espaço privilegiado em seus currículos. O desenvolvimento da pesquisa também ganha impulso, tendo como referência algumas instituições, como o Instituto de Educação do Rio de Janeiro; Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte; Instituto de Seleção e Orientação Profissional de Recife; Laboratório de Psicologia Educacional do Instituto de 12 Educação (evolução do Instituto Pedagógico de São Paulo); Núcleo de Pesquisas Educacionais da Municipalidade do Rio de Janeiro; Instituto Nacional de Surdos- mudos e o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais - CBPE - e seus correlatos, os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais - CRPE; além da produção de escolas normais e universidades. Nesse contexto, começam a se diferenciar, ainda que de forma não sistemática e formal, a psicologia educacional, como conjunto de saberes que pretende explicar e subsidiar a prática pedagógica, sendo, portanto, de domínio necessário para todos os educadores, e a psicologia escolar, como campo de atuação de profissionais da psicologia que atuariam no âmbito da escola, desempenhando uma função especifica, alicerçada na psicologia e que se caracterizou inicialmente por adotar o modelo clínico de intervenção. Embora contradições possam ser apontadas, revelando produções teóricas e práticas afinadas com a construção de uma escola comprometida com a aprendizagem e o desenvolvimento de seus alunos, particularmente aqueles oriundos das camadas populares, o papel que a psicologia desempenhou na educação tornou- se objeto de crítica. A utilização e a interpretação indiscriminadas e aligeiradas de teorias e técnicas psicológicas, como os testes (principalmente os de nível mental e de prontidão); a responsabilização da criança e de sua família, em nome de problemas ditos de "ordem emocional", para justificar o desempenho do aluno na escola e a redução dos processos pedagógicos aos fatores de natureza psicológica colaborarampara interpretações e práticas no mínimo equivocadas, desprezando o processo educativo como totalidade multideterminada, relegando a segundo plano, ou omitindo, fatores de natureza histórica, social, cultural, política, econômica e, sobretudo, pedagógica na determinação do processo educativo. Esse processo culmina, em 1962, com a regulamentação da profissão de psicólogo e o estabelecimento de cursos específicos para sua formação. As ações desenvolvidas no período anterior deram as bases para os campos tradicionais de atuação da psicologia: educação, clínica e trabalho. 13 Fonte: incucando.blogspot.com.br Um fato interessante a ser mencionado é que, justamente com a regulamentação da profissão, o campo da educação, antes base principal para o desenvolvimento da psicologia no Brasil, torna-se secundário para os profissionais da área. Isso se revela não apenas no âmbito curricular, mas, sobretudo, na preferência de alunos e profissionais pelos campos da clínica e da organização do trabalho. Esse é também um dos fatores explicativos para a adoção de uma modalidade clínico-terapêutica na ação da psicologia escolar, tendo como base o modelo médico, questão que será discutida adiante. Entretanto, as relações entre educação e psicologia vão se diferenciando. De um lado, a área da psicologia educacional, foco de interesse tanto de pedagogos como de psicólogos, e, de outro, o campo da psicologia escolar, como atributo específico do profissional da psicologia que atua no espaço escolar. O conhecimento psicológico estava incorporado à Pedagogia e à prática dos educadores e a atuação do psicólogo escolar adotava um modelo cada vez mais clínico-terapêutico, agindo fora da sala de aula, focando sua atenção na dimensão individual do educando e em seus "problemas", atendendo, sobretudo, demandas específicas da escola, que encaminhava as crianças que tinham, a seu ver, "problemas de aprendizagem" ou outras manifestações consideradas como "distúrbios" inerentes ao próprio educando. Pode-se falar que esse período herdou do período anterior o que pode ser interpretado como hipertrofia da psicologia na educação, numa tendência http://incucando.blogspot.com.br/2012/08/linha-do-tempo-da-psicologia.html 14 reducionista, que passou, na década de 1970, a ser criticada tanto por pedagogos como por psicólogos. Criticava-se a utilização dos testes e a interpretação de seus resultados, que atribuía ao aluno a determinação de seus "problemas", desconsiderando as condições pedagógicas; o encaminhamento de alunos com deficiência que, sob a justificativa de lhes proporcionar uma "educação especial", relegava-os a condições aligeiradas de ensino e sem solução de continuidade, reforçando estigmas e preconceitos e produzindo social e pedagogicamente a deficiência intelectual; as interpretações e ações supostamente fundamentadas na psicologia, por educadores e psicólogos, calcadas em fatores como: atraso no desenvolvimento, distúrbios de atenção, motores ou emocionais (estes em geral relacionados estritamente às condições intrínsecas da criança ou da família). Uma das consequências apontadas por essas críticas era a desconsideração dos determinantes de natureza social, cultural, econômica e, sobretudo, pedagógica; daí falar-se em reducionismo. Alguns psicólogos escolares e pesquisadores da área começaram, nessa época, a elaborar uma crítica radical à Psicologia Escolar e Educacional, com base em argumentos semelhantes aos apontados por pedagogos e educadores em geral. De um lado, criticava-se a já apontada hipertrofia da psicologia na educação e o reducionismo dos fatores educacionais e pedagógicos às interpretações psicologizantes. Por outro lado, enfocando mais especificamente a prática da psicologia escolar e aprofundando a crítica a seu modo de ação, avançavam para a demonstração de que o enquadramento clínico-terapêutico baseava-se num modelo médico, estranho às determinações pedagógicas, que tendia a patologizar e individualizar o processo educativo, distanciando-se da compreensão efetiva dos determinantes desse processo e desconsiderando ações então denominadas preventivas, que deveriam voltar-se para as condições mais propriamente pedagógicas, de forma a atuar mais coletivamente, com base naquilo que hoje seria denominado de interdisciplinaridade, com os demais profissionais da educação e da escola. Alguns dos focos possíveis de atuação eram apontados, naquela época, em direção à formação de professores, à intervenção no âmbito das relações escola- família-comunidade, ao processo grupal estabelecido na instituição escolar, dentre outros. Particular preocupação entre psicólogos escolares incidia sobre os índices de reprovação na então 1ª. série do 1º. Grau, que mostravam que mais da metade dos 15 alunos ficava retida nessa série, muitas vezes na condição de alunos multirrepetentes, culminando com o abandono da escola, processo este que atingia fundamentalmente alunos oriundos das classes populares. Esse fato levou muitos profissionais da psicologia a se interessar pela alfabetização em especial e, de maneira mais ampla, pela articulação mais estreita entre os conhecimentos produzidos pela psicologia e aqueles produzidos por outras áreas de saber, principalmente a sociologia da educação, uma vez que a questão relativa à relação entre desempenho escolar e condições socioeconômicas ganhava espaço nos debates educacionais. Fonte: solariodeletras.blogspot.com.br Entretanto, poucos trabalhos conseguiram efetivar esse modelo de atuação, comprometido com o processo pedagógico, em decorrência principalmente da expectativa da escola, cristalizada na modalidade clínica de psicologia, pautada no encaminhamento do aluno para que ele fosse "curado" fora do espaço da sala de aula e depois devolvido "sem problemas", tirando da escola a responsabilidade da ação sobre a escolarização da criança. Foram, porém, esses poucos trabalhos, muitas vezes pautados na desconstrução dessas expectativas da escola, que deram as bases para a superação daquela psicologia escolar clínico-terapêutica, na direção de uma psicologia que pode ser denominada efetivamente como escolar, delimitando seu campo de atuação e criando uma modalidade de trabalho efetivamente comprometida com o cotidiano da escola em sua função essencialmente pedagógica. 16 Nesse sentido, a superação dessa situação exigia não somente a crítica à hipertrofia da psicologia na educação, ao reducionismo, às interpretações aligeiradas e banalizadas, às ações fundadas num modelo estranho à educação, como o modelo médico, e à culpabilização da criança e de sua família, mas também a restituição de seu núcleo de bom senso. Fazia-se necessário devolver à psicologia seu lugar no processo pedagógico. É necessário, pois, que se considere que o processo educativo ocorre no âmbito do sujeito; assim, a dimensão psicológica não pode ser negada, mas incorporada na apreensão do fenômeno em sua totalidade, condição fundamental para a produção de conhecimento nesse campo, responsabilidade da psicologia educacional. Esta, por sua vez, deve fundamentar, naquilo que lhe cabe, a compreensão do fenômeno educativo e dar base para o estabelecimento de processos efetivos de intervenção, que poderiam constituir-se na matriz de atuação do psicólogo escolar. 3 ATUALIDADES A Psicologia Escolar, no cenário brasileiro atual, tem fomentado inúmeros estudos, pesquisas e publicações que tem subsidiado novas práticas na área. Maluf (2003) identifica que a Psicologia Escolar brasileira está entrando em uma nova fase, “na qual se multiplicam ações afirmativas, que dão respostas a vigorosas e pertinentes críticas formuladas, sobretudo na década de 1980” (p. 137). A multiplicidade de ações a serem desenvolvidas pelo psicólogo escolar vem sendo enfatizada por diversos autores da área (Antunes,2003; Guzzo, 1999; Martínez, 2003; Rossi & Paixão, 2003; Senna & Almeida, 2005; Tanamachi, 2000). As atividades e funções deste profissional diversificam-se e abrangem, cada vez mais, outros contextos educativos, além da escola. É com o passar do tempo, segundo Antunes (2003), que se poderá compreender mais ampla e nitidamente tamanha pluralidade das ações possíveis para a Psicologia Escolar contemporânea no Brasil. As tendências atuais da Psicologia Escolar brasileira estão em consonância com o que Guzzo (1999) constatou no cenário mundial. Acompanhando discussões em âmbito internacional, a autora constata que a Psicologia Escolar tem sido concebida como uma especialidade que dá suporte a instituições escolares nas 17 questões sobre o desenvolvimento humano, buscando solucionar problemas e propor estratégias de intervenção. Discutem-se modelos de atuação profissional e o preparo do psicólogo para assumir adequadamente suas funções. “O modelo de atuação passa a ser proativo, em que toda a intervenção psicológica passa a um caráter sistêmico, com focos em grupos mais do que indivíduos e atendendo à necessidade de alunos em diferentes fases do seu desenvolvimento” (Bear, Minke & Thomas, citado por Guzzo, 1999, p. 135-136). Fonte: mundodacrianca.wikispaces.com Há uma necessidade premente de se desenvolverem novos modelos de atuação, bem como de se dar reconhecimento às iniciativas que já surgem neste sentido, tanto por parte da sociedade quanto dos próprios profissionais psicólogos escolares. Sensível a essa realidade, Araújo (2003) desenvolveu uma pesquisa interventiva com psicólogos escolares vinculados à Secretaria de Educação do Distrito Federal, promovendo uma formação em serviço e assessoria à sua prática profissional. Como fruto deste trabalho, propôs um modelo de intervenção institucional e relacional (Araújo & Almeida, 2003; Marinho-Araújo & Almeida, 2005a), entendida como uma possibilidade de prevenção em Psicologia Escolar. A intervenção institucional e relacional funda-se em ações e estratégias orientadas para que o psicólogo escolar promova a reflexão e a conscientização de funções, papéis e responsabilidades dos sujeitos que atuam no cotidiano da escola, https://mundodacrianca.wikispaces.com/Novidades%21 18 incentive a construção de estratégias de ensino diversificadas e busque, com a equipe escolar, a superação dos obstáculos à apropriação do conhecimento pelos alunos. Trata-se de uma atuação dinâmica, participativa e sistemática na instituição, que tem as relações interpessoais como foco principal de investigação e intervenção (Araujo, 2003; Araujo & Almeida, 2003; Marinho-Araujo & Almeida, 2005a). Este modelo de atuação preventiva em Psicologia Escolar atesta as profundas inovações que estão surgindo na área, sustentadas por ações críticas de psicólogos que assumem uma postura mais compromissada em seu exercício profissional. Outro exemplo significativo de um novo modelo de atuação que surgiu como contraponto às práticas acríticas em Psicologia Escolar encontra-se em Neves e Almeida (2003), que propõem que a avaliação e intervenção nas queixas escolares se desenvolvam a partir da corresponsabilização dos professores, alvos primordiais da atuação do psicólogo escolar. Superando as práticas diagnósticas e remediativas focadas no aluno, seu trabalho começaria com a escuta e orientação daquele que formula a “queixa” direcionada ao educando &– o professor, abrangendo, em seguida, ações voltadas às instituições escolar e familiar para, então, chegar à abordagem ao aluno, apenas nos casos em que isso se fizer necessário. Isso se justifica pela visão mais ampla a partir da qual se entende o processo educativo atualmente, em que o sujeito da aprendizagem é compreendido como participante de uma complexa rede de relações que o constituem e que são por ele constituídas. Os novos paradigmas que estão norteando a Psicologia Escolar brasileira contemporânea, a nova ética e o compromisso social emergente têm exigido posturas dos profissionais para as quais nem sempre há suficiente preparo, seja no plano técnico, seja no plano pessoal. Autores como Marinho-Araújo e Almeida (2005a; 2005b) e Correia e Campos (2004) afirmam que a formação inicial deficiente é um dos fatores que levam à problemática da indefinição do papel e/ou função do psicólogo escolar. Apontam, também, para fatores históricos, para a pluralidade e o paradoxo entre as tendências teóricas, para a questão do ambiente desfavorável (em termos de recursos e/ou apoio) e para o fato de o psicólogo escolar se confrontar, no contexto profissional, com outros profissionais com funções aparentemente bem definidas. Como implicações dessa problemática, os autores pontuam a dificuldade na inserção do profissional no contexto educacional e sentimentos de angústia e insegurança, gerando indefinição do campo de atuação e da identidade profissional. 19 A coexistência, nos dias atuais, de modelos de atuação em Psicologia Escolar críticos e inovadores, por um lado, e práticas fundamentadas em uma visão estigmatizada e remediativa, por outro, é uma realidade, reconhecida por Cruces (2003). Modelos de atuação restritos, curativos e acríticos, afetaram negativamente o reconhecimento desse papel profissional no Brasil, conforme análise feita por Guzzo (1999) ainda na década de 90, uma vez que, dessa forma, o psicólogo escolar não respondia satisfatoriamente à promoção do desenvolvimento dos educandos. Esta autora já defendia que a melhoria deste quadro passaria pelo investimento na formação continuada do psicólogo escolar, bem como pela crítica da prática e dos papéis que historicamente os psicólogos escolares vieram assumindo no contexto educacional. Neste início de milênio, os profissionais que atuam em Psicologia Escolar estão, gradualmente, conscientizando-se das múltiplas tarefas que podem desenvolver, do papel inovador que podem exercer na escola, da necessidade de se trabalhar interdisciplinarmente, indo além das atribuições tradicionalmente delegadas ao psicólogo escolar. Daí estes profissionais virem obtendo mais visibilidade no contexto escolar. Apesar das indefinições e dificuldades enfrentadas pelos profissionais da área, o psicólogo escolar, como pontuado por Antunes (2003), vem se comprometendo crescentemente com a superação dos problemas educacionais e buscando criar possibilidades de construção de uma educação mais democrática e efetiva. A questão ética, nessa perspectiva, passa a ser central, sendo enfrentada não apenas no âmbito da ética profissional, mas fundamentalmente de ética social. Alinhada a essa visão, Joly (2008) convida o psicólogo escolar a uma postura crítica, política e proativa, enfatizando a relevância da presença deste profissional na equipe da escola, a fim de contribuir para “potencializar as ações democráticas que visem à qualidade do ensino, comprometido com as necessidades e carências da sociedade brasileira” (p.11). Vê-se que, dessa forma, o psicólogo assume um papel crucial na constituição de uma cultura de sucesso escolar. Vendo como papel do psicólogo escolar a intervenção nos processos subjetivos que promovem conscientização dos sujeitos atores do processo educacional, Guzzo (2005) afirma: “a ação do psicólogo é política, na medida em que deve influenciar mudanças em seu contexto de trabalho” (p. 23). Mais do que um processo de caráter meramente abstrato, a conscientização, segundo a autora, se caracteriza por um 20 processo de transformação pessoal e social do sujeito, na descoberta de sua realidade. “É mais do que uma mudança de opinião sobre a realidade, é a mudança na forma de se relacionar no mundo” (Guzzo, 2005, p. 27). Fonte: associacao-apep.wixsite.com Ao trabalhar em prol da conscientização dos sujeitos, intervindo em processos subjetivos, o psicólogo escolar estáse colocando como mediador do desenvolvimento humano nos contextos educativos, quer seja na perspectiva do desenvolvimento infantil, do adolescente ou do desenvolvimento adulto. Seu trabalho, a partir desta orientação, abrange todos os sujeitos que compartilham da subjetividade institucional, dos alunos à equipe pedagógica, à família e aos demais atores institucionais. O desafio que se coloca à Psicologia Escolar na atualidade é a consolidação de um perfil profissional comprometido com a pesquisa, com um contínuo investimento pessoal e profissional, com escolhas teóricas que atribuam sentido e significado à atuação, com o desenvolvimento de competências e de posturas éticas que oportunizem crítica e lúcida compreensão do sistema educacional em suas dimensões político-sociais. Tal perfil profissional deve sustentar alternativas de intervenção e de pesquisas no enfrentamento ao cenário socioeducativo e político- econômico que aprofunda, ainda que de forma cada vez mais sutil, o controle social e as graves desigualdades que se configuram no panorama histórico atual. http://associacao-apep.wixsite.com/apep/escola-e-comunidade 21 4 PESQUISA CIENTÍFICA EM PSICOLOGIA ESCOLAR As exigências das práticas profissionais de psicólogos escolares, educadores e demais atores de contextos educacionais, formais ou não, introduzem problemas que se configuram a partir de urgências, indeterminações, novidades, exigindo um trânsito ágil, atualizado e competente do profissional em uma práxis contextualizada no mundo do trabalho e ratificada em pesquisas e teorias. A Psicologia Escolar vem contribuindo, na pesquisa, com análises críticas, atualização, revisão e inovação de práticas e temáticas oriundas da interface Psicologia e Educação. A partir da abordagem crítica da Psicologia Escolar, autores vêm desenvolvendo suas pesquisas na direção de consolidar a área como fértil espaço de estudo, de produção de conhecimento, de atuação e formação profissional; para os pesquisadores, a produção científica acumulada nas últimas décadas é preponderante indicador da qualidade da área, reafirmando sua identidade como campo científico autônomo (Azevedo, Aguiar, 2001; Bettoi, Simão, 2000; Del Prette, 2001, 1999; Guzzo, 2001, 1999, 1996, 1993; Meira, 2000; Wechsler, 1996; Witter, C. 1996; Witter, G. P., Witter, C., Buriti, 2007; Witter, G. et al., 1992). Desde os trabalhos publicados no I Congresso Nacional de Psicologia Escolar, os relatos de pesquisa e investigação científicas têm priorizado as temáticas ligadas à identidade profissional, formação e atuação, originando novas formas de compreensão para os clássicos desafios próprios ao contexto escolar. A pesquisa realizada por Carla Witter (1996) analisou a produção nacional e estrangeira da área no período de 1990 a 1994, expressa em nove periódicos (três nacionais e seis internacionais) e em dois anais de congressos (um nacional e outro estrangeiro). Os resultados indicaram que a produção da Psicologia Escolar se concentra em aspectos como processos psicológicos, disciplinas acadêmicas, aprendizagem geral e problemas de aprendizagem. Um dado importante apontado nesse levantamento foi que a atuação profissional já era escolhida como um dos temas mais estudados pelos pesquisadores. Outra iniciativa de sistematização da produção científica da área foi realizada por Neves et al. (2002), na pesquisa que analisou as modalidades de comunicações publicadas nos anais dos congressos nacionais de Psicologia Escolar e Educacional, promovidos pela Abrapee entre os anos de 1991 e 1998. Objetivando apresentar e discutir a evolução das produções sobre a formação e a atuação na área de Psicologia 22 Escolar no Brasil, as autoras identificaram três grandes categorias como as mais representativas da natureza dos trabalhos apresentados: relatos de pesquisa, relatos de experiência e trabalhos acerca de reflexões teóricas. As análises dessas categorias temáticas indicaram que: a) existia uma diversificação na produção de conhecimento na área da Psicologia Escolar; b) as orientações de estágio curricular privilegiavam uma perspectiva mais preventiva; c) as práticas profissionais referiram-se significativamente a atuações junto à comunidade escolar e aos professores. Entretanto, apesar dessa tendência mais ampliada quanto aos focos de atuação e contextos de intervenção, a pesquisa salienta que havia pouca contribuição em relação às formulações teórico-metodológicas que oferecessem suporte consistente à prática profissional. Em decorrência disso, as autoras chamavam a atenção para a necessidade de construção de uma produção teórica mais sólida e sistematizada na área, no sentido de permitir, tanto aos psicólogos em formação quanto àqueles em exercício, a ressignificação da prática profissional apoiada em teorias e abordagens psicológicas pautadas em concepções relacionais e perspectivas sócio históricas (Neves et al., 2002). Os dados revelados pela pesquisa também apontaram que, apesar da grande ênfase em atuações mais interativas e contextualizadas às exigências do cotidiano pedagógico, o cenário da formação do psicólogo escolar não tem fornecido o suporte necessário à sustentação dessas formas de atuação. 23 Fonte: blog.felipepeixoto.com.br Além dos congressos nacionais de Psicologia Escolar e Educacional da Abrapee, há um fórum expressivo para a articulação entre a pesquisa e a prática profissional, que é o Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão. Santos et al. (2003) pesquisaram a produção científica em Psicologia Escolar e Educacional veiculada no I Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão, ocorrido em 2002, mediante estudo realizado em duas partes: a primeira focalizou todos os painéis apresentados (304 painéis da área Escolar/Educação) e a segunda, os resumos disponíveis no site do congresso e aos quais os autores puderam ter acesso (199 resumos). Alguns temas recorrentes foram: educação especial, formação do educador, educação infantil, ensino médio e superior, orientação profissional, prevenção, educação informal. A modalidade relatos de pesquisa teve um número bastante expressivo de ocorrências, comparada às outras categorias, especialmente a de relatos de experiência, embora um dos objetivos do congresso fosse o de aproximar profissionais em atuação e acadêmicos, usualmente os responsáveis pelos relatos de pesquisa. Os resultados mostraram a produção significativa de pesquisas em Psicologia Escolar, consolidando sua identidade em um campo científico autônomo e produtor de conhecimento na área. Também foi revelador na pesquisa verificar que essa área foi uma das mais representativas – a segunda, pelo número de painéis apresentados. 24 O registro das experiências, estudos e pesquisas em Psicologia Escolar, tanto na perspectiva acadêmica quanto na profissional, tem um consolidado e respeitado espaço de veiculação na revista Psicologia Escolar e Educacional, cuja instituição responsável é a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee). Por ocasião da comemoração dos dez anos da revista, Oliveira et al. (2006) consideraram as tendências das publicações realizadas no campo da produção científica na área e empreenderam a investigação em 21 números da revista, totalizando 136 artigos, tanto de versões impressas dos periódicos como das disponíveis on-line. Estabeleceu-se um período de dez anos (1996-2005) para a realização da análise. Os resultados revelaram que: A maior parte das publicações refere-se a pesquisas de campo; A diversificação das temáticas foi ampliada, havendo uma distribuição entre vários assuntos de interesse para a área; A predominância de pesquisas realizadas ocorre no interior dos contextos acadêmicos de formação, enquanto pouco se pesquisa na realidade escolar ou em outros espaçoseducacionais e de aprendizagem. As autoras alertam para o fato de que alguns dados podem estar sinalizando a falta de articulação entre o discurso teórico e as práticas vivenciadas pelos profissionais, tornando o trabalho do psicólogo escolar, de certa forma, fragmentado. Por outro lado, a pesquisa evidenciou que a produção divulgada no período revela o amadurecimento da área e aponta para alguns aspectos que poderão ser mais explorados em futuras investigações e publicações. Exemplo da possibilidade de ampliação das pesquisas e da atuação em Psicologia Escolar está no estudo realizado por Bariani et al. (2004) sobre a produção nesta área em relação ao ensino superior. O estudo investigou, por meio de um levantamento bibliográfico de teses de doutorado, dissertações de mestrado e artigos de revistas científicas de Psicologia e Educação, cobrindo um período de cinco anos (1995-1999), pesquisas sobre o ensino superior. Esse levantamento ocorreu em bibliotecas de cursos de Psicologia e de Educação de duas universidades de Campinas, SP. As autoras concluíram que, de modo geral, as pesquisas utilizam o corpo discente ingressante e concluinte especialmente para analisar as mudanças nos 25 estudantes e as alterações que ocorrem, ao longo do tempo, em suas características cognitivas ou afetivas; atentam-se aos efeitos das vivências universitárias e das experiências extra universitárias; possuem como principal temática o processo de ensino-aprendizagem; e apresentam uma predominância de estudos descritivos, carecendo de estudos experimentais. Bariani et al. (2004) defendem a premência de um maior investimento no sentido de ampliar e aprofundar o conhecimento sobre este nível de ensino e sua relação com a Psicologia Escolar. Para além dos congressos da área e das publicações da produção intelectual desse campo do saber em periódicos científicos, uma expressiva fonte de sistematização e disseminação das pesquisas na área da Psicologia Escolar tem sido produzida pelo GT Psicologia Escolar/Educacional da Anpepp. A própria história contemporânea do GT foi tema de pesquisa recente (Rocha, 2007), que evidenciou uma forte parceria interinstitucional entre os membros do GT e ampla e diversificada produção e participação científica em eventos nacionais e internacionais, contribuindo para a ampliação do conhecimento dessa área. A fértil produção decorrente das pesquisas do GT Psicologia Escolar/Educacional é expressa na publicação de várias coletâneas durante os últimos 12 anos: Almeida (2003), Campos (2007), Del Prette (2001), Guzzo (1999), Martinez (2005) e Weschler (1996). Essas publicações focalizam as reflexões, teorizações e pesquisas acerca da formação profissional do psicólogo escolar e das formas de atuação mais significativamente pertinentes a esta formação. Os trabalhos e as contribuições dos pesquisadores do GT Psicologia Escolar/Educacional da Anpepp diversificam-se entre estudos sobre formação e atuação de psicólogos, formação de professores, identidade profissional, formação do educador social, constituição do sujeito, processos de desenvolvimento e aprendizagem, acompanhamento às queixas escolares, inclusão escolar e social, educação especial, etnopsicologia, relação família-escola, avaliação educacional, intervenção institucional, intervenção preventiva comunitária, intervenção acerca de direitos e proteção de crianças e jovens, desenhos curriculares, gestão escolar, políticas públicas, sistemas de ensino e, enfim, desafiantes temas que configuram o compromisso da Psicologia Escolar com as atuais demandas socioeducativas (Almeida, 2003; Campos, 2007; Del Prette, 2001; Guzzo, 1999; Martinez, 2005; Weschler, 1996). 26 Fonte: comitedintegral-saopaulo.blogspot.com.br Vale ressaltar que a tendência que se apresenta na pesquisa em Psicologia Escolar referenciada nos trabalhos anteriormente delineados é para a escolha de abordagens qualitativas de investigação. Entretanto, estudos apontam para um número substancial de trabalhos recentes que utilizaram, de forma complementar, propostas quantitativas articuladas a abordagens qualitativas. Acompanhar e divulgar a produção científica da Psicologia Escolar, tal como de maneira breve está sendo realizada nesta seção, torna-se fundamental para a atualização dos estudos sobre a pesquisa científica na área, além de oportunizar o mapeamento do saber construído, a organização de bases de dados para orientar futuras pesquisas, a indicação de caminhos para a melhoria da formação e atuação do psicólogo escolar e a criação de políticas públicas subsidiadas pelo conhecimento produzido. A partir dessa apresentação panorâmica do cenário da investigação científica em Psicologia Escolar, pode-se concluir que há uma forte consolidação da área em relação à pesquisa científica e sua expressiva vinculação com a prática profissional. Por outro lado, esses mesmos estudos alertam para alguns hiatos comunicativos ainda existentes entre a pesquisa e a intervenção. Há que se enfrentar esse desafio, oportunizando a visibilidade necessária a ambos os espaços de produção de conhecimento na área, aproximando profissão e ciência. A presente publicação compromete-se com tal aproximação. 27 5 INTERVENÇÃO EM PSICOLOGIA ESCOLAR: CONCEPÇÕES E TENDÊNCIAS DE ATUAÇÃO E PRÁTICAS PROFISSIONAIS As possibilidades de atuação desenvolvidas pelo psicólogo escolar nas últimas duas décadas vêm acompanhando as propostas e revisões apresentadas pelas pesquisas e refletidas, ainda que timidamente, nos espaços de formação. A diversidade de currículos e de modelos teórico-práticos busca caracterizar na formação do psicólogo as especificidades de um perfil profissional que se ocupe, nos contextos educativos, da expressão da individualidade dos sujeitos sem desarticula- los de suas relações histórico-sociais. Nessa direção, uma ação formativa comprometida com a preparação de uma atuação profissional coadunada às demandas sociais contemporâneas requer do psicólogo escolar: Conscientização das possibilidades prospectivas, em função das futuras competências necessárias à inserção profissional; Autonomia ante situações de conflito ou decisões; Análise, aplicação, reelaboração e síntese do conhecimento psicológico tendo em vista o contexto de intervenção profissional; Clareza da relação entre as concepções teóricas sobre o conhecimento psicológico e o trabalho a ser adotado; Postura crítica diante do homem, do mundo e da sociedade, no contexto social em que está inserido; Estratégias interdisciplinares de comunicação e ação que integrem e legitimem a intervenção; Lucidez sobre a função político-social transformadora de sua profissão, exercendo-a eticamente no campo educacional. O cenário atual que articula as produções teóricas às práticas profissionais relativas à Psicologia Escolar tem gerado intensas reflexões na busca de maior criticidade tanto à formação quanto às formas de intervenção adotadas por esse profissional. Tais reflexões consolidaram avanços, entre eles a homologação, em fevereiro de 2004, das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Psicologia (Brasil. CNE. Parecer..., 2004), as quais favorecem o direcionamento de uma ampla reformulação dos cursos de graduação em Psicologia em todo o País. Nesse sentido, 28 a Psicologia Escolar poderá beneficiar-se quanto à ampliação das concepções acerca da formação desejada para uma atuação competente e coadunada às demandas atuais, pois o momento histórico contemporâneo está propício às mudanças que já vêm ocorrendo na área. Destacam-se como indicadores favoráveis à construção do perfil desejado os princípios norteadores presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais, em especial os que pressupõem autonomia pessoal, capacidade de criar e produzir, resolver problemas e tomar decisões, oexercício da cidadania e a inserção responsável e comprometida no mundo do trabalho. Há que se privilegiar, ainda, o domínio dos conhecimentos psicológicos, a sensibilidade e o compromisso com os problemas sociais significativos e a competência técnico-científica nas orientações para a formação em Psicologia Escolar. Defende-se, portanto, que formação e atuação profissional devam estar articuladas para superar a visão conservadora de adaptação ou psicologização das práticas nos contextos educativos. A intervenção psicológica precisa adotar uma perspectiva preventiva que se comprometa com as transformações sociais e evidencie as contradições entre as práticas educativas e as demandas dos sujeitos neste contexto. Acredita-se que a ênfase em características realmente preventivas na atuação do psicólogo escolar possa ser alcançada por meio de um novo direcionamento para a análise da realidade educativa: o foco de compreensão e intervenção deve deslocar- se para uma visão institucional, coletiva e relacional, contextualizada nos processos de subjetivação que dialeticamente resinificam os diversos atores e suas ações. As subjetividades inter e intrapessoal e as relações que transversalizam a construção do conhecimento, a ação pedagógica global, os processos de gestão, a dinâmica e diversidade dos diversos contextos educativos compõem uma realidade cuja magnitude requer mais que processos intuitivos para a compreender. Observar esta realidade para mapear espaços, tempos, fazeres, crenças, concepções e dinâmicas, desenvolver sensibilidade de escuta dos discursos institucionais e das “vozes da escola”, provocar a ressignificação das demandas e criar novos espaços para interlocução e circulação de falas e discursos dos sujeitos são competências necessárias à intervenção psicológica coadunada ao desenvolvimento de uma conscientização que pode provocar mudanças significativas, consistentes e 29 duradouras na prática pedagógica (Araújo, 2003; Guzzo, 2005; Kupfer, 1997; Marinho- Araújo, Almeida, 2005; Mitjáns Martínez, 2007, 2003). Ao trabalhar em prol da conscientização dos sujeitos, intervindo em processos subjetivos, o psicólogo escolar está se colocando como mediador do desenvolvimento humano nos contextos educativos, na perspectiva do desenvolvimento infantil, dos jovens ou do adulto. Seu trabalho, a partir desta orientação, pode abranger os diversos sujeitos que compartilham da subjetividade institucional, dos alunos à equipe pedagógica, à família e aos demais atores sócio institucionais. Entendendo que a intervenção nos processos subjetivos que promovem conscientização dos atores do processo educacional seja papel do psicólogo escolar, Guzzo (2005, p. 23) afirma que “a ação do psicólogo é política, na medida em que deve influenciar mudanças em seu contexto de trabalho”. Mais do que um processo de caráter meramente abstrato, a conscientização, segundo a autora, se caracteriza por uma ação de transformação pessoal e social do sujeito, na descoberta de sua realidade: “É mais do que uma mudança de opinião sobre a realidade, é a mudança na forma de se relacionar no mundo” (Guzzo, 2005, p. 27). Os caminhos para a intervenção do psicólogo escolar devem, portanto, estar ancorados na compreensão de que as relações sociais originam o processo interdependente de construções e apropriações de significados e sentidos que acontece entre os indivíduos, influenciando, recíproca e/ou complementarmente, como eles se constituem. Para intervir na complexidade intersubjetiva presente nas instituições educativas, o psicólogo deve fazer uma escolha deliberada e consciente por uma atuação preventiva sustentada por teorias psicológicas cujo enfoque privilegie uma visão de homem e sociedade dialeticamente constituídos em suas relações históricas e culturais. Nessa direção, a abordagem histórico-cultural do desenvolvimento psicológico humano fornece à Psicologia Escolar pressupostos e fundamentos para subsidiar um olhar sustentado em concepções ativas acerca desse desenvolvimento, considerando a importância da mediação psicológica junto a “sujeitos em desenvolvimento” (Vygotsky, 1998, 1996, 1994). Uma dimensão essencial da atuação se localiza na transformação das concepções de desenvolvimento e de aprendizagem que permearam a subjetividade social dos contextos educativos e que colaboraram para a manutenção de práticas fundamentadas em uma visão estigmatizada e remediativa, 30 bem como de modelos interventivos restritos, curativos e acríticos (Cruces, Maluf, 2007; Guzzo, 2005, 1999). Fonte: incucando.blogspot.com.br Coadunadas à produção de conhecimento profissional e científico da Psicologia Escolar, já apresentada anteriormente, muitas das formas contemporâneas de intervenção vêm sendo referendadas em escolhas epistemológicas e teórico conceituais alicerçadas em concepções de desenvolvimento humano que enfatizam as bases sociais, históricas e culturais como gênese dos processos psicológicos. Sustentados por esse referencial, psicólogos escolares vêm instrumentalizando-se para o estudo e a análise dos contextos educativos institucionais e dos processos de subjetivação para, entre outras ações preventivas, criar com e entre os sujeitos institucionais um espaço de interlocução que privilegie, sobretudo, o exercício da conscientização lúcida e intencional de concepções e ações. Nesse movimento, o psicólogo escolar contribui para a promoção de conscientização de papéis, funções e responsabilidades dos participantes das complexas redes interativas que permeiam os contextos educacionais. Tais redes profissionais favorecem, muitas vezes, indefinições de papéis e de espaços de atuação, evidenciados por tarefas sobrepostas e encaminhamentos desarticulados, decorrentes do trabalho com equipes multiprofissionais compostas por orientadores educacionais, coordenadores pedagógicos, professores, gestores ou http://incucando.blogspot.com.br/2012/08/linha-do-tempo-da-psicologia.html 31 outros profissionais. É importante que, nessas circunstâncias, o psicólogo escolar exercite o encontro com a especificidade de sua identidade profissional; para tal, as alternativas de formação continuada, assessoria em serviço e educação permanente apresentam-se enquanto estratégias privilegiadas para essa instrumentalização. Para Guzzo (2001), é necessário pensar em uma formação continuada, para além da graduação, que se reverta, concomitantemente, em oportunidade de investimento pessoal e preparação profissional, considerando o desenvolvimento de competências para a compreensão do sistema educacional em suas dimensões político-sociais. Assim, os desafios contemporâneos da intervenção psicológica em contextos educativos, ancorados em uma perspectiva de atuação institucional, coletiva e relacional, exigem práticas, saberes e conhecimentos coadunados à especificidade da ciência psicológica de tal forma que contribuam para a visibilidade da identidade profissional do psicólogo escolar. É imperiosa a urgência na mobilização de diversos recursos de ordem pessoal, técnica e ética para a construção de competências teórico metodológicas, operacionais, gerenciais, socioafetivas, estéticas e interpessoais que balizem a intervenção profissional dialeticamente concebida a partir dos processos de formação. Tais competências, articuladas aos contextos e realidades socioculturais, podem ser materializadas por meio de diversificadas formas de educação continuada e de práticas coletivas, contextualizadas pelas demandas locais. Ainda que a intervenção psicológica focalize processos de subjetivação, conscientização das concepções de desenvolvimento e de aprendizagem, mediação intencional de desenvolvimento infanto-juvenil e adulto e outras ações pautadas nas demandas dos sujeitos e das dinâmicas específicas aos contextos educacionais, há que se evidenciar,também, a vinculação da identidade do psicólogo escolar ancorada no cotidiano dos contextos institucionais nos quais está inserido. Ampliando os desenhos interventivos aqui colocados, é importante reconhecer as diversas ações de caráter institucional que, servindo-se da práxis como mecanismo integrador das experiências pessoais, profissionais e acadêmicas, vêm referendando a atuação de psicólogos escolares oportunizando-lhes mobilizar, transitar e redefinir, com intencionalidade, desejo e segurança, suas diversas competências, das teóricas às práticas, das estéticas às éticas. Os profissionais e pesquisadores em Psicologia Escolar compreendem que a complexidade dos arranjos sociais, políticos, econômicos e ideológicos atuais se refletem nas estruturas organizacionais, que se apresentam cada vez mais 32 diversificadas, tanto em relação a seus objetivos, missão e finalidades quanto à natureza de suas ações. Nessa direção, o psicólogo escolar vem sendo chamado a atuar em um intricado cenário, desde o espaço tradicional da instituição escolar até propostas educativas organizadas informalmente, ambos se constituindo como espaços férteis de desenvolvimento, oportunizado pela mediação de processos de aprendizagem. Inúmeros autores, já referendados neste trabalho, defendem a escola como espaço privilegiado para a atuação do psicólogo escolar. O contexto formal escolar constitui locus favorecedor do processo de canalização cultural, por meio do acesso ao conhecimento cultural e científico organizado, sistematizado e socialmente transformado nesse espaço institucional que também se constitui em efetiva atualização das potencialidades dos sujeitos que dela participam. Além disso, há também que se reconhecer na escola uma função política, um espaço singular e fecundo, ainda que pautado por incoerências, para o exercício da cidadania e da luta em prol de uma sociedade mais justa, um espaço que, dialeticamente, desafia e forma o psicólogo escolar (Araújo, 2003; Guzzo, 2005; Martínez, 2007, 2003). Nessa perspectiva, a atuação dos psicólogos escolares tem sua marca principal na escola, geralmente como membro integrante da equipe escolar. Seu trabalho vem comparecendo em diversificadas ações e dimensões: 1) compromete-se com um mapeamento das instituições escolares, por meio de análises documentais (Proposta Pedagógica, Regimento Escolar, Projetos Educacionais e de Gestão Escolar) ou de conjuntura (características do contexto sociodemográfico e político-pedagógico da escola, sua localização, histórico, modalidades de ensino, dinâmica de funcionamento, espaço físico, relação com órgãos reguladores e com a comunidade), com o objetivo de investigar convergências, incoerências, conflitos, avanços nas concepções e práticas expressas no currículo, nos processos avaliativos e nos planejamentos, contribuindo para análises e reformulações institucionais; 2) desenvolve uma escuta psicológica, construindo espaços de interlocução para circulação de sentidos das vozes institucionais, mediando processos relacionais e intersubjetivos de desenvolvimento e aprendizagens e produzindo ressonâncias sobre os discursos instituídos; 3) assessora o trabalho coletivo dos atores escolares, oportunizando conscientização das concepções orientadoras das práticas pedagógicas que se 33 refletem nos espaços e nas práticas institucionalizadas, bem como nas relações sociais e nos processos de gestão; 4) acompanha os processos de ensino e de aprendizagem, subsidiando o professor acerca da importância de sua mediação nesse processo, favorecendo a disseminação de experiências educativas bem sucedidas, ampliando as oportunidades de aperfeiçoamento em serviço de professores, coordenadores, gestores e outros atores educacionais (Araújo, 2003; Marinho-Araújo, Almeida, 2005). Para isso, os psicólogos escolares vêm se utilizando de vários procedimentos em suas atuações na escola: observação do contexto da sala de aula e de seus processos e relações em contraponto às observações individualizadas no aluno; participação nas coordenações pedagógicas, implementando propostas de formação em serviço, análise coparticipativa da produção do aluno com o professor e assessoria nas alternativas teórico-metodológicas; acompanhamento de Conselho de Classe, promovendo reflexões e investigações acerca da relação ensinar e aprender com foco na turma, dos aspectos intersubjetivos da relação professor-aluno e das potencialidades do professor; coordenação de rodas de reflexão (grupos de estudo, de planejamento e oficinas de desenvolvimento adulto). Os instrumentos geralmente utilizados são: observação (participante, de contexto e interativa), entrevistas (individuais e coletivas), questionários, memorial, oficinas e grupos focais. Fonte: nucleo-ppa.com.br http://nucleo-ppa.com.br/o-que-faz-um-psicologo-escolar-e-qual-o-seu-papel-na-educacao/ 34 Também tem sido frequente a participação dos psicólogos escolares em pesquisas e projetos voltados para: a melhoria da relação família-escola; a superação das queixas escolares, exclusão e discriminação escolar; a assessoria ao planejamento estratégico da escola (projeto político-pedagógico e outros); as análises de dados sobre processos avaliativos e fracasso escolar (evasão e repetência); a assessoria ao planejamento de políticas públicas, com participação em fóruns de mobilização social (Almeida, 2003; Campos, 2007; Marinho-Araújo, Almeida, 2005; Martinez, 2005). Por outro lado, para além da importância da instituição escolar formal, também é notória a compreensão de que a função social da educação se dê não apenas na escola, mas se estenda a outros contextos institucionais comprometidos com a educação ou investidos da função educativa. Nessa direção, a atuação do psicólogo escolar é chamada a expandir-se para cenários profissionais que não necessariamente a escola: creches, orfanatos, associações, organizações não governamentais (ONGs), serviços públicos de educação e saúde, empresas de pesquisas ou assessorias e diversas outras instituições – assistenciais, empresariais, filantrópicas ou outras de cunho educativo. Além desses, igualmente se coloca à desafiante ampliação da intervenção em Psicologia Escolar a atuação em modalidades de ensino e segmentos não tradicionalmente contemplados pela área, como a educação de jovens e adultos (EJA), o ensino superior e o ensino a distância. Diante dessas reflexões, evidencia-se a necessidade premente de se desenvolverem renovados modelos de atuação, bem como de se dar reconhecimento às iniciativas que já surgem neste sentido. 6 COMPROMISSOS E PERSPECTIVAS PARA A PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL É condição para a discussão de compromissos, assim como das perspectivas que se colocam a partir deles, a explicitação do lugar a partir do qual se fala. Compromisso implica três instâncias: aquele que se compromete (neste caso, referimo-nos à Psicologia Escolar e Educacional), aquele com quem se compromete (as classes populares) e aquilo com que se compromete (a construção de uma 35 educação democrática). Trata-se, portanto, de discutir o compromisso da Psicologia Escolar e Educacional com a educação das classes populares, o que torna necessário expor a concepção de educação que dá base à posição aqui defendida. A educação que aqui se afirma é uma educação rigorosa e amplamente democrática, que deve ser acessível a todos e que não transige na defesa desse princípio. É concebida como instância social responsável pela tarefa de socialização dos conhecimentos produzidos pela humanidade ao longo de sua história, criando condições para que todos possam ascender do senso-comum aos saberes fundamentados, articulados e sintéticos sobre o mundo. Educação democrática significa, portanto, democratização de saberes; saberes estes que foram historicamente privilégios- na produção e no acesso - das classes dominantes. Para que ela se realize em cada sujeito, é necessário garantir o domínio de recursos necessários para a apreensão do conhecimento, como o domínio da leitura e da escrita, da matemática e de outros recursos próprios da contemporaneidade, como informática e línguas estrangeiras. Isso, entretanto, constitui-se tão somente o ponto de partida, pois são apenas os meios necessários para a aquisição de outros conhecimentos, que devem ser considerados em todas as suas expressões, da filosofia à ciência e às artes, em permanente diálogo com a cultura própria da criança, que deve ser respeitada e considerada no processo de ensino-aprendizagem. Disso decorre uma concepção de prática pedagógica centrada nos processos de ensino e aprendizagem, cuja finalidade é propiciar o desenvolvimento pleno do educando, em todos os aspectos que o constitui como sujeito singular e, ao mesmo tempo, pertencente ao gênero humano. Essa concepção de educação remete ao compromisso com a concretização de políticas públicas de educação radicalmente comprometidas com os interesses das classes populares. Isso significa garantir pleno acesso e condições de permanência de todos os educandos na escola, independentemente de suas condições, cabendo à escola transformar-se para possibilitar-lhes condições efetivas de escolarização; essa questão traduz o princípio de educação inclusiva, que incorpora não só a educação de alunos com deficiência, mas todos aqueles que, por diversos motivos, são alijados da escola e de seus bens. Para isso, faz-se necessário que se construam currículos articulados às finalidades acima expostas, superando os conhecidos "currículos mínimos", geralmente entendidos como paliativos ou educação de segunda categoria para pessoas socialmente consideradas também como tal, com especial atenção aos 36 processos avaliativos, que têm sido um dos meios mais efetivos para a materialização da exclusão de crianças das classes populares ao direito de uma educação de boa qualidade. Esse processo depende também da gestão democrática da escola e, sobretudo, no investimento maciço na formação dos educadores. Cabe, portanto, discutir as possibilidades e limites da Psicologia Escolar e Educacional na construção de políticas públicas de educação comprometidas socialmente com as classes populares; eis aqui a questão relativa às perspectivas colocadas para essa área de conhecimento e campo de atuação. Disso resulta a afirmação de alguns princípios que podem ser expressos a partir das assertivas que seguem. A educação é constituída por múltiplos determinantes, dentre os quais os fatores de ordem psicológica; portanto, a psicologia tem contribuição para a Educação. Fonte: alquimiadavida.org Que seja uma psicologia capaz de compreender o processo ensino- aprendizagem e sua articulação com o desenvolvimento, fundamentada na concreticidade humana (determinações sócio históricas), compreendida a partir das categorias totalidade, contradição, mediação e superação. Deve fornecer categorias teóricas e conceitos que permitam a compreensão dos processos psicológicos que http://alquimiadavida.org/a-intervencao-do-psicologo-escolar-na-parceria-familia-escola/ 37 constituem o sujeito do processo educativo e são necessários para a efetivação da ação pedagógica. A psicologia deve assumir seu lugar como um dos fundamentos da educação e da prática pedagógica, contribuindo para a compreensão dos fatores presentes no processo educativo a partir de mediações teóricas "fortes", com garantia de estabelecimento de relação indissolúvel entre teoria e prática pedagógica cotidiana. Esta psicologia deve propiciar a compreensão do educando a partir da perspectiva de classe e em suas condições concretas de vida, condição necessária para se construir uma prática pedagógica realmente inclusiva e transformadora. A psicologia como um dos fundamentos do processo formativo do educador deve propiciar o reconhecimento do educador/professor como sujeito do processo educativo, traduzindo-se na necessidade de mudanças profundas das políticas de formação inicial e continuada desse protagonista fundamental da educação. Por sua vez, a ação do psicólogo escolar deve pautar-se no domínio do referencial teórico da psicologia necessário à educação, mediatizado necessariamente por conhecimentos que são próprios do campo educativo e das áreas de conhecimento correlatas. O próprio referencial teórico que aqui defendemos implica o trânsito por outros saberes (totalidade). Daí a necessidade de superação das práticas tradicionais do psicólogo escolar, muitas vezes pautadas ainda numa perspectiva, nem sempre consciente ou assumida, de ação clínico-terapêutica. Em outras palavras, afirmamos uma psicologia escolar comprometida radicalmente com a educação das classes populares, que supere o modelo clínico- terapêutico disfarçado e dissimulado ainda presente na representação que o psicólogo tem de sua própria ação, entendendo que a representação e, consequentemente, as expectativas que os demais profissionais da educação têm da psicologia só serão superadas pela própria prática do psicólogo escolar. Mudanças efetivas só ocorrerão a partir do envolvimento do psicólogo com as questões concretas da educação e da prática pedagógica; é necessário superar o preconceito de não querer tornar-se "pedagogo". O psicólogo não é pedagogo, mas se quiser trabalhar com educação terá que mergulhar nessa realidade como alguém que faz parte dela, reconhecendo-se como portador de um conhecimento que pode e deve ser socializado com os demais educadores, tanto no trabalho interdisciplinar, como na formação de educadores, sobretudo professores; que detém um saber que pode contribuir com os processos 38 sócio institucionais da escola; tem um conhecimento específico que pode e deve reconhecer o que é próprio de sua formação profissional, e, ouso afirmar, algumas vezes inclusive de caráter clínico-terapêutico, voltado para casos individuais; possui ou pode desenvolver conhecimentos importantes para a gestão de sistemas e redes de ensino, sobretudo no âmbito de diagnósticos educacionais (avaliação institucional, docente, discente etc.) e na intervenção sobre tais resultados. Os novos paradigmas que estão norteando a Psicologia Escolar brasileira contemporânea e o apelo a uma ética de princípios justos e solidários e a um compromisso social consciente e crítico têm exigido posturas dos profissionais para as quais a formação lúcida e intencional, inicial ou continuada, deva ser constantemente buscada. As contribuições que a Psicologia Escolar pode e deve oferecer à sociedade nesse início de milênio, considerando seus múltiplos e diversificados campos de atuação, devem ter vínculos estreitos com uma postura crítica no interior das instituições educativas, com as transformações ideológicas e éticas que se fazem necessárias no âmbito da Psicologia e da Educação e com a sustentação e consolidação de intervenções coerentes com a natureza social e histórico-cultural dos sujeitos. Conclamam-se os psicólogos escolares a neutralizarem a antiga representação impingida à área, vinculando-a à onipotência da compreensão absoluta e da aceitação total que sustentam práticas equivocadas de “ajuda ao próximo”, no sentido de torná- lo adaptado, ajustado e acomodado ao controle social sutilmente enraizado nas esferas educativas. Em contrapartida, seja a Psicologia Escolar referência na mediação de concepções críticas e dialéticas acerca do homem, do seu desenvolvimento, da sua subjetividade, dos seus processos de aprendizagem e de comunicação; seja referência, ainda, em intervenções que levem em conta a fertilidade de saberes e competências, uma interpretação mais crítica e resignificada historicamente do homem e do mundo e o compromisso com o coletivo, a justiça
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