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Ivina Marcella Costa 1 ABDÔMEN AGUDO O termo abdômen agudo É amplo e compreende inúmeras situações clínicas. Alguns autores tem definido abdômen agudo como uma dor na região abdominal, não traumática, de aparecimento súbito e de intensidade variável associada ou não a outros sintomas. Sindromes Abdominais agudas ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO É o tipo mais comum de abdome agudo. Habitualmente, o processo se inicia com a obstrução mecânica de vísceras ocas normais, ou anatomicamente alteradas (divertículos, por exemplo), originando diversos fenômenos inflamatórios na parede da víscera, com tendência à progressão para infecção franca e comprometimento da vascularização do órgão. O início do quadro geralmente é insidioso, com sintomas a princípio vagos (dor abdominal incaracterística, náuseas, anorexia, vômito, alteração do trânsito intestinal). A dor abdominal pode levar de uma a várias horas para atingir seu pico, ocasionalmente até dias, sendo inicialmente mal definida. Com o evoluir da doença, e com o acometimento do peritônio parietal adjacente ao órgão afetado, a dor torna-se bem localizada e piora progressivamente. É comum a presença de massas à palpação do abdome, resultantes da reação do peritônio à agressão, na tentativa de limitar o processo e preservar o restante da cavidade. Caso o peritônio não consiga bloquear o processo, e o tratamento adequado demore a ser instituído, observa-se evolução para peritonite disseminada. ABDOME AGUDO PERFURATIVO Trata-se de uma das causas mais frequentes de cirurgia abdominal de urgência. A dor tem início súbito, geralmente dramático, já começando de forma intensa, rapidamente atingindo seu pico. Os pacientes costumam precisar a hora exata do início do sintoma. O problema advém do extravasamento de secreção contida no trato gastrintestinal para a cavidade peritoneal, o que é traduzido por peritonite. A dor tipo somática vem da irritação química do peritônio, e, quanto menor o pH, maior a irritação. O exame clínico demonstra silêncio abdominal e rigidez muscular, detectada como "abdome em tábua". A temperatura é normal, e náuseas e vômito podem estar presentes. A radiografia simples revela pneumoperitônio, sendo o exame de imagem de escolha para o diagnóstico. Em 12 h de evolução do quadro, a peritonite química torna-se bacteriana, aparecendo os sinais de infecção. As perfurações costumam ser divididas em altas (gastroduodenal e delgado proximal) e baixas (delgado distai e cólon). × Perfurações mais baixas de delgado: a dor abdominal é mais discreta, e os sinais de irritação peritoneal são menos exuberantes, mas originam quadros sépticos mais precoces, em função da flora bacteriana local. × Perfurações do delgado proximal: comportam-se como as gastroduodenais, com dor abdominal intensa e grande irritação peritoneal. Perfurações do intestino grosso traduzem manifestações clínicas e peritoneais intensas, com evolução rápida para peritonite fecal, devido ao conteúdo altamente infectado desse segmento. O tratamento é sempre cirúrgico, sendo o prognóstico pior quanto maior o tempo de perfuração. Devem-se sempre associar antibióticos de largo espectro ao tratamento cirúrgico. ABDOME AGUDO OBSTRUTIVO O sintoma cardinal do abdome agudo obstrutivo é a cólica intestinal, demonstrando o esforço das alças para vencer o obstáculo que está impedindo o trânsito normal. A dor é visceral, localizada em região periumbilical, nas obstruções de delgado, e hipogástrica, nas obstruções de cólon, intercalada com períodos livres de dor no início da evolução. Os episódios de vômito surgem após a crise de dor, inicialmente reflexos, e são progressivos, na tentativa de aliviar a distensão das alças obstruídas. O peristaltismo está aumentado, exacerbado, e é chamado de peristaltismo de luta. Este é mais bem caracterizado quando se ausculta o abdome Ivina Marcella Costa 2 no momento da crise dolorosa e se manifesta por uma cascata de ruídos. Quanto mais alta a obstrução, mais precoces, frequentes e intensos serão os vômitos, menor a distensão abdominal e mais tardia a parada de eliminação de gases e fezes. Quanto mais baixa a obstrução, maior distensão abdominal, mais precoce a parada de eliminação de flatos e fezes, e, devido ao supercrescimento bacteriano no segmento obstruído, os vômitos, que são tardios, adquirem aspecto fecaloide. Febre normalmente não está presente. A desidratação é acentuada pelas perdas provocadas pelo vômito, sendo pior nas obstruções mais altas. Com o progredir da doença, ocorre o comprometimento da vascularização do segmento obstruído, surgindo irritação do peritônio parietal, manifesta por dor somática, contínua, e contratura da parede abdominal, o que geralmente indica sofrimento de alça. A presença de necrose triplica a mortalidade operatória e aumenta em 10 vezes o risco de complicações. Não existem, entretanto, sinais radiológicos, clínicos Exames Complementares × Exames laboratoriais: inespecíficos, prestando-se mais para avaliar as condições clínicas do paciente, além de orientar a correção dos distúrbios hidreletrolíticos e metabólicos. Na abordagem inicial, mais importante do que diagnosticar a causa da obstrução, é responder a três questões: se a obstrução é parcial ou completa, se é alta ou baixa, e se há necrose ou não. Tais fatores irão nortear a decisão terapêutica. × Método de imagem de eleição: raios X simples de abdome em três incidências, que revelam níveis hídroaéreos, edema e distensão das alças, além de localizar o nível e o grau de obstrução, possibilitando também a identificação de corpos estranhos. O raios X de abdome, entretanto, não detectam sinais precoces de complicação isquêmica, e, em casos de forte suspeita clínica de quadro obstrutivo, raios X normais têm baixo valor preditivo negativo. Nesses casos, outros métodos de imagem devem ser realizados. × Ultrassonografia: não é de uso rotineiro. × Tomografia é útil em distinguir as obstruções simples das em alça fechada (hérnia, vólvulo), que tendem a estrangular mais facilmente e devem ser operadas precocemente. A tomografia pode identificar espessamento de paredes das alças ou do mesentérío, bem como a presença de gás na parede intestinal ou líquido livre na cavidade, o que pode definir a indicação cirúrgica imediata pela suspeita de complicação vascular. ABDOME AGUDO VASCULAR O abdome agudo vascular constitui doença grave, às vezes pouco lembrada no momento do exame clínico, com mortalidade atingindo 80% na maioria dos estudos. Tal fato se deve ao diagnóstico quase sempre tardio, e pelo fato de acometer principalmente pacientes idosos, que já apresentam várias doenças crônicas, por si sós graves, além da frequente progressão da ísquemía após as cirurgias de revascularízação. A fisiopatologia envolve uma lesão ísquêmica inicial, decorrente da redução do fluxo arterial ou venoso (o que leva a lesões precoces na mucosa, tornando-se posteriormente transmurais), perpetuada pelo vasospasmo reflexo da circulação mesentérica e completada pela lesão de reperfusão (principalmente pela formação e ação de radicais livres de oxigênio, que desencadeiam a síndrome da resposta inflamatória sístêmica, podendo evoluir para falência de múltiplos órgãos). A dor abdominal é o sintoma inicial, geralmente muito intensa, fora de proporções com os achados clínicos, que são ínespecíficos. A chave para o diagnóstico precoce é valorizar os sinais, ainda que ínespecíficos, em pacientes com fatores de risco para isquemia mesentérica aguda (maiores de 60 anos, portadores de doença aterosclerótíca, infarto agudo do miocárdio recente, arrítmías cardíacas, em especial a fibrílação atríal, Ivina Marcella Costa3 passado de eventos tromboembólicos em outros segmentos do organismo, situações de baixo débito cardíaco como insuficíência cardíaca congestiva, estados hiperdinâmicos com má perfusão periférica, como na sepse, uso de vasoconstritores, e uso de nutrição enteral, pelo aumento não regulável do consumo de oxigênio no intestino). Passada a fase inicial de dor abdominal, vem a fase intermediária, caracterizada por peritonite, que frequentemente confunde o quadro clínico com outras causas de abdome agudo inflamatório. Na terceira fase, acentuam-se os sinais abdominais, surgindo a instabilidade hemodinâmica, o choque refratário e o óbito. Exames Complementares × Exames laboratoriais: inespecíficos, não existindo marcadores de isquemia ou necrose intestinal, mas hemoconcentração, leucocitose e acidose metabólica, associados aos achados clínicos de distensão, defesa e ausência de peristaltismo sugerem doença avançada. × Radiologia convencional: afasta outras causas de abdome agudo e pode mostrar espessamento da parede das alças intestinais, alças tubuliformes, fixas e imutáveis, e pneumoperitônio, o que indica lesões em fase bem avançada. × Ultrassonografia: principalmente associada ao recurso Doppler, pode identificar a obstrução vascular e estudar o fluxo dos vasos mesentéricos, especialmente dos segmentos proximais. × Angiotomografia e a angiorressonância: podem ser muito úteis, ao mostrar as alterações isquêmicas nas paredes intestinais e demonstrar o local da obstrução mesentérica, mas um exame normal não exclui o diagnóstico de isquemia mesentérica. × Arteriografia: padrão-ouro no estudo da isquemia mesentérica, por suas possibilidades diagnósticas e terapêuticas. A arteriografia só deve ser realizada no paciente hemodinamicamente estável. Se o paciente já apresenta sinais de irritação peritoneal no momento do diagnóstico, a arteriografia está contraindicada, devendo o paciente ser encaminhado imediatamente à cirurgia. Se a arteriografia é normal, mas existem sinais de irritação peritoneal, está indicada a laparotomia, pois a causa do abdome agudo pode ser outra que não a vascular. ABDOME AGUDO HEMORRÁGICO Nos quadros de abdome agudo hemorrágico, além da dor súbita, chama a atenção o rápido comprometimento hemodinãmico, com palidez intensa e hipovolemia acentuada. Apesar da forte peritõnio, dor, não se encontra contratura muscular no hemovisto que o sangue não é tão irritante para a serosa peritoneaL Os exames mostram queda progressiva dos níveis hematimétricos. A ruptura espontânea de vísceras parenquimatosas e a ruptura vascular não são situações comuns, e o abdome agudo hemorrágico é mais frequentemente associado ao trauma, aos pós operatório e a complicações pós-procedimentos (biopsias hepáticas, por exemplo). Na mulher em idade fértil, sempre ponderar a possibilidade de gravidez ectópica rota DIAGNÓSTICO SINDRÔMICOS DE ABDOME AGUDO ABDOME AGUDO TRAUMÁTICO O conteúdo abdominal pode ser lesionado por mecanismos fechados ou penetrantes. No caso de quedas, as informações sobre a altura envolvida, superfície onde ocorreu, possíveis anteparos de trauma antes de atingir o solo e a parte do corpo que primeiramente sofreu o impacto são fundamentais. Nem todo trauma do abdômen, seja ele aberto ou fechado, leva a lesões internas. Mas se estas ocorrem, põem em risco a vida do paciente, pela perda de sangue em quantidade e velocidade variáveis ou por infecção em conseqüência do extravasamento de conteúdo das vísceras ocas. Tanto a presença de sangue como de outras secreções (fezes, suco gástrico, bile ou urina) provocam sintomas abdominais mais ou menos intensos. O grande problema é que esses sintomas podem ser leves, outras vezes progressivos; em outras situações, como em vítimas inconscientes devido a traumatismo do crânio ou a intoxicação por álcool ou drogas, ou em vítimas com lesão da coluna e da medula espinhal, Ivina Marcella Costa 4 cuja sensibilidade esteja alterada, esses sintomas estariam diminuídos, alterados ou ausentes. Em algumas circunstâncias, a hemorragia inicial após o trauma estaria contida por uma carapaça, limitando o sangramento. Após algum tempo, que varia desde alguns minutos até algumas horas, essa carapaça rompe-se permitindo uma segunda hemorragia, desta vez não-limitada pela carapaça, levando à morte rápida, se não for controlada. Este mecanismo, conhecido como ruptura em dois tempos, aparece mais frequentemente nos traumatismos do baço. A dor abdominal, sintoma mais evidente e freqüente nas vítimas deste trauma, é causada tanto pelo trauma direto na parede abdominal, como pela irritação na membrana que recobre a cavidade abdominal e suas estruturas (peritônio), em virtude da presença de sangue ou conteúdo das vísceras ocas que extravasam ao se romperem. A dor da irritação peritonial é difusa, não corresponde o local do trauma ou à estrutura intra-abdominal lesada. A dor geralmente se faz acompanhar de rigidez da parede abdominal, chamada de "abdômen em tábua", sintoma involuntário presente mesmo nas vítimas inconscientes. O choque hipovolêmico desencadeado pela perda de sangue geralmente acompanha o trauma abdominal em vários graus de intensidade, dependendo da quantidade de sangue perdida e da rapidez da perda. Muitas vezes, os sinais e sintomas do choque, como palidez, sudorese fria, pulso rápido e fino ou ausente, cianose de extremidades, hipotensão arterial, são os únicos sinais do trauma abdominal, visto muitas vítimas estarem inconscientes, com sangramento invisível. Sinais indicativos de lesão abdominal: fratura de costelas inferiores, equimoses, hematomas, ferimentos na parede do abdômen. A mesma energia que provoca fratura de costela, pelve, coluna faz lesão interna do abdômen. O abdômen escavado, como se estivesse vazio, é sinal de lesão do diafragma, com migração das vísceras do abdômen para o tórax. As lesões penetrantes são mais evidentes; logo, facilmente identificáveis. Em alguns casos, essas lesões estão em locais menos visíveis, como no dorso, nas nádegas ou na transição do tórax com o abdômen. Alguns outros sinais indicativos de lesão intra- abdominal: arroxeamento da bolsa escrotal (equimose escrotal), sangramento pela uretra, reto ou vagina, associada a fraturas da pelve, geralmente com lesão em estruturas do abdômen. A ausculta do abdome permite confirmar a presença ou ausência de ruídos hidroaéreos. A presença de sangue ou conteúdo gastrintestinal pode produzir íleo, resultando em diminuição dos ruídos hidroaéreos. A percussão do abdome pode demonstrar som timpânico devido à dilatação gástrica no quadrante superior esquerdo ou macicez difusa quando hemoperitônio está presente. A rigidez abdominal voluntária pode tornar o exame físico abdominal não confiável. De maneira contrária, a rigidez involuntária da musculatura abdominal é um sinal confiável de irritação peritoneal. A dor à descompressão brusca, geralmente, indica uma peritonite estabelecida pelo extravasamento de sangue ou conteúdo gastrintestinal. A presença de um útero gravídico e a determinação da sua altura podem estimar a idade fetal. A compressão manual das cristas ilíacas ânterosuperior pode mostrar movimento anormal ou dor óssea que sugere a presença de fratura pélvica em pacientes com trauma contuso do tronco. Ivina Marcella Costa 5 O toque retal deve ser parte obrigatória do exame físico do paciente politraumatizado, dando informações como a presença de sangue na luz retal, fragmentos de ossos pélvicos que penetram o reto, a crepitação da parede posterior do reto (retropneumoperitôneo), a atonia esfincteriana (lesão medular) e a posição alta da próstata (lesão uretral). Nos pacientes com ferimento abdominalpenetrante por arma branca ou de fogo, a identificação da presença de sangue no toque retal mostra que houve perfuração intestinal, cujo tratamento é cirúrgico, sem a necessidade de outras investigações especifícas Da mesma forma, o exame vaginal na mulher pode caracterizar sinais de violência sexual, sangramentos e a presença de espículas ósseas decorrentes de fraturas pélvicas. O exame do períneo e do pênis pode demonstrar uretrorragia e hematoma de bolsa escrotal, sugerindo fortemente a presença de lesão uretral, o que contra-indica a sondagem vesical. Os ferimentos penetrantes da região glútea associam-se com uma incidência maior de 50% de lesão abdominal significante. APENDICITE A apendicite é a emergência cirúrgica abdominal mais comum, afetando aproximadamente 10% da população. Ocorre mais comumente entre 10 e 30 anos de idade. Inicia-se por obstrução do apêndice causada por fecalito, inflamação, corpo estranho ou neoplasia. A obstrução causa aumento da pressão intraluminal, congestão venosa, infecção e trombose dos vasos intramurais. Quando não tratada, há evolução com gangrena e perfuração no prazo de 36 horas. Achados Clínicos A apendicite, na maioria das vezes, começa com dor epigástrica ou periumbilical difusa, frequentemente em cólica. Ao longo de 12 horas a dor migra para o quadrante inferior direito, manifestando-se como dor contínua agravada por deambulação ou tosse. Quase todos os pacientes apresentam náuseas, com um ou dois episódios de vômitos. Vômitos persistentes ou que se iniciem antes da dor sugerem outro diagnóstico. A sensação de constipação é característica, e alguns pacientes utilizam catárticos na tentativa de aliviar seus sintomas – embora alguns relatem diarreia. A febre baixa (inferior a 38º C) é típica; febre alta ou calafrios sugerem outro diagnóstico ou perfuração do apêndice. Ao exame físico, a sensibilidade localizada com defesa no quadrante inferior direito pode ser provocada com palpação suave usando apenas um dedo. Quando solicitados a tossir, os pacientes talvez sejam capazes de localizar com exatidão a região dolorosa, um sinal de irritação peritoneal. A percussão leve também pode gerar dor. Embora a dor à descompressão rápida também esteja presente, é desnecessário provocar esta manifestação quando os sinais mencionados estiverem presentes. O sinal do psoas (dor à extensão passiva do quadril direito) e o sinal do obturador (dor com flexão passiva e rotação interna do quadril direito) são indicativos de inflamação adjacente e fortemente sugestivos de apendicite. Apresentações atípicas da apendicite Em razão da localização variável do apêndice, há diversas apresentações atípicas. Como o apêndice retrocecal não toca a parede anterior do abdome, a dor se mantém com menor intensidade e mal localizada; a sensibilidade abdominal é mínima e pode ser desencadeada no flanco direito. O sinal do psoas talvez seja positivo. Com a apendicite pélvica, há dor no abdome inferior, frequentemente à esquerda, com urgência para Ivina Marcella Costa 6 urinar ou defecar. A sensibilidade à palpação está ausente no abdome, mas fica evidente no exame pélvico ou retal; o sinal do obturador talvez seja positivo. No idoso, o diagnóstico de apendicite frequentemente é tardio porque os pacientes se apresentam com sintomas vagos e mínimos e dolorimento abdominal discreto. A apendicite na gravidez pode estar presente com dor no quadrante inferior direito, região periumbilical ou região subcostal direita em razão do deslocamento do apêndice pelo útero. ABDOME AGUDO GINECOLÓGICO A urgência ginecológica, pela gravidade e repercussões gerais que pode ocasionar, deve ser diagnosticada e tratada em caráter de emergência. Além de representar risco de vida iminente, pela possibilidade de seqüelas muitas vezes irreversíveis, a presteza no diagnóstico e no tratamento é fundamental. Algumas das urgências ginecológicas podem manifestar-se com quadro de abdome agudo, caracterizado pela presença de afecção não-traumática, em vísceras ou estruturas contidas na cavidade abdominal, que surge de modo súbito. Pode advir de processo agudo incidindo em víscera previamente normal ou pela agudização de doença crônica. Conforme os sinais, sintomas ou a origem da afecção, o abdome agudo ginecológico pode ser: 1. Hemorrágico: gravidez ectópica, rotura de cistos ou tumores pélvicos; 2. Inflamatório: moléstia inflamatória pélvica aguda; 3. Isquêmico: decorrente de necrose de neoplasias, torção de anexos ou de leiomioma submucoso pediculado, degeneração de leiomioma. Isquêmico Gravidez Ectópica A implantação ectópica ocorre em cerca de 1 a cada 150 nascimentos vivos. Cerca de 98% das gestações ectópicas são tubárias. Outros locais de implantação ectópica são peritônio e vísceras abdominais, ovário e cérvice. Qualquer distúrbio que impeça ou retarde a migração do óvulo fecundado para o útero pode predispor à gravidez ectópica, inclusive história de infertilidade, doença inflamatória pélvica, ruptura do apêndice e história de cirurgia tubária. Gestações intra e extrauterina (ectópica) simultâneas podem ocorrer raramente. Achados Clínicos Quase todas as pacientes têm dor grave no quadrante inferior do abdome. A dor começa repentinamente, é aguda, intermitente e não irradia para outras áreas. Durante as crises, a paciente pode ter dores lombares. Cerca de 10% das mulheres entram em choque, geralmente depois de um exame pélvico. No mínimo 50% das pacientes possuem história clínica de menstruação anormal e muitas são estéreis. O sangue pode extravasar da ampola tubária por vários dias e volumes expressivos de sangue podem acumular-se no peritônio. Em geral, as pacientes referem sangramento discreto (manchas de sangue nas roupas íntimas) e persistente, e pode haver uma massa pélvica palpável. Geralmente, há distensão abdominal e íleo paralítico discreto. Gravidez ectópica: associada a dor abdominal inferior do lado direito ou do lado esquerdo com sinais clínicos que geralmente surgem 6- 8 semanas após o último período menstrual normal. A amenorreia está presente em cerca de 75% dos casos, e o sangramento vaginal, em aproximadamente 50% dos casos. Pode haver sinais ortostáticos e febre. Os Ivina Marcella Costa 7 fatores de risco consistem na presença de doença tubária conhecida, gestações ectópicas anteriores, história de infertilidade, exposição intrauterina ao dietilestilbestrol (DES) ou história de infecções pélvicas. A ameaça de abortamento pode se apresentar com amenorreia, dor abdominal e sangramento vaginal. Embora seja mais comum que a gravidez ectópica, ela raramente está associada a sinais sistêmicos. Inflamatório Doença Inflamatória Pélvica O abdome agudo inflamatório consequente à doença inflamatória pélvica (DIP) constitui entidade grave, sendo uma das mais sérias infecções que acometem a mulher na atualidade. Na fase aguda (DIPA), a doença está associada com a progressão de microorganismos da vagina, os quais acometem o colo, o útero e as tubas (ascensão panimétrica), e, finalmente, o peritônio e os órgãos adjacentes. A doença inflamatória pélvica (DIP) é uma infecção polimicrobiana do trato genital superior, associada com os microrganismos sexualmente transmitidos, N. gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis, bem como com microrganismos endógenos, incluindo anaeróbios, Haemophilus influenzae, bastonetes entéricos gram-negativos e estreptococos. A DIP é mais comum em mulheres jovens, nulíparas e sexualmente ativas, com múltiplos parceiros, e é a principal causa de infertilidade e gravidez ectópica. O uso de contraceptivos orais ou métodos de barreira para a contracepção podem fornecer proteçãosignificativa. A salpingite tuberculosa é rara nos EUA, mas é mais comum em países desenvolvidos; caracteriza-se por dor pélvica e massas pélvicas irregulares que não respondem ao tratamento antibiótico. Não é sexualmente transmissível. A maior causa de DIP é por ascensão bacteriana a partir de contaminação vaginal através do canal endocervical. É comum o início do quadro coincidir com o período menstrual pelas alterações próprias deste período: × alteração do pH vaginal; × perda do tampão mucoso natural; × diminuição da espessura do endométrio; × contrações uterinas próprias que impulsionam os microorganismos em direção à tuba uterina. A doença inflamatória pélvica mais comumente se apresenta com dor abdominal inferior bilateral. Ela costuma ter início recente e é exacerbada por relações sexuais ou por movimentos. Há presença de febre em cerca de metade dessas pacientes; o sangramento uterino anormal ocorre em cerca de 33%. Pode haver secreção vaginal, uretrite e calafrios, mas esses são sinais menos específicos. A patologia dos anexos pode apresentar- se de maneira aguda e pode ser causada por ruptura, sangramento ou torção dos cistos ou, bem menos comumente, por neoplasias do ovário, tubas uterinas ou áreas paraovarianas. Pode haver febre com torção ovariana. Achados clínicos Sinais e sintomas Pacientes com DIP podem apresentar dor abdominal baixa, calafrios e febre, distúrbios menstruais, corrimento Ivina Marcella Costa 8 cervical purulento e dor cervical e anexial. A dor no quadrante superior direito (síndrome de Fitz-Hugh e Curtis) pode indicar uma peri-hepatite associada. No entanto, o diagnóstico de DIP é complicado, pois muitas mulheres podem apresentar sintomas leves não facilmente reconhecidos como DIP, sangramento após o coito, aumento da frequência urinária ou dor lombar baixa. Critérios diagnósticos mínimos Mulheres com dor à mobilização uterina, anexial ou cervical devem ser consideradas portadoras de DIP e devem ser tratadas com antibióticos, a não ser que exista um diagnóstico concorrente, como gravidez ectópica ou apendicite. Critérios diagnósticos adicionais Nenhum achado de história, exame físico ou laboratorial é definitivo para a DIP aguda. Os seguintes critérios podem ser usados para melhorar a especificidade do diagnóstico: (1) temperatura oral acima de 38,3°C; (2) corrimento cervical ou vaginal anormal com leucócitos à microscopia com soro fisiológico (> 1 leucócito por célula epitelial); (3) taxa de hemossedimentação elevada; (4) proteína C-reativa elevada; e (5) documentação laboratorial de infecção com N gonorrhoeae ou C trachomatis. A cultura endocervical deve ser feita de rotina, mas o tratamento não deve ser adiado enquanto se aguarda o resultado dos exames. Achados Complementares A paciente pode apresentar uma propedêutica clínica insuficiente, sendo geralmente necessária a complementação com exames subsidiários, como os laboratoriais e de imagem. × Radiografia simples: pode sugerir a presença de coleções que se apresentam como opacidades na cavidade pélvica que Dor à mobilização do útero, anexos ou colo uterino. Corrimento anormal proveniente da vagina ou do colo uterino. Ausência de outro diagnóstico concorrente. elevam as alças abdominais com gás no interior. Quando de origem anexial esquerda, eleva a porção proximal do sigmóide. Quando de origem anexial direita, é preciso sempre lembrar o diagnóstico diferencial com apendicite aguda. A distensão gasosa de alças intestinais não é significativa nesses casos. × Ultrassonografia: o início do quadro é pouco alterado, identificando-se apenas uma pequena quantidade de líquido livre no fundo-desaco de Douglas e nas lojas ovarianas. o Tubas uterinas: no caso de evolução da doença inflamatória pélvica para uma piossalpingite, apresentam-se dilatadas com líquido hipoecogênico com debris (ecos em suspensão) encontrados no seu interior. o Ovários: podem estar discretamente aumentados, com vários folículos no seu interior (padrão policístico). Ivina Marcella Costa 9 × TC: bastante inespecífica, porém nos casos de dúvida diagnóstica afasta quadros de apendicite, diverticulite ou ainda litíase ureteral. Com a progressão da infecção, o miométrio e o endométrio podem mostrar-se mais ecogênicos à US, e, em alguns casos, há sinais de endometrite (espessamento e heterogeneidade do eco endometrial, com líquido livre na cavidade uterina). Endometriose A endometriose é uma proliferação aberrante de endométrio fora do útero, particularmente nas regiões pélvicas dependentes e nos ovários, cujas manifestações principais são dor crônica e infertilidade. Apesar da menstruação retrógrada ser a causa mais aceita para sua origem, a patogênese e evolução natural da endometriose ainda não estão completamente compreendidas. Achados clínicos As manifestações clínicas da endometriose são variáveis e sua apresentação e evolução são imprevisíveis. Dismenorreia, dor pélvica crônica e dispareunia estão entre as manifestações bem reconhecidas. Um número significativo de mulheres com endometriose, no entanto, permanece assintomático. O exame pélvico pode revelar nódulos no fundo de saco ou no septo retovaginal, retroversão uterina com mobilidade uterina diminuída, dor à movimentação cervical, presença de uma massa anexial ou sensibilidade anexial. A maioria das mulheres com endometriose, no entanto, tem um exame pélvico normal. A endometriose deve ser distinguida de doença inflamatória pélvica, neoplasias ovarianas e miomas uterinos. A invasão intestinal por tecido endometrial pode produzir sangue nas fezes, que deve ser diferenciado de neoplasia intestinal. Paradoxalmente, a gravidade da dor associada à endometriose pode estar inversamente relacionada à extensão anatômica da doença. Os exames de imagem têm valor limitado e são úteis somente na presença de uma massa pélvica ou anexial. A ultrassonografia transvaginal é a modalidade de imagem de escolha para detectar a presença de endometriose profunda no reto ou do septo retovaginal, enquanto a RM deve ser reservada para casos duvidosos de endometriose retovaginal ou vesical. Finalmente, um diagnóstico definitivo de endometriose é feito somente por meio de histologia das lesões removidas por cirurgia. A patologia uterina inclui endometrite e, menos frequentemente, leiomiomas em degeneração (fibroides). A endometrite comumente está associada a sangramento vaginal e a sinais sistêmicos de infecção. Ocorre em caso de infecções sexualmente transmissíveis, instrumentação uterina ou infecção pós-parto. Um exame sensível de gravidez, hemograma completo com diferencial, exame de urina, exames para infecções por clamídias e gonococos, bem como ultrassonografia abdominal ajudam a fazer o diagnóstico e direcionar o tratamento adicional. Isquêmico Torção Anexial Comprovadamente uma das causas de abdome agudo ginecológico, sendo a causa de aproximadamente 3% das Ivina Marcella Costa 10 cirurgias ginecológicas de urgência. Acomete geralmente as mulheres jovens, em idade fértil, mais frequentemente unilateral, com preferência pelo lado direito. O lado esquerdo da pelve é ocupado pelo sigmoide e o lado direito apresenta o ceco com pouca mobilidade, o que favorece a torção do anexo deste lado. Qualquer fator que leve ao aumento de volume anexial pode ser a causa de torção do pedículo do mesmo. Acomete menos frequentemente órgãos normais (18%). O risco de torção é maior quando o tumor mede aproximadamente de 8 a 12 cm. Na maioria das vezes, acomete ovário e tuba, podendo envolver menos frequentemente somentea tuba – geralmente associado a um mesossalpinge longo, tortuosidade tubária, hidrossalpinge, tumores tubários, ligadura tubária prévia, gravidez, aderências ou cistos para tubários de mais de 2 cm. O peso do tumor e o crescimento lento favorecem a formação de pedículo longo, facilitando assim a torção. A ligadura tubária pode ser uma causa, pelo estreitamento localizado e diminuição da mobilidade no local da ligadura, podendo dar origem à torção. Outro fator citado como causa é a hiperestimulação ovariana, sendo descrito em até 9% dos casos. De modo geral, os tumores ovarianos concorrem para 50 a 60% dos casos de torção e, destes, os cistos dermoides são os mais frequentemente envolvido. O diagnóstico clínico, por vezes, é bastante difícil, tendo em vista serem os sintomas geralmente inespecíficos. A queixa principal é dor abdominal tipo “facada”, às vezes tipo cólica, localizada em fossa ilíaca, com irradiação para os flancos, podendo vir acompanhada de náuseas e vômitos e com seu início coincidindo com a prática de atividade física. No caso de torção parcial, a dor muitas vezes é referida com episódios de melhora e piora do quadro. A febre não obrigatoriamente está presente, exceto quando já associada à necrose tecidual, levando a um quadro de peritonite.
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