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RESPONSABILIDADE CIVIL Amanda Muniz Oliveira Culpa lato sensu: dolo e culpa (negligência, imprudência e imperícia) Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar dolo de culpa. Relacionar os elementos da culpa aos do dolo. Analisar as espécies de culpa. Introdução Podemos entender a responsabilidade civil como o dever de reparar um dano decorrente de ação ou omissão praticada por alguém, gerando prejuízo a outras pessoas. Os prejuízos podem ser materiais, relativos aos bens do indivíduo, ou morais, provocando impactos psicológicos na pessoa. Os arts. 186 e 187 do Código Civil (REALE, 2003) nomeiam tais ações ou omissões como ato ilícito e o art. 927 estabelece que, uma vez praticado ato ilícito, o seu agente tem o dever de reparar o indivíduo prejudicado. Mais uma vez, o dever de reparar é o que chamamos de responsabilidade civil. A responsabilidade civil é formada por três elementos essenciais: a conduta humana, que é de ação ou de omissão, o dano, ou seja, o prejuízo efetivamente causado a alguém, e o nexo de causalidade entre os dois, visto que o dano só ocorre em virtude da ação ou da omissão de uma pessoa. Ainda que a pessoa não tenha culpa (em sentido amplo), ela poderá ter o dever de reparar o dano causado, ato que acontecerá por meio da responsabilidade civil objetiva, conforme os casos expressos em lei. Nos demais casos, a culpa deve ser considerada para que o indivíduo tenha o dever de reparar o prejuízo por ele causado. Necessita-se analisar se ele agiu com dolo ou com culpa em sentido estrito. Trata-se da responsabilidade civil subjetiva, que depende diretamente da intenção do agente. C10_Culpa_lato_sensu.indd 1 19/04/2018 17:43:09 Neste capítulo, estudaremos um importante elemento da responsa- bilidade civil subjetiva: a culpa em sentido amplo, que se divide em dolo e culpa em sentido estrito, expressa por negligência, imprudência e imperícia. Você aprenderá a diferenciar dolo de culpa em sentido estrito, quais são os seus elementos e como eles se relacionam entre si, além de reconhecer as espécies de culpa em sentido estrito. Diferença entre dolo e culpa em sentido estrito Para que uma pessoa seja responsabilizada por ação ou por omissão geradora de prejuízo a outra, é preciso verifi car se a sua conduta foi culposa (em sentido amplo). Cavalieri Filho (2012) explica que nem todas as condutas humanas acarretam dever de indenizar. Para que haja indenização, o sujeito prejudicado deve comprovar a culpa do agente. A culpa é todo o comportamento ativo ou omissivo contrário às normas jurídicas, intencional ou não. É importante mencionarmos que o comporta- mento deve ser voluntário, ou seja, a pessoa precisa agir por vontade própria. A intenção, por sua vez, diz respeito ao desejo de prejudicar outra pessoa. Imaginemos a seguinte situação: após beber algumas taças de vinho, João decide dirigir o carro dos seus pais. Por descuido, causa um acidente no qual fere Maria, uma pedestre, deixando-a com uma perna quebrada. João não tinha a intenção de machucar Maria, mas assumiu o valente do carro embriagado por vontade própria, posto que ninguém o obrigou a isso. Portanto, não confundamos a conduta livre (vontade de agir) com a intenção de causar prejuízo (desejo de causar dano). Se há vontade de fazer mal a outra pessoa, verifica-se o dolo. Se o malefício não é desejado pelo indivíduo causador do dano, tem-se a culpa em sentido estrito, como no caso de João. Dessa forma, é possível conceituar dolo como a conduta humana voluntária ativa ou omissa que objetiva causar dano a alguém. Já a culpa em sentido estrito é a “[…] conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 36). Portanto, a culpa se relaciona à falta de zelo do sujeito que pratica a conduta. Culpa lato sensu: dolo e culpa (negligência, imprudência e imperícia)2 C10_Culpa_lato_sensu.indd 2 19/04/2018 17:43:10 No Direito Civil, a distinção entre culpa e dolo não altera necessariamente o valor da indenização a ser paga pelo agente. Tendo ou não a intenção de causar prejuízo a outrem, a indenização será medida pela extensão do dano efetivamente causado, conforme determinado no art. 944 do Código Civil (REALE, 2003). Para você compreender melhor a indenização no Direito Civil, consideremos os se- guintes exemplos: Exemplo 1: João atira intencionalmente com uma arma de fogo em Maria na intenção de matá-la, mas erra todos os tiros, de forma que Maria continua viva e sem ferimentos. Exemplo 2: durante uma caça a um javali selvagem, José mira o animal, mas, sem querer, atinge um guarda florestal que trabalha no local, deixando-o gravemente ferido. Horas depois, o guarda falece. Supondo que os dois casos sejam levados a julgamento na esfera cível, é possível inferir que José será condenado a pagar uma indenização de valor considerável, pois, mesmo que ausente a intenção (dolo), a sua ação gerou grande prejuízo (morte). Em contrapartida, João poderá ser condenado a pagar uma indenização de menor valor, pois, embora tenha intencionado assassinar Maria, não o fez. Dependendo das circunstâncias, seria possível argumentar que Maria sofreu danos morais relativos ao susto, mas, como a sua vida foi preservada, certamente o valor da indenização de João será menor que o valor relativo a José. Lembre-se: se os casos chegassem à esfera penal, o resultado seria diferente, pois a condenação leva em consideração o elemento subjetivo, ou seja, a intenção. Contudo, no Direito Civil, o juiz considera a gravidade do dano sofrido pela vítima, não a intenção do agente. Todavia, caso o agente não aja com dolo, o juiz pode reduzir o valor da indenização se a gravidade da culpa (em sentido estrito) e o dano causado forem desproporcionais, de acordo com o art. 944, parágrafo único, do Código Civil (REALE, 2003). Conforme Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 128), “[...] é o caso, por exemplo, de o magistrado constatar que o infrator não teve intenção de lesionar, embora haja causado dano considerável”. No exemplo supracitado de José, o juiz pode considerar a intenção dele e diminuir o valor da indenização devida. No Direito Civil, a culpa em sentido estrito só se configura como ato ilícito quando há efetivo prejuízo a outras pessoas. Se não advirem dano efetivos da conduta culposa (em sentido estrito), não haverá responsabilidade civil. Cavalieri Filho (2012) afirma que a semelhança entre dolo e culpa em sentido estrito está na conduta voluntária do indivíduo. A diferença, porém, é de que, no dolo, a conduta é ilícita desde a origem, pois é pensada e executada 3Culpa lato sensu: dolo e culpa (negligência, imprudência e imperícia) C10_Culpa_lato_sensu.indd 3 19/04/2018 17:43:10 com o objetivo de causar mal. Na culpa em sentido estrito, a conduta é lícita, mas torna-se ilícita quando provoca um resultado prejudicial em função da falta de atenção. Elementos da culpa em sentido estrito e do dolo A grande diferença entre culpa em sentido estrito e dolo é a intenção do agente. Além dessa diferença central, é precisamos compreender quais são os elementos constituintes de cada um. Para isso, comecemos pelo dolo. Segundo Cavalieri Filho (2012), o dolo é caracterizado pela previsão do resultado desejado e pela consciência de que tal resultado é ilícito. A culpa em sentido estrito, por sua vez, elementa-se por: “[…] a) conduta voluntária com resultado involuntário; b) previsão ou previsibilidade; e c) falta de cuidado, cautela, diligência ou atenção” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 36). Entendido isso, passamos ao estudo de cada um desses elementos. Conduta voluntária com resultado involuntário Esse elemento está diretamente relacionado ao dever de cuidado objetivo, segundo o qual é preciso que as pessoas ajam de forma cuidadosa para que as suasatitudes não gerem danos a outros indivíduos. Esse dever diz respeito à avaliação individual do sujeito sobre a sua conduta e às aptidões físicas, psíquicas e técnicas para realizar determinada atividade. Assim, por exemplo, antes de uma cirurgia médica, o professional deve avaliar se o procedimento é necessário (razoável e seguro) e se ele próprio dispõe dos requisitos necessários para realizá-lo, ou seja, se é a sua área de especiali- zação, se está sóbrio ou fi sicamente capaz de executá-lo, etc. De acordo com Cavalieri Filho (2012, p. 34): […] a inobservância desse dever de cuidado torna a conduta culposa - o que evidencia que a culpa é, na verdade, uma conduta deficiente, quer decorrente de uma deficiência da vontade, quer de inaptidões ou deficiências próprias ou naturais. Portanto, podemos afirmar que, na culpa em sentido estrito, verifica-se um erro de conduta. Assim, a pessoa deseja agir de forma lícita, sem causar danos, mas por um descuido prejudica terceiros. O descuido deve ser avaliado Culpa lato sensu: dolo e culpa (negligência, imprudência e imperícia)4 C10_Culpa_lato_sensu.indd 4 19/04/2018 17:43:10 conforme os limites jurídicos expressos, como o limite de velocidade máximo estabelecido em uma rodovia. É impossível que o Direito regule todas as atividades humanas, de forma que cabe ao juiz no caso concreto avaliar se os cuidados do agente são passíveis de exigência, ou não. Para melhor ilustrar o que apontamos, imaginemos que Maria está dirigindo a 120 km/h em uma rodovia urbanizada na qual a velocidade máxima é 80 km/h. É explícito que o dever de cuidado não está sendo observado e, se um acidente for causado, ela será civilmente responsabilizada. Uma situação diferente se dá se Maria, dirigindo a 70 km/h em uma rodovia urbanizada cujo limite de velocidade é 80 km/h, atinge um cavalo que aparece repentinamente na pista. Caso o carro esteja em boas condições, a velocidade dentro do limite legal estabelecido, a aparição de animais não seja comum na pista e a motorista habilitada esteja em perfeitas condições físicas e psíquicas, não há motivo para considerar culpa, pois o dever de cuidado foi respeitado. Previsão ou previsibilidade A conduta culposa praticada pelo agente não intenciona um resultado ilícito. Todavia, isso não signifi ca que o indivíduo não saiba que o dano pode acontecer. Em outras palavras, para que se confi gure a culpa em sentido estrito, é preciso que o dano causado pelo agente seja passível de previsão. Essa previsibilidade não pode ser genérica, senão específi ca e baseada nas circunstâncias de ação. Por exemplo, é razoável imaginar que um acidente de trânsito possa suceder quando se ultrapassa o limite de velocidade estabelecido. No entanto, não é aceitável imaginar que um acidente de trânsito sobrevirá apenas por se dirigir em um contexto casual. Logo, a previsão se relaciona ao fato de que o agente sabe que pode evitar prejuízos ao agir cautelosamente e, ainda assim, ignora tal fato, agindo com descuido. Cavalieri Filho (2012) argumenta que a previsibilidade deve considerar um aspecto objetivo, passível de se exigir de qualquer pessoa comum, e um aspecto subjetivo, baseado nas características individuais do sujeito, como sexo, idade, formação, etc. Não sendo possível prever o dano, configurar-se-á caso fortuito ou força maior. 5Culpa lato sensu: dolo e culpa (negligência, imprudência e imperícia) C10_Culpa_lato_sensu.indd 5 19/04/2018 17:43:11 O caso fortuito ou a força maior estão elencados no art. 393 do Código Civil (REALE, 2003) e compreendem acontecimentos que fogem à noção de culpa. Eles se referem a acontecimentos extraordinários, imprevisíveis, que independem da vontade dos sujeitos e causam danos embora todos os cuidados tenham sido tomados para evitá-los. Por exemplo: durante uma tempestade, a queda de um raio provoca curto-circuito em aparelhos domésticos. Ainda que a companhia elétrica local tenha tomado as medidas de proteção relativas ao acontecimento, haverá caso fortuito/força maior. Falta de cuidado Quando falamos em dano oriundo de conduta culposa, referimo-nos à falta de zelo na conduta. A falta de atenção por parte do agente pode se manifestar de três formas: Imprudência — falta de cuidado na ação. O indivíduo expõe outras pessoas ao perigo de forma desnecessária, como um motorista que dirige alcoolizado, por exemplo. Negligência — refere-se à omissão. Por não agir, o agente causa um dano que poderia ser evitado caso houvesse agido. Um exemplo é o motorista que se recusa a trocar os faróis quebrados e dirige durante a noite. Imperícia — decorre da falta de habilidade técnica ou científica para executar a ação. É o caso do motorista não habilitado que provoca um acidente. Ainda que não haja intenção de causar um acidente, caso outra pessoa sofra danos pela sua conduta, você poderá ser civilmente responsabilizado caso tenha agido com imprudência, negligência ou imperícia. Culpa lato sensu: dolo e culpa (negligência, imprudência e imperícia)6 C10_Culpa_lato_sensu.indd 6 19/04/2018 17:43:11 Espécies de culpa A culpa em sentido estrito se manifesta mediante: imprudência, que é a exposição desnecessária ao perigo; negligência, ou seja, omissão de um dever de cuidado; imperícia, representada pela falta de técnica para desempenhar certa atividade. Além disso, a culpa pode ser classificada com base em quatro aspectos: gravidade, que pode ser grave, leve e levíssima; dever violado, seja ele contratual ou extracontratual; modo de prova, que é a culpa presumida ou a culpa contra a legalidade; conduta da vítima, que é a culpa concorrente. Culpa grave, leve e levíssima Para Cavalieri Filho (2012), a culpa grave é oriunda da extrema falta de cau- tela. Também conhecida como culpa consciente, a sua caracterização ocorre quando o agente possui excesso de segurança e acredita realmente que não causará dano a ninguém mesmo agindo com grosseiro descuido. Um exemplo é o motociclista que pilota uma moto, ultrapassa todos os sinais vermelhos no caminho e, ainda assim, acredita que não causará acidente algum. A culpa leve decorre da falta de atenção esperada de um sujeito padrão. Por exemplo, o sujeito que deixa uma criança brincar com palitos de fósforos. Já a culpa levíssima se origina da falta de atenção extraordinária, exigida de um indivíduo com habilidades próprias para tanto. Imaginemos que um sujeito cause uma explosão ao trocar um botijão de gás, pois não viu que a mangueira usada na conexão estava com o prazo de validade vencido. Culpa contratual e extracontratual A culpa pode decorrer tanto da violação de um dever estabelecido em con- trato particular, confi gurando a culpa contratual, como da violação de regras 7Culpa lato sensu: dolo e culpa (negligência, imprudência e imperícia) C10_Culpa_lato_sensu.indd 7 19/04/2018 17:43:11 jurídicas específi cas ou genéricas, como o dever de cuidado. Essa última é a culpa extracontratual, também chamada de aquiliana. Culpa presumida e culpa contra a legalidade A culpa presumida provém das circunstâncias da conduta. Uma vez efetuada a ação, o dano é evidente. Um exemplo é a inserção indevida do nome de indivíduos no cadastro de inadimplentes, que se dá no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) ou na Centralização de Serviços dos Bancos (Serasa). A dívida indevida resulta no fato de ter seu nome divulgado como mal pagado, dano sufi ciente para ensejar indenização. Por isso, a culpa é presumida. A culpa contra a legalidade ocorre quando há a violação de um dever jurídico explícito, como dirigir sem habilitação sabendo que juridicamente o documento é necessário para tanto, ou implícito, como a violação de um dever de cuidado. Culpa concorrente A culpa concorrente acontece quando a vítima contribui para que o dano seja causado. Para melhor explicitar isso, imaginemos um pedestre que atravessa a rua quando o semáforo dos transeuntesestá vermelho e um motorista que dirige acima do limite de velocidade com o sinal para veículos no verde. Nesse caso, conforme Cavalieri Filho (2012), a indenização deve se estabelecer fundamentada no grau de culpabilidade de cada um dos envolvidos. CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. III. REALE, M. Novo Código Civil brasileiro: Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. Culpa lato sensu: dolo e culpa (negligência, imprudência e imperícia)8 C10_Culpa_lato_sensu.indd 8 19/04/2018 17:43:11
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