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Psicologia Social e Práticas 
Comunitárias Aplicadas à Segurança 
Pública
SIMONE APARECIDA LISNIOWSKI
1ª Edição
Brasília/DF - 2020
Autores
Simone Aparecida Lisniowski
Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e 
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático........................................................................................................................................5
Introdução ..............................................................................................................................................................................7
Capítulo 1
A Biologia do Comportamento Criminoso ............................................................................................................9
1.1. Concepções inatistas, ambientais e sociointeracionistas ........................................................................9
1.2. A Frenologia e primeiros estudos científicos ............................................................................................ 16
1.3. A Antropologia Criminal de Lombroso ........................................................................................................ 18
1.4. A Síndrome do Duplo “Y“ e alterações genéticas .................................................................................... 21
Capítulo 2
Conceitos e Dimensões da Violência ................................................................................................................... 25
2.1. Conceito de violência ....................................................................................................................................... 25
2.2. Tipologia da violência ..................................................................................................................................... 30
Capítulo 3
Introdução ao Estudo da Sociologia do Crime ................................................................................................. 43
3.1. O conceito de crime ........................................................................................................................................... 44
3.2. A Sociologia do Crime e Escola de Chicago .............................................................................................. 48
3.3. Criminologia na América Latina .................................................................................................................... 50
3.4. Criminologia no Brasil ...................................................................................................................................... 53
Capítulo 4
O Crime como Problema Social ............................................................................................................................. 57
4.1. Teoria da Anomia ................................................................................................................................................ 57
4.2. Teoria da Subcultura .......................................................................................................................................... 59
4.3. Teoria da Associação Diferencial ................................................................................................................... 62
4.4. Teoria do Controle Social ................................................................................................................................. 64
4.5. Teoria da Rotulação (Labeling Approach) ................................................................................................... 66
Capítulo 5
A Lei como Mecanismo de Controle Social........................................................................................................ 69
5.1. O controle social ................................................................................................................................................. 70
4
5.2. O crime e a classe dominante ........................................................................................................................ 72
5.3. O controle do crime no Estado capitalista ................................................................................................ 77
Capítulo 6
A Condição Humana, Perspectiva Psicológica na Criminologia .................................................................. 81
6.1. Perspectivas da Psicologia Jurídica na Criminologia ............................................................................. 81
6.2. Práticas comunitárias na luta antimanicomial ......................................................................................... 84
6.3. Teoria sócio-histórica e cultura da paz ....................................................................................................... 88
Referências .......................................................................................................................................................................... 93
5
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e 
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros 
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, 
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.
Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a 
síntese/conclusão do assunto abordado.
Cuidado
Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o 
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.
Importante
Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.
Observe a Lei
Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, 
a fonte primária sobre um determinado assunto.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa 
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. 
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus 
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas 
conclusões.
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ORgAnIzAçãO DO LIVRO DIDáTICO
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes 
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor 
conteudista.
Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões 
sobre o assunto abordado.
Gotas de Conhecimento
Partes pequenas de informações, concisas e claras. Na literatura há outras 
terminologias para esse termo, como: microlearning, pílulas de conhecimento, 
cápsulas de conhecimento etc.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o 
entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
Sugestão de estudo complementar
Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, 
discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.
Posicionamento do autor
Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o 
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.
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Introdução
Olá! 
Seja bem-vindo(a) à disciplina Psicologia Social e Práticas Comunitárias Associadas à 
Segurança Pública. 
Nesta disciplina vamos refletir sobre as relações entre psicologia comunitária e segurança 
pública, buscando propiciar um debate acerca da relação entre comportamento 
individual e aspectos subjetivos, sociais, econômicos e políticos, bem como a sua 
interface com questões sociológicas e filosóficas. 
Nosso estudo está estruturado em uma perspectiva de psicologia comunitária crítica, 
em que analisamos a realidade psicossocial em que vivemos. 
A propostaserá estruturada por meio de diferentes capítulos nos quais seja possível 
compartilhar hipóteses, teorias e experiências, bem como a relação entre o homem e o 
meio social e, particularmente, sobre a responsabilidade de todos frente à violência 
e aos conflitos sociais que enfrentamos na sociedade. Por meio desta proposta, 
queremos contribuir para o entendimento da importância dos conteúdos discutidos 
e a relação com a vida de todos. 
É importante ressaltar que, independentemente da área de formação, a disciplina vai 
demonstrar como as questões psicossociais nos ajudam a compreender os conceitos 
de violência, assim como os conflitos e diferentes aspectos da vida na sociedade, 
relacionando com a prática profissional.
É importante que você leia antes o capítulo correspondente a cada aula interativa!
Objetivos
 » Compreender a tipologia da violência e o crime como problema social. 
 » Analisar a utilização e efeitos dos mecanismos informais e formais de 
controle social. 
 » Entender as perspectivas teóricas da lei e do controle social. 
 » Conhecer o exame empírico das teorias da lei como mecanismo de 
controle social. 
 » Compreender a dinâmica do papel da Polícia na sociedade moderna. 
 » Entender os diversos aspectos da condição humana. 
 » Compreender as diferentes perspectivas teóricas psicológicas.
8
9
1.1. Concepções inatistas, ambientais e sociointeracionistas
Neste capítulo vamos conhecer alguns conceitos que fazem parte do senso comum e 
estão presentes no nosso imaginário social acerca da natureza do crime. Você já deve 
ter ouvido falar ou mesmo pensado que a pessoa já nasce criminosa. 
Esta concepção considera que essa característica é inata, que já estaria definida na 
personalidade desde o nascimento ou que se desenvolvem depois como uma semente. 
Assim, esta concepção defende uma essência humana diferente para cada um de nós. 
Isso significa que o “criminoso” seria portador de uma anomalia, um fator biológico 
que seria responsável por seu comportamento desviante. E ainda hoje algumas 
pessoas acreditam que existem causas biológicas para o comportamento criminoso.
Inatista
Podemos observar que as pessoas que acreditam no inatismo afirmam que as 
características individuais têm dependência biológica ou divina. Na argumentação 
de uma intervenção pela criação divina ou pelas vidas passadas, o criminoso seria 
explicado por uma essência humana que estaria previamente determinada por uma 
vida passada ou por um teste pelo qual não passou e não há nada que se possa fazer. 
Geralmente, os defensores dessa corrente de pensamento utilizam termos como 
aptidão, destino, caráter, azar, pau que nasce torto nunca se endireita, sucumbiu 
ao mal etc.
Seja atribuindo ao fator divino ou genético, o pensamento inatista e biológico 
culpabilizam unicamente o criminoso pelo seu ato, como se ele não pertencesse a 
um grupo social, não fizesse parte de uma sociedade, de um contexto cultural ou 
sofresse influência das relações sociais. Ele é visto como uma espécie de “composição 
genética” e o único responsável pelo seu ato, por ser a “natureza” do indivíduo, sendo 
incapaz de se transformar.
1
CAPÍTULO
A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO 
CRIMInOSO
10
CAPÍTULO 1 • A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO
Os defensores dessa opinião defendem também uma limitação humana dada desde 
o nascimento; cada um tem uma moral com a qual nasce, que é imutável. Esta moral 
pode ser controlada pelas punições do meio, mas a pessoa nunca irá mudar. Para 
seus defensores, não há necessidade de intervenção das áreas da saúde mental que 
buscam a compreensão dos comportamentos e da conscientização, nem a necessidade 
de direitos humanos que buscam resgatar a dignidade humana, ou da sociologia, que 
busca a reintegração social, e assim por diante. 
Essa perspectiva gera, por parte dos agentes públicos, um imobilismo e resignação, pois 
essa concepção gera uma convicção de que esta realidade não pode ser modificada. 
Esse descrédito na transformação do cenário de violência gera um descrédito também 
nos conhecimentos que partem de pesquisas, assim como um descrédito na capacidade 
de aprendizagem dos indivíduos, nos efeitos das experiências positivas e de uma 
cultura de maior vínculo e integração social.
Ou seja, a perspectiva inatista elimina a influência da sociedade e da cultura. Assim, 
o comportamento dos indivíduos deixa de ser responsabilidade da socialização e da 
comunidade, do Estado e suas políticas públicas. A responsabilidade está unicamente 
no indivíduo, não na sua relação com o contexto social, com as condições econômicas, 
oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional, nem podemos esperar do 
Estado ações que visem à reintegração social e minimização das causas que levaram 
os indivíduos aos delitos.
Ambiental
Óutro ponto de vista é daqueles que explicam o comportamento delituoso apenas a 
partir de fatores ambientais, externos aos indivíduos. Valorizam a experiência e os 
estímulos recebidos pelo indivíduo no ambiente e acreditam que são estes estímulos 
que determinam os comportamentos e reações individuais. Esta concepção é contrária 
ao inatismo, concebe o ser humano unicamente como produto de uma ação que 
modela e adapta os indivíduos ao ambiente.
Nesta concepção, o indivíduo não aparece como passivo ao biológico ou ao divino, 
mas passivo diante da sociedade. Assim, o indivíduo é pressionado pelo meio para 
ter certos comportamentos. Alguns valorizam mais o papel da família, a convivência 
com más companhias, a sociedade que deturpa seu caráter, experiências de vida que 
inevitavelmente conduziram o indivíduo àquele comportamento. Mas, geralmente, as 
pessoas atribuem às relações mais próximas do indivíduo e não à sociedade como está 
organizada, a determinantes histórios, políticos e sociais. Este argumento enfatiza o 
papel da família e das relações mais próximas do indivíduo.
11
A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO • CAPÍTULO 1
Nesta perspectiva prevalece a ideia de que o indivíduo é passivo diante das pressões 
do meio, que ele tem seu comportamento manipulado e controlado pelo meio onde 
cresceu e viveu, determinado pelas condições ambientais. Portanto, ele também não 
só não é capaz de se transformar como, também, não é capaz de pensar sobre seu 
contexto social, político e econômico. Como ele não pensa, não reflete sobre sua 
realidade, apenas sofre os impactos das relações, ele não tem autonomia nem sobre 
seu comportamento e nem é capaz de propor mudanças para a sociedade que o cerca; 
ele apenas reproduz. 
Enquanto na concepção inatista os determinantes eram biologicos, na concepção 
ambientalista as causas são a pobreza, a composição familiar, o ambiente em que o 
indivíduo vive, a violência que sofre, a influência da televisão ou das relações pessoais. 
E novamente a sociedade se isenta da responsabilidade e o Estado pouco pode fazer, 
ou, se pode fazer, é em longo prazo e sem garantia de resultado, pois são variáveis 
incontroláveis que determinam esse comportamento desviante, são fatores ambientais 
cuja responsabilidade é daquelas que se relacionam diretamente com o indivíduo.
Com essa perspectiva, os agentes públicos também se encerram em sentimento de 
impotência, valorizam práticas individuais isoladas que são um sucesso e fundamentam, 
assim, uma atividade pública mais espontaneísta, ou seja, não tem lugar a política 
pública, pois são as ações individuais locais que dariam resultado. 
Nessa perspectiva, pouco valor tem o conhecimento; somente a vivência de cada um é 
a medida da verdade e do parâmetro para a ação no meio social. É como se o exemplo 
fosse o grande determinante e definidor das aprendizagens, por isso essa concepção 
defende práticas diretivistas e autoritárias, pois se o delito acontece por influências 
do meio, cabe aos agentes públicos desenvolverem estratégias para moldar o cárater 
e punir severamente o desviante.
Esta concepção gera posições radicais e contraditórias, pois, por um lado, é cética 
e desconfiadacom o papel do Estado em garantir o cumprimento da lei; por outro, 
vê na ação policial e no cumprimento da lei uma onipotência e uma capacidade de 
coerção que, na realidade, ela nunca consegue exercer. 
Assim, são pessoas que defendem o fim da maioridade penal acreditando que, com 
isso, o Estado terá controle, mas não acreditam que o Estado conseguirá cumprir sua 
função e, por causa disso, os delitos continuarão existindo, pois os fatores ambientais 
continuarão existindo: pobreza, conflitos, desestruturação familiar, por exemplo.
12
CAPÍTULO 1 • A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO
Inatista e ambiental
Algumas pessoas explicam os delitos como uma combinação de características humanas 
inatas e fatores ambientais, como uma somatória de ambos: por um lado, características 
internas como capacidades, valores e caráter; por outro, influências do meio como a 
origem cultural, a experiência de vida, os modelos e as relações familiares. 
O meio ambiente reforçaria algumas características que já são inatas, modelando e 
reformando conforme suas próprias características. Geralmente as pessoas que defendem 
essa posição intercalam argumentos contraditórios que parecem complementares, 
mas que exemplificam uma causa e terminam por falar de outro determinante. Por 
exemplo: “Ele já nasceu assim. Se ele era assim desde criança? Não, mas veja o pai 
também foi presidiário. O irmão não é, mas ele é. Tem o pai, o exemplo e é genetico 
também”.
De acordo com Cano e Soares (2002, p. 3), é possível distinguir as diversas abordagens 
sobre as causas do crime em cinco grupos:
a) teorias que tentam explicar o crime em termos de patologia individual; 
b) teorias centradas no homo economicus, isto é, no crime como uma 
atividade racional de maximização do lucro; c) teorias que consideram 
o crime como subproduto de um sistema social perverso ou deficiente; 
d) teorias que entendem o crime como uma consequência da perda de 
controle e da desorganização social na sociedade moderna; e) correntes 
que defendem explicações do crime em função de fatores situacionais 
ou de oportunidades. 
Sociointeracionista
Defendemos neste material uma concepção sociointeracionista, na qual indivíduo e 
meio social determinam-se mutuamente. O sujeito não é somente produto do meio; ele 
também produz o meio no qual vive. Assim, o biológico e o social não são dissociados 
e exercem influência recíproca um no outro. 
Sugestão de estudo
Você pode perceber que há uma diferença conceitual entre a perspectiva inatista e ambiental. Assita ao 
Documentário Justiça e identifique a predominancia dessas perspectivas nos participantes do filme. Disponível em: 
https://www.youtube.com/watch?v=qUWZHNWcj7U.
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A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO • CAPÍTULO 1
As interações sociais são constituidoras do homem como ele é. Seu desenvolvimento 
é um processo de apropriação da experiência social, histórica e cultural. Tornamo-nos 
indivíduos a par t ir do momento que inter nal izamos as for mas culturais, as 
transformamos ao interagir e, assim, temos capacidade de intervenção no meio 
em que vivemos. O indivíduo não só é transformado pelo meio social, mas ele 
também transforma o meio e as relações. 
Ele se desenvolve nessa interação, ele pensa, sente, reflete e organiza seu comportamento 
a partir dessas interações sociais. Nós não somos somente um produto do nosso 
contexto social, pois somos agentes ativos nas interações e criamos, transformamos 
esse contexto.
Se o sujeito se desenvolve na interação, se ele pensa, sente, reflete e organiza seu 
comportamento a partir dessas interações sociais. O outro é copartícipe deste processo 
de constituição a partir da forma como estabelece esta interação. Ambos se transformam 
mutuamente. Ou seja, o funcionamento da personalidade se constroi ao longo da vida 
e por meio de um processo contínuo de interação social, que possibilita ao indivíduo 
se apropriar da cultura, elaborada ao longo de várias gerações, para construir sua 
própria trajetória. É um processo dialético, de apropriação, ressignificação e de 
atuação em sua realidade social.
Para Vygotsky, não é suficiente a condição inata, as capacidades cognitivas e afetivas, 
na ausência de um ambiente social que possibilite a interação do indivíduo. Sem a 
possibilidade de trocas culturais e sociais não há indivíduo. 
O desenvolvimento do comportamento ganha sentido no contexto social, por isso 
um contexto de maior desigualdade será também um contexto de maior violência. 
Aprendemos o que tem valor e qual o valor que temos nas interações na sociedade. Em 
uma sociedade em que as pessoas que têm mais capital financeiro têm mais vantagens 
Sugestão de estudo
Vygotsky é um autor muito conhecido na Psicologia e na Educação, pois seu conceito de desenvolvimento 
humano nos ajuda a pensar como e por que nos tornamos quem somos, com nossas singularidades, mas sempre 
ligados à nossa história de vida, principalmente ao contexto social e cultural que nos cerca. Assim, compreender 
o desenvolvimento humano nos ajuda também a compreender como o interacionismo contribui para pensar a 
formação do cárater. Nós vamos rever este autor, principalmente ao final do material do nosso estudo, mas deixo 
aqui um vídeo explicativo dos principais conceitos de sua teoria. Este vídeo é muito bom; ele foi produzido para 
professores compreenderem o desenvolvimento humano, cognitivo, afetivo e moral. Vale conferir! Coleção Grandes 
Educadores Lev Vygotsky.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T1sDZNSTuyE.
14
CAPÍTULO 1 • A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO
e são tratadas com maior dignidade está passando qual mensagem? Quem tem valor? 
O que tem valor para essa sociedade? Aprendemos sobre nosso valor e sobre o valor 
das coisas não somente no discurso, nos preceitos morais, nas leis, mas na interação 
social, no cotidiano das relações, a partir da estrutura social e seus imobilismos, nas 
suas reproduções, nas desigualdades, na falta de oportunidades para transformar.
As conquistas individuais são diferenciadas e dependem do lugar social que você 
ocupa para ter acesso a elas, seja informações, valores, habilidades, atitudes 
ou posturas, pois e las resultam do compar ti lhamento com pessoas que irão 
transmitir a cultura, a experiência, o conhecimento. 
O desenvolvimento de cada um de nós, o que cada um de nós irá se tornar depende 
dessas influências culturais, da aprendizagem e das experiências que vivenciamos 
na sociedade, como significamos essa experiência, qual o sentido que alguns 
valores ganham em detrimento de outros a partir da experiência real, não do seu 
ideal, mas de seu valor de fato nas relações sociais.
Estas reflexões suscitam questionamentos sobre o certo e o errado. Se a desigualdade 
extrema existe, se temos 3% da população que acumulam 80% da riqueza mundial, 
se a maior parte da população passa fome, quais são os valores dessa sociedade? 
Somos capazes de questionar, não somos apenas produto da sociedade e não apenas 
reproduzimos o que aprendemos. Nós questionamos, somos capazes de transformar, 
de criar novas leis, estabelecer novos parâmetros que tornem a sociedade melhor 
para todos.
Propomos neste momento que você encontre argumentos para defender que somos 
um sujeito histórico-social, que nos constituímos como indivíduos na interação 
com o meio, somos transformados e transformamos as relações sociais dentro de um 
contexto de determinantes culturais, sociais e econômicos mais amplos.
O que explica que as concepções anteriores estejam mais presentes no senso comum? 
O fato de que durante muito tempo na história estivemos impregnados nessa antinomia 
entre indivíduo e sociedade. Algumas áreas enfatizavam mais o indivíduo e outras 
enfatizavam mais a sociedade. Além disso, essas concepções eximem a sociedade de se 
repensar enquanto totalidade, ou a responsabilidade é do indivíduo ou do ambiente. 
Para refletir
Até mesmo você, para assimilar esta reflexão, recorre às suas experiênciasdiretas. Realmente, alguns valores não 
fazem sentido para você. Por quê? Algumas práticas culturais são estranhas. Mas somos todos humanos, elas fazem 
parte da sociedade e de tudo que o ser humano é capaz de ser e se tornar a partir da interação social.
15
A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO • CAPÍTULO 1
Não se reconhecia a possibilidade de transformação da sociedade a partir da mudança 
na interação dos indivíduos. Por exemplo, hoje, com o advento das redes sociais que 
mudaram totalmente a forma de interação social, nós desenvolvemos estratégias e 
transformamos nossa forma de nos relacionarmos, aprendermos e, até mesmo, de 
trabalharmos. 
A tecnologia é uma ferramenta construída por alguém que transformou radicalmente a 
sociedade. Grupos sociais, conhecimentos, reflexões, propostas, novos hábitos, novas 
ideias também são capazes de transformar o modo como vivemos, quem somos e como 
nos relacionamos. E, assim, estas transformações também trazem novos problemas 
com os quais temos que lidar. O crime cibernético, por exemplo.
Várias correntes da Psicologia e da Sociologia estudaram sobre a violência, o crime 
e a personalidade. Neste material abordaremos várias concepções históricas e como 
elas deram diferentes orientações para a análise e intervenção nos delitos. 
Geralmente tratando de forma dicotomizada e polarizada a complexa relação do 
indivíduo com a sociedade. Veremos as concepções que reproduziram uma dicotomia 
entre concepções inatas e ambientais, entre o herdado e o adquirido, o universal e o 
particular, biológico e cultural, consciência e físico, espiritual e matéria, genético e 
cultural, entre outros.
É importante que possamos compreender como cada momento social e contexto 
histórico formulou explicações para o comportamento humano e os problemas 
sociais. Veremos historicamente a construção de concepções que reproduzimos 
sem perceber, baseadas em princípios e pressupostos filosóficos e epistemológicos 
que tinham como intuito definir o tipo de personalidade deliquente. Veremos 
di ferentes modos de conceber o homem em seus processos sociais e, mais 
particularmente, em seus comportamentos agressivos, violentos, subversivos e 
delituosos.
Saiba mais
A antinomia é uma contradição entre conceitos e ideias. Autores que partem da concepção de que o homem 
é totalmente livre e autores que partem da concepção de que o homem é totalmente sujeitado à sociedade 
desenvolvem raciocínios diametralmente opostos. Estas contradições, muitas vezes, estão presentes no discurso 
do senso comum como uma tentativa de unir duas concepções opostas e contraditórias. Por exemplo, a pessoa 
que diz que a sociedade que faz o homem, que a sociedade precisa ter modelos rígidos, mas quando alguém está 
desempregado fala que é culpa da pessoa, que é vagabunda.
16
CAPÍTULO 1 • A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO
1.2. A Frenologia e primeiros estudos científicos
Esta teoria surgiu no século XVIII a partir de um anatomista chamado Franz Joseph 
Gall, segundo a qual a maioria das características humanas, inclusive o comportamento 
delituoso estaria regulado por certas regiões cerebrais. Assim, cada comportamento 
estaria regulado por um centro cerebral específico.
Assim, esta teoria defendia que, quanto mais robusto fosse determinado centro 
cerebral relacionado a dado comportamento, mais intensificada estaria aquela 
função e, portanto, mais este comportamento seria predominante no indivíduo. 
Gal l acreditava que os centros cerebrais cresciam e exerciam uma pressão 
intracraniana, deixando evidências aparentes e que poderiam ser apalpadas na 
caixa intracraniana. Essas protuberâncias ósseas poderiam definir tendências 
criminosas e como eram fisiologicamente comprovadas, elas eram imutáveis.
Figura 1. Mapa Topológico do Cérebro.
Fonte: http://www.cerebromente.org.br/n01/frenolog/frenorg_port.htm1.
1 Veja a identificação de 37 faculdades mentais e morais catalogadas por Gall e seus seguidores.
Sugestão de estudo
Close Up é um filme iraniano que mistura realidade e ficção. É interessante assistir a um julgamento ocorrido em 
outra cultura; as perguntas que o juiz faz ao réu e a forma de encaminhar o processo. Você pode perceber nuances 
que fazem parte da cultura, da forma de viver e que muda a forma como as pessoas interpretam e julgam o crime que 
foi praticado e, até mesmo, comparar certos aspectos do documentário Justiça com o filme-documentário Close Up. 
As imagens que ocorrem no tribunal são reais. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TpUjaxZL04w.
17
A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO • CAPÍTULO 1
Este estudioso segue a premissa racionalista e apriorística que foi elaborada inicialmente 
por Descartes, Malebranche, Leibniz, Espinoza e Kant, na qual a personalidade humana 
e suas capacidades como comportamento, valores, pensamentos, emoções eram inatas. 
Ou seja, o ser humano nasceria praticamente pronto e com todas estas características 
definidas a priori, esperando apenas o momento de amadurecimento para se manifestar. 
Gall2, entre outros estudiosos inatistas, deram origem a uma série de pesquisas e 
formulações teóricas que ainda estão presentes em escolas gestaltistas, em teorias 
eugenistas e metodologias psicométricas.
Os inatistas procuram explicar o comportamento humano comparando-o com o 
dos animais, apoiando-se, em grande parte, à Teoria da Evolução das Espécies de 
Darwin, que influi principalmente entre os séculos XIX e XX na Psicologia. 
A explicação a partir de uma natureza violenta do ser humano defendida por Konrad 
Lorenz e Robert Ardrey, por exemplo, sugeria o desenvolvimento de dispositivos de 
controle sobre o ser humano, semelhante à domesticação animal. O criminoso era 
anormal e, como tal, deveria ser tratado. A transgressão era algo fora da normal.
Esta abordagem inatista e biológica atualmente é muito criticada, mas já exerceu 
um fascínio muito grande em períodos passados; acreditava que a violência era 
perpetrada por algum personagem mítico ou diferente dos demais, criando uma 
aura de mistério e de distanciamento com relação aos demais cidadãos, gerava 
uma forma de reação muito mais violenta da população que não reconhecia mais a 
humanidade naquele ser tão “estranho”. O defeito biológico ou na alma justificaria, 
inclusive, uma violência muito maior do que a causada pelo indivíduo.
Atualmente, sabemos que esta teoria não tem qualquer fundamento científico, 
mas ela não deixa de impressionar pela capacidade de fascinar, pois a ideia de 
achar uma explicação biológica para o comportamento humano nos daria certezas 
sobre nós mesmos que não encontramos nem mesmo na religião. 
Saiba mais
Assista a este vídeo didático que explica as Escolas Clássicas e Positivistas. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=rAhPl-5d9Nc. Entre os positivistas estão aqueles com as premissas racionalistas citados acima. O 
que seria o racionalismo? O racionalismo é uma concepção na qual a função racional é a única forma de produzir 
conhecimentos. Para estes autores, a realidade apresenta uma estrutura lógica inerente. Essa lógica, quando 
compreendida, nos oferece verdades sobre os acontecimentos sem a necessidade de confirmação experimental, pois 
somente com o uso da lógica e do intelecto é possível chegar a conclusões verdadeiras.
18
CAPÍTULO 1 • A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO
A explicação definitiva sobre o ser humano continua a seduzir muitos teóricos, não 
é à toa que pesquisas na área de Neurociência atraem muito mais pesquisadores 
seduzidos por discursos de verdade sobre o ser humano do que nas áreas de Ciências 
Humanas.
1.3. A Antropologia Criminal de Lombroso
Neste tópico vamos falar da abordagem científica do crime. Cesare Lombroso (1835-
1909) é considerado o principal fundador da Antropologia Criminal. Assim como ele, 
Garofalo (1852-1934) e Ferri (1856-1929) ajudaram a construir a Escola Positiva que 
defendia o determinismo do crime, com um tratamento científico do criminoso 
p ara d e f e n d e r a s o c i e d a d e, L o m b r o s o s u s t e n t o u a i d e i a d e q u e h a v i a u m a 
associação direta entre as características físicas dos indivíduos e sua índole, nos 
cr iminosos uma índole supostamente cr iminosa deter minada biologicamente 
e passível de ser ver i f icada anatomicamente.
Assim, existiriam certas características físicas que ao serem identificadas poderiam 
ser capazes de predeterminar quem estaria propenso a cometer um crime, crescia 
entre os especialistas a ideia de um ser humano geneticamente delinquente.
As características mais identificadas ao fenótipo criminoso seriam: 
protuberância occipital, órbitas dos olhos grandes, testa fugidia, arcos 
superciliares excessivos, zigomas salientes, nariz torcido, lábios grossos, 
arcada dentária defeituosa, braços excessivamente longos, mãos grandes, 
anomalias nos órgãos genitais, orelhas grandes e separadas, entre outras 
características. (CALHAU, 2003)
Saiba mais
Você pode saber mais lendo o artigo Craniologia: a pseudociência médica. Disponível em: https://www.cremesp.org.
br/?siteAcao=Revista&id=556.
Saiba mais
Para saber mais sobre Cesare Lombroso, indico este vídeo com algumas informações didáticas sobre o autor. 
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=L5s_nbhlJAk.
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A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO • CAPÍTULO 1
Figura 2. Estudo tipológico de Lombroso (classificação de Lombroso).
Fonte: https://amenteemaravilhosa.com.br/wp-content/uploads/2018/09/classificacao-de-cesare-lombroso.jpg. 
A partir de suas observações, Lombroso chegou a constatações que foram descritas 
no seu livro O homem delinquente. Nesta obra, o cientista descreve como seria 
o indivíduo criminoso, definido como um ser atávico, que teve uma regressão 
ontogenética observável em certas marcas anatômicas, características funcionais 
e psicológicas. 
Saiba mais
O ser atávico seria aquele no qual reapareceriam características que estiveram ausentes em várias gerações, mas 
reaparecem em alguns indivíduos. Essa regressão ontogenética significa que esse indivíduo tem a manifestação 
de alguma característica que os outros da mesma espécie não manifestam mais depois do processo evolutivo. Por 
exemplo, o daltonismo é uma delas, assim como o aparecimento de mamilo supranumérico.
Lombroso teorizou sobre características de regressão ontogenética que estivessem ligadas ao comportamento 
delinquente, mas ele teria que provar essas mudanças anatomicamente e, portanto, desenvolveu vários argumentos 
sobre essas alterações anatômicas e a hipótese de que a delinquência era decorrente dessa regressão genética. 
Importante
As teorias de Lombroso influenciaram os pesquisadores por quase 200 anos; somente com o avanço do 
conhecimento, suas ideias ficaram distantes da realidade científica e se mostraram estigmatizantes, preconceituosas 
e injustas.
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CAPÍTULO 1 • A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO
Lombroso, apesar desses equívocos, foi o cientista que mais chamou a atenção 
para a necessidade de estudar o comportamento criminoso. Seus estudos foram 
refutados e deram origem ao “positivismo criminológico”. O método de Lombroso 
se mostrou questionável e estava aquém dos padrões de cientificidade; na Europa 
foram rapidamente refutados. No início do século XIX elas já tinham caído em total 
descrédito na Europa; no entanto, encontraram em países como o Brasil um terreno 
fértil para se expandirem.
Houve uma recepção grande em Pernambuco, principalmente pelos juristas de 
Recife. A antropologia criminal ganhou cada vez mais espaço entre os pesquisadores 
brasileiros, mesmo eles conhecendo as críticas feitas à teoria e cientes de outras 
correntes de pensamento. Parece que a aderência a esta teoria se deve muito mais 
às necessidades de ações urgentes que colocavam setores da elite brasileira em um 
lugar de reprodução dos estigmas defendidos por Lombroso. No Brasil, encontramos 
nessa época um ecletismo maior entre a antropologia criminal (fatores inatos), a 
sociologia criminal (fatores ambientais) e a criminologia (a soma de fatores inatos 
e ambientais).
No decorrer deste debate, os pesquisadores e juristas que defenderam os pressupostos de 
Lombroso conseguiram influenciar algumas reformas legais e institucionais durante a 
Primeira República. Por isso é tão importante no Brasil entender o impacto que esta teoria 
teve na forma como juristas operavam com a legislação e a criminologia, compreender 
essa teoria estigmatizante nos ajuda a compreender nossa própria história para que 
possamos repensar práticas discriminatórias, ainda tão presentes no campo jurídico 
penal brasileiro.
Para refletir
Uma das afirmações de Lombroso era “os matadores e os ladrões arrombadores têm cabelos crespos, crânios 
deformados, fortes mandíbulas, enormes zigomas, e frequentes tatuagens; são cobertos de cicatrizes na cabeça e no 
tronco”. A partir dessa afirmação, quais afirmações você identifica que têm um preconceito étnico? E atualmente, 
apesar de não haver um cientista que defenda essa teoria, você acha que ela está presente no senso comum?
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A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO • CAPÍTULO 1
1.4. A Síndrome do Duplo “Y“ e alterações genéticas
Exite outra teoria inatista que defende a agressividade e o comportamento delituoso 
a partir da identificação cromossômica. Esta teoria foi desenvolvida em 1968 por um 
pesquisador chamado James Hamilton, do Departamento de Anatomia da Escola de 
Medicina de Downstate, nos Estados Unidos. 
Ele relatou em um experimento a existência de peixes da espécie Killi, que apresentavam 
um comportamento mais agressivo que os outros machos. Assim, ele criou uma teoria 
de que se em outras espécies os indivíduos apresentassem o duplo ‘Y’, eles também 
teriam comportamento mais agressivo. 
Os machos dessa espécie passaram a ser chamados de supermachos e, ao serem 
comparados a outros peixes, apresentavam comportamento mais incisivo na abordagem 
das fêmeas, o que correspondia a um comportamento sexual mais ativo e a uma maior 
agressividade. 
Em 1960, o pesquisador Montagu já havia detectado que em alguns seres humanos do 
sexo masculino havia a presença do duplo Y. Comparando as duas pesquisas aventou-
se a hipótese de que os comportamentos desviantes eram causados por alterações 
cromossômicas.
Nessa mesma década, o pesquisador Robert Stock lançou um livro intitulado O XXY e a 
Criminologia. A detecção de uma síndrome congênita que está associada à agressividade 
Provocação
Você sabia que em 1933, Leonídio Ribeiro recebeu da Academia Real de Medicina Italiana o Prêmio Lombroso por 
seus estudos sobre as impressões digitais, as causas endócrinas do homossexualismo masculino e a biotipologia dos 
negros criminosos? 
Como sugere o nome do prêmio recebido por Leonídio, há nas suas pesquisas uma 
ascendência clara do que se conhece por escola lombrosiana, mas este não é um 
movimento solitário. Ao contrário, Lombroso, Garofalo, Ferri e outros nomes de 
referência da criminologia italiana foram decisivos na formação do pensamento 
jurídico e médico sobre o povo brasileiro, de finais do século XIX às primeiras 
décadas do século XX, especialmente para o grupo de autores brasileiro – Afrânio 
Peixoto (1876-1947), Oscar Freire (1882-1923), Arthur Ramos (1903-1949) e, talvez em 
um degrau abaixo, Leonídio Ribeiro – que se agruparam em torno do maranhense 
Nina Rodrigues (1862-1906). (GUTMAN, 2010)
Você acha que ainda hoje sofremos com os preconceitos históricos que estão arraigados na nossa história e nos levam 
a julgamentos precipitados? Como você percebe essa manifestação no que é dito no cotidiano, que aparece como 
senso comum?
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CAPÍTULO 1 • A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO
traz imediatamente reflexos na área criminal. Uma das questões que se coloca é: um 
portador desta síndrome, ao cometer um crime, deverá ser punido com uma pena ou 
com medida de segurança?
O que seria justo no caso de um indivíduo que tem sua responsabilidade peloato questionada? Seria ele inimputável? A tendência a procurar uma explicação 
biológica é ainda muito presente na área e exerce um fascínio por criar a ideia de 
diferentes “espécies” de homens em uma busca teórica por teses eugênicas que 
separe definitivamente os “normais” dos “anormais”.
Isso desencadou uma série de pesquisas que relatavam ter descoberto características 
comuns entre os indivíduos portadores do duplo Y, entre eles estão: a agressividade, a 
inquietude, a impulsividade, um quoeficiente intelectual mais baixo, comportamentos 
de inadaptação escolar, desenvolvimento sexual abaixo da média, diversas condutas 
antissociais, excesso de espinhas na adolescência, doenças mentais e estatura acima 
da média. 
Como podemos ver, foram descritas características que levariam à afirmação de uma 
associação direta entre o comportamento delituoso e a alteração cromossômica.
Após diversos estudos comparativos, os pesquisadores constataram que não havia 
correspondência entre o duplo Y e comportamentos delituosos. Inclusive há uma 
diferença significativa entre características dos peixes e dos humanos no que diz 
respeito ao comportamento sexual. 
Na Inglaterra foi realizada uma pesquisa ampla entre 1968 e 1972 na qual constatou-se 
que dos 1811 pacientes com o duplo Y, apenas 0,08% dos doentes mentais possuíam 
o duplo Y. considerando a incidência dessa mutação na população, menos de 2% da 
população carcerária teriam esse duplo ‘y’, o que não é nem um pouco significativo 
para explicar a relação entre alteração cromossômica e comportamento delituoso.
O único consenso que houve entre os pesquisadores é que os portadores da síndrome 
do duplo Y possuem uma estatura acima da média. A frequência dessa alteração 
genetica é de 1 para cada mil nascimentos. 
1.4.1. Outras alterações genéticas
Em 1993, o pesquisador Brunner encontrou uma mutação do gene que codifica a 
enzima monoamino oxidase (MAO A) relacionada a comportamentos agressivos em 
indivíduos do sexo masculino que possuíam retardo mental. Em 1995, O pesquisador 
Cases relatou que ratos geneticamente modificados que ficaram sem a atuação 
dessa enzima apresentaram comportamentos anormais de medo, tremor, espanto 
e agressão.
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A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO • CAPÍTULO 1
Outros pesquisadores que investigaram neurotransmissores como a dopamina e a 
noradrenalina; além do óxido nítrico, associado a desordens agressivas e à enzima 
triptofano hidroxilase que, é associada ao suicídio.
Em 2017, Moffie publicou uma pesquisa na Universidade de Wisconsin que apontava 
que indivíduos que apresentem uma disfuncionalidade nos genes MAO A e que possuem 
histórico de violência, principalmente vividas na infância, têm um risco nove vezes 
maior de apresentar comportamentos antissiociais. 
Há uma indicação de que certas alterações funcionais dos genes e das enzimas 
podem causar alterações metabólicas que impactam nas emoções e nos estados 
de humor, que levariam, então, a alterações comportamentais. Mas cada indivíduo 
responde de maneira diferente a estas alterações. Por enquanto, não foi encontrada 
nenhuma alteração genética que estivesse relacionada a comportamentos delituosos, 
especialmente ao se comparar essas alterações com a população carcerária.
Em 2003 iniciaram uma pesquisa institulada Projeto Genoma Humano que durou 13 
anos e sequenciou 3 bilhões de bases do DNA da espécie humana com 99,9% de precisão. 
Apesar de todo esse mapeamento, até o momento nenhuma pesquisa encontrou um 
gene que pudesse determinar o comportamento desviante ou agressivo.
1.4.2. Estudos com gêmeos
Uma das formas que os pesquisadores encontraram de estudar o fator genético é o 
estudo com gêmeos, principalmente os monozigóticos (univetelínos), provenientes 
do mesmo óvulo e que possuem o mesmo material genético.
Os pesquisadores que se dedicam a esta investigação acreditam que se os gêmeos 
possuem material genético idêntico, então se um herdou a tendência de cometer 
crimes, o outro provavelmente também herdou os mesmos genes. Ao assumir que a 
genética tem influência sobre o comportamento criminoso, acreditam que a incidência 
de atos delituosos entre gêmeos é bem maior. 
Pesquisas feitas com crianças gêmeas que pertenciam a lares adotivos diferentes 
verificaram que a incidência é maior em contextos socioeconômicos políticos e 
Saiba mais
Vários absurdos foram cometidos em nome da ciência eugenista. A busca de marcas físicas para as raças e de 
definição genética de características da personalidade deram impulso para um médico nazista fazer experimentos 
monstruosos. Caso você tenha interesse em conhecer um pouco mais dos horrores da história eugenista e de sua total 
falta de resultados científicos, leia o artigo Mengele, as três vidas no anjo da morte. Disponível em: https://super.
abril.com.br/especiais/mengele-as-tres-vidas-do-anjo-da-morte/.
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CAPÍTULO 1 • A BIOLOgIA DO COMPORTAMEnTO CRIMInOSO
culturais distintos, revelando que há outros fatores que impactam no comportamento 
de delito e não a genética. Não existe um fator ou uma predisposição para que uma 
pessoa cometa um crime. Isso não significa que o ambiente e o contexto sozinhos 
influenciem o indivíduo, pois uma coisa é delegar à genética a responsabilidade; 
outra é reconhecer a participação do indivíduo na interação social, suas reflexões, 
experiências e atitudes são construídas e não meros reflexos do ambiente.
Sintetizando
Vimos até agora:
 » Que existem diferentes concepções para abordar o tema: o inatismo, o ambientalismo, o inatista-ambientalista, e a 
perspectiva sócio-histórica.
 » Que a Frenologia foi o primeiro passo para tornar científico o estudo da criminologia e do criminoso.
 » Que o inatismo teve forte influência no mundo e no Brasil no século XIX e incentivou vários estudos genéticos.
 » Ainda hoje há um fascínio com a possibilidade de explicar biologicamente a natureza do crime, mesmo que os 
estudos não tenham apontado nenhum resultado nessa direção.
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Introdução 
Neste capítulo vamos apresentar algumas concepções de violência, procurando 
privilegiar uma perspectiva psicossocial e sócio-histórica do conceito. Assim, 
propomos uma reflexão sobre: a) a ênfase nos aspectos jurídicos da violência; b) 
dimensões psicossociais para compreender a dinâmica da violência; c) diferentes 
modos de enfrentamento da violência, prevenção e de intervenção psicossocial.
Em cada subtópico buscaremos analisar a violência em uma perspectiva de sociabilidade 
e de impacto na subjetividade. 
Objetivos 
 » Identificar como a violência é conceituada por diversos autores. 
 » Compreender a análise das ciências psicossociais acerca da violência.
 » Contextualizar as problemáticas da violência, considerando as contradições 
inerentes aos contextos social, econômico e político da sociedade contemporânea.
2.1. Conceito de violência 
O conceito de violência é polissêmico, ou seja, tem inúmeras definições e significados. 
O conceito de violência depende do que o indivíduo que a conceitua pensa que é 
violência ou o que não é violência. É um conceito que possui uma diversidade de usos 
e finalidades quando apropriado nas relações sociais, podendo ser ressignificado, a 
depender da contextualização e das circunstâncias que implicaram a sua nomeação. 
Algumas pessoas entendem como violência algo que é perpetrado contra elas, mas 
não entendem como a violência se forma perpetrada contra uma população de rua, 
por exemplo.
2
CAPÍTULO
COnCEITOS E DIMEnSÕES DA 
VIOLÊnCIA
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CAPÍTULO 2 • COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA
Entretanto, algumas significações sobre violência são tratadas como fixas, e os autores 
tendem a normatizar e a padronizar sentidos para que possamos aplicá-los. Inclusive, 
alguns dicionários, ao definirem violência, parecem transformar a polissemia e a 
ambiguidade de sua heterogeneidade em um conceito único e com uma aparente 
neutralidade linguística (MOREIRA, 2012). 
Essa tentativa de neutralização e objetivação visa universalizarprocessos cujo 
apagamento do sujeito é uma das consequências, um “apagamento do fato de que o 
sujeito resulta de um processo, [pois a ideologia recruta] o sentido do que ouvem e 
dizem, leem ou escrevem” (PÊCHEUX, 1988, p. 157). 
Segundo o dicionário Houaiss (2009, p. 1.948), violência é 
1. qualidade do que é violento <a v. da guerra> 2. ação ou efeito de 
violentar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação 
moral contra (alguém); ato violento, crueldade, força <sem lei, a polícia 
prática violências contra o indivíduo> <o gigante derrubou a porta com 
sua v.> 3. exercício injusto ou discricionário, ger. ilegal, de força ou de 
poder <v. de um golpe de Estado> 3.1. cerceamento da justiça e do direito, 
coação, opressão, tirania <viver num regime de v.> 4. força súbita que se 
faz sentir com intensidade; fúria, veemência <a v. de um furacão> <uma 
v. de sentimentos> <a v. de sua linguagem> 5. dano causado por uma 
distorção ou alteração não autorizada <v. da censura pouco esclarecida> 
6. o gênio irascível de quem se encoleriza facilmente, e o demonstra com 
palavras e/ou ações <temia a v. com que o avô recebia tais notícias> 7. JUR. 
Constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a 
submeter-se à vontade de outrem; coação. V. arbitrária DIR. PEN. crime 
que consiste em praticar a violência, no exercício de uma função ou a 
pretexto de exercê-la. V. carnal DIR.PEN. relação sexual mantida com uma 
mulher mediante a utilização de força; estupro. 
Na definição acima, vemos contempladas diferentes concepções de violência, incluindo 
aspectos individuais, sociais, políticos e históricos. A violência deixa de ser apenas 
uma característica individual, definida pela “natureza” daquele ou daquilo que é 
violento, remetendo a um contexto. Logo, a violência pode ser pensada como modo 
de relação e não somente como uma característica inerente ao sujeito. Entretanto, o 
que chama a atenção de Moreira (2012, p. 46) é que a definição do Houaiss recorre ao 
saber jurídico para garantir universalidade do conceito, pois se utiliza de: 
(...) definições que extrapolam a margem simbólica e ganham uma 
materialidade legal: o constrangimento físico ou moral que se diluem ou na 
prática arbitrária do poder ou no abuso físico (e aqui se encaixa também a 
violência carnal) e psicológico de alguém para alguém. Novamente vemos 
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COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA • CAPÍTULO 2
a noção de violência como ato individual retomada, que não é somente 
atualizada pelo discurso jurídico, mas legitimada.
O que queremos dizer com isso? Que na sociedade atual a definição de violência está 
diretamente relacionada àquilo que é reconhecido juridicamente como violência. 
Mesmo que você entenda que algo é violento, se não estiver juridicamente definido, não 
será reconhecido como violência. Por isso, muitos grupos lutam por um reconhecimento 
jurídico, para que a violência que sofrem possa ser reconhecida como tal.
Desse modo, o esforço de definição do Houaiss acaba por revelar, para Moreira (2012), 
uma tentativa de linearização sobre a questão para se construir uma referência 
homogênea e universal. Esforço que pode ser reprodutor também de violência por 
achatar um fenômeno social tão complexo e heterogêneo. Porque você pode imaginar 
as inúmeras violências que não são materialmente comprovadas e, portanto, não tem 
como ter um reconhecimento jurídico, legal, criminal.
Não se pode perder de vista que as violências e os conflitos aparecem como parte da 
ordem social, vividos como mal-estar cotidiano, insidioso e naturalizado, e constituem 
uma questão política, carregando toda complexidade do nosso contexto histórico, 
econômico, cultural e social.
A definição de violência da Organização Mundial da Saúde é: 
o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra 
si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, 
que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, 
dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação [...] Essa 
definição cobre uma ampla gama de consequências – inclusive dano 
psicológico, privação e deficiência de desenvolvimento. (OMS, 2002)
A definição apresentada pela OMS abarca alguns elementos importantes. Podemos 
analisar separadamente:
Cuidado
Atenção: é importante diferenciar os conceitos de violência e de conflito. O conflito é uma forma de se manifestarem 
as diferenças e uma tentativa de resolução de problemas. A violência é a necessidade que um dos lados tem de 
eliminar o outro, é a negação da diferença, é não suportar o pensamento ou sentimento diferente daquilo que espera 
e tentar forçar o outro a abdicar de si mesmo. A violência visa ao fim do conflito por meio da eliminação daquele que 
foi identificado como “inimigo”.
28
CAPÍTULO 2 • COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA
 » O primeiro é que a violência é intencional; portanto, o executor do ato violento 
comete o delito para obter um resultado desejado, mesmo que seja ilegal e 
coloque todos em risco.
 » Geralmente a violência se constitui em uma ação física, mas como ela também 
pode ser exercida a partir de abuso de poder, ela pode se manifestar de forma 
psicológica, emocional, simbólica. São violências que podem deixar marcas na 
saúde mental das vítimas por anos, gerando traumas e doenças mentais;
 » A violência não necessariamente é direcionada a uma pessoa; pode ser executada 
por alguém que tem muito poder sobre um grupo ou sociedade, cuja ação é 
ampla, como aquela exercida por tiranos e fascistas em seu povo;
 » A violência também pode ser praticada pelo executor contra si mesmo. A violência 
pode ser como uma forma de dar fim à vida ou como forma de protesto. Você já viu 
indivíduos que buscam na violência contra si mesmos uma forma de chamar a 
atenção para problemas sociais, econômicos e políticos?
 » A OMS reconhece não só a violência que vitimiza indivíduos, mas aquela que 
vitimiza grupos. Como das comunidades ribeirinhas, que sofrem com a falta de 
saneamento básico e, por isso, têm um índice de mortalidade muito maior do que 
em comunidades com saneamento básico.
Žižek (2014) diz que é necessário combater todas as formas de violência. A primeira 
forma que o autor destaca é a violência física e que ocorre de forma direta, tem um 
agente claramente definido que amedronta e intimida a vítima e que pode, em última 
instância, causar terror e extermínio em massa. A segunda é a violência ideológica, 
que cria um ambiente latente de violência social e que é, muitas vezes, naturalizada. 
Esta forma de violência se manifesta por atos racistas, homofóbicos e machistas. Por 
fim, Žižek fala da forma sistêmica da violência, de um capitalismo que se funda nas 
desigualdades e na injustiça e que tem efeitos catastróficos na sociedade, inclusive 
a fome.
Para refletir
Reportagem de 2019: Fome aumenta no mundo e atinge 820 milhões de pessoas. Para a Organização Mundial da 
Saúde, este tipo de violência é social. Mas quem são os responsáveis por este problema? As vítimas? Quais são as 
causas? O que podemos dizer sobre a fome nas regiões mais pobres do País?
Embora não seja possível punir legalmente um grupo ou uma pessoa pela fome, isso não deixa de ser uma violência 
social, inclusive reconhecida pela Organização Mundial de Saúde.
29
COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA • CAPÍTULO 2
Apesar dos vários esforços para definir a violência, ao se falar desse fenômeno, não 
podemos desconsiderar as relações de poder, o abuso de poder e a naturalização 
da violência. Não devemos esquecer que violência também é uma interpretação 
daquilo que entendemos como normal e previsível. Muitas vezes, na sociedade, 
uma classe social cria uma barreira para isolar-se da sua própria concepção de 
violência, ela tem uma concepção para si mesma e outra para os demais. 
Cerqueira e Moura (2015) afirmam que “a cada 1% de diminuição na taxa de 
desemprego de homens faz com que a taxa de homicídio diminua de 2,1%”. No 
entanto,o desemprego não só causa violência, ele é uma violência em si mesmo. 
Parcelas cada vez maiores de trabalhadores não encontram alternativas de inserção 
social estável na sociedade, transitam à margem do trabalho e das formas de trocas 
socialmente reconhecidas ou estão desempregados, procurando um primeiro 
emprego, ou sendo terceirizados em trabalhos precários e intermitentes.
A definição ou conceito de violência é mais amplo do que a violência física e 
p re c i s a m o s c o m p re e n d e r e re s p o n s a b i l i z a r p a ra q u e a ç õ e s s e j a m f e i t a s n o 
sentido de diminuir o máximo, já que o f im da violência parece muito dif ic i l 
de alcançar. As consequências da violência são, muitas vezes, i rreversíveis, 
podem causar dano f ís ico, inclusive a mor te de pessoas, danos psicológicos, 
deficiências de desenvolvimento devido à privação e colapso social , violências 
que acarretam outras violências.
A Organização Mundial de Saúde vai falar ainda sobre o dano psicológico causado 
pela violência como algo que deve ser combatido, pois se manifesta de forma tão 
prejudicial na vida das pessoas quanto o dano físico. Ele traz um prejuízo adaptativo, 
causa outros tipos de sofrimento, possui uma relação de causalidade com eventos 
traumáticos que impossibilitam a vítima de se recuperar.
Assim como o dano psicológico, o abandono e a privação também são outras 
formas de violência, que trazem sequelas que nem sempre são reconhecidas pelas 
próprias vítimas como violência. Tanto crianças quanto adultos podem ser levados 
a condições de privação intencional por agressores que visam, intencionalmente 
e de maneira dissimulada, provocar a privação e a morte de indivíduos e grupos 
de pessoas.
30
CAPÍTULO 2 • COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA
2.2. Tipologia da violência 
A Organização Mundial da Saúde (OMS), com intuito de esclarecer as formas de 
violências que se manifestam na sociedade, estabelece uma tipologia de três grandes 
grupos de acordo com quem comete o ato violento: 
 » violência contra si mesmo: que seria a violência autoprovocada ou autoinfligida, 
estão nesta categoria a ideação suicida, autoagressões, tentativas de suicídio e 
suicídios. 
 » Violência interpessoal : comumente chamada de violência doméstica e 
comunitária.
A violência doméstica ou intrafamiliar ocorre entre os parceiros íntimos, que ainda 
têm ou já tiveram alguma relação, e entre os membros da família, geralmente no 
mesmo espaço doméstico, mas qualquer membro da família que seja agredido será 
compreendido como violência doméstica. Lembrando que a violência é toda ação 
direta ou omissão que cause dano, prejudicando o bem-estar dos indivíduos, sua 
integridade física, psicológica ou sua liberdade. 
Todos os indivíduos têm direito ao pleno desenvolvimento e se houver qualquer 
impedimento intencional para que este desenvolvimento ocorra, dentro ou fora de 
casa por algum outro membro da família, a violência se enquadra como violência 
doméstica.
Provocação
Na sociedade atual, que situações entendemos como normais e previsíveis, mas que se pensarmos cuidadosamente 
podemos perceber que há uma violência? A violência que visa controlar movimentos sociais também tenta 
conquistar a mesma legitimidade.
Assim, a violência aparece como tanto mais aceitável quanto se apresente sob uma face “asséptica”. A violência nos 
campos de concentração era considerada normal porque o discurso ideológico era que essas ações visavam ao bem 
da Alemanha. Que ações violentas hoje estão legitimadas pelo bem da sociedade?
Para refletir
Os voluntários do Centro de Valorização da Vida realizam apoio emocional e trabalham para a prevenção do suicídio. 
Eles atendem de forma voluntária e gratuitamente 24 horas. Se você quer e precisa conversar, sob total sigilo por 
telefone, e-mail ou chat, entre em contato. Mais informações em: https://www.cvv.org.br/.
31
COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA • CAPÍTULO 2
Isso inclui pessoas que passaram em algum momento a assumir função parental, 
como padrastos, madrastas, tios/as, ainda que não tenham laços consanguíneos 
com a vítima. A violência doméstica ou intrafamiliar refere-se às relações que se 
constrói e efetiva entre os indivíduos que compartilham relações, são incluídos 
nessa categoria os empregados(as) e pessoas que convivem esporadicamente, 
como os agregados.
O termo violência doméstica entre parceiros íntimos refere-se a todo e qualquer 
comportamento que cause dano em uma relação íntima, incluindo a violência 
cometida fora da unidade doméstica, mas que envolva relação íntima de afeto, e que 
pode se manifestar como violência física, psicológica, sexual, moral, patrimonial 
e o comportamento controlador. Esse tipo de violência é um comportamento 
conscientemente hostil por parte do companheiro e sua ação é intencional no 
sentido de causar dano físico ou psíquico, podendo ser também um dano jurídico, 
econômico, social , moral ou sexual. A intenção do agressor é atentar contra 
a liberdade e o direito da pessoa, contra a dignidade e sua integridade física, 
psicológica, econômica, moral.
Na maioria dos casos de violência doméstica, a agressão física não é um evento isolado, 
ela faz parte de um padrão contínuo de abusos psicológicos e que, muitas vezes, 
culminam em atos de violência física. São imprevisíveis para a vítima, pois não têm 
causa aparente, mas ao mesmo tempo acontecem agressões sistemáticas, podendo 
acontecer uma intensificação até se tornarem episódios diários. 
Na violência em geral, e na violência doméstica em particular, o abuso de álcool e 
outras drogas foi considerado um fator importante associado à intensificação da 
violência física e ao feminicídio.
Figura 3. Enfrentamento da violência doméstica.
Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/woman-fighting-back-giant-fist-protecting-1128472760.
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CAPÍTULO 2 • COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA
 » Violência coletiva: é a violência interpessoal, extrafamiliar ou comunitária, 
é a violência cometida por grupos políticos, organizações terroristas ou 
milícias, por exemplo.
Esta violência é aquela que ocorre no ambiente social mais geral, entre conhecidos 
ou desconhecidos. As agressões podem ser em relação à integridade da vida ou dos 
bens, integridade física ou moral. 
Este tipo de violência se constitui como objeto de prevenção e também de repressão 
pelas forças de segurança pública e pelo sistema de justiça, como as polícias, o 
Ministério Público e o Poder Judiciário.
Figura 4. Desigualdade social.
Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/poor-boy-collecting-garbage-his-sack-1418139839.
Observe a lei
A lei brasileira tem avançado na prevenção e intervenção em casos de violência doméstica a partir da Lei n. 11.340, 
de 7 de agosto de 2006, também conhecida como Lei Maria da Penha. Existem as Delegacias da Mulher e as Varas 
de Violência Doméstica que atendem inúmeras denúncias e casos de violência que ocorrem no Brasil. O Disque 180 
é uma Central de Atendimento do Governo Federal para casos de violência doméstica. Já os casos de violência ou 
assédio devem ser comunicados pelo número de telefone 190. 
Reflita: Por que a grande maioria de denúncias de violência doméstica e intrafamiliar são perpetradas contra 
mulheres, crianças e adolescentes?
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COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA • CAPÍTULO 2
Figura 5. Violência.
Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/close-teenage-boy-urban-gang-holding-1433575952.
Além dessas classificações dos três grandes grupos, a violência pode ser definida 
considerando também a qual grupo ou pessoa ela é direcionada: mulheres, crianças, 
idosos, indígenas, deficientes, população LGBT etc.
Figura 6. grupos de resistência identitária.
Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/revelers-annual-gay-pride-parade-hold-1379623007.
Provocação
Quanto vale a vida? Roubo e furto são crimes contra o patrimônio e são os crimes mais comuns. Não defendemos 
nenhumtipo de violência, no entanto vemos na sociedade algumas ações que nos levam a refletir. Veja a reportagem 
Ladrão é baleado após furto de celular no Riacho Fundo. Qual sua opinião? Disponível em: https://www.
correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2019/11/15/interna_cidadesdf,806715/video-ladrao-e-baleado-
apos-furto-de-celular-no-riacho-fundo.shtml.
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CAPÍTULO 2 • COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA
Os movimentos sociais tentam chamar a atenção para a violência social contra 
minorias e a busca de ações e políticas públicas que protejam o direito à liberdade 
dos grupos minoritários.
Outra categoria que a OMS estabelece são as distinções sobre a natureza da 
violência, separando em: física, psicológica/moral, tortura, violência sexual, tráfico 
de seres humanos, violência econômica/financeira, negligência ou abandono, 
trabalho infantil , violência por Intervenção legal
 » Violência física: essa violência é também denominada maus-tratos ou abuso 
físico. São atos violentos nos quais o indivíduo faz uso da força física de forma 
intencional, não é um ato acidental, tem como objetivo ferir a vítima, lesar, 
provocar sua dor ou sofrimento, e até mesmo destruir a pessoa. 
A violência física pode deixar marcas evidentes no corpo e ser causada de várias 
formas, como: tapas, empurrões, beliscões, torções, chutes, arremesso de objetos 
contra vítima, estrangulamentos, perfurações, queimaduras, cortes, mutilações, dentre 
outras. A violência física também é categorizada no caso de ferimentos por arma de 
fogo, incluindo nesta categoria as situações de bala perdida ou por ferimentos com 
arma branca.
Figura 7. Violência física.
Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/woman-pointing-gun-target-on-dark-524028844.
 » Violência psicológica/moral: essa é uma forma de violência mais difícil de 
comprovar a materialidade. Mas ela se caracteriza por toda forma de rejeição, 
discriminação, desrespeito, depreciação, punições humilhantes e imposição 
para que a pessoa atenda às necessidades de outra. 
A violência psicológica é toda ação que coloca em risco ou causa dano à autoestima 
da vítima, que atinja sua identidade ou seu desenvolvimento como pessoa. Também 
pode se manifestar como violência moral, como, por exemplo, no assédio moral, 
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COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA • CAPÍTULO 2
quando a violência ocorre no ambiente de trabalho, na qual o agressor se aproveita 
de uma posição de poder para abusar do seu empregado ou colega, pode acontecer 
do empregado para o patrão, mas é muito mais raro. 
Ela se manifesta por gestos agressivos, atitudes ou outras manifestações, no assédio 
moral elas são repetidas e sistemáticas, e têm como intuito atentar contra a dignidade 
ou a integridade psíquica de uma pessoa, que ameace seu emprego ou degrade as 
relações de trabalho. Portanto, a violência moral vem na forma de calúnias, difamações 
ou injúrias à honra ou à reputação da pessoa. 
O agressor prefere escolher entre as vítimas aquelas que são mais autocríticas por 
serem mais suscetíveis às suas agressões, quanto mais a vítima espera aceitação do 
agressor, mais estará sujeita a ser sua vítima. 
O bullying é outro exemplo de violência psicológica, mas o termo é mais utilizado 
no contexto escolar e nas relações entre adolescentes, e que ultimamente tem se 
manifestado como o cyberbullying.
 » Tortura: é uma violência que também é física, tem como intuito constranger 
alguém com emprego de força uma ameaça grave, infligindo sofrimento físico 
e mental com a finalidade de obter informações, declarações ou confissões 
da vítima ou de uma terceira pessoa. É a violência de tortura quando a 
pessoa provoca uma ação ou comete uma omissão de natureza criminosa por 
discriminação racial ou religiosa.
Também pode ser definida como o ato de submeter alguém que está sob sua guarda, 
poder ou autoridade, para que ela cometa alguma ação, para isto o agressor emprega 
força física ou grave ameaça, obrigando a vítima à ação, provocando intenso sofrimento 
físico e mental. A tortura também pode ter intenção de castigo pessoal ou medida de 
caráter preventivo.
 » Violência sexual: a violência sexual é quando o agressor se utiliza do abuso de 
poder e faz uso de força física, seja por meio de coerção, intimidação ou influência 
psicológica, podendo fazer uso ou não de armas ou drogas, na qual obriga outra 
pessoa, de qualquer sexo e idade, a ter relações sexuais, presenciar atos sexuais 
ou participar de alguma interação sexual sem consentimento. O abuso sexual 
Observe a lei
Ver a lei que define tortura: Lei n. 9.455/1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9455.htm.
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CAPÍTULO 2 • COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA
significa utilizar, de qualquer modo, da sexualidade da vítima, seja com intuito 
de obter lucro, vingança ou prazer pessoal. 
Os comportamentos que estão incluídos como violência sexual são as situações de 
estupro, de abuso incestuoso, de assédio sexual, de sexo forçado no casamento, de 
jogos sexuais ou práticas eróticas não consentidas, ou impostas, a pornografia 
infantil , a pedofilia, o voyeurismo , o manuseio dos órgãos genitais, a penetração 
oral, anal ou genital. O abuso pode ocorrer com pênis ou outros objetos, de forma 
forçada. 
Inclui também a exposição coercitiva ou constrangedora a atos libidinosos que 
a vítima não consentiu, o exibicionismo, a masturbação, a linguagem erótica, as 
interações sexuais de qualquer tipo e o uso de material pornográfico com a vítima. 
Estão categorizados como violência sexual os atos que impeçam o uso de qualquer 
método contraceptivo ou que forcem o matrimônio, seja mediante a coerção, a 
chantagem, o suborno ou o aliciamento, podem ser referentes à gravidez, ao aborto 
ou à prostituição. 
São abusos sexuais quaisquer ações que limitem ou que anulem em qualquer pessoa 
a autonomia, que a coloquem em estado de inconsciência para cometer o abuso 
e que impeçam sua escolha no exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. 
A violência sexual é crime e, infelizmente, é muito comum ocorrer no ambiente 
doméstico, por um familiar: pai, mãe, padrasto, madrasta, companheiro(a), esposo(a).
 » Tráfico de seres humanos: o tráfico de seres humanos é uma violência que inclui 
recrutamento das vítimas, transporte, transferência e alojamento de pessoas. 
Esta é uma violência que recorre à ameaça, à fraude, ao rapto, à mentira, ao 
engano, ao abuso de autoridade e de poder, com uso da força ou outras formas 
de coação, utilizando-se de situações de vulnerabilidade. 
Tem como intuito colocar a vítima para exercer a prostituição, trabalho sem remuneração, 
em regime de escravidão ou servidão, imposição de casamento ou a prática para a 
remoção e comercialização de seus órgãos, utilizando, para isso, a força física ou 
qualquer outro mecanismo. 
O tráfico de pessoas pode tanto ocorrer dentro de um mesmo país como entre 
países. Portanto, toda vez que houver movimento de pessoas por meio de engano, 
falsificação ou coerção, com o fim de explorá-las ou subjugá-las, caracterizamos 
como tráfico de pessoas.
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COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA • CAPÍTULO 2
 » Violência financeira ou econômica: esta é uma violência também conhecida 
como violência patrimonial, que impacta no dano monetário ou patrimonial, 
com perda, subtração, destruição ou retenção de dinheiro, de objetos, de 
documentos pessoais, de instrumentos de trabalho, de bens e valores da 
vítima. 
Este tipo de violência implica a exploração imprópria ou ilegal dos ganhos da 
vítima, ou no uso não consentido de seus recursos financeiros e patrimoniais. É 
uma violência que ocorre principalmente no âmbito familiar, sendo mais frequente 
acontecer contra pessoas vulneráveis, como as pessoas idosas, as mulheres e os 
deficientes.
Figura 8. Violência financeira.
Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/elderly-protect-her-savings-being-stolen-1609099171.
 » Negligência/abandono: a violência também se manifestapela omissão de 
socorro, abandono de vulnerável ou negligência. É o tipo de violência na qual 
o agressor comete por falta de ação e não por uma ação direta, é a omissão em 
prover as necessidades para alguém que está sob seus cuidados, inclusive os 
cuidados básicos para o desenvolvimento físico, emocional e social da pessoa 
que é sua vítima. 
Saiba mais
O tráfico de humanos afeta muito mais mulheres e meninas do que homens e meninos. Veja um relatório das Nações 
Unidas sobre esse problema que atinge todas as nações. Disponível em: https://nacoesunidas.org/?s=trafico+de+pes
soas&x=10&y=16.
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CAPÍTULO 2 • COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA
Por exemplo, a pr ivação de medicamentos para alguém que está doente; fa l ta 
de cuidados necessár ios com a saúde de uma vít ima que precisa de cuidados 
especiais; descuido com a higiene de cr ianças, idosos ou vulneráveis; ausência 
de proteção dos mais vulneráveis diante de situações que os coloquem em risco 
ou não os proteja contra as inclemências do meio ( fr io ou claro, por exemplo); 
caracter iza-se pela ausência de est ímulos às cr ianças sob seus cuidados ou de 
oferecer condições para a frequência das cr ianças à escola. 
O abandono de vulneráveis é uma das formas extrema de negligência, e infelizmente é o tipo 
mais comum de violência perpetradas contra crianças.
 » Trabalho infantil: é uma violência bastante combatida por ter sido muito comum 
em países periféricos, mas ainda está bastante presente no nosso país. Essa 
violência compreende um conjunto de ações ou atividades desempenhadas 
por crianças, no qual adultos têm um ganho econômico direto ou indireto. Sua 
prática impede ou inibe que as crianças possam viver plenamente sua infância 
e adolescência. 
Esta é uma violência que se refere a qualquer tipo de atividade executada por crianças 
e adolescentes, de forma obrigatória e regular, geralmente rotineira, mas pode ser 
remunerada ou não. Geralmente as condições de trabalho em que as crianças são 
colocadas são desqualificadas e põem em risco sua saúde, seu bem-estar físico, 
psíquico, social e moral, são incapacitantes, pois limitam suas condições para um 
desenvolvimento cognitivo e afetivo saudável e seguro para sua vida.
Observe a lei
Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Garante os direitos de crianças e adolescentes por meio do Estado da Criança e 
do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
Observe a lei
Veja que a Constituição Federal de 1988 estabelece a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a pessoas 
menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos. Sendo possível apenas a partir dos 14 anos na 
condição de aprendiz. Ver a redação da Constituição Federal de 1988 no site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicaocompilado.htm. E a Emenda Constitucional n. 20, de 1998, art. 7º, inciso XXXIII, que se 
refere ao trabalho infantil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc20.
htm.
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COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA • CAPÍTULO 2
Quando na condição de aprendiz, o adolescente deve exercer a atividade laboral em 
horários e locais que não o impeçam de frequentar a escola e não prejudiquem a sua 
formação e seu adequado desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.
 » Violência por intervenção legal: este tipo de violência se caracteriza pela 
intervenção de agente legal público, isto é, de representante do Estado, seja 
pela polícia ou de outro agente da lei no exercício da sua função. De acordo com 
o Código Internacional de Doenças CID-10(MEDICINANET, s/d), este tipo de 
violência pode ocorrer com o uso de armas de fogo, uso de explosivos, de gás, 
de objetos contundentes, de empurrão, de golpe, de murro ou chute, podendo 
resultar em ferimentos, agressões, constrangimentos e mortes. 
A forma mais comum de identificar a violência é por meio da judicialização, quando 
o ato ganha visibilidade ao ser tipificado no Código Penal.
A equivalência entre crime e violência é um engodo, pois nem todo crime é violência 
e nem toda violência é crime. Insistir nessa correspondência reduz o conceito de 
violência e limita a compreensão do fenômeno. Além disso, induz à crença equivocada 
de que o Direito Penal é o único mecanismo social que pode servir para combater a 
violência, sendo que esta não pode ser combatida apenas com penalidades. 
A sociedade não pode prescindir de diversos meios para enfrentar a violência em 
todas as suas manifestações, mas os campos jurídico e penal são acionados, 
prioritariamente, com o intuito de combater aquela violência vista como “irracional”. 
Entretanto, centrar a questão da violência unicamente no Direito Penal dá margem 
às criminalizações estigmatizadas e descontextualizadas.
É preciso compreender como a representação social da violência, na sociedade 
contemporânea, tem servido para oprimir e reprimir uma população já excluída, 
legitimando uma ação do Estado que pode ser tão ou mais violenta do que a suposta 
violência que intenta combater. Uma sociedade individualista e marginalizante defende 
que o Estado pode conceber o crime como uma ação criminosa contra a população 
ou como um crime contra o próprio Estado. No primeiro modelo, o indivíduo tem 
direito à ampla defesa, possui garantias penais e processuais; no segundo modelo, 
ele é considerado um inimigo do Estado (MORAES, 2006, p. 200).
Observe a lei
A Lei Federal n. 4.898/1965 foi revogada e substituída pela Lei n. 13.869, de 5 de setembro de 2019, que flexibiliza 
o crime de abuso de autoridade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/
L13869.htm#art44.
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CAPÍTULO 2 • COnCEITOS E DIMEnSÕES DA VIOLÊnCIA
A violência identificada pelo ato objetivo, pela violência física que amedronta, não deve ser 
desconsiderada, mas nomeá-la e naturalizá-la como a principal forma de violência é 
voltar à questão da legitimidade do aspecto criminal e legal da violência, reduzindo 
as relações sociais às tragédias individuais. Se houvesse a comparação do aumento de 
casos de homicídio com as perdas de direitos da população, fragilização das condições 
sociais, desemprego e falta de condições materiais poder-se-ia esclarecer que são essas as 
violências fundantes da nossa sociedade, a qual se baseia na exploração da mão de obra, 
na concentração de riquezas e na desigualdade social. 
E, por fim, vamos falar de dois tipos de violência: a violência política e a violência cultural.
O que fazer quando não há consenso? O que acontece quando uma parte significativa 
da população questiona as decisões e o modo de funcionamento das instituições 
sociais e de governos, enquanto outra parte insiste em manter o funcionamento 
da sociedade tal como está? É inerente ao modelo capitalista de Estado legitimar 
o uso da força para aqueles que detêm o poder de reprimir quem se opõe a ele. Ou 
seja, o processo político desse modo de funcionamento implica silenciar quem está 
excluído e quem luta por uma sociedade não excludente. O Estado tem na sua base 
a legitimidade para reprimir aqueles que se manifestam e se posicionam contra o 
Estado. Nesse processo, quem diz o que é violência?
Em circunstâncias de conflitos sociais, o discurso político é o de aumentar a 
repressão, argumentando que está trabalhando para a segurança da população. 
Vale-se inclusive do termo violência como significante-mestre no entrelaçamento de 
um discurso estratégico com o intuito de produzir medo e insegurança. A partir da 
incorporação da violência como significante-mestre torna-se naturalizado o poder 
legitimador do Estado de colocar as instituições policiais para conter a violência da 
população que contesta. Diante da instabilidade provocada pelo discurso midiático 
do medo da violência, os representantes do Estado passam a ser os defensores da 
segurança e da estabilidade. 
Cuidado
Não há uma equivalência entre crime e violência. Infelizmente, as situações

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