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1 Khilver Doanne Sousa Soares Diabetes Mellitus Tipo I Pâncreas O pâncreas, além de suas funções digestivas, secreta dois hormônios importantes, insulina e glucagon, cruciais para a regulação normal do metabolismo da glicose, dos lipídios e das proteínas. O pâncreas é formado por dois tipos principais de tecido: (1) os ácinos, que secretam o suco digestivo no duodeno; e (2) as ilhotas de Langerhans, que secretam insulina e glucagon diretamente no sangue. Fonte: GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. O pâncreas humano tem entre 1 e 2 milhões de ilhotas de Langerhans. Cada ilhota tem cerca de 0,3 milímetro de diâmetro e se organiza em torno de pequenos capilares, nos quais suas células secretam seus hormônios. As ilhotas contêm três tipos celulares principais, as células alfa, beta e delta, distinguidas entre si, devido às suas características morfológicas e de coloração. As células beta, que constituem aproximadamente 60% de todas as células das ilhotas, são encontradas sobretudo no centro de cada ilhota e secretam insulina e amilina, hormônio que é, com frequência, secretado em paralelo com a insulina. As células alfa, em torno de 25% do total, secretam glucagon. E as células delta, cerca de 10% do total, secretam somatostatina. As inter-relações estreitas entre esses tipos celulares nas ilhotas de Langerhans possibilitam a comunicação intercelular e o controle direto da secreção de alguns dos hormônios por outros hormônios. Por exemplo, a insulina inibe a secreção de glucagon, a amilina inibe a secreção 2 Khilver Doanne Sousa Soares de insulina, e a somatostatina inibe a secreção tanto de insulina como de glucagon. Insulina A secreção de insulina está associada à abundância de energia. Quando existe grande abundância de alimentos muito energéticos na dieta, em especial quantidades excessivas de carboidratos, a secreção aumenta. Por sua vez, a insulina desempenha um papel importante no armazenamento do excesso de energia. No caso de excesso de carboidratos, a insulina faz com que sejam armazenados sob a forma de glicogênio, principalmente no fígado e nos músculos. Além disso, todo o excesso de carboidrato que não pode ser armazenado na forma de glicogênio é convertido sob o estímulo da insulina em gordura e armazenado no tecido adiposo. No caso das proteínas, a insulina exerce efeito direto na promoção da captação de aminoácidos pelas células e na sua conversão em proteína, além de inibir o catabolismo das proteínas que já se encontram nas células. A insulina é uma proteína pequena. A insulina humana, que tem peso molecular de 5.808, é formada por duas cadeias de aminoácidos conectadas por meio de ligações dissulfeto. Quando as duas cadeias de aminoácidos se separam, a atividade funcional da molécula de insulina desaparece. Fonte: GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. A insulina é sintetizada nas células beta pelo modo usual como as proteínas são sintetizadas. Começando com a tradução do mRNA da insulina por meio dos ribossomos ligados ao retículo endoplasmático para formar uma pré- proinsulina. Essa pré-proinsulina inicial apresenta peso molecular em torno de 11.500, sendo então clivada no retículo endoplasmático, para formar a proinsulina, com peso molecular de aproximadamente 9.000, e consiste em três cadeias de peptídeos, A, B e C. A maior parte da proinsulina é novamente clivada no aparelho de Golgi, para formar insulina composta pelas cadeias A e B, conectadas por ligações dissulfeto e peptídeo cadeia C. Obs.: os níveis de peptídeo C podem ser determinados por radioimunoensaio nos pacientes diabéticos tratados com insulina, para determinar quanto de sua insulina natural ainda está sendo produzida. Obs.: pacientes com diabetes do tipo 1, incapazes de produzir insulina, têm normalmente níveis substancialmente diminuídos de peptídeo C. Quando a insulina é secretada na corrente sanguínea, ela circula quase inteiramente em sua forma livre. Uma vez que a sua meia-vida plasmática é de, aproximadamente, apenas 6 minutos, assim ela é, na sua maior parte, eliminada da circulação dentro de 10 a 15 minutos. Com exceção da porção da insulina que se liga 3 Khilver Doanne Sousa Soares aos receptores nas células-alvo, o restante é degradado pela enzima insulinase, em sua maior parte no fígado e em menor quantidade nos rins e músculos e, menos ainda, na maioria dos outros tecidos. Ligação O receptor de insulina é a combinação de quatro subunidades que se mantêm unidas por meio de ligações dissulfeto: duas subunidades alfa, que se situam inteiramente do lado externo da membrana celular e duas subunidades beta, que penetram através da membrana, projetando- se no citoplasma celular. A insulina se acopla às subunidades alfa do lado externo da célula, mas, devido às ligações com as subunidades beta, as porções das subunidades beta que se projetam para o interior da célula são autofosforiladas. Assim, o receptor de insulina é exemplo de um receptor ligado à enzima. Em segundos depois que a insulina se acopla a seus receptores de membrana, as membranas de cerca de 80% das células do organismo aumentam acentuadamente sua captação de glicose. Isso ocorre, de modo especial, nas células musculares e adiposas, mas não na maioria dos neurônios do encéfalo. Fonte: GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. Um dos mais importantes de todos os efeitos da insulina é fazer com que a maioria da glicose absorvida após uma refeição seja armazenada rapidamente no fígado sob a forma de glicogênio. Então, entre as refeições, quando o alimento não está disponível e a concentração de glicose sanguínea começa a cair, a secreção de insulina diminui rapidamente, e o glicogênio hepático é de novo convertido em glicose, que é liberada de volta ao sangue, para impedir que a concentração de glicose caia a níveis muito baixos. Obs.: a insulina causa aumento da captação de glicose do sangue pelas células hepáticas mediante aumento da atividade da enzima glicocinase, uma das enzimas que provocam a fosforilação inicial da glicose, depois que ela se difunde pelas células hepáticas. Depois de fosforilada, a glicose é temporariamente retida nas células hepáticas porque a glicose fosforilada não pode se difundir de volta, através da membrana celular. Diabetes Mellitus tipo 1 Epidemiologia O diabetes melito (DM) engloba um grupo heterogêneo de afecções que têm em comum a hiperglicemia, que resulta de defeitos na secreção ou na ação da insulina. Em 2013, a International Diabetes Federation estimou em 382 milhões o número de diabéticos em todo o mundo, valor equivalente a 8,3% da população mundial. Para 2035, prevê-se um incremento de 55% no número de pessoas acometidas, que deverá atingir a impressionante cifra de 592 milhões. No Brasil, o número de diabéticos é da ordem de 12 milhões, registrando-se, nos últimos anos, expressivo aumento da prevalência da afecção, inclusive entre os jovens. Entre os fatores responsáveis por esse aumento, destacam-se os desvios alimentares e a opção por estilo de vida mais sedentário. Diagnóstico De acordo com a American Diabetes Association (2010), o diagnóstico da DM se baseia nos seguintes fatores: 4 Khilver Doanne Sousa Soares Valor aleatório da glicemia igual ou superior a 200 mg/dL, associado a manifestações clínicas; Glicemia de jejum igual ou superior a 126 mg/dL, em mais de uma dosagem; Glicemia superior a 200 mg/dL 2 horas após a administração, por via oral, de solução padrão de carboidrato (75g de glicose anidra, equivalente a 82,5 g de dextrosol); Nível sérico de glico-hemoglobina (HbA1c) igual ou superior a 6,5%. Obs.: para os pacientes com glicemia de jejum de 100 mg/dL a 125 mg/dL e glicemiapós-prandial de 140 mg/dL a 199 mg/dL, criaram-se as expressões glicemia de jejum alterada e tolerância à glicose diminuída, respectivamente. Ambas as condições são referidas como pré-diabetes. Fisiopatologia Em mais de 90% dos casos, trata-se de doença autoimune, fruto da interação entre suscetibilidade genética e fatores ambientais. A afecção resulta da destruição das ilhotas pancreáticas por células do sistema imunitário que reagem contra antígenos endógenos das células β. Em aproximadamente 10% dos pacientes com DM tipo 1, coexistem outras afecções autoimunes, como tireoidite de Hashimoto, doença de Graves, miastenia gravis, doença de Addison e anemia perniciosa. Por ocasião do diagnóstico, a maioria dos pacientes possui anticorpos circulantes contra: (a) células das ilhotas; (b) insulina; (c) descarboxilase do ácido glutâmico; (d) tirosina fosfatase; (e) agente transportador de zinco T8 (codificado pelo gene SLC 30A8). A homeostase da glicose é regulada por três processos inter-relacionados: (a) produção de glicose no fígado; (b) captação da glicose e sua utilização pelas células, particularmente nos músculos estriados; (c) ação da insulina e dos hormônios contrarreguladores, entre os quais se destaca o glucagon. Em jejum, baixos níveis de insulina e níveis elevados de glucagon favorecem a gliconeogênese hepática e a glicogenólise, de modo a prevenir a hipoglicemia. Após as refeições, ocorre o inverso, ou seja, aumento da insulinemia e decréscimo dos níveis de glucagon, estimulando a captação da glicose e a sua utilização pelas células, além da restauração dos estoques de glicogênio. Após estímulos fisiológicos, as células β das ilhotas pancreáticas secretam não apenas a insulina como também o peptídeo C, em quantidades equimoleculares. A dosagem sérica do peptídeo C tem importância prática na medida em que não se altera na presença de anticorpos anti-insulina, de modo a refletir, melhor do que a própria insulina, a atividade secretória das células β. Reconhecida como o mais potente entre os hormônios anabolizantes, a insulina promove a captação e a utilização da glicose, em especial pelas células musculares estriadas, incluídos os miocardiócitos, e pelos adipócitos, com geração de energia; induz, também, a síntese proteica e o armazenamento de lipídeos neutros. Ademais, a insulina tem função mitogênica por estimular a síntese de DNA, a multiplicação e a diferenciação de algumas células. A ação da insulina inicia-se pela ligação com o seu receptor nas células, o qual é formado por duas unidades alfa e duas unidades beta. Após ligação com o agonista, ocorre autofosforilação da subunidade beta (intracelular) do receptor, que se torna capaz de fosforilar outras proteínas citosólicas, particularmente o IRS (substrato do receptor da insulina, com quatro tipos) e a CBL (proteína que atua no transporte da GLUT4 para a membrana). 5 Khilver Doanne Sousa Soares Fonte: FILHO, Geraldo Brasileiro. et. al. Bogliolo Patologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. Ações da insulina nas células. Quando a insulina se liga ao seu receptor, a subunidade B deste sofre autofosforilação e cria um sítio para ligação ao substrato do receptor de insulina (IRS), o qual se torna fosforilado no resíduo tirosina e ativa a PI3K (fosfatidilinositol-3-cinase), que fosforila o fosfatidilinositol bifosfato (PIP2) em fosfatidilinositol trifosfato (PIP3). PIP3 ativa a AKT2 (proteína cinase B – PKB) e a PKC. AKT2 e PKC promovem a transloção da proteína transportadora de glicose 4 (GLUT4) para a membrana citoplasmática, a qual possibilita a entrada de glicose nas células. Além de atuar na entrada de glicose nas células e na síntese de glicogênio, lipídeos e proteínas, a ativação de AKT2 e PKC induz vias metabólicas diversas que resultam em muitos outros efeitos (expressão de vários genes, proliferação e diferenciação celulares etc.). Entre os fatores ambientais possivelmente envolvidos, destacam-se infecções virais, que podem funcionar como gatilho para a destruição das células β. No entanto, não se conhece o(s) vírus implicado(s). Os mecanismos propostos são: Produção, pelos vírus, de proteínas que mimetizam antígenos das células β, com reação cruzada e agressão às células do hospedeiro; Infecção viral precoce, seguida de reinfecção por vírus relacionado que, compartilhando com o primeiro certos epítopos, desencadeariam resposta imunitária contra as células das ilhotas infectadas, configurando uma espécie de déjà vu viral e explicando o período de latência entre a infecção inicial e o desenvolvimento de DM tipo 1; Lesão das ilhotas, seguida de processo inflamatório com liberação de antígenos sequestrados de células β e ativação de células T autorreativas. Embora as manifestações da DM tipo 1 surjam abruptamente, o processo autoimune se inicia muitos anos antes. Hiperglicemia e cetose ocorrem tardiamente quando já se tem cerca de 90% da destruição das células β. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ REFERÊNCIAS FILHO, Geraldo Brasileiro. et. al. Bogliolo Patologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
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