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Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS TIREOTOXICOSE: A tireotoxicose denomina o estado clínico resultante do excesso de atividade dos hormônios tireoidianos sobre o corpo. Esse quadro pode ou não ser associado à hiperfunção da tireoide (hipertireoidismo). Principais etiologias de tireotoxicose associadas ao hipertireoidismo (esq.) ou não-relacionadas (dir.) TIREOTOXICOSE POR HIPERTIREOIDISMO: DOENÇA DE GRAVES: A doença de Graves (DG), principal forma de hipertireoidismo, é uma síndrome marcada pela presença de disfunções endócrinas (evidenciadas pelo bócio), oftalmopatia e mixedema pré-tibial. Essa doença é mais comum em mulheres com faixa etária entre 40 e 60 anos, condição que pode ser associada aos efeitos do estrogênio sobre o sistema imune. A DG é menos prevalente em negros, quando comparada em caucasianos e asiáticos. A principal causa dessa condição é a síntese de autoanticorpos, especialmente de TRAb (anti-receptor de TSH), marcador patognomônico da DG. Tais imunoglobulinas mimetizam a ação do TSH, ativando mecanismos intracelulares que estimulam a produção de hormônios tireoidianos, bem como a hiperplasia e hipertrofia dos folículos dessa glândula. Observa-se que esses mediadores não são bloqueados pelo feedback negativo, de modo que a hiperprodução hormonal se torna crônica. Mecanismo fisiopatológico da DG sobre a tireoide O desenvolvimento dos sintomas extratireoidianos típicos resulta da infiltração da musculatura ocular ou da pele por linfócitos T alterados que se ligam a receptores de TSH dos fibroblastos, liberando citocinas pró-inflamatórias e estimulando a secreção de ácido hialurônico, que provoca edema tecidual. O tabagismo e a suplementação de iodo podem precipitar o início da DG em indivíduos predispostos, assim como estressores emocionais (ex.: divórcio, perda de entes queridos). Ainda não se sabe se a DG se origina da ausência de linfócitos T supressores ou da apresentação de antígenos anormais às células foliculares, que resulta na secreção de mediadores inflamatórios Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS Processos fisiopatológicos associados à oftalmopatia de Graves MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Sinais e sintomas gerais de hipertireoidismo são observados na DG, de modo que indivíduos jovens (20 a 50 anos) costumam apresentar nervosismo, palpitações, diarreia, intolerância ao calor, sudorese e perda de peso. Idosos cursam com miopatia severa, com perda abrupta de massa muscular, e fibrilação atrial, sendo os demais sintomas menos comuns. Dentre a sintomatologia específica para a doença de Graves, destacam-se: Bócio difuso: achado comum em pessoas < 50 anos, apresentando consistência firme e elástica, com tamanho variável; Tireoide aumentada em paciente com DG Mixedema pré-tibial: caracteriza-se pela presença de pele espessa com pápulas ou placas elevadas e violáceas, sendo também possível a ocorrência de prurido e dor local; Placas violáceas em região supramaleolar Oftalmopatia: é evidenciada por sinais de exoftalmia, como proptose, lid lag (retração palpebral), e edema periorbitário. Apresentações típicas da oftalmopatia de Graves Acropatia: o baqueteamento digital é uma manifestação menos frequente (< 1% dos pacientes), normalmente associada aos demais sinais clínicos da doença. Acropatia em paciente com DG Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da doença de Graves pode ser determinado por aspectos clínicos e laboratoriais, sendo esses últimos especialmente úteis para formas subclínicas da síndrome. Todos os pacientes apresentam níveis diminuídos ou suprimidos de TSH associados a T4 livre aumentada. A detecção de TRAb é positiva em 99% dos casos, porém ressalta-se que esse anticorpo também pode ser observado em ¼ dos portadores de tireoidite de Hashimoto. De modo semelhante, a presença de anti-TPO ou anti-TG é relativamente comum, indicando o caráter autoimune da doença. Algoritmo para avaliação diagnóstica da doença de Graves TRATAMENTO: O tratamento da DG tem como objetivos a resolução dos sintomas e o bloqueio da produção ou ação dos hormônios tireoidianos, uma vez que o controle da síntese de autoanticorpos é ineficaz. Observa-se, contudo, que as medicações de escolha para o controle da DG são o metimazol (5-15 mg, 12/12h) e o propiltiouracil (100-15 mg, 8/8h), ambos responsáveis por inibir a atividade hormonal da tireoide, ainda que o primeiro também comprometa a captação do iodo, e o último bloqueie a 5’-desiodase, enzima que converte T4 a T3. O metimazol costuma ser o fármaco de 1ª linha para DG em decorrência do conforto posológico, baixo custo e melhor resposta terapêutica. Recomenda-se o uso de fármacos antitireoidianos por 12 a 18 meses, com reavaliações laboratoriais ocorrendo a cada 4-6 semanas. Com o eutireoidismo, a dose dos fármacos pode ser reduzida. Os efeitos adversos mais comuns são prurido, urticaria, artralgias, febre, aftas, náusea e icterícia, desaparecendo com a suspensão do medicamento. Reações mais graves, como hepatotoxicidade (para o propiltiouracil), anemia aplásica e vasculites são mais raras. A cintilografia da tireoide deve ser reservada para o planejamento de terapia com iodo radioativo ou para o descarte de outras etiologias para a tireotoxicose O propiltiouracil só é empregado inicialmente na tempestade tireoidiana, no 1º trimestre de gestação e na presença de intolerância ao metimazol O controle sintomático é feito por meio de betabloqueadores (propranolol, atenolol ou metoprolol), iniciados na presença de sintomas adrenérgicos (tremores, ansiedade e palpitações) Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS Reações adversas às tionamidas (antitireoidianos) A radioterapia com iodo (iodoterapia) é uma estratégia bastante eficaz, induzindo o eutireoidismo em 6 a 8 semanas. Como pode causar piora dos sintomas, recomenda-se o uso de drogas antitireoidianas, porém elas devem ser suspensas de 7 a 14 dias antes, para evitar resistência terapêutica. A dose média de iodo radioativo administrada em adultos é de 5 a 30 mCi. O hipotireoidismo é o efeito colateral mais frequente (e esperado) após a radioterapia. No entanto, é necessário monitorar o desenvolvimento de tireoidite actínica, que surge depois de 5 a 10 dias do tratamento, com dor cervical e sintomas de tireotoxicose, devido à liberação de hormônios pré-formados. O manejo dessa situação é feito com AINES ou prednisona (20 mg/dia). Efeitos adversos sistêmicos da radioterapia Como contraindicações à iodoterapia, destacam-se gestantes, lactantes ou mulheres que querem engravidar no próximo ano, pacientes com nódulos tireoidianos malignos ou com oftalmopatia de Graves ativa Por fim, a resolução cirúrgica da DG cm tireoidectomia total é indicada para condições específicas, como alergias às drogas antitireoidianas, crianças e na impossibilidade de realização de terapia com radioiodo. O hipotireoidismo (e hipoparatireoidismo) são permanentes, de forma que a levotiroxina deve ser iniciada 7 dias após a cirurgia, para manutenção dos níveis hormonais. Como complicações importantes, destacam-se a lesão do nervo laríngeo recorrente, a hipocalcemia transitória (corrigida por suplementação) e infecções. Representação esquemática da tireoidectomia total As contraindicações para uso de fármacos antitireoidianos são contagem de neutrófilos < 500/mm³ e a elevação de transaminases > 5x o limite superior de normalidade Após o tratamento, o paciente deve ser mantidoem isolamento por 48 horas, evitando contato próximo com crianças e gestantes por uma semana O alcance de função tireoidiana normal deve ser garantido antes da operação, seja pelo uso de tionamidas ou de propranolol (com ou sem iodeto de potássio) Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS BÓCIO MULTINODULAR TÓXICO (BMT): O bócio multinodular é definido pelo aumento da tireoide em decorrência de múltiplas formações de tamanho variado, sendo considerado como tóxico quando acompanha alterações laboratoriais sugestivas de hpertireoidismo. Essa “mudança” do caráter hormonal pode ser precipitada pelo aumento na oferta de iodo (mudança nutricional) ou pelo uso de medicações//contraste iodado (efeito Jod-Basedow). A patogênese desse quadro é desconhecida, no entanto observa-se que fatores de crescimento estimulam a proliferação folicular em áreas nodulares, por vezes se desenvolvendo de modo autônomo, sem depender do TSH. A histopatologia revela focos hipercelulares, áreas císticas e segmentos com fibrose tecidual extensa, desfigurando a anatomia tireoidiana. Evolução do bócio tireoidiano atóxico para o BMT MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: O quadro clínico típico cursa com desenvolvimento insidioso de bócio e sinais leves de tireotoxicose, como taquicardia, tremores, nervosismo, fibrilação atrial e perda de peso. DIAGNÓSTICO: A avaliação laboratorial revela sempre TSH suprimido, com elevação de T3 bem superior à de T4, supostamente pela ativação de deiodase tipo 1. A ultrassonografia de tireoide é capaz de revelar nódulos não palpáveis ao exame clínico, determinando suas características, porém é a cintilografia o exame com maior poder de confirmação diagnóstica, uma vez que permite distinguir os padrões de captação do iodo radioativo. Padrões de captação típicos e exames complementares na avaliação do hipertireoidismo No BMT, observam-se áreas de hipercaptação (áreas quentes) heterogêneas, ao contrário do bócio difuso, que cursa com captação uniforme. A presença de BMT é maior em idosos, especialmente em mulheres, podendo ser a evolução do bócio atóxico ou parte do quadro clínico da síndrome de Marine- Lenhart (se ocorre junto à oftalmopatia de Graves) Quando o BMT atinge grandes dimensões, ocorrem sintomas compressivos, como manifestações cardiovasculares, desconforto respiratório, rouquidão e disfagia Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS Diferentes graus de captação de radioiodo em patologias da tireoide TRATAMENTO: O tratamento definitivo do BMT pode ser feito com a tireoidectomia total ou parcial, precedida pelo uso de tionamidas (metimazol ou propiltiouracil), indicada especialmente para pacientes com sintomas compressivos, ou por meio da radioablação, também após controle farmacológico. O radioiodo levara à diminuição da população de folículos tireoidianos, requerendo doses mais elevadas do que as usadas na DG. A injeção percutânea com etanol, apesar de ter uso preconizado para o adenoma tóxico, apresenta bons resultados em estudos iniciais em pacientes com BMT. ADENOMA TÓXICO: O adenoma tóxico, também conhecido como doença de Plummer, é um nódulo tireoidiano autônomo e hiperfuncionante que leva a síntese suprafisiológica de hormônios. Esse quadro apresenta maior incidência em áreas com ingesta insuficiente de iodo, sendo mais comum em mulheres > 60 anos. As nodulações são formadas por alterações monoclonais de receptores de TSH e células foliculares que realizam captação acentuada de iodo e produção hormonal independente de TSH. As mutações favorecem a formação de AMPc (ligações sucessivas à proteína G), induzindo hiperplasia celular. Os já descritos sintomas de hipertireoidismo surgem quando o nódulo solitário ultrapassa 3 cm. Por vezes também pode haver dor e edema decorrente de hemorragia espontânea, que pode evoluir para necrose e calcificação. Predominam as manifestações cardiovasculares, com notada ausência de oftalmo e miopatias. DIAGNÓSTICO: A dosagem de hormônios tireoidianos cursa com TSH suprimido e aumento de T4 total/livre e/ou T3 total/livre (pois o nódulo pode acentuar a síntese de um hormônio em detrimento do outro, que se mantém em níveis normais). A identificação de autoanticorpos é negativa. Evolução laboratorial com a progressão clínica do adenoma tóxico A confirmação do diagnóstico exige a cintilografia de tireoide, que apresenta um nódulo “quente’ (hiperativo), com o restante A tomografia pode ser indicada para avaliar desvio traqueal ou comprometimento de outras áreas cervicais, devendo-se evitar o uso de contraste iodado Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS da glândula apresentando captação diminuída (supressão pelo feedback negativo). TRATAMENTO: O manejo do adenoma tóxico é baseado na administração de radioiodo e, em bócios de grandes dimensões ou suspeita de malignidade, na resolução cirúrgica, desta vez com lobectomia ipsilateral ao adenoma. A tireoidectomia total é restrita a casos de nódulos não funcionantes contralaterais ou em quadros multinodulares. Representação das possíveis abordagens cirúrgicas sobre a tireoide O tratamento com tionamidas, ainda que induza eutireoidismo, leva a recidivas quando suspenso, justificando sua menor aplicabilidade. Por fim, a injeção percutânea de etanol também pode ser utilizada, apresentando resultados favoráveis a partir da esclerose celular dos folículos, que ocorre após 4 a 8 sessões. Alguns importantes efeitos adversos dessa estratégia são disfonia temporária (dano ao nervo laríngeo recorrente), hematoma, febre e dor local. TUMORES TROFOBLÁSTICOS: A mola hidatiforme e o coriocarcinoma são tumores placentários que constituem a doença trofoblástica gestacional, caua rara de hipertireoidismo. Essas massas tumorais secretam grandes quantidades de βHCG, hormônio com fraca atividade similar ao TSH, promovendo estimulação tireoidiana e quadros leves de hipertireoidismo. Influência placentária sobre a função da tireoide O tratamento dessas apresentações consiste na remoção cirúrgica (para a mola hidatiforme) ou na administração de quimioterapia. HIPERTIREOIDISMO SECUNDÁRIO: O hipertireoidismo secundário pode ser definido pelo aumento na produção de estimuladores centrais de atividade tireoidiana, seja por adenomas hipofisários hipersecretores (↑TSH) ou pela síndrome da secreção inapropriada de TSH. Com esse “incentivo” à produção de hormônios, há hipertrofia folicular, expressa clinicamente sob a forma de bócio. Outros sintomas de tireotoxicose supracitados também são frequentes. Caso essas tumorações sejam muito grandes, podem comprimir o quiasma óptico, implicando em cefaleia e alterações visuais. Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS Adenoma hipofisário comprimindo o quiasma óptico O diagnóstico será definido com a presença de T4 livre elevado associado a níveis normais ou altos de TSH. A tomografia ou ressonância de sela túrcica são usadas, posteriormente, para identificar o tumor. O tratamento é feito com controle farmacológico do hipertireoidismo, seguido pela ressecção transesfenoidal da tumoração ou, quando essa abordagem não é possível, pelo uso de radioterapia. TIREOTOXICOSE NÃO CAUSADA POR HIPERTIREOIDISMO: TIREOIDITE SUBAGUDA: A tireoidite subaguda, também conhecida como tireoidite de De Quervain, é um quadro de lesão à tireoide infligida por infecções virais do trato respiratório superior. Essa condição é mais comum em mulheres, com pico de incidência por volta da 4ª e 5ª décadas de vida, raramente afetando extremos etários. À palpação, a tireoide encontra-seendurecida, com dor desencadeada com a movimentação da cabeça ou deglutição. O quadro por vezes simula a otite devido ao padrão de irradiação dolorosa. Sintomas sistêmicos são comuns, apresentando-se como indisposição geral, mialgia, cansaço e febre. A tireotoxicose, no entanto, é menos evidente. Durante a investigação diagnóstica, observa-se captação de radioiodo classicamente diminuída, com parênquima difusamente hipoecogênico. Na PAAF, são evidentes as células gigantes, características dessa tireoidite. Corte histológico de tireoide acometida por tireoidite subaguda, evidenciando a presença de múltiplas células gigantes multinucleadas O tratamento baseia-se apenas no controle da dor, que pode ser feito com AINES, em quadros leves a moderados, ou com prednisona (40-60 mg/dia por 4 a 6 semanas), nas manifestações de maior intensidade. Apesar de não requerer manejo específico, betabloqueadores podem auxiliar a reduzir o desconforto no hipertireoidismo transitório associado à tireoidite. TIREOIDITE FACTÍCIA: A tireoidite factícia é decorrente da ingesta excessiva de hormônios tireoidianos, geralmente associada ao desejo de obter A tireoidite de De Quervain é normalmente autolimitada, com duração média de 6- 12 semanas, ainda que possa se estender por um ano Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS maior gasto energético, potencializando a perda ponderal. O quadro clínico depende da quantidade e da duração da exposição hormonal, porém normalmente se dá com início súbito e predomínio de sintomas cardiovasculares, como fibrilação atrial. O TSH está suprimido, ao passo que os níveis de T4 livre e T3 variam conforme a composição da fórmula consumida. Os baixos níveis séricos de tireoglobulina confirmam a presença de fontes exógenas como causa da tireotoxicose. STRUMA OVARII : Essa é uma síndrome rara caracterizada pela presença de tecido tireoidiano ectópico nos ovários que, em algumas situações podem tornar-se hiperativos, induzindo tireotoxicose leve. Lâmina de ovário com presença de folículos contendo coloide tireoidiano Esses tumores potencialmente malignos (5% de risco de metástase para áreas como fígado e peritônio) costumam surgir antes dos 50 anos, tendo como foco primário a própria tireoide. A captação de iodo por essas formações é diminuída ou ausente. Apesar de a secreção de hormônio não ser habitual, quando há hipertireoidismo, ambas as estruturas devem ser removidas cirurgicamente, para somente então iniciar a radioterapia com iodo. TIREOTOXICOSE POR AMIODARONA: A amiodarona, medicação de grande aplicabilidade em cardiologia, apresenta grande potencial indutor de tireotoxicose, podendo se apresentar sob duas formas clínicas distintas: Tipo I: observado em indivíduos predispostos, que já apresentam alguma tireopatia latente, é resultado do aporte excessivo de iodo (efeito Jod- Basedow); Tipo II: é uma tireoidite destrutiva causada por toxicidade direta do fármaco, causando liberação excessiva de hormônios pré-formados em pacientes eutireoideos. A descontinuação da amiodarona é recomendada em pacientes com tireotoxicose tipo I, pois o quadro pode se tornar refratário, com difícil manejo, restando apenas a intervenção cirúrgica como tratamento efetivo. Na tireotoxicose tipo II, por sua vez, a amiodarona pode ser mantida após alcance do controle tireoidiano com as tionamidas, sendo rara a ocorrência de recidivas. CRISE TIREOTÓXICA: A crise tireotóxica, mais frequente em idosos, descreve a exacerbação clínica da tireotoxicose, com disfunções orgânicas direcionadas principalmente aos sistemas cardiovascular (insuficiência cardíaca de alto débito, taquiarritmias), gastrintestinal (diarreia, vômitos incoercíveis, icterícia) e neurológico (confusão mental). Essas mudanças normalmente resultam de fatores desencadeantes, que podem ser a Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS interrupção do uso de medicações, cirurgias, infecções ou a exposição excessiva a iodo. As explicações fisiopatológicas para esse aumento na intensidade dos sintomas são: Aumento de catecolamina e receptores: os eventos estressores predisponentes levam a uma concentração elevada de adrenalina, o que faz com que os efeitos hormonais sejam mais pronunciados, mesmo com a manutenção de sua quantidade plasmática; Aumento súbito de T4 livre: essa mudança pode ser causada tanto pela diminuição abrupta de proteínas de transporte (comum no pós-operatório) quanto pela própria liberação glandular excessiva, promovendo a saturação dos receptores sistêmicos. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO: Os principais sintomas associados à crise tireotóxica são a febre elevada (38-41ºC) com sudorese, taquicardia, agitação, delírio ou até mesmo psicose franca, podendo evoluir para coma. Para auxiliar no diagnóstico clínico dessa condição, pode ser aplicada a escala de Burch & Wartofsky, que se vale de sinais e sintomas para identificar quadros ao- complicados e crises iminentes ou estabelecidas. Critérios de Burch e Wartofsky para reconhecimento da crise tireotóxica TRATAMENTO: Os pacientes com crise tireotóxica devem ser manejados em unidade de terapia intensiva, não sendo necessário aguardar o resultado de dosagens hormonais. Os objetivos do tratamento são reduzir a exposição aos hormônios tireoidianos, implementar medidas de suporte, e identificar e tratar o fator precipitante da descompensação. Nesse contexto, as principais medicações usadas são: Propiltiouracil: deve ser iniciado em doses altas (ataque de 800 mg, com manutenção de 200-300 mg, 8/8h), de modo a bloquear a desiodase tipo 1 (impedindo a conversão de T4 em T3) e reduzir a produção de hormônios; Preparações com iodo: iniciadas após 1 hora do propiltiouracil, sob forma de solução saturada de iodeto de potássio (5 gotas 8/8h), lugol (10 gotas, também 8/8h) ou ácido iopanoico (0,5mg VO, 12/12h). Visam induzir o Ainda que mais comum em pacientes com Doença de Graves, a tempestade tireotóxica não é exclusiva dessa patologia A gravidade da tempestade tireotóxica segmenta o quadro em três estágios: Estágio I: taquicardia > 150 bpm, arritmia, hipertermia, diarreia, desidratação e tremor intenso; Estágio II: manifestações anteriores + distúrbios do nível de consciência; Estágio III: coma. Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS efeito Wolff-CHaikoff, com supressão da organificação do iodo; Propranolol: deve ser administrado em doses elevadas por VO I40-60 mg, 6/6h) ou intravenoso (1 mg até a dose de 10 mg), tendo papel acessório na inibição da desiodase tipo 1; Dexametasona: empregada por via intravenosa (2 mg a cada 6 horas), atua tanto na supressão da conversão hormonal periférica como na “suplementação” de cortisol, para suprir a demanda metabólica aumentada pelo estresse. A necessidade de aguardar para a administração do iodo busca evitar o desenvolvimento do efeito Jod- Basedow, que pode agravar ainda mais a crise
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