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HISTORIOGRAFIA APOSTILA

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1
FACULDADE ÚNICA
DE IPATINGA
2
HISTORIOGRAFIA
1ª edição
Ipatinga – MG
2021
3
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL
Diretor Geral: Valdir Henrique Valério
Diretor Executivo: William José Ferreira
Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos
Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira
Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa
Revisão/Diagramação/Estruturação: Bárbara Carla Amorim O. Silva
Carla Jordânia G. de Souza
Rubens Henrique L. de Oliveira
Design: Brayan Lazarino Santos
Élen Cristina Teixeira Oliveira
Maria Luiza Filgueiras
© 2021, Faculdade Única.
Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autorização
escrita do Editor.
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.
NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA
Rua Salermo, 299
Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG
Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300
www.faculdadeunica.com.br
4
Menu de Ícones
Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo
aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos.Eles
são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um
com uma função específica, mostradas a seguir:
São sugestões de links para vídeos, documentos
científico (artigos, monografias, dissertações e teses),
sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e
Biblioteca Pearson) relacionados com o conteúdo
abordado.
Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações
importantes nas quais você deve ter um maior grau de
atenção!
São exercícios de fixação do conteúdo abordado em
cada unidade do livro.
São para o esclarecimento do significado de
determinados termos/palavras mostradas ao longo do
livro.
Este espaço é destinado para a reflexão sobre
questões citadas em cada unidade, associando-o a
suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu
cotidiano.
5
SUMÁRIO
O QUE É HISTORIOGRAFIA? ....................................................................9
1.1 HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA .....................................................................................9
1.2 O QUE CARACTERIZA UMA OBRA DE HISTÓRIA? ..................................................12
1.3 O HISTORIADOR ENTRE A OBJETIVIDADE E A SUBJETIVIDADE .............................14
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 20
ESCOLA DOS ANNALES ..................................................................27
2.1 apresentação ............................................................................................................27
2.2 A PRIMEIRA E A SEGUNDA GERAÇÃO DOS ANNALES.........................................31
2.3 LUCIEN FEBVRE E O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO ................................................31
2.4 MARC BLOCH E A HISTÓRIA TOTAL.........................................................................33
2.5 FERNAND BRAUDEL E AS DURAÇÕES ......................................................................36
2.6 PROPOSIÇÕES METODOLÓGICAS DOS ANNALES ...............................................39
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 46
RENOVAÇÃO DO MARXISMO BRITÂNICO ...................................51
3.1 apresentação ............................................................................................................52
3.2 O PARADIGMA TÉORICO-METODOLÓGICO MARXISTA .....................................54
3.3 THOMPSON E A CRÍTICA À RELAÇÃO BASE X SUPERESTRUTURA........................57
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 61
HISTÓRIA CULTURAL........................................................................66
4.1 APRESENTAÇÃO .........................................................................................................67
4.2 ANTECEDENTES TÉORICOS ........................................................................................68
4.3 TERCEIRA E QUARTA GERAÇÃO DOS ANNALES ...................................................72
4.4 A MICRO-HISTÓRIA A PARTIR DE GINZBURG E LEVI .............................................74
4.5 A NOVA HISTÓRIA POLÍTICA E CULTURAL ..............................................................77
4.6 CONCLUSÃO ..............................................................................................................79
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 81
PÓS-MODERNIDADE E HISTÓRIA ...................................................86
5.1 O QUE É PÓS-MODERNIDADE ..................................................................................87
5.2 A IMPORTÂNCIA DE NIETSZCHE E FOUCAULT PARA O DEBATE SOBRE A PÓS-
MODERNIDADE...........................................................................................................93
5.3 O CONCEITO DE REPRESENTAÇÂO.........................................................................98
5.4 WHITE (1995) E A QUESTÃO DAS NARRATIVAS .....................................................99
FIXANDO O CONTEÚDO .................................................................................... 103
KOSELLECK E RÜSEN: RESPOSTAS A PÓS-MODERNIDADE?........108
6.1 QUAL O LUGAR DA HISTÓRIA NA ATUALIDADE? ................................................. 109
6.2 A HISTÓRIA DOS CONCEITOS ................................................................................ 110
6.3 A RESPOSTA DE RÜSEN A HAYDEN WHITE ............................................................ 113
6.4 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 120
FIXANDO O CONTEÚDO .................................................................................... 122
UNIDADE
01
UNIDADE
06
UNIDADE
02
UNIDADE
05
UNIDADE
04
UNIDADE
03
6
UM CONTINENTE EM MOVIMENTO..............................................127
7.1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 127
7.2 ESTADOS DO ANTIGO SUDÃO: EGITO, KUSH, AXUM .......................................... 127
1.2.1 Egito Antigo ............................................................................................ 128
1.2.2 Núbia........................................................................................................ 130
1.2.3 Axum ........................................................................................................ 131
7.3 Estados do antigo Sudão: Gana, Mali e Songai................................................ 132
1.3.1 Gana ........................................................................................................ 133
1.3.2 Mali ........................................................................................................... 134
1.3.3 Songai ...................................................................................................... 135
7.4 ESTADOS DA ÁFRICA AUSTRAL: O MONOMOTAPA ............................................ 135
FIXANDO O CONTEÚDO .................................................................................... 137
AS SOCIEDADES AFRICANAS E A ESCRAVIDÃO ........................140
8.1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 140
8.2 AS ESTRUTURAS SOCIAIS AFRICANAS ................................................................... 140
2.2.1 Senegal e Golfo da Guiné................................................................. 141
2.2.2 Congo e Angola ................................................................................... 143
8.3 A escravidão na África e o contato com os europeus ................................... 144
8.4 O IMPACTO DO TRÁFICODE ESCRAVOS E DA ESCRAVIDÃO ATLÂNTICA ...... 148
FIXANDO O CONTEÚDO .................................................................................... 151
A ESCRAVIDÃO NEGRA NO BRASIL ............................................154
9.1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 154
9.2 Escravidão antiga e moderna .............................................................................. 155
9.3 Tráfico transatlântico .............................................................................................. 157
9.4 Escravidão no Brasil................................................................................................ 160
FIXANDO CONTEÚDO ........................................................................................ 165
A ÁFRICA NO BRASIL....................................................................170
10.1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 170
10.2 A importância da África para o brasil ................................................................ 171
10.3 Caminhos até a implementação da Lei no. 10.639/03 ................................... 174
10.4 ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ....................... 177
FIXANDO O CONTEÚDO .................................................................................... 180
POVOS INDÍGENAS E A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA.............183
11.1 A “Quarta Parte” do mundo.................................................................................. 184
11.2 A chegada dos europeus ..................................................................................... 186
11.3 “Civilizando” os índios?.......................................................................................... 190
11.4 Dos estereótipos ...................................................................................................... 192
5.4.1 Selvagens desordenados................................................................... 193
5.4.2 Bárbaros canibais ................................................................................. 194
5.4.3 Luxuriosos e preguiçosos .................................................................... 195
5.4.4 Primitivos e “bons selvagens” ............................................................ 196
FIXANDO CONTEÚDO.............................................................................................. 199
UNIDADE
07
UNIDADE
08
UNIDADE
09
UNIDADE
10
UNIDADE
11
7
POLÍTICA INDIGENISTA E CONSTITUIÇÃO DE 1988.....................204
12.1 Sob a tutela do Estado ........................................................................................... 204
12.2 Questão das terras indígenas ............................................................................... 206
12.3 Direitos indígenas.................................................................................................... 210
12.4 As transformações culturais .................................................................................. 212
FIXANDO CONTEÚDO ........................................................................................ 214
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ....................................218
REFERÊNCIAS.................................................................................221
UNIDADE
12
8
CONFIRA NO LIVRO
Na primeira Unidade, “O que é Historiografia?” você aprenderá o
significado do termo Historiografia. Também será feito um debate
sobre sua função e importância para a construção do
conhecimento histórico, as formas de produzir e a relação com o
conhecimento científico.
Para a segunda Unidade, “A Escola dos Annales”, você estudará
essa importante tradição historiográfica francesa, surgida em fins da
década de 1920. Iniciada por Marc Bloch e Lucien Febvre, seus
pressupostos teóricos e metodológicos influenciaram variados
debates para a Historiografia.
Em “A renovação marxista inglesa”, serão apresentados nomes
como Eric Hobsbawm e Edward Palmer Thompson. Esses
historiadores se contrapunham a tradição marxista ortodoxa,
calcada na relação de dependência ao fator econômico para
explicar a realidade. Suas propostas envolviam análises de
formação das classes trabalhadoras a partir de vieses culturais e
sociais.
A partir da década de 1960 surge no meio historiográfico uma
vertente culturalista, apoiada num intenso debate com a filosofia, a
antropologia e a linguística. Na Unidade “A História Cultural”, o
objetivo é identificar um momento da Historiografia, onde o foco
das análises se concentra na forma como as sociedades se
constituíram, do que uma escola, movimento ou paradigma
definidos.
Em “Pós-modernidade e História”, será descrita a crítica da
modernidade, latente em meados do século XX. Abrangente,
envolve a arte, as ciências como um todo, a política, dentre outros
fatores. Nas Ciências Humanas e Sociais, ganha força em fins da
década de 1960, momento também conhecido como “crise dos
paradigmas”. Para a História, uma de suas posições revela uma
aproximação com a Literatura, principalmente pelo historiador
White (1995).
Por fim, em “Koselleck e Rüsen: respostas a pós-modernidade?”
serão apresentados os pressupostos teóricos e metodológicos
desses dois historiadores alemães, que fornecem uma interessante
resposta à pós-modernidade. Koselleck apresenta a História dos
Conceitos como uma nova forma de relacionar História e Literatura
e Rüsen demonstra que a literatura é a importante como a forma
expressiva do saber histórico.
9
O QUE É HISTORIOGRAFIA?
1.1 HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
O que é História? Essa é uma pergunta que em algum momento, a partir dos
estudos do tema, surge em nossa formação. De difícil solução, integra a realidade
dos estudiosos do assunto, e assim, compreender o que é a História como forma de
conhecimento sobre o passado se torna essencial em sua trajetória como historiador.
Como apontado na figura que segue, a pesquisa sempre foi um componente
essencial do trabalho do historiador.
Figura 1 : O Antiquário (óleo sobre tela)
Fonte: Disponível em https://bit.ly/33e9C19. Acesso em: 02 dez. 2020.
O antiquarista é um exemplo do historiador em relação as fontes e a pesquisa.
Na disciplina de “Introdução aos Estudos Históricos” esse foi um dos debates
realizados e que procurou apontar como teóricos e historiadores se referem ao
campo do conhecimento, como se relacionam com seus objetos de pesquisa.
Agora, seguiremos esse debate, porém, com algumas pequenas diferenças.
Admitindo as diversas possibilidades que existem de se tratar do passado, aqui
teremos como ponto de partida a tradição da História que resultou no formato
atualmente debatido nas Universidades, considerada como científica. De maneira
objetiva, pode-se afirmar que o que hoje se concebe como História nas Academias
e Universidades é um estudo de caráter científico e orientado metodologicamente
sobre o passado. Mas a história sempre teve esse formato hoje conhecido e
UNIDADE
01
10
estudado?
Nos modelos de historiográficos influenciados pela lógica ocidental, ponto de
partida utilizado de nossos estudos, a ideia da existência de uma História com essas
características remonta o desenvolvimento das ciências modernas,
aproximadamente a partir do século XVIII. Foi nesse período que ela adquiriu atributos
de uma disciplina especializada, a partir do modelo das Ciências Naturais e Exatas,
que tiveram grande repercussão. Portanto, em “Introdução aos Estudos Históricos”, o
objetivo da disciplina foi encontrar questões acerca dessa origem, os tipos de
abordagem (mitológica, estruturalista, moderna, antiquarista, marxista...), seu caráter
científico ou não, as possibilidades de interdisciplinaridade dentre outros aspectos.
Mas qual o objetivo da disciplina “Historiografia”? Além de estudar os
pressupostos teóricos, ela também busca analisar a História criticamente a partirde
sua própria trajetória e construção no tempo. No dicionário online Michaelis (2020), o
verbete “Historiografia” apresenta dois significados para a palavra: “1 A arte de
escrever a história, a ciência que estuda os eventos passados. 2Estudos críticos sobre
a história e os historiadores”.
Na primeira significação, o dicionário aponta para uma definição etimológica
da palavra. Dessa maneira, a Historiografia é compreendida como o estudo do ato
de escrever a História. Ela aponta o exercício da função em si, que se comprova na
sua prática. Porém, na segunda definição é apresentado outro sentido para o termo,
que indica uma prática sobre a História: o exercício crítico que é feito às obras
produzidas e aos indivíduos que a realizam. E como essas definições podem ser úteis?
A História como forma de produzir e transmitir conhecimento tem sua própria
trajetória. Essa história da História é repleta de debates e reformulações sobre a
natureza do conhecimento que ela própria produz. Assim, pode-se afirmar que seu
conhecimento efetuado é debatido e reavaliado por seus pares no decorrer do
tempo. Tal fato acaba por reafirmar a História como campo de estudos e também
interfere nos seus debates, sua teoria, sua metodologia e objetos de pesquisa. De
acordo com Malerba (2006, p. 15):
O caráter auto-reflexivo do conhecimento histórico talvez seja o maior
diferenciador da História no conjunto das ciências humanas. (...) o
trabalho do profissional de história exige um exercício de memória, de
resgate da produção do conhecimento sobre qualquer tema que se
investigue. Não nos é dado supor que partimos de um “ponto zero”,
decretando a morte cívica de todo um elenco de pessoas que, em
11
diversas gerações, e à luz delas, voltou-se a este ou aquele objeto que
porventura nos interessa atualmente.
Portanto, segundo o autor, essa incessante reavaliação é inerente a realização
da História. O exercício da prática historiográfica parte desse diálogo com seus iguais
e do que foi produzido, sendo essa uma das principais características de um trabalho
de História. Ainda de acordo com Malerba (2006, p. 15), ao analisar o que foi
produzido anteriormente e assumir isso como prática, os historiadores acabam
também por elevar “[...] a crítica historiográfica a fundamento do conhecimento
histórico”, ou seja, reavaliar e compreender a trajetória da história se torna parte do
que é ser historiador, fundamento do exercício. Portanto, essa característica da
Historiografia é importante por alguns motivos, dentre os quais é possível destacar:
 Reorienta e traz para a prática historiográfica novidades teóricas e metodológicas.
 Possibilita a revisão de temas anteriormente debatidos com novas interpretações,
não os deixando como verdades estabelecidas ou versões finais.
 Demonstra as características de tempo e espaço correspondente a cada
historiador e do contexto em que a obra foi produzida.
Outra característica da História como campo do conhecimento útil à
discussão, é que não existe uma completa superação daquilo que foi debatido e
analisado em outras épocas. Diferente de outros campos do conhecimento, como
em áreas mais voltadas a desenvolvimento tecnológico, por exemplo, uma
conclusão ou objeto produzido num tempo passado normalmente não é
completamente deixado de lado. O conhecimento e a tecnologia utilizada na
produção de um artefato tecnológico, como um computador, é facilmente
esquecido quando superado. Um celular mais antigo, mesmo que utilize fundamentos
tecnológicos semelhantes aos mais atuais, raramente tem utilidade depois de ter
surgido um mais moderno. Tal fato não pode ser compreendido de maneira
semelhante na História e nas Ciências Humanas e Sociais.
Mesmo que em certos estudos novas fontes ou procedimentos metodológicos
possam mudar a orientação e o entendimento sobre um determinado assunto, nem
sempre uma obra é completamente superada. Obras escritas anos atrás ainda
contribuem e compõem o debate historiográfico de forma relevante, seja em
aspectos metodológicos, filosóficos, teóricos ou temáticos. Assim, se algum elemento
12
do debate pode ser abandonado, o tipo de abordagem diz algo sobre aquele
tempo. Antes de superação, há na História e nas Ciências Humanas em geral, a
existência de um debate crítico, onde as conclusões indicam o rumo das discussões
e não encerram completamente as ideias.
Apresentado o papel da Historiografia, ainda restam duas questões: o que
caracteriza uma obra de História? Qual o papel do historiador e da subjetividade no
exercício da História? No decorrer da presente Unidade, o objetivo será responder a
essas duas questões.
1.2 O QUE CARACTERIZA UMA OBRA DE HISTÓRIA?
Como apontado até aqui, a Historiografia tem a capacidade de refletir o
conhecimento realizado pela História. Assim, faz parte do seu papel definir quais
critérios tornam uma obra relevante para o meio. Um primeiro aspecto, e que
aparentemente é simples, se refere à intenção do autor. Para ser uma obra História,
deve referir-se ao passado em relação ao humano como assunto. Mas apenas tratar
do passado é suficiente para determinar se é uma obra de História?
Ao falar do passado, uma pesquisa ou estudo também deve ter um
compromisso com a realidade daquilo que foi ocorrido. Ou seja, não basta se referir
ao passado, mas também da necessidade de retratar algo verossímil. Essa segunda
característica, por exemplo, permite diferenciar obras que utilizam elementos do
passado como uma espécie de pano de fundo de outras que pretendem retratar um
momento histórico. Obras que tem um caráter mais literário, e sem compromisso de
relatar fielmente o que ocorreu no passado, mas sim de entreter ou expressar uma
visão artística.
São inúmeros romances, filmes, séries de televisão e novelas que utilizam uma
espécie de pano de fundo histórico, sem necessariamente ter compromisso com o
passado. Existem, de outra forma, produções que buscam refletir a História com certa
fidelidade, que tem envolvimento com o real, mesmo assim tem elementos ou
personagens de ficção. Outras ainda utilizam personagens e elementos reais, porém
adaptam o roteiro para que a história siga uma trajetória desejada. Como exemplos
dessas diversas formas de referência artística ao passado podemos citar: O Nome da
Rosa, livro de Umberto Eco, que originou o filme; o romance A Escrava Isaura de
Bernardo Guimarães, que inspirou novelas, o livro Olga do jornalista Fernando Morais,
13
que resultou no filme, dentre outros.
Figura 2: Eu não cachorro não. Paulo Cesar de Araújo (2002)
Fonte: Disponível em https://bit.ly/3nR5KN1. Acesso em: 20 dez. 2020.
É importante também, a partir desse aspecto, lembrar que não apenas
pesquisadores ligados a universidades e centros de pesquisa produzem
conhecimento e debates relevantes para a Historiografia. Um exemplo é Paulo César
de Oliveira, autor de obras como “Eu não sou cachorro não: música popular e cafona
na ditadura militar e Roberto Carlos em detalhe”s, que mesmo com formação
acadêmica atuava na rede pública de ensino e quando produziu essas obras não
tinha vínculo ativo com centros de pesquisa ou universidades.
Não se pretende afirmar que apenas aquilo produzido e está de acordo com
o debatido nas academias deve ser tratado como conhecimento válido do passado,
mas sim diferenciar seus objetivos e formas de construção. Até mesmo uma obra de
ficção pode apresentar elementos históricos verdadeiros e trazer reflexão e
aprendizagem. Na verdade, para a História acadêmica, essa busca é oposta: de
forma alguma se pode estabelecer um estudo ou obra como dado absoluto. O
exame crítico das fontes deve permitir revisões, novas metodologias e abordagens
devem ser consideradas, assim como o surgimento de novas fontes. É exatamente
esse o papel da Historiografia!
Abordagens do passado produzidas fora dos parâmetros científicos não fazem
um determinado livro, texto ou filme mais ou menos dignos em suas representações,
mas demonstram diferentes formasde interpretações do passado. Porém, no caso
particular da História que aqui estudamos, com pretensões científicas e
14
educacionais, que busca informar a sociedade e trazer resoluções sobre fatos
ocorridos, é necessário outro olhar. O historiador alemão Jörn Rüsen ao comentar
sobre as características da pesquisa histórica, diz que ela é “[...] é o passo
metodicamente regulado, e por isso intersubjetivamente controlável, das respostas
possíveis às reais” (RÜSEN, 2007a, p. 105). A palavra intersubjetivamente indica o
sentido que o autor pretende dar à prática historiográfica: ela depende da
subjetividade daquele que a produz, mas não a ponto de se afirmar a partir de uma
única visão. Precisa estar em debate e em conjunto com a sociedade para ser
validada.
Dessa maneira, tem-se a terceira característica que é possível apontar para
que uma obra possa ser considerada como relevante para a História: além de tratar
de um passado, que é verossímil, deve ser submetida à crítica e, principalmente, ao
diálogo com os pares. Por que são importantes o diálogo, a crítica e
consequentemente a uma metodologia específica?
Como já afirmado, essas práticas compõem os fundamentos do
conhecimento histórico. Mas não é só isso. O historiador nunca consegue atingir o
passado completamente e seus estudos resultam de uma espécie de “interpretação
de interpretações” que alguém faz de um fato ocorrido. De maneira simplista, é
como se existisse uma inevitável barreira entre o pesquisador e aquilo que
aconteceu. Assim, os processos metodológicos e teóricos permitiriam ao pesquisador
ver nas brechas dessa barreira partes daquilo que ocorreu; e a metodologia e a
teoria auxiliariam a montar uma espécie de quebra-cabeças sobre o passado
analisado.
A partir desse diálogo entre os iguais, das comparações de obras, e do
desenvolvimento de teorias e metodologias é possível conter distorções e
interpretações demasiadamente parciais ou que fogem do que habitualmente é
debatido. Isso também não significa que reviravoltas interpretativas não possam
ocorrer, mas que para elas aconteçam devem ser submetidas a um profundo exame
realizado pelo meio historiográfico. Destarte, a História pode ser considerada um
campo do conhecimento em constante construção, onde a crítica e o debate
interno, se não são capazes de nos trazer a verdade sobre fatos passados, auxiliam a
olhar criticamente para as interpretações que fazemos do que ocorreu.
1.3 O HISTORIADOR ENTRE A OBJETIVIDADE E A SUBJETIVIDADE
15
A subjetividade do pesquisador torna a História (assim como as Ciências
Humanas e Sociais) diferente de outros campos do conhecimento, principalmente
aqueles associados ao modelo científico solidificado nas sociedades a partir do
século XVIII. Por não conseguir isolar e mensurar os elementos da pesquisa, como faz
um físico, biólogo ou engenheiro, os estudiosos da sociedade precisam encontrar
outros meios epistemológicos para atingir seus objetivos. Em consequência seus
resultados também terão naturezas e conclusões divergentes do modelo científico
utilizado por outros campos do conhecimento, onde conclusões objetivas
acontecem com mais frequência.
Mas como chegamos a conclusões sobre um tema, já que é impossível
estabelecer versões definitivas das histórias que contamos? É possível a História trazer
resoluções imutáveis para a sociedade? Apesar da dificuldade em construir
verdades objetivas, pois o conhecimento construído pela História se dá por debates
e interpretações, é possível destacar dois aspectos: o primeiro se refere aos fatos. Ou
seja, ocorridos como uma morte ou uma guerra não podem ser veementemente
negados. Pode-se debater as circunstâncias de um evento, as intenções de quem
participa, mas dificilmente negar sua ocorrência. Essa é a parte mais objetiva
produzida pelo conhecimento realizado do passado.
O segundo aspecto que é possível observar, e essencial ao presente debate,
se remete a subjetividade do historiador. Um mesmo tema pode ser entendido de
diferentes formas, e isso não necessariamente significa um problema. Ao admitir que
não conseguimos respostas finais ou sempre concordantes para o passado que
estudamos, demonstra-se como a sociedade é dinâmica, assim como sua história.
Dependendo da distância que se tem de um passado analisado e das condições do
pesquisador, as questões sobre ele mudam. Esse aspecto é importantíssimo para um
debate ao qual devemos submeter todo e qualquer tipo de conhecimento que se
pretende científico.
Uma das funções da ciência em todos seus diferentes campos é trazer
resoluções para a sociedade. Essas resoluções se dão através de paradigmas, que
são constituídos através dos resultados provenientes dos estudos. Eles funcionam
como regras ou padrões, que orientam o conhecimento produzido, mas são ao
mesmo tempo passíveis de críticas e mudanças, realizadas no próprio debate
científico.
A Química, a Biologia, a Computação ou qualquer outro campo de
16
conhecimento têm paradigmas que determinam a forma de pensar e estudar seus
assuntos, ao mesmo tempo existe uma incessante busca de superação ou de outros
pontos de vista que podem modificar aquele saber. Essa é inclusive uma espécie de
vantagem que a ciência tem perante outros campos do saber, como a religião e a
tradição. Seu debate interno e a incessante busca por novos conhecimentos não
permitem a construção de um saber definitivo e imutável. Nunca há apenas uma
resposta certa. Os paradigmas se modificam, são substituídos, são revisados, o que
faz da ciência um saber dinâmico e que muitas vezes busca responder as
necessidades e dilemas da sociedade.
No caso da História, através dessa busca por resoluções e paradigmas, nos é
permitido dizer, por exemplo, se houve ou não escravidão, se houve ou não nazismo,
se houve ou não ditadura no Brasil, se existe ou não racismo, dentre outros.
Exatamente aí reside a importância dos processos teóricos e metodológicos que
permitam revisar as práticas e aquilo que durante algum tempo foi tido como
verdade a partir do campo do conhecimento e se modificou perante novas
situações. Procedimentos epistemológicos específicos para a História são essenciais
para não nos tornar reféns de uma única versão dos fatos ocorridos, de versões
parciais ou distorcidas. Esse fator também serve para diferenciar opinião de
17
conhecimento debatido e referendado.
Um exemplo bem claro e que pode ser apontado de como ocorrem essas
práticas se refere ao que por muito tempo foi tratado pela História oficial, e
consequentemente reafirmado pela a sociedade se refere ao tema do
“descobrimento” do Brasil. Diversos estudos e livros tratavam esse assunto como
verdade dada, reafirmado pela Historiografia e reproduzido na sociedade. Com o
passar do tempo, novos estudos, inovações epistemológicas, reinterpretação de
fontes e surgimento de outras passaram a apontar uma diferente visão sobre o
assunto. O que, por muito tempo foi tratado como “descobrimento”, um ato heroico
dos portugueses, passou a ser reinterpretado como “conquista”.
Se compararmos os livros didáticos de 30 anos atrás com os atuais, veremos
claramente modificações na forma como esse tema é debatido. Não é mais
apresentada aos alunos a visão de que o português chegou num lugar sem
“civilização” ou “cultura”, onde apenas marcaram sua presença e tomaram posse
dessas terras. Por outro lado, são apontados os conflitos e disputas, além da
transformação cultural e do espaço a partir da chegada dos europeus no território
que se tornou o Brasil. Tal mudança de abordagem é resultado de uma revisão crítica,
possibilitada pelo diálogo que a História faz do que produz e uma clara
demonstração que ela não é um campo do conhecimento que cria axiomas e
verdades estabelecidas.
Dessa maneira, reitera-se a importância para quem se forma como historiador
de ter consciência da diferença de um determinado conhecimento produzido que
é ou não submetido à crítica dos seus pares. No exemplo dado, aindaé comum
escutarmos opiniões que afirmam que o processo colonial só teve benefícios ao Brasil
e as populações que foram envolvidas nele. Que o europeu trouxe a civilidade e o
conhecimento. Esse tipo de visão obscurece estigmas da submissão dos povos
18
originários da região que acabou se tornando o Brasil, assim como dos africanos que
foram escravizados e trazidos para cá. Uma opinião sem debate pode distorcer
conhecimentos produzidos e obscurecer realidades ou outras visões sobre um tema.
Ao mesmo tempo a defesa de uma prática historiográfica científica não pode
limitar a compreensão do passado apenas à visão que ela oferece. Diferentes formas
de refletir o passado também podem compor o debate e serem válidas, através da
arte, do jornalismo, da produção de memórias, dos debates que ocorrem na
sociedade. Cabe ao historiador demonstrar suas diferenças, a importância da crítica
e do debate, numa expressão que seja válida a todos. Desta maneira evita-se
também que o debate historiográfico fique preso as academias e não atinja a
sociedade, respondendo a seus anseios.
19
Apoiados em um momento de polarização política que reflete as questões da sociedade,
exprimem visões que reforçam estereótipos e visões racistas. A partir de uma visão
eurocêntrica da História, justificam, em seus discursos e formas, o processo de formação
do Brasil como natural ou benéfico. Nessas obras, também são observados erros
metodológicos, principalmente no que se refere às fontes, não submetidas a críticas ou
tomadas de maneira parcial (MALERBA, 2014, p. 105).
20
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (CUITÉ 2019) No final do século XIX, Leopold Von Ranke afirmava: a História deve
ser narrada como de fato aconteceu. Sobre esta busca da verdade na história, é
CORRETO afirmar:
a) Para narrar a história como de fato aconteceu, é preciso adotar toda a
parcialidade e subjetividade possível.
b) A imparcialidade se assemelha à proposta de uma Escola sem Partido quando,
definitivamente, foi possível determinar a única verdade para a história.
c) A busca pela verdade na história, ou seja, da narrativa do passado como de fato
aconteceu, esteve distante do debate de profissionalização da história.
d) A história, ao ser narrada como de fato aconteceu, deve ofertar múltiplas
interpretações sobre os acontecimentos históricos.
e) A neutralidade deve ser sempre uma meta a ser atingida pelos historiadores no
desenvolvimento de seu ofício.
2. (MONTE HOREBE 2019) Para a Escola Positivista, metódica, do final do século XIX,
representada por autores como Leopold Von Ranke e Fustel de Coulanges, a
história deveria se tornar uma ciência a partir de uma metodologia baseada nos
seguintes princípios:
I. O conhecimento histórico deveria copiar o método objetivista das ciências
naturais.
II. Os historiadores deveriam buscar sempre a neutralidade, com o objetivo de
encontrar uma única verdade para se narrar os eventos históricos.
III. O melhor dos historiadores é aquele que menos se afasta dos textos.
É CORRETO o que se afirma em:
a) II e III.
b) I e II.
c) I e III.
d) I, II e III.
e) I apenas.
21
3. (IFPE 2012) “Seria uma desgraça para nós, agora que os amplos espaços do
mundo material, as terras e os mares foram atingidos e explorados, se os limites do
mundo intelectual fossem dados pelas descobertas dos antigos.”
Francis Bacon, apud BURKE, Peter. “Uma história social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot.” Rio de janeiro: Jorge Zahar,
2003, p. 105.
A crença na superioridade da razão é a base do pensamento Iluminista, tão bem
expresso por Francis Bacon. Nesse sentido, os itens abaixo versam sobre o processo
histórico Iluminista.
I. A afirmativa de Francis Bacon apresenta uma das ideias fundamentais do
pensamento científico: a crítica. Para o europeu do século XVI em diante, apesar
da herança clássica, havia sido ele, e não os gregos, que tinha realizado as
grandes navegações e a ciência experimental.
II. A invenção da imprensa conseguiu expandir o conhecimento por meio da difusão
dos diversos tipos de conhecimento, indo dos relatos aos dicionários e às
enciclopédias. Apesar disso, o intenso analfabetismo europeu acabou impedindo
o acesso ao conteúdo das obras e ao desenvolvimento intelectual advindo desse
fato.
III. A fé na razão e no entendimento se opunha, para os iluministas, à ignorância do
pensamento embasado nos mitos da Bíblia e nos dogmas da Igreja. A partir do
Iluminismo, o homem é livre para construir uma nova religião, e em seu altar,
colocar a razão.
IV. A Enciclopédia publicada por Diderot propunha-se a difundir todo o
conhecimento humano, pronto para ser compartilhado por todos, afinal a palavra
enciclopédia significa a inter-relação das ciências, nas palavras do próprio
Diderot.
V. Se para o filósofo iluminista a razão era libertadora, para a maior parte das
monarquias europeias ela era reformista. Assim, buscando estimular o acesso às
obras iluministas, os reis absolutistas providenciaram a distribuição da Enciclopédia
em todo o seu reino, por isso foram chamados de Déspotas Esclarecidos.
Estão corretos, apenas
a) I, II e III.
22
b) I, III e IV.
c) III, IV e V.
d) I, III e V.
e) II, IV e V.
4. (IFRN 2012) A análise criteriosa do discurso historiográfico é uma das habilidades
exigidas do professor de História. Considerando essa habilidade, analise os dois
documentos a seguir:
I. “Em seus escritos, os pensadores iluministas insistiam: somente a partir do uso
da razão os homens atingiriam o progresso, em todos os sentidos. A razão
permitiria instaurar no mundo uma nova ordem, caracterizada pela felicidade
ao alcance de todos”.
MOTA, Myriam Becho; BRAICK, Patrícia Ramos. História: das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Moderna, 2002, p.
250.
II. “O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado
um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu; e encontrou pessoas,
suficientemente simples, que acreditaram nele. Quantos crimes, guerras,
homicídios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que,
arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seus
semelhantes: não deveis escutar este impostor; estareis perdidos se
esquecerdes que os frutos pertencem a todos e que a terra não é de
ninguém”.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Rio de Janeiro: Editora Rio,
1977, p. 86. (Grifo do autor)
A partir desses documentos e do conhecimento sobre o pensamento iluminista,
pode-se afirmar corretamente que as reflexões de Rousseau se diferenciam das
ideias de outros autores iluministas na medida em que
a) Defende a construção de uma nova ordem gerida por um Contrato Social,
segundo a qual o progresso humano viria com a superação do estado natural.
b) Relativiza a importância da razão como elemento decisivo para o progresso e
23
sugere outros aspectos que precisam ser considerados para a conquista da
felicidade dos homens.
c) Questiona a bondade natural dos homens com base na idéia de que a razão
individualista dificulta a construção de projetos sociais coletivos.
d) Aponta a Monarquia Esclarecida como única alternativa para conter a
propriedade privada, considerada por ele o principal entrave para a felicidade
humana.
e) Aproxima razão e posse de terras. A ideia de razão e de propriedade são
dependentes.
5. (Pref. Ribeirão Preto/SP 2013 – VUNESP) O documento foi definido tradicionalmente
como um texto escrito à disposição do historiador. Fustel de Coulanges afirmava
que “a habilidade do historiador consiste em retirar dos documentos o que contém
e nada acrescentar... A leitura dos documentos de nada serviria se fosse feita com
ideias preconcebidas”. A partir deste pressuposto, dois procedimentos básicos
deveriam ser adotados, denominados, convencionalmente, de crítica externa e
crítica interna.
FUNARI, Pedro Paulo. A Antiguidade Clássica, p. 15. Adaptado
Acerca dos dois procedimentos básicos a que se refere o autor, écorreto afirmar
que a crítica externa analisa
a) o contexto histórico a que o documento se refere e o seu significado para o
período, enquanto a crítica interna procura identificar os sujeitos sociais envolvidos.
b) a materialidade do documento, a sua composição física, enquanto a crítica
interna procura observar se as informações do documento são verossímeis.
c) o sítio arqueológico ou o arquivo em que foi encontrado o documento, enquanto
a crítica interna procura situar o documento no tempo e no espaço.
d) a autoria do documento e, se possível, a biografia do autor, enquanto a crítica
interna procura observar a coerência e a coesão do texto do documento.
e) o contexto socioeconômico de produção do documento, enquanto a crítica
interna procura observar quais são os conflitos sociais que o documento apresenta.
6. (IFPI-2014) Desde o nascimento do cinema, a História tem servido de referência
24
para a realização de filmes. Nesse sentido, ao longo do tempo, as produções
cinematográficas passaram a despertar o interesse de professores e alunos em sala
de aula e tornaram-se fonte de conhecimento. Frequentemente, nas aulas de
História e nos livros didáticos, é possível encontrar indicação de filmes que tratam
de assuntos do conteúdo programático daquele ano escolar. A partir dessas
sugestões, o grande desafio está na leitura de uma obra cinematográfica,
relacionando-a com uma abordagem histórica que permita o encontro entre
cinema e História. Para usar a expressão cunhada por Marc Ferro, na conversa
entre Cinema e História podemos afirmar que
a) o estudo da imagem tem como objetivo as intenções do cineasta ou do diretor de
fotografia de modo a promover a compreensão do filme a partir de sua condição
de obra de arte desvinculada da realidade social.
b) a utilização do filme na sala de aula faz com que sua projeção preencha o espaço
de atuação do professor, reconduzindo metodologicamente a participação deste
para a condição de espectador do processo de aprendizagem.
c) o foco dos esforços de interpretação não deve se confinar à realidade ficcional
do filme projetado, mas deve abranger também a sociedade que o produziu e
dele se utilizou para discutir determinados temas e épocas que lhe interessaram.
d) o método de compreensão de um filme no contexto da sala de aula exige que o
professor filtre todo conhecimento prévio sobre a época e os temas tratados que
não esteja sujeito a sua orientação.
e) o principal objetivo do trabalho com filmes na sala de aula é recuperar o fascínio
e o encantamento pela história de modo a motivar estudantes e professores para
o estudo científico do passado pelo passado.
7. (IFPI 2014) Para o historiador Carlo Ginzburg: “A história se manteve como uma
ciência social sui generis, irremediavelmente ligada ao concreto. Mesmo que o
historiador não possa deixar de se referir, explicita ou implicitamente, a séries de
fenômenos comparáveis, a sua estratégia cognoscitiva assim como os seus
códigos expressivos permanecem intrinsecamente individualizantes (mesmo que o
indivíduo seja talvez um grupo social ou uma sociedade inteira). Nesse sentido, o
historiador é comparável ao médico, que utiliza os quadros nosográficos para
analisar o mal específico de cada doente. E, como o do médico, o conhecimento
25
histórico é indireto, indiciário, conjetural.”
Carlo Ginzburg. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 156- 157.
A correta formulação da atitude cognoscitiva enunciada por Ginzburg, isto é, do
procedimento metodológico próprio à construção do conhecimento histórico (que
é, a toda prova, uma reconstrução) é
a) quando as causas não estão disponíveis, só resta refazer a pesquisa para encontrá-
las.
b) quando as causas não estão disponíveis, só resta conformar-se porque será
impossível fazer história.
c) quando as causas não estão disponíveis, só resta inferi-las a partir dos efeitos.
d) quando as causas não estão disponíveis, só resta registrar e publicar os dados
levantados.
e) quando as causas não estão disponíveis, só resta inventá-las a partir da
criatividade do historiador.
8. (ENADE 2017) A história se faz com documentos. Documentos são os traços que
deixaram os pensamentos e os atos dos homens do passado. Entre os pensamentos
e os atos dos homens, poucos há que deixam traços visíveis, e estes, quando se
produzem, raramente perduram: basta um acidente para os apagar. Ora,
qualquer pensamento ou ato que não tenha deixado traços visíveis tenham
desaparecido, está perdido para a história: é como se nunca houvesse existido.
Por falta de documentos, a história de enormes períodos de passado da
humanidade ficará para sempre desconhecida. Porque nada supre os
documentos: onde não há documentos não há história.
LANGLOIS, C.; SEIGNOBOS, C. Introdução aos Estudos Históricos. São Paulo: Editora Renascença, 1946 (adaptado).
O trecho apresentado foi publicado originalmente em 1898, na França, em um
manual de História muito influente à época. Com base nesse excerto, infere-se que
os documentos
a) são equivalentes aos acontecimentos humanos, pois carregam em si os
pensamentos e os atos pretéritos.
26
b) podem ser substituídos por traços que denotem tanto a presença humana no
tempo quanto os gostos, gestos e valores do ser humano em determinado período.
c) são registros textuais, preferencialmente produzidos por organismos vinculados ao
Estado, o que assegura sua autenticidade.
d) fornecem testemunho sobre uma parcela dos acontecimentos do passado sem os
quais a escrita da história é impossível.
e) recuperam o passado em si, na medida em que expressam ações e ideias de
homens que viveram em épocas pretéritas.
27
ESCOLA DOS ANNALES
2.1 APRESENTAÇÃO
A Escola dos Annales é um movimento historiográfico originado na década
de 1920, na Universidade de Estrasburgo, localizada no nordeste da França.
Concebida por Marc Bloch e Lucien Febvre, seu início ocorreu com a criação de um
periódico, o Annales d’historie économique et sociale, no qual os historiadores
propuseram uma crítica a alguns modelos historiográficos que tinham maior
repercussão em fins do século XIX. Esse movimento é considerado por muitos
historiadores como renovador por suas propostas teóricas e metodológicas.
Um dos aspectos mais notórios do movimento dos Annales é a valorização de
procedimentos metodológicos relativos à análise de fontes, ampliando suas
possibilidades de uso e interpretação. Outra característica importante é que por se
colocarem uma escola, os Annales não tem um único paradigma teórico que os
norteie, mas sim seguem uma espécie de orientação metodológica. Assim, existe
entre seus componentes uma diversidade de paradigmas teóricos, discussões e até
discordâncias entre seus membros. De acordo com o historiador Barros (2012),
paradigmas e escolas, mesmo que muitas vezes confundidos, não significam a
mesma coisa. O autor trata de tal questão para justificar a expressão “Escola dos
Annales”.
Como já debatido na unidade anterior, o paradigma, para a ciência, pode
ser entendido como uma resolução de um determinado campo do conhecimento,
que serve como referência e é amplamente utilizado e veiculado. De outra forma,
a escola, no sentido do termo aqui aplicado, pode ser definida como:
[...] um certo programa de ação, uma determinada identidade que
se forma, um campo de escolhas (teóricas, metodológicas,
temáticas, éticas, associativas, geradoras de inclusão e exclusão) que
permite ao praticante do campo sintonizar-se com outros que a ele
se assemelham nas mesmas escolhas. (...) todos se orientam por
certos princípios em comum, ou compartilham uma espécie de
programa básico com a qual a totalidade das participantes da
escola concordam (BARROS, 2012, p. 15).
Portanto, não é possível afirmar, por exemplo, quais orientações teóricas e
Erro!
Fonte de
referênci
a não
encontra
da.
28
metodológicas os componentes da Escola dos Annales seguem de maneira rígida.
Ao mesmotempo podem-se identificar procedimentos que compõem a forma
como praticam a História. Escola, no sentido do termo aqui aplicado, se refere mais
a uma maneira de participar dos debates da Historiografia do que seguir
paradigmas ou pressupostos.
Inicialmente, para Bloch (2001) e Febvre (2004), a História precisava romper
com a metodologia e as tradições historiográficas de fins do século XIX e início do
XX, que valorizavam demasiadamente os fatos, principalmente os políticos, em
detrimento de uma visão que abrangesse dos diversos aspectos da sociedade. Era
essa, inicialmente, a preocupação de ambos ao buscar uma nova visão sobre a
História, que de acordo com as circunstâncias, acabou se tornando um de grupo
de historiadores que pretendiam novas formas de produzir o conhecimento histórico.
Portanto, o objeto da crítica dos Annales pode ser identificado entre três
vertentes: os herdeiros diretos da tradição positivista francesa; setores mais
conservadores da tradição historicista alemã, que eram aqueles mais preocupados
com uma história rigidamente factual e oficial; e o que foi identificado como Escola
Metódica Francesa de História, que segundo Barros (2012, p. 31)era “[...] um
movimento historiográfico da segunda metade do século XIX, que assumia posições
teóricas e metodológicas para a História advindas do positivismo de Comte e
Durkheim e da influência metodológica do historiador alemão Leopold Von Ranke”
De acordo com a crítica que Bloch (2001) e Febvre (2004) fizeram a
historiadores dessas três vertentes, suas obras tinham pouco valor como
conhecimento científico válido, considerados como complemento a outras ciências
ou prática política de apoio aos projetos de nação. Afirmavam também que era
uma História presa aos fatos e que por estar determinada a buscar veracidade e
objetividade, acabavam por encerrar suas possibilidades de compreender a
sociedade de maneira mais ampla. A análise da sociedade ficaria como função da
Sociologia, considerada a principal ciência capaz de expor o funcionamento dos
grupos humanos, a partir principalmente das considerações de Durkheim. Segundo
Barros (2012, p. 15):
Os Annales não elegeram como seu “outro” apenas a Escola
Metódica, mas também procuraram a seu tempo construir a imagem
de se opunham a toda uma historiografia tradicional, diante da qual
podiam se apresentar como uma Nova História
29
Mas como ocorreu essa busca por uma Nova História? De início, partiu de uma
crítica ao trabalho de dois historiadores da Escola Metódica: Charles-Victor Langlois
e Charles Seignobos. O texto escrito por esses dois autores, Introdução aos estudos
históricos, em fins do século XIX, havia se tornado uma espécie guia metodológico
para aqueles que estudavam História na França do período. As principais críticas
apontadas por Bloch e Febvre era a referente ao resultado de outra crítica, feita
pelo sociólogo e economista François Simiand.
Simiand afirmava que a única preocupação metodológica de Langlois e
Seignobos era o estabelecimento e organização dos fatos através da análise
objetiva de seus vestígios (CALDAS, 2001a). Influenciados pelo cientificismo
objetivista de Ranke e pela lógica frágil do Positivismo, que afirmava ser a Sociologia
a única forma de compreensão do social, a função da História ficaria restrita a
descrever os fatos em suas minúcias.
Principalmente a partir do século XVIII, o conhecimento produzido pela
sociedade ocidental passou por intensas modificações, por conta do surgimento do
Iluminismo. Modificações que estabeleceram o lugar de importância da ciência e
do conhecimento formal, influenciando as formas de agir do Ocidente. Neste
período o conhecimento científico promoveu uma verdadeira revolução nos modos
de vida, na cultura, e nas sociedades como um todo. Modificações permitidas por
avanços tecnológicos, oriundos principalmente das ciências biológicas e exatas.
O status adquirido pela ciência permitiu que essa nova forma de entender o
mundo fosse tomada como ponto de partida e os modelos científicos das Ciências
Naturais e Exatas, principalmente da Biologia e da Física, se tornaram paradigma
metodológico de construção de conhecimento. Nesse período também que
diversos campos do conhecimento reivindicaram um caráter científico, em busca
de respaldo e reafirmação de suas funções para a sociedade. Não diferente disso,
as Ciências Humanas passam a compor esse debate e buscar seu espaço no campo
científico. E é a partir dessa inspiração que os modelos historiográficos do século XIX,
alvo de debates pelos fundadores da Escola dos Annales, vão embasar sua busca
objetiva e descritiva dos acontecimentos.
Ao pretender uma nova prática historiográfica, um dos objetivos de Bloch e
Febvre ao fundar a revista dos Annales, era o de reafirmar o lugar da história como
ciência. Segundo Bloch (2001, p. 51), sobre o espaço da História como ciência:
30
Os próprios sociólogos da era durkheimiana lhe dão espaço. Mas é
para relegá-la a um singelo cantinho das ciências do homem:
espécie de calabouço onde, reservando à sociologia tudo que lhes
parece suscetível de análise racional, despejam fatos humanos
julgados ao mesmo tempo mais superficiais e mais fortuitos.
No trecho citado, Bloch (2001) deixa claro que a história, segundo sua visão,
havia se tornado um “singelo cantinho das ciências dos homens”, lugar onde a
Sociologia e outros campos do saber apenas buscavam informações. Uma das
principais contribuições e que demandou um grande esforço por conta dos
fundadores da Escola dos Annales foi essa busca de reposicionar a História dentro
do campo científico, a partir de seus problemas e metodologias próprias. E a partir
dessa busca, surgiu outra importante contribuição desses historiadores, a noção de
História-Problema.
Além da História-Problema, um outro ponto colocado pelos Annales como
forma de confrontar a história factual e descritiva era a ideia de História Total. Um
debate sobre essas ideias será desenvolvido no decorrer da presente análise. De
maneira resumida, pode-se afirmar que a História Total não é aquela que almeja
contar toda a história, mas sim busca analisar a diversidade de fatores que
compõem um determinado evento social, sejam fatores políticos, econômicos,
sociais, culturais, dentre outros.
A presente Unidade tem como intuito apresentar o que foi, as principais
propostas e como agiam os primeiros historiadores da Escola dos Annales. Desta
forma, no próximo trecho o objetivo será apresentar três dos principais historiadores
desse movimento: Bloch, Febvre (primeira geração) e Braudel (líder da segunda
geração). Eles são considerados elementos fundamentais para a afirmação dos
Annales, e analisar suas trajetórias e propostas é de grande importância para
compreender as dimensões e a importância da Escola para a Historiografia. Por fim,
no último trecho da presente Unidade será apresentado o conteúdo programático
identificado com a Escola dos Annales de maneira pontual, inspirado num gráfico
elaborado por Barros.
31
2.2 A PRIMEIRA E A SEGUNDA GERAÇÃO DOS ANNALES
Ao criarem uma revista que tinha como objetivo debater a função da História
e questionar modelos de produção conhecimento, Bloch e Febvre não partiram
apenas de debates inéditos para o conhecimento histórico. Na verdade, muitas das
questões que ambos apontam também foram debatidas de maneira semelhante
por outros pensadores e em outros lugares. Como exemplos, podemos citar vertentes
do historicismo alemão que eram mais preocupadas em compreender a função da
subjetividade e da relação entre indivíduo e sociedade, que tinha como Dilthey um
de seus mais expressivos representantes. Outro exemplo são historiadores que
buscavam na cultura os elementos de análise e compreensão histórica, como
Jacob Burckhardt.
A importância adquirida pelos Annales pode ser compreendida não a partir
de um ineditismo (apesar de contribuírem de maneira própria em alguns temas
como o tempo histórico), mas sim pela suaatitude de confronto a um modelo
bastante difundido de produção e compreensão da função da História e a
capacidade de organizar-se em um programa os conteúdos considerados
importantes. Portanto, agora serão apresentadas de maneira breve as trajetórias e
as visões históricas de Bloch, Febvre e Braudel. Pretende-se, assim, ressaltar os
elementos da concepção histórica de cada um, principais obras e trajetórias, que
ajudaram a delimitar os principais temas que compõem a identidade da Escola dos
Annales.
2.3 LUCIEN FEBVRE E O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO
32
Lucien Febvre nasceu em Nancy, no leste da França, em 1878 e estudou na
École Normale Supérieure, onde se formou em História e Geografia. No ano de 1911
se tornou doutor e em 1919 professor de História Moderna na Universidade de
Estrasburgo, na qual mais tarde irá conhecer Bloch e lançar a revista Annales
d’historie économique et sociale que deu origem a Escola dos Annales. Dentre as
suas obras, as de mais destaque são Martinho Lutero: um destino (1928), O problema
da incredulidade no século XVI: A Religião de Rabelais (1942) e Combates pela
História (1953). A seguir, uma imagem do historiador
Figura 3: Lucien Febvre
Fonte: Disponível em https://bit.ly/3nUoJGI. Acesso em: 20 dez. 2020.
De acordo com Braudel (1965, p. 403), para Febvre, “segundo sua fórmula
familiar, ‘a História é o homem’, um cortejo de personagens, mas também uma
unidade, uma aproximação necessária dos contrários”. No trecho citado, é possível
notar na forma como Febvre busca compreender a sociedade, através de um
paralelo entre o indivíduo e o coletivo. A expressão “cortejo de personagens” indica
como, dos três pensadores que serão expostos, Febvre é o que mais se aproximou
do indivíduo em suas análises e concepção histórica. A partir da ação pessoal,
buscava os indícios de uma mentalidade que simbolizasse a totalidade.
A busca pela compreensão do todo vai apresentar diferenças nos três
autores aqui abordados. Ela simboliza um ponto importante do programa dos
33
Annales, e no caso de Febvre, seu combate ao factual se concretiza na ideia de
mentalidade, denominada de “equipamento mental” ou “utensilagem mental”.
Para o historiador, essa mentalidade consistiria em um repertório cultural
característicos do tempo em que vive, utilizados de maneira inconsciente, sem que
o indivíduo as perceba, são marcas sociais e coletivas (CALDAS, 2001a). Assim, de
acordo com sua visão, é também possível partir do indivíduo para o total.
Para Febvre (2004), a ideia de civilização e de mentalidade eram muito
próximas em seus elementos constitutivos. Compreender o equipamento mental de
um grupo humano era conhecer essa sociedade por seus elementos materiais,
políticos, sociais, intelectuais, dentre outros. Em um curso ministrado no Collége de
France, entre 1944-45 sobre a história da civilização europeia e posteriormente
publicado em formato de livro, o historiador sobre o conceito de civilização:
Todo grupo humano constituído possui uma civilização, sua civilização.
É o conjunto das características que a vida coletiva de um grupo (a
vida material, a vida política e social, a vida intelectual, moral e
religiosa) apresenta aos olhos de um observador imparcial e objetivo
(FEBVRE, 2004, p. 66).
Essa era a forma como o historiador pretendia se opor a análises factuais e
descritivas, demonstrando sua visão de História. Por fim, em sua trajetória como
pesquisador, a percepção do “equipamento mental” de um período foi realizada
com maior destaque em seus trabalhos sobre Rabelais e Martinho Lutero, onde
buscou os elementos da mentalidade das sociedades a que pertenciam pela
análise de dois indivíduos.
2.4 MARC BLOCH E A HISTÓRIA TOTAL
Marc Léopold Benjamin Bloch foi um historiador francês de origem judia,
nascido em Lyon, no ano de 1886. Filho de Gustave Bloch, que também fora
historiador, estudou História na Escola Normal Superior de Paris, em Berlim e Leipzig.
Posteriormente tornou-se bolsista de doutorado da Fundação Thiers, quando
escreveu sua tese de doutorado entre 1909 e 1912. Suas principais obras foram Os
reis taumaturgos, Apologia da história ou o ofício do Historiador e A sociedade
feudal. Como é possível perceber, os principais temas de Bloch eram de História da
Europa Medieval.
34
Figura 4: Marc Léopold Benjamin Bloch
Fonte: Disponível em https://bit.ly/3h20apC. Acesso em: 02 dez. 2020.
Outro fator importante da vida de Bloch foi sua participação na Primeira e na
Segunda Guerra mundial, onde lutou no exército francês, e depois da anexação da
França pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, participou da
resistência. Tal fato inclusive ocasionou sua prisão e posterior fuzilamento no ano de
1944. No cárcere, escreveu uma das suas obras mais importantes, Apologia da
história, de grande sucesso, onde discorre sobre problemas teóricos e metodológicos
da História. Sua intenção era passar a seu filho Étienne Bloch em forma de livro, o
que era e o que significava a História como campo do conhecimento (BURKE, 1992).
A ideia de História Total, mesmo sendo uma bandeira que norteou as críticas
e os trabalhos de vários dos historiados da Escola dos Annales, teve em Bloch seu
maior defensor. Como já dito, essa foi uma maneira encontrada pelos dois
historiadores annalistas pioneiros de confrontar uma prática histórica factualista e
descritiva. Se para Febvre (2004), a História Total se contemplava numa busca pela
mentalidade, como Bloch irá concretizar essa busca?
No caso de Bloch, um primeiro aspecto que podemos denotar em suas buscas
históricas se concretizava na abordagem as fontes, no método, e na relação com a
ciência. Portanto, para o autor a metodologia de abordagem ao passado seria uma
das principais formas de combater a história factualista, concretizada através da
proposta de alargamento do uso de fontes. O grande problema da história política
35
era a abordagem que se fazia das fontes, onde além de se buscar as informações
oficiais, não se realizava a crítica ao material, que ainda preteria certos tipos de
fontes como mais verdadeiras ou importantes que outras.
Desta maneira, não bastava apenas decodificar as informações aparentes
nas fontes, mas também de observar a intenção e a forma como foram produzidas,
as condições e até a adequação do suporte à pesquisa. É buscar além da
informação aparente o que fonte a diz, duvidar de sua provável veracidade ou até
analisar se ela transmite uma informação parcial. Um exemplo está em sua obra, Os
Reis Taumaturgos, onde Bloch busca explicar o poder político de monarcas não
apenas a partir da legalidade hereditária e institucional que o cargo tem, mas, pelas
fontes, busca compreender as ações, simbologias e crenças que asseguravam sua
posição de poder.
A outra grande contribuição de Bloch no sentido de compor uma História
Total se refere à forma como ele propõe as explicações históricas. O historiador
francês acreditava que ao escrever sobre o passado, o pesquisador não deveria se
limitar a uma única forma, numa busca objetiva de causas e consequências. Os
fatores que compõem a realidade devem ter a mesma relevância, e, observadas
às situações, as explicações do passado deveriam identificar como cada dimensão
tem influência nos ocorridos. Assim, economia, cultura, sociedade ou política
poderiam ser mais ou menos importantes, de acordo com as circunstâncias e os
fatos analisados. De acordo com o historiador Caldas (2001a, p. 58-59), para Bloch:
“Uma coisa não determina a outra; elas agem ao mesmo tempo”.
Essa explicação Histórica multifatorial proposta por Bloch nos deixa três
grandes contribuições: primeiro, que ao analisar uma sociedade, nenhuma
explicação ou atividade humana pode ser separada da outra; segundo, que as
questões feitas ao passado podem se modificar com o tempo e o interesse do
historiador é essencial para compreender as abordagens; e por último, que vários
fatores e não apenas um explicam o passado.
Considerado um dos maioreshistoriadores do século XX, a carreira abreviada
de Bloch pela Segunda Guerra deixou marcas profundas para questões teóricas e
metodológicas. Sua busca, ao lado de Febvre, era a de afirmar a posição da História
como um campo de conhecimento capaz de trazer conclusões sobre a sociedade
e dialogar com o meio científico, não limitando a História a função de descrever os
fatos “como ocorreram”.
36
2.5 FERNAND BRAUDEL E AS DURAÇÕES
Fernand Braudel foi um historiador francês, também considerado pela crítica
historiográfica como um dos maiores nomes da ciência em todos os tempos. Em
1929, período em que foi criada a Revista dos Annales, Braudel tinha 27 anos e
trabalhava numa escola da Argélia, onde paralelamente começou a escrever e
pesquisar tese sobre o Mediterrâneo.
37
Figura 5: Fernand Braudel
Fonte: Disponível em https://bit.ly/2Rne9Mf. Acesso em: 22 dez. 2020.
Em sua carreira também trabalhou na Universidade de São Paulo (USP) entre
1935-37 em seu período de criação, junto de outros grandes nomes da Ciências
Sociais como Claude Lévi-Strauss e Roger Bastide. Em São Paulo ajudou a formar as
primeiras turmas do curso de História da USP, onde adquiriu experiência universitária.
No retorno de São Paulo conheceu Febvre, que acabou se tornando uma espécie
de padrinho intelectual. A influência da Geografia e dos debates teóricos de História
a partir de Febvre acabaram influenciando Braudel, o que o fez dele também um
integrante da forma de pensar a História característico dos Annales.
Assim como Bloch e Febvre, se alistou no exército. Em 1939 combateu na
Segunda Guerra Mundial, sendo feito prisioneiro pelos alemães em 1940. Nesse
período, confinado como prisioneiro no campo de Lübeck, elaborou o argumento
de O Mediterrâneo e Felipe II, que viria a se tornar sua grande obra. Nesse livro,
Braudel desenvolveu uma de suas principais colaborações à Historiografia, em torno
da ideia de duração.
Ao analisar a região do Mediterrâneo, percebeu que as mudanças na região
se davam em três ritmos temporais, os quais ele identificou como durações. Essas
durações (durée) seriam divididas em longas, médias e curtas, de acordo com as
quais sua obra também foi dividida. Portanto, a longa duração corresponde, para o
autor, ao tempo da Geografia, da paisagem, àquele tempo lento, que quase se
arrasta e pouco se percebe suas modificações. A média duração seria a da língua,
38
da economia, das formas sociais e políticas, que se desenrolam num tempo mais
dinâmico, mas que necessitam de um olhar mais distante que o do evento. Por fim,
a curta duração seria aquele referente ao cotidiano, às ações políticas pontuais, aos
fatos em si.
Na obra Escritos sobre a História, Braudel dedica um capítulo para tratar da
relação entre as Ciências Sociais e a longa duração. No texto o historiador faz uma
espécie de debate com o estruturalismo do antropólogo Claude Lévi-Strauss, que
buscava em diferentes sociedades elementos comuns. Ao encontrá-los, sua
intenção era demonstrar como essas sociedades partilhavam características, como
o incesto, rituais funerários ou padrões artísticos geométricos, numa busca daquilo
que pudesse trazer explicações estruturais para a sociedade.
Assim, em comparação aos pressupostos de Lévi-Strauss, esse estruturalismo
seria muito próximo daquilo que Braudel propõe como longa duração, ou seja,
39
elementos que estão muito distantes no tempo, de modificação muito lenta, quase
imperceptível. Esse debate entre Braudel e Lévi-Strauss foi essencial para o
desenvolvimento do modelo historiográfico da Escola dos Annales, que em sua
essência parte da ideia de interdisciplinaridade e da necessidade de afirmar o lugar
da História perante as Ciências do Homem. Desta maneira, segundo Braudel (1978,
p. 43):
Uma razão a mais para assinalar com vigor, no debate que se instaura
entre todas as ciências do homem, a importância, a utilidade da
história, ou antes, da dialética da duração, tal como ela se desprende
do mister, da observação repetida do historiador; pois nada é mais
importante, a nosso ver, no centro da realidade social, do que essa
oposição viva, íntima, repetida indefinidamente entre o instante e o
tempo lento a escoar-se.
Com o tempo e devido à abrangência de suas obras e debates, Braudel
tornou-se importante dentro da Escola dos Annales, diretor da revista e uma espécie
de liderança para a segunda geração do movimento, que também contava com
nomes como Ernest Labrousse, Pierre Goubert, Georges Duby, Pierre
Chaunu e Robert Mandrou. Sob a direção de Braudel a Revista dos Annales atingiu
um momento de grande prestígio e reconhecimento internacional, divulgando o
programa e os ideais do movimento por diversos lugares. Portanto, pode-se dizer que
Braudel e a segunda geração do movimento foram em boa parte responsáveis pela
grande abrangência que a Escola dos Annales adquiriu para a Historiografia.
2.6 PROPOSIÇÕES METODOLÓGICAS DOS ANNALES
Conforme apresentado, a contribuição dos Annales para a História não se
deu através da criação de um paradigma, mas por um projeto metodológico e
teórico, que visava reafirmar o espaço da História no campo científico e encontrar
novas respostas para a prática historiográfica. Esse projeto pretendeu conduzir um
debate com a História e acabou resultando inicialmente na criação de uma revista
e no surgimento da Escola dos Annales. Mas quais contribuições efetivas essa Escola
trouxe para a História? Quais suas principais propostas? Posto isso, o objetivo agora
é apontar como se deram essas contribuições, através de um quadro esquemático.
O quadro esquemático a seguir foi elaborado por Barros (2012) e aponta de maneira
objetiva as principais orientações para do programa da Escola dos Annales. Esse
trecho do presente texto é inspirado no segundo capítulo “Os Annales e seu
40
programa”, da coleção Teoria da História. Vol. V: A Escola dos Annales e a Nova
história, de Barros (2012).
Figura 6: A Escola dos Annales
Fonte: (BARROS, 2012, p. 103)
 Interdisciplinaridade: atualmente, esse termo tem fluência nos diversos campos
do saber científico e é muito comentado na realidade escolar. A palavra, em si,
indica alguns sentidos, dentre os quais podemos destacar: a interação entre
disciplinas; a interação no interior de uma disciplina, que busca assimilar
métodos e teorias de outro campo do saber; a uma formação ou obra que não
se limitou a um único tipo de conhecimento; a perspectivas que incorporam dois
ou mais campos do saber criando uma nova prática. Neste sentido, para os
historiadores dos Annales, a busca interdisciplinar se fortalecia na construção de
uma Nova História que se inspirava em conhecimentos diversos como Economia,
Psicologia, Cultura, Geografia, Sociologia, dentre outros.
Ao ter contato com novos aportes, sistemas conceituais e metodologias, à
História foi possível ampliar os tipos de fonte e problemas. Com isso a atitude
41
interdisciplinar, pretendiam não serem confundidos com uma simples literatura que
relatava fatos passados (BARROS, 2012).
 A História-Problema: essa noção foi um dos instrumentos mais combativos
adotados pelos annalistas. Através da noção de História-Problema, Bloch e
Febvre se opuseram a História Factual, a História Narrativa e a História Política
(em uma vertente conservadora e tradicionalista). Para eles, a História que não
fosse “[...] interpretativa, problematizada, apoiada em hipóteses” e capaz de
estudar novamente eventos por novos pontos de vista (BARROS, 2012, p. 109)
seria frágil intelectualmente, por se tornar uma mera descrição.
Barros afirma que durante muito tempo, vários historiadores que deram
continuidade à tradição dos Annales, como Braudel, Le Goff, Vovelle, Chartier,
dentre outros, utilizaram a História-Problema como uma bandeira, “[...] o mais
comovente de todos os instrumentos programáticos empunhados pelos annalistas”
(BARROS, 2012, p. 109). Assim, a Escola dos Annales fez da noção de História-Problema
um dos principaiselementos da formação de sua identidade e de seu programa,
essenciais no estabelecimento de suas pretensões no meio historiográfico.
Por fim, o fato histórico então não seria mais, a partir de História-Problema, algo
neutro e capaz de ser analisado de forma objetiva. O tempo e o lugar em que o
estudioso vive, a sua formação teórica, o recorte histórico e principalmente as
perguntas que ele faz as fontes é que irão dar forma as conclusões do historiador.
Esse movimento promoveu uma troca entre a valorização da objetividade pela
subjetividade do historiador, ao compreender a importância da visão de mundo e
das hipóteses formuladas na compreensão de um passado.
 Fontes e cientificidade: a questão das fontes é outro ponto importante do
programa dos Annales, e junto da proposta de História-Problema, foi tratado
como bandeira do movimento. Ao romper com um modelo de História mais
voltado ao político, ao narrativo e ao factual, um dos problemas notados era a
existência de um rígido controle, análise e classificação de fontes, além da
predileção por documentos escritos. Era preciso propostas transformadoras que
ampliassem o uso de fontes, restrito a arquivos oficiais e crônicas.
O alargamento das possibilidades de fontes incluía o uso de documentos até
42
então desprezados: de objetos e imagens a textos, vestuário, arqueologia, dados
estatísticos etc. sem ordem de importância pré-determinada pelo método. O que
hoje, para nós historiadores se apresenta como costumeiro, passou a ser uma
importante defesa dos annalistas no período. É importante ressaltar que em nossa
atual prática historiográfica a busca e a valorização de diversos tipos de fontes ainda
é muito atual e que esse debate não foi exclusivo da Escola dos Annales. Essa busca,
porém, vinha acompanhada de novos dilemas metodológicos e teóricos propostos
pelo grupo francês.
Como a intenção de Bloch e Febvre incluía reafirmar o espaço da História, é
importante também explicitar a forma como esses historiadores descreviam o
conhecimento histórico como científico. Segundo Barros, a ideia de ciência dos seres
humanos no tempo simboliza aquilo que a Escola dos Annales descreve como “[...]
ciência capaz de assumir-se como conhecimento em perpétua mudança, não
apenas de seus resultados, mas também de seus pressupostos” (BARROS, 2012, p.
109). Essa capacidade de mudança é que traz a História constante reavaliação
teórica e metodológica, adequada às realidades, objetos de estudo, hipóteses
formuladas e que busca responder as questões colocadas pela sociedade, sem se
ater um modelo rígido e objetivista.
 O coletivo, o estrutural e o espaço: A visão sobre o coletivo, segundo Barros, é
um ponto de debate onde é possível notar algumas diferenças entre Bloch e
Febvre. Para o autor, Bloch tem notoriamente preocupações em produzir
pesquisas que levem em conta o todo, o social, aproximando-se de uma visão
estruturalista, enquanto Febvre buscava compreender a importância social do
indivíduo (BARROS, 2012). Mesmo assim, as concepções teóricas de ambos
tinham um ponto em comum, numa busca de compreender o social, seja pela
análise do coletivo ou pela busca da compreensão dos elementos sociais nos
indivíduos.
Em relação ao espaço, Bloch e Febvre tiveram na Geografia um ponto de
aproximação teórica e metodológica. Ambos compreendiam a importância do
espaço, e não apenas do tempo na construção do conhecimento histórico. Através
das modificações que o humano impõe ao espaço e as suas adaptações a ele, “[...]
o espaço natural, nas mãos dos novos historiadores, pode se tornar fonte histórica
43
com a mesma legitimidade que um grande conjunto documental” (BARROS, 2012, p.
151).
 O tempo: De acordo com Barros, as inovações relativas ao tempo “[...]
relacionam-se aos novos modos de conceber o tempo, de representá-lo, de
utilizá-lo como aliado para produzir inovadoras leituras de história, pensar
inusitados objetos e mobilizar novos tipos de fontes históricas” (BARROS, 2012, p.
152).
Ao se opor a uma História Factual, os pioneiros da Escola dos Annales, Bloch e
Febvre, estavam também questionando a relação que o historiador teria com o
tempo. Foi uma maneira de se distanciar da importância do fato, alargando as
possibilidades e concepções. Simultaneamente, não é possível afirmar que houve
uma consonância clara de suas concepções de tempo histórico. Enquanto Bloch
partia de elementos estruturais para o evento, Febvre tinha uma proposta inversa, e
compreendia a partir de eventos e indivíduos a História Total.
Desta maneira, Braudel, grande nome da segunda geração dos Annales, foi
quem orientou de maneira mais clara o debate da relação do tempo com o
historiador. Ao diferenciar as dimensões da temporalidade em três durações, Braudel
também considera a possibilidade de superposição de umas as outras. Assim, se
entrecruzam e se superpõem, existem ao mesmo tempo e não necessariamente
anulam umas as outras. Segundo Barros: “A articulação possível entre as durações –
sempre uma construção do historiador, e nunca um dado da própria realidade –
permite ainda questionar sobre a qual seria o melhor modelo para o trabalho
historiográfico” (BARROS, 2012, p. 164). Portanto, a importância de saber articular e
reconhecer a importância das temporalidades serve também como caminho para
a História não se mostrar demasiadamente descritiva ou despreocupada da
importância do fato.
 Passado e presente: A partir das propostas dos historiadores dos Annales, a
construção do passado histórico não podia ser compreendida como uma
operação objetiva, onde o pesquisador buscava descrever os fatos e trazê-los
ao presente. Prevalecia a noção de que a História, mesmo ao buscar o passado,
se realizava no presente.
44
Com a perspectiva dos Annales, o presente coloca as questões de
sua época para o passado, estruturando-o a partir de uma
problematização, e reciprocamente o passado recoloca novas
questões para o presente, permitindo que na operação histórica não
apenas o historiador compreenda o passado, tal como ocorre na
perspectiva historicista mais tradicional (neorrankeana), mas também
compreenda a si mesmo (BARROS, 2012, p. 187).
Dessa maneira, ao historiador a busca pelo passado, que não era mais um
objeto, dependia da dinâmica e das questões que o historiador trazia em sua
abordagem a partir de perguntas e hipóteses. Outra questão importante refere-se ao
anacronismo. Ao reconhecer que a busca do passado se dá no presente, um
cuidado que deve ter o historiador é não levar conceitos do presente diretamente
para o passado. Um exemplo simples, é que expressões palavras podem ter outro
significado em outros tempos, e ao ter contato com esse tipo de informação o
historiador deve pensar o que essa palavra representava naquele passado, e não
utilizar o conceito do presente. Note que isso delimita a diferença entre passado e
presente, noção que é muito forte para a Escola dos Annales. Assim, Reis (2000) apud
Barros (2012, p. 191). “o passado e o presente são diferentes que dialogam, e não a
continuidade cumulativa dos mesmos”
 História Total: A ideia de História Total é apresentada por Bloch em diversos de
seus escritos, e reafirmada principalmente por Braudel, em suas obras. Por História
Total, Bloch compreende a capacidade que uma análise histórica tem de
compreender as diferentes dimensões: política, social, cultural, ambiental, em
busca de uma compreensão mais abrangente, e distante do modelo factualista
que os Annales se opunham. Segundo Bloch (2001, p. 152): “Numa sociedade,
seja ela qual for, tudo está interligado, tudo se comanda mutuamente, a
estrutura política e a social, a economia, as crenças, as manifestações mais
elementares e também as mais sutis da mentalidade.”.
Por fim, o objetivo da Unidade foi apresentar um breve histórico da Escola dos
Annales, seus três principais personagens, além de suas propostas e inovações. Na
próxima Unidade, será abordada a História Cultural, que também tem

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