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1 Khilver Doanne Sousa Soares Refluxo Gastroesofágico - RGE Esôfago O esôfago é um tubo muscular colabável de aproximadamente 25 cm de comprimento que se encontra posteriormente à traqueia. O esôfago começa na extremidade inferior da parte laríngea da faringe, passa pelo aspecto inferior do pescoço, e entra no mediastino anteriormente à coluna vertebral. Em seguida, perfura o diafragma através de uma abertura chamada hiato esofágico e termina na parte superior do estômago. Às vezes, uma parte do estômago se projeta acima do diafragma através do hiato esofágico. Fonte: TORTORA, Gerard J.; DERRICKSON, Bryan. Parede do esôfago em aumento de 20x. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. Histologia. A túnica mucosa do esôfago consiste em epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado, lâmina própria (tecido conjuntivo areolar) e lâmina muscular da mucosa (músculo liso). Próximo ao estômago, a túnica mucosa do esôfago também contém glândulas mucosas. O epitélio escamoso estratificado associado aos lábios, boca, língua, parte oral da faringe, laringe e esôfago confere proteção considerável contra a abrasão e desgaste de partículas de alimento que são mastigadas, misturadas com secreções e deglutidas. A tela submucosa contém tecido conjuntivo areolar, vasos sanguíneos e glândulas mucosas. A túnica muscular do terço superior do esôfago é de músculo esquelético, o terço intermediário é de músculo esquelético e liso, e o terço inferior é de músculo liso. Em cada extremidade do esôfago, a túnica muscular se 2 Khilver Doanne Sousa Soares torna ligeiramente mais proeminente e forma dois esfíncteres – o esfíncter esofágico superior (EES), que consiste em músculo esquelético, e o esfíncter esofágico inferior (EEI), que consiste em músculo liso e está próximo do coração. O esfíncter esofágico superior controla a circulação de alimentos da faringe para o esôfago; o esfíncter esofágico inferior regula o movimento dos alimentos do esôfago para o estômago. A camada superficial do esôfago é conhecida como túnica adventícia, em vez de túnica serosa como no estômago e nos intestinos, porque o tecido conjuntivo areolar desta camada não é recoberto por mesotélio e porque o tecido conjuntivo funde- se ao tecido conjuntivo das estruturas circundantes do mediastino, através do qual ele passa. A túnica adventícia insere o esôfago às estruturas adjacentes. Obs.: o esôfago secreta muco e transporta os alimentos para o estômago; ele não produz enzimas digestórias nem realiza absorção. Fonte: TORTORA, Gerard J.; DERRICKSON, Bryan. Durante a fase faríngea (B) a língua sobe contra o palato, a parte nasal da faringe é fechada, a laringe sobe, a epiglote veda a laringe e o bolo alimentar é passado para o esôfago. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. Deglutição. O movimento do alimento da boca para o estômago é alcançado pelo ato de engolir, ou deglutição. A deglutição é facilitada pela secreção de saliva e muco e envolve a boca, a faringe e o esôfago. A deglutição ocorre em três fases: (1) a fase voluntária, em que o bolo alimentar é passado para a parte oral da faringe; (2) a fase faríngea, a passagem involuntária do bolo alimentar pela faringe até o esôfago; e (3) a fase esofágica, a passagem involuntária do bolo alimentar através do esôfago até o estômago. A deglutição é iniciada quando o bolo alimentar é forçado para a parte posterior da cavidade oral e pelo movimento da língua para cima e para trás contra o palato; essas ações constituem a fase voluntária da deglutição. Com a passagem do bolo alimentar para a parte oral da faringe, começa a fase faríngea involuntária da deglutição. O bolo alimentar estimula os receptores da parte oral da faringe, que enviam impulsos para o centro da deglutição no bulbo e parte inferior da ponte do tronco encefálico. Os impulsos que retornam fazem com que o palato mole e a úvula se movam para cima para fechar a parte nasal da faringe, o que impede que os alimentos e líquidos ingeridos entrem na cavidade nasal. Além disso, a epiglote fecha a abertura da laringe, o que impede que o bolo alimentar entre no restante do trato respiratório. O bolo alimentar se move pelas partes oral e laríngea da faringe. Quando o esfíncter esofágico superior relaxa, o bolo alimentar se move para o esôfago. 3 Khilver Doanne Sousa Soares Fonte: TORTORA, Gerard J.; DERRICKSON, Bryan. Durante a fase esofágica (C), o alimento se move ao longo do esôfago até o estômago via peristaltismo. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. A fase esofágica da deglutição começa quando o bolo alimentar entra no esôfago. Durante esta fase, o peristaltismo, uma progressão de contrações e relaxamentos coordenados das camadas circular e longitudinal da túnica muscular, empurra o bolo alimentar para a frente (o peristaltismo ocorre em outras estruturas tubulares, incluindo outras partes do canal alimentar e ureteres, ductos biliares e tubas uterinas; no esôfago é controlado pelo bulbo). I. Na seção do esôfago imediatamente superior ao bolo alimentar, as fibras musculares circulares se contraem comprimindo a parede esofágica e comprimindo o bolo alimentar em direção ao estômago; II. As fibras longitudinais inferiores ao bolo alimentar também se contraem, o que encurta esta seção inferior e empurra suas paredes para fora para que possam receber o bolo alimentar. As contrações são repetidas em ondas que empurram o alimento em direção ao estômago. Os passos 1 e 2 se repetem até que o bolo alimentar alcança os músculos do esfíncter esofágico inferior; III. O esfíncter esofágico inferior relaxa e o bolo alimentar se move para o estômago. O muco produzido pelas glândulas esofágicas lubrifica o bolo alimentar e reduz o atrito. A passagem do alimento sólido ou semissólido da boca ao estômago leva de 4 a 8 s; alimentos muito moles e líquidos passam em aproximadamente 1 s. Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) se desenvolve quando o refluxo de conteúdos estomacais no esôfago provoca sintomas complicados ou que incomodam. O esôfago é protegido dos efeitos nocivos dos conteúdos gástricos refluídos pela barreira antirrefluxo na junção gastroesofágica, pelos mecanismos de liberação esofágica e pelos 4 Khilver Doanne Sousa Soares fatores defensivos epiteliais. A barreira antirrefluxo é formada pelo esfíncter esofágico, diafragma crural, ligamento frenoesofágico e ângulo de His, que causa uma entrada oblíqua do esôfago no estômago. A fixação do esfíncter esofágico inferior no diafragma crural resulta no aumento de pressão durante a inspiração e quando a pressão intra-abdominal aumenta. O rompimento dos mecanismos de defesa normais causa quantidades patológicas de refluxo. O refluxo de conteúdos gástricos do estômago para o esôfago ocorre em indivíduos saudáveis, mas os conteúdos gástricos refluídos normalmente são liberados em um processo de dois passos: limpeza do volume por função peristáltica e neutralização de pequenas quantidades de ácido residual por saliva levemente alcalina deglutida. Em indivíduos saudáveis, o refluxo fisiológico ocorre principalmente quando o esfíncter esofágico inferior relaxa temporariamente na ausência de deglutição devido ao reflexo mediado vagalmente que é estimulado pela distensão gástrica. Em pacientes com DRGE, o relaxamento temporário do esfíncter esofágico inferior ou da pressão do esfíncter esofágico inferior em descanso pode resultar em regurgitação, principalmente quando a pressão intra-abdominal aumenta. A hérnia hiatal, que resulta em separação espacial entre os efeitos aumentados do diafragma crural e do esfíncter esofágico interior, predispõe aos eventos refluídos ao ampliar a abertura da junção gastroesofágica ediminuir a pressão do esfíncter esofágico inferior. O resultado é um aumento da exposição do esôfago ao ácido, com aumento dos episódios de refluxo durante o relaxamento fisiológico transitório do esfíncter esofágico inferior. As hérnias também atuam como reservatório de conteúdos gástricos quando os mecanismos de liberação esofágica normal resultam em aprisionamento dos líquidos no saco herniário. Esses conteúdos podem causar refluxo no esôfago quando o esfíncter esofágico inferior relaxa durante a deglutição subsequente. A obesidade resulta em aumento da pressão intragástrica, que aumenta o gradiente de pressão gastroesofágico e a frequência de relaxamento do esfíncter esofágico inferior transitório, predispondo, assim, os conteúdos gástricos a uma migração para o esôfago. Além disso, a obesidade aumenta a separação espacial do diafragma crural e do esfíncter esofágico inferior, predispondo, assim, indivíduos obesos à hérnia hiatal. Fonte: Site iGrastroProcto. Hérnia de Hiato. https://www.igastroprocto.com.br/hernia-de-hiato/. Acesso em: 12/07/2021. A mucosa esofágica contém várias linhas de defesa. A barreira pré- epitelial é composta por uma camada aquosa não agitada, associada ao bicarbonato da saliva deglutida e das secreções das glândulas submucosas. Uma segunda defesa epitelial é composta por membranas celulares e junções intercelulares apertadas, tampões intercelulares e celulares, e transportadores de íons de membrana celular. A linha pós-epitelial de defesa é composta pelo suprimento sanguíneo do esôfago. As pepsinas acidificadas e ácidos do refluxo são os principais fatores que danificam as junções intercelulares, aumentam a permeabilidade intracelular e dilatam os espaços intercelulares. Se quantidades suficientes de refluxo se difundirem nos espaços intercelulares, podem ocorrer danos celulares. Sinais e sintomas de DRGE ocorrem quando o epitélio defeituoso entra em contato com o ácido refluído, pepsina ou outros conteúdos gástricos nocivos. Além dos efeitos nocivos do ácido, pepsina e bile refluídos, https://www.igastroprocto.com.br/hernia-de-hiato/ 5 Khilver Doanne Sousa Soares o suco gástrico refluído estimula as células epiteliais esofágicas a secretarem quimiocinas que atraem as células inflamatórias para o esôfago e, assim, danificam a mucosa esofágica. Manifestações Clínicas. Os sintomas clássicos da DRGE são pirose e regurgitação acídica; os sintomas atípicos incluem dor torácica, disfagia e odinofagia. As manifestações extraesofágicas do refluxo podem incluir tosse, laringite, asma e erosões dentárias, mas esses sintomas podem ser atribuídos ao refluxo apenas se vierem acompanhados de sinais e sintomas clássicos de doença do refluxo. Quando os conteúdos gástricos superam os fatores protetores da mucosa no esôfago, a esofagite pode se manifestar como erosões ou ulcerações do esôfago e pode causar fibrose com constrição, metaplasia colunar (esôfago de Barrett) ou adenocarcinoma esofágico. Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Classificação de Montreal da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). (De Vakil N, van Zanten S, Kahrilas P, et al. The Montreal definition and classification of gastroesophageal reflux disease: a global evidence- based consensus. Am J Gastroenterol. 2006; 101:1900-1920). Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Diagnóstico. Quando a DRGE se apresenta com sinais e sintomas típicos, como pirose e regurgitação ácida, que respondem à terapia antissecretora, nenhuma avaliação diagnóstica é necessária. A endoscopia diagnóstica é necessária em indivíduos que não conseguem responder à terapia ou que têm sinais e sintomas alarmantes, como disfagia, perda de peso, anemia, sangramento gastrointestinal ou pirose persistente. A endoscopia permite a detecção de esofagite erosiva e complicações, tais como constrição péptica e esôfago de Barrett. A biópsia da mucosa, que é crucial nestes casos, também exclui condições que imitam a DRGE, como esofagite eosinofílica. Doença do Refluxo Gastroesofágico em Lactentes A doença do refluxo gastresofágico (DRGE) é o distúrbio esofágico mais comum em crianças de todas as idades. O refluxo gastroesofágico (RGE) significa o movimento retrógrado do conteúdo gástrico através do esfíncter esofágico inferior (EEI) para o interior do esôfago, que ocorre fisiologicamente todos os dias em todos os lactentes, crianças mais velhas e adultos. O RGE fisiológico é exemplificado pela regurgitação sem esforço dos lactentes normais. O fenômeno se torna DRGE patológica em lactentes e crianças que manifestam ou relatam sintomas perturbadores em virtude da frequência ou persistente RGE, produzindo sintomas 6 Khilver Doanne Sousa Soares relacionados à esofagite ou a quadros extraesofágicos, como sintomas respiratórios ou efeitos nutricionais. Os fatores determinantes das manifestações esofágicas de refluxo incluem a duração da exposição esofágica (um resultado da frequência e duração dos episódios de refluxo), a causticidade do material do refluxo e a suscetibilidade do esôfago aos danos. O EEI, definido como uma zona de alta pressão pela manometria, é sustentado pela crura diafragmática na junção gastroesofágica, juntamente com as funções tipo válvula da anatomia da junção gastroesofágica, formando a barreira antirrefluxo. Mesmo no contexto dos aumentos normais da pressão intra-abdominal que ocorrem durante a vida cotidiana, a frequência dos episódios de refluxo é aumentada pelo tônus insuficiente do EEI, pela frequência anormal de relaxamentos do EEI e pela ocorrência de hérnia de hiato, o que evita que a pressão do EEI seja aumentada proporcionalmente pela crura durante a contração abdominal. Os aumentos normais da pressão intra-abdominal podem ser exacerbados por esforços adicionais de contração ou respiratórios. A duração dos episódios de refluxo é aumentada pela ausência de deglutição (p. ex., durante o sono) e pelo defeito na peristalse esofágica. Seguem-se ciclos viciosos, pois a esofagite crônica produz a disfunção peristáltica do esôfago (ondas de baixa amplitude, distúrbios de propagação), tônus do EEI diminuído e encurtamento inflamatório do esôfago que induz hérnia de hiato, todos esses fatores agravando o refluxo. O relaxamento transitório do EEI (RTEEI) é o mecanismo primário que permite a ocorrência do refluxo e é definido como o relaxamento simultâneo do EEI e da crura adjacente. Discute-se se a DRGE é causada por uma frequência mais elevada de RTEEIs ou por uma maior incidência de refluxo durante os RTEEIs; ambas podem ser prováveis em diferentes indivíduos. O esforço durante um RTEEI torna o refluxo mais provável, assim como posições que colocam a junção gastroesofágica abaixo da interface hidroaérea no estômago. Outros fatores que influenciam a dinâmica pressão-volume gástrico, como aumento no movimento, esforço, obesidade, refeições de grande volume ou hiperosmolares, gastroparesia, uma grande hérnia de hiato por deslizamento e o esforço respiratório aumentado (tosse, sibilo), podem apresentar o mesmo efeito. Manifestações Clínicas. O refluxo infantil manifesta-se mais frequentemente com regurgitação (especialmente pós-prandial), sinais de esofagite (irritabilidade, arqueamento, sufocamento, engasgo, aversão alimentar) e retardo do crescimento resultante; os sintomas se resolvem espontaneamente na maioria dos lactentes até os 12-24 meses. Crianças mais velhas podem apresentar regurgitação durante os anos pré- escolares; essa queixa diminuiu um pouco à medida que as crianças crescem, e queixas de dor abdominal e torácica ocorrem no final da infância e adolescência. Ocasionalmente, as crianças se apresentam com recusa alimentar ou torções cervicais (arqueamento, rotação da cabeça) designada síndrome de Sandifer. As apresentações respiratórias também dependem da idade: a DRGE em lactentes pode semanifestar como apneia obstrutiva ou estridor ou doença das vias aéreas inferiores, em que o refluxo complica doença primária das vias aéreas, como laringomalácia ou displasia broncopulmonar. Otite média, sinusite, hiperplasia linfoide, rouquidão, nódulos nas cordas vocais e edema laríngeo estão associados à DRGE. As manifestações nas vias aéreas em crianças mais velhas são mais comumente relacionadas a asma ou doença otorrinolaringológica, como laringite ou sinusite. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ 7 Khilver Doanne Sousa Soares _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ REFERÊNCIAS KLIEGMAN, Robert M. et. al. Nelson Tratado de Pediatria. 20. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018. GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. TORTORA, Gerard J.; DERRICKSON, Bryan. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
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