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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6597-4 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 9 7 4 Código Logístico 59241 DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS E INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA FABIANO CAXITO Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Fabiano Caxito IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C377d Caxito, Fabiano Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública / Fabiano Caxito. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 124 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6597-4 1. Administração pública - Brasil. I. Título. 20-62762 CDD: 351.0981 CDU: 351(81) Fabiano Caxito Mestre em Administração pela Universidade Nove de Julho (Uninove). MBA em Recursos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Administração Financeira pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Atuou nas áreas de recrutamento e seleção e de treinamento e desenvolvimento em diversas empresas de distribuição e venda de bebidas. Foi coordenador de cursos de pós-graduação lato sensu em Logística das Operações Comerciais e em Negócios Internacionais. Também foi professor dos cursos de Marketing, Logística e Recursos Humanos. Atualmente, é professor da Fundação Instituto de Administração (FIA/USP) e influenciador digital. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 A evolução da administração pública 9 1.1 O que é administração pública? 9 1.2 A visão clássica da gestão pública 12 1.3 A gestão pública na Idade Moderna 14 1.4 Administração pública no Brasil Colônia 20 1.5 Formação do Estado Nacional: o Brasil Império 21 1.6 Brasil República e as mudanças na administração pública 23 1.7 Governos democráticos pós-ditadura e administração pública no Brasil 29 2 Gestão das políticas públicas no Brasil contemporâneo 38 2.1 Bases e organização da administração pública 38 2.2 Planejamento e implementação das políticas públicas 41 2.3 Controle e avaliação das políticas públicas 45 3 Gestão da inovação na administração pública contemporânea 53 3.1 A inovação na gestão das empresas 53 3.2 Processo de inovação no setor público 58 3.3 Mudança organizacional e seu impacto nas organizações 66 3.4 Redes e inovação em serviços públicos 71 4 A relação entre mercado e gestão pública 78 4.1 Mercado e gestão das políticas públicas 78 4.2 Parcerias público-privadas 86 4.3 Empreendedorismo e serviço público 91 5 Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 99 5.1 Desenvolvimento econômico: processo histórico 99 5.2 O papel das políticas públicas no desenvolvimento econômico do país 106 5.3 A inovação e o desenvolvimento econômico nacional 111 6 Gabarito 120 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Nas últimas décadas, um novo desafio se faz cada vez mais presente para os governos e gestores públicos: como a administração pública pode incorporar novas tecnologias de informação e comunicações? Nesse contexto, inovação, empreendedorismo e a busca pela melhoria constante na administração pública se tornam temas importantes para o gestor público, que precisa não só conhecer e entender esses conceitos, como estar preparado para colocá-los em prática no seu cotidiano profissional. Esse é o desafio contemporâneo que se coloca e se discute neste livro, não com o objetivo de apresentar respostas definitivas, mas, sim, levantar questionamentos e dar exemplos para que você, leitor, reflita sobre esses temas de modo crítico. No primeiro capítulo, é apresentado um breve histórico do papel do Estado e da função da administração pública, tanto no mundo, quanto, mais especificamente, no Brasil. Entender a história é fundamental para que se possa compreender algumas das peculiaridades da máquina pública brasileira. Muitas das mazelas e dos pontos positivos que podemos identificar em nossa gestão pública têm origens que podem ser rastreadas na história de nosso país. No segundo capítulo, aborda-se as políticas públicas, instrumento fundamental para que as estratégias públicas sejam colocadas em prática, de modo que os objetivos econômicos e sociais do Estado sejam alcançados. A partir do terceiro capítulo, o foco se direciona aos grandes desafios que os dias atuais apresentam para a administração pública. São discutidos conceitos ligados à inovação tecnológica, tanto nas empresas privadas como nas públicas, com exemplos práticos de como criar um ambiente propício à inovação e à geração de ideias. No quarto capítulo, é introduzido na discussão o conceito de mercado e a relação entre a iniciativa privada e a administração pública no desenvolvimento da infraestrutura do país. Dentro desse conceito, no capítulo, também são abordadas as parcerias público-privadas, com exemplos reais de como esse instrumento pode trazer resultados positivos para toda a sociedade. Discute-se, também, o empreendedorismo e o intraempreeendedorismo na administração pública, não com o objetivo de descobrir se é possível APRESENTAÇÃO empreender dentro da rígida estrutura hierárquica e burocrática da máquina pública, mas, sim, com o foco em mostrar exemplos que provam que o empreendedorismo do funcionalismo público é fundamental para o desenvolvimento da administração pública. Por fim, no quinto capítulo, o tema de discussão é o desenvolvimento econômico e como os fatores discutidos nos capítulos anteriores – tais como a inovação, o empreendedorismo, o papel do Estado na economia e as parcerias público-privadas – estão intrinsecamente relacionados na busca pelo desenvolvimento econômico e social do país. Ao fim do conteúdo, o que se pretende é preparar os gestores públicos para que tenham a condição de identificar novas tendências e mudanças que impactem a gestão pública, pois as inovações serão cada vez mais constantes e presentes no futuro. Bons estudos! A evolução da administração pública 9 1 A evolução da administração pública A administração pública faz parte dos temas mais discutidos no nosso cotidiano, afinal, a mídia repercute diariamente cada decisão ou ação tomada por gestores públicos e políticos eleitos para os cargos executivos nas esferas federal, estadual e municipal. Temas como orçamento público, saúde, educação, segurança, inves- timentos, infraestrutura e economia estão todos relacionados à gestão pública. Por outro lado, a administração pública é um dos temas menos compreendidos pela população e, até mes- mo, pelos políticos. Para que possamos aprofundar nossos estudos sobre o tema, precisamos, primeiro, entender cada um dos termos que o com- põem. Cabe alertar, entretanto, que não é objetivo deste capítulo analisar ou avaliar cada um dos modelos administrativos ou fatos históricos aqui narrados. O foco está em conhecer a evolução da- quilo que é entendido como administração pública paraentender a estruturação atual adotada em nosso país. 1.1 O que é administração pública? Vídeo Para entender o que é administração, podemos fazer um pequeno teste. Em uma sala de aula, em uma biblioteca ou em sua casa, tente identificar que objetos à sua volta não foram produzidos, modificados ou aperfeiçoados pelo homem. A fim de satisfazer nossas necessidades e desejos cotidianos, usa- mos produtos desenvolvidos e fabricados pelo conhecimento e pela tecnologia humana. Para que esses produtos, e até mesmo serviços, 10 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública sejam produzidos, é preciso organizar diversos fatores, chamados de recursos. Eles podem ser divididos em três tipos: Terra, metais, elementos químicos, petróleo, plantas etc. Trabalho desenvolvido pelas pessoas (em geral, chamado de mão de obra) que envolve conhecimento, criatividade, tecnologia, relacionamentos, liderança etc. Capital necessário para desenvolver as atividades necessárias à transformação de matérias-primas em produtos ou serviços e envolve dinheiro, equipamentos, investimentos etc. Recursos humanos Recursos financeiros Recursos naturais Vejamos um exemplo bem simples: imagine que uma pessoa deseja vender um produto, como água de coco. O primeiro recurso que preci- sará é natural; ela precisa encontrar coqueiros em estágio de produção dos frutos. Esse recurso pode ser obtido de duas formas: plantar co- queiros, o que demandará um segundo recurso natural (terras para o plantio); ou explorar coqueiros já plantados e produzir. Para a colheita do coco e a extração da água, será preciso utilizar um segundo recurso: a mão de obra. Por mais simples que a atividade possa parecer, é necessário certo conhecimento técnico para extrair a água de coco sem desperdícios. Os recursos humanos utilizados envol- vem tanto o trabalho manual quanto a tecnologia. Essa mão de obra precisará ser remunerada, assim como os custos de colheita, extração da água, compra de embalagens, envase e trans- porte até o mercado consumidor. Entram aí os recursos financeiros. A palavra tecnologia nos remete a máquinas, equipamentos e computadores, mas o termo é mais amplo. Segundo Trevisan (2015), tecnologia é: “1 Conjunto de processos, métodos, técnicas e ferramentas relativos à arte, indústria, educação etc. [...] 2 Conhecimento técnico e científico e suas aplicações a um campo particular”. Saiba mais A evolução da administração pública 11 O investimento necessário para desenvolver a atividade será remunera- do pela venda do produto com uma determinada margem de lucro, que possibilitará que a empresa continue a realizar suas atividades. Para que essa empresa seja bem- -sucedida, o gestor deverá tomar uma série de decisões sobre como obter as matérias-primas, qual mão de obra contratar, qual mercado consumidor atender, a que preço o produto deverá ser vendido, além de diversas outras decisões para que o objetivo da empresa – ser lucrativa – seja alcançado. Podemos observar como um produ- to relativamente simples envolve a cor- reta utilização dos recursos disponíveis, a tomada de decisão e o estabelecimen- to de objetivos. Segundo Maximiano (2015), administração é o processo de tomar decisões sobre objetivos e recur- sos. A relação entre essas variáveis pode ser mais bem entendida na Figura 1. Entendidos os conceitos mais básicos da administração, é preciso agora entender a segunda parte do termo. A palavra pública aqui é usa- da no sentido daquilo que é relativo ao bem comum da população de um país. De acordo com Fioravanti (2013, p. 9, grifos do original): Público e Privado não são outra coisa senão as duas dimensões fundamentais da democracia, ambas necessárias para a própria vida da democracia. Por um lado, a liberdade dos privados e o princípio da livre autodeterminação dos indivíduos, por outro, a força e a autoridade da res publica. Essa dualidade entre o público e o privado é ponto de discussão desde as mais antigas sociedades. Para que possamos entender as bases da administração pública atual, faz-se necessário compreen- der como o conceito daquilo que é considerado público evoluiu no decorrer do desenvolvimento da civilização humana, conforme veremos nas próximas seções. Recursos Pessoas Informação e conhecimento Espaço Objetivos Resultados Decisões Planejamento Organização Execução e direção Figura 1 Relação entre as variáveis na administração Fonte: Adaptada de Maximiano, 2015. 12 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública 1.2 A visão clássica da gestão pública Vídeo À medida que a civilização humana evoluiu de pequenos grupos nômades para assentamentos que, posteriormente, transformaram-se em cidades, surgiu a necessidade de organizar o cotidiano das relações entre os seus membros. Um dos primeiros pensadores a discutir a im- portância da administração pública foi Platão (429 a.C. – 347 a.C.). Platão (2019) discutiu no livro A República, escrito por volta de 380 a.C., os princípios básicos da coisa pública. Usando o modelo da dialética, tendo como personagem principal o filósofo Sócrates, que faz perguntas direcionadas a seus interlocutores com o objetivo de en- contrar a verdade, Platão discute os limites entre o público e o privado, entre a busca pelo bem comum e a satisfação dos interesses pessoais dos membros de uma sociedade. A obra, dividida em dez capítulos (ou livros), aborda três temas principais: a justiça, a constituição da cidade e a governança da cidade. O filósofo inicia a discussão com a busca pela definição do que é justiça, conceito fundamental para entender o papel da administração do Estado. Nos dois primeiros livros de A República, Sócrates discute com diversos interlocutores, na tentativa de definir o conceito, pois acredita que, para se praticar a justiça, é preciso primeiro compreendê-la. Várias são as definições de justiça apresentadas a Sócrates. Para Céfalo, a justiça é dizer a verdade e restituir o que é do outro. Já Polemarco define justiça como o ato de dar benefícios aos amigos e prejuízos aos inimigos. Trasímaco diz que a justiça é o que é vantajoso para o mais forte e cita o governo como o mais forte. É interessante notar que essas visões de justiça ainda são atuais. Já Glauco usa o mito do Anel de Giges para discutir que as pessoas tanto sofrem com as injustiças quanto se beneficiam pela prática da injustiça e corrupção, mostrando que quem tem a oportunidade se cor- rompe e pratica injustiças em benefício próprio. A partir dessas discussões, Sócrates afirma que a justiça é preferível às injustiças e que é papel do governo criar uma ordenação para que a justiça seja possível. O filósofo define justiça como sendo o equilíbrio e a harmonia entre as partes da cidade. dialética: no platonismo, processo de diálogo, ou seja, debate entre interlocutores comprometidos com a busca da verdade, por meio do qual a alma se eleva, gradativamente, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou ideias. Glossário No vídeo O que você faria com o Anel de Giges?, publicado pelo canal Humanamente, o professor Rafael Gargano fala sobre um dos trechos mais importantes da obra A República, de Platão, em que, na voz de Sócrates, Platão discute o que é a justiça. O vídeo foca o ponto da discussão, quando Glauco propõe a Sócrates refletir sobre o mito do Anel de Giges. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=p2bu- XYXFrYM. Acesso em: 17 fev. 2020. Vídeo A evolução da administração pública 13 Em A República, Sócrates idealiza uma cidade, à qual dá o nome de Kallipolis (cidade bela, em grego). A cidade deve ser constituída a partir de uma hierarquização de pessoas, governadas pelo rei-filósofo, fi- gura que reúne experiência de vida e sabedoria e que tem o dever de garantir a justiça nas relações entre os cidadãos. A segunda camada da hierarquia da cidade seria formada pelos magistrados, que fariam a gestão do cotidiano. Os magistrados se- riamescolhidos entres aqueles cidadãos com maior conhecimento e com uma intensa formação, que os prepararia para ocupar os devidos cargos. A esse tipo de governo, Sócrates atribui o nome de sofocracia (do grego sophrós – sábio – e kratia – poder). O papel da gestão da coisa pública foi objeto de discussões de filó- sofos durante todo o desenvolvimento da sociedade humana. Assim como Platão, Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) também desenvolveu tex- tos e estudos sobre o tema, em especial em seu livro Política. O tema da política e a gestão do Estado voltaram a ser foco de estu- dos durante a transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. Entre aqueles que abordaram o papel do Estado, podemos destacar alguns autores que são fundamentais para entendermos como a gestão públi- ca atual se organiza. Alguns livros atravessam séculos, pela qualidade de seu texto e pela sua importância histórica, mas, muitas vezes, as ideias ali registradas ficam ultrapassadas, datadas. Pode- mos dizer isso até mesmo de clássicos como O Capital, de Karl Marx, ou Riqueza das Nações, de Adam Smith. Mas O Príncipe, de Maquiavel, continua atual, tanto na fi- losofia e na política quanto na gestão empresarial. Cada um de seus capítulos é uma aula de como liderar e gerenciar, seja uma equipe, uma empresa, um país ou um principado. Do ponto de vista filosófico, Maquiavel (2010) derru- ba a ideia de que nossas ações devem sempre levar em consideração a moralidade vigente. Para ele, a ação po- lítica e as atitudes do líder não devem ser subordinadas às questões éticas. Em sua filosofia, detém-se apenas ao exame dos fatos concretos, que podem ser facilmente observados no jogo político. De certa forma, ele usa o Figura 2 Platão, filósofo e matemá- tico do período clássico da Grécia Antiga. A evolução da administração pública 13 método científico da observação da cena política para criar sua teoria de como deve ser o Estado. Para ele, a estabilidade política não pode ser obstruída por qualquer questão de ordem ética. Maximiano (2015) afirma que Maquiavel analisa o poder e o com- portamento dos líderes de uma forma que pode ser relacionada tanto a líderes políticos quanto a líderes empresariais. O artigo Um Príncipe entre Gerentes, de autoria de Fabiano Caxito e Roni Chittoni, mostra como as ideias de Maquiavel continuam atuais e presentes no cotidiano político e econômico. Acesso em: 17 fev. 2020. https://www.linkedin.com/pulse/um-pr%C3%ADncipe-entre-os-gerentes-fabiano-caxito Artigo Outros filósofos, tais como Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650) também abordaram a política e a gestão pública em seus estudos. Entre esses diversos filósofos, Thomas Hobbes (1588- 1679) foi o que mais se debruçou sobre o tema, como veremos na próxima seção, que trata da gestão pública na Idade Moderna. 1.3 A gestão pública na Idade Moderna Vídeo A Idade Moderna foi marcada por grandes mudanças na orga- nização econômica e política mundial. As discussões sobre o papel do Estado, a concentração de poder nas monarquias e a crescente importância da nascente burguesia criaram as condições para que diversos filósofos passassem a estudar profundamente a estrutura do Estado e o papel do governo. 1.3.1 Política e gestão pública em Thomas Hobbes O conceito de política de Thomas Hobbes parte da ideia inicial de que o ser humano é antissocial. O filósofo afirma que todos os seres humanos são dotados de iguais potencialidades; assim, é direito de cada pessoa tudo aquilo que ela conseguir obter utilizando essas com- petências, como bens, riquezas, poder ou reconhecimento. Entretanto, quando mais de uma pessoa se interessa pela mes- ma coisa, ou quer obter algo que pertence a outro e que é im- possível de ser possuído por ambos simultaneamente, surge a Figura 3 Retrato de Thomas Hobbes, por John Michael Wright 14 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública FONTE: WRIGHT, J. M. Thomas Hobbes. c. 1669-1670. Óleo sobre tela, color., 66 x 54,6 cm. National Portrait Gallery, Londres. A evolução da administração pública 15 discórdia. Hobbes (2014) lista três causas da discórdia entre os mem- bros de uma sociedade: a competição, a desconfiança e a glória. Exata- mente por essa natureza humana é que surgiu a necessidade de uma forma de organização que impõe normas e regras e organiza a vida em sociedade. Essa organização é o Estado. Em suas duas obras principais, Do cidadão, de 1642, e, em especial, O Leviatã, de 1651, Hobbes se debruça sobre o conceito de contrato social. Para o filósofo, o contrato social é um consenso implícito entre todos os membros de uma sociedade, que garantiu a transição da humanidade daquilo que ele chama de estado de natureza – ou seja, o homem em seu estado natural – para o estado social, uma condição na qual os seres hu- manos aceitam regras e limites para viver em sociedade (HOBBES, 2014). Hobbes acreditava que o homem, no estado de natureza, era livre para exercer sua verdadeira vontade. Mas, para o filósofo, o ser hu- mano é essencialmente egoísta e mal, assim, sem o contrato social, a humanidade seria destruída em guerras e lutas. De certa forma, sua vi- são refletia os acontecimentos políticos e sociais da Inglaterra na época em que vivia, na qual os absolutistas que apoiavam o rei estavam em guerra contra os parlamentares, que defendiam uma nova forma de governo democrático. O mundo assistia ao início do modelo capitalista e ao impacto do crescimento da importância da classe burguesa na estrutura da sociedade. Defensor do absolutismo e do poder soberano do rei, Hobbes acreditava que a centralização do poder é a única forma de garantir a convivência em sociedade. Assim, o contrato social que garante a vida em sociedade deveria basear-se na decisão dos membros do grupo em renunciar a seus direitos e transferir essa responsabilida- de para o soberano. O contrato social, ou seja, a aceitação de normas e regras que pos- sibilitam a convivência em grupos sociais, justificaria o surgimento de um governo que teria o objetivo de acabar com as guerras e controlar os conflitos humanos, sendo o poder do governante atribuído pelos cidadãos. Hobbes dá o nome de Leviatã a essa autoridade política. Em sua obra Do Cidadão, Hobbes (2014) se opõe às ideias políticas de Aristóteles, que acreditava no ser humano como um animal social, que buscava a cooperação constante com outros humanos para garantir sua sobrevivência. Essa ideia era frontalmente oposta à de Hobbes, para quem o homem só conseguiria sobreviver em sociedade com o controle e a direção de um poder central. Hobbes defendia que esse poder deve- ria ser absoluto e ilimitado. Assim, enquanto Aristóteles defende a ideia da democracia e do poder centralizado nos mais sábios, Hobbes defen- de o absolutismo e a centralização do poder na figura do rei. 1.3.2 John Locke e o contrato social Os filósofos conhecidos como contratualistas defendiam que, para o ser humano poder viver em sociedade, uma espécie de contrato social deveria ser acordado entre os cidadãos e o Estado. Para esses filósofos, no início, o ser humano vivia em estado natural, isto é, em uma condição em que não havia nenhuma organização política. A necessidade de se proteger dos perigos da natureza fez com que os seres humanos se unissem em grupos. Para garantir a segurança de todos, surgiu um ente maior e imparcial: o Estado. Para conviver em sociedade, o ser humano aceita abrir mão de alguns aspectos de sua liberdade e se submete às normas que regem a relação entre cada cidadão e o Estado, que tem o papel de defender seus partici- pantes, garantindo o bem comum, além de criar e garantir as condições para que cada cidadão se desenvolva. Entre os filósofos contratualistas, o de maior destaque é John Locke. Para ele, se o homem fosse deixado no estado natural, haveria uma guerra permanente entre as pessoas, o que im- pediria o desenvolvimento da sociedade.Assim, os seres hu- manos passaram a constituir grupos, vilas, aldeias e cidades, nos quais havia uma sociedade política organizada e central, que governava os rumos do grupo. Apesar de as ideias de Hobbes e Locke serem semelhan- tes, os autores chegam a conclusões diferentes sobre como o cidadão deve participar e influenciar a vida política e a admi- nistração da sociedade. Para Hobbes, o poder do governante é absoluto, os cida- dãos devem confiar no governante e não têm o direito de questionar suas decisões. Já para Locke (2018), Lançado em 2016, Zootopia – Essa cidade é o bicho mostra certa com- paração entre o antes e o depois do contrato social e os seus efeitos para as sociedades, de acordo com o pensamento de Hobbes e sua obra O Leviatã. Direção: Byron Howard; Rich Moore. EUA: Walt Disney, 2016. Filme FONTE: KNELLER, G. Portrait of John Locke. 1697. Óleo sobre tela, color., 76 x 64 cm. Museu Hermitage, São Petersburgo. Figura 4 Retrato de John Locke, por Godfrey Kneller 16 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública os cidadãos consentem que os governantes centralizem o poder com o objetivo de administrar as relações da sociedade e, uma vez dota- dos desse poder, devem garantir os direitos individuais, entre eles, o direito à justiça e à propriedade privada. Para ele, esses eram di- reitos naturais dos cidadãos e cada pessoa os recebeu de Deus e já os possui mesmo na condição do estado natural. Assim, na visão de Locke, a relação entre o governo e os cidadãos é de confiança e consentimento. Além disso, se o governante não garantir os direitos dos cidadãos, deve ser questionado e confrontado. As ideias de Locke são revolucionárias, em especial em um momen- to em que o poder dos governantes era absoluto e baseado na ideia de que o poder dos reis era divino. Para Locke (2018), o direito natural de cada cidadão estava acima do poder do rei que, portanto, não deveria ser absoluto. Defendia, também, a divisão entre o Poder Executivo e Legislativo, base dos modelos políticos democráticos atuais. 1.3.3 Rousseau e o contrato social Junto a Hobbes e Locke, Jean-Jacques Rousseau é um dos principais filósofos para se entender as bases da gestão pública e do papel do Estado em nossa vida, pois, em sua obra Do Contrato Social, de 1762, também discute os motivos que levam o ser humano a renunciar a sua liberdade para viver em sociedade. Para ele, a relação entre o governante e o povo é uma relação senhor-escravo, já que a vontade do soberano será sempre mais importante do que a vontade dos demais cidadãos (ROUSSEAU, 2013). Assim, em sua visão, o contrato social é fundamental para que os direitos e os bens de cada pessoa sejam preserva- dos. Segundo Rousseau (2013), cada um de nós coloca sua pessoa e sua potência sob a direção suprema da vontade geral. Portanto, o contrato social, na visão do filósofo, não significa que cada cidadão renuncia a seus direitos naturais. Na verdade, ocorre o inverso: o contrato social é uma forma de garantir que os direitos de cada um sejam respeitados, e o papel do Estado é garantir esses direitos individuais. Rousseau faz uma diferença entre a vontade geral, a vontade par- ticular e a vontade de todos. Figura 5 Jean-Jacques Rousseau, retrato por Maurice Quentin de La Tour FONTE: LA TOUR, M. Q. de. Portrait of Jean-Jacques Rousseau. 17--. Pastel sobre papel, color., 45 x 35,5 cm. Musée Antoine Lecuyer, Saint-Quentin. A evolução da administração pública 17 O filósofo explica que a vontade geral é representada pelo Estado, a unidade que representa os cidadãos e tem o papel de preservar os di- reitos destes. Assim, para Rousseau, ela só pode existir na república. A vontade particular é o interesse de cada um dos cidadãos, que buscam seu benefício próprio, o que muitas vezes pode se chocar com a estabi- lidade e os interesses da sociedade como um todo. Da mesma forma, a vontade de todos, que o filósofo explica ser a soma das vontades indi- viduais, nem sempre representa aquilo que é melhor para a sociedade. É papel do governo garantir que a vontade geral seja respeitada, pois é ela que garante a preservação dos direitos naturais de cada cidadão. Do ponto de vista do filósofo, o conceito de república abarca todo e qualquer tipo de governo no qual o Estado é regido por leis que devem ser seguidas pelo governante. Assim, mesmo uma monarquia pode ser uma república se o poder do monarca estiver controlado pela legis- lação. Mas Rousseau (2013) defende que, apesar de as leis serem a representação da vontade geral da população, o povo não está prepa- rado para criá-las. Esse papel caberia aos legisladores, que devem criar as leis de acordo com a vontade do povo. Para que as leis sejam cumpridas e o equilíbrio social se mantenha, punições severas devem existir para todos aqueles que, ao descumprir a lei, ameacem a estabilidade política do Estado. 1.3.4 Adam Smith e a mão invisível do mercado Durante os séculos XVIII e XIX, diversos filósofos se debruçaram sobre a função do Estado, do poder do monarca e da vontade do povo. Esse momento marca uma intensa mudança na forma como a sociedade se organiza, com o crescimento cada vez maior da importância da burguesia e o surgimento da indus- trialização e do capitalismo como principal modelo econômico, o que acelerou o fim dos Estados. Um dos principais autores desse período, cujas ideias moldaram o modelo econômico do capita- lismo e repercutem até hoje, é Adam Smith, que criou a visão conhecida como escola clássica da economia em sua principal obra, A riqueza das Nações, publicada em 1776. FONTE: THE MUIR portrait. c. 1800. Óleo sobre tela, color., 77,9 x 64,5 cm. Galeria Nacional da Escócia, Edimburgo. Figura 6 Adam Smith, retrato de autoria desconhecida 18 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública A evolução da administração pública 19 Para Smith (2009), cada pessoa em uma sociedade trabalha para buscar seu próprio sustento e a obtenção de suas vontades, mas a soma do que cada pessoa produz é maior do que aquilo que precisa para viver. Assim, o trabalho individual acaba por promover o interesse público geral. Com base nessa ideia, Smith criou o conceito da mão invisível do mercado, que comanda as relações entre cada um dos mem- bros da sociedade. Mesmo que cada um esteja buscando apenas seu próprio interesse, acaba por contribuir para o interesse da sociedade. Outro conceito fundamental de Smith é o de que a riqueza das nações surge a partir da divisão do trabalho e da especialização de cada pessoa em uma determinada tarefa, fundamental para o funcionamento da sociedade como um todo. Essa ideia é a base dos trabalhos de autores fundamentais para o surgimento da administração como uma ciência. Já os estudos de tempos e movimentos – desenvolvidos por Frederick Winslow Taylor, Frank e Lilian Gilbreth, que analisam os ganhos de produtividade com a divisão do trabalho e a racionalização das atividades – são fundamentais para o surgimento da Escola da Administração Científica. O economista britânico David Ricardo (2018) também estudou a relação entre riqueza e poder, tendo como foco a distribuição da ri- queza a longo prazo. Para ele, como o crescimento da população se acelera cada vez mais, haveria uma escassez de terras produtivas. Esse fenômeno diminuiria a renda dos proprietários e do Estado, que deveria, então, buscar novas formas de crescimento. Ricardo defende que o trabalho deveria ser visto como uma mercadoria e, como tal, teria um valor de mercado de acordo com sua qualidade. O crescimento acelerado das indústrias e, consequentemente, da quantidade de pessoas que migraram do campo para as cidades em busca de um trabalho fez com que alguns filósofos passassem a estudar essas novas relações de poder e organização da sociedade. Karl Marx e Friedrich Engels (2008) lançam O Manifesto do Partido Comunista (1848), no qual defendem que a história foi marcadapela luta de classes, sendo essa a real origem econômica dos Estados, sejam eles absolutistas ou republicanos. Os autores afirmam que a dominação econômica do homem pelo homem é a real fonte de poder político, sendo que a classe dominadora explora o trabalho da classe dominada, gerando riqueza apenas para si, e não para a sociedade como um todo. Autor de A riqueza das Nações, Adam Smith é um dos mais influentes filósofos liberais. No vídeo A vida de Adam Smith, publicado pelo canal Academia Liberalismo Econômico, Tyler Cowen nos apresenta uma breve biografia do pensador. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=6AGHki- 6JP0k. Acesso em: 17 fev. 2020. Vídeo 20 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública 1.4 Administração pública no Brasil Colônia Vídeo A vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, acontece durante o intenso período de mudanças políticas e econômicas que marcaram os séculos XVII e XVIII na Europa, com a diminuição do poder da monarquia e, a partir da Revolução Francesa, pelo fim das monar- quias absolutistas. Com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao trono, a França pas- sou a dominar grande parte de Europa, com exceção da Inglaterra e de Portugal. Como forma de retaliação ao poderio inglês, Napoleão de- cretou, em 1806, um bloqueio continental, proibindo que os países do continente realizassem transações comerciais com os ingleses. Aliado comercial histórico dos ingleses, Portugal não aceitou o bloqueio determinado pelo general francês, o que levou Napoleão a ordenar a invasão de Portugal em 1807. Para isso, negociou com a Espanha o Tratado de Fontainebleau, por meio do qual a França atravessaria o território espanhol para invadir Portugal. De acordo com o tratado, após a invasão, a Espanha se apoderaria de uma parte do território português. Ainda no ano de 1807, a família real portuguesa foge da Europa em direção ao Brasil, que passa a ser a sede da Monarquia Portuguesa (MEIRELLES, 2015). No período anterior à chegada da família real ao Brasil, já havia uma estrutura de administração pública, responsável pela gestão da Colônia. Prado Jr. (2011) explica que a organização dessa es- trutura de administração não seguia os padrões que conhecemos hoje, com esferas separadas em municípios, estados e federação. Na Colônia, a administração pública era formada por uma só es- trutura que abarcava toda a gestão de relação do indivíduo com o governo, com várias instâncias e jurisdições. Para o autor, essa falta de organização clara da gestão pública fazia com que houvesse um caos legislativo, com funções que não existiam em alguns lugares e competências e responsabilidades que eram atribuídas a mais de um servidor, sem a clareza sobre quem era responsável pela atividade. Mesmo a hierarquia do fun- cionalismo público não era clara. Prado Jr. (2011) destaca que a administração era marcada pelo excesso de centralização e pela A evolução da administração pública 21 falta de diferenciação de funções entre os agentes públicos. Des- taca também a quantidade de normas e leis, o que levava a uma grande demora nos processos e excesso de burocracia. Como as decisões eram centralizadas em Portugal, o poder das autoridades e dos magistrados da Colônia era esvaziado, somado à dificuldade de comunicação, que fazia com que uma decisão levasse meses para ser implementada. Além disso, a estrutura da administra- ção pública da Colônia não era distribuída e organizada de modo igua- litário em todo o país e havia também a falta de clareza sobre quem efetivamente exercia o poder em cada uma das regiões, o que fazia com que a gestão pública fosse ineficaz. Realizada pelas jornalistas Sandra Moreyra e Mônica Sanches, da Globo News, a série de 12 documentários 1808, a Corte no Brasil abrange o período joanino, desde a vinda da Corte ao Brasil até seu retorno a Portugal. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=OU- X-zSyaMIc&list=PLyP1ks9va- qhiO1lMqCt89xkLgF-x1BDil Acesso em: 17 fev. 2020. Documentário 1.5 Formação do Estado Nacional: o Brasil Império Vídeo A falta de organização e a pouca clareza sobre a hierarquia dos ór- gãos públicos estimulavam o favorecimento das pessoas ligadas aos agentes públicos, em troca de benefícios e recompensas financeiras e políticas, origem da corrupção e do clientelismo presentes até hoje em algumas esferas da gestão pública. Dessa forma, durante os séculos nos quais ainda eram apenas uma Colônia, as estruturas públicas fo- ram gradativamente sendo organizadas, com a criação de processos e normas que deram origem a um modelo burocrático, de certa forma, ainda presente nos dias atuais. Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, a estrutura da admi- nistração pública sofreu uma grande mudança (MEIRELLES, 2015). Nos navios, que trouxeram cerca de 15 mil pessoas da corte, estavam tam- bém os documentos, instrumentos e símbolos que permitiriam que a gestão, tanto da metrópole quanto da Colônia, fosse realizada a partir do Rio de Janeiro. Para instalar essa máquina administrativa, o primeiro passo era de- finir os locais físicos nos quais cada instituição seria alocada. Casas dos prepostos, nobres, fidalgos e comerciantes ricos foram transformadas em sedes das repartições públicas. Na maior parte dos casos, essas edificações passaram a ser tanto a sede da repartição quanto a resi- dência do agente público. 22 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Meirelles (2015) lista algumas das instituições que foram importa- das da metrópole, entre elas: o Desembargo do Paço; o Conselho de Fazenda e a Junta de Comércio. Já outras repartições administrativas foram criadas para atender às necessidades de transformar a Colônia na sede do reino, tais como: Academia de Marinha; Artilharia e Forti- ficações; Arquivo Militar; Tipografia Régia; Fábrica de Pólvora; Jardim Botânico; Biblioteca Nacional; Academia de Belas Artes e Banco do Brasil. Muitas dessas instituições existem até hoje e foram fundamen- tais para a criação do Estado brasileiro. Também tiveram grande im- pacto na economia do país, na vida social e cultural e lançaram as bases do modelo político administrativo. Após a declaração da Independência do Brasil, a Constituição de 1824 determinou o Estado Nacional como um governo unitário e cen- tralizado, com o território do país dividido em províncias, cada uma delas dirigida por um presidente escolhido pelo imperador (COSTA, 2008). Além do presidente, cada província contava com um conselho geral constituído por membros eleitos e foi também constituída uma Câmara Nacional, com representantes de cada província. Segundo Costa (2008), a gestão do novo país foi dividida em qua- tro poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador. Os três primeiros ainda são presentes na organização política do país, en- quanto o poder moderador era exercido pelo imperador, apoiado por dois órgãos: um de caráter consultivo, o Conselho de Estado, e outro de caráter executivo, formado pelos ministros de Estado. O Poder Legislativo foi criado em um formato muito seme- lhante ao que ainda existe em nosso ordenamento político: uma Assembleia Geral, dividida em duas casas – a Câmara dos Deputados e o Senado do Império. Já o Poder Judiciário ainda apresentava uma estrutura simplificada, se comparada ao que hoje existe: nos municípios, havia os juízes de direito e os juízes de paz, que tinham o papel de realizar conciliações prévias a qualquer processo. Nas capitais das províncias e na capital do Império, o Supremo Tribunal de Justiça dava a palavra final so- bre as questões jurídicas. Esse modelo só sofreria uma mudança significativa após Pedro I abdicar o trono. Como seu filho Pedro II ainda era uma criança de cinco anos, o governo brasileiro entrou em um momento de crise. Figura 7 Capa da Constituição Federal de 1824 Arquivo Nacional do Brasil A evolução da administração pública 23 No ano de 1832, uma reforma da Constituição criou as AssembleiasLegislativas em cada uma das províncias, o que representou o início de um processo de descentralização da gestão pública. Outras mudanças importantes incorporadas nessa reforma foram a criação do Poder Legislativo provincial e, principalmente, a divisão de rendas entre o governo central e os governos provinciais. Em 1847, com a criação do cargo de presidente do conselho de minis- tros, o país passou a ser governado, em sentido prático, por um primeiro- -ministro. O imperador continuou sendo a figura máxima do governo, mas exercia apenas o poder moderador. Esse modelo trouxe maior esta- bilidade ao Império, que sobreviveu ainda por quase meio século. O fim do período imperial foi acelerado por algumas questões po- líticas e outras econômicas. Assim, em 15 de novembro de 1889, foi proclamado fim do governo imperial e a instauração da república como forma de governo do Brasil. 1.6 Brasil República e as mudanças na administração pública Vídeo Apesar da mudança na forma de governo, o cotidiano da gestão pública brasileira pouco mudou nesse período. A economia do país era baseada na agricultura, marcada pela monocultura e pelos grandes la- tifúndios, tendo a cana-de–açúcar como principal cultura, que foi sendo gradativamente suplantada pela cafeicultura como produto de expor- tação. Essa mudança fez com que o poder político migrasse das elites cariocas, ligadas ao governo imperial, para os cafeicultores paulistas, deslocando a capital financeira do país para a cidade de São Paulo. Do ponto de vista da organização política, a Constituição de 1891 instituiu a república como forma de governo, baseada no federalismo. Ficou mais clara, também, a divisão dos poderes: foi criado o regime presidencialista, sendo o presidente o representante do Poder Executivo. O Poder Legislativo pouco mudou: continuou contando com duas casas – a Câmara dos Deputados e o Senado –; a diferença é que os representantes passaram a ser eleitos e os mandatos passaram a ter uma duração preestabelecida. O Poder Judiciário teve sua autonomia aumentada, mas sofreu poucas alterações em sua estrutura. 24 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública A principal mudança no modelo de gestão pública, com a instauração da República, aconteceu nas províncias. Elas fo- ram transformadas em estados com governadores eleitos. No modelo federalista, os estados passaram a ter maior au- tonomia, tanto política quando econômica, pois passaram a manter grande parte da arrecadação de impostos. Apesar do grande avanço político que esse modelo representou, na prá- tica, os estados continuaram a ser comandados pelos grandes proprietários de terra, que usavam seu poder para garantir a eleição de seus protegidos, usando o artifício do voto de ca- bresto, ou seja, obrigavam seus empregados e agregados a votarem nos candidatos escolhidos por eles. Assim, passaram a controlar as eleições e concentrar o poder dos governos es- taduais e, consequentemente, do governo federal. No cotidiano da gestão pública, não ocorreram grandes mudanças. A burocracia, o clientelismo e as estruturas das re- partições públicas continuaram a ser presentes na relação da população com o Poder Público. Esse período de cerca de 40 anos, conhecido como República Velha, entrou em crise com as mudanças sociais e econômicas pelas quais o país passou: o surgimento da industrialização, que acelerou a urbanização, em especial, o crescimento das grandes cidades – com destaque para São Paulo. A nova elite industrial, formada por empreendedores sem ligação política com os latifundiários, trouxe conflitos de interesses que tinham impacto político tanto nos estados quanto no governo federal. O pacto político entre os diversos estados, que garantia uma al- ternância de poder, foi quebrado pela derrota de Getúlio Vargas na disputa eleitoral contra o paulista Júlio Prestes. Como o último presi- dente, Washington Luís, também era um representante do estado de São Paulo, rompeu-se o pacto – conhecido como política do café com leite –, o que criou as condições políticas para a Revolução de 1930. A evolução da administração pública no Brasil passou por grandes mudanças e saltos no século XX. Esse momento da história da admi- nistração pode ser dividido em alguns períodos, marcados por mudan- ças nos conceitos que norteiam o papel da máquina administrativa. Figura 8 Capa da Constituição Federal de 1891 Arquivo Nacional do Brasil A evolução da administração pública 25 1.6.1 Estado Administrativo (1930-1945) A partir da Revolução de 1930, a administração pública passa por um novo período de centralização do poder no governo federal, em contra- partida à maior autonomia dos estados, observada na República Velha. O foco central das mudanças foi buscar desenvolver padrões técnicos para nortear o trabalho dos órgãos da administração federal. Apesar de a administração pública passar a ser objeto de estudo por parte dos meios acadêmicos, não se pode dizer que havia uma teoria administrati- va que embasasse as mudanças implementadas (COSTA, 2008). A centralização administrativa no governo federal fez com que muitas estruturas duplicadas e pouco eficientes fossem organizadas de modo mais racional. Um marco importante para a gestão pública foi a criação, em 1937, do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), que tinha como objetivo buscar uma maior racionalização da gestão pú- blica, criando processos, normatizando as estruturas e implementando novos controles administrativos e orçamentários. Em cada estado, foram criadas filiais do departamento, que es- tavam subordinadas ao Dasp federal. Essas unidades estaduais tinham o papel de acompanhar as contas públicas e as ações admi- nistrativas dos prefeitos e do governador. Apesar de as medidas implantadas terem mudado o panorama da gestão pública do país, a burocracia e o clientelismo continuaram mar- cantes. Como ponto positivo, esse período trouxe uma maior profis- sionalização dos quadros do funcionalismo público, o que permitiu um aumento da eficiência e da produtividade. É possível observar, nesse momento da administração pública, a utilização dos conceitos de gestão desenvolvidos por Taylor, com a busca pela racionalização e divisão das tarefas, bem como pela espe- cialização. Foram também implantados os conceitos de planejamen- to, organização, direção e controle, conhecidos como o ciclo PDCA (plan, do, check, act) da gestão, além das atividades ligadas ao con- trole orçamentário e à criação de relatórios de acompanhamento. 1.6.2 Estado para o desenvolvimento (1946-1964) O segundo momento das mudanças da administração pública no século XX tem início com o fim do primeiro governo Vargas, em 1945. O projeto de modernização da administração pública, que marcou a A Revolução de 1930 foi um movimento armado, liderado pelos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, que resultou em um golpe de Estado, levando Getúlio Vargas ao poder e dando início à chamada Era Vargas. Saiba mais 26 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Era Vargas, foi abandonado. Entre os anos de 1945 e 1951, a adminis- tração pública passou por um momento de estagnação, em que as reformas foram abandonadas e o funcionalismo público apenas deu continuidade aos processos. Segundo Costa (2008), a partir de 1951, com o retorno de Vargas à presidência – dessa vez pelo voto direto –, ocorreu um movimento de retorno a alguns dos conceitos que haviam sido implantados no decor- rer da década de 1930. Muitas repartições públicas e departamentos foram reagrupados e o papel de cada ministério passou a ser mais in- dependente das decisões políticas tomadas pela presidência. A descen- tralização dos processos de gestão foi acelerada, com o objetivo de dar mais rapidez e eficiência à máquina pública. Com a eleição de Juscelino Kubitschek (JK), a administração pública entrou novamente em um período de transformações. Com seu perfil desenvolvimentista, JK definiuobjetivos de crescimento para o país em setores chave da economia, como energia, transporte, indústria pesa- da e alimentação, com destaque para o incentivo à indústria automo- bilística. O lema do seu governo – “50 anos em cinco” – demonstrava a ênfase no desenvolvimento econômico. Kubitschek buscou organizar a gestão pública de modo a incenti- var o planejamento e a execução de grandes obras. Com esse objetivo, conforme aponta Costa (2008), criou algumas instituições de adminis- tração direta, sendo considerada a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos (Cepa) a mais importante. A comissão foi responsável por desenvolver o projeto de um pla- nejamento do desenvolvimento nacional, organizando as informações sobre o orçamento da federação e dos estados, e coordenar os esfor- ços dos diversos ministérios para que o projeto de desenvolvimento nacional fosse colocado em prática. Outra importante instituição criada por JK foi a Comissão de Simplificação Burocrática (Cosb), que tinha a função de modernizar os processos de gestão pública no país. Durante todo o período, a máquina pública cresceu de maneira acen- tuada, tanto com o objetivo de melhorar o atendimento da população, por meio dos serviços públicos, quanto como reflexo da criação de diversas instituições, repartições e empresas públicas para atender às demandas da administração pública. Essas novas instituições de administração des- centralizadas tinham maior autonomia, gerencial e política, se compara- No vídeo A história do surgimento de Brasília, publicado pelo canal Governo do Brasil, você pode ver a história de Brasília, com imagens do Arquivo Público do Distrito Federal. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=qRj- qdX9HlYs. Acesso em: 17 fev. 2020. Vídeo A evolução da administração pública 27 das aos órgãos de administração direta, que sofriam com normas rígidas e controles legais, além de sofrerem com a burocracia e o clientelismo, marcas seculares da gestão pública brasileira. 1.6.3 Regime militar e administração pública no Brasil Do ponto de vista político, o regime militar significou uma grande mudança para o Brasil. Não se pretende aqui discutir as questões polí- ticas desse momento, mas os impactos desse período político sobre a administração pública. Do ponto de vista da gestão administrativa, a primeira fase do go- verno militar representou uma continuidade das mudanças iniciadas por JK. O Decreto-Lei n. 200 (BRASIL, 1967) teve como princípios básicos alguns conceitos já existentes nos planos de Kubitschek. O decreto se constituía como uma lei orgânica com o objetivo de ordenar a adminis- tração pública, que deveria se guiar pelos seguintes princípios: Princípios da administração pública Planejamento Coordenação Descentralização Delegação de competência Controle 1 2 3 4 5 O referido decreto também dividia a administração pública em duas: a administração direta, formada pelos ministérios e órgãos li- gados e subordinados à presidência da República, passou por um pro- cesso de reagrupamento, no qual os departamentos administrativos, repartições e divisões foram organizados em 16 ministérios, divididos 28 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública entre ministérios políticos, econômicos, sociais, militares e de plane- jamento; e a administração indireta e descentralizada, que cresceu nos anos do governo militar com a criação de empresas públicas e em- presas de economia mista e o fortalecimento das fundações públicas e autarquias. Na gestão pública, o foco do decreto-lei estava no sistema de mérito e em um novo plano de classificação de cargos, com o redesenho das estruturas auxiliares, tais como as áreas de pessoal, órgãos de controle do orçamento, institutos de estatística, órgãos de administração finan- ceira, contabilidade e auditoria. Muitas das reformas básicas da administração pública foram implan- tadas durante esse período, como uma reforma tributária, organização do sistema bancário e do sistema de ensino superior e, sobretudo, uma pro- funda reforma da administração pública. Um dos reflexos da reforma tri- butária foi a simplificação dos impostos. Porém, ela também concentrou os recursos advindos dos impostos na administração federal, diminuindo brutalmente a independência financeira de estados e municípios, que pas- saram a depender dos repasses do governo central. A reforma administrativa implantada pelo governo militar conso- lidou o modelo de administração desenvolvimentista iniciado por JK, mas também possibilitou o aumento da intervenção do Estado na eco- nomia e na sociedade brasileira, característica das ditaduras. Tanto a administração direta quanto a indireta cresceram de modo consistente durante o período militar, mas com resultados diversos nas duas esfe- ras administrativas. Enquanto na administração indireta as empresas estatais buscavam o desenvolvimento de novos modelos de gestão, mais alinhados às modernas práticas do setor privado, na administra- ção direta, o Estado ficou ainda mais pesado, burocrático, regido por rígidas regras e ainda marcado pela ineficiência e pelo clientelismo. A partir da segunda metade da década de 1970, a ditadura militar entrou em um momento de crise política, que teve um impacto negati- vo na administração pública. No final dessa década e início da década seguinte, foram lançados dois programas com o objetivo de moderni- zar a gestão pública: o programa de desburocratização e o programa de desestatização. Ambos foram criados para aumentar a eficiência e a eficácia na administração pública. A evolução da administração pública 29 O programa de desburocratização buscava diminuir processos des- necessários e melhorar o serviço prestado ao cidadão, tendo um cará- ter social e político. Entre as ações propostas pelo programa, estavam o enxugamento da máquina pública, a eliminação de órgãos desneces- sários e o alinhamento com as demais instituições da administração direta e indireta (COSTA, 2008). Já o Programa Nacional de Desestatização visava diminuir a par- ticipação do Estado na economia e o fortalecimento da iniciativa privada. O princípio básico a nortear a atuação do Estado é que seu papel é suplementar, encorajando e apoiando o setor privado, e a empresa privada tem o papel de organizar e explorar as ativida- des econômicas. De acordo com o programa, o governo brasileiro deveria privatizar as empresas estatais sempre que o controle pú- blico não fosse necessário ou que não houvesse uma justificativa para a participação pública na empresa. Dentro do escopo do programa de desestatização, a privatização não deveria enfraquecer as empresas mantidas sob controle público, sejam as empresas ligadas à segurança nacional ou aquelas mantidas para criar condições econômicas e tecnológicas fundamentais para o desenvolvimento do setor privado. De certa forma, o programa de de- sestatização foi uma forma de o governo reconhecer o excesso de in- tervenção da administração pública na economia, buscando orientar a economia brasileira para cumprir a Constituição do país, que definia o Brasil como uma economia de mercado. 1.7 Governos democráticos pós-ditadura e administração pública no Brasil Vídeo O governo militar teve fim em 1985, com a eleição de José Sarney. O novo governo recebeu uma máquina administrativa centralizada e burocrática. Durante as duas décadas de governo, grande parte dos funcionários públicos ingressaram sem concurso público ou processos seletivos, sendo escolhidos de maneira fisiológica e clientelista. O qua- dro de funcionários públicos era inchado, as práticas administrativas defasadas e os processos rígidos e burocráticos. A seguir, veremos um pouco mais sobre cada um dos governos democráticos brasileiros. 30 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública 1.7.1 Governo Sarney O novo governo enfrentou o desafio de reanimar a economia, impactada por uma grave crise e altas taxas de desemprego e de inflação. A estruturaadministrativa mal dimensionada agravava ain- da mais esse quadro. Marcelino (2003) aponta que o governo preci- sou reverter rapidamente essa situação, buscando diminuir e tornar mais ágil o aparelho administrativo. Uma das primeiras ações do novo governo foi a criação da Secretaria de Administração Pública da Presidência da República (Sedap), que, além de gerenciar as atividades da administração pública, também tinha como objetivo modernizá-la e dar continuidade ao processo de desburocratização. O Sedap substituiu o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) que já existia desde 1937. O governo focou também no desenvolvimento dos quadros de servidores públicos, com a criação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e o Centro de Desenvolvimento da Administração Pública (Cedam). O governo Sarney instituiu uma comissão de estudos, com o obje- tivo de redefinir o papel do Estado e racionalizar os processos admi- nistrativos e de gestão. A comissão funcionou a partir de 1985, sendo que, em 1986, teve seus trabalhos suspensos durante a implantação do Plano Cruzado, que objetivava a estabilidade da moeda e a diminuição das taxas de inflação. Ainda em 1986, o governo lançou um grande pro- grama de reformas administrativas, que buscava não só melhorar os serviços públicos como também diminuir os gastos públicos. Porém, na prática, a maior parte das medidas propostas não foram implantadas de modo a trazer uma mudança significativa na máquina pública. Foi a partir da Constituição de 1988 que as mudanças da adminis- tração pública se tornaram mais profundas. A Constituição diminuía a autonomia do poder Executivo na gestão pública, transferindo algumas dessas atribuições para o Congresso. Também, determinava a descen- tralização de recursos orçamentários, possibilitando uma maior auto- nomia aos estados e municípios. Por outro lado, a Carta de 1988 acabou por trazer alguns retrocessos na gestão pública, em especial na administração indireta. As empresas estatais e de economia mista, apesar de também registrarem casos de ineficiência, de corrupção e de burocracia, representavam um grande A evolução da administração pública 31 avanço para a gestão pública, pois contavam com estruturas menos inchadas e processos mais modernos. A Constituição equiparou os me- canismos de controle e os processos das empresas e instituições da administração indireta àqueles utilizados na administração direta, com a implantação do regime jurídico único (RJU). Na prática, isso significou que milhares de empregados das empresas estatais, cujos contratos de trabalho eram regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), passassem a ser considerados funcionários públicos estatutários, com direitos de estabilidade e benefícios equiparados aos funcionários da administração direta. O impacto dessa mudança é sentido até os dias atuais na previdência dos servidores públicos, pois esses funcionários passaram a ter direito a aposentadorias integrais, sem ter contribuído para isso durante grande parte de sua vida profissional. A implantação do RJU também criou as condições para que os gas- tos com salários e benefícios da folha de pagamentos do funcionalismo público crescesse de maneira descontrolada nas últimas décadas, o que impacta o equilíbrio das contas públicas, tanto do governo federal quanto dos estados e municípios. 1.7.2 Governo Collor A eleição do primeiro presidente civil pelo voto direto, após quase 30 anos desde a implantação do governo militar, foi marcada pela dis- cussão sobre a máquina pública e os exageros dos gastos com o funcio- nalismo público. O slogan do candidato eleito Fernando Collor durante a campanha eleitoral fazia referência direta a essa realidade. O candi- dato ficou conhecido como “o caçador de marajás”, termo usado para identificar os funcionários públicos que recebiam salários gigantescos, aproveitando as brechas da lei e os diversos dispositivos e benefícios que regiam a remuneração dos agentes públicos. Apesar da grande expectativa gerada durante a campanha, o país foi tomado de surpresa no dia da posse do novo presidente. No primeiro dia de governo, Collor mudou o nome da moeda, con- gelou a poupança e as contas bancárias de milhões de pessoas e empresas e editou dezenas de medidas provisórias e decretos. Muitas das medidas implantadas pelo presidente são discutidas na justiça até o presente momento. 32 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Além das mudanças econômicas, Collor também extinguiu diversos órgãos da gestão pública e demitiu milhares de funcionários da máquina pública. A grande mudança que o governo tentou implementar foi uma nova visão do papel do Estado na economia. Em seu breve governo, Collor interveio de maneira muito mais intensa na economia do que seus prede- cessores. Porém, não conseguiu redefinir o papel do Estado e o tamanho ideal do governo, temas que foram fundamentais para a sua eleição. O governo Collor foi abreviado pelo processo de impeachment, que derrubou o presidente cerca de dois anos depois de sua posse. Para a máquina pública, os reflexos foram gigantescos. Diversas áreas do serviço público foram desestruturadas, em especial, os aparelhos de promoção da cultura e os programas sociais. Torres (2004) aponta que os servidores públicos foram atacados durante a campanha política: passaram a ser vistos como responsáveis por grande parte dos proble- mas econômicos do país. Após o impeachment, Collor foi substituído por seu vice, Itamar Franco, cujo governo foi marcado por poucas mudanças administra- tivas. Franco reestruturou alguns ministérios e deu continuidade a alguns programas de gestão. 1.7.3 Governo Fernando Henrique Cardoso A reforma administrativa mais profunda de toda a história da administração pública foi implantada no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). O novo governo instituiu o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (Mare), responsável pela reforma gerencial implantada em 1995. Segundo Bresser-Pereira (2008), a reforma gerencial foi tanto estrutural quanto de gestão. Dentro do escopo geral da reforma estavam embutidas mudanças como desobstrução do Legislativo, reforma tributária, descentralização da administração pública, além de buscar objetivos sociais como a reforma agrária, a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a reforma da educação. O objetivo maior do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (PDRAE) implantado pelo governo era implantar as bases de uma “administração gerencial” e tinha como proposta um ajustamento fiscal, reformas econômicas e da previdência social. O plano também criou novos instrumentos de política social, aumentando e melhorando o alcance dos serviços sociais. Por último, também buscava melhorar a eficiência das políticas públicas. Segundo o plano, o governo brasi- A evolução da administração pública 33 leiro tinha legitimidade democrática e apoio da sociedade, mas tinha problemas para implantar as políticas públicas que planejava por se encontrar preso a uma máquina pública rígida e ineficiente. Assim, a reforma proposta redefiniu o papel do Estado, que passou a ser o promotor e o regulador do desenvolvimento econômico, e não mais o responsável único e direto pelo crescimento do país. Um Estado menos executor e prestador de serviços não devia ser o dono de em- presas e não devia interferir diretamente na economia; assim, os pla- nos de desestatização e desburocratização ganharam ainda mais força. Já no papel de regulador e coordenador, o plano defendia a descentra- lização vertical, redistribuindo o poder do governo federal para as esferas estadual e municipal, além da criação de agências e órgãos reguladores para gerenciar as concessões e a atuação das empresas privatizadas. O plano buscava colocar em prática uma mudança radical da ges- tão pública, substituindo a burocracia rígida e ineficiente, com foco na manutenção da própria máquina, por uma administraçãopública ge- rencial, flexível e eficiente, com foco no atendimento da população e na promoção da cidadania. Essa mudança ocorreria em três planos: na reforma da Constituição e das leis; na nova visão da administração pública; e na gestão cotidiana na qual se concretiza a reforma. 1.7.4 Governo petista: as eras Lula e Dilma A eleição de Luís Inácio Lula da Silva em 2002 marcou uma gran- de mudança na visão do papel do Estado na economia e na ges- tão administrativa da máquina pública. Durante todo o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Partido dos Trabalhadores (PT) se posicionou de forma contrária aos programas de privatização das empresas públicas e contra a menor interferência do Estado na economia. Assim, nos primeiros anos do governo Lula, é possível identificar uma série de decisões e ações que buscavam reverter as políticas adotadas durante o governo FHC. Na gestão de pessoas no funcionalismo público, o governo Lula re- verteu a política de diminuição do quadro de funcionários. Iniciou-se um processo de recomposição do quadro do funcionalismo, com a criação de cargos e vagas, bem como uma recomposição salarial com a promes- sa de gratificação pelo desempenho. Somente no primeiro mandato de Lula, cerca de 100 mil novos servidores públicos foram contratados. 34 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Apesar do número elevado, Cardoso Jr. e Nogueira (2011) acreditam que essas contratações apenas recompuseram o quadro de servidores registrado na metade da década de 1990. Além de oferecer aumentos salariais e gratificações, o governo Lula também diminuiu a diferença entre os níveis salariais do funcionalismo. Durante o processo de planejamento das reformas administrativas e do Plano Plurianual 2003-2007, o novo governo procurou ouvir a po- pulação, realizando reuniões em todos os estados da federação. De certa forma, colocou em prática as promessas de campanha de criar um modelo democrático e participativo de gestão. A postura era opos- ta à adotada pelo governo Collor, que culpava o funcionalismo público pelos problemas do país. Segundo Gomes et al. (2008), o governo não se posicionou contra seus funcionários públicos, mas sim ao lado deles. Mas nem todas as reformas adotadas pelo governo anterior foram abandonadas. O governo Lula também deu continuidade a algumas das reformas implantadas pelo governo FHC, tal como a previdência dos servidores públicos. Lula também buscou racionalizar a complexa legislação relativa ao funcionalismo e ao serviço público do país. Mais de 1.500 leis relativas à gestão das carreiras, contratos e modelos de remuneração foram con- centradas em oito leis, reduzindo a burocracia e deixando mais claro o papel do funcionalismo público. A década de 2000 foi marcada também pela acelerada informatiza- ção da gestão, tanto das empresas quanto da administração pública. A tecnologia possibilitou o aumento da eficiência, maior rapidez na prestação de serviços e maior clareza e transparência sobre os núme- ros e dados do governo. O processo de modernização da administração pública implemen- tado pelo governo Lula não ocorreu apenas na esfera nacional. Os es- tados também receberem recursos do Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados e do Distrito Federal (PNAGE) para implantar ações de gestão e de controle do gasto público. Também foi criado o Programa Nacional da Gestão Pública e Desburocratização (GesPública) para combater a burocracia por meio da capacitação dos servidores. No segundo mandato de Lula, a partir de 2007, o governo buscou limitar os gastos públicos com a folha de pagamentos, o que pode pa- A evolução da administração pública 35 recer um contrassenso em relação ao aumento salarial e ao tamanho do quadro de funcionários públicos realizados no primeiro manda- to. Pressionado pelo peso da folha de pagamentos no orçamento do governo, o que dificultava o investimento em desenvolvimento e em ações sociais, o governo modificou a estrutura de remuneração dos servidores e buscou implantar processos de avaliação de desempenho, buscando ligar a remuneração ao desempenho individual do servidor. Esse modelo de gestão de pessoas, comum em empresas privadas, era ainda pouco usado na administração pública. Segundo Bresser-Pereira (2000), essa postura, conhecida como gerencialismo, é uma característi- ca da administração pública gerencial, assim como a profissionalização dos servidores e a diminuição da burocracia. O modelo gerencialista busca melhorar o serviço público e diminuir os custos do funcionalismo. Em seu segundo mandato, Lula também buscou continuar o processo de modernização do Estado ao propor uma nova Lei Orgânica com o objetivo de atualizar as normas da administração pública, servindo de parâmetro das diretrizes gerais a serem seguidas pela União, estados e municípios. A modernização também envolveu a integração entre o planejamento, a gestão do orçamento e o acompanhamento dos resultados obtidos. A busca pela participação pública, tanto no planejamento quan- to no acompanhamento do desempenho e da produtividade, conti- nuou a ser um ponto importante para a gestão pública. O governo incentivou a participação e o controle social e buscou oferecer trans- parência sobre seus números. Do ponto de vista da administração pública, o governo Dilma Rousseff representou uma continuidade das mudanças implementadas pelo governo Lula. A questão da modernização e informatização dos dados e informações sobre a gestão ficou ainda mais evidente, com ações voltadas ao desenvolvimento de softwares específicos para a gestão pública. Assim, o processo de modernização da administração pública passou a ser um dos focos de divulgação da área de comunicação do governo, mostrando que buscava se adequar às novas ferramentas e aos canais de comunicação, melhorando a qualidade do serviço público e oferecendo maior clareza sobre os dados do governo. Esse foco na digitalização e nos investimentos em sistemas também pode ser observado no curto segundo governo de Dilma. O foco estava em diminuir a quantidade de papéis e processos manuais, usando sistemas e a 36 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública internet para dar organização e celeridade aos processos públicos, tornan- do o ambiente de negócios mais claro e facilitando a vida do cidadão. A preocupação com a desburocratização já estava presente no governo Lula e também foi alvo de ações do governo Dilma. Procurou-se, por meio da desburocratização, reorganizar a máquina administrativa, diminuir os gastos públicos e ter maior controle sobre como os recursos públicos eram investidos. Também se buscou investir em ferramentas e processos de governança para oferecer mais transparência sobre as ações do gover- no e controle da administração pública por parte da população. Os governos democráticos pós-ditadura foram marcados pela bus- ca da modernização dos processos administrativos e a incorporação de novas tecnologias que dão suporte à gestão. Por ocasião do fechamen- to desta obra e pelo pouco tempo de governo, não serão analisados os governos Temer e Bolsonaro. Contudo, é possível verificar que a alter- nância de poder entre grupos políticos com visões diferentes sobre o papel do estado trouxe também mudanças na estrutura da administra- ção pública, tanto em termos de tamanho quanto em relação à interfe- rência das políticas públicas na economia do país. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisar a história da administração pública no Brasil, é possível identificar diversas características e estruturas que ainda se fazem pre- sentes atualmente. Algumas dessas características são hoje alvos de críti- cas, como o clientelismo e a corrupção, mas estão enraizadas na máquina pública do Estado. Os governos democráticos das últimas décadas têm realizado esforços na direção de modernizar a estrutura e processos de gestão, além de investir no desenvolvimento dos quadros do funcionalis- mo público,na busca pela melhoria dos serviços prestados ao cidadão. ATIVIDADES 1. Explique o conceito do nepotismo, característica marcante da administração pública durante o período de formação do Estado brasileiro. 2. Explique as funções do rei-filósofo e dos magistrados no conceito da Kallipolis (cidade bela) proposto por Sócrates no livro A República. 3. Explique o conceito do clientelismo, que surgiu durante o período de formação do Estado brasileiro. A evolução da administração pública 37 REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 27 mar. 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/del0200.htm. Acesso em: 17 fev. 2020. BRESSER-PEREIRA, L. C. A Reforma Gerencial do Estado de 1995. Revista Brasileira de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 34, n. 4, p. 7-26, 2000. BRESSER-PEREIRA, L. C. Os primeiros passos da reforma gerencial do estado de 1995. Revista Brasileira de Direito Público. Brasília, v. 23, p. 145-186, 2008. CARDOSO JR., J. C.; NOGUEIRA, R. 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Isso ocorre porque a administração pública está relaciona- da ao modelo de Estado adotado pelo país. As definições sobre como serão os níveis de atuação do Estado sobre a economia são a base dos parâmetros a serem seguidos pela máquina da administração pública. 2.1 Bases e organização da administração pública Vídeo Para que possamos entender como se estrutura a administração públi- ca no Brasil, precisamos, primeiramente, diferenciar o papel do Estado e do governo e como essas duas figuras interagem no cotidiano da sociedade. Para Passaes et al (2013), o conceito de Estado remonta ao surgimen- to das polis gregas e das primeiras civitas romanas, mas a sua concepção atual surge a partir do século XVI. Nesse conceito moderno, o Estado está ligado tanto a uma definição territorial quanto a uma cultural e política. Segundo Silva et al. (2017, p. 26), o que marca a definição do Estado é o seu território, bem como o seu povo. Para os autores, “o Estado se apresenta como uma unidade básica social com território definido e com uma nação constituída pela coletividade que habita determinada locali- Gestão das políticas públicas no Brasil contemporâneo 39 dade, genericamente entendida como um povo. Atualmente, a principal forma de organização política dá-se por meio do Estado Moderno”. Para comandar essa unidade territorial e cultural, é necessário escolher ou nomear um grupo de indivíduos que tenham o papel de controlar as atividades e as relações entre as instituições e as pessoas. Esse grupo deve ter como base de suas decisões e ações uma legisla- ção alicerçada em valores e crenças que sejam reconhecidos e aceitos pelos membros do Estado, mesmo que, para isso, se faça necessário o uso da força. Além desse papel interno, relacionado aos membros que o constituem, o Estado também tem o papel de representar os anseios e valores de seu povo frente aos demais Estados e povos, defendendo sua unidade econômica, cultural e territorial. O Estado brasileiro é governado com a divisão em três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Essa divisão em poderes é obser- vada em quase todos os países democráticos na atualidade, e a ideia da separação do Estado em três poderes remonta às discussões de Aristóteles sobre a cidade ideal. Segundo o filósofo, o poder não deveria estar concentrado em um só indivíduo e, por isso, sugere a divisão do Estado em três par- tes: a assembleia dos cidadãos, que, na versão moderna de Estado, é representada pela Câmara e pelo Senado; o verdadeiro sobera- no, representado, no Estado atual, pelo presidente; e a magistratu- ra, hoje representada pelo Poder Judiciário. Assim, o governo é composto por um grupo de indivíduos elei- tos, que assumem posições nas quais têm alto poder de decisão sobre os rumos da sociedade. Porém, essas decisões são contraba- lanceadas pelo sistema de freios, pelos contrapesos dos três pode- res, pela atuação política, pelas estratégias dos partidos políticos, pelos interesses de grupos econômicos e, também, pelas ideolo- gias que cada um desses grupos representa. Para que o papel do Estado seja colocado em prática pelo governo que está no poder em um determinado período, é necessário que ele conte com uma estrutura composta por órgãos, serviços, instituições e pessoas que prestarão os serviços públicos. A essa estrutura dá-se o nome de administração pública, que é o foco de nosso estudo. O tamanho e a orga- nização dessa estrutura são determinados pela visão que esse grupo tem sobre qual deve ser o papel do Estado no cotidiano da população. No vídeo O que são os Três Poderes, publicado pelo canal Política Sem Mistérios, Milton Monti explica, de maneira didática e divertida, quais são esses poderes e a importância que cada um deles possui. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=E7EjZg- cp1bM. Acesso em: 17 fev. 2020. Vídeo 40 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Analisando os governos da democracia brasileira após o período de governo militar, é possívelentender, na prática, como o governo escolhido pelo povo influencia as decisões do Estado. Os governos Sarney, Collor, Franco e Fernando Henrique Cardoso (FHC) represen- tam uma visão de que o Estado deve participar menos da vida cotidia- na da população e da economia do país, apenas prestando serviços básicos na área da saúde, segurança e educação e, também, regulan- do a atividade da iniciativa privada nas demais áreas da economia. Já os governos Lula e Dilma representam uma visão de que o Estado deve ter um papel mais presente na vida do país, sendo proprietário de empresas públicas atuantes em diversas áreas da economia, além de ter um papel social fundamental, investindo em programas sociais de distribuição de renda. Já o governo Bolsonaro representa um retorno à visão de que o Estado deve participar menos da economia. O papel primordial da administração pública é possibilitar que o go- verno possa desempenhar as atividades necessárias e prestar os servi- ços de modo a garantir que o papel do Estado seja colocado em prática. O aparelho do Estado, seja nos níveis federal, estadual ou muni- cipal, é dividido em duas esferas. Na esfera da administração direta, estão os órgãos que são comandados diretamente pelo governo. Es- ses órgãos não possuem personalidade jurídica própria, pois são re- partições do próprio governo. Eles não têm autonomia administrativa, reportando-se diretamente às instâncias superiores da administração pública. Nessa esfera, encontram-se os ministérios, as secretarias, os departamentos e as repartições públicas. Os recursos humanos que fazem parte da administração direta são formados pelo funcionalismo público, em sua maioria funcionários de carreira admitidos por concur- sos públicos, sob um regime de trabalho especial. Na maioria dos casos, esses órgãos são comandados por qua- dros políticos ou escolhidos por motivos de política, que, em geral, são substituídos a cada novo governo. É comum, também, que al- guns desses órgãos sejam extintos, fundidos, criados ou recriados a cada vez que um novo governo é empossado. Uma das práticas mais comuns nos governos brasileiros, após o período de governo militar, tem sido mudar a estrutura de ministérios, aumentando ou diminuindo a quantidade de pastas, com o objetivo de dar mais ou menos ênfase a alguma área específica do governo. Gestão das políticas públicas no Brasil contemporâneo 41 Essa baixa estabilidade da estrutura da administração direta tem sido apontada como uma das grandes dificuldades encontradas pela gestão pública, pois o tempo e investimento necessários para implan- tar cada uma dessas mudanças acabam por tirar o foco da real função da máquina pública, que é prestar serviços à população. Já na esfera da administração indireta, encontram-se as autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas. Apesar de o Estado ser dono de parte ou da totalidade dessas organizações, elas possuem patrimônio, personalidade jurídica separada e própria e são dotadas de autonomia administrativa. Sua gestão segue os pa- râmetros das empresas privadas, sendo algumas delas de economia mista, ou seja, a propriedade dessas empresas é compartilhada pelo Estado, por empresas privadas e, até mesmo, pessoas físicas. Um exemplo é o caso das empresas listadas em bolsas valores, cujas ações são negociadas no mercado, como a Petrobras. 2.2 Planejamento e implementação das políticas públicasVídeo O planejamento é a fase inicial de todo processo administrativo e é ainda mais fundamental na administração pública, pois o governo lida com uma complexidade muito maior em sua gestão. O Brasil é um país de dimensões continentais, com diferenças econômicas e culturais enormes e com demandas sociais, como educação, saúde, segurança e alimentação, que também diferem de região para re- gião e de estado para estado. Além disso, é preciso levar em consideração que os diversos grupos políticos representam demandas e interesses de partes sig- nificativas da população, o que nos revela uma importante caracte- rística histórica do Estado brasileiro: a dificuldade de diálogo entre os diversos grupos políticos na busca de um entendimento que pos- sa facilitar a formulação de políticas públicas. Observa-se que, a cada vez que ocorre uma mudança no grupo polí- tico no poder, há um desmanche das políticas públicas implementadas pelo grupo anterior, o que acaba dificultando o planejamento de longo prazo – espaço temporal no qual os resultados das políticas públicas podem ser observados. Assim, os conflitos entre os partidos políticos e os grupos de interesse complicam muito o planejamento público. 42 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública É importante conceituarmos o termo políticas públicas para que possamos entender o contexto em que o planejamento público ocor- re. Souza (2006) define políticas públicas como um ramo da ciência po- lítica no qual se busca entender os motivos que levam um determinado governo a tomar certas ações na busca de seus objetivos. Para a autora, as políticas públicas mostram como o governo enfrenta as questões pú- blicas, quais ações serão tomadas para alcançar objetivos específicos e a forma como essas políticas influenciam a vida dos cidadãos. Nos governos democráticos após o governo militar, o planejamento das políticas públicas ganhou importância no Brasil devido a três fato- res, apontados por Souza (2016): Medidas restritivas de gastos, em especial a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000). Uma nova visão sobre o papel do governo: menos executor e mais regulador da economia. A necessidade de impulsionar o desenvolvimento econômico e garantir a inclusão social. 1 2 3 Assim, as políticas públicas são fundamentais para regular as rela- ções entre o Estado, a economia e a sociedade. Durante os processos eleitorais, partidos e candidatos apresentam suas plataformas eleito- rais, tanto na economia quanto nos aspectos sociais. O planejamento das políticas públicas é a tradução desses planos em um plano de ação detalhado, o qual permitirá o exercício do governo. Esse ciclo de gestão é composto por uma sequência de etapas, tais como a definição de agenda, a identificação de alternativas e de cursos de ação, a avaliação e a seleção das opções mais viáveis e eficazes, a execução dos planos e, ainda, a avaliação dos resultados alcançados. As políticas públicas podem assumir quatro formas, conforme aponta Souza (2016): Políticas distributivas: são ações ou decisões do governo que têm um escopo mais individual, buscando oferecer condições privilegiadas para determinados grupos ou mesmo regiões do país, sem, contudo, serem ações que atingem a totalidade da população. Essa limitação do alcance da política pode advir de uma limitação de recursos ou pode ter o objetivo de oferecer condições especiais para um determinado grupo que precise de incentivos. Podemos citar, como exemplos de políticas distributivas, os programas de crédito barato para pequenos empreendedores, os incentivos fiscais para alguns tipos de negócios que precisam se desenvolver ou a realização de obras públicas em comunidades pouco desenvolvidas. Gestão das políticas públicas no Brasil contemporâneo 43 Políticas regulatórias: são aquelas ligadas a legislações que determinam limites ou obrigações e que envolvem os processos burocráticos, as organizações econômicas e as políticas e grupos de interesse. Secchi (2012) explica que as políticas regulatórias são aquelas que definem padrões de comportamento, dando como exemplo as leis que obrigam o uso de capacetes por motociclistas ou que proíbem o fumo em locais fechados. Políticas redistributivas: são aquelas que atingem a população como um todo e que têm aspecto universal. O sistema tributário, as mudanças na previdência e os programas de redistribuição de renda são exemplos dessa forma política. O programa Bolsa família é um exemplode política desse tipo, fundamentado no conceito de redistribuir renda, usando os impostos cobrados sobre os rendimentos e sobre o consumo das parcelas mais ricas da população para garantir uma renda mínima para as parcelas mais pobres. Políticas constitutivas: são as normas e procedimentos necessários para que as outras políticas públicas sejam colocadas em prática pelo governo. As políticas constitutivas orientam e organizam a formulação e a implementação do programa do governo. Secchi (2012) as chama de meta-policies e explica que esse tipo de política está acima das outras. São exemplos de políticas constitutivas a definição das competências de cada um dos três poderes, o sistema eleitoral e as formas de participação da sociedade civil nas decisões políticas. É possível identificar mudanças significativas nessas políticas por meio das mudanças de governo. Podemos citar, por exemplo, a utilização de órgãos colegiados, tais como comitês e conselhos, bastante utilizados nos governos Lula e Dilma, que foram extintos em sua grande maioria no governo Bolsonaro. Ao transformar suas plataformas e o programa eleitoral em um plano de governo, o grupo político no poder desenvolverá o planejamento de suas políticas públicas, com o intuito de alcan- çar os objetivos com os quais se comprometeu frente à população. Porém, cada política pública desenhada pelo governo precisa ser validada e autorizada pelos demais poderes, em especial o Poder Legislativo, que, em muitos casos, precisar propor, discutir e apro- var novas leis para que essa política seja implementada. 44 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Podemos tomar como exemplo a implantação da reforma da previdência social, no ano de 2019. O plano inicial, proposto pelo governo, foi intensamente discutido no Legislativo e a reforma fi- nal foi diferente, em diversos pontos, daquela que era almejada pelo governo. Isso ocorre porque nosso sistema político de freios e contrapesos entre os três poderes busca garantir que todas as parcelas da população sejam ouvidas. Um ponto importante sobre as políticas públicas adotadas por um determinado governo é que tanto as ações que ele toma como as ações que deixa de tomar são representativas da sua visão so- bre qual é o papel e o tamanho do Estado. Como exemplo, temos os programas de privatização, que foram adotados de modo acen- tuado no governo FHC, mas que, durante os governos Lula e Dilma, deixaram de ser centrais na política pública. Em uma democracia, conceitualmente, o grupo político que está no poder representa os desejos e anseios da maioria da população. A pró- pria constituição deixa isso explícito em seu primeiro artigo, afirmando que todo o poder emana do povo (BRASIL, 1988). Desse ponto de vista, as políticas públicas desenhadas pelo governo em vigência deveriam ser implementadas por representar os desejos do povo. Porém, na prá- tica, o planejamento das políticas públicas é extremamente influencia- do por grupos de interesse, sejam eles políticos ou econômicos, que nem sempre representam os anseios da população. Como destaca Rodrigues (2010), a capacidade de articulação do governo junto à socie- dade civil, aos grupos econômicos e aos demais poderes é fundamen- tal para que seus planos sejam colocados em prática. Deve-se salientar também que, mesmo nos casos em que, na fase de formulação da política, o modelo lógico da política tenha sido elaborado de modo adequado juntamente com a análise do dese- nho proposto, na etapa posterior, no início da execução da políti- ca, a avaliação de desenho ainda cumprirá papel importante. Esta permitirá que o desenho planejado inicialmente seja confrontado com a experiência prática de implementação da política, o que gera informações e recomendações para retroalimentar o dese- nho da política e, consequentemente, aprimorar a sua gestão e os seus resultados. (BRASIL, 2018, p. 31) Tão importante e desafiadora quanto a etapa do planejamento é a implementação das políticas públicas. Muitas vezes, os planos Gestão das políticas públicas no Brasil contemporâneo 45 exigirão mudanças estruturais, legais, tecnológicas e de desen- volvimento de recursos humanos, as quais significariam grandes investimentos, tanto financeiros quanto de tempo, podendo não estar disponíveis na máquina pública. Tomemos como exemplo uma política que vise disponibilizar serviços de saúde pública em uma determinada região. Será neces- sário definir um orçamento e realizar processos de concorrência para buscar fornecedores tanto para a construção das edificações como para a aquisição de equipamentos, para a contratação de quadros técnicos, para a estruturação dos serviços e para diversos outros passos a fim de que essa política pública seja efetivada. A implantação das políticas públicas deve buscar atingir os objetivos definidos, dentro dos limites orçamentários e do prazo. Se o proces- so de discussão e planejamento for feito adequadamente, o resultado será a implementação de uma política pública bem-sucedida, embora essa fase seja extremamente influenciada por fatores externos. Condições econômicas, sociais ou políticas podem interferir na im- plementação, muitas vezes fazendo com que os resultados finais não sejam aqueles pretendidos. Lima e D’Ascenzi (2013) demonstram que a clareza dos objetivos, o estilo de gestão adotado pelo governo e, princi- palmente, a capacidade de negociar com os diversos atores envolvidos no processo (população, grupos sociais, grupos de interesse, empresas e partidos políticos) são fundamentais para o sucesso da implementa- ção das políticas públicas. O resultado da implementação das políticas deve ser acompanhado e medido de modo a identificar os motivos dos desvios em relação aos planos iniciais; além disso, o governo deve agir de maneira ativa, me- diando os possíveis conflitos de interesse para que o cronograma seja cumprido. Por isso, as etapas de controle e avaliação dos planos são importantes para garantir o sucesso da administração pública. 2.3 Controle e avaliação das políticas públicas Vídeo A relação da população brasileira com a administração pública é di- cotômica. Se, por um lado, é sonho de uma parcela significativa da po- pulação se tornar funcionário público – em especial pela visão de que a carreira pública possibilita estabilidade e bons benefícios, principalmen- 46 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública te em relação à aposentadoria –, por outro, existe uma grande insatis- fação do povo para com os serviços prestados pela máquina pública. Essa insatisfação é ainda mais agravada por algumas caracterís- ticas presentes na administração pública, como o excesso de buro- cracia, o nepotismo, o clientelismo e a corrupção. Por esse motivo, a população tem, quase sempre, uma atitude de desconfiança em rela- ção aos funcionários de carreira e aos administradores políticos. As- sim, faz-se necessário que os controles da implementação das políticas públicas sejam ainda mais claros e rígidos, em especial os relacionados ao orçamento e à gestão de pessoas. A avaliação de uma política pública começa durante sua implementa- ção, mas só pode ser concluída quando os efeitos dessa política começam a ser sentidos e a criarem os indicadores que mostram se a implementa- ção foi bem-sucedida ou em que grau as metas foram atingidas. Segundo Faria (2005), há duas formas de avaliar o sucesso de uma política pública. Na visão top-down (de cima para baixo), muito comum nas décadas de 1960 e 1970, a avaliação é institucionalizada e realiza- da pelo próprio governo, sem considerar a visão das demais camadas da sociedade envolvida na política. Recentemente, as análises têm uma característica mais bottom-up (de baixo para cima), levando em consi- deração a visão daqueles que foram beneficiários da política. Ou seja, procura-se medir os resultados práticos da política, do ponto de vista de quem foi atingido por ela. Para exemplificar, nomodelo top-down, um plano que objetivava implementar uma nova política de criação de escolas públicas pode- ria ser considerado realizado se uma determinada escola fosse cons- truída. Do ponto de vista bottom-up, essa política só seria considerada bem-sucedida se a quantidade de crianças matriculadas na escola e a qualidade do ensino proposto fossem atingidas. Assim como na gestão das empresas privadas, a avaliação tem o objetivo de identificar e medir erros e acertos durante os processos de planejamento e de implementação de uma política pública. Se uma política não é implementada com sucesso, o erro pode ter ocorrido em diversas etapas: a identificação do problema a ser combatido pode não ter sido bem-feita ou o plano desenvolvido pode não ter levado em conta todas as variáveis. Outra possibilidade é que o plano tenha sido bem-feito, mas a implementação possa ter sido mal realizada, seja por nepotismo: favoritismo para com parentes, especialmente pelo poder público. Glossário No guia de orientação Avaliação de Políticas Públicas, encontram-se as melhores práticas no governo federal voltadas à avaliação de políticas públicas. O objetivo do guia é fortalecer a dis- seminação das práticas de avaliação de políticas públicas. Disponível em: https://www. cgu.gov.br/Publicacoes/audi- toria-e-fiscalizacao/arquivos/ guiaexpost.pdf. Acesso em 17 fev. 2020. Livro Gestão das políticas públicas no Brasil contemporâneo 47 falta de recursos, por falta de preparação dos agentes públicos ou por mudanças ocorridas nos ambientes político, econômico ou social. O processo avaliativo deve, também, levar em consideração aspec- tos relacionados à eficiência e à eficácia da política. Uma ação pode ter sido implementada de modo correto, mas a um custo muito maior do que o planejado, o que acontece com frequência em obras públicas. É papel do processo avaliativo identificar quais fatores levaram a essa falta de eficiência, a fim de que os gestores públicos possam tomar ações que visem aumentar seus resultados. Da mesma forma, é preci- so avaliar se os benefícios que se buscou oferecer com a política foram distribuídos de maneira equilibrada. Tomemos como exemplo o acesso às universidades públicas. Do ponto de vista das políticas públicas, elas têm o papel de oferecer um ensino de qualidade a uma parcela da população que não teria condi- ções de arcar com os pesados custos de um curso superior. Porém, o que se observa na prática é que o acesso às universidades, por meio de processos seletivos como os vestibulares e o Enem, acaba por privile- giar alunos cujas famílias tiveram condições econômicas de investir em uma educação particular nos anos iniciais da educação, em detrimento dos alunos vindos das escolas públicas. Para Cunha (2018), a avaliação deve ter tanto uma mensuração ob- jetiva de resultados, que pode ser medida por números e estatísticas, quanto uma mensuração qualitativa, em que os formuladores das po- líticas, os beneficiários delas e os avaliadores fazem um juízo de valor sobre os resultados obtidos. Para que o processo de avaliação seja mais bem entendido, é fundamental que se conheça a evolução dos modelos de admi- nistração pública, uma vez que o modelo de gestão adotado pelo governo está intimamente ligado aos processos de planejamen- to, execução e avaliação. Segundo Silva (2013), dentre os diversos modelos que podem ser identificados durante a evolução da ad- ministração pública brasileira, é possível identificar os modelos pa- trimonialista, burocrático, gerencial e societal. O modelo patrimonialista, que foi adotado pelos governos brasi- leiros desde o Império até a década de 1930, é marcado por uma visão pouco clara da divisão entre o que são os bens do Estado e os bens do governante. Esse modelo é derivado das monarquias, nas quais o 48 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública soberano era, em última instância, o dono dos bens públicos. Assim, a máquina da administração pública representava uma extensão desse poder do soberano. Como destaca Paludo (2012), algumas das grandes características desse modelo de gestão, como a corrupção e o nepotis- mo, podem ser identificados até hoje em nossa administração. Esse modelo foi substituído pelo modelo burocrático a partir do primeiro governo Vargas, na década de 1930, que buscou organizar, estruturar e racionalizar a administração pública. Fundamentado no cumprimento de normas e regras e na busca pelo profissionalismo do funcionalismo público, o modelo burocrático surgiu com base em uma pressão da sociedade para que houvesse um tratamento mais justo para todos os cidadãos, corrigindo os problemas do modelo patrimo- nialista. A maior separação entre a coisa pública e a privada e a reestru- turação da administração pública permitiram uma grande evolução na gestão pública. Entretanto, como aponta Junquilho (2010), o excesso de burocracia trouxe lentidão e, até mesmo, paralisia para algumas áreas da administração pública, que se tornou inchada e pesada. A partir da década de 1990, em especial no governo FHC, ocorreram reformas administrativas na máquina pública, com o objetivo de implan- tar uma visão mais gerencial. Essa visão foi desenvolvida para tentar con- tornar os problemas identificados no modelo burocrático, incentivando a inovação para que os serviços prestados à população fossem melho- res e mais eficientes. Segundo Bresser-Pereira e Spink (2006), o modelo gerencial busca combater o nepotismo e a corrupção, que são marcas endêmicas da gestão pública brasileira. Os autores apontam que o Esta- do tem um papel que vai além de garantir a propriedade e os contratos. Desse modo, é papel das políticas públicas incentivar o desenvolvimento social, o econômico, o científico e o tecnológico, além de prover bens e serviços públicos que o Estado pode produzir ou financiar. Assim como o modelo gerencial, a administração societal é considerada um modelo da “nova administração pública”. Se os governos Sarney, Collor e FHC podem ser apontados como exemplos da utilização do modelo gerencial, os governos Lula e Dilma basearam sua gestão no modelo societal. Esse modelo tem como principal característica a utilização de estruturas e espaços por meio dos quais a sociedade participa ativamente da gestão pública. Os Conselhos Gestores, comitês e o Orçamento Participativo são exemplos desses espaços, que, no caso Gestão das políticas públicas no Brasil contemporâneo 49 brasileiro, se originaram nos movimentos sociais e nos partidos políticos de esquerda e centro-esquerda (DE PAULA, 2003). O crescimento da importância e da quantidade de organizações não-governamentais no processo de administração pública também é um exemplo do modelo societal, que foi colocado em prática no Brasil na segunda parte da década de 2000 e na primeira parte da década de 2010. Mais recentemente, os governos Temer e Bolsonaro voltaram a adotar características e estratégias do modelo gerencial. Tanto o modelo gerencial quanto o societal adotam medidas que tem por objetivo aumentar a eficiência na gestão pública. Porém, o segundo modelo conta com a participação da sociedade em todos os aspectos do planejamento, implementação e avaliação das políticas públicas. Silva (2013) aponta que, enquanto nas políticas sociais a po- pulação se envolve mais ativamente no ciclo de gestão das políticas públicas, na área econômica e fiscal, há um maior distanciamento da sociedade, seja por falta de conhecimento necessário para participar do debate ou pela dificuldade em perceber os impactos dessas deci- sões em seu cotidiano. Cunha (2018) destaca que existe a possibilidade, dentro do atual modelo de gestão, de realizar avaliações participativas, em especial em políticas e projetos de pequeno porte ou localizados, nos quais os be- neficiários participam de todas as fases do processo, desde o planeja- mento até a avaliação. É importante destacar que a principal mudança dos modelos geren- ciale societal é que o controle das políticas públicas deixa de se basear na garantia de que os processos sejam feitos (característica do modelo burocrático) e passa a ter como foco o acompanhamento dos indicado- res de resultado. Para que isso seja possível, é importante que todo o processo administrativo esteja alinhado desde a correta definição dos objetivos a serem alcançados em cada unidade da máquina pública, dada a preparação e a autonomia necessárias para que os servidores e funcionários públicos realizem seu trabalho e para que os recursos, sejam eles materiais ou financeiros, estejam disponíveis. Com todas essas condições, as políticas públicas podem ser implementadas e o controle ou cobrança, realizado após os resultados, pode ser medido. Na prática, essa mudança na forma de gestão encontrou, e ainda encontra, diversos obstáculos, como a descentralização da decisão, a 50 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública implantação de sistemas flexíveis de gestão, o redesenho das estrutu- ras e cargos – com uma maior horizontalização de estruturas–, o incen- tivo à mudança e à inovação e os processos de avaliação de resultados constantes e sistematizados. Por fim, também encontra como obstácu- lo um modelo de remuneração que contemple a recompensa pelo bom desempenho do agente público, além de sua capacitação para atuar dentro desse novo ambiente. Souza e Secchi (2015) chamam a atenção para um aspecto da gestão das políticas públicas que nem sempre é discutido e, por isso, ganha pouca importância: a extinção de algumas dessas políticas, após a sua implementação. Segundo os autores, uma política pública pode ser ex- tinta por três motivos: [1] quando sanados os problemas que originaram a política, mo- mento em que a política alcançou o objetivo geral; [2] quando o arcabouço legal que embasavam a política é identificado como ineficaz; ou [3] quando o problema não é mais tido pelos ato- res ou pela opinião pública como prioridade, deixando de fazer parte da agenda de intervenções necessárias do Estado, através de políticas públicas. (SOUZA; SECCHI, 2015, p. 5) Porém, extinguir uma política pública não é tão simples, mesmo nas situações apontadas pelos autores. Diversos grupos de inte- resse se relacionam na implantação de uma política pública, sendo que muitos deles têm visões diferentes e até conflituosas sobre os aspectos relativos à política. Esses conflitos são diferentes de acordo com o tipo da política a ser extinta. As políticas redistributivas e distributivas, por exemplo, são mais difíceis de serem extintas, pois sempre haverá um grupo específico que perderá com a extinção da política. Muitas vezes, esse grupo consegue se articular politicamente para manter a política ativa, já que os grupos con- trários à continuidade dela nem sempre são articulados. Já no caso das políticas regulatórias e constitutivas, é preciso haver vontade política tanto dos gestores públicos quanto de outros grupos políticos, uma vez que a extinção desse tipo de política precisa passar pela promulgação de mudanças na legislação. Para que a avaliação das políticas públicas seja efetiva, são necessá- rios instrumentos que possibilitem que a sociedade e os demais poderes intervenham na gestão pública. Tanto a máquina pública quanto a socie- dade almejam que a gestão pública seja mais eficiente e preste melhores Gestão das políticas públicas no Brasil contemporâneo 51 serviços públicos e que haja participação da sociedade em todo o proces- so de uma política pública, desde o planejamento e implementação até a avaliação, garantindo a evolução constante da administração pública. CONSIDERAÇÕES FINAIS A máquina pública, composta pelos órgãos, instituições e pessoas que integram o funcionalismo público, tanto da administração direta quanto da indireta, é a estrutura que o governo conta para colocar em prática suas políticas públicas. Estas representam o direcionamento estratégico que cada governo define para que sejam alcançados os objetivos econô- micos e sociais a que se propõe. Cada novo governo busca implementar suas próprias políticas públicas, ali- nhadas com sua própria visão do papel do Estado em relação à sociedade. O alinhamento entre a estrutura da máquina pública e as políticas a serem imple- mentadas é fundamental para que o governo atinja seus objetivos. ATIVIDADES 1. Correlacione os três poderes que constituem o Estado brasileiro com os conceitos da cidade ideal proposto por Aristóteles. 2. Explique os três fatores que aumentaram a importância do planejamento das políticas públicas nos governos democráticos após o governo militar. 3. Assim como na gestão das empresas privadas, a avaliação tem o objetivo de identificar e medir erros e acertos durante os processos de planejamento e de implementação de uma política pública. Explique as dimensões objetivas e subjetivas dos resultados de uma política pública. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao. htm. Acesso em: 17 fev. 2020. BRASIL. Controladoria Geral da União. Avaliação de Políticas Públicas: Guia prático de análise ex post. v. 2. Brasília, 2018. Disponível em: https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/ auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/guiaexpost.pdf. Acesso em: 17 fev. 2020. BRESSER-PEREIRA, L. C.; SPINK, P. Reforma do Estado e administração pública gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. CUNHA, C. G. S. da. Avaliação de Políticas Públicas e Programas Governamentais: tendências recentes e experiências no Brasil. Revista Estudos de Planejamento, n. 12, p. 27-57, dez. 2018. https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/guiaexpost.pdf https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/guiaexpost.pdf 52 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública DE PAULA, A. P. P. Entre a administração e a política: os desafios da gestão pública democrática. Campinas, 2003. 224f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. 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A pergunta a ser feita pelos gestores públicos não é mais por que inovar, mas, sim, como não inovar nos dias atuais, em que as tecnologias da informação e da comunicação possibilitam acesso aos dados públicos, dão espaço e amplificam a voz do cidadão, que busca ter suas demandas atendidas. 3.1 A inovação na gestão das empresas Vídeo A definição de inovação na gestão das empresas é ampla e abar- ca visões diferentes, mas não conflitantes. Para Grizendi (2011), ino- vação não é necessariamente a criação de algo novo. A melhoria de um produto ou processo também pode ser considerada inovação. O ponto central, para o autor, é que a inovação traz benefícios para uma parcela ou a totalidade da sociedade, sendo que esse retorno pode ser econômico, financeiro ou social. O conceito de inovação é discutido há décadas nos meios acadêmicos da gestão e também da economia. Schumpeter (2005), em seu livro Ca- pitalismo, Socialismo e Democracia, publicado pela primeira vez em 1942, 54 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública criou o conceito da destruição criativa, uma das bases das discussões sobre a importância da inovação como um dos motores do crescimento eco- nômico de uma sociedade. Não só as empresas inovam constantemente, como a própria sociedade passa por processos de inovação, invenção e re- invenção. Muitas das inovações implantadas pelas empresas surgem exa- tamente das mudanças sociais, culturais e demográficas da população. Fernandes, Ferreira e Raposo (2013) conceituam inovação como a co- locação em prática de ideias que possam melhorar processos, atividades e também dar origem a melhores produtos e serviços. Também salientam que a inovação é essencial para a melhoria de desempenho das organiza- ções, tendo a capacidade de garantir o sucesso e a sobrevivência delas. Já Anderson, Potocnik e Zhou (2014, p. 1299) diferenciam a geração de ideias e a inovação; segundo os autores, “a criatividade é a fase de geração de ideias, enquanto a inovação é a subsequente implementação destas em novos procedimentos, práticas ou produtos”. Segundo Cooper (2008), para que o processo de inovação ocorra, di- versas etapas são necessárias, tais como coletar informações sobre os desejos e necessidades das pessoas, pesquisar meios de atender a essas necessidades e desenvolver e buscar os meios para fabricar, distribuir e comercializar essas soluções. As etapas do processo de inovação variam de acordo com a empre- sa e o tipo de solução que se busca desenvolver. Rozenfeld et al. (2006) identificam alguns desses estágios: Estágio de ideação: tem o objetivo de se coletarem ideias e gerar um conceito inicial do produto. Estágio de projeto: o produto é estruturado e se inicia o desenvolvimento de um protótipo do produto. Estágio de teste: são feitas mudanças e melhorias a partir dos problemas encontrados. Estágio de lançamento: o produto é lançado no mercado. Gestão da inovação na administração pública contemporânea 55 Após o lançamento, a empresa continua recebendo feedbacks e pode continuar melhorando e aperfeiçoando seu produto. Schumpeter (2005) já demonstrava, na década de 1940, que o de- senvolvimento de uma economia tem como base as inovações, sejam elas pela introdução de novos recursos ou por uma nova combinação de recursos existentes de modo a desenvolver uma nova solução. Entretanto, nem todas as organizações são inovadoras e muitas sobre- vivem por décadas mesmo não incorporando a inovação tecnológica em seus produtos e processos. Para investir em inovação, segundo Machado et al. (2013), é preciso criar uma cultura que influencie o comportamento de seus colaboradores, para incentivar as ações inovadoras. Muitas orga- nizações criam essa cultura naturalmente, pelas ações de seus gestores e líderes; outras buscam desenvolver esse ambiente cultural de modo orga- nizado para que possa permitir o surgimento de novas ideias. Bateman e Snell (2007) apontam que essa cultura deve ser suficien- temente flexível para acomodar mudanças estruturais e de processos sem prejudicar a produtividade atual da empresa, diminuir ou eliminar totalmente os processos burocráticos que possam impedir as mudan- ças e investir no desenvolvimento constante da capacitação dos recur- sos humanos da organização. A cultura de inovação é a base da capacidade inovativa da em- presa e é representada por valores organizacionais, normas de con- duta e ações tomadas no cotidiano pelos colaboradores. Stock, Six e Zacharias (2013) salientam que a cultura da inovação deve ser uma orientação estratégica e deve estar espalhada por toda a organização, e não apenas em alguns poucos profissionais. Assim, para se criar a cul- tura inovadora, líderes e funcionários precisam ter autonomia e parti- cipar dos processos de inovação. Da mesma forma, a responsabilidade pela inovação será compartilhada entre todos. Os processos de inovação nas empresas ganharam ainda mais im- portância e rapidez com o acelerado desenvolvimento das tecnologias de informação e de comunicação a partir das últimas décadas do século XX. Além disso, a internet tem um papel fundamental no aumento da im- portância da inovação, pois permite que os consumidores tenham acesso a informações amplas de todo o mundo, intensificando seus desejos e necessidades e aumentando a pressão sobre as empresas para que de- senvolvam constantemente novas soluções e melhorias (SANDMEIER; MORRISON; GASSMAN, 2010). 56 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública A internet também permite uma intensa troca de informações entre o cliente e a empresa, fazendo com que o feedback sobre os pontos positivos e negativos seja constante. Segundo Huizingh (2011), muitas empresas, em seu processo de inovação, têm buscado envolver cada vez mais seus clientes, desde o processo de desenvolvimento até a ava- liação constante dos produtos. 3.1.1 A inovação na iniciativa privada e nos serviços públicos Se a inovação já é estudada há décadas e é entendida como ponto cada vez mais fundamental para a competitividade das em- presas privadas, no ambiente da administração pública, em espe- cial no Brasil, ela é um tema ainda pouco explorado. De acordo com Gasparini e Miranda (2011), somente nas últimas décadas se passou a discutir com mais intensidade a inovação como uma das formas de se aumentar a eficiência da administração pública. Po- rém, os autores também salientam que essa discussão tem aumen- tado cada vez mais, mostrando a urgência do tema. A preocupação dos órgãos públicos não é com o nível de com- petitividade de seus serviços, já que muitos dos serviços e produtos oferecidos pela máquina pública não contam com outros fornece- dores com os quais possam ser comparados. Gasparini e Miranda (2011) apontam que o desequilíbrio das contas públicas faz com que a arrecadação de impostos e taxas não seja suficiente para garantir o oferecimento de bens e serviços públicos que atendam à demanda crescente e nos níveis de qualidade requeridos por uma população cada vez mais exigentee consciente de seus direitos. Para Potts e Kastelle (2010), a inovação é um caminho para que o setor público possa ser mais eficiente, buscando oferecer serviços melhores e, ao mesmo tempo, diminuir os custos gerais da máquina pública, o que possibilita elevar a satisfação da população. Desde o início da década de 2010, um dos temas mais discutidos nos meios empresariais é a Indústria 4.0 que, segundo estudo da Confedera- ção Nacional das Indústrias (CNI, 2016), pode ser definida como o uso e a implantação de diversas tecnologias de comunicação, projeto, desenvolvi- mento e fabricação no ambiente da produção, de modo a revolucionar os Gestão da inovação na administração pública contemporânea 57 processos. Esse momento tem sido considerado tão importante quanto a Revolução Industrial, causada pela introdução da máquina a vapor nas fábricas no século XVIII. O estudo salienta que, com o uso das tecnologias – como robôs e máquinas automatizadas – existirá um grande impacto no mercado de trabalho, exigindo profissionais com formação distinta das existentes, pois “a integração de diversas formas de conhecimento, carac- terística desse modo de produção, exigirá equipes multidisciplinares, com elevado nível de conhecimento técnico e com capacidade de interação de diferentes áreas de conhecimento” (CNI, 2016, p. 29). Para que esse novo profissional seja desenvolvido, cresce ainda mais a importância da educação básica e da regulação da educação profissionalizante e superior, áreas nas quais o governo tem papel fundamental tanto como prestador de serviço direto à população, por meio das escolas públicas, quanto de regulador da oferta e avaliador da qualidade do ensino particular. Educação, saúde e previdência são apenas alguns dos exemplos de como a pressão por uma administração pública de qualidade aumen- tará de modo significativo nos próximos anos. Se os desafios do futuro são muitos, Sangiorgi (2015) aponta que há um consenso na população e nos agentes públicos de que a administração pública precisa passar por um processo de evolução radical para fazer frente a esses desafios. Brandão e de Fátima Bruno-Faria (2013) apontam que a inovação é um dos caminhos para que a gestão do setor público se modernize. Afirmam, também, que é possível identificar a expansão da implantação do conceito da nova gestão pública (NGP) em muitos países ocidentais a partir da década de 1970. Porém, destacam que esse entendimento é maior no cenário internacional, sendo que, no Brasil, ainda há pouca percepção sobre a urgência dessas mudanças. Bugarin e Meneguin (2016) também apontam que a inovação ocor- re de maneira mais lenta na administração pública brasileira. Para os autores, essa dificuldade em inovar não pode ser creditada apenas aos agentes públicos, mas também às instituições públicas que muitas vezes sofrem com o excesso de regulamentação e burocracia. Assim, mesmo que o gestor público busque colocar em prática processos de inovação, é inibido pelo fato de que só pode agir dentro do limite daquilo que a lei e as normas permitem. Caso aja fora dos limites preestabelecidos pelos processos burocráticos, ele pode até mesmo perder seu cargo. 58 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Percebe-se que a liberdade e a criatividade são fundamentais para criar a cultura de inovação; porém, essas são características das empre- sas privadas que adotam essa cultura e permitem que sejam feitos tes- tes e mudanças que, caso não sejam bem-sucedidos, não acarretarão punições ou reprimendas. 3.2 Processo de inovação no setor público Vídeo Assim como na iniciativa privada, a necessidade de inovar cons- tantemente passou a ser fundamental também para a administração pública, ainda mais com o impacto das aceleradas mudanças tecnoló- gicas, comportamentais e demográficas observadas nas últimas déca- das. Tanto no Brasil quanto em outros países, a inovação vem sendo debatida e novas práticas de construção de um ambiente de inovação vem sendo implantadas. Para cumprir seu papel no incentivo à inovação e na criação de um ambiente de inovação, os órgãos públicos agem de diferentes maneiras na busca por incorporar novas práticas. Para Cavalcante e Cunha (2017), uma das formas mais utilizadas pelos governos é a ino- vação organizacional, que se baseia na implantação de novos proces- sos decisórios e novos modelos de gestão, que são testados de modo intenso antes de serem implantados na prática. Uma das ferramentas para que a inovação organizacional seja implementada é a utilização de laboratórios de inovação, espaços e estruturas criados para possibi- litar a experimentação de novas ideias de maneira controlada, permi- tindo que o conhecimento adquirido por meio dessa experiência seja organizado e compartilhado. Segundo os autores, os laboratórios permitem que os projetos inovadores passem por etapas fundamentais para o sucesso de uma inovação, como a experimentação, que possibilita que o projeto se desenvolva com base em “tentativa-erro-correção”, garantindo um ambiente seguro para que se assumam riscos que, no cotidiano da ad- ministração pública, não seriam aceitos. O estudo Perfis e características das equipes e dos laboratórios de inovação no Brasil, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) levantou informações sobre os laboratórios de inovação implantados por órgãos da administração pública no Brasil e mostrou Criado em agosto de 2016, o GNova é o laboratório de inovação pioneiro do Governo Federal Brasileiro. No site do laboratório, é possível conhecer projetos de- senvolvidos em diversas áreas para melhoria da gestão pública. Disponível em: http://gnova.enap. gov.br/pt/. Acesso em: 17 fev. 2020. Site Gestão da inovação na administração pública contemporânea 59 um crescimento expressivo desse tipo de estrutura nas décadas de 2000 e 2010, como mostra o gráfico a seguir. Gráfico 1 Crescimento no número de laboratórios de inovação 2007-2018 Número de laboratórios/equipes respondentes, por ano 40 30 20 10 0 2007 2008 2011 2012 2014 2015 2016 2017 2018 1 2 3 5 7 12 18 29 37 Fonte: Cavalcante, Goellner e Magalhães, 2019, p. 318. Cavalcante, Goellner e Magalhães (2019) salientam que, mesmo que esse número mostre uma evolução consistente na utilização desse tipo de estrutura na gestão pública, esse movimento é ainda pequeno e recente no Brasil. Segundo o estudo, o crescimento da utilização desse tipo de estrutura surge a partir do desenvolvimento tecnológico, que trouxe uma maior pressão da população para que o setor público res- ponda rápida e eficientemente às demandas públicas, dentro de um momento econômico marcado pela crise e pela austeridade em rela- ção aos gastos públicos. O levantamento desenvolvido pelo Ipea também identificou que os laboratórios de inovação não estão distribuídos por todas as unidades da federação homogeneamente. Repetindo os indicadores de desen- volvimento econômico das regiões brasileiras, a maioria das estruturas de inovação está localizada na região Sudeste, seguida pela região Sul, em detrimento das regiões Norte e Nordeste, que apresentam ainda poucos laboratórios de inovação. Porém, a maioria dos laboratórios estudados se encontra na capital federal, o que, no entendimento dos autores, mostra a administração pública da União assumindo o papel de protagonista nos investimentos em inovação. Os laboratórios de inovação não são a única ferramenta que a admi- nistração pública utiliza para inovar, mas seu estudo é relevante se con- siderarmos que representam um passo importante na percepção dos governos sobre a inovação. São estruturas desenvolvidas com o obje- 60 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública tivo específico de estudar os mais diversos aspectos do serviço públi- co, propondo melhorias que possam ser implementadas pelos órgãos públicos ou mudanças nas instituições do país que tenham como foco a melhoria da eficiência da máquinapública. O estudo de Cavalcante, Goellner e Magalhães (2019) levantou, também, os objetivos de cada um dos laboratórios de inovação e identificou que a melhoria da efeti- vidade e da qualidade dos serviços públicos e o aumento da satisfação da população com a administração pública estão entre os principais focos de estudos, como mostra o Gráfico 2. Gráfico 2 Objetivos dos laboratórios de inovação Economicidade Objetivos dos laboratórios/equipes – (em %) Efetividade Satisfação do usuário Envolvimento social Eficiência Eficácia Resposta ao ambiente externo 20 30 40 50 60 70 80 Fonte: Cavalcante, Goellner e Magalhães, 2019, p. 320. Dentro dos conceitos utilizados no estudo, a efetividade pode ser enten- dida como a melhoria da qualidade nos processos e serviços; a eficiência é uma medida da otimização da utilização dos recursos públicos; a eficácia está relacionada ao atingimento dos resultados que foram propostos no planejamento; e a economicidade está ligada à redução de custos de pres- tação dos serviços públicos. Analisando o gráfico, é possível observar que o foco dos agentes públicos ao investir em ferramentas de inovação está mais relacionado à melhoria dos serviços do que à redução de custos. Tõnurist, Kattel e Lember (2017) destacam que diversos métodos e modelos de inovação podem ser usados, tanto dentro do ambiente dos laboratórios quanto em outras estruturas de inovação – e até mesmo nos próprios órgãos públicos. Dentre as ferramentas utilizadas pela adminis- tração pública, os autores identificaram um alinhamento com as utilizadas pela iniciativa privada, tais como o design thinking, metodologias ágeis e Gestão da inovação na administração pública contemporânea 61 benchmarking, além de ferramentas bastante recentes e atuais, como a gamificação, a inovação aberta, a utilização do conceito de crowdsourcing, tanto pela utilização de prêmios quanto de eventos como hackathons e a utilização das redes digitais para identificar mudanças comportamentais. Conjuntos de práticas que visam à entrega rápida e de alta qualidade do produto ou serviço; prioriza os colaboradores e sua integração. Os princípios ágeis incentivam a rápida resposta às mudanças, deixando de lado a burocracia e o excesso de planejamento e valorizando formatos mais simples e métodos conjuntos. Metodologias ágeis Processo de avaliação da empresa em relação à concorrência, seus produtos, práticas empresariais, serviços ou metodologias, em que os gestores absorvem algumas dessas características para alçarem a superioridade gerencial ou operacional. Benchmarking Abordagem que busca a solução de problemas de maneira coletiva e colaborativa, em uma perspectiva de empatia máxima com seus interessados. As pessoas são colocadas no centro do desenvolvimento. Design thinking É o uso de técnicas de design de jogos em outros contextos a fim de cativar as pessoas por meio de desafios e bonificações. Gamificação Promoção de ideias, pesquisas e processos dentro e fora da organização, aproveitando talentos de modo muito mais amplo a fim de contribuir com a inovação da empresa. Inovação aberta Modelo de produção de ideias que se utiliza de conhecimentos coletivos e voluntários para solucionar problemas do dia a dia, desenvolver novas tecnologias, criar conteúdo ou prover serviços. Crowdsourcing Evento que reúne programadores em uma maratona de programação a fim de explorar dados abertos, desvendar códigos e sistemas lógicos, discutir novas ideias e desenvolver projetos de software ou mesmo de hardware. Hackathon 62 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Tão importante quanto desenvolver estruturas que possibilitem o desenvolvimento da inovação é criar, na administração pública, um am- biente de fomento, para que as ideias sobre possíveis melhorias nos ser- viços públicos possam surgir. Bommert (2010) aponta que, se não forem trabalhados de maneira adequada, diversos aspectos organizacionais podem prejudicar a cultura da inovação. Dentre esses aspectos, o autor cita a hierarquia rígida, ou seja, estruturas departamentais separadas em silos e processos decisórios do tipo top-down (de cima para baixo). De Vries, Bekkers e Tummers (2016) apontam que alguns fatores po- dem induzir ou facilitar a inovação na administração pública. Os autores dividem esses fatores em três dimensões: individual, organizacional e ambiental. Na dimensão individual, destaca-se o perfil empreendedor dos funcionários e a possibilidade de autonomia funcional da equipe. Na dimensão organizacional, a disponibilidade de recursos, tanto finan- ceiros quanto estruturais, é fundamental para o desenvolvimento da inovação. Já na dimensão ambiental, a facilitação das comunicações, o surgimento de uma cultura de compartilhamento e o ambiente das re- des digitais são grandes indutores da inovação na administração pública. Em suma, é possível identificar, em vários países, uma busca por incorpo- rar a cultura da inovação na administração pública, tanto utilizando concei- tos já testados e utilizados na iniciativa privada, quanto desenvolvendo novas práticas adequadas à administração pública. Esse esforço mostra a preocu- pação dos governos, inclusive brasileiro, em modernizar suas práticas e aten- der às demandas da população com mais qualidade e a um custo menor. 3.2.1 Análise de casos Mesmo com limitações, é possível identificar diversos exemplos de inovações que vêm sendo implementadas na administração pública brasileira, em especial aquelas que utilizam como plataforma as tecno- logias de comunicação e de informação. Vamos ver alguns deles. Estudo de caso Segundo Mariano e Azevedo (2009), o projeto de implementação do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) foi desenvolvido para modernizar o processo de transmissão de informações sobre as obrigações acessórias, que deve ser feito re- gularmente pelos contribuintes, em especial as pessoas jurídicas, que informam aos órgãos de administração tributária e de fiscalização suas transações e os impostos e taxas decorrentes que devem ser recolhidos ao Estado. O SPED utiliza diversas tecnologias, dentre elas, a certificação digital, que possibilita que um documento enviado digitalmente para o órgão público tenha validade jurídica. (Continua) Gestão da inovação na administração pública contemporânea 63 Instituído em janeiro de 2007, o projeto de inovação de processos desenvolvido pelo governo possibilitou um aumento expressivo da eficiência no processo de emissão, transmissão e armazenamento de documentos fiscais, permitindo que milhares de empresas pudessem também modernizar seus processos e melhorar sua escritu- ração fiscal e contábil. Como resultado, a implantação do Sped aumentou de modo significativo a arrecadação, diminuiu a sonegação fiscal, diminuiu os custos da administração pública e deu rapidez ao processo de fechamento fiscal e arrecada- ção de impostos, de acordo com Young (2009). Diversos outros exemplos que podem ser citados demonstram que a administração pública vem buscando utilizar os conceitos de inova- ção para criar uma cultura de inovação que possibilite a melhoria na prestação dos serviços públicos. Dentre esses exemplos, pode ser ci- tado o IGovSP, um programa do governo do estado de São Paulo que busca divulgar, entre os órgãos públicos, práticas de gestão e de conhe- cimento que podem ser utilizadas para melhorar a gestão pública. O programa foi citado por Scherer (2014) como um dos mais inovadores em uma lista de programas de inovação na gestão pública desenvolvi- dos em vários países do mundo. Estudo de caso Outro caso de inovação é o uso do design thinking na diminuição da mortalidade infantil no município de Santos, São Paulo, que, desde os anos 1990, apresentava alto coeficiente de mortalidade infantil (CMI), chegando a 33,9 óbitos para cada mil nascidos vivos. Embora, nos anos 2000, o município tenha conseguido estabilizar o CMI, ainda possuía altonúmero de mortes de crianças com menos de um ano de idade (MACENA et al., 2019). Após o processo de desenvolvimento de ideias, com o uso da ferramenta design thinking, foram geradas propostas que deram origem à Escola das Mães, projeto que reúne uma série de ações implementadas, dentre elas: • Criação de um espaço ambientado (Escola das Mães) no Instituto da Mulher e da Gestante de Santos; • Determinação de oito espaços físicos que promoveriam a Escola das Mães; • Renovação do material didático para os grupos de apoio; • Inclusão de atividades práticas e vivenciais com relação direta aos cuida- dos na maternidade; • Criação e treinamento de uma rede de treze facilitadores para o cuida- do da saúde da mulher e da gestante. A metodologia abordada no projeto Escola das Mães baseou-se, principalmente, nas ferramentas e métodos de design thinking e inovação. O projeto foi desenhado junto aos servidores das Unidades Básicas de Saúde e da Secretaria Municipal da Saúde, bem como às gestantes usuárias dos serviços da rede municipal de saúde e seus familiares. Foi desenvolvido em quatro fases principais: • Fase 1: diagnóstico – escopo, levantamento de necessidades e desafio central. No vídeo Você sabe o que é o SPED?, publicado pelo canal SuporteCont, é possível conhecer o que é, a origem e a finalidade do Sped. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=rBEejVdIa2E. Acesso em: 17 fev. 2020. Vídeo (Continua) 64 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública • Fase 2: exploração – imersão no contexto em que seria implementada a primeira Escola das Mães, observações de funcionamento do serviço, entrevistas, oficinas, levantamento de informações e realização de pesquisas quali-quantitativas no município de Santos. • Fase 3: cocriação – definições conceituais, realização de oficinas para solu- ções e desenvolvimento de novos programas para a rede municipal de saúde do município. • Fase 4: implementação – definições de responsabilidades, protótipo de soluções, compra de equipamentos, acompanhamento no desenvolvimen- to de tecnologias e treinamentos para as equipes de trabalho. Implantado em 2015, o projeto apresentou resultados positivos des- de seu início e, nos anos de 2017 e 2018, foi expandido com a criação de três novos espaços, a formação de mais de 70 novos facilitadores, novos equipamentos e materiais didáticos para 32 unidades de saúde do município. Porém, o resultado mais significativo foi a queda acentuada da mortalidade infantil. No ano de 2017, a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alcançada, com o registro de apenas nove mortes a cada mil nascidos, o que representou um recorde histórico de menor índice registrado no município. A implantação da Escola das Mães, a partir do desenvolvimento de processos de inovação usando a ferramenta design thinking, mostra que é possível inovar na administração pública, desde que sejam criadas as condições e o ambiente propício para que as ideias floresçam. O conceito de inovação – tradicionalmente ligado à busca de no- vas soluções tecnológicas com o objetivo de aumentar a qualidade e diminuir os custos de produção de produtos e serviços – passou por uma transformação a partir da década de 1990, com a incorporação dos conceitos ligados ao atendimento e à satisfação dos desejos e ne- cessidades das pessoas, que passaram a ter mais acesso a informações e canais de reclamação. Como destacam Cavalcante e Cunha (2017), na gestão pública, a ino- vação pode ser entendida em dois níveis. No nível da gestão em si, a inovação tem o papel de garantir que os serviços públicos sejam pres- tados de modo cada vez mais eficiente, com mais rapidez e com menor custo. Já no nível das políticas públicas, o governo tem o papel de ser indutor da inovação na economia, criando condições legais e estrutu- rais para que tanto as empresas públicas quanto as privadas criem um ambiente de inovação que permita o crescimento econômico do país. Desse ponto de vista, o Estado tem papel protagonista na criação de estruturas e instituições que possibilitem e direcionem o investimen- Gestão da inovação na administração pública contemporânea 65 to em inovação. Um exemplo de medida adotada pelo Estado nesse sentido é a promulgação da chamada Lei do Bem (BRASIL, 2005), que, segundo o Guia da Lei do Bem: é o principal instrumento de estímulo às atividades de Pesqui- sa, Desenvolvimento e Inovação nas empresas brasileiras, abar- cando todos setores da economia, sendo fundamental para sustentar o desenvolvimento da capacidade técnico-produtiva e o aumento do valor agregado da produção de bens e serviços. (ANPEI, 2017, p. 10) Nos países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos, o Japão e a Comunidade Econômica Europeia, o governo na condição de in- dutor da inovação, tanto nas empresas públicas quanto nas empresas privadas, já está bem estabelecido e conta com diversos programas e políticas públicas que fazem com que uma parcela significativa das inovações desenvolvidas pelas empresas privadas seja apoiada e, em alguns casos, custeada pelo setor público. Como cita o estudo da Comissão Europeia (2013), por meio de agên- cias de pesquisas, órgãos de desenvolvimento, programas de incenti- vo, legislações e bancos de investimento no desenvolvimento, o Estado assume parte do risco da inovação e cria o ambiente no qual as tecno- logias e inovações possam ser incorporadas pelas empresas e pelos órgãos públicos. Cavalcante e Cunha (2017) destacam que a inovação está asso- ciada à ideia de que uma nova ideia pode gerar soluções que trazem impactos positivos. Porém, o que se entende como impacto positivo é diferente quando se analisa o resultado da inovação nas empresas privadas e no setor público. Para os autores, nas empresas privadas, o impacto positivo pode ser o aumento do lucro, do faturamento ou da participação de mercado da empresa ou de seus produtos. Já na esfera pública, o impacto positivo pode ser medido pela qua- lidade da prestação dos serviços públicos, diminuição dos custos de atendimento das demandas, maior rapidez ou aumento da satisfação da população. Assim, de acordo com os autores, o resultado da implan- tação da inovação é mais difícil de ser medido na gestão pública, pois passa invariavelmente pela análise de indicadores subjetivos, tais como satisfação, confiança e reconhecimento. Dessa forma, a cultura da ino- vação, tão comum em empresas privadas, precisa ser adaptada para a realidade das empresas públicas. Um exemplo é o Vale do Silício, região americana em que se concentra grande parte das empresas de tecnologia da comunicação e de base digital no país. A região conta com uma infraestrutura de órgãos e agentes públicos, assim como legislações e instituições que incentivam as empresas que lá se instalam, garantindo um am- biente em que os novos projetos de inovação possam florescer. Saiba mais 66 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Outro ponto fundamental, também destacado pelos autores, é que a inovação no setor público precisa levar em consideração a atuação conjunta de órgãos de esferas diferentes da gestão pública, como se- cretarias, ministérios, órgãos municipais, estaduais e federais, além de órgãos da administração indireta. Vilvert (2017) destaca que a comuni- cação é ainda mais importante para a inovação na administração públi- ca do que na iniciativa privada. Os órgãos das diversas esferas precisam criar espaços colaborativos nos quais os projetos de inovação possam garantir a melhoria contínua dos processos, o desenvolvimento cons- tante dos servidores e a satisfação crescente da população. Do ponto de vista da autora, a inovação no setor público está muito mais ligada ao conjunto de pequenas mudanças e novas práticas que me- lhore aspectos isolados do serviço público, com o objetivo de resolver pro- blemas que estão entranhados na burocracia estatal. Ela deve também acompanhar as mudanças sociais e demográficas dapopulação, se ante- cipando aos grandes movimentos que impactarão as demandas futuras por serviços e bens públicos. 3.3 Mudança organizacional e seu impacto nas organizações Vídeo Para que a inovação ocorra em uma organização, é necessário que se construa uma cultura que possibilite que as três dimensões apon- tadas por De Vries, Bekkers e Tummers (2016) estejam presentes. Na dimensão individual, os recursos humanos da organização precisam ser constantemente desenvolvidos e incentivados a colocar em práti- ca seu perfil empreendedor, sendo necessário que exista flexibilidade nos processos decisórios, para possibilitar que novas ideias encontrem suporte e investimento. Na dimensão ambiental, a organização preci- sa ser receptiva às informações, opiniões e mudanças da sociedade, aos avanços tecnológicos, bem como às políticas públicas e às decisões políticas dos governantes. Mas é na dimensão organizacional que re- sidem os maiores desafios para se construir uma cultura para a ino- vação, pois, muitas vezes, é necessária uma mudança organizacional profunda para que haja espaço para a inovação. Assim, é fundamental entender o conceito da mudança organizacional no contexto da administração pública. Oliveira, Duarte e Montevechi (2002) destacam que toda e qualquer mudança cultural em uma organização é Gestão da inovação na administração pública contemporânea 67 um processo complexo e que pode ocorrer de duas formas: espontânea, em que, segundo Conceição (2013), a mudança ocorre de modo não planejado, com base na necessidade da organização que procura resolver os problemas e reagir às mudanças externas quando estas acontecem; ou estratégica, quando a própria organização decide empreender esforços com o objetivo de se antecipar às mudanças externas e às demandas futuras, reorganizando suas estruturas, investindo em seus recursos humanos e criando as condições para que as mudanças se estabeleçam. Segundo Weick e Quinn (1999), as mudanças organizacionais podem ocorrer de maneira contínua ou episódica, sendo que, no primeiro tipo, as mudanças são constantes e, portanto, evolutivas e não revolutivas. Muitas vezes, ocorrem após a acumulação de pequenos avanços cotidia- nos que, no primeiro momento, podem, inclusive, passar despercebidos. Já o segundo tipo corresponde às mudanças ditas revolucionárias, que ocorrem de modo abrupto e representam uma ruptura em relação à si- tuação anterior. Essas mudanças podem ser desde pequenas alterações nos processos cotidianos da gestão até grandes transformações estraté- gicas e estruturais, como a fusão, extinção ou criação de órgãos e até mi- nistérios, prática comum nos governos democráticos brasileiros, assim como a interrupção e alteração de políticas públicas, projetos de infraes- trutura e mudanças nos quadros de gestão nos cargos de confiança. Outro aspecto importante no contexto da administração pública é que as mudanças organizacionais geram resistências que podem ser baseadas em diversos aspectos, tais como o medo da mudança, o re- ceio individual da perda de benefícios, a falta de comunicação e o mau entendimento do que se pretende com a mudança. Esses aspectos ga- nham uma dimensão ainda maior nos órgãos públicos, marcados pela burocracia, pela rígida estrutura de carreira e pela compartimentaliza- ção das responsabilidades e limites de poder. Cardoso e Cunha (2005) enfatizam que a mudança organizacional sempre envolve as pessoas, que tendem a se apegar às práticas que já conhecem e tentar manter o status quo da organização, como forma de proteger seus próprios interesses. Para que os processos de mudança organizacional sejam implanta- dos com sucesso nos órgãos da administração pública, eles precisam ser entendidos pelos quadros do funcionalismo e aceitos no contexto da organização. Para isso, se faz necessário que a comunicação esteja alinhada com os objetivos que se pretende, permitindo que os funcio- 68 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública nários de todos os níveis estejam cientes do processo, de seus objeti- vos, etapas, expectativas e atividades, trazendo clareza e possibilitando o envolvimento dos funcionários com o processo. Kotter e Schlesinger (2000) destacam outro ponto importante para se entender as mudanças organizacionais na administração pública. Como os quadros do funcionalismo público são contratados sob um regime que garante a estabilidade, toda e qualquer mudança organi- zacional só será implementada se houver o apoio e a colaboração dos servidores de carreira, pois os gestores dispõem de poucas ferramen- tas para impor as mudanças de cima para baixo. Muitas das mudanças implementadas nas alterações dos ciclos de gestão, apontados por Beatriz e Machado-da-Silva (1999), são me- ramente formais e resumem-se a mudanças estruturais, tais como a criação e extinção de cargos que, muitas vezes, apenas têm sua nomen- clatura alterada, mantendo as atividades e responsabilidades anterio- res, ou de órgãos que são reorganizados mais por objetivos políticos do que administrativos. Para Chaves e Marques (2006), essas mudanças são pouco percebidas pela população em sua relação cotidiana com a administração pública. Os autores também destacam que muitas das mudanças estruturais implementadas não são suportadas pela criação de novos métodos de trabalho, novos processos e nem pela prepara- ção e treinamento dos servidores, o que pode impactar negativamente a qualidade dos serviços públicos prestados à população. Bergue (2010) também destaca que a cultura dos órgãos da admi- nistração pública é resistente à mudança e ao novo, pois, segundo o autor, é comum que, nesses órgãos, exista uma visão de que as ativi- dades devem ser realizadas como sempre foram feitas, pois são anco- radas nos processos burocráticos e devem seguir os preceitos e limites definidos pela legislação vigente. O autor destaca que, para a mudança organizacional ser implementada com sucesso em um órgão público, uma série de condições prévias deve estar organizada de modo que facilite o entendimento dos novos elementos culturais. Já Marques, Borges e Reis (2016) afirmam que o gestor responsável pela implantação dos processos de mudança precisa desenvolver, em uma parte significativa dos funcionários, um senso de urgência, uma compreensão da importância da mudança organizacional e uma visão clara sobre o futuro da gestão pública para construir o apoio interno necessário à proposta a ser implantada. Gestão da inovação na administração pública contemporânea 69 A gestão de pessoas na administração pública é desafiadora mesmo que processos de mudança organizacional não estejam sendo imple- mentados. Carvalho Filho (2015) destaca que a administração pública reúne servidores de carreira que sofrem com a falta de treinamento e processos de desenvolvimento pessoal, normalmente liderados por gestores que são colocados em cargos comissionados por motivos po- líticos e que não contam com nenhuma experiência na administração pública. Esse quadro funcional dividido traz ainda mais dificuldades para a implantação de mudanças organizacionais. Chaves e Marques (2006) acreditam que, se as mudanças organiza- cionais forem implementadas sem o envolvimento do quadro de fun- cionários desde o planejamento e sem considerar o ponto de vista, as opiniões e a qualificação deles, o processo estará fadado ao fracasso, pois faltará legitimidade às mudanças que se busca implementar. Isso gera sentimentos negativos nos funcionários, que podem ir da simples rejeição às mudanças, passando pela descrença quanto aos possíveis resultados, e chegar até a hostilidade em relação aos responsáveis pe- las mudanças. Assim, o objetivo final da mudança organizacional em um órgão público (ou seja, aumentar a eficiência e melhorar a quali- dade do serviço prestado) não será alcançado, podendo até mesmo, segundo os autores, impactar negativamente a população. 3.3.1 Cultura organizacional e inovação Os processos de mudançaorganizacional têm como objetivo final alterar a cultura organizacional, possibilitando que a organização evo- lua criando as condições para se implementar processos de inovação que garantam a melhoria contínua dos resultados obtidos. Assim, é fundamental que se entenda o conceito de cultura organizacional para que se possa compreender como se processam as mudanças organiza- cionais e o papel da inovação. A cultura organizacional é definida por Pires e Macêdo (2006, p. 84) como “um conjunto complexo e multidimensional de tudo o que constitui a vida em comum nos grupos sociais”. Dessa forma, ela é construída por meio das relações entre as pessoas que compõem a empresa, que partilham crenças, aprendizados e agem em grupo. Schein (1985) aponta outro ponto fundamental para a criação de uma cultura corporativa: o papel do líder, que determina as visões Também conhecido como cargo de confiança, o cargo em comissão é ocupado de maneira transitória sem a necessidade de processo seletivo, sendo de livre nomeação pelos administradores públicos eleitos. Da mesma forma, podem ser exonerados a qualquer momento, também por motivos alheios à administração. Saiba mais 70 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública compartilhadas pelo grupo, define as metas a serem alcançadas, impõe valores pessoais e define como as relações se estabelecem entre os grupos. O autor afirma que a cultura surge com base no aprendizado compartilhado pelo grupo, tanto em relação aos co- nhecimentos, quanto às relações, comportamentos e sentimentos dos membros que o compõem. Esses aprendizados se constroem por meio da resolução de pro- blemas que surgem no cotidiano da organização e são fundamentais para que a empresa sobreviva às mudanças do mercado. A partir do momento em que uma cultura se estabelece em uma organização, ela passa a determinar os valores e os comportamentos do grupo e passa a ser ensinada aos novos membros da equipe, determinando a forma como as pessoas pensam e agem. Nas organizações públicas, a cultura organizacional apresenta algumas peculiaridades relacionadas ao modelo de administração e à história da gestão pública. Para entender a cultura que se es- tabeleceu na máquina pública, Paes de Paula (2012) explica que é preciso retomar a história da administração pública no Brasil, sua evolução histórica e os diversos modelos aplicados. Mesmo que diversas mudanças venham ocorrendo na administra- ção pública, Barreto et al. (2013) destacam o alto nível de regulações, normas e legislações, além dos entraves burocráticos, como aspectos que influenciam a criação de uma cultural organizacional pouco flexível e com baixa capacidade de se adaptar às novas realidades tecnológi- cas, sociais e mercadológicas presentes no ambiente externo. Guimarães (2000) salienta que o maior desafio para o desenvol- vimento e a evolução da cultura organizacional da administração pública é quebrar a rigidez das estruturas burocráticas e altamente hierarquizadas, características dos órgãos públicos. Da mesma for- ma, Carbone (2000, p. 3) identifica que são características “a eleva- da burocratização, o apego a regras e a rotinas pré-estabelecidas, a centralização e o autoritarismo inerente à máquina pública”. Fadul e Silva (2009) identificaram que a cultura organizacional den- tro da administração pública é muito pouco estudada e, na maioria dos estudos feitos, os conceitos utilizados são copiados dos realizados em empresas privadas, que não necessariamente são adequados para en- tender a complexidade da cultura organizacional em uma estrutura gi- Gestão da inovação na administração pública contemporânea 71 gantesca e multifacetada como a máquina pública. Assim, os autores acreditam que não se pode falar de uma cultura organizacional típica da administração pública, mas, sim, de diversas culturas que se interlaçam e se influenciam no cotidiano da gestão das diversas esferas da admi- nistração pública. Apesar de conviverem no mesmo ambiente social, econômico e tec- nológico, Hofstede (1994) chama atenção para o fato de que as empresas privadas e as organizações públicas apresentam características próprias e, desse modo, os conceitos sobre a cultura organizacional em cada um desses tipos de organização precisam ser entendidos de modo diverso. Fleury e Fischer (1996) salientam que a cultura organizacional das organizações do setor público é encarada como imutável, sen- do apontados como motivadores dessa imutabilidade os baixos salários, a ingerência política sobre a gestão pública e a falta de investimentos em desenvolvimento. Porém, a cultura das organiza- ções, sejam elas públicas ou privadas, em geral, reflete a cultura da sociedade na qual a organização está inserida. Assim, as mudanças aceleradas que têm sido registradas em nossa sociedade acabam por influenciar a cultura das organizações públicas. 3.4 Redes e inovação em serviços públicos Vídeo Seja nas empresas privadas, seja na administração pública, a inova- ção é um processo complexo que envolve investimentos em infraestru- tura e a construção de um ambiente propício à criação de uma cultura inovadora. Mesmo que a administração pública tenha o papel de induto- ra da inovação, é extremamente difícil para qualquer tipo de organização inovar de maneira isolada. Segundo Malerba e Vonortas (2009), para inovar, as empresas intera- gem com outras organizações e com a sociedade com o objetivo de tro- car conhecimento, coletar e analisar informações e ter acesso a diversos recursos. Dentre os variados tipos de organizações com as quais a em- presa interage, os autores destacam universidades, laboratórios, outras empresas, escolas, centros de estudos, organizações não governamentais e também o governo, com os quais busca estabelecer parcerias. Quando diversas dessas organizações se unem, formando uma rede em torno de 72 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública um objetivo comum relacionado ao desenvolvimento de novas tecnolo- gias, produtos e processos, uma rede de inovação é estabelecida. Outras empresasLaboratórios Universidades Escolas Centros de estudos Governo Organizações não governamentais Empresas As redes podem surgir de modo não planejado e se organizar com base em interações entre as empresas e organizações. Malerba e Vonortas (2009) explicam que a estrutura das redes que surge dessa forma se estabelece por meio de uma relação em mão dupla: tanto as regras e estruturas da rede são influenciadas pelas empresas que as compõem, quanto acabam por influenciar o comportamento das empresas a partir do momento em que a rede se estrutura, fazendo com que elas evoluam. As redes de inovação são fundamentais para que as empresas que as compõem possam garantir a sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo. Nelas, as diversas organizações podem desenvolver no- vas tecnologias e processos de gestão em conjunto, mesmo que sejam concorrentes no mercado. Assim, as redes de inovação incluem empresas das mais variadas áreas que, ao mesmo tempo, cooperam e competem. Dentro do contexto da inovação, diversos tipos de redes podem ser identificados. As redes verticais, segundo Hamalainen e Schienstock (2000), são aquelas que interligam empresas e outros tipos de organizações que atuam em um mesmo tipo de cadeira de valor. São exemplos desse tipo Gestão da inovação na administração pública contemporânea 73 de rede as formadas por fornecedores, fabricantes, distribuidores, varejis- tas e clientes de uma determinada área da economia. Já as redes horizon- tais são aquelas que ligam organizações de cadeias de valor diferentes, mas que têm interesses comuns em uma determinada tecnologia ou área funcional. Os autores apontam como exemplo as áreas de pesquisa, pro- dução, logística ou marketing. Independente do tipo de rede, a interação entre as empresas que a compõem é fundamental para que cada uma das organizações apren- da conjuntamente, possibilitando tambémo intercâmbio de conheci- mentos específicos de cada uma das empresas. Segundo Casti (1995), as redes têm o papel de aproximar os diversos recursos e atividades de seus membros, possibilitando a troca de informações, a implementa- ção conjunta de projetos e novas tecnologias, e a mitigação de riscos de se investir isoladamente em projetos inovadores. Para Koschatzky (2001), as redes possibilitam que as empresas compartilhem os investimentos e os recursos de pesquisa e desen- volvimento, fator importante para a inovação, pois, de modo geral, a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias apresentam altos custos, que se tornam mais aceitáveis se divididos entre as diversas empresas. Ainda segundo o autor, as redes também possibilitam o uso conjunto de estruturas e de insumos, outro fator importante para a diluição dos custos da inovação. Porém, para que uma rede de inovação se estabeleça, são necessá- rias algumas características, tais como a confiança entre seus membros, o entendimento dos benefícios comuns e dos limites estabelecidos, os interesses estratégicos de cada um de seus integrantes e a busca pela sinergia entre as diversas empresas e organizações. Como destacam Ahrweiler e Keane (2013), nas redes de inova- ção, em especial aquelas que envolvem organizações tanto do se- tor público quanto do privado, observa-se uma riqueza de visões e de expectativas, que valorizam ainda mais as contribuições dos participantes, já que cada um deles tem seus próprios objetivos e contribui com seus conhecimentos e tecnologias para que os obje- tivos da rede sejam alcançados. Assim, as redes de inovação permitem compreender não apenas os motivos pelos quais as empresas se dispõem a cooperar com outras, mas também a maneira como elas organizam seus conhecimentos, O livro Inovação e Políticas Públicas: superando o mito da ideia, lançado pelo Ipea e pelo InovaGov, reúne diversos casos de inovação e de utilização de ferramentas ligadas ao tema em órgãos públicos, mostrando que é possível inovar na gestão pública. CAVALCANTE, P. Brasília: Ipea, 2019. Disponível em: http://www.ipea. gov.br/portal/images/stories/PDFs/ livros/livros/190530_livro_ino- vacao_e_politicas_publicas.pdf. Acesso em: 17 fev. 2020. Livro 74 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública como aprendem, seus modelos de gestão e sua capacidade de coor- denação. Em algumas redes, uma das empresas pode assumir o papel central de condutora do processo de inovação, utilizando seu poder de investimento ou suas competências e relacionamentos para liderar o grupo. Os órgãos públicos que estabelecem redes de inovação, em geral, acabam por assumir esse papel de liderança, pelo próprio papel do Estado como indutor da inovação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Da mesma forma que a inovação passou a ser cada vez mais importan- te para as empresas privadas, o setor público também precisa adotar uma cultura de inovação para garantir tanto seu papel junto a seu povo quanto sua representatividade frente aos demais governos. Porém, se inovar no meio empresarial já não é tarefa fácil, para a ad- ministração pública, a criação de uma cultura de inovação é ainda mais complexa, dadas as características inerentes ao serviço público, como a burocracia, a rígida hierarquia e a necessidade de se seguir rigorosamente os processos baseados na legislação vigente. A administração empresarial, seja ela realizada nas empresas privadas ou na administração pública, tem passado por mudanças aceleradas nas últimas décadas, influenciada pelos rápidos e constantes avanços tecno- lógicos, tanto nos processos produtivos, quanto no acesso a informações sobre mercados, concorrentes e consumidores. Dentro desse contexto, criar uma cultura de inovação na organização é fundamental para que ela reaja de maneira rápida e eficiente às mudan- ças externas, mais ainda na administração pública, pois há a constante pressão da sociedade por serviços públicos de melhor qualidade, além da necessidade de ajustar os orçamentos com o objetivo de garantir o equilíbrio das contas públicas. ATIVIDADES 1. Quais são as etapas do processo de inovação? Explique cada uma delas. 2. Segundo apontam De Vries, Bekkers e Tummers (2016), para que a inovação ocorra em uma organização, é necessário que se construa uma cultura que possibilite três diferentes dimensões. Explique essas dimensões. 3. Explique a diferença entre as mudanças organizacionais contínuas e as mudanças organizacionais episódicas. Gestão da inovação na administração pública contemporânea 75 REFERÊNCIAS AHRWEILER, P; KEANE, M. T. Innovation Networks. Mind & Society, p. 73-90, 2013. ANDERSON, N.; POTOCNIK, K.; ZHOU, J. Innovation and creativity in organizations: A state- of-the-science review and prospective commentary. Journal of Management, v. 40, n. 5, p. 1297-1333, 2014. ANPEI. Guia da Lei do Bem. Brasília, 2017. Disponível em: https://www.mctic.gov.br/mctic/ export/sites/institucional/tecnologia/incentivo_desenvolvimento/lei_bem/arquivos/Guia- da-lei-do-Bem-Outubro-de-2017.pdf. Acesso em: 17 fev. 2020. BARRETO, M. A. M. et al. O. Serviço Público e a influência da cultura organizacional: um estudo de caso no âmbito municipal. In: VII Colóquio Técnico Científico do UniFOA. Volta Redonda: Centro Universitário de Volta Redonda, 2013. BATEMAN, T. S.; SNELL, S. 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Porém, a crise econômica global do final da década de 2010 fez com que muitos governos passassem a intervir intensamente na economia, adotando políticas protecionistas como forma de garan- tir a estabilidade econômica e política. No Brasil, o combate à corrupçãomostrou que as relações en- tre o governo e a iniciativa privada, se não forem bem regulamen- tadas e auditadas, podem aumentar ainda mais o mau histórico do clientelismo. Assim, a década de 2010 foi palco de uma nova visão do papel do Estado e de sua relação com o mercado. O impacto dos diversos modelos econômicos e as respectivas políticas públi- cas que os suportam são o tema deste capítulo. 4.1 Mercado e gestão das políticas públicas Vídeo Para que entendamos o mercado e a relação entre as empresas pri- vadas e o governo no incentivo, no controle e na organização dele, é preciso, primeiramente, conceituar cada um desses elementos. No es- tudo da economia, em especial da macroeconomia, o conceito de mercado é central. A definição clássica de mercado é a seguinte: local ou ambiente no qual entes econômicos – sejam pessoas, empresas ou governos – in- teragem como compradores e vendedores de um determinado produto A relação entre mercado e gestão pública 79 ou serviço, de modo a determinar uma quantidade e um preço que sejam interessantes e viáveis para ambos os lados (MEIRELLES, 2010). Para os economistas, o mercado é visto como um mecanismo efi- ciente, o qual permite que os insumos e as matérias-primas sejam utili- zados para produzir produtos e serviços ao menor custo possível e que todos os entes participantes tenham o mesmo acesso à informação e poder de negociação. Essa situação é chamada de concorrência perfeita, como explica Matos (2008). A eficiência do mercado é possível, segundo Kerstenetzky (2004), porque todos os agentes presentes no mercado – compradores e vendedores – são racionais e buscam maximizar seus ganhos, o que leva a um equilíbrio benéfico a todos. Porém, a situação da competição perfeita nem sempre é possível no mundo real. Nem todos os agentes têm o mesmo acesso à infor- mação, o que faz com que tomem decisões baseadas em suposições nem sempre corretas. Os agentes econômicos não tomam decisões apenas racionais, como demonstra Ariely (2008). A irracionalidade, tan- to das pessoas quanto até mesmo de empresas e governos, é um fator fundamental no entendimento do mercado. Por fim, como demonstra Meirelles (2010), tanto compradores quanto vendedores podem se or- ganizar de modo a aumentar seu poder no mercado, com a organiza- ção de monopólios ou cartéis. Nelson (2002) afirma que, na prática, o mercado não é governado apenas pela relação entre vendedores e consumidores. O governo tem um papel fundamental na regulação das atividades econômicas, influenciando as trocas realizadas no mercado. O autor cita que as po- líticas públicas, a tributação e a moeda são ferramentas utilizadas pelo governo para regular as trocas e atividades do mercado. Nesse sentido, a interferência do Estado pode ser mais ou menos presente no mercado, de acordo com seu modelo de organização. O Es- tado pode ser um dos participantes diretos do mercado, prestando ser- viços e vendendo produtos diretamente aos consumidores, por meio de seus órgãos e empresas estatais, ou pode apenas regular o mercado por meio de legislação, regulamentação, coordenação e controle. Para Bresser-Pereira (2017), o Estado pode ser organizado de acordo com quatro visões ou objetivos políticos: liberdade; garantia da riqueza ou o bem-estar econômico; justiça social; e proteção da natureza. O livro Previsivelmente Irracional é fundamental para entender como pensamos quando consu- mimos. A ideia do agente racional da economia clássica é discutida por Dan Ariely, um dos mais renomados pesqui- sadores da economia comportamental, que usa conhecimentos da psico- logia e da antropologia para estudar a economia. ARIELY, D. São Paulo: Elsevier, 2008. Livro 80 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Garantia da riqueza ou bem-estar econômico Justiça social Liberdade Proteção da natureza Pode ser relacionada ao modelo do liberalismo econômico. Dá origem aos Estados desenvolvimentistas. É a base dos Estados socialistas. Dá origem aos Estados ambientalistas. No Brasil, os dois primeiros modelos podem ser identificados ao se analisar os governos dos últimos 100 anos. O desenvolvimentismo foi o modelo de estado adotado nos governos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek (JK) e no governo militar, que, segundo Fonseca (2008), par- tiam da visão de que o país precisava reverter o atraso histórico em rela- ção aos países mais desenvolvidos e havia uma nação a ser construída. Para Prado (2003), as políticas públicas baseadas no modelo desen- volvimentista partem do pressuposto de que o mercado, composto de empresas da iniciativa privada e cidadãos, não garante o desenvolvimen- A relação entre mercado e gestão pública 81 to econômico e social do país. O governo, de acordo com o autor, tem um papel importante na economia, como indutor do desenvolvimento. Exemplos de como as políticas públicas são fundamentais para o desen- volvimento econômico e social do país podem ser encontrados no slogan “50 anos em 5”, utilizado pelo governo JK em seu plano de desenvolvi- mento, e no “milagre econômico” da década de 1970, que foi marcado pela criação de um grande número de empresas estatais e por uma grande intervenção do Estado na economia (BRASIL, 2015). Durante o regime militar, foram criadas 47 novas empresas estatais, nos mais variados ramos da economia, já que algumas das políticas usadas pelos governos desenvolvimentistas são a criação de empresas públicas com o objetivo de fomentar o crescimento econômico, a cria- ção de empregos e a produção local. No artigo Estatais: o que você precisa saber sobre esse tipo de empresa?, do site Politize!, você encontra um interessante infográfico com um histórico das estatais no Brasil desde a Era Vargas. Acesso em: 17 fev. 2020. https://www.politize.com.br/estatais-o-que-voce-precisa-saber-sobre-esse-tipo-de-empresa/ Artigo Com a transição do governo militar para os governos democráticos, du- rante as décadas de 1980 e 1990, o modelo de Estado brasileiro passou por uma significativa mudança, deixando de lado o papel de executor para assumir o papel de regulador da atividade econômica e da atuação das empresas privadas, característica de governos que têm por objetivo a li- berdade e adotam uma visão de liberalismo econômico (BRESSER-PEREIRA, 2017). Segundo Bourguignon e Botelho (2009), as políticas públicas pon- tuais passaram a ser o foco da gestão, substituindo os grandes planos inte- grados característicos dos governos desenvolvimentistas. O Estado passa a ter o papel de coordenador, e não de gerador, do crescimento: a geração de riqueza é papel da iniciativa privada, que investe no desenvolvimento e crescimento da produção, na geração de empregos e na criação de va- lor agregado. Estado e iniciativa privada, juntos, buscam o crescimento do país, o que possibilita o equilíbrio social. É por meio das políticas públicas que o governo age, e a adminis- tração pública tem o papel de garantir o bom funcionamento das insti- tuições e o cumprimento das leis. Saravia (2006) aponta que essa nova atuação do Estado, por meio de políticas pontuais, deu agilidade e flexi- 82 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública bilidade ao governo para atender às demandas e promover o bem-es- tar da sociedade. Eram as políticas públicas que direcionavam a ação da iniciativa privada para atingir os objetivos sociais do governo. Como aponta Kettl (2003), essa mudança de papel do Estado é marcada, em vários países, pela busca por modernizar e agilizar a administração pú- blica, com a adoção de ajustes estruturais e reformas, objetivando au- mentar a eficiência da máquina. A reforma administrativa do Estado brasileiro, nas décadas de 1980 e 1990, ocorreu em um cenário mais amplo de mudanças na gestão pú- blica em diversos países do mundo, motivadas pelo crescimento do en- dividamento internacional das nações durante a década de 1970. Para Bresser-Pereira (2007), as reformas adotadas em vários paísesbusca- vam, além de aumentar a eficiência da estrutura pública, realizar o ajuste fiscal e orientar a atuação do Estado para o mercado, diminuindo a par- ticipação das empresas públicas voltadas à produção de bens e serviços e aumentando o papel dele como regulador e financiador de atividades das empresas privadas. As políticas públicas, nesse momento, estavam ligadas aos benefícios sociais que o Estado pretendia oferecer a seus ci- dadãos e ao aumento da competitividade das empresas locais frente ao crescimento acelerado das economias baseadas na capacidade produti- va e no baixo custo dos produtos exportados, em especial na China. Nesse contexto de diminuição do papel e do tamanho do Estado, baseada em conceitos relacionados ao neoliberalismo e ao Estado neo- liberal, os governos brasileiros das décadas de 1980 e 1990 e do início da década de 2000 são marcados pela adoção de políticas públicas, como a privatização de empresas públicas. Segundo relata o Ministério da Economia, Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, as discussões sobre a necessidade de diminuição do número de estatais e, conse- quentemente, de redução da atuação do Estado como produtor de bens e serviços começam no final do governo Sarney, após a crise eco- nômica que levou à moratória 1 de 1987 (BRASIL, 2015). Com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), no go- verno Collor, as privatizações continuaram representando um esforço do Estado em se adequar ao seu novo papel. No governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), as privatizações continuaram na agenda gover- namental e começaram a ser implementadas novas formas de atuação do governo junto à iniciativa privada, com a terceirização de atividades, a concessão de bens e serviços públicos e as parcerias público-privadas. Dispositivo legal utilizado em momentos de crise, seja ela econômica, ou motivada por uma guerra ou grande calamida- de, por meio do qual o governo suspende os pagamentos de di- vididas a credores internacionais, sejam eles outros países, bancos ou empresas. 1 A relação entre mercado e gestão pública 83 A diminuição expressiva da quantidade de estatais, segundo Maciel e Arvate (2010), mostra como o Estado brasileiro foi diminuindo sua parti- cipação na economia de modo acelerado, dando espaço ao aumento da atuação da iniciativa privada, conforme mostra o gráfico a seguir. Gráfico 1 Evolução no número de empresas estatais federais – 1985-2006 300 250 200 150 100 50 0 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 Sarney Collor Itamar FHC 1 FHC 2 Lula 252 254 255 258 202 186 174 160 155145 138 136 127 93 96 103 105 106 131 131 137 135 Fonte: Maciel; Arvate, 2010, p. 6. O gráfico mostra, em números absolutos, a quantidade de empresas públicas ativas durante cada governo. Apesar de ser possível observar a diminuição abrupta, em especial no último ano do governo Sarney, no governo Collor e, principalmente, durante o governo FHC, os números escondem uma outra mudança significativa. É possível observar uma diferença no objetivo das empresas públi- cas criadas em cada um dos governos, refletindo sua visão do papel do Estado. Se no governo JK e no governo militar predominou a abertura de empresas que atuam na produção de bens e serviços, tais como Furnas e Eletrobrás – da área de produção de energia –, Companhia Docas do Rio de Janeiro, Infraero, CBTU e Indústrias Nucleares do Brasil (INB) – todas voltadas para a criação e gestão de infraestrutura –, nos governos Sarney e FHC, as empresas criadas eram mais voltadas à atuação do Estado como regulador, por exemplo, Banco do Brasil Ges- tão de Recursos, Banco do Brasil Administradora de Cartões, Eletrobrás 84 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Participações e Empresa Gestora de Ativos (Egea). Já no governo Lula e, em especial, no governo Dilma, a característica das empresas públicas criadas volta a ser mais acentuadamente ligada à produção de bens e serviços, com destaque para as diversas empresas de geração de ener- gia eólica criadas no governo Dilma Roussef, como mostra o relatório Empresas Estatais Federais – CNPJ, sede e datas de criação e constituição – Informações SIEST, do Ministério da Economia, Planejamento, Desen- volvimento e Gestão (BRASIL, 2019). Considerar a atuação do Estado e a adoção de políticas públicas apenas como uma questão econômica, porém, é simplificar a análise do papel do Estado tanto em relação a seu próprio povo quanto em relação aos demais países do mundo e ao ambiente político interna- cional. Segundo Bresser-Pereira (2007), a diminuição da interferência do Estado na economia nas décadas de 1980 e 1990 teve seu início a partir da crise do petróleo, no início dos anos 1970, e do consequente aumento do endividamento dos países durante toda a década, tendo seu auge com a queda das economias comunistas do leste europeu. Já as raízes de uma maior atuação do governo na economia, caracte- rística da década de 2010 tanto no Brasil quanto em diversos países do mundo, estão ligadas a um evento político, segundo aponta Ricupero et al. (2008). Para os autores, os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, ocorridos nos Estados Unidos, levaram a um aumento do po- der do Estado frente ao mercado e à sociedade, com a injeção de recur- sos públicos no mercado combinada à redução de juros, capitaneada pela Federal Reserve, órgão econômico do Estado americano. A atuação do governo americano levou a um aumento expressivo do crédito em todo o sistema econômico global, com a criação de novos instrumentos financeiros e a diminuição dos controles de capital e das restrições ao fluxo de capitais entre os diversos países. Para Ricupero et al., essas foram as bases da crise econômica de 2008, iniciada no mercado de crédito imobiliário americano. Assim como o governo americano, os governos brasileiros também tiveram de lidar com os efeitos da crise econômica global, a qual atingiu a economia com a diminuição das exportações e dos fluxos financeiros globais, que, durante grande parte da década de 2000, foram de entrada de capital estrangeiro. Segundo Freitas (2009), os bancos brasileiros, os quais, durante as crises financeiras das décadas de 1980 e 1990, desen- O filme A Grande Aposta acompanha quatro exe- cutivos que identificaram de forma antecipada a queda da economia ame- ricana e o risco do merca- do subprime. É ótimo para entender como a crise do mercado de crédito imobiliário americano se desenvolveu durante a década de 2000 até seu estouro em 2008. Direção: Adam McKay. EUA: Paramount Pictures, 2015. Filme A relação entre mercado e gestão pública 85 volveram modelos de gestão ágeis e eficientes, reagiram rapidamente, re- traindo a concessão de crédito para os mais variados ramos da economia, especialmente a construção civil e a indústria. Os últimos anos do governo Lula foram marcados pela desaceleração da atividade econômica e pela desvalorização da moeda brasileira frente à cesta global de moedas. Como explicam Silva e Alperstedt (2013), o governo brasileiro, nota- damente a partir do primeiro ano do mandato de Dilma Rousseff, agiu para acelerar o mercado de consumo, utilizando o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal como ferramentas de aumento da oferta de crédito e diminuição das taxas de juros, em especial o crédito direcio- nado ao consumo das famílias e à aquisição de imóveis – uma política pública que objetivava aumentar o volume da economia e, consequen- temente, o nível de emprego e de segurança social. Como reflexo da diminuição da taxa de juros dos bancos públicos, os bancos privados também aumentaram suas linhas de crédito. O re- flexo dessa política pública pode ser observado na evolução do crédito imobiliário, conforme o gráfico desenvolvido pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).Gráfico 2 Oferta de crédito imobiliário em bilhões de reais 1,7 113 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Construção e Aquisição – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) Fonte: Abecip, 2015. O gráfico mostra que, depois de um crescimento acelerado da oferta de crédito até o ano de 2007, os anos de 2008 e 2009 foram marcados pela diminuição acentuada do crescimento. A partir de 2010, as políticas públi- cas de aumento da oferta de crédito do governo Dilma trouxeram um au- mento considerável da oferta de crédito, o que ocorreu até o ano de 2014. 86 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Porém, essa intervenção do governo na economia e no mercado, por meio de suas políticas públicas, não foi suficiente para conter os efeitos da crise econômica global sobre a economia brasileira. Teixeira, Pinheiro e Ferreira (2013) apontam que a balança comercial brasilei- ra apresentou uma queda expressiva no início da década, tendo, em 2012, seu pior resultado em dez anos, refletindo a diminuição das ex- portações decorrentes da crise global. Já Silva et al. (2013) mostram que os efeitos da crise econômica acentuaram ainda mais os problemas socioeconômicos do país e fizeram com que questões como a baixa efi- ciência da estrutura de administração pública e da política brasileira e a corrupção ganhassem destaque, pois a competência da administração pública passou a ser ainda mais importante para garantir a qualidade dos serviços públicos e o controle das contas públicas. 4.2 Parcerias público-privadas Vídeo Dentre os modelos de organização do Estado apresentados por Bresser-Pereira (2017), o estado desenvolvimentista é marcado pela centralidade do governo na criação, administração e gestão da infraes- trutura necessária para que a economia do país cresça. Já no modelo do liberalismo econômico, são as empresas privadas as responsáveis pelo desenvolvimento econômico, cabendo ao governo apenas regular e controlar o mercado. Porém, como aponta Cinelli (2010), a implanta- ção de grandes infraestruturas necessárias para atender às demandas da sociedade, tais como estradas, hospitais e aeroportos, tem um custo tão elevado e uma gestão tão complexa que se torna inviável para o governo, que não dispõe de recursos para o investimento, e para a ini- ciativa privada, para a qual a cobrança de tarifas sobre a utilização das infraestruturas não é suficiente para cobrir os custos de construção e operação. Isso garante margens de lucro interessantes para o investi- dor, dando espaço para as chamadas parcerias público-privadas (PPPs). Essa é uma situação pela qual não somente o governo brasileiro passa. No início da década de 1990, o governo inglês buscava alterna- tivas para a escassez de recursos públicos, em um orçamento gover- namental cada vez mais comprometido com restrições financeiras e fiscais. Peci e Sobral (2007) explicam que a Inglaterra tem implementa- do, de modo pioneiro, diversas ações e reformas para diminuir o papel A relação entre mercado e gestão pública 87 do Estado na economia. Dentro desse contexto, na década de 1990, foi criado o conceito de Private Finance Initiative (PFI) – ou em tradução livre para o português, iniciativa financeira privada –, modelo de parceria pú- blico-privada que significou uma mudança na forma de financiamento para construção, fornecimento e gestão de serviços de infraestrutura, em relação aos modelos tradicionais do Estado mínimo, nos quais os bens e serviços são providos pela iniciativa privada, e ao modelo cen- tralizador, no qual os serviços públicos são oferecidos pelo Estado. O governo inglês, ainda segundo Peci e Sobral (2007), buscou, com a implementação das PFI, melhorar os serviços públicos, com base na ideia de que empresas privadas são mais eficientes na gestão dos recursos, o que proporciona melhor uso dos recursos públicos e mais benefícios para a sociedade ao oferecer melhores serviços a um custo menor. Diversos outros ganhos podem ser lis- tados com a adoção das PFI, tais como: • compartilhamento dos riscos entre governo e iniciativa privada; • transferência de conhecimentos e experiências entre os agentes públicos e privados; • aumento dos investimentos totais em infraestrutura, com a soma dos recursos da inciativa privada e do poder público. Com o sucesso do modelo inglês, outros países passaram a adotar o modelo das PPPs, entre eles o Brasil, que, ainda na década de 1990, iniciou as discussões sobre a implementação dessas parcerias como uma forma de investir em setores carentes, em um momento no qual o poder público não dispunha de recursos suficientes para isso. Porém, para que as PPPs fossem colocadas em prática, foi preciso estabelecer um arcabouço legal sobre o qual as concessões públicas e os investi- mentos privados pudessem ser realizados. Ainda na década de 1990, duas importantes legislações serviram de base para as discussões posteriores sobre as PPPs: a Lei das Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 8.666, de 1993), que foi modernizada e alterada, estabelecendo as normas das licitações e dos contratos cele- brados pelo governo com a iniciativa privada; e a Lei das Concessões (Lei n. 8.987, de 1995), que, segundo Dutra e Sampaio (2017, p. 8), “foi funda- mental para o aprofundamento do processo de reforma do Estado que se iniciara em 1990, ao estabelecer as principais normas para a delega- ção da prestação de serviços públicos à iniciativa privada”. 88 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública A partir dessas duas legislações, foi promulgada a Lei n. 11.079, de 30 de novembro de 2004, que trata especificamente das parcerias pú- blico-privadas. Segundo Silva e Silva (2019, p. 157), a parceria público- -privada é definida como: o contrato administrativo de concessão, na modalidade pa- trocinada ou administrativa, que poderá ser contratado de acordo com o artigo 1º da mesma lei, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Para Paiva e Rocha (2005), o período da década de 1990 e do início da década de 2000, especialmente durante o governo FHC, foi marcado por reformas desestatizantes, que mudaram a relação entre o poder público e a iniciativa privada no Brasil, dando muito mais espaço para que as empresas privadas atuassem em projetos de infraestrutura. Apesar desse avanço, algumas questões fiscais, orçamentárias e regu- latórias ainda eram pouco claras, o que dificultou a atração de investi- mentos privados, em especial em áreas nas quais havia pouco espaço para a busca de lucratividade, fundamental para o setor privado decidir pelo investimento e pela assunção de riscos. Para a iniciativa privada, o objetivo de participar de uma parceria está relacionado à busca de lucros sobre seu investimento. Do ponto de vista do governo, o interesse para que as parcerias sejam implemen- tadas é proporcionar o atendimento das necessidades e demandas da sociedade, tanto em relação à prestação de serviços públicos quanto em relação às infraestruturas necessárias para o desenvolvimento eco- nômico e social do país. A infraestrutura serve como catalisadora do crescimento econômico, pois possibilita que novos projetos sejam im- plementados tanto pelo setor público quanto pela iniciativa privada. Assim, os projetos para a busca de parceria estão alinhados com as metas e os objetivos estipulados pelo governo em seu planejamento. Outro benefício das parcerias, para o governo, é a geração de renda ad- vinda das concessões e das taxas cobradas do parceiro privado, além da geração de empregos e de dívidas para o país. Cinelli (2010) explica o papel de cada um dos parceiros em uma PPP. O parceiro público, o qual pode ser representado pelos gover- nos federal, estadual ou municipal, é o poder concedente e tem como obrigações fiscalizar a qualidade dos serviços prestados e das obras realizadas, garantindo que os custos estejam dentro do que foi acorda- do nos contratos. É seupapel, também, garantir que o parceiro privado A relação entre mercado e gestão pública 89 seja compensado dentro dos parâmetros do contrato, tanto em relação ao retorno do investimento para a implantação quanto em relação aos custos de gestão, operação e manutenção dos serviços prestados. As propostas de parcerias devem estar inseridas nas políticas de desen- volvimento de acordo com as necessidades de crescimento do país, e o parceiro público tem que dar garantias legais de que honrará com os compromissos firmados com o parceiro legal durante todo o período do contrato, já que os investimentos serão feitos pela iniciativa privada. Já o parceiro privado, ainda segundo Cinelli (2010), não é bem tipi- ficado na Lei n. 11.079/2004. Para a autora, a legislação é omissa em relação às qualificações necessárias para que um agente privado se qualifique como postulante em uma PPP. De acordo com a lei, uma pessoa física pode fazer parceria desde que reúna as condições finan- ceiras e técnicas para tal. Porém, de acordo com a autora, na quase totalidade dos casos de PPPs já implementadas, o parceiro privado é uma pessoa jurídica já constituída. Quando uma parceria é firmada, o parceiro público e o privado formam uma sociedade de propósito específico, que tem por objetivo implementar o projeto objeto da PPP. A Lei n. 11.079 (BRASIL, 2004) tipifica dois modelos de parceria pú- blico-privada. As concessões patrocinadas são aquelas nas quais um serviço ou obra pública é concedido ao parceiro privado, que será re- munerado tanto pela cobrança de uma tarifa de utilização pelos usuá- rios quanto por uma contraprestação do parceiro público. Um exemplo bastante comum desse tipo de concessão são as estradas, os portos e os aeroportos. Já a concessão administrativa está relacionada a contratos nos quais a administração pública é usuária dos serviços, de modo direto ou indireto. Nesse caso, não há pagamento de taxas por parte do usuário; a totalidade dos recebimentos a que o parceiro pri- vado faz jus são provenientes de pagamentos realizados pelo poder público. Um exemplo é a construção de um presídio. Os contratos das PPPs podem envolver, segundo Di Pietro (2005), tanto a construção total de uma infraestrutura quanto projetos de ampliação, reforma ou manutenção de infraestruturas já existentes e que sejam de propriedade do Estado. Os contratos podem envolver também a gestão total ou parcial de atividades administrativas que são responsabilidade do poder público, que as transfere à iniciativa privada por meio da PPP, sendo que o parceiro privado é remunerado pelo Estado. 90 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Barbosa e Malik (2015) explicam que uma série de estruturas de ges- tão são necessárias para garantir um ambiente de transparência nesses contratos. Entre elas, os autores citam os comitês gestores da parceria público-privada (CGP) e os fundos garantidores das PPPs (FGP), os quais têm o objetivo de garantir o pagamento regular das contraprestações e obrigações assumidas pelo parceiro público. Os autores analisaram di- versas PPPs já implementadas, em especial na área da saúde, e esque- matizaram os passos e procedimentos necessários para que uma PPP seja desenvolvida e contratada, conforme figura a seguir. Figura 1 Procedimentos necessários ao desenvolvimento e contratação de PPP Parceiro público Parceiro privado Parceiro público (Comitê Gestor de PPP): avalia e seleciona o melhor estudo técnico (PMI) Parceiro público: submete PMI escolhido a consulta pública Parceiro público + Parceiro privado: realizam ajustes no projeto em função da Consulta Pública Parceiro público (Comitê Gestor de PPP): promove licitação por qualificação técnica e preço, homologa e contrata o parceiro privado Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada (MIP) Parceiro privados: elaboram estudos técnicos e desenvolvem Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) a risco Fonte: Barbosa; Malik, 2015, p. 1151. Em seu extenso estudo sobre as PPPs da área da saúde, Barbosa e Malik (2015, p. 1158) identificaram casos de sucesso: Considerou-se como situação de sucesso a contratação realizada entre as secretarias de saúde dos estados da Bahia (Hospital do Subúrbio, Instituto Couto Maya e Central de Imagens Digitais), São Paulo (planta de produção farmacêutica), e dos municípios de Belo Horizonte (Hospital do Barreiro e rede de apoio operacional a rede básica) e Manaus (Implantação da rede básica), cujos projetos tive- ram suas implantações iniciadas. A relação entre mercado e gestão pública 91 Para os autores, os casos podem ser considerados bem-suce- didos porque atenderam a todos os requisitos legais, o que pos- sibilitou a ambos os parceiros realizarem suas atividades dentro do esperado e contratado. Os parceiros privados desenvolveram os projetos dentro das especificações, investiram nas tecnologias necessárias para a prestação do serviço e seguiram o plano de negócios criado durante o processo de contratação. Já o parceiro público cumpriu seu papel como gestor e garantidor da parceria, implementando o comitê gestor e o fundo garantidor, além de ter cumprido todas as etapas do processo licitatório. 4.3 Empreendedorismo e serviço público Vídeo O empreendedorismo é um tema bastante estudado na área da ad- ministração, pois é por meio dele que novos negócios surgem, o que impulsiona o desenvolvimento econômico e tecnológico dos países e, em alguns casos, altera até mesmo a organização econômica e social mundial. Por esse motivo, estudar as características apresentadas pe- los empreendedores é importante, pois isso permite criar métodos de desenvolver tais características em um maior número de profissionais. Um dos estudos mais significativos sobre as características em- preendedoras foi desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD) e pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD). Segundo Nakao et al. (2018), essas características podem ser agrupadas em três grandes conjuntos: a. Busca de oportunidades e iniciativa b. Persistência c. Correr riscos calculados d. Exigência de qualidade e eficiência e. Comprometimento Conjunto de realização a. Busca de informações b. Estabelecimento de metas c. Planejamento e monitoramento sistemáticos Conjunto de planejamento a. Persuasão e rede de contatos b. Independência e autoconfiança Conjunto de poder 92 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública O empreendedorismo não acontece apenas com a formação de uma nova empresa ou um novo negócio. Brasil e Oliveira (2002) apon- tam que é possível empreender mesmo dentro de estruturas orga- nizacionais já sedimentadas. A esse tipo de empreendedorismo, os autores dão o nome de intraempreendedorismo, no qual o profissio- nal com características empreendedoras cria e tem ideias inovadoras, apresenta-as à empresa na qual trabalha e, caso sejam aprovadas, co- loca-as em prática, com o objetivo de trazer resultados para ela. O conceito de intraempreendedorismo é fundamental para se en- tender a possibilidade de existência do empreendedorismo no serviço público, pois, no senso comum, há a ideia preconcebida de que não é possível haver empreendedorismo nos órgãos públicos, por sua carac- terística burocrática e rígida hierarquia. Mas, como em toda a organi- zação, nos órgãos públicos, existem pessoas de diversos tipos e com comportamentos diferentes, o que inclui profissionais com as caracte- rísticas empreendedoras listadas pelo Sebrae. É papel do governo e dos gestores dos órgãos públicos estimular e dar condições para que esses comportamentos sejam estimulados e desenvolvidos, pois são fundamentais para que inovações sejam cria- das e implementadas, com o objetivo de melhorar a qualidade e a rela- ção custo-benefício dos serviços públicos. Segundo Drucker (2016), as pessoas agem de acordo com as características empreendedoras que possuem, independentemente da organizaçãona qual atuam, seja ela pública ou privada. Assim, conforme apontam Morais et al. (2015), no setor público, o empreendedor pode ser entendido como aquele que idealiza soluções ou melhorias, fomenta a inovação, planeja e executa individualmente ou coordena o grupo, com o objetivo de gerar e im- plementar a inovação. Os autores chamam esse tipo de servidor de empreendedor político, o qual conecta os interesses público e privado e atua de duas formas distintas: na busca pela mudança e pela inovação ou na manutenção da estabilidade e dos privilégios do status quo. Capella (2016) afirma que os tipos de recompensas ao empreen- dedor por suas ações podem ser individuais, como benefícios fi- nanceiros e materiais ou incentivos pessoais. Elas também podem ser ideológicas, pelas quais os princípios e valores do empreende- dor são colocados em prática em uma política implantada a partir de suas ideias ou inovações. Por fim, as recompensas podem ser solidárias, ligadas à satisfação pessoal e ao sentimento de realiza- A cartilha Como agir de maneira empreendedora?, publicada pelo Sebrae, apresenta dez caracterís- ticas de um profissional empreendedor, além de outras dicas e exem- plos de situações para uma gestão planejada e estratégica. MELLO, M. C. Brasília: Sebrae, 2018. Disponível em: https://www.sebrae. com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/ UFs/BA/Anexos/Como%20agir%20 de%20maneira%20empreendedo- ra.pdf. Acesso em: 17 fev. 2020. Leitura A relação entre mercado e gestão pública 93 ção do funcionário por ter participado do processo de melhoria e evolução do serviço público. O autor também caracteriza os empreendedores em dois tipos: os empreendedores institucionais, que buscam idealizar e imple- mentar inovações para melhorar aspectos internos da organização, e os empreendedores de políticas públicas, cujas ideias e ações são voltadas para a solução de problemas externos à organização, relacionados à mudança da qualidade do serviço prestado e à sa- tisfação da população, ou à proposição de novas políticas públicas (CAPELLA, 2016). Segundo Emmendoerfer (2019), o empreendedor que atua nas empresas públicas apresenta diferenças em relação às características apresentadas pelos empreendedores que atuam na iniciativa privada, como mostra o quadro a seguir. Quadro 1 Elementos diferenciadores do empreendedor nos setores público e privado Elementos Empreendedor no setor público Empreendedor no setor privado Objetivos Múltiplos e variáveis, descontínuos. Centrados, menos variáveis e contínuos. Controle Excesso constante de normas e regras, internas e externas à organização, in- dependentemente de sua condição. Normas e regras variam conforme o tamanho, o setor de atuação e a ma- turidade da organização. Recompensas/Motivação Baixos incentivos financeiros, sem dis- tribuição de lucros; baixo compromis- so e satisfação no trabalho; pode re- ceber recompensas não financeiras. Há incentivos financeiros; rentabilida- de como principal mecanismo de ren- da; há práticas que privilegiam o com- promisso e a satisfação no trabalho. Financiamento e lucratividade Não são orientados para lucro; bus- cam obter financiamento para proje- tos; maior disponibilidade de levantar capital. Orientados pelo lucro; maior dificulda- de de acessar e obter financiamentos. Fonte: Emmendoerfer, 2019, p. 31. Assim como o empreendedor da iniciativa privada pode ser incen- tivado a empreender se aspectos facilitadores estiverem presentes no ambiente, o funcionário público com características empreendedo- ras pode se sentir motivado a intraempreender se estiverem presen- tes, dentro do contexto do serviço público, facilitadores da inovação. Amaral et al. (2011) apontam alguns indutores fundamentais para in- centivar o empreendedorismo e a inovação. O primeiro é a vontade política dos poderes Executivo e Legislativo. Os objetivos e o foco de atuação dos órgãos públicos são influenciados e direcionados pelas vi- sões políticas e ideológicas dos gestores públicos, muitas vezes sem 94 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública experiência no serviço público e empossados por motivos políticos. As orientações dos gestores podem ser influenciadas pela ideologia do grupo no poder, ou mesmo por pressões impostas pela sociedade, e podem facilitar ou dificultar as ações empreendedoras dos funcioná- rios públicos subordinados. Outro facilitador importante são os recursos financeiros direciona- dos ou disponíveis para a inovação. Já as imposições legais estão rela- cionadas à criação de normas, regulação ou leis que podem facilitar ou induzir o empreendedorismo ou a inovação. Já os fatores tecnológicos são apontados por Amaral et al. (2011) como responsáveis por grande parte das inovações surgidas no serviço público, seja por meio de no- vas tecnologias de informação e comunicação (TICs), aplicativos e prá- ticas relacionadas ao acesso à informações do governo pela sociedade ou por meio da prestação de serviços com mais rapidez ou eficiência. Dewes et al. (2012) identificaram e organizaram os aspectos facilitado- res do empreendedorismo e da inovação no setor público em quatro grandes grupos de aspectos: Figura 2 Facilitadores do empreendedorismo e inovação no setor público • Conceder liberdade e autonomia • Ser receptivo a sugestões e opiniões divergentes • Promover a confiança mútua e a descontração • Valorizar a solução de problemas na organização • Reconhecer o trabalho criativo • Possuir uma gestão flexível e descentralizada • Oferecer salários e benefícios compensadores às inovações geradas • Investir em educação continuada externa e na capacitação interna • Estabelecer desafios que estimulem o indivíduo a ousar • Realizar o planejamento estratégico da inovação • Adquirir e manter recursos tecnológicos atualizados para o desenvolvimento de ideias criativas e materialização das inovações • Viabilizar o fácil e rápido acesso a informações internas e externas Pr é- -d es en vo lv im en to Desenvolvim ento Pós- -desenvolvimento Produto Indivíduo Fonte: Dewes et al., 2012, p. 13. O entendimento da importância do empreendedorismo e da inovação para a melhoria do serviço público está cada vez mais presente nos mais A relação entre mercado e gestão pública 95 variados níveis da administração pública. Tanto o governo federal quan- to os estaduais e municipais têm desenvolvido ações e criado estruturas para facilitar e incentivar o empreendedorismo, além de buscado desen- volver nos funcionários públicos as competências empreendedoras. O BrazilLAB é umas dessas inciativas e funciona como um centro de inovação que busca integrar o poder público e a iniciativa privada com o objetivo de acelerar a busca por soluções dos problemas públicos, conectando e apoiando empreendedores em sua relação com o poder público. Diversos municípios fazem parte da iniciativa, como as prefei- turas das cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Guarulhos, Santo André e São José dos Campos. Uma das ações do BrazilLAB é o selo GovTech, que é concedido às startups que possuem soluções tec- nológicas para desafios comuns aos governos. Fundamental para que seja criado um ambiente favorável ao em- preendedorismo no setor público é o conceito de Estado empreendedor, que, segundo Nasra e Dacin (2010), reconhece e capitaliza oportunida- des de inovar e incentivar o empreendedorismo. Um exemplo, segun- do os autores, é o sistema de instituições que compõem o chamado Sistema “S” 1 . O governo federal brasileiro, por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), criou mecanismos para incentivar o em- preendedorismo no serviço público, como o incentivo à ação participa- tiva, possibilitando ao servidor público sugerir melhorias ou inovações responsáveis, em regime de cogestão, pela implementação das ideias. Outro mecanismo foi a criação de um núcleo central de mobilização em cada ministério e o desenvolvimento de consultores internos especiali-zados nos processos de empreendedorismo e inovação para orientar os funcionários empreendedores, conforme Bresser-Pereira e Spink (2007). Emmendoerfer (2019) apontam a criação do cargo de empreende- dor público pelo governo do estado de Minas Gerais. Esse cargo foi criado para auxiliar os demais gestores de áreas do serviço público na implementação de novos projetos, sejam eles oriundos do planejamen- to estadual ou criados com base nas ideias dos próprios funcionários da área. Enquanto o gestor realiza suas tarefas cotidianas, o empreen- dedor público atua com foco específico no projeto a ser implementado, tendo limites muito bem definidos para a sua atuação, o que evita de- O BrazilLAB é o primeiro hub de inovação para governos no Brasil e tem como objetivo difundir a importância do desenvolvimento de um Governo 4.0 no país. Acesse o site e conheça melhor a iniciativa. Disponível em: https://brazillab. org.br. Acesso em: 17 fev. 2020. Site O Sistema “S” é formado pelas seguintes instituições: Serviço Nacional de Aprendizado Indus- trial (Senai), Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Nacional de Aprendizado Comercial (Senac), Serviço Social do Co- mércio (Sesc), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), Serviço Social do Transporte (Sest) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop). 1 96 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública salinhamentos e sobreposição de responsabilidades. Segundo Vala- dares et al. (2010, p. 9): O grande objetivo do cargo de empreendedor público de Minas Gerais é alavancar as potencialidades da organização pública. O Governo mineiro entendeu que o desenvolvimento de em- preendedores no estado-membro tornar-se-ia estratégico no sentido de se criar, nas organizações públicas, uma capacidade de resposta mais rápida, inovadora e estratégica ao ambiente. Esses são alguns exemplos de como o governo busca incentivar, por meio de políticas e reestruturações administrativas, uma cultura que estimule o intraempreendedorismo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na economia global em que vivemos, governos e empresas privadas são importantes atores que agem de maneira conjunta para garantir o de- senvolvimento dos países e de suas respectivas economias e sociedade. O Estado tem um papel fundamental no desenvolvimento e na coordenação do mercado consumidor, seja como agente produtor de bens e serviços, como regulador das relações econômicas ou como indutor do crescimento. Na busca pela melhoria constante dos serviços públicos para atender de modo cada vez mais eficiente às demandas de seu povo, o Estado deve utilizar diversas estratégias. Entre elas, podem ser citadas as parcerias pú- blico-privadas, por meio das quais poder público e iniciativa privada agem juntos na execução das políticas públicas, e o empreendedorismo e a ino- vação, que criam, na administração pública, as condições para que novas ideias e soluções sejam pensadas, gestadas e implementadas. ATIVIDADES 1. Considerando o contexto do neoliberalismo e do Estado neoliberal, explique as políticas públicas adotas pelos governos brasileiros no decorrer da década de 1990. 2. Explique a importância da Lei das Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 8.666, de 1993) e da Lei das Concessões (Lei n. 8.987, de 1995) para a implantação das parcerias público-privadas no Brasil. 3. Analise os elementos diferenciadores do empreendedorismo nos setores público e privado e explique os motivos pelos quais o intraempreendedorismo é menos comum no setor público. A relação entre mercado e gestão pública 97 REFERÊNCIAS ABECIP. O melhor dezembro da história do crédito imobiliário, com empréstimos de R$10,6 bilhões. Boletim informativo de crédito imobiliário e poupança. São Paulo, 21 jan. 2015. Disponível em: https://www.abecip.org.br/admin/assets/uploads/anexos/data- abecip-2014-12.pdf. Acesso em: 26 fev. 2020. AMARAL, D. C. et al. Gerenciamento ágil de projetos: aplicação em produtos inovadores. São Paulo: Saraiva, 2011. ARIELY, D. Previsivelmente irracional. 4. ed. São Paulo: Elsevier, 2008. BARBOSA, A. P.; MALIK, A. M. Desafios na organização de parcerias público-privadas em saúde no Brasil. Análise de projetos estruturados entre janeiro de 2010 e março de 2014. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, set./out. 2015. BOURGUIGNON, M. F.; BOTELHO, D. 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Para que o Estado tenha condições de atender às deman- das crescentes por serviços públicos de qualidade e atinja o objetivo de desenvolvimento social de sua população, o de- senvolvimento econômico se torna ferramenta fundamental, uma vez que promove o crescimento da produtividade e, consequentemente, a geração e acumulação de riqueza, fa- tor que possibilita investimentos, na busca pela melhoria dos indicadores sociais. 5.1 Desenvolvimento econômico: processo histórico Vídeo O desenvolvimento econômico de um país está intrinsecamente li- gado à existência de uma estratégia do Estado, implementada por meio de suas políticas públicas. Segundo Oliveira, Carvalho Neto e Souza (2018), o desenvolvimento econômico de um país pode ser entendido por meio de três dimensões complementares: 100 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Aumento da eficiência dos sistemas de produção e, consequentemente, da produtividade. Atendimento das necessidades e das demandas da população. Atingimento dos objetivos dos grupos políticos ou econômicos dominantes. Para que essas três dimensões sejam contempladas, é necessário investimento, tanto do poder público quanto da iniciativa privada, no desenvolvimento e no progresso técnico. Estes são baseados em um ambiente político e legal que garanta a estabilidade, o respeito às leis e que dê incentivos para o desenvolvimento econômico. Faz-se necessário, entretanto, que primeiro se entenda o conceito de desenvolvimento econômico e a sua relação histórica com os con- ceitos de Estado e governo. Para Queiroz (2011), o conceito de desen- volvimento econômico está relacionado a uma mudança estrutural ou a uma transformação no sistema econômico que traga aumento da produtividade média do trabalho e, portanto, aumento na possibilida- de de geração de riquezas para a sociedade. O aumento de riqueza de um país tem o potencial de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, mas nem sempre a distribuição da riqueza ocorre de modo a garantir que estes recebam os benefícios do desenvolvimento econômico do país. Por meio de políticas públicas bem planejadas e com foco no desenvolvimento social, o Estado pode garantir que o desenvolvimento econômico traga transformações e melhorias sociais que possibilitem o desenvolvimento humano. Corrêa, Ribeiro e Pinheiro (2017), citando o trabalho de Toffler (1998), identificam três ondas ou revoluções na história que muda- ram a organização econômica da sociedade, atingindo tanto a ge- ração de riquezas quanto a organização política e social. Vejamos que ondas são essas. Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 101 5.1.1 A economia baseada na posse de terras Nos primórdios da história humana, a sobrevivência estava basea- da na caça e na coleta de alimentos, e esse modelo não possibilitava a acumulação de excedentes de produção. Nesse momento da história, o foco dos seres humanos estava na sobrevivência diária. Essa sociedade foi substituída pela Revolução Agrícola, a que Corrêa, Ribeiro e Pinheiro (2017) chamam de primeira onda. No período da Revolução Agrícola, a economia era baseada na pos- se de terras, fazendo da agricultura a base para a geração de riqueza. Sendo assim, o poder era concentrado nos proprietários de terra, e a principal motivação do trabalho era a subsistência (HOBSBAWM, 2015). O processo de trabalho era praticamente todo manual, com uso de poucas ferramentas, tendo como principal insumo a terra e o alimento como produto final. Eram usadas poucas fontes de energia além da pró- pria força humana. A agricultura se desenvolveu com o uso de animais como os cavalos e bois, para tracionar os arados, e com a energia eólica usada nos moinhos. Os excedentes de produção eram negociados por outros produtos e até serviços por meio da prática do escambo. Para Bresser-Pereira (2009), o desenvolvimento da Europa se deu com a criação de instrumentos agrícolas, que possibilitaram a explo- ração de terras mais altas e férteis. Durante muitos séculos, o exce- dente de produção agrícola foi o responsável pelo crescimento do poder da aristocracia e da Igreja. Segundo Furtado (1961), citado por Malta, Braga e Barbosa (2019), não se podeafirmar, porém, que os Estados absolutistas europeus buscavam o desenvolvimento econômico, pois estavam organizados em feudos, que tinham como característica uma economia fechada em si mesma e voltada à produção para o próprio consumo. O excedente econômico da produção agrícola dos feudos era usado na construção dos castelos e na criação de exércitos particulares, com o objetivo de manter o poder e o controle político. 5.1.2 A economia baseada no capital Bresser-Pereira (2009) afirma que a criação dos Estados nacionais na Inglaterra e na França, em meados do século XVII, estabeleceu mer- cados seguros para que a nascente classe burguesa, composta por escambo: prática ancestral de troca de um produto por outro, sem o envolvimento de moeda; ou seja, sem equivalência de valor. Glossário 102 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública comerciantes e empresários, passasse a investir nos processos de fa- bricação e na construção de indústrias. Para o autor, estes fatores – a criação dos Estados nacionais e os mercados seguros – são fundamen- tais para se entender a busca pelo desenvolvimento econômico. Dessa forma, ela surge como um dos principais objetivos do Estado por meio da introdução das ideias capitalistas nos Estados europeus. Furtado (1961), citado por Malta, Braga e Barbosa (2019), aponta que a busca destes pelo desenvolvimento econômico só começa a ser observada com a Revolução Industrial, no século XVIII. Característicos do feudalismo para o modelo do desenvolvi- mento econômico dos Estados-nação, dois momentos importantes merecem destaque na transição dos modelos econômicos auto- centrados: a Revolução Comercial, que surge do entendimento de que o objetivo econômico deve ser buscado por meio do lucro e da acumulação de riqueza; e a Revolução Industrial, na qual a incorporação de novas tecnologias possibilitou o aumento da pro- dutividade em tal magnitude que os resultados econômicos das empresas passaram a influenciar o crescimento econômico, assim como a estrutura política e social do Estado. Toffler (1998), citado por Corrêa, Ribeiro e Pinheiro (2017), cha- ma esse momento de segunda onda da Revolução Econômica. A Re- volução Industrial transforma a economia antes baseada na posse de terras em uma economia baseada na posse de capital, insumo fundamental para os grandes investimentos em equipamentos e tecnologias necessários para a produção em larga escala. Corrêa, Ribeiro e Pinheiro (2017) apontam que, mais do que uma simples mudança no paradigma da posse de terras para a de capital, esse momento é marcante na história da economia por uma mudança ainda mais importante: se no modelo agrícola a produção era desti- nada ao consumo próprio e apenas os excedentes eram comerciali- zados, no modelo industrial, a produção tinha o objetivo de atender às necessidades de outras pessoas, ou seja, o conceito de mercado de consumo é central no modelo de economia baseada no capital. Ainda segundo os autores, diversas características da economia baseada no capital a diferenciam da baseada na posse de terras. A Revolução Comercial com- preende um longo período de expansão econômica europeia, movida pelo colonialismo e mercantilismo, entre os séculos XII e XVIII. É nessa época que a moeda se torna essencial, pois a economia de subsistência dá lu- gar à economia que visa atender aos mercados das cidades. Saiba mais Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 103 O poder se concentra nos proprietários das empresas e indústrias, de- tentores do capital necessário para realizar grandes investimentos. No princípio desse período, o trabalho continuava a ser manual, mas as inovações tecnológicas – em especial a máquina a vapor e as linhas de produção – foram gradativamente automatizando o trabalho. A pro- dução passou a utilizar matérias-primas modificadas pelos processos industriais, aumentando de maneira acentuada a produtividade, que chegou à escala de produção em massa; ou seja, milhares de produtos com as mesmas características produzidos de forma sequencial pelas máquinas e pelos homens, em conjunto. Houve também uma significativa mudança nas fontes de energia, com a utilização do vapor e, principalmente, dos combustíveis fós- seis, como o carvão mineral e, posteriormente, o petróleo. Corrêa, Ribeiro e Pinheiro (2017) apontam que, como o excedente de produ- ção passa a ser muito maior, é nesse momento que surge o conceito de economia de escala. Nesse conceito, entende-se que quanto maior a produção e a produtividade alcançada pelos operários, menor o custo final do produto e, portanto, mais clientes são atingidos, o que gera também a preocupação em atrair cada vez mais clientes para que os produtos possam ser comercializados. Assim, a inovação tec- nológica e a busca pelas melhorias dos equipamentos e dos pro- cessos produtivos passam a ser a força motriz do desenvolvimento econômico e do progresso da sociedade. 5.1.3 A economia baseada no conhecimento À terceira onda de mudanças econômicas, Stewart (2007) dá o nome de era da informação ou economia do conhecimento, sendo baseada no valor do conhecimento e da comunicação como gera- dor de valor e de riqueza para a sociedade. O conceito de econo- mia do conhecimento, segundo Corrêa, Ribeiro e Pinheiro (2017), foi cunhado ainda na década de 1970, com o aumento da importância da tecnologia e da inovação como grande motor do desenvolvi- mento econômico de empresas e dos Estados. 104 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Os autores destacam que a principal mudança que diferencia a economia do conhecimento daquelas que a antecederam é a fon- te de geração da riqueza, que passa a ser intangível, pois tanto a produção agrícola quanto a produção industrial estavam baseadas em bens tangíveis, como a terra, o capital, as máquinas e os equi- pamentos. Já na economia do conhecimento, os bens são intangí- veis, tais como serviços e, principalmente, a posse e o controle das informações e dos meios de comunicação. Corrêa, Ribeiro e Pinheiro (2017) destacam que a fonte do poder e da geração de riquezas passa a ser o conhecimento, enquanto a ino- vação tecnológica se converte no principal instrumento do desenvolvi- mento econômico. Dessa forma, o trabalho manual vai sendo deixado de lado, dando espaço às ideias e ao trabalho intelectual. Da mesma maneira, o produto final, antes tangível, agora é um serviço intangí- vel que atende a necessidades diversas do consumidor final, incluindo sensações, experiências e sentimentos. O trabalho passa a ser dinâmico e desafiador, e não repetitivo como na economia baseada no capital, tendo como insumo básico a informa- ção e o conhecimento. A produção não necessariamente depende de estruturas físicas para que possa ocorrer. Produtos, como aplicativos e sistemas, podem ser produzidos em ambientes virtuais por meio de qualquer ponto do mundo, desde que estejam interligados pelas tec- nologias da informação e da comunicação. Assim, os produtos podem ser construídos de modo personalizado, sem a necessidade de gran- des escalas de produção. As fontes de energia ainda se encontram for- temente dominadas pelos combustíveis fósseis, mas passam a surgir novas fontes, como a solar e a eólica. Os avanços tecnológicos trazem a possibilidade do desenvolvimento econômico, desde que existam po- líticas públicas que direcionem a formação de pessoas capacitadas e criem as condições para que o investimento privado possa acontecer. Esses três modelos econômicos subsistem ao mesmo tempo, inclu- sive nas mais modernas economias do mundo. Uma análise do Produto Interno Bruto (PIB) nas últimas décadas mostra a evolução da partici- pação de cada um desses modelos econômicos na economia brasileira, conforme o gráfico a seguir. Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 105 Gráfico 1 Evolução da composição do Produto Interno Bruto em setores, em % Indústria perde peso no PIB do Brasil IndústriaServiços Agropecuária 1995 2005 1º trimestre 2014 1º trimestre 2019 Nível de pré-recessão 24,7 % 5,2% 5,5% 65,4% 70,1% 67,2% 50 % 25 % 0 75 % 100 % 5 % 201920152010200520001995 73,5 % 21,5 % Pico da indústria 29,1% 27,2 % 5,8% Fonte: Alvarenga, 2019, com base em Ibre/FGV, a partir de dados do IBGE. 106 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública O gráfico mostra que o modelo de economia baseado na agricultu- ra e na posse de terras tem uma participação estável na economia do país, representando por volta de 5% do total de riquezas produzidas anualmente. Já a economia baseada no capital, representada pela pro- dução industrial, vem perdendo peso na economia do país. O peso do setor de serviços, no qual se insere a economia do conhecimento, vem crescendo gradativamente na economia brasileira. Embora os dados corroborem a visão de Pereira (1995), que afirma que as diversas eras econômicas são estudadas de modo sequencial por terem surgidos em momentos específicos da história, isso não sig- nifica que a economia baseada na posse de terras deixou de existir com o surgimento das indústrias; do mesmo modo, a economia baseada no conhecimento não vai extinguir a economia baseada no capital. 5.2 O papel das políticas públicas no desenvolvimento econômico do país Vídeo A visão política defendida pelos governantes no poder em deter- minado momento da história pode ser mais voltada à participação do Estado como um ator produtivo da economia, como nos governos de- senvolvimentistas, ou mais voltada ao liberalismo econômico, no qual o Estado tem um papel menor como produtor e maior como regulador dos investimentos e a da atuação da iniciativa privada na economia. Em qualquer um dos modelos, as políticas públicas adotadas e implementadas pelo Estado são fundamentais para criar o ambiente propício para o desenvolvimento econômico. Esta característica das políticas públicas como indutoras do crescimento econômico pode ser identificada nos diversos governos brasileiros nas últimas décadas. No chamado milagre econômico brasileiro, período compreendido entre os anos de 1968 e 1973, o PIB do país cresceu a taxas médias por volta de 11% ao ano. Veloso, Vilela e Giambiagi (2008) destacam que o crescimento registrado nesse período teve três fontes complementares: • as políticas desenvolvimentistas nos âmbitos econômico, mone- tário e de expansão de crédito adotadas pelos governos militares; • o ambiente econômico global favorável, já que o mundo passava por um período de crescimento acelerado; No livro Uma breve História da Economia, Niall Kishtainy expli- ca a evolução dos conceitos econômicos de maneira sim- ples e direta; assim, mesmo os mais complexos modelos e ideias da economia podem ser entendidos por quem não é economista, mas se interessa pelo tema. KISHTAINY, N. Porto Alegre: L&PM Editores, 2019. Livro Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 107 • as reformas implementadas pelo governo dentro do Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg), do governo Castello Branco, e do Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967- 1976), que criaram o ambiente ideal para o crescimento econômico. Kwon, Mkandawire e Palme (2009) destacam que, se analisarmos os resultados obtidos com as políticas públicas dos Estados desen- volvimentistas, é possível identificar que elas foram responsáveis por um acentuado crescimento econômico. Porém, este não foi acompa- nhado pelo desenvolvimento social, já que, na visão dos autores, os aspectos sociais foram relegados a um segundo plano na construção das políticas públicas, marcadas por um caráter economicista. As políticas públicas, sejam elas de foco econômico ou social, são os instrumentos pelos quais o governo busca implementar as mudanças e o desenvolvimento econômico e social. Para Rodrigues e Madeira (2013), as políticas sociais são as ferramentas utilizadas para se construir um estado de bem-estar social. Todavia, Moreira (2007) afirma que as políticas públicas, no Brasil, não são estáveis nem pensadas como um planejamento de atuação do governo em um horizonte de longo prazo. O Brasil é um país de dimensões continentais, mas que apre- senta disparidades muito acentuadas quanto ao nível de desen- volvimento econômico e social entre as diversas regiões que o compõem. Alguns estados e regiões se aprimoraram mais acele- radamente, concentrando os investimentos e, assim, registrando maior desenvolvimento. Dentro dessa realidade, as políticas pú- blicas de incentivo ao desenvolvimento das regiões menos favore- cidas se fazem ainda mais importantes, como forma de garantir a igualdade de condições econômicas e sociais da população. Essa preocupação social diferencia a atuação do Estado nos go- vernos neoliberais daquela adotada nos governos desenvolvimen- tistas que existiram no Brasil durante grande parte do século XX, notadamente entre as décadas de 1930 e 1970. Após o crescimento acelerado da economia brasileira durante a década de 1970, as décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por uma profunda queda do crescimento, como se pode obser- var no Gráfico 2. 108 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Gráfico 2 Evolução do Produto Interno Bruto Brasileiro – 1962-2018 15,00% 10,00% 5,00% 0,00% -5,00% 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 20 08 20 10 20 12 20 14 20 16 20 18 Fonte: Gazeta do Povo, 2019, com base no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Analisando os dados do crescimento econômico anual, é possível identificar que, no início dos anos 1980, nos anos finais do governo militar, a economia brasileira entrou em grave recessão – esta só foi revertida na segunda metade da década, mas de modo pouco está- vel. Brito e Mendes (2004) chamam esse período de década perdida e afirmam que, entre 1980 e 1983, o PIB per capita diminuiu 13%, o que foi acompanhado pelo aumento das desigualdades sociais, aceleradas pelo processo de rápida alta da inflação. Isso pode ser visto na tabela de crescimento das taxas do Índice de Preços no Consumidor Amplo (IPCA), indicador usado pelo Banco Central como número oficial da inflação ou deflação, e do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede o aumento do custo de vida do cidadão. Tabela 1 Taxas de inflação anual, em % Ano IPCA INPC 1980 99,25 99,70 1981 95,62 93,51 1982 104,79 100,31 1983 164,01 177,97 1984 215,26 209,12 (Continua) Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 109 Ano IPCA INPC 1985 242,23 239,05 1986 79,66 59,20 1987 363,41 394,60 1988 980,21 993,28 1989 1972,91 1863,56 1990 1620,97 1585,18 Fonte: IBGE, 2019. As políticas públicas do período deixam de focar a busca pelo cres- cimento econômico e passam a ter como objetivo conter a alta inflacio- nária e diminuir a dívida pública. Brasil e Capella (2016) salientam que a crise não foi só econômica, mas também política, pois houve o fim do regime militar e o início da redemocratização do país. Além disso, a crise também foi social, pois contou com altos índices de desemprego e diminuição da renda per capita. Os planos econômicos malsucedidos levaram a um descrédito do valor das políticas públicas como induto- ras do desenvolvimento econômico e social. Dentre esses planos, os autores destacam: alguns planos heterodoxos de orientação voltada à política eco- nômica (monetária e fiscal): Plano Cruzado e Cruzado 2 (1986), Plano Bresser e Verão (1987) e o Plano “Feijão com arroz” do então Ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira; todos com eficácia pequena ou nula na resolução dos problemas econômi- cos brasileiros. (BRASIL; CAPELLA, 2016, p. 76) A economia global também passava por um momento de crise; isso contribuiu para o crescimento das ideias neoliberais, principalmente devido às políticaspúblicas adotadas pelos governos americano e inglês, dirigidos respectivamente por Ronald Reagan e Margareth Thatcher. A diminuição do papel do Estado na economia e a centralidade do merca- do nas políticas neoliberais fizeram com que o planejamento governa- mental e as políticas públicas perdessem a força nesse período. A década de 1990 se inicia com uma nova queda abrupta do cres- cimento econômico; esta é acentuada pelas políticas públicas do pri- meiro ano do governo Collor de Mello, que levou o Brasil a uma nova espiral inflacionária na primeira metade da década. O controle dessa inflação só ocorreu após a implantação do Plano Real, em 1994, como mostra o gráfico a seguir. 110 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Gráfico 3 Variação anual histórica do IPCA Inflação anual em 1993: 2477,15% Depois Plano Real. Média anual: 7,33% Inflação anual em 1995: 22,41% Antes Plano Real. Média anual: 728,55% 3000 % 2500 % 2000 % 1500 % 1000 % 0 % 500 % 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 0302 04 05 06 07 08 09 10 Fonte: Carvalho, 2011, com base no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com a estabilização econômica e o fim do processo inflacionário, já na segunda metade da década, em especial no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), as políticas públicas do governo brasileiro vol- taram a buscar o desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, pas- saram a buscar o desenvolvimento social. Ibáñez Mestres (2016) aponta que, após a década de 1990, o modelo neoliberal passou a defender a ideia de que o Estado tem papel tanto de ator econômico quanto de responsável pela mudança estrutural da sociedade, com a ação induto- ra colocada em prática por intermédio de suas políticas públicas. De modo semelhante, Rodrigues (2012) afirma que, nas últimas décadas, ocorreu a valorização do papel da iniciativa privada no de- senvolvimento econômico, mas se entendendo que o mercado não é um mecanismo perfeito para garantir que o desenvolvimento ocorra de maneira equilibrada e justa. Assim, as políticas públicas de prote- ção social implementadas no Brasil a partir do final da década de 1990 e durante a primeira década do século XXI foram importantes para o crescimento da economia brasileira até meados da década de 2010. O autor destaca que esse crescimento também foi incentivado por um contexto macroeconômico global que favoreceu a atração de investi- mentos internacionais, os quais possibilitaram a criação de milhões de empregos e a abertura de milhares de novos negócios. Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 111 O crescimento econômico registrado na década de 2000, em es- pecial no governo Lula, voltou a se acelerar, registrando taxas médias de 4,6% ao ano entre 2003 e 2008. Esse crescimento foi influenciado pelo cenário externo, mas também resultou das políticas públicas e sociais adotadas pelo governo brasileiro durante o período. Além das políticas de incentivo ao crescimento econômico e à geração de empregos, tanto no governo Lula quanto no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff, foram implementadas políticas públicas de expansão de crédito como ferramenta de desenvolvimento econô- mico. Tendo como instrumentos os bancos públicos, em especial o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o governo ofereceu crédito a taxas competitivas e subsidiadas a fim de viabilizar o investimento no setor produtivo, possibilitando o de- senvolvimento econômico. Segundo dados do Ipea (2010), a oferta de crédito por meio dos bancos públicos passou de 25% do total de crédito ofertado no país para 41% do total em 2010. Brasil e Capella (2016) destacam, também, que as políticas pú- blicas dos governos FHC, Lula e Dilma Rousseff priorizaram o de- senvolvimento social das camadas mais vulneráveis da população brasileira. Isso se deu por meio da criação, manutenção e amplia- ção do gasto social em programas de transferência de renda às famílias e do aumento dos investimentos em educação, refletindo a visão de que as políticas públicas de desenvolvimento econômico devem estar ligadas às políticas sociais, com o objetivo de melho- rar as condições de vida da população. 5.3 A inovação e o desenvolvimento econômico nacional Vídeo A inovação tecnológica assume na economia global um papel cada vez mais central, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento da sociedade. Para Guimarães (2017), as últimas décadas são marcadas pelo rápido desenvolvimento tecnológico, em especial das tecnologias da informação e da comunicação, que trazem impactos no modelo de desenvolvimento da humanidade do ponto de vista econômico-social. Segundo a autora, “conhecimento, tecnologia, inovação e interna- cionalização tornam-se fatores cruciais para a criação de riqueza” 112 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública (GUIMARÃES, 2017, p. 2). O desenvolvimento acelerado de novas tec- nologias, muitas delas disruptivas, tem um impacto tão profundo na forma como as pessoas, as empresas e os estados se relacionam que se considera estarmos vivendo em uma nova era econômica baseada no conhecimento, como apontam Corrêa, Ribeiro e Pinheiro (2017). Nessa nova economia, as inovações tecnológicas alteram a for- ma como a riqueza é produzida e como os diversos atores econô- micos e sociais se relacionam. O conhecimento e a informação, que estão vinculados às capacidades intelectuais e à formação educa- cional de um povo, tornam-se tão ou mais relevantes para o desen- volvimento econômico quanto seus recursos naturais e o capital disponível para investimento no país. A produção de riqueza do Estado, medida pelo PIB, é cada vez mais dependente da criação de valor por meio de bens intangíveis, baseados na informação e na capacidade de inovação. Novas tecnologias possibilitam a criação de novos setores econômicos, antes inexistentes, baseados em tecnologias nascentes, como nanotecnologia, novas fontes energéticas, desenvolvimento de novos produtos e facilitação dos processos de co- mércio entre nações. Uma análise das empresas mais valiosas do mundo mostra a predominância daquelas de bases tecnológicas como as grandes geradoras de riqueza na atualidade. Tabela 2 Maiores empresas em valor de mercado no ano de 2019 Empresa País Valor de mercado (em US$ trilhões) 1 Saudi Aramco Arábia Saudita 1,880 2 Apple EUA 1,190 3 Microsoft EUA 1,150 4 Alphabet (Google) EUA 0,927 5 Amazon EUA 0,862 6 Facebook EUA 0,573 7 Berkshire Hathaway EUA 0,544 8 Alibaba Hong Kong 0,518 9 JP Morgan Chase EUA 0,421 10 Tencent Holdings China 0,411 Fonte: G1, 2019. Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 113 Os dados mostram que, das dez empresas mais valiosas do mun- do em 2019, sete estão ligadas à economia baseada no conhecimen- to (Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon, Facebook, Alibaba e Tencent Holdings), uma atua no mercado financeiro (JP Morgan Chase) e apenas duas estão ligadas à economia baseada no capital (Saudi Aramco, de produção de petróleo, e Berkshire Hathaway, grupo que reúne dezenas de indústrias focadas na produção de bens físicos). A inovação, porém, é muito mais complexa do que apenas ter ideias de novos produtos ou serviços. Para que os processos de inovação pos- sam gerar riqueza e ter impacto sobre o desenvolvimento econômico, é necessário que haja uma estrutura de apoio e investimento, criando um ambiente de incentivo que possibilite às ideias inovadoras a transforma- ção em negócios que gerarão valor para empresários e para a sociedade. Essa infraestrutura tem como principais atores as universida- des, os institutos de pesquisa, o Estado e as empresas, tanto pú- blicas quanto privadas. Mocelin e Azambuja (2017) afirmam que a inovação baseada no conhecimento e na tecnologia tem papel central na conduta estratégica desses três agentes econômicos. De forma similar, Keller, Block e Negoita (2017) acreditam quea aliança do setor público com a iniciativa privada possibilita que os conhecimentos e as tecnologias desenvolvidos nos laboratórios públicos de pesquisa sejam utilizados em conjunto com os esforços desenvolvidos pelo setor privado na busca pela inovação. Nessa mudança de paradigma econômico, as políticas públicas são fundamentais para incentivar o desenvolvimento tecnológico como for- ma de fomentar o desenvolvimento econômico e social do país. O Estado precisa não só se integrar aos demais atores, como a iniciativa privada e a academia, mas também tem o papel de liderar e direcionar os esforços para aproveitar as oportunidades desse novo ciclo econômico. Para Guimarães (2017, p. 2), “a inovação emana de um processo sustentável e durável de inter-relações entre a ciência e o merca- do, mediadas por políticas governamentais de Ciência, Tecnologia e Inovação”. A importância da inovação como ferramenta para o desenvolvimento econômico é ainda mais relevante devido à apro- ximação de uma nova revolução tecnológica, que terá impacto pro- fundo sobre a forma de produção de bens físicos, podendo alterar definitivamente as relações econômicas entre países e empresas: a chamada quarta revolução industrial. 114 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Para Cavalcanti e Nogueira (2017), a quarta revolução industrial se caracteriza pelos seguintes aspectos: uso de máquinas coman- dadas por inteligência artificial; aplicação de tecnologias digitais à manufatura; uso de equipamentos e máquinas inteligentes; utiliza- ção massiva de dados para analisar, acompanhar e tomar decisões sobre as melhorias do processo produtivo; e uso de novas tecnolo- gias de produção, como a impressão 3D. Tais pontos aumentarão a flexibilidade do sistema produtivo, a velocidade da produção, a pro- dutividade dos recursos humanos e a qualidade produtos, segundo estudo do Boston Consulting Group (GERBERT et al., 2015). Já no Brasil, um estudo da Confederação Nacional da Indústria mos- tra que o impacto das inovações tecnológicas ligadas à indústria 4.0 so- bre o PIB brasileiro pode chegar a até US$ 39 bilhões em 2030. Porém, o mesmo estudo mostra que um pouco mais da metade das indústrias brasileiras (58% das empresas) entendem a importância do conceito e pretendem utilizar as tecnologias digitais em seus processos produti- vos nos próximos anos (CNI, 2017). As inovações decorrentes da quarta revolução industrial têm impacto nos aspectos econômico e social do desenvolvimento. Se de um lado o Es- tado precisa incentivar a inovação e liderar a busca pelo desenvolvimen- to de tecnologias que aumentem a competitividade de nossa indústria para se aproveitar as oportunidades advindas da mudança tecnológica, por outro, há a perspectiva de que a incorporação das tecnologias pro- dutivas baseadas na digitalização, automatização e robotização trarão um grande impacto sobre a geração de empregos, aumentando a por- centagem de cidadãos, em idade ativa, desempregados devido à substi- tuição da mão de obra por equipamentos controlados pela tecnologia. Esse desemprego embute um desafio ainda maior para o Estado, pois se trata de um desemprego estrutural, ou seja, os profissionais que perderão seus postos de trabalho não possuem as competências e os conhecimentos necessários para continuar atuando profissional- mente nesse novo cenário, aumentando a demanda pela educação técnica e, também, pelas políticas sociais de apoio aos profissionais de- sempregados. Para Tessarini Junior e Saltorato (2018, p. 743), mais uma vez, assim como nas revoluções anteriores, o trabalha- dor parece renegado a condição de mero coadjuvante em meio a um turbilhão de inovações que afetarão sobremaneira a sua vida e o seu emprego. Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 115 Assim, o Estado precisa, por meio de suas políticas públicas, arti- cular os processos de inovação junto às empresas e às universidades, além de garantir a inclusão social e profissional da população e criar infraestrutura legal, tecnológica e de investimentos. Carrillo, Gomis e Bensusán, (2017) destacam, ainda, que o desenvolvimento regional é outro fator a ser levado em consideração pelo Estado no planejamento de suas políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento econômico baseado na inovação. Isso porque esse tópico é uma realidade em um país de dimensões territoriais como as do Brasil, em que o desenvolvi- mento econômico e social apresenta disparidades acentuadas. O Estado brasileiro tem buscado implementar políticas públicas de apoio e de investimento à ciência, tecnologia e inovação. São exemplos dessas políticas a Agenda Brasileira para a Indústria 4.0, uma iniciativa do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Ser- viços (MDIC). Segundo Vermulm (2018), a Agenda é constituída por dez medidas a serem adotadas pelo governo em parceria com a iniciativa privada e as universidades: Difusão do conteúdo da Indústria 4.0: tem por objetivo a disseminação de informação. 1 Autoavaliação: tem por objetivo permitir que as empresas façam uma avaliação de sua maturidade e da utilização de tecnologias como forma de auxiliar no desenvolvimento de planos de investimento. 2 HUB 4.0: plataforma com o objetivo de conectar indústrias e empresas de tecnologias digitais. Desenvolvida pelo governo, estabeleceu como meta atingir 3 mil empresas entre os anos de 2018 e 2019. 3 Brasil Mais Produtivo 4.0: programa composto por consultoria para empresas de pequeno porte que buscam utilizar os conceitos da produção com base tecnológica. 4 Fábricas do Futuro e Testbeds: o papel do governo, nessa medida, é disponibilizar os recursos necessários para a instalação de 20 fábricas, nas quais as tecnologias da indústria 4.0 estejam disponíveis; além disso, visa ao desenvolvimento de laboratórios de teste de tecnologias. 5 116 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública Conexão Startup-Indústria 4.0: tem por objetivo fomentar a conexão entre empresas startups de base tecnológica com grandes industriais. 6 Mercado de Trabalho e Educação 4.0: o governo busca, por meio dessa medida, desenvolver as competências necessárias nos recursos humanos das empresas industriais. 7 Regras do Jogo 4.0: o objetivo dessa medida é definir os parâmetros de utilização das tecnologias produtivas, além de levar o investimento em novas indústrias para as regiões que mais precisam de desenvolvimento social. 8 Financiabilidade para uma Indústria 4.0: essa medida tem o objetivo de definir o investimento público e as condições para que o investimento privado possa ocorrer. Ela envolve redução de spread do BNDES nos empréstimos destinados ao desenvolvimento tecnológico, aumento do montante de crédito disponível, concessão de créditos de longo prazo e destinação de recursos específicos para regiões a serem desenvolvidas. 9 Comércio Internacional 4.0: a medida tem por objetivo diminuir as taxas de importação de tecnologias ligadas à indústria 4.0. 10 As políticas públicas destinadas à inovação no setor industrial são apenas um exemplo de como o Estado pode, por meio de suas políticas econômicas e sociais, incentivar o desenvolvimento econômico do país. Existem diversas outras iniciativas, tais como o Programa Brasileiro para Cidades Inteligentes Sustentáveis, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que tem por objetivo criar padrões que garantam o desenvolvimento da infraestrutura urbana utilizando as tecnologias inovadoras, e o Plano Nacional de Internet das Coisas. Implantado por meio do Decreto n. 9.854, de 2019 esse plano tem o objetivo de incentivar a utilização de tecnologias que visem melhorar o desempenho em diversas áreas, como saúde e educação, por exemplo. O que se pode observar é que o governo brasileiro, mesmo que de maneira atrasada em relação às economias mais desenvolvidas do mun- do, tem se preocupado em gerar políticas públicasque possibilitem o desenvolvimento econômico e social por meio da inovação tecnológica. O documentário Internet das Coisas: futuro de um mundo hiperconectado, publicado pelo canal Pagtel, mostra como a Internet das Coisas (IoT) já está presente em nos- so cotidiano. No vídeo, é possível perceber o modo como as inovações tecnológicas ligadas a IoT irão influenciar na forma de nos relacionarmos com o mundo. Disponível em: https://youtu.be/ fh-dF0nNnLg. Acesso em: 17 fev. 2020. Documentário Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 117 CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento econômico acompanhou a história da humanida- de, desde a evolução das tribos nômades de caçadores e coletores do início da civilização até a aldeia global interconectada pelas tecnologias da informação e comunicação na qual vivemos hoje. Os Estados desempenham um papel central na busca pelo desenvolvi- mento econômico, direcionando o crescimento por meio de suas políticas públicas, controlando e atuando sobre as interações entre os diversos atores que se relacionam no ambiente econômico do país e do mundo. O Estado, contudo, também precisa relacionar o desenvolvimento econômi- co com o social, de modo a garantir que a geração de riquezas possa ser utilizada para melhorar as condições de vida de sua população. ATIVIDADES 1. Cite e explique as três ondas ou revoluções identificadas na história que mudaram a organização econômica da sociedade, atingindo tanto a geração de riquezas quanto a organização política e social. 2. Explique o impacto das inovações tecnológicas sobre o desenvolvimento econômico do país. 3. Qual é o papel do Estado na mudança do paradigma econômico, representado pela aceleração das inovações tecnológicas que deram origem à economia do conhecimento? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARENGA, D. Com três trimestres de queda, indústria perde peso no PIB e vê recuperação mais distante. G1 Economia, 27 ago. 2019. Disponível em: https://g1.globo. com/economia/noticia/2019/08/27/com-tres-trimestres-de-queda-industria-perde-peso- no-pib-e-ve-recuperacao-mais-distante.ghtml. Acesso em: 17 fev. 2020. ARAMCO se torna empresa com maior valor de mercado do mundo; veja ranking. G1 Economia, 11 dez. 2019. 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A cidade deve ser constituída a partir de uma hierarquização de pessoas, governadas pelo rei-filósofo, figura que reúne experiência de vida e sabedoria e que tem o dever de garantir a justiça nas relações entre os cidadãos. A segunda camada da hierarquia da cidade seria formada pelos magistrados, que fariam a gestão do cotidiano. Os magistrados seriam escolhidos entres aqueles cidadãos com maior conhecimento e com uma intensa formação, que os prepararia para ocupar os devidos cargos. A esse tipo de governo, Sócrates atribui o nome de sofocracia (do grego sophrós – sábio – e kratia – poder). 3. O clientelismo, que pode ser entendido como a troca de benefícios econômicos ou sociais por favores políticos, surge nesse período da história brasileira. Os grandes fazendeiros e senhores de engenho centralizavam o poder econômico em uma região. Como a gestão pública era pouco organizada, esses grandes latifundiários acabavam por representar também o poder político nessa região, influenciando o cotidiano tanto de seus empregados quanto da população das cidades e vilas no entorno de suas fazendas. Eram, muitas vezes, o advogado, o júri, o juiz e o executor de suas ordens que tinham valor de lei. 2 Gestão das políticas públicas no Brasil contemporâneo 1. Assim como na maioria dos países democráticos atuais, o Estado brasileiro é composto por três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, separação que remonta às discussões de Aristóteles sobre a cidade ideal, para quem o poder não deveria estar concentrado em um só indivíduo, mas dividido em três partes: a assembleia dos cidadãos, que, na versão moderna é representada pela Câmara e pelo Senado; o Gabarito 121 verdadeiro soberano, representado, no Estado atual, pelo presidente; e a magistratura, hoje representada pelo Poder Judiciário. 2. Segundo Souza (2006), alguns aspectos aumentaram a importância do planejamento, a partir dos governos democráticos pós-governo militar: a) medidas restritivas de gastos, em especial a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000); b) uma nova visão sobre o papel do governo, menos executor e mais regulador da economia; e c) a necessidade de impulsionar o desenvolvimento econômico e garantir a inclusão social. 3. A avaliação deve ter tanto uma mensuração objetiva de resultados, que pode ser medida por números e estatísticas, quanto uma mensuração qualitativa, em que os formuladores das políticas, os beneficiários delas e os avaliadores fazem um juízo de valor sobre os resultados obtidos. 3 Gestão da inovação na administração pública contemporânea 1. Os estágios do processo de inovação para o lançamento de um produto ou serviço são: estágio de ideação, no qual existe o objetivo de se coletarem ideias e gerar um conceito inicial do produto; no estágio de projeto, o produto é estruturado e se inicia o desenvolvimento de um protótipo do produto; já no estágio de teste, são feitas mudanças e melhorias a partir dos problemas encontrados; e, por último, o estágio de lançamento, no qual o produto é lançado no mercado. 2. Na dimensão individual, os recursos humanos da organização precisam ser constantemente desenvolvidos e incentivados a colocar em prática seu perfil empreendedor, o que faz com que haja a necessidade de flexibilidade nos processos decisórios para possibilitar que novas ideias encontrem suporte e investimento. Na dimensão ambiental, a organização precisa ser receptiva às informações, opiniões e mudanças da sociedade, aos avanços tecnológicos, bem como às políticas públicas e às decisões políticas dos governantes. Mas é na dimensão organizacional que residem os maiores desafios para se construir uma cultura para a inovação, pois, muitas vezes, é necessária uma mudança organizacional profunda para que haja espaço para a inovação. 3. As mudanças organizacionais contínuas são constantes e, portanto, evolutivas e não revolutivas. Muitas vezes, ocorrem após a acumulação de pequenos avanços cotidianos que, no primeiro momento, podem inclusive passar despercebidos. Já as mudanças 122 Desafios contemporâneos e inovação na gestão pública organizacionais episódicas correspondem às mudanças ditas revolucionárias, que ocorrem de modo abrupto e representam uma ruptura em relação à situação anterior. 4 A relação entre o mercado e a gestão pública 1. Com base nos conceitos do neoliberalismo, os governos brasileiros das décadas de 1980 e 1990 e do início da década de 2000 foram marcados pela adoção de políticas públicas de diminuição do Estado, como a privatização de empresas públicas. 2. A partir dessas duas legislações, foi promulgada a Lei n. 11.079, de 30 de novembro de 2004, que trata especificamente das parcerias público-privadas. 3. No setor público, as normas e os controles são pouco flexíveis, dificultando que novas ideias sejam implementadas. A falta de fatores motivacionais, como incentivos financeiros e impossibilidade de participação nos lucros sobre os resultados obtidos, também são fatores que diminuem o compromisso do funcionalismo público com o empreendedorismo. 5 Desafios voltados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico 1. Na economia baseada em posse de terras, a agricultura era a base da geração de riqueza, sendo, portanto, o poder concentrado nos proprietários de terra. A principal motivação do trabalho era a subsistência. Na economia baseada no capital, a motivação principal deixa de ser a busca pela subsistência e passa a ser econômica, com o objetivo de gerar riquezas. O poder se concentra nos proprietários das empresas e indústrias, detentores do capital necessário para realizar grandes investimentos. Já a economia do conhecimento se baseia no valor do conhecimento e da comunicação como geradores de riqueza para a sociedade. 2. O desenvolvimento acelerado de novas tecnologias, muitas delas disruptivas, tem um impacto tão profundo na forma como as pessoas, empresas e estados se relacionam que se considera estarmos vivendo em uma nova era econômica,baseada no conhecimento. Nessa nova economia, as inovações tecnológicas alteram a forma como a riqueza é produzida e como os diversos atores econômicos e sociais se relacionam. Gabarito 123 3. Nessa mudança de paradigma econômico, as políticas públicas são fundamentais para incentivar o desenvolvimento tecnológico como forma de fomentar o desenvolvimento econômico e social do país. O Estado precisa não só se integrar aos demais atores, como a iniciativa privada e a academia, mas também tem o papel de liderar e direcionar os esforços para aproveitar as oportunidades desse novo ciclo econômico. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6597-4 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 9 7 4 Código Logístico 59241 DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS E INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA FABIANO CAXITO Página em branco Página em branco