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27 GINECOLOGIA GERAL DISMENORREIA Julio Cesar Rosa e Silva INTRODUÇÃO Dismenorreia, do grego fluxo menstrual difícil, significa a dor pélvica que ocorre antes ou durante o fluxo menstrual. Tem alta prevalência e atinge maiores índices em mulheres com menos de 20 anos. Em um estudo realizado por Schmidt e Herter (2002), no qual foram entrevistadas adolescentes entre 12 e 19 anos, aproximadamente 70% das entrevistadas referiam algum grau de dor pélvica no período menstrual. A intensidade da dor é variável, e 10% das pacientes tornam-se incapazes de desenvolver suas atividades habituais em decorrência da dor (Motta, 2000). É importante causa de absenteísmo escolar e do trabalho e compromete a qualidade de vida e o bem-estar geral de suas portadoras. CLASSIFICAÇÃO DA DISMENORREIA Pode ser classificada, em relação à intensidade, em formas leve, moderada e grave e, em relação à etiologia, em primária ou funcional e secundária ou orgânica (Schmidt e Herter, 2002). A primária se inicia após os primeiros ciclos menstruais ovulatórios normais (Klein e Litt, 1981), não está associada a nenhuma doença do trato genital e pode sofrer redução espontânea significativa de sua intensidade ao redor dos 20 anos de idade; em alguns casos, isso pode ocorrer após a primeira gestação. A dismenorreia secundária pode ter início em qualquer período da vida reprodutiva e está associada a algum tipo de alteração do sistema reprodutor, em consequência de doenças ou anormalidades anatômicas canaliculares congênitas ou adquiridas que resultem em lesões nos órgãos pélvicos (Proctor e Farquhar, 2006) (Tabela 27.1). As doenças ou situações mais comumente associadas à dismenorreia secundária são: endometriose, leiomioma, adenomiose, pólipo endometrial, doença inflamatória pélvica e uso de dispositivo intrauterino (Tabela 27.2). Tabela 27.1. Diagnóstico diferencial entre dismenorreia primária e secundária Dismenorreia Primária Secundária Início Em geral 2 anos após a menarca Independe da menarca Manifestação Imediatamente antes ou no início do fluxo com atenuação progressiva Antes e durante todo o fluxo com exacerbação progressiva Quadro clínico Dor em hipograstro associado a náuseas, vômitos, cefaleia, dor lombar e em membros Dor pélvica crônica e dispareunia associados Exame clínico Não há achados significativos Dor ao toque vaginal, nódulos ou massas pélvicas palpáveis Exames subsidiários Normais CA-125, US pélvica, RM RM: ressonância magnética. • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Tabela 27.2. Possíveis causas de dismenorreia secundária Intrauterinas Extrauterinas Não ginecológicas Adenomiose Menorragia Leiomioma Dispositivo intrauterino Aborto Anomalias müllerianas Estenose cervical Endometriose Doença inflamatória pélvica Aderências Gravidez ectópica Desordens psicossomáticas Depressão Síndrome do cólon irritável Constipação crônica Doença inflamatória intestinal Dor miofascial Infecção urinária Litíase renal ETIOPATOGENIA O mecanismo da dor na dismenorreia está relacionado à liberação de grandes quantidades de prostaglandinas (PGs) e icosanoides pelo endométrio em descamação (Dawood, 2006). Esses produtos promovem aumento da atividade do músculo uterino, que culmina com o incremento da força e frequência das contrações miometriais, o que acarreta a redução do fluxo sanguíneo no órgão e hipóxia tecidual. A influência dos ácidos graxos essenciais no controle dos processos inflamatórios tem sido largamente estudada. O ácido linolénico e o ácido linoleico são ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa, responsáveis pela resposta inflamatória e devem permanecer em equilíbrio no organismo em uma relação de 1:1, considerando que o ácido linolénico tem ação anti-inflamatória e o ácido linoleico tem ação inflamatória. Estão envolvidos na síntese de um grupo de metabólitos altamente ativos, chamados eicosanoides, que são as PGs, tromboxanos e leucotrienos (LTs) envolvidos nos processos inflamatórios do organismo. Os eicosanoides são compostos por uma cadeia de 20 carbonos, têm como maior precursor o ácido araquidônico e são sintetizados a partir de três vias principais nas quais agem as enzimas cicloxigenase (COX), lipoxigenase e epoxigenase. Essas substâncias estão incorporadas nos fosfolípides da membrana celular, agindo como substrato na síntese das PGs, em especial a PGs F2α e a COX, que possuem potente ação de vasoconstrição e estímulo da contração da musculatura lisa, que se associam e geram um quadro de isquemia (Chan e Hill, 1978; Alvin e Litt, 1982). Esse estado de hipóxia resulta em estímulo das terminações nervosas nociceptoras com indução de dor (Dawood, 2006). Lundstrom e Green (1978) demonstraram que os níveis de PGs são quatro vezes mais elevados em mulheres com dor menstrual aguda em relação àquelas que apresentam pouca ou nenhuma dor menstrual; também verificaram que mulheres com dismenorreia severa apresentam níveis mais altos de PGs nos primeiros dois dias do fluxo menstrual (Proctor e Farquhar, 2006). DIAGNÓSTICO A história clínica e o exame físico são, em geral, suficientes para o seu diagnóstico. Informações sobre a localização, a duração e características da dor, além de fatores de melhora e de piora, são dados essenciais a serem abordados. A dor menstrual é, em geral, tipo cólica e se inicia na pelve, podendo irradiar-se para a região lombar e face interna das coxas e causar sensação de peso no hipogástrio. Inicia-se antes ou nos primeiros dois dias do fluxo menstrual quando é, em geral, mais intensa (Balbi et al., 2000). Em mais de 50% dos casos, é acompanhada por outros sintomas como náuseas, vômitos, palidez, cefaleia, diarreia, vertigem e desmaio (Harel, 2006) (Tabela 27.1). Tais comemorativos são secundários à resposta inflamatória, que é mediada pelas PGs e LTs, que são sintetizados e metabolizados pelo útero (Rees et al., 1987). Harel et al. (2000) encontraram altos índices de LTs no sangue de adolescentes com queixa de dor durante o fluxo menstrual. Os quadros mais severos de dismenorreia podem estar relacionados com a menarca precoce, além de duração e volume do fluxo menstrual aumentado (Balbi et al., 2000). O fumo é apontado como fator predisponente, provavelmente porque a nicotina está associada a vasoconstrição e hipóxia miometrial (Hornsby et al., 1998). Outro fator importante é a dieta rica em gorduras contendo ácidos graxos omega-6, em particular o ácido aracdônico, que são liberados e iniciam a cascata de PG e LT no útero (Simopoulos, 1991), além da obesidade e consumo de álcool. Também são importantes os estádios 4 de ansiedade e depressão, a má qualidade de vida decorrente do estresse diário e vários outros fatores que comprometem o bem-estar pessoal (Proctor e Farquhar, 2006). A história clínica e achados negativos para doenças pélvicas norteiam o diagnóstico de dismenorreia primária (Dawood, 2006). As enfermidades mais comumente associadas à dismenorreia secundária são as que provocam dor pélvica crônica como a doença inflamatória pélvica, a endometriose e as doenças que acometem o útero como a leiomiomatose e a adenomiose, além das alterações psíquicas, que podem cursar com desconforto pélvico e dor de intensidade variável (Latthe et al., 2006) (Tabela 27.2). Devemos suspeitar de dismenorreia secundária sempre que uma das seguintes anormalidades for encontrada: dismenorreia no primeiro ou segundo COX depois da menarca (considerar a possibilidade de malformação mülleriana), primeira ocorrência de dismenorreia após os 25 anos de idade, anormalidades pélvicas durante o exame físico, infertilidade associada, fluxo menstrual irregular ou aumentado, dispareunia e pequena ou nenhuma resposta ao tratamento clínico conservador com anti-inflamatório ou anticoncepcional oral. Nessas situações, um exame de imagem como a ultrassonografia pélvica deve ser solicitado, devendo a paciente ser referenciada, em alguns casos, a um centro especializado para proceder a uma investigação mais aprofundada, tal como a laparoscopia (Proctor e Farquhar, 2006), que deveser sempre que possível diagnóstica e terapêutica (Tabela 27.3). Tabela 27.3. Investigação da dismenorreia Ultrassom transvaginal Massas pélvicas, leiomiomas, pólipos, abscessos pélvicos, adenomiose Laparoscopia Diagnóstica e terapêutica no manejo da endometriose principalmente Histeroscopia Define doenças uterinas Hemograma Anemia CA-125 Endometriose, tumores ovarianos Swab vaginal/cervical Doença inflamatória pélvica Urina tipo I/urocultura Doenças do trato urinário Β-HCG Excluir gravidez RM, TC abdome, radiografia Excluir massas pélvicas, litíase renal, obstrução intestinal RM: ressonância magnética; TC: tomografia computadorizada. TRATAMENTO A escolha do tratamento deve ser feita levando em consideração o caráter sindrômico dessa doença. A abordagem terapêutica adequada deve considerar o manejo durante a crise e medidas profiláticas nos intervalos. O objetivo é basicamente neutralizar a COX que está envolvida na produção de PGs e hipercontratilidade uterina, vômitos e aumento da motilidade intestinal. Analgésicos simples Analgésicos simples, tais como paracetamol ou dipirona, podem ser utilizados com sucesso em casos iniciais ou quando os anti- inflamatórios não esteroidais (AINEs) são contraindicados. Entretanto, alguns trabalhos não demonstram eficácia significativa com o uso dessas medicações quando comparado com os tratamentos de primeira escolha (Zhang e Li Wan Po, 1998). Anti-inflamatórios não esteroidais As diferentes drogas anti-inflamatórias não esteroidais no mercado têm eficácia similar para o tratamento da dismenorreia. Em média, 70% das mulheres com dismenorreia moderada ou severa melhoram com o uso dessa classe de medicamento (Marjoribanks et al., 2003). Geralmente, são necessários de três a cinco dias de tratamento, iniciando-se um a dois dias antes do início do fluxo menstrual (analgesia preemptiva). Efeitos adversos gastrointestinais, tais como náuseas, vômitos e diarreia, podem ocorrer, mas em geral são bem tolerados. Especial atenção deve ser dada às pacientes com fator de risco para úlceras gastrointestinais – casos em que, se necessário, agentes gastroprotetores podem ser associados à terapêutica – ou doenças renais crônicas e hipertensão arterial. Anticoncepcionais orais (ACOs) Outra opção é o emprego de contraceptivos orais que reduzem a espessura endometrial, diminuindo o sangramento e, por consequência, provocando queda dos níveis de PGs no soro e no fluido menstrual (Proctor e Farquhar, 2006; Dawood, 2006). Embora existam controvérsias, o emprego dos contraceptivos hormonais cursa com importante melhora do quadro clínico geral de dismenorreia primária (Ekström et al., 1989) e, se houver o desejo de contracepção pela paciente, essa passa a ser a melhor opção terapêutica. Efeitos adversos como cefaleia, náuseas, vômitos, dor abdominal, ganho de peso e acne são descritos em associação com uso de alguns ACOs, que muito raramente podem provocar eventos adversos sérios, tais como trombose e infarto. Vale lembrar que o tabagismo aumenta esse risco e que, portanto, seu uso deve sempre seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para uso de contraceptivos (World Health Organization, 2015). Sistema intrauterino de levonorgestrel O sistema intrauterino de levonorgestrel (SIU-LNG) tem sido utilizado mais recentemente no tratamento da dismenorreia primária e secundária. Cerca de 70% das usuárias desse método desenvolvem amenorreia após seis meses de uso e cerca de 56% a mantêm após três anos (Baldaszti et al., 2003). O SIU-LNG tem ação hormonal comprovada pelo período de cinco anos e age induzindo atrofia endometrial por ação local, intrauterina, do levonorgestrel (Maruo et al., 2001). Alguns estudos demonstram sua eficácia no controle da dismenorreia, principalmente quando associado à endometriose (Petta et al., 2005; Petta et al., 2009), não somente pela melhora clínica da dor pélvica, como também pela diminuição de marcadores séricos como o Ca-125 (Rosa e Silva et al., 2006) e pela melhora no estádio cirúrgico da doença segundo a classificação da American Society of Reproductive Medicine (ASRM) (Gomes et al., 2007). Tratamentos combinados ou medicações de uso menos frequente A combinação de medicações pode ser utilizada em casos de refratariedade aos tratamentos propostos, tais como uso de analgésicos ou AINEs associados aos ACOs ou ao SIU-LNG. Os progestagênios isolados orais, injetáveis ou implantes, como o acetato de medroxiprogesterona, o desogestrel, o levonorgestrel e o etonogestrel são bastante empregados na prática clínica e merecem destaque (Vercellini et al., 1996). Tais medicamentos induzem anovulação e amenorreia, consequentemente melhorando a dismenorreia, com a vantagem de poderem ser utilizados em pacientes com contraindicação ao uso de estrogênios exógenos. Vale ressaltar possíveis efeitos colaterais associados ao uso dessa classe de drogas, como depressão, diminuição do desejo sexual, cefaleia e, principalmente, sangramento uterino irregular. Outras medicações como os análogos de GnRH (GnRHa), a gestrinona e o danazol têm efeito semelhante sobre a dismenorreia, porém produzem efeitos colaterais de hipoestrogenismo muito intensos (Vercellini et al., 1996). TERAPIAS ALTERNATIVAS Cerca de 10% a 20% das pacientes com dismenorreia primária não respondem ao tratamento clínico com AINEs ou ACOs; além disso, há muitas mulheres com contraindicação ao uso dessas medicações. Consequentemente, muitas pesquisas estão sendo realizadas na busca de um tratamento alternativo que possa ser utilizado com segurança e satisfação. Dentre essas medicações, podemos destacar os fitoterápicos e os suplementos alimentares, que ainda carecem de maiores estudos para demonstrar a sua eficácia no controle da dismenorreia (Simopoulos, 1991). Mudanças nos hábitos de vida, como atividade física e adequação da alimentação com baixa ingestão de gordura, parecem ter algum efeito sobre a dismenorreia; o consumo de quantidades balanceadas dos alimentos permite manter os processos pró e anti- inflamatórios em equilíbrio. Uma alimentação rica em ácidos graxos de origem vegetal deve ser orientada em substituição às gorduras animais. Os ácidos graxos poli-insaturados linoleico e linolénico não são sintetizados pelo organismo e, como já foi descrito anteriormente, ambos têm importante papel na produção de PGs e na redução da resposta inflamatória, entretanto mais estudos ainda são necessários para formalizar sua indicação (Simopoulos, 1991). A estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) e a acupuntura parecem ter efeito modesto no controle da dismenorreia. Cerca de 42% a 60% das pacientes podem ter resultado satisfatório, porém por período reduzido de tempo (Proctor et al., 2002; White, 2003). A ação parece ser via liberação de neurotransmissores como a betaendorfina e a serotonina no cérebro e melhora da circulação sanguínea local (White, 2003). Cirurgia Recentemente, a neurectomia pré-sacral tem sido proposta e realizada durante a laparoscopia indicada por dismenorreia severa. Esse procedimento tem por objetivo a interrupção de fibras sensitivas nervosas cervicais, o que diminuiria a dor de origem uterina. Porém, os dados da literatura científica não suportam tais resultados. Em metanálise publicada em 2005 por Proctor et al. (2005), não se conseguiu demonstrar efeito benéfico desse tipo de tratamento cirúrgico. CONCLUSÕES Em resumo, a primeira opção terapêutica diante de um caso de dismenorreia em mulher adulta jovem deve ser a utilização de anticoncepcionais hormonais combinados ou isolados, independentemente da via de administração, principalmente para aquelas com vida sexual ativa, pois as ações contraceptiva e bloqueadora da dor são agregadas, com benefícios para a paciente. Para as que não têm desejo contraceptivo, os anticoncepcionais hormonais devem ser utilizados na ausência de respostas aos AINEs. A utilização de implantes de levonorgestrel ou etonogestrel deve ser considerada nos casos de dismenorreia refratária ou em casos de anormalidadespélvicas. Quadros mais severos e refratários às outras modalidades terapêuticas podem se beneficiar do uso de GnRHa e danazol (Navarro et al., 2006). Casos refratários ao tratamento clínico devem ser encaminhados para investigação de possíveis doenças pélvicas causando a dismenorreia secundária, e o seu tratamento envolve a terapêutica específica para a doença encontrada. A causa mais frequente de dismenorreia secundária é a endometriose, e suas portadoras podem ser beneficiadas com o uso de anticoncepcionais hormonais orais, sistêmicos ou locais. Medidas gerais tais como atividade física, mudanças para hábitos de vida mais saudáveis e alterações dietéticas mostraram ser efetivas e devem ser incentivadas. Nos casos de dismenorreia secundária, além das medidas gerais, deve ser dada atenção ao tratamento da doença de base. BIBLIOGRAFIA Alvin PE, Litt IF. Current status of etiology and management of dysmenorrheal in adolescents. Pediatrics. 1982;70:516-25. 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Br J Obstet Gynaecol. 1998;105:780-9. 28 GINECOLOGIA GERAL SÍNDROME PRÉ-MENSTRUAL Raquel Silveira da Cunha Araújo A síndrome pré-menstrual (SPM) refere-se a um conjunto de sintomas emocionais, comportamentais e físicos recorrentes durante a fase lútea do ciclo menstrual, que diminuem rapidamente com a chegada da menstruação, e afeta milhões de mulheres em idade reprodutiva. HISTÓRICO A despeito da ideia de uma doença atual, as variações comportamentais nas mulheres relacionadas com seu ciclo menstrual apresentam relatos desde a época da descoberta dos Papiros de Ebers (1875) e Kahun (1898), os quais revelam conhecimentos médicos cuja origem pode remontar até o ano 3000 a.C., documentos esses que foram encontrados no Egito antigo. Já por volta de 450 a.C., no tratado hipocrático Das doenças das virgens (do grego, Περì Παρθενíων), havia relatos de que as virgens, quando não se casam e começam a ter regras, apresentam desvarios, terrores, agitação e dizem coisas terríveis (Ribeiro Jr., 2003). Em 1837, Pritchard descreveu um quadro caracterizado por mau humor, propensão a brigas e melancolia no período pré-menstrual (Donoso Correa e Jadresic, 2000). Mas foi em 1931 que Robert T. Frank utilizou pela primeira vez o termo “tensão pré-menstrual”, que se relacionava ao acúmulo de hormônios sexuais no organismo, causando sintomas de tensão, fadiga e irritabilidade sete a dez dias antes da menstruação, com persistência dos sintomas até a chegada do fluxo menstrual e com melhora completa das queixas após a descida do fluxo (Frank, 1931). Em 1953, Green e Dalton revisaram a nomenclatura para SPM por acharem que termo “tensão” restringia o conceito a apenas um dos sintomas que podem estar presentes nesse período (Greene e Dalton, 1953). A síndrome da tensão pré-menstrual surgiu na nona edição da Classificação Internacional das Doenças (CID-9) e mais tarde, em 1986, foi incluída no capítulo de doenças do sistema geniturinário, sob a numeração N94.3 O Instituto Nacional de Saúde Mental Americano, em 1983, observou a necessidade de registrar em diário alterações na intensidade de sintomas em mulheres na fase folicular e na fase lútea do ciclo para tentar diferenciar as síndromes pré-menstruais da exacerbação de outras condições crônicas. Em 1987, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) registrou critérioscom o propósito de diagnóstico, o que denominou de distúrbio disfórico da fase lútea tardia (DDFLT), e mais tarde, em 1994, revisou esses critérios e a nova denominação foi distúrbio disfórico pré-menstrual (DDPM), na quarta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM- IV, 1994) (American Psychiatric Association, 1987). Mais recentemente, em 2013, a APA publicou no DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual, 5a edição) a diferenciação entre o DDPM e a SPM, sendo o primeiro uma classificação de maior gravidade que atinge uma pequena porcentagem das mulheres. EPIDEMIOLOGIA A prevalência da SPM na população tem sido superestimada por uma falha em aplicar os critérios de inclusão específicos. As estimativas chegam a 80% das mulheres em idade reprodutiva, que referem algum sintoma de mudança de humor ou queixa física relacionada com a segunda fase do ciclo menstrual, porém essas estimativas não diferenciam a severidade dos sintomas, nem o quanto eles interferem na funcionalidade na vida da mulher. A maioria dos sintomas é leve, bem tolerada e não interfere nas atividades diárias. A SPM clinicamente significante ocorre em 3% a 8% das mulheres (Deuster et al., 1999; Borenstein et al., 2005; Qiao et al., 2012), enquanto o DDPM afeta cerca de 2% das mulheres, quando se aplicam estritamente os critérios de inclusão para DDPM, como ilustrado por três estudos comunitários que utilizaram avaliações prospectivas para determinar o diagnóstico (Rivera-Tovar e Frank, 1990; Soares et al., 2001; Gehlert et al., 2009; Cohen et al., 2002). Em pesquisa internacional com 7.226 mulheres na Europa, América do Sul e Ásia, a frequência dos sintomas de SPM foi similar, já em estudo comparando a raça observou-se que as mulheres negras são menos propensas a desenvolver DDPM quando comparadas com mulheres brancas, sendo a prevalência em mulheres negras de 2,9% versus 4,4% em mulheres brancas (Pilver et al., 2011; Dennerstein et al., 2011; Dennerstein et al., 2012). O início dos sintomas está descrito na metade da segunda década de vida, e a demanda por tratamento geralmente ocorre na metade dos 30 anos. Muitas mulheres relatam aumento da severidade e duração dos sintomas com a proximidade da menopausa, talvez justificado pelo estresse crônico progressivo ao longo da vida reprodutiva (Halbreich et al., 2003; Valadares et al., 2006). Centenas de sintomas pré-menstruais foram relatados por mulheres com SPM, e os mais estudados são irritabilidade, tensão, depressão, inchaço, mastalgia e dores de cabeça (Valadares et al., 2006). É importante lembrar a existência de similaridade nos quadros de DDPM e depressão maior, daí a sua importância no contexto preventivo de saúde pública. FATORES DE RISCO Uma série de estudos avalia a influência genética na SPM, e vários deles mostram forte componente genético como fator de risco. Evidências preliminares sugerem risco para DDPM associado à variação genética do gene ESR1 (gene alfa do receptor de estrogênio) (Miller et al., 2010; Huo et al., 2007). Alguns fatores relacionados com a dieta têm demonstrado moderado risco para SPM, contudo isso pode refletir apenas um viés diante dos efeitos positivos de hábitos saudáveis em geral (Yonkers e Simoni, 2018). O aumento da ingestão de tiamina, riboflavona, ferro e zinco é um fator protetor, enquanto a alta ingesta de potássio pode aumentar o risco de SPM (Chocano-Bedoya et al., 2013). Também há evidências de que a adiposidade e a síndrome metabólica aumentam o risco de SPM, principalmente em mulheres com IMC acima de 27,5 kg/m2 (Bertone-Johnson et al., 2010; Hashemi et al., 2016). Outros possíveis fatores de risco para DDPM incluem baixo nível educacional, fumo de cigarros, história de eventos traumáticos ou desordens de ansiedade (Bertone-Johnson et al., 2010; Perkonigg et al., 2004; Bertone-Johnson et al., 2014; Graze et al., 1990; Kendler et al., 1992). FISIOPATOLOGIA Ainda se encontra indefinida a etiologia precisa da SPM, o que dificulta a explicação da fisiopatologia da doença. Sabemos que há vários fatores complexos que podem predispor à síndrome envolvendo as esferas biológicas, psicológicas, ambientais e sociais. É consenso a relação dos sintomas da SPM e do DDPM com as fases do ciclo menstrual, porém os estudos não demonstram diferenças hormonais objetivas entre mulheres com e sem sintomas. Por outro lado, a supressão da função ovariana por ooforectomia ou supressão do eixo com uso de análogos de hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) são capazes de resolver os sintomas da SPM. Existe uma tendência a interpretar SPM/DDPM como vulnerabilidade individual às modificações cíclicas hormonais fisiológicas, uma vez que diversos estudos demonstram concentrações normais de progesterona e estrogênio nas pacientes com esse diagnóstico, além da complexa interação entre os hormônios gonadais e neurotransmissores, que pode estar relacionada na gênese dos sintomas (Schmidt et al., 2017). Na busca de uma possível causa, realizou-se investigação de outros hormônios, como androgênios, cortisol, prolactina, endorfinas, hormônios tireoidianos e aldosterona, porém até o momento não há evidência suficiente quanto ao papel dessas substâncias. Os metabólitos da progesterona têm sido investigados pela associação dos sintomas com a fase lútea, porém também se observou que as concentrações séricas desses metabólitos, como a alopregnanolona e pregnenolona são similares em pacientes com SPM comparadas com mulheres normais (Bäckström et al., 2011; Martinez et al., 2016; Bixo et al., 2017). Como as dosagens da concentração periférica de alopregnanolona não são confiáveis, tem-se procurado investigar seu local de ação periférica: o receptor GABA-A (Gracia et al., 2009). O neurotransmissor mais implicado nas manifestações clínicas da SPM é a serotonina, contudo também há dados que implicam a betaendorfina, o ácido gama-aminobutírico (GABA) e o sistema nervoso autônomo (Gracia et al., 2009). Pacientes com SPM, quando comparadas com controles, apresentam menores índices séricos de serotonina e menor captação plaquetária de serotonina. Captação alterada de serotonina plaquetária e diminuição no número de sítios de ligação de imipramina em plaquetas de mulheres com alterações pré-menstruais severas desde o início da fase lútea, bem como alterações em vários testes de estímulos, têm sido descritas. Um possível aumento agudo no tônus serotoninérgico, ou um desvio parcial na capacidade de ligação dos opioides endógenos, pode ser resultante da queda rápida dos esteroides gonadais, típica da fase lútea (Yonkers e Simoni, 2018; Gracia et al., 2009; Eriksson, 2014). A elevação da temperatura corporal durante o ciclo menstrual, o adiantamento de fase no sistema de produção de melatonina e anormalidades no sistema norepinefrinérgico são relatados na literatura, mas, em geral, as mulheres com DDPM não manifestam alterações consistentes de disfunção no eixo hipotálamo-pituitário- adrenal nem na tireoide. Pouco se sabe sobre a influência de outros neurotransmissores – como a dopamina – na origem dos sintomas pré- menstruais, sendo um desafio aos pesquisadores (Valadares et al., 2006). A exploração direta do funcionamento do cérebro em mulheres com e sem transtornos pré-menstruais produziu descobertas promissoras (Hantsoo e Epperson, 2015; Comasco e Sundstrom-Poromaa, 2015). As seções do córtex frontal exercem controle de cima para baixo em áreas do cérebro que recebem e integram a entrada emocional e física, como a amígdala. Sob condições hormonais adequadas, as diferenças nos circuitos podem levar as mulheres com PMS a terem maior dificuldade em exercer um controle do eixo (Comasco et al., 2014; Protopopescu et al., 2008). Isso pode levar à expressão de sintomas emocionais, impulsividade e prejuízo nas atividades diárias (Baller et al., 2013). Assim, os tratamentos que estabilizam sintomas emocionais e impulsividade podem ser benéficos. Causas ambientais podem também estar relacionadas à TPM. Entre elas, ressalta-se o papel da dieta.Alguns alimentos parecem ter importante implicação no desenvolvimento dos sintomas, como chocolate, cafeína, sucos de frutas e álcool. As deficiências de vitamina B6 e de magnésio são consideradas. Porém, até o momento, o papel desses nutrientes na causa ou no tratamento não foi confirmado (Halbreich et al., 2003). Os fatores sociais parecem exercer influência maior no agravamento de sintomas, não havendo estudos consistentes correlacionando-os etiologicamente ao DDPM. • • • • • • • • • • • • • • • • • • • DIAGNÓSTICO A SPM acomete a segunda fase do ciclo menstrual, de forma recorrente, interferindo nas atividades diárias da mulher. Sua confirmação diagnóstica acontece, geralmente, entre 25 e 35 anos de idade, quando os sintomas são mais consistentes, podendo ter relatos de início ainda na adolescência. Não existe um sintoma patognomônico para a SPM, sendo os mais comuns: a irritabilidade, a disforia e a tensão (Tabela 28.1). O quadro clínico é polimórfico, ou seja, tem variabilidade na intensidade dos sintomas, os quais podem mudar em cada mulher de acordo com a fase do ciclo menstrual, consequentemente dificultando o diagnóstico precoce e preciso (Halbreich et al., 2007). Tabela 28.1. Principais sintomas psíquicos, somáticos e comportamentais da SPM Psíquicos Somáticos Comportamentais Tensão Irritabilidade Disforia Ansiedade Labilidade emocional Agressividade Depressão Cefaleia Mastalgia Cólicas Náusea Taquicardia Tonturas Fadiga Falta de iniciativa Aumento do apetite Compulsão por doces Absenteísmo Isolamento O exame físico das pacientes e os exames laboratoriais não apresentam anormalidade característica. A anamnese deve ser detalhada, com enfoque nos ciclos menstruais, obtendo-se informações sobre os sintomas e correlacionando-os com a fase do ciclo menstrual, descrevendo a recorrência e a interferência com as atividades diárias (Yonkers e Simoni, 2018). Nas mulheres com ciclos menstruais irregulares na fase pré- menopausa, não é necessário fazer a investigação com exames laboratoriais, porém, nas mais jovens, com ciclos menores de 25 dias ou maiores de 35, deve-se determinar a etiologia da irregularidade dosando gonadotrofina coriônica humana (BHCG), hormônio tireoestimulante (TSH), prolactina e hormônio folículo-estimulante (FSH) (Yonkers e Simoni, 2018). • • • • • • A anamnese deve questionar o uso de medicamentos, por exemplo, os anticoncepcionais, e correlacionar a melhora dos sintomas após o início deles. No entanto, apesar de não serem o tratamento de escolha para SPM, muitas pacientes relatam melhora significativa. O diário sintomatológico é um instrumento fundamental para ser utilizado durante a consulta médica, com a finalidade de caracterizar os sintomas em relação à fase do ciclo menstrual e sua variabilidade de intensidade (Tabela 28.2) a cada mês, podendo, assim, se excluir SPM quando os sintomas não estão relacionados à fase lútea. Tabela 28.2. Intensidade dos sintomas Intensidade dos sintomas 0 Não apresenta nenhum sintoma 1 Sintomas leves 2 Sintomas moderados (interfere nas atividades diárias) 3 Sintomas intensos (incapacitantes) O American College of Obstetrics and Gynecology (ACOG) recomenda que a SPM seja diagnosticada por meio dos critérios propostos pelo National Institute of Mental Health (NIMH) e pela Universidade da Califórnia. Já a DDPM é uma forma grave da SPM e segue os critérios diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria (APA) e do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – (DMS-V) (Tabela 28.3). Tabela 28.3. Síndrome pré-menstrual e distúrbio disfórico pré- menstrual Síndrome pré-menstrual Distúrbio disfórico pré-menstrual Sintomas físicos e comportamentais É a forma mais grave da SPM Sintomas na fase lútea e cíclico Sintomas que podem ser incapacitantes Sintomas melhoram com a menstruação Excluir distúrbio psiquiátrico O ACOG define SPM como a presença de um sintoma (afetivo ou físico) que interfira nas atividades diárias por pelo menos os cincos dias que antecedem a menstruação nos últimos três ciclos consecutivos. O NIMH define SPM como o aumento da intensidade dos sintomas em 30% durante a fase lútea quando comparado com os dias de 5 a 10 • • • • • • • • • • • do ciclo menstrual (utilizando instrumento padronizado, como o diário da sintomatologia em pelo menos dois ciclos consecutivos). A Universidade da Califórnia em San Diego caracteriza a SPM como a presença de um sintoma afetivo (explosão de raiva, irritabilidade, depressão, ansiedade, confusão e retração social) e somático (mastalgia, edema abdominal, cefaleia e edema em extremidades) durante os cincos dias que precedem a menstruação, com alívio dos sintomas do 4º ao 13º dia do ciclo menstrual, nos últimos três ciclos consecutivos. Os critérios diagnósticos para DDPM utilizando o DSM-V (Tabela 28.4) inclui a documentação usando o diário de sintomas físicos e comportamentais durante vários ciclos consecutivos (12 meses) que interfiram nas atividades diárias, e/ou a presença de cinco ou mais sintomas durante a semana que antecede a menstruação, melhorando após o início dela, bem como se devem excluir distúrbios psiquiátricos. Tabela 28.4. Critérios DSM-V Critérios DSM-V Um ou mais dos seguintes sintomas devem estar presentes: Mudanças de humor, tristeza Raiva, irritabilidade (mais comum) Sensação de desespero, humor deprimido, autocrítica Tensão, ansiedade Um ou mais dos seguintes sintomas devem estar presentes para atingir um total de cinco sintomas: Dificuldade de concentração Apetite aumentado Diminuição do interesse nas atividades habituais Fadiga Sentindo-se sobrecarregada Mastalgia, edema, ganho de peso, artralgia Sonolência ou insônia Pacientes com DDPM são associadas à diminuição da produtividade no trabalho, faltas periódicas e maior número de consultas aos profissionais de saúde. Alguns estudos sugerem aumento da idealização suicida. Nesse contexto, diante de qualquer manifestação mais grave, deve-se encaminhar para acompanhamento psiquiátrico. O diário (Tabela 28.5) registra os sintomas ao longo do mês para determinar o grau de variação sintomática de acordo com a fase do ciclo menstrual, devendo ser anotados durante meses consecutivos, para se obterem melhores detalhes e maior variabilidadede de sintomas. Dessa forma, as mulheres poderão ser categorizadas em três grupos de acordo com a gravidade da sintomatologia: sem alterações, SPM e DDPM. Infelizmentem muitas mulheres que sofrem de SPM ou DDPM não são diagnosticadas e tratadas, por outro lado, muitos outros casos são rotulados sem diagnóstico preciso. Tabela 28.5. Diário sintomatológico Sintomas Diário da sintomatologia Período menstrual Fase folicular Fase lútea 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. O diagnóstico de SPM é desafiador nas pacientes sem menstruação, mas é possível naquelas com função ovariana normal e ovulação na ausência de menstruação (pacientes histerectomizadas com preservação dos ovários, submetidas a ablação de endométrio ou nas usuárias de dispositivo intrauterino de levonorgestrel). Essas mulheres experimentam sintomas cíclicos típicos de SPM/DDPM, mas não podem usar a menstruação como ponto de referência para seus sintomas. Nesses exemplos, o levantamento retrospectivo é essencial para documentar um padrão cíclico de sintomas que se repitam aproximadamente a cada 28 a 35 dias (Yonkers e Simoni, 2018). É importante usar critérios diagnósticos rigorosos e registro retrospectivo na avaliação de pacientes com queixa de SPM ou DDPM para excluir as pacientes com transtorno psiquiátrico, transição da menopausa, distúrbios tireoidianos (hiper ou hipotireoidismo), abuso de álcool e distúrbios do humor, como transtorno depressivo maior, transtorno depressivo menor, que podem requerer tratamento isolado ou em associação para determinada enfermidade. TRATAMENTO Até o momento, nenhuma intervenção específica foi efetiva para tratar todas as pacientes, mas muitas opções estão disponíveis.A SPM tem etiologias biológicas e psicossociais múltiplas, e seu tratamento deverá refletir a severidade dos sintomas e prejuízos apresentados. É importante considerar que nenhum tratamento alivia todos os sintomas de forma igual, portanto a abordagem individualizada e multidisciplinar faz-se comumente fundamental. Um diagnóstico claro de SPM deve ser estabelecido e as mulheres não devem apresentar sintomas durante a fase folicular. Sugere-se que as queixas sejam documentadas em detalhe, por pelo menos dois ciclos, a fim de melhorar o tratamento e permitir que as terapias sejam direcionadas especificamente para cada subgrupo de pacientes (ACOG, 2000). Uma abordagem escalonada, começando com terapias não medicamentosas, é recomendada como tratamento, refletindo o grau de comprometimento associado aos sintomas. As estratégias terapêuticas devem adotar esquemas alinhados à realidade socioeconômica e às características de cada paciente, trabalhando com a adoção de mudanças dos hábitos de vida, exercícios físicos, psicoterapia e medicamentos diversos (Halbreich, 2003). A maioria dos estudos sistemáticos tem avaliado a eliminação das flutuações hormonais e a supressão da ovulação ou a estabilização dos neurotransmissores com medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos. É importante ressaltar que um diagnóstico claro de SPM ou DDPM deve ser estabelecido antes do tratamento ser considerado. Para mulheres com sintomas pré-menstruais leves que não interferem nas atividades diárias, sugere-se mudança de estilo de vida, como exercicios regulares e apoio psicológico. Embora essas intervenções não sejam bem estudadas, elas podem ser úteis para o organismo como um todo e deve ser recomendadas genericamente. No entanto, não está claro se os benefícios dessas técnicas são maiores do que um efeito placebo. Mudança dos hábitos de vida Além do alívio de sintomas comuns como estresse, irritabilidade e sono inadequado, o exercício físico regular (30 minutos, três vezes por semana) promove melhorias da capacidade cardiorrespiratória e do tônus muscular, com repercussões positivas sobre a consciência corporal, elemento fundamental para uma boa qualidade de vida. Embora ainda existam controvérsias quanto à eficácia da atividade física no tratamento da SPM, acredita-se que a liberação de endorfinas e a alteração no nível dos hormônios esteroides circulantes decorrentes do exercício possam estar envolvidas na obtenção de melhorias das queixas pré-menstruais (Ismaili et al., 2016; Prior et al., 1987). Alimentação adequada também é recomendável nesses casos, devendo-se fracionar a dieta e reduzir a ingestão de alimentos ricos em cafeína, açúcar, carne vermelha e álcool. Deve ser aumentado o consumo de frutas, verduras, legumes, grãos, carboidratos complexos e água (Sayegh et al., 1995). A dieta hipossódica e com substâncias diuréticas como o abacaxi melhora a mastalgia, a distensão abdominal e o edema de extremidades. Substâncias que contêm triptofano podem ser mais atrativas na fase lútea por ser esse um precursor da serotonina. São ricos em triptofano os chocolates com maior concentração de cacau, morango, feijão, queijo e batata-inglesa. Para as pacientes que apresentam alterações do sono na SPM, é recomendado evitar atividades estressantes durante o período pré- menstrual e a adoção de um padrão regular de sono. Para mulheres com sintomas pré-menstruais leves que não interferem nas atividades diárias e no trabalho, a mudança do estilo de vida com atividade fisica e redução de estresse é recomendada. Psicoterapia Intervenções psicossociais não farmacológicas são sugeridas para mulheres com qualquer tipo de alteração psíquica perimenstrual. Estratégias de mudança comportamental e cognitiva são indicadas para o manejo adequado dos transtornos psicológicos presentes na SPM. Intervenções comportamentais comuns incluem estratégias de relaxamento, modificação comportamental e reestruturação cognitiva, além de medidas para controle de dor, ansiedade e depressão (Lustyk et al., 2009). Um estudo randomizado comparou a eficácia da terapia comportamental e da farmacoterapia no tratamento do DDPM. A terapia comportamental se mostrou tão eficaz quanto o uso da fluoxetina em baixa dose (20 mg), tendo maior taxa de continuidade a longo prazo, apesar de ser mais lenta em apresentar resultados concretos (Hunter et al., 2002). Grupos de psicoeducação têm ajudado no melhor entendimento e aceitação da menstruação, mas não têm alterado o resultado final do tratamento. Apesar de a terapia cognitiva comportamental oferecer algum benefício, a magnitude dos efeitos é muito menor quando comparada com psicofármacos e técnicas de relaxamento. Tratamento medicamentoso O tratamento medicamentoso deve ser preconizado para os casos refratários às medidas não farmacológicas de SPM e aos que caracterizam o DDPM. Medicações sintomáticas, vitaminas e minerais, diuréticos, combinações hormonais, fitoterápicos e antidepressivos estão entre os mais utilizados. Na enxaqueca pré-menstrual, o tratamento é feito à base de analgésicos, ergotamina e anti-inflamatórios não esteroides (AINEs): indometacina, mefenato, ibuprofeno, naproxeno e piroxicam. A sumatriptana (100 mg por dia) é agonista dos receptores da serotonina e excelente para a fase aguda, não devendo ser administrada em pacientes com insuficiência hepática, coronariana ou renal. O tratamento profilático da enxaqueca pode ser feito com betabloqueadores (20 a 40 mg por dia), metisergida (2 a 6 mg por dia) ou flunarizina (5 a 25 mg por dia). Quando a mastalgia é importante, principalmente se acompanhada de aumento da prolactina e galactorreia, podem ser usados os agonistas dopaminérgicos: bromoergocriptina (1,5 a 7,5 mg por dia), lisurida (0,2 mg por dia) ou cabergolina (0,5 a 1 mg por semana), durante a fase lútea. Vitaminas e minerais Tentativas de associar deficiências de vitaminas e minerais ao DDPM têm sido inconclusivas. Níveis normais de magnésio sérico e vitaminas A, B6 e E têm sido observados. Existem algumas evidências de que a vitamina E possa modular a produção das prostaglandinas. Sua suplementação bloquearia a diminuição do ácido gamalinoleico, reduzindo sintomas dolorosos. Entretanto, segundo Chuong e Dawson (1992), não existe diferença entre o placebo e a vitamina E. Resultados de uma metanálise sugerem que doses de até 100 mg por dia de vitamina B6 são provavelmente benéficas para tratamento da SPM, inclusive dos sintomas depressivos. A vitamina B6 (piridoxina) é um cofator na biossíntese da dopamina e da serotonina a partir do triptofano, atuando também como fator regulador da produção da monoaminoxidase (MAO). O uso da vitamina B6 exige cautela, pois doses elevadas podem levar à neuropatia periférica (Stewart, 1991). O magnésio é modulador da secreção de insulina pelo pâncreas. Sua suplementação para o tratamento da SPM mostrou-se eficaz. A ingestão excessiva de laticínios e cálcio pode levar à má absorção do magnésio. Níveis séricos de cálcio parecem estar diminuídos na fase pré- menstrual em algumas pacientes. O cálcio pode agir na supressão da secreção do hormônio paratireoide, reduzindo a irritabilidade neuromuscular e a reatividade vascular. A suplementação de cálcio (500 mg por dia) parece promissora no tratamento da SPM, com melhora dos sintomas, porém com efeito menor do que o uso de fluoxetina e aumento de risco de doença cardíaca (Thys-Jacobs et al., 1998). Em comparação com o placebo, essas diversas vitaminas e suplementos dietéticos, incluindo vitamina B6, vitamina E, Vitex agnus- castus, cálcio e magnésio, não se mostraram eficazes. Diuréticos O uso de diuréticos por curtos períodos e em doses baixas durante a fase lútea melhora os sintomas de mastalgia, inchaço abdominal e edema de extremidades. Estudos têm demonstrado redução do volume abdominal e do ganho de peso com o uso da espironolactona em dose de 50 a 100 mg por dia. As pequenas doses em curto tempo não acarretam efeitos colaterais significativos, mas existe a possibilidade de ocorrênciade distúrbios gastrointestinais, sonolência, tontura e leucopenia, além disso, o uso contínuo de diurético pode ativar o sistema renina-angiotensina-aldosterona, resultando em efeito rebote e acúmulo rápido de fluido assim que o diurético é descontinuado. Tratamento hormonal Contraceptivos hormonais A SPM e a DDPM são patologias cíclicas por definição e sua existência depende da flutuação hormonal, assim a supressão do ciclo ovariano poderia aliviar os sintomas. Talvez o método mais simples de induzir a anovulação seja o uso de contraceptivos hormonais orais combinados (ACHOs), idealmente com um intervalo reduzido de pílula ou administração contínua. O uso do ACHO é particularmente mais atrativo se a contracepção for uma prioridade. O uso de ACHO fornece, de forma consistente, resultados favoráveis, pois possibilita a diminuição dos sintomas fisiológicos e emocionais da SPM devido à manutenção do estado hormonal mais estável e à minimização dos efeitos colaterais do sangramento de privação (Pearlstein et al., 2005). A escolha do componente progestagênico parece influenciar no controle dos sintomas da SPM. Uma variedade de derivados da progesterona associados ao estrogênio como acetato de medroxiprogesterona, noretisterona e levonorgestrel tem sido estudada, e os contraceptivos orais contendo a drospirenona tem a vantagem de reduzir o edema pré-menstrual e a acne. A drospirenona é um progestágeno derivado da 17-espironolactona e tem um perfil farmacológico que se assemelha muito ao da progesterona natural. Foram selecionados dois ensaios clínicos randomizados em uma metanálise da biblioteca Cochrane, publicada em 2007, avaliando a associação de 20 mcg diários de etinilestradiol com 3 mg de drospirenona. Esses ensaios clínicos mostraram sintomas pré- menstruais mais leves em mulheres com DDPM após três meses de uso do anticoncepcional administrado diariamente por 24 dias, com intervalo de quatro dias. Na comparação após dois anos de uso essa associação, não se observaram diferenças em relação aos sintomas remanescentes da SPM (Lopez et al., 2008; Yonkers et al., 2005). Não foram realizados até o momento ensaios comparando ACHO contendo drospirenona com aqueles que contêm outras progesteronas. A revisão da Cochrane não demonstrou que a progesterona isolada é um tratamento efetivo para a SPM, porém não demonstrou não ser (Carter et al., 2008). Mais estudos sobre esse tema são necessários para avaliar a efetividade e a dose adequada da progesterona a ser utilizada. Podem ser uma boa opção para pacientes acima de 40 anos, pelo menor risco de trombose. Análogos do hormônio liberador de gonadotrofina Para as mulheres que não responderam ou não podem usar ISRS ou ACHO e apresentam sintomas graves, sugere-se a terapia agonista de hormônio liberador de gonadotropina. Uma forma de supressão da ovulação é o uso de agonistas do GnRH, que têm ação de downregulation sobre os receptores de GnRH no hipotálamo, levando à diminuição da produção de FSH e LH pela glândula pituitária, resultando em níveis diminuídos de estrogênio e progesterona. Embora os análogos do GnRH possam ser úteis no tratamento da SPM e DDPM, não são recomendados em vista da necessidade de terapia prolongada, seu alto custo e efeitos adversos. Por levar à menopausa farmacológica, GnRH agonistas são reservados para pacientes com sintomas severos que não responderam a outros tratamentos (Muse et al., 1984). Com a menopausa-like, a paciente poderá apresentar sintomas físicos e psíquicos desse período. Esses fármacos estão associados, se utilizados por tempo prolongado, a osteoporose, ondas de calor, sudorese e cardiotoxicidade. Fitoterápicos O alívio dos sintomas pré-menstruais pode ser alcançado com o uso de fitoterápicos, como a folha de framboesa, o óleo de prímula (2 a 3g por dia), Hypericum perfomatum (300 a 600 mg por dia), Ginkgo biloba (160 mg por dia), kava-kava (100 a 300 mg por dia) e o Vitex agnus- castus (Jing et al., 2009). O mecanismo de ação dessas substâncias ainda é considerado incerto. A Cimicifuga racemosa tem sido proposta como tratamento para a SPM devido à presença de alguns sintomas semelhantes aos da menopausa. Em revisão sistemática de 19 estudos clínicos controlados e randomizados, publicada sobre o tema em 2015, a intervenção com o uso de fitoterápicos demonstrou melhora de 50% ou mais dos sintomas da SPM em relação ao grupo controle. Entretanto, estudos clínicos mais bem desenhados em larga escala, multicêntricos randomizados, duplos-cegos e placebos-controlado são necessários para apoiar esses resultados. Antidepressivos Algumas mulheres não respondem a tratamentos não farmacológicos e outras têm indicação imediata de tratamento medicamentoso, devido à gravidade do quadro. Medicações serotoninérgicas, especificamente inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs), tornaram-se os fármacos de primeira linha no tratamento da SPM grave ou da DDPM, com estabelecida segurança e eficácia entre 60% e 70% (Marjoribanks et al., 2013). Um efeito benéfico pode ser esperado no primeiro ciclo. Se a resposta for insuficiente, a dose pode ser aumentada no ciclo subsequente. A terapia com ISRS parece ser mais eficaz para sintomas de humor do que sintomas somáticos. Os ISRSs podem ser administrados de forma contínua ou intermitente. Ensaios individuais e uma metanálise relataram que os ISRSs são igualmente eficazes para o alívio dos sintomas, seja feito de forma contínua ou apenas na fase lútea (Marjoribanks et al., 2013; Halbreich e Smoller, 1997). O regime intermitente tem as vantagens de ser menos caro e ter menos efeitos colaterais, entretanto apresenta maior índice de abandono de tratamento e não está indicado para pacientes com sintomatologia mais duradoura. As medicações mais utilizadas são a fluoxetina (20 a 60 mg por dia), a sertralina (50 a 200 mg por dia) e a paroxetina (10 a 30 mg por dia). Também se mostraram eficazes o citalopram (20 a 30 mg por dia), escitalopram (10 a 20 mg por dia) e venlafaxina (75 a 150 mg por dia). Entre os efeitos colaterais dos ISRSs estão a cefaleia, diarreia, náuseas, insônia e queda de libido. Os sintomas indesejados podem ser minimizados com a redução da dose do fármaco ou o uso apenas na fase lútea. A duração ideal do tratamento é desconhecida. Muitas vezes, a terapia é feita por um ano e depois é discutida a dimnuição da dose, descontinuação ou terapia intermitente. As mulheres com sintomas recorrentes normalmente precisam de tratamento até ficarem grávidas ou completarem a transição da menopausa. Os antidepressivos tricíclicos também são efetivos para o tratamento da DDPM. A clomipramina (25 a 30 mg por dia) e a amitriptilina (25 a 50 mg por dia) podem ser utilizadas para tratar pacientes com predominância de sintomas físicos como cefaleia incapacitante, dores generalizadas ou em mulheres cuja agressividade seja o sintoma predominante. Os efeitos colaterais incluem boca seca, sedação e ganho de peso. A buspirona (25 mg por dia), agonista serotoninérgico, está associada a melhora dos sintomas físicos e psíquicos da SPM. Os ansiolíticos, como o alprazolam (0,35 a 1,5 mg por dia) e diazepam (0,25 mg por dia), podem ser úteis na fase lútea do ciclo, quando a insônia e a ansiedade forem os sintomas predominantes. Entretanto, existem considerações sobre o potencial desenvolvimento de dependência e do efeito sedativo de tais agentes, não devendo ser utilizados em esquemas contínuos e como primeira escolha (Nevatte et al., 2013). Algumas mulheres preferem experimentar um anticoncepcional oral (OC) em vez de um ISRS como terapia de primeira linha, nos casos de desejo de contracepção. Se o alívio dos sintomas com a monoterapia com OC for inadequado, um ISRS pode ser adicionado. Para as mulheres que não responderam ou não podem tolerar ISRSs, sugerimos CO administrado continuamente ou um regime com um intervalo reduzido sem pílula (grau 2B). Cirurgia A cirurgia é considerada o último recurso para os casos com sintomas severos e incapacitantes que responderam ao agonistade GnRH e à terapia hormonal durante pelo menos seis meses. Três estudos observacionais encontraram ooforectomia bilateral, geralmente com histerectomia concomitante, para serem efetivos para esses pacientes, mas devem ser consideradas os seguintes critérios antes de recorrer a uma abordagem cirúrgica do tratamento (Johnson, 2004): • • • • O diagnóstico de PMDD deve ser confirmado com registro prospectivo de sintomas; A terapia agonista da GnRH deve ser a única abordagem médica que tenha sido eficaz e deve ter sido efetivamente efetiva por um mínimo de seis meses; A prole definida; A necessidade de mais anos de terapia (mulher jovem). CONSIDERAÇÕES FINAIS O sofrimento e os prejuízos apresentados pelas pacientes com SPM e DDPM justificam a importância de se fazer um diagnóstico preciso e que indique o tratamento escalonado e mais adequado para cada caso. É importante que a queixa da mulher seja valorizada e que o médico dê explicações e informações detalhadas, abrangendo todas as pessoas que possam colaborar no acompanhamento da paciente. Entretanto, a fim de estabelecer conclusões definitivas sobre a etiologia e tratamentos possíveis, há necessidade de estudos futuros com rigorosos critérios metodológicos. As investigações a respeito da fisiopatologia parecem corroborar as teorias de sensibilidade e desregulação do sistema serotoninérgico a partir de flutuações dos hormônios sexuais. A inibição dessas flutuações e o aumento da disponibilidade de serotonina na fenda sináptica parecem ser os tratamentos mais efetivos. BIBLIOGRAFIA ACOG Committee on Practice Bulletins – Gynecology. ACOG Practice Bulletin: No 15: Premenstrual syndrome. Obstet Gynecol. 2000;95(4):Suppl 1-9. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder. Washington, DC: American Psychiatric Association Press; 1987. Bäckström T, Haage D, Löfgren M, Johansson IM, Strömberg J, Nyberg S, et al. Paradoxical effects of GABA-A modulators may explain sex steroid induced negative mood symptoms in some persons. 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Mais de 70% das histerectomias realizadas nos Estados Unidos são para tratamento de doenças benignas do útero e, entre essas, o leiomioma representa a principal indicação, com um número aproximado de 200.000 cirurgias por ano (Rodrigues et al., 2007). Naquele país, estima-se uma taxa de histerectomia por leiomioma de 1,9 por 1.000 mulheres por ano, de acordo com o US National Hospital Discharge Survey (Rodrigues et al., 2007). Dessa forma, este capítulo tem como objetivo revisar os diversos aspectos dos leiomiomas e suas repercussões na saúde da mulher. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO O leiomioma uterino é um tumor benigno, formado por fibras musculares lisas, entrelaçadas por tecido conectivo. Em dois terços dos casos, os tumores são múltiplos. Podem ser classificados, de acordo com sua localização no útero, como corporais, em 98% dos casos, ou cervicais. Os corporais podem ser subdivididos em subserosos, intramurais e submucosos (Figura 29.1). Uma situação mais rara é o desprendimento de mioma submucoso pediculado, que se exterioriza pelo colo do útero, sendo denominado mioma parido. Existem ainda os miomas que perdem contato com o útero e recebem fluxo sanguíneo de outros órgãos, chamados miomas parasitas. Figura 29.1. Útero com nódulos de miomas subserosos, intramurais e submucosos. A FIGO (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) propôs, em 2011, uma classificação para padronizar investigações clínicas. Lesões submucosas pediculadas, totalmente intracavitárias, são chamadas de tipo 0. Os tipos 1 e 2 são submucosos com componente intramural, sendo o tipo 1 com menos de 50% e o tipo 2 com mais de 50% de penetração no miométrio. Lesões do tipo 3 são totalmente intramurais, mas atingem o endométrio. Lesões do tipo 4 são intramurais e estão completamente envoltas pelo miométrio, sem extensão à serosa ou à superfície endometrial. Miomas subserosos do tipo 5 têm mais de 50%, enquanto miomas do tipo 6 têm menos de 50% de componente intramural. Miomas do tipo 7 são subserosos pediculados. Por sua vez, lesões transmurais são classificadas de acordo com sua relação com o endométrio e, a seguir, de acordo com sua relação com a serosa (registram-se os dois valores, separados por hífen). Por fim, miomas do tipo 8 são aqueles sem nenhuma relação com o miométrio, incluindo lesões cervicais e aquelas que acometem o ligamento largo sem conexão direta com o útero, também chamados de miomas parasitas (Munro et al., 2011). Os miomas podem sofrer degenerações ao longo do tempo, classificadas como: hialina, gordurosa, hemorrágica, cística, necrobiose asséptica e calcificação. A necrobiose asséptica, também conhecida comodegeneração rubra ou vermelha, corresponde ao infarto hemorrágico do leiomioma e pode ser mais comumente observada no ciclo gravídico puerperal, na vigência de pílula anticoncepcional ou de análogos do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH). Outras variantes histopatológicas são o leiomioma mitoticamente ativo, o leiomioma celular ou hipercelular, o leiomioma bizarro, o tumor de musculatura lisa de potencial maligno indeterminado (STUMP), a leiomiomatose peritoneal e a intravascular. EPIDEMIOLOGIA A idade é o principal fator de risco, com maior incidência entre 35 e 50 anos e regressão dos miomas após a menopausa, seja natural, cirúrgica ou quimioterapicamente. A raça também é considerada fator predisponente, observando-se risco relativo duas a nove vezes maior nas negras em relação às brancas, com diagnóstico em idade mais jovem e tumores maiores, mais numerosos e mais sintomáticos (Rodrigues et al., 2007). Os antecedentes familiares aumentam o risco em 2,2 vezes para mulheres com mãe e irmã com diagnóstico de mioma (Munro et al., 2011). A obesidade aumenta a incidência de mioma em 20% a cada 10 kg de ganho ponderal. Tal aumento pode ser justificado pela diminuição da síntese hepática de SHBG e o aumento de estrona circulante, em decorrência da conversão periférica de androstenediona pela aromatase do tecido adiposo (Gomes et al., 2006). Como fatores de proteção, podemos citar a paridade, com diminuição do risco de desenvolver mioma a cada gestação, reduzindo-se a 1/5 após cinco gestações; o uso de anticoncepcional oral combinado, que reduz em 17% o risco de mioma a cada cinco anos de uso; e o tabagismo, que gera um hipoestrogenismo, reduzindo em 18% o risco de mioma com o consumo de 10 cigarros por dia (Rodrigues et al., 2007; Gomes et al., 2006). ETIOPATOGENIA E FISIOPATOLOGIA Mutações somáticas no miométrio levam à perda de controle do crescimento celular, culminando com um novo fenótipo. A transformação neoplásica e o crescimento tumoral são graduais e progressivos e os nódulos num mesmo útero têm origem monoclonal independente e comportamento biológico distinto. Tratam-se de tumores hormônio dependentes, nos quais estradiol e progesterona promovem seu crescimento durante a menacme. Em contrapartida, a diminuição dos níveis circulantes deles promove sua regressão. Sabe-se que a predisposição genética e a presença dos esteroides sexuais estão intimamente envolvidas na formação e no crescimento dos miomas e, cada vez mais, estudos têm buscado mostrar a relação entre mutações somáticas, hormônios sexuais, fatores de crescimento e citocinas na fisiopatologia dos miomas (Gomes et al., 2006). No entanto, até o momento ainda permanece incerto se a ação dos esteroides sexuais estaria relacionada à iniciação neoplásica ou se somente promove o crescimento do tumor, que tem sua oncogênese desencadeada por outros mecanismos. Já se evidenciou maior expressão de receptores de estradiol e de progesterona no tecido tumoral quando comparado ao miométrio adjacente e, apesar de o estrogênio ser classicamente apontado como o responsável pelo crescimento do mioma, evidências bioquímicas, patológicas e clínicas demonstram que a progesterona tem papel fundamental na proliferação tumoral (Barbieri et al., 1992). Enquanto o estradiol estimula a produção de componentes da matriz extracelular (colágeno, proteoglicanos e fibronectina), a progesterona aumenta a atividade mitótica e inibe a apoptose. Além disso, demonstrou-se que mulheres com expressão anômala dos receptores de progesterona (RP-A e RP-B), por meio do polimorfismo Progins, podem ter redução da capacidade de ligação e transcrição hormônio-mediada, com consequente menor ação da progesterona no miométrio e diminuição na incidência de miomas (Gomes et al., 2007). Vê-se, dessa forma, o sinergismo entre estradiol e progesterona no estímulo da proliferação celular e do crescimento tumoral (Gomes et al., 2006; Barbieri et al., 1992; Gomes et al., 2007). Alguns fatores de crescimento são expressos de forma aumentada no leiomioma, quando comparados ao miométrio adjacente. Destacamos o EGF (fator de crescimento epidermoide) e o VEGF (fator de crescimento endotelial vascular), cujas expressões no tumor são mediadas pelo estrogênio (Andersen e Barbieri, 1995; Matsuo et al., 1997). A proteína Bcl-2, responsável pela inibição da apoptose celular, encontra-se expressa no leiomioma, e não no miométrio, enquanto o PCNA (antígeno nuclear de proliferação celular) e o Ki-67 (antígeno associado à proliferação celular) também têm sua expressão aumentada no leiomioma e estão vinculados à presença da progesterona (Andersen e Barbieri, 1995; Matsuo et al., 1997). A ação local dos esteroides sexuais, mediada pela ligação aos seus receptores, leva à ativação de proto- oncogenes, de fatores de crescimento e de seus receptores. Alterações estruturais e funcionais de antioncogenes e de genes reguladores do crescimento celular também são descritas e, ao final de toda a cadeia, tem-se a formação e o crescimento do leiomioma (Barbieri et al., 1992; Matsuo et al., 1997; Wu et al., 1998). Sabe-se, também, que aproximadamente 40% dos tumores apresentam anormalidades cromossômicas de surgimento tardio, que são provavelmente desencadeadas pela multiplicação celular exacerbada (Gomes et al., 2006). QUADRO CLÍNICO Aproximadamente metade das pacientes são assintomáticas e, nesses casos, os leiomiomas são apenas achados de exame ginecológico ou ultrassonográfico. Por outro lado, quando sintomáticos, os miomas podem trazer importante impacto na qualidade de vida. As queixas mais frequentes são sangramento uterino anormal, dismenorreia secundária, sintomas compressivos gerados pelo aumento do útero, dor pélvica acíclica, dispareunia, sintomas urinários, sintomas gastrointestinais, infertilidade e abortamento (Buttram Jr e Reiter, 1981). Os miomas submucosos são, em sua maioria, responsáveis por quadros de sangramento uterino irregular (metrorragia). As erosões na superfície do nódulo, em decorrência do atrito com a parede endometrial, e sua eventual isquemia geram tal sangramento (Buttram Jr e Reiter, 1981; Borah et al., 2013). Já os subserosos, em sua maioria, não geram sintomas. Quando volumosos, podem cursar com dor pélvica e sintomas de compressão extrínseca, como lombossacralgia, aumento da frequência urinária, noctúria, retenção ou incontinência urinária e até compressão ureteral, com comprometimento da função renal. Os miomas intramurais podem cursar com aumento da intensidade e/ou duração do fluxo menstrual (menorragia ou hipermenorragia). Tais achados podem ser explicados pelo aumento da cavidade uterina, pela menor contratilidade das fibras miometriais, prejudicadas pela presença do tumor, pela estase venosa endometrial e pelo aumento das prostaciclinas no endométrio, que causam vasodilatação e dificultam a formação de trombos. Ocasionalmente, os miomas podem sofrer degeneração ou torção de nódulos pediculados, gerando dor pélvica aguda (Borah et al., 2013). As pacientes podem cursar com anemia, fadiga, astenia, taquicardia, dispneia, dor e edema de membros inferiores. Mais ainda, os miomas são causa de infertilidade em 5% dos casos, em especial os submucosos, devido à distorção da cavidade uterina e à condição inflamatória hostil do endométrio (Buttram Jr e Reiter, 1981; Borah et al., 2013). Também podem estar relacionados a intercorrências obstétricas, com aumento da incidência de abortamento, trabalho de parto prematuro, restrição do crescimento intrauterino e apresentação fetal anômala (Navid et al., 2012; Ezzedine e Norwitz, 2016). DIAGNÓSTICO O diagnóstico inicia-se na consulta médica, com base nos sintomas presentes. No exame físico, a palpação de tumor no hipogástrio, bocelado, de consistência fibroelástica e com alguma mobilidade laterolateral pode ser observada mediante massas volumosas. No toque vaginal, pode-se palpar o útero com volume aumentado e, no toque bimanual, confirma-se tratar de tumor do corpo uterino quando os movimentos realizados no colo
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