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75 IMUNOLOGIA BÁSICA Unidade II 5 RESPOSTA IMUNE INATA A resposta imune inata é a primeira linha de defesa do organismo. Ela é competente desde o nascimento e está relacionada com o estabelecimento de uma resposta rápida e inespecífica contra os corpos estranhos (substâncias e microrganismos) que adentram o organismo. Essa resposta inicial do sistema imunológico é constituída: • pelas barreiras naturais do organismo; • pela inflamação; • pelo sistema complemento. As barreiras naturais do organismo são de natureza física, química e/ou biológica, e envolvem ou não a atuação direta de leucócitos e de outros tipos celulares. Caso essas barreiras naturais não sejam suficientes para conter a infecção, entra em cena a inflamação e o sistema complemento. Vamos, agora, aprender mais sobre cada um dos componentes da resposta imune inata? 5.1 Barreiras naturais do organismo Entre as barreiras naturais do organismo temos a pele, as mucosas (como os revestimentos das vias respiratórias e do intestino), o aparelho geniturinário, o pH ácido do estômago etc. De acordo com a sua natureza, elas são classificadas em barreiras mecânicas, químicas ou biológicas. 5.1.1 Barreiras mecânicas A pele funciona como uma barreira mecânica contra organismos patogênicos e representa a nossa primeira linha de defesa. A pele íntegra, por não apresentar lesões, impede a invasão de muitos microrganismos patogênicos. Esse importante órgão é composto de: • epiderme, que está em contato com o meio externo; • derme, constituída por tecido conjuntivo ricamente vascularizado; • hipoderme, uma região subcutânea rica em tecido conjuntivo do tipo adiposo. 76 Unidade II A epiderme é composta de células epiteliais altamente especializadas, os queratinócitos, que se dividem com frequência. As células mortas (sítios de córnea) formam a camada mais externa e são em grande parte responsáveis pela função de barreira da pele. O microbioma da pele, que compreende bactérias, fungos e vírus comensais, tem efeitos benéficos na proteção contra patógenos e na cicatrização de feridas. As mucosas, como os revestimentos das vias respiratórias e do intestino, também constituem barreiras naturais eficazes, pois geralmente estão cobertas de secreções que combatem os microrganismos. As mucosas dos olhos estão banhadas em lágrimas, que contêm uma enzima, a lisozima, capaz de atacar as bactérias, o que protege os olhos das infecções. As vias respiratórias, além de apresentarem, em sua superfície, estruturas ciliares – as vibrissas da mucosa nasal e os cílios do epitélio, que revestem a traqueia, responsáveis por filtrar as partículas do ar – são cobertas de muco, que tendem a eliminar grande parte das substâncias presentes no ar inspirado. Se um microrganismo atinge as vias aéreas inferiores, o batimento coordenado dos cílios, associado à ação do muco, faz com que os microrganismos e os corpos estranhos sejam transportados para fora do pulmão, processo auxiliado pelo reflexo da tosse e do espirro. O tubo digestório dispõe de uma série de barreiras eficazes, que incluem o ácido do estômago e a atividade antibacteriana das enzimas pancreáticas, da bile e das secreções intestinais. O peristaltismo intestinal e o desprendimento normal das células que o revestem (barreira da mucosa) também ajudam a eliminar os microrganismos deletérios. O microbioma intestinal constitui uma importante defesa contra microrganismos patogênicos, e participa da modulação do sistema imunológico. O aparelho geniturinário feminino conta com a proteção do ambiente ácido da vagina, e o aparelho geniturinário masculino encontra-se protegido pelo comprimento da uretra (aproximadamente 20 cm). Além disso, o esvaziamento da bexiga gera um efeito de arrastamento, que é um mecanismo de defesa natural de ambos os sexos. Indivíduos nos quais as barreiras naturais estejam comprometidas são mais suscetíveis a infecções. Por exemplo, pessoas cuja produção de ácido pelo estômago está comprometida, são particularmente vulneráveis à infecção por Helicobacter pylori ou à infecção causada por Salmonella sp. 5.1.2 Barreiras químicas Os ácidos graxos do suor inibem o crescimento de bactérias e, portanto, são um exemplo de fator químico que impede a invasão do organismo. Do mesmo modo, as enzimas lisozima e fosfolipase, encontradas na lágrima, na saliva e na secreção nasal, têm a propriedade de destruir as bactérias, por meio da dissolução das paredes bacterianas e da desestabilização de suas membranas. 77 IMUNOLOGIA BÁSICA O pH também é uma importante ferramenta para o combate à invasão de patógenos. O pH baixo do suor e da secreção gástrica ajuda a prevenir o crescimento bacteriano. 5.1.3 Barreiras biológicas Existem bactérias que convivem em harmonia em nosso organismo. Elas são importantes para manter a homeostase, pois ajudam a prevenir a colonização de bactérias que causam doenças. Essa ação é efetivada: • pela secreção de substâncias; • pela competição por nutrientes; • pela ligação à superfície da célula que ocorre entre o microbioma normal e as bactérias patogênicas. Remoção de partículas pela rápida passagem do ar através dos ossos turbinados Brônquios muco, cílios ácidos Pele Barreira física Ácidos graxos Comensais Rápida alteração do pH Comensais Fluxo do trato urinário pH baixo e comensais da vagina Comensais Lisozima nas lágrimas e em outras secreções Figura 33 – Barreiras naturais da resposta imune inata 5.2 Inflamação Caso as barreiras naturais não tenham sido suficientes para conter a entrada do patógeno, os leucócitos entram em ação. A linha de defesa inicial mediada por essas células é caracterizada por uma resposta generalizada e constituída por mecanismos de defesa que já fazem parte do repertório celular do nosso organismo mesmo antes do estabelecimento de uma infecção. A reação inflamatória é um processo complexo que envolve componentes vasculares, celulares e várias substâncias solúveis como, por exemplo, a histamina, a serotonina, as citocinas e os eicosanoides liberados por leucócitos que residem no tecido lesado. A finalidade desse processo é remover o estímulo desencadeador da resposta e promover o reparo tecidual. 78 Unidade II Na zona inflamada, as substâncias liberadas pelos leucócitos e pelas células lesadas atuam nas terminações nervosas, causando dor e, em alguns casos, aumento da temperatura local. A febre é uma resposta de proteção perante uma infecção ou uma lesão. É o resultado da ação de pirógenos, que induzem a liberação de substâncias endógenas (como, por exemplo, a IL-1, a IL-6 e o TNFα), as quais aumentam o nível de termorregulação do hipotálamo a partir da produção de prostaglandinas no sistema nervoso central. A permanência do agente lesivo – por exemplo, bactérias intracelulares como Mycobacterium tuberculosis, substâncias químicas como a sílica, e mesmo agentes físicos, como a radiação ultravioleta – resulta no estabelecimento de inflamação crônica, quando o tecido apresenta sinais de angiogênese e fibrose, além de um infiltrado constituído por células mononucleares (monócitos, macrófagos e linfócitos). Além disso, a IL-1, a Il-2 e o TNFα induzem a síntese e a secreção de proteínas de fase aguda, como, por exemplo, a proteína C reativa, em resposta à injúria celular. 5.2.1 Aspectos fisiopatológicos do processo inflamatório A inflamação, diferentemente do que muitos pensam, é uma resposta de natureza protetora, destinada a livrar os tecidos do nosso organismo tanto da causa inicial da injúria (microrganismos e substâncias químicas) quanto das suas consequências (por exemplo, a necrose). Sem a inflamação, as infecções poderiam passar despercebidas, ferimentos poderiam nunca cicatrizar e os tecidos injuriados poderiam ficar com permanentes feridas infeccionadas. No entanto, ela pode ser, algumas vezes, inapropriadamente iniciada ou fracamente controlada, o que resulta em dano e perda da função fisiológica do tecido. Os principais fatoresque levam à inflamação são os citados a seguir. • Os microrganismos, como as bactérias, os vírus, os fungos e os protozoários. • Os corpos estranhos, como o amianto, o pólen e os demais alérgenos. • A destruição tecidual, que leva à formação de restos de tecido a partir de danos mecânicos (cortes, arranhões etc.), da exposição a compostos químicos (ácidos e álcalis) e de influências físicas (frio, calor e radiação). • As reações autoimunes. • Os cristais de substâncias precipitados no corpo (ácido úrico, oxalato de cálcio, fosfato de cálcio e colesterol). O processo inflamatório visa à inativação do corpo estranho, a partir da digestão enzimática, da compartimentalização ou de qualquer outro modo de neutralizá-lo. Esses processos são fundamentais 79 IMUNOLOGIA BÁSICA para possibilitar os eventos que acabarão por cicatrizar o tecido danificado. Assim, a inflamação está relacionada com os processos de reparação, que substituem o tecido danificado ou preenchem os defeitos residuais com tecido cicatricial fibroso. Embora tenha sido descrita pela primeira vez há mais de dois mil anos, a resposta inflamatória é objeto de constantes estudos até os dias atuais. Hoje, sabe-se que a patogênese de várias doenças está ligada à resposta inflamatória, cuja consolidação acaba por danificar os tecidos. Um exemplo é o dano articular decorrente do processo inflamatório característico da artrite reumatoide. As doenças inflamatórias são nomeadas acrescentando-se o sufixo -ite ao órgão ou sistema afetado. Por exemplo, apendicite refere-se à inflamação do apêndice; pericardite é o nome dado à inflamação do pericárdio; a neurite é a inflamação de um nervo. Expressões mais descritivas do processo inflamatório podem indicar se o processo é agudo ou crônico e que tipo de exsudato foi formado. Ainda no primeiro século d.C., a reação local decorrente de uma lesão tecidual foi caracterizada e percebeu-se que alguns sinais cardinais, ou flogísticos, estavam presentes na maioria dos casos. Esses sinais são o rubor (vermelhidão), a tumefação (inchaço ou edema), o calor e a dor (hiperalgesia). No século II d.C., foi incluído um quinto sinal cardinal, a functio laesa, ou perda de função. Além dos sinais clássicos, que aparecem no local da lesão, podem ocorrer manifestações sistêmicas, como, por exemplo, a febre. Elas são decorrentes da ação de mediadores químicos (citocinas e prostaglandinas) sobre o sistema nervoso central. O processo inflamatório pode ser dividido em dois tipos, agudo e crônico, que, frequentemente, sobrepõem-se. O grau da resposta inflamatória pode ser influenciado por vários fatores, como a duração da lesão, o tipo de agente estranho, o grau de lesão e o microambiente. O processo inflamatório agudo tem curta duração, que varia de alguns minutos até vários dias, e caracteriza-se pela exsudação de líquidos e componentes do plasma e pela migração de leucócitos, predominantemente neutrófilos, para o local da lesão. A grande variedade de manifestações sistêmicas durante um processo inflamatório agudo é conhecida como resposta de fase aguda. O processo inflamatório crônico tem duração mais longa, que varia de um dia até anos, e está associado à presença de linfócitos e macrófagos, à proliferação de vasos sanguíneos, à fibrose e à necrose tecidual. A inflamação encerra-se quando o agente ou fator agressor é eliminado. A reação se resolve rapidamente, porque os mediadores são esgotados e dissipados, e os leucócitos têm curtas meias-vidas nos tecidos. Em adição, os mecanismos anti-inflamatórios são ativados e servem para controlar a resposta e preveni-la de causar dano excessivo ao hospedeiro. 80 Unidade II A resposta inflamatória é intimamente entrelaçada ao processo de reparo. Ao mesmo tempo em que a inflamação destrói, dilui e retira os agentes injuriantes, ela põe em movimento uma série de eventos que tentam curar o tecido danificado. O reparo se inicia durante a inflamação, mas alcança a conclusão após sua causa ter sido neutralizada. No processo de reparo, o tecido injuriado é substituído por tecido cicatricial, a partir da regeneração das células parenquimatosas nativas e do preenchimento do defeito por tecido fibroso. Fenômenos irritativos Agente inflamatório Fenômenos vasculares Calor Rubor Dor Tumor Fe nô m en os a lte ra tiv os M ed ia do re s Cura por reabsorção do exsudato e regeneração Cura por cicatrização Fenômenos exsudativos Fenômenos resolutivos Fenômenos reparativos Inflamação crônica Sinais cardinais Inflamação Figura 34 – Fenômenos da inflamação e sua relação com os sinais cardinais Lembrete O objetivo da inflamação é defender o organismo e seus tecidos de estímulos nocivos feitos, por exemplo, por bactérias ou corpos estranhos, bem como reparar os danos causados ou, pelo menos, limitá-los. 5.2.2 Processo inflamatório agudo O processo inflamatório agudo é uma resposta imediata contra um agente nocivo. Tal resposta, que serve para controlar e eliminar células alteradas, microrganismos e antígenos, inicia-se pelo reconhecimento dos corpos estranhos pelos leucócitos residentes nos tecidos lesados, principalmente os monócitos e as células dendríticas. Essas células realizam a fagocitose e liberam uma série de citocinas e eicosanoides, responsáveis por estabelecer o processo inflamatório. A liberação desses mediadores resulta: 81 IMUNOLOGIA BÁSICA • na dilatação dos capilares (eritema); • na exsudação do fluido e das proteínas plasmáticas; • no acúmulo de neutrófilos, o que caracteriza a resposta inflamatória aguda. Classicamente, a resposta inflamatória aguda é dividida em duas etapas: • a fase vascular, que resulta em aumento do fluxo sanguíneo e em alterações nos pequenos vasos da microcirculação; • a fase celular, que resulta na migração de leucócitos da circulação e sua ativação para eliminar o agente nocivo. Diversas células estão envolvidas na efetivação de cada uma das fases. Alguns exemplos são: • as células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos; • os leucócitos que circulam no sangue; • as células residentes do tecido conjuntivo (mastócitos, fibroblastos, macrófagos e linfócitos); • os componentes da matriz extracelular (colágeno e elastina, glicoproteínas adesivas e proteoglicanos). Músculo liso Mastócito Fibras elásticas Fibroblasto Fibras colágenas Macrófago Proteoglicanos Vasos Matriz do tecido conjuntivo Endotélio Endotélio Endotélio polimorfonuclearpolimorfonuclear LinfócitoLinfócito PlaquetasPlaquetas MonócitosMonócitos Fatores de Fatores de coagulação, coagulação, cininogênios e cininogênios e componentes do componentes do complementocomplemento EosinófiloEosinófilo BasófiloBasófilo Membrana basal Figura 35 – Células de inflamação aguda 82 Unidade II No nível bioquímico, os mediadores inflamatórios amplificam a resposta inicial e influenciam sua evolução, por meio da regulação das respostas vasculares e celulares subsequentes. Embora plaquetas, neutrófilos, monócitos, macrófagos e mastócitos sejam as principais fontes desses mediadores, células endoteliais, musculares lisas, fibroblastos e a maioria das células epiteliais podem ser induzidos a produzi-los. A produção de mediadores ativos é desencadeada por microrganismos ou por proteínas do hospedeiro, como as dos sistemas complemento, cinina ou da coagulação. Esses mediadores podem atuar sobre uma ou algumas células-alvo e exercem diferentes efeitos sobre tipos distintos de células. Uma vez liberados, a maioria tem curta duração. Eles podem ser transformados em metabólitos inativos, inativados por enzimas, ou eliminados de outro modo. 5.2.2.1 Fase vascular As alterações vasculares que ocorrem no processo inflamatório envolvem arteríolas, capilares e vênulas da microcirculação. Essas alterações se iniciam logo após a lesão e se caracterizam por vasodilatação, que leva a alterações no fluxo sanguíneo, ao aumento da permeabilidade vascular e ao extravasamentode líquidos para o tecido conjuntivo. A vasodilatação, uma das primeiras manifestações do processo inflamatório, começa depois de uma constrição transitória das arteríolas, que dura alguns segundos. A vasodilatação envolve primeiramente as arteríolas e, em seguida, resulta na abertura dos leitos capilares na região afetada. Como resultado, a área se torna congestionada, o que causa a vermelhidão (eritema) e o calor associados ao processo de inflamação aguda. A vasodilatação é induzida pela ação de vários mediadores, como a histamina e o ácido nítrico. A vasodilatação é rapidamente seguida pelo aumento da permeabilidade dos capilares sanguíneos, com o transbordamento de um líquido rico em proteínas (exsudato) para os espaços extravasculares. A perda de líquido ocasiona a concentração dos constituintes do sangue (hemácias, leucócitos, plaquetas e fatores de coagulação), a estagnação do fluxo e a coagulação do sangue no local da lesão. Isso ajuda a impedir a disseminação dos microrganismos infecciosos. A perda das proteínas plasmáticas reduz a pressão osmótica intracapilar e aumenta a pressão osmótica do líquido intersticial, de modo que ocorre deslocamento de líquido para os tecidos, com consequente tumefação (isto é, edema), dor, comprometimento funcional e diluição do agente agressor. Para que o extravasamento de líquidos ocorra, é necessária a ligação de mediadores químicos a receptores endoteliais, o que provoca a contração das células endoteliais e a separação das junções intercelulares. Esse mecanismo é induzido pela ação da histamina, da bradicinina, das prostaglandinas, dos leucotrienos e de muitas outras classes de mediadores químicos. 83 IMUNOLOGIA BÁSICA Arteríola Vênula Vasoconstrição Vasodilatação Dilatação da arteríola Dilatação da vênula Exsudato Figura 36 – Fase vascular da inflamação 5.2.2.2 Fase celular A fase celular do processo inflamatório agudo envolve a mobilização de leucócitos, principalmente neutrófilos, para o local da inflamação, de modo que possam exercer sua função normal de defesa. O deslocamento e a ativação dos leucócitos ocorrem de acordo com as seguintes etapas: adesão e marginação, transmigração e quimiotaxia. O recrutamento de leucócitos para as vênulas pré-capilares é facilitado pela lentificação do fluxo sanguíneo e pela marginação ao longo da superfície vascular. A adesão e a transmigração de leucócitos do espaço vascular para o tecido extravascular são facilitadas pelas moléculas de adesão complementares, por exemplo, as selectinas e as integrinas, presentes nos leucócitos e na superfície das células endoteliais. Depois do extravasamento, os leucócitos migram através dos tecidos em direção ao local da lesão por quimiotaxia, que é a locomoção orientada ao longo de um gradiente químico. 84 Unidade II Fluxo sanguíneo Rolamento (Selectinas) Capilar Neutrófilo 1 Marginação Bactérias Neutrófilo 2 Transmigração 3 Quimiotaxia Células endoteliais Adesão firme (Integrinas b1 e b2) Transmigração (PCAM-1 etc.) Figura 37 – Etapas da fase celular da resposta inflamatória aguda Diversas células, imunológicas e não imunológicas, secretam quimioatratores para assegurar o movimento dirigido de leucócitos até o local de infecção. Exemplos são as quimiocinas secretadas pelos leucócitos residentes, os resíduos bacterianos e celulares e os fragmentos de proteínas produzidos pela ativação do sistema complemento (por exemplo, C3a e C5a). As quimiocinas, subgrupo importante de citocinas quimiotáticas, são pequenas proteínas que orientam o tráfego de leucócitos durante os estágios iniciais do processo inflamatório. Uma etapa importante da resposta celular é a ativação dos monócitos, dos neutrófilos e dos macrófagos teciduais, que englobam e degradam as bactérias e os fragmentos celulares, em um processo denominado fagocitose. Ela é iniciada pelo reconhecimento e pela ligação de partículas em receptores específicos na superfície de células fagocíticas, seguida do englobamento e do processamento do corpo estranho. Os fagócitos são células especializadas na captura de microrganismos e de substâncias estranhas ao organismo e, devido a sua especialidade, são também chamados de fagócitos profissionais. Os principais fagócitos profissionais são os macrófagos e os pequenos granulócitos polinucleares (neutrófilos e eosinófilos). 85 IMUNOLOGIA BÁSICA O processo de fagocitose envolve a adesão do microrganismo à superfície do fagócito e a sua subsequente ingestão, evento possível graças à ação dos fragmentos de actina e miosina, que faz com que o citoplasma do fagócito envolva a partícula estranha ou o microrganismo até que ele fique dentro de um vacúolo, denominado fagossomo. A etapa seguinte, nesse processo, é a liberação de substâncias que tentarão destruir a partícula ingerida. Nessa etapa, ocorre grande consumo de oxigênio pela célula, o que resulta no aumento do desvio da atividade da hexose monofosfato e gera NADPH. Como resultado, ocorre redução do oxigênio molecular, o que dá origem a uma série de agentes microbicidas poderosos: o ânion superóxido, o peróxido de hidrogênio e os radicais hidroxila. O peróxido formado, em associação com a enzima mieloperoxidase, dá origem a um potente sistema de halogenação que é capaz de destruir tanto bactérias quanto vírus. Assim que o ânion superóxido é formado, a enzima superóxido dismutase atua de forma a converter o superóxido em oxigênio molecular e peróxido de hidrogênio, em um processo que consome íons hidrogênio. Como consequência, ocorre, inicialmente, aumento do pH, o que facilita a ação antibacteriana das proteínas catiônicas oriundas dos grânulos dos fagócitos. Essas proteínas catiônicas são capazes de lesar a membrana dos microrganismos pela ação da catepsina G e, também, pela aderência direta à membrana microbiana. Outros fatores envolvidos nesse processo são a lactoferrina e os intermediários nitrogenados, como, por exemplo, o óxido nítrico. Eles se ligam ao ferro e, assim, privam a bactéria de um elemento essencial ao seu crescimento. A lisozima, por sua vez, destrói os proteoglicanos da parede celular das bactérias, e outras enzimas são responsáveis por degradar os componentes internos dos microrganismos. Assim que o processo termina, os produtos resultantes são liberados para o exterior da célula. Os linfócitos NK entram em ação quando ocorre invasão das células do nosso organismo por agentes estranhos. Eles são grandes linfócitos granulares que se ligam a glicoproteínas que são expressas na superfície das células infectadas por vírus e em algumas células tumorais. Uma vez ligada à célula-alvo, as NK liberam o conteúdo de seus grânulos. Os elementos citotóxicos mais importantes liberados são as perforinas, substâncias capazes de fazer furos na membrana da célula infectada, o que resulta em citólise. 86 Unidade II 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 Fagocitose de uma célula inimiga Fusão de um fagossomo e um lisossomo Enzimas degradam a célula inimiga Fragmentos da célula inimiga Liberação dos fragmentos Figura 38 – Fagocitose As bactérias produzem algumas substâncias, como a formil metionina, capazes de atrair os leucócitos. Muitas vezes, esse estímulo químico não é suficiente para fazer com que os fagócitos reconheçam e se liguem à superfície dos microrganismos e iniciem o processo de fagocitose. Nesses casos, ocorre a ativação da cascata do complemento, a respeito da qual iremos discorrer mais adiante. De maneira resumida, esse processo é caracterizado pelo revestimento de um antígeno por anticorpos ou pelas moléculas do complemento, em um processo denominado opsonização. A endocitose mediada por receptores é desencadeada pela opsonização e pela subsequente ligação do agente para fagocitar receptores da superfície celular. Fagossomo Fagolisossomo Receptor Receptor Fc Fc C3b C3b 4 3 2 1 Figura 39 – A opsonização dos microrganismos: (1) pelo fator de complemento C3b e anticorpo facilita o reconhecimento peloneutrófilo receptor de C3b e anticorpo Fc; (2) a ativação do receptor desencadeia a sinalização intracelular e a montagem de actina no neutrófilo, levando à formação de pseudópodes que englobam o micróbio em um fagossomo; (3) este, então, se funde com um lisossomo intracelular para formar um fagolisossomo, no qual enzimas lisossomais e radicais de oxigênio (4) são liberados para matar e digerir o micróbio 87 IMUNOLOGIA BÁSICA As células endoteliais e as plaquetas, embora não façam parte do sistema imunológico, também participam da inflamação. Os papéis dessas células no processo inflamatório são descritos a seguir. Células endoteliais As células endoteliais, constituintes dos capilares sanguíneos, produzem agentes antiplaquetários e antitrombóticos, que mantêm a permeabilidade do vaso, assim como vasodilatadores e vasoconstritores, que regulam o fluxo sanguíneo. Além disso, elas fornecem uma barreira de permeabilidade seletiva para estímulos inflamatórios exógenos e endógenos; regulam o extravasamento de leucócitos pela expressão de moléculas de adesão celular e receptores; contribuem para a regulação e a modulação da resposta imune pela síntese e liberação de mediadores inflamatórios; e regulam a proliferação de leucócitos, a partir da secreção de fatores estimuladores de colônias hematopoiéticas (CSF, do inglês colony stimulating factor). Também participam do processo de reparo que acompanha a inflamação, por meio da produção de fatores de crescimento que estimulam a angiogênese e a síntese da matriz extracelular. Plaquetas Plaquetas ou trombócitos são fragmentos de células circulantes no sangue envolvidos nos mecanismos celulares de hemostasia primária. Plaquetas ativadas também liberam vários mediadores inflamatórios, responsáveis por aumentar a permeabilidade vascular e alterar as propriedades quimiotáticas, adesivas e proteolíticas das células endoteliais. Quando uma plaqueta sofre ativação, mais de 300 diferentes mediadores são liberados. Figura 40 – Plaquetas em esfregaço sanguíneo 5.2.2.3 Principais manifestações clínicas da inflamação aguda Todas as reações inflamatórias agudas são caracterizadas por alterações vasculares e infiltração de leucócitos. A intensidade da reação, no entanto, depende da natureza do estímulo. As manifestações podem variar desde edema e formação de exsudato até a formação de abscesso ou de ulceração. 88 Unidade II O exsudato resultante do processo inflamatório agudo pode apresentar diferentes composições, que variam principalmente em relação aos teores de proteínas plasmáticas e à presença ou não de células. De acordo com esses parâmetros, eles podem ser classificados em exsudato seroso, hemorrágico, fibrinoso, membranoso ou purulento. Muitas vezes, o exsudato é composto de uma combinação desses tipos. • Exsudato seroso é um líquido com baixo teor de proteína resultante da entrada de plasma no local inflamatório. • Exsudato hemorrágico acontece quando existe lesão tecidual grave, que danifica os vasos sanguíneos, ou quando há aumento da permeabilidade vascular. • Exsudato fibrinoso contém grandes quantidades de fibrinogênio, que forma uma malha grossa e pegajosa, semelhante às fibras de um coágulo sanguíneo. • Exsudatos membranosos ou pseudomembranosos se desenvolvem em superfícies mucosas e são compostos de células necróticas enredadas em um exsudato fibropurulento. • Exsudato purulento ou supurativo contém pus, composto de leucócitos degradados, proteínas e fragmentos de tecido. Nesse contexto, abscesso é uma área localizada de inflamação contendo um exsudato purulento, que pode ou não ser cercado por uma camada de neutrófilos. Alguns microrganismos, como o Staphylococcus sp., apresentam maior propensão do que outros a induzir a formação de exsudato purulento. Caso os fibroblastos cerquem o abscesso e formem uma rede de colágeno ao redor dele, os antibióticos não conseguirão penetrar na parede dessa estrutura, o que resulta na necessidade de se realizar incisão cirúrgica e drenagem para alcançar a cicatrização. Ulceração se refere a um local de inflamação no qual uma superfície epitelial (por exemplo, a pele ou o epitélio gastrointestinal) se torna necrótica e corroída, frequentemente associada à inflamação subepitelial. Pode decorrer de um trauma na superfície do epitélio (um exemplo é a úlcera péptica) ou ser resultado de alterações na vasculatura (por exemplo, as úlceras do pé associadas ao diabetes). Observação Os abscessos, formados por infecções bacterianas ou fúngicas e por organismos que chamamos de piogênicos, atingem as camadas mais profundas do tecido conjuntivo. Devido à grande destruição tecidual, que inclui danos à matriz extracelular, o resultado mais comum é o aparecimento de cicatriz e fibrose. 89 IMUNOLOGIA BÁSICA Lembrete Vários mecanismos participam de um processo inflamatório, a fim de conjugar e reunir todos os elementos de forma adequada e regulada. As citocinas, os eicosanoides e os diferentes tipos de leucócitos são essenciais para a consolidação da inflamação. Pele avermelhada, tumefeita, quente e dolorida Farpa contaminada por bactérias Capilares Neutrófilos Necrose tecidual A) Inflamação Dilatação capilar, exsudação de líquido, migração de neutrófilos B) Supuração Desenvolvimento de exsudato supurativo ou purulento contendo neutrófilos degradados e restos de tecido C) Formação de abscesso Compartimentalização de exsudato purulento (pus) para formação do abscesso Pus Parede fibrosa Figura 41 – Formação de abscesso: (A) invasão bacteriana e desenvolvimento do processo inflamatório; (B) continuação do crescimento bacteriano, migração de neutrófilos, liquefação por necrose de tecidos e desenvolvimento de exsudato purulento; (C) compartimentalização da área inflamada e seu exsudato purulento de modo a formar um abscesso 5.2.3 Processo inflamatório crônico A inflamação crônica é aquela na qual, devido à persistência do agente causador, a resposta inflamatória se mantém por mais tempo. Alguns exemplos que desencadeiam o processo de inflamação crônica são: 90 Unidade II • falha na eliminação de agentes patogênicos; • exposição a substâncias tóxicas (como ocorre, por exemplo, no tabagismo); • reações autoimunes. De forma diferente do que se percebe na inflamação aguda, que é manifestada pelas mudanças vasculares, edema e infiltração predominantemente neutrofílica, a principal característica da inflamação crônica é a infiltração de macrófagos e de linfócitos. Os sinais típicos de vermelhidão e edema podem não ser aparentes. Os linfócitos T e B são estimulados por uma série de moléculas sinalizadoras (quimiocinas) e de adesão (selectinas, integrinas e seus ligantes) a migrarem para os locais inflamados. Ao reconhecerem os antígenos presentes no sítio inflamatório, os linfócitos B são capazes de se diferenciar em plasmócitos e secretar anticorpos contra o corpo estranho causador da inflamação. No caso das doenças autoimunes, as citocinas liberadas em resposta à ativação da imunidade adaptativa podem estimular a resposta inflamatória, como, por exemplo, as IL-1, -2, -6, -7 e o TNF. A resposta inflamatória crônica também envolve a proliferação de fibroblastos. Como resultado, o risco de formação de cicatrizes e deformidades geralmente é maior do que na inflamação aguda. A inflamação crônica é classificada em dois padrões: inflamação crônica inespecífica e inflamação granulomatosa. Figura 42 – Linfócito em esfregaço sanguíneo 91 IMUNOLOGIA BÁSICA 5.2.3.1 Inflamação crônica inespecífica Na inflamação crônica inespecífica, observa-se a presença de células mononucleares, associadas a outras células, de modo que não há predominância de um tipo celular. No sítio inflamatório, são notados linfócitos, plasmócitos e macrófagos em quantidades variadas. Essas células organizam-se ao redor dos vasos ou no tecido conjuntivo adjacente. 5.2.3.2 Inflamação crônica granulomatosa A inflamação crônica granulomatosa é umaresposta à infecção persistente que ocorre, por exemplo, na tuberculose, na brucelose e em outras doenças causadas por bactérias, fungos ou parasitas. Pode também ser decorrente da exposição a material particulado de difícil degradação, como, por exemplo, a sílica e o amianto. Nesse tipo de inflamação, observa-se predomínio de macrófagos ativados e modificados, que se diferenciam em células epitelioides, ou xantomatosas, ou ainda em células gigantes multinucleadas do tipo Langhans, resultado da fusão de várias células epitelioides. São encontrados também macrófagos não epitelioides, com citoplasma vacuolado, que se organizam em agregados, associados a outras células, como linfócitos, plasmócitos ou eosinófilos. Os granulomas podem sofrer necrose secundária dos tipos: • caseosa, como observado na tuberculose; • gomosa, como no caso da sífilis terciária; • com aspecto finamente granular e eosinofílico, como ocorre na esquistossomose. Os granulomas imunogênicos, resultado da infecção por diferentes agentes, costumam apresentar muitos macrófagos modificados em células epitelioides, e são dependentes de linfócitos T CD4+. Os granulomas não imunogênicos, por sua vez, apresentam agregado de macrófagos, com células gigantes multinucleadas, poucas células epitelioides, poucos linfócitos associados, e tendem a evoluir para fibrose cicatricial. A reação granulomatosa pode se apresentar de maneira difusa, como, por exemplo, na hanseníase, em que é observado grande número de macrófagos vacuolados, cheios de micobactérias no citoplasma, e poucos linfócitos associados. Os granulomas podem evoluir para um nódulo fibrótico ou calcificado ou, ainda, dar origem a cavidades durante os processos resolutivos e reparativos, como resultado da necrose liquefativa, com material que é absorvido pelo organismo ou é drenado para o exterior. 92 Unidade II 5.3 Sistema complemento O sistema complemento é um componente da imunidade inata que também atua na imunidade adaptativa. O nome complemento foi dado a esse sistema por Jules Bordet, logo após a descoberta da molécula de anticorpo. Ele demonstrou que, quando uma amostra de soro rico em anticorpos contra determinada bactéria era incubada com essa bactéria à temperatura fisiológica de 37 °C, ocorria lise. No entanto, quando esse soro era aquecido a 56 °C, a lise das bactérias não ocorria. Bordet percebeu, então, que estava prestes a descobrir um novo fenômeno presente no soro. A fim comprovar esse fenômeno, ele precisava demonstrar que a perda da atividade lítica do soro não era acompanhada da perda da atividade do anticorpo. Para validar a sua hipótese, Bordet demonstrou que o soro tratado pelo calor ainda era capaz de aglutinar as bactérias, o que confirmou que os anticorpos mantinham as suas atividades preservadas. Assim, Bordet pôde concluir que o soro deveria conter algum outro componente que fosse termossensível e responsável pela atividade lítica. Esse componente, que assistia ou complementava a função do anticorpo, ou seja, acrescentava a função lítica a ele, foi denominado sistema complemento. O sistema complemento é formado por um conjunto de aproximadamente 30 proteínas, encontradas no soro ou aderidas à superfície de algumas células. Elas interagem entre si, formando uma cascata enzimática, o que resulta na eliminação do antígeno e na geração de resposta inflamatória. A ativação do sistema complemento pode se dar por três vias distintas, conforme mostrado a seguir: • Via clássica: a primeira via a ser descrita, depende de anticorpos para a sua ativação. • Via alternativa: não depende de anticorpos para ser ativada. • Via das lectinas: similar à via clássica, mas não depende de anticorpos. A ativação dessas vias resulta em diferentes mecanismos, que incluem a lise do patógeno ou da célula-alvo, a opsonização do microrganismo, com consequente aumento da fagocitose, a quimiotaxia de fagócitos, a indução da inflamação e a amplificação da resposta imune adaptativa do tipo humoral (baseada em anticorpos). 93 IMUNOLOGIA BÁSICA Os componentes do sistema complemento são sintetizados principalmente pelos hepatócitos, no fígado, embora eles também o sejam, em menor quantidade, pelos monócitos, pelos macrófagos e pelas células epiteliais dos tratos gastrointestinal e geniturinário. Esses componentes circulam no soro na forma funcionalmente inativa, como proenzimas. Para que eles sejam convertidos à forma ativa, é necessário que haja remoção do fragmento inibitório e/ou mudança conformacional da enzima por clivagem proteolítica, o que expõe seu sítio ativo. A nomenclatura dos componentes se dá por letras seguidas de número, de acordo com a sua ordem de descoberta, ou somente por letras. Veja o exemplo da via clássica do complemento, cujos componentes são: C1p, C1r, C1s, C4, C2, C3, C5, C6, C7, C8 e C9. Já na via alternativa, alguns componentes são chamados de fatores, tais como: fator B, fator D, fator H e fator P. Quando um componente é proteoliticamente ativado, gera dois fragmentos: um maior, denominado “b”, e um menor, “a”, que é acrescido após o nome do componente. Vejamos o exemplo do componente C3. Ao ser ativado por processo de clivagem, ele se desdobra em C3a e C3b, que correspondem aos fragmentos menor e maior, respectivamente. C3 C3a C3b Clivagem de C3 Figura 43 – De C3 em C3a e C3b As formas inativas dos componentes são identificadas pela letra “i”, de inativo, grafada antes de cada fragmento, como, por exemplo, o C4b que, na sua forma inativa, é identificado por iC4b. Todas as vias de ativação do sistema complemento convergem para o componente C3. A partir dele, é desencadeada uma via única, que resulta na ativação do último componente, o C9. 94 Unidade II Via alternativa Via das lectinas Via clássica MBL MASP1 MASP2 C1r C1s C1qCa++ MBL C3 (H2O) C3a C3a C5a MAC (C5b-9) C2b Mg++ Imunecomplexos C3 convertase C5 convertase C3 convertase C5 convertase Carboidratos Figura 44 – Figura representativa da ativação do sistema complemento pelas três vias 95 IMUNOLOGIA BÁSICA 5.3.1 Via alternativa do sistema complemento A via alternativa do sistema complemento ativa-se diretamente na superfície de muitos patógenos, ou seja, ela pode atuar imediatamente após a entrada do antígeno no organismo hospedeiro. Ao contrário da via clássica, a via alternativa não depende do anticorpo para ser ativada. Normalmente, a molécula de C3 presente no plasma é espontaneamente clivada em C3a e C3b numa frequência baixa, porém contínua. O fragmento C3a fica solúvel no plasma, enquanto o fragmento C3b pode ficar também no plasma ou depositar-se na superfície de células do hospedeiro. Nesses dois casos, ele é rapidamente inativado. Entretanto, se o C3b se ligar covalentemente à superfície de um patógeno, ele permite que o fator B (fB), também presente no plasma, ligue-se a ele, formando o complexo C3bB. O fB ligado é clivado pelo fator D, gerando Ba, que fica na fase fluídica (no plasma), enquanto Bb permanece formando o complexo C3bBb, conforme podemos ver na figura a seguir. Observe, ainda, que esse complexo é instável e, portanto, precisa ser estabilizado pela ação da properdina. Tal complexo é chamado C3 convertase da via alternativa, que tem a função de clivar (ativar) mais moléculas de C3, o que constitui uma alça de amplificação desse sistema. As novas moléculas de C3b, geradas pela C3 convertase, podem se ligar à superfície do patógeno e, dessa maneira, formar mais complexos C3bBb. É importante notar que alguns complexos da C3 convertase da via alternativa permitem a ligação de mais uma molécula de C3b, formando C3bBb3b. Como resultado, ocorre a mudança da especificidade do complexo, que passa, agora, a atuar no próximo componente da cascata, que é o C5. Esse novo complexo é denominado C5 convertase da via alternativa. Ele inicia a etapa final da ativação do sistema complemento, que é comum às três vias, a chamada via efetora ou terminal. 96 Unidade II iC3b(célula do hospedeiro) Superfície do microrganismo Estabilizada por properdina C5 convertase C5a 7 6 5 4 3 2 1 C3 convertase Fator D Superfície do microrganismo C3b inativo Figura 45 – Diagrama esquemático da ativação do sistema complemento pela via alternativa A seguir, descrevemos resumidamente os sete eventos que representam a via alternativa. • Clivagem espontânea do C3. • Hidrólise e inativação do C3b na fase fluida. • Ligação do C3b na superfície microbiana. Ligação do fator B. • Clivagem do fator B pelo fator D. Estabilização pela properdina. 97 IMUNOLOGIA BÁSICA • Clivagem adicional de moléculas C3 pela C3 convertase ligada à célula. • C3b ligada covalentemente à superfície celular. Ligação à C3bBb para formar C5 convertase. • Clivagem do C5. Início da via terminal da ativação do complemento. 5.3.2 Via clássica do sistema complemento A ativação da via clássica do sistema complemento se inicia pela ligação do primeiro componente dessa via, o C1, nos domínios CH2 da IgG ou nos domínios CH3 da IgM que estejam ligadas a um antígeno qualquer, formando imunocomplexo. Em humanos, a IgM e as subclasses IgG1 e IgG3 são as imunoglobulinas que fixam complemento de forma mais eficiente. O componente C1 é uma proteína grande, composta de cinco subunidades, sendo uma molécula de C1q, duas de C1r e mais duas de C1s. A molécula C1q tem uma estrutura interessante, que se assemelha a um buquê invertido com seis tulipas. A molécula de C1q é composta de seis cabeças globulares, sendo cada uma ligada por uma estrutura alongada, que se unem formando um cabo central. Para iniciar a ativação da via clássica, é imprescindível que C1q se ligue a duas Fc da molécula de anticorpo. Para que a IgG ative a via clássica do complemento, são necessárias duas moléculas, e, para a IgM, é preciso somente uma molécula. Com a ligação de C1q ao anticorpo, o qual está, por sua vez, complexado ao antígeno, ocorre uma mudança conformacional em C1q, a qual acaba por ativar C1r. Quando C1r é ativada, passa a exibir uma atividade enzimática do tipo serino-protease, ativando C1s. É importante ressaltar que a completa ativação desse complexo é dependente de íons Ca2+ e Mg2+. O complexo C1qrs ativado também apresenta atividade serino-protease, o que os capacita a atuar sobre o próximo componente, a proteína C4, clivando-a em C4a e C4b. Consequentemente, a molécula de C4b atua clivando C2, em C2a e C2b, e o complexo resultante, C4b2a, forma-se e é denominado de C3 convertase da via clássica, o qual irá atuar no próximo componente, o C3. A molécula de C3 liga-se ao complexo da C3 convertase pela molécula de C4b e é clivada pela C2a, resultando em C3a e C3b. O fragmento menor, C3a, fica solúvel no plasma e desempenha algumas funções biológicas, que veremos a seguir, enquanto o C3b formado pode se ligar covalentemente à superfície celular ou ao anticorpo que iniciou a ativação da via clássica do complemento. Algumas das moléculas de C3b geradas ligam-se ao complexo anterior, o que vai resultar na formação do complexo C4b2a3b. Esse complexo funciona como C5 convertase da via clássica, que vai ativar o componente C5, iniciando a via comum. A seguir, descrevemos resumidamente os eventos que representam a via clássica: • Ligação de anticorpos a antígeno. Ligação de C1 aos anticorpos. • Ligação do C4 ao C1q associada a anticorpos. 98 Unidade II • Clivagem do C4 pela enzima C1rs. Ligação covalente de C4b aos anticorpos e à superfície do antígeno. • Ligação do C2 ao C4. Clivagem do C2, formando o complexo C4b2a (C3 convertase). • Clivagem de C3 pela C3 convertase. • Ligação do C3b à superfície do antígeno e ao complexo C4b2a. • Clivagem do C5. Início da via terminal da ativação do complemento efetora ou via terminal comum. Imunocomplexo α C3 convertase C5 convertase C3a C2b C2a C4a 1 C1q C1s C1r C1Haste Cabeça 2 3 4 5 6 C2a C5a A) B) Figura 46 – Ativação do complemento pela via clássica: A) figura esquemática da molécula de C1qrs e B) via clássica do sistema complemento 99 IMUNOLOGIA BÁSICA 5.3.3 Via das lectinas do sistema complemento A via das lectinas é a última das vias de ativação do sistema complemento. Essa via, basicamente, consiste numa forma distinta de ativar os componentes C2 e C4 da via clássica. A ativação dessa via se inicia com a ligação de lectinas, presentes na circulação, a resíduos de açúcares dos microrganismos. Essa proteína, denominada MBL ou MBP, que significa lectina (proteína) ligadora de manose (manana), do inglês mannose binding lectin ou mannose binding protein, respectivamente, liga-se principalmente a resíduos de manose, fucose e N-acetilglicosamina de polissacarídeos encontrados, em abundância, na superfície microbiana. Por ser estruturalmente semelhante a C1q, a MBL pode disparar a ativação do sistema complemento, ativando os componentes C1r e C1s de forma similar ao C1q da via clássica. A outra forma de disparar essa reação é pela ligação da MBL a uma outra enzima chamada MASP (serino-proteinase associada a MBP), do inglês mannose binding lectin associated serine-protease. Em humanos, são conhecidas como MASP-1 e MASP-2 e encontram-se fisicamente ligadas à MBL. A MASP-1 e a MASP-2 são ativadas, provavelmente, quando a MBL se liga a qualquer resíduo de açúcar na superfície de algum microrganismo. Como consequência, há a clivagem de C4, dando origem a C4a e C4b, e de C2, dando origem a C2a e C2b. A partir da formação do complexo C4bC2a, essa via prossegue igual à via clássica de ativação do sistema complemento Carboidratos C3a MBL Superfície do microrganismo Figura 47 – Esquema da ativação do sistema complemento pela via das lectinas Observe a ligação da MBL aos carboidratos na superfície da bactéria. 100 Unidade II 5.3.4 Via terminal/efetora do sistema complemento A consequência biológica da ativação da via terminal ou lítica do sistema complemento é a lise da célula-alvo, que pode ser uma bactéria, um protozoário, um vírus, uma célula infectada por parasitas intracelulares etc. As C5 convertases geradas pelas vias alternativa, clássica e lectina iniciam a etapa final da ativação do sistema complemento pela clivagem do componente C5, o que gera os fragmentos C5a e C5b. O fragmento menor, C5a, fica solúvel no soro, enquanto o fragmento maior, C5b, permanece ligado às outras proteínas do complemento na superfície microbiana. A molécula de C5b, na superfície do patógeno, permite, agora, a ligação dos componentes restantes da cascata C6, C7, C8 e C9, que são estruturalmente relacionadas e não apresentam atividade enzimática, concluindo a formação do complexo de ataque à membrana MAC, do inglês membrane attack complex, que é um canal transmembrânico formado na superfície microbiana. Esse canal, inserido na superfície do patógeno, resulta na perda da integridade da membrana e, por consequência, o desequilíbrio iônico, com a saída de Ca2+, entrada de K+ e água, que resulta no aumento do volume intracelular e culmina na lise da célula-alvo. Inflamação C5a Várias moléculas de C9 Lise da célula MAC - complexo de ataque à membrana Membrana plasmática C5 convertase Figura 48 – Esquema da via terminal da ativação do sistema complemento Observe a formação do MAC (complexo de ataque à membrana). 5.3.5 Receptores para os produtos derivados do sistema complemento e funções biológicas do sistema complemento O resultado final da ativação do sistema complemento é induzir a lise da célula-alvo. Além disso, esse sistema participa de outras funções biológicas importantes, que são mediadas pela ligação de fragmentos derivados da sua ativação a receptores expressos em vários tipos celulares. No quadro a seguir, estão apresentados, de forma sucinta, os receptores do sistema complemento, as células em que eles estão presentes e as consequências biológicas decorrentes da ligação desses receptores. 101 IMUNOLOGIA BÁSICA Quadro 2 – Proteínas componentes da via clássica do sistemacomplemento Receptor Principais células Ligantes e principais funções biológicas C1qRp Células mieloides, células endoteliais e plaquetas C1q e MBL – participa da fagocitose de partículas ou de restos celulares opsonizados por C1q e MBL. C3aR Neutrófilos, monócitos, eosinófilos, astrócitos, neurônios e células da glia C3a – participa da degranulação de mastócitos e basófilos. C5aR Granulócitos, monócitos, mastócitos, células endoteliais, epiteliais e da glia C5a – participa da quimiotaxia, da liberação de histamina geração de radicais de O2 reativo e do aumento da expressão de moléculas de adesão. CR1 Hemácias, linfócitos B, polimorfonucleares, monócitos, células foliculares dendríticas C3b, C4b e, com menor afinidade, para iC3b – promove a fagocitose de partículas opsonizadas por esses fragmentos. Participa da remoção de imunocomplexos na circulação. Cofator do fator I na clivagem de C3b em iC3b e C3f, e também, na clivagem de iC3b em C3c e C3d. Além disso, acelera o decaimento funcional das C3 e C5 convertases da via clássica. CR2 Linfócitos B maduros e células foliculares dendríticas C3dg, C3d, iC3b – participa na ativação do linfócito B e na produção de anticorpos. CR4 Neutrófilos, monócitos e macrófagos iC3b – participa da fagocitose e medeia a adesão de neutrófilos e eosinófilos ao endotélio. Adaptado de: Oliveira; Kanashiro (2010, p. 163). Como afirmamos anteriormente, o sistema complemento atua tanto na imunidade inata quanto na adaptativa, e resulta em funções efetoras bastante importantes, que serão detalhadas a seguir. Opsonização e fagocitose Os microrganismos nos quais o sistema complemento é ativado pela via clássica ou alternativa são alvos da ligação dos fragmentos C3b, iC3b ou C4b e têm a sua fagocitose facilitada pela existência de receptores para esses componentes na superfície dos macrófagos e dos neutrófilos. Os fragmentos C3b e C4b ligam-se ao receptor CR1, enquanto o iC3b liga-se aos receptores CR3 e CR4. O CR1, por si, é ineficiente em promover a fagocitose de microrganismos ligados por C3b. No entanto, a fagocitos e é incrementada caso esse organismo esteja também ligado a uma IgG que, simultaneamente, liga CR1 com o receptor de Fc (receptor de Fc de anticorpo) na superfície dos fagócitos. A fagocitose de microrganismos, via C3b e iC3b, constitui-se como um mecanismo importante de defesa inata e adaptativa nas infecções. Nas infecções que ocorrem por bactérias encapsuladas, tais como pneumococos e meningococos, que apresentam cápsula rica em polissacarídeos, a proteção é mediada pela imunidade humoral. Nessas infecções, os anticorpos IgM direcionados contra os polissacarídeos bacterianos ativam o complemento pela via clássica, e os componentes opsonizantes, gerados por sua ativação, induzem a eliminação desses patógenos, via fagocitose, que ocorre no baço. Esse é o motivo pelo qual indivíduos que não têm o baço (esplenectomia cirúrgica após traumas, por exemplo) são mais susceptíveis a infecções generalizadas por pneumococos ou meningococos. 102 Unidade II A deficiência de C3 em humanos ou em camundongos está associada às infecções sérias e frequentes por bactérias piogênicas (que induzem a formação de pus), que podem ser fatais. Esse fato ilustra o papel central do C3 na opsonização e no aumento da fagocitose para destruição desses microrganismos. Microrganismo MicrorganismoMicrorganismoMicrorganismo Microrganismo Macrófago Ligação de C3b (ou C4b) ao microrganismo (opsonização) Reconhecimento do C3b ligado ao microrganismo, pelo receptor de C3b do fagócito A ligação do C3b ao microrganismo ativa os componentes finais da cascata do complemento Formação do MAC (complexo de ataque à membrana) Lise osmótica do microrganismo Citólise mediada pelo complemento Opsonização e fagocitose Fagocitose do microrganismo Figura 49 – Funções biológicas do sistema complemento: na parte superior está representada a opsonização e fagocitose de microrganismo; na parte inferior está representada a lise de microrganismo mediado pelo complemento Resposta inflamatória Os fragmentos peptídicos resultantes da ativação do sistema complemento C5a, C4a e C3a induzem inflamação aguda pela ativação de mastócitos e neutrófilos. Todos esses três peptídeos podem se ligar a mastócitos e induzem a sua degranulação, liberando mediadores vasoativos, tais como a histamina. Em neutrófilos, o C5a aumenta a motilidade e, associado aos mediadores vasoativos liberados pelos mastócitos, modulam positivamente a expressão de moléculas de adesão (CAMs) no endotélio dos vasos e no próprio neutrófilo, que resulta na sua migração ao sítio da inflamação. Um mecanismo similar acontece com outras células que também são atraídas para o foco inflamatório, a fim de combater o patógeno presente no local. Lise celular mediada pelo complemento O MAC, formado pela via terminal do sistema complemento, pode induzir a lise de bactérias, principalmente Gram-negativas, parasitas, vírus, eritrócitos e células nucleadas. 103 IMUNOLOGIA BÁSICA A maioria dos vírus envelopados são susceptíveis à lise mediada pelo complemento, uma vez que o envelope viral é derivado da membrana plasmática da célula infectada. Em relação às bactérias, a maioria das Gram-negativas são passíveis de lise mediada pelo complemento, com exceção da Escherichia coli e Salmonella que, por exemplo, são resistentes. Já as Gram-positvas, geralmente, são resistentes à ação do sistema complemento devido a uma camada espessa de peptidoglicana na parede celular, que previne a inserção do MAC. Outras funções biológicas mediadas pelo complemento Uma resposta imune com níveis elevados de anticorpos contra antígenos circulantes resulta na formação de uma pequena quantidade de imunocomplexos. Se esses imunocomplexos se acumularem na circulação, podem formar agregados, serem depositados na parede dos vasos e induzir inflamação, causando uma flebite (inflamação de vasos sanguíneos). A interação do complemento com os imunocomplexos impede que se formem os agregados. Além disso, os imunocomplexos associados à C3b ligam-se às hemácias pelo receptor CR1, que são carreados para o baço, onde os imunocomplexos são fagocitados. Esse mecanismo de eliminação de imunocomplexos é particularmente importante em indivíduos que têm uma doença inflamatória autoimune denominada lúpus eritematoso sistêmico, na qual são produzidos anticorpos contra as proteínas do próprio indivíduo. Esses anticorpos formam complexos com os antígenos próprios do organismo e, caso não sejam eliminados, depositam-se nos tecidos. 6 RESPOSTA IMUNE ADAPTATIVA A imunidade adaptativa, ou específica, desenvolve-se ao longo da vida, em função das características particulares de cada patógeno que entra em contato com o organismo. A partir de uma primeira exposição a um corpo estranho, o sistema imunológico reconhece os antígenos, que estimulam a multiplicação tanto de células que fabricam anticorpos quanto de células que atacam especificamente as células infectadas pelo patógeno ou o patógeno propriamente dito. Os antígenos podem ser, por exemplo, vírus ou substâncias que existam na parede externa de uma bactéria. Na imunidade adaptativa, atuam vários tipos de leucócitos e, dentre eles, destacam-se os linfócitos T e os linfócitos B. Os linfócitos T somente reconhecem antígenos processados, apresentados por moléculas específicas presentes na superfície de uma célula apresentadora de antígeno, cujos principais representantes são os macrófagos e as células dendríticas. O processo de maturação dos linfócitos T gera células T efetoras ou de memória. Existem diversos subtipos de linfócitos T efetores. Os dois principais subtipos são os auxiliares (Th) e os citotóxicos, que apresentam um receptor TCR e as moléculas correceptoras, CD4 ou CD8, respectivamente. 104 Unidade II Os linfócitos T CD4+, ou auxiliares, são responsáveis por enviar mensagens de ataque, por meio da liberação de citocinas,para outras células da resposta imune. São também muito importantes na ativação dos linfócitos B, dos macrófagos ou mesmo dos linfócitos T CD8+, citotóxicos. Os linfócitos T CD4+ são subdivididos funcionalmente pelo padrão de citocinas que produzem a partir do reconhecimento de fragmentos antigênicos apresentados pelas células apresentadoras de antígenos (macrófagos, células dendríticas e linfócitos B ativados). Os linfócitos Th1 estimulam a resposta citotóxica, mediada por linfócitos T CD8+, enquanto os linfócitos Th2 estimulam a produção de anticorpos pelos linfócitos B. Em função da natureza do agente infectoparasitário e da forma com que seus antígenos são processados, pode ocorrer predomínio da resposta citotóxica, que é mediada pelos linfócitos CD8+ e efetiva no combate a microrganismos intracelulares, ou pode haver predomínio da resposta humoral, mediada pela produção e secreção de anticorpos pelos plasmócitos e efetiva no combate a microrganismos extracelulares. No entanto, é importante salientar que essas respostas, muitas vezes, ocorrem concomitantemente. Os linfócitos T CD8+ (linfócitos T citotóxicos) estão envolvidos principalmente nas respostas antivirais e apresentam ainda atividade antitumoral. Eles também reconhecem os antígenos a partir da interação com células apresentadoras de antígenos e, a partir desse reconhecimento, proliferam e podem eliminar qualquer célula que apresente esse antígeno, a partir da indução da apoptose mediada por perforinas e granzimas. Os linfócitos B, por sua vez, desencadeiam a produção de anticorpos, que são as substâncias que o organismo produz para neutralizar os antígenos. São globulinas glicoproteicas que se formam especificamente para um determinado antígeno, capazes de reagir a ele e bloquear sua ação. Os anticorpos se ligam de forma específica aos antígenos, inativando-os. Assim, atuam diretamente sobre as bactérias e os vírus, prevenindo que eles se fixem e invadam as células ou, ainda, inativando as substâncias tóxicas produzidas pelas bactérias. Além disso, auxiliam os fagócitos a incorporarem os antígenos, ativam o sistema do complemento e ajudam os linfócitos NK a matarem as células infectadas ou as células cancerígenas. Se a resposta inata é suficiente para anular a ação de um agente infeccioso, não ocorre ativação da resposta imune adaptativa e, portanto, não há formação de memória imunológica. No entanto, caso ocorra persistência da infecção, há a necessidade da ativação da resposta imune adaptativa. Para iniciar nosso estudo, vamos entender como os linfócitos são originados e diferenciados em diferentes padrões, por meio de um processo de maturação finamente controlado. 105 IMUNOLOGIA BÁSICA 6.1 Ontogênese dos linfócitos Os linfócitos são as principais células da resposta imune adaptativa e representam os principais componentes do sistema linfoide. São heterogênicos, fenotípica e funcionalmente, e produzidos diariamente e em grande número nos órgãos linfoides primários (medula óssea e timo). As células linfoides representam aproximadamente 20% dos leucócitos totais; os outros 80% são compostos de granulócitos e monócitos. Após sua produção, alguns linfócitos migram para os órgãos linfoides secundários, os linfonodos e o baço, a fim de realizar a vigilância imunológica contra os patógenos. Um adulto médio possui aproximadamente 2 x 1012 diferentes tipos de linfócitos, sendo que cada um deles representa um clone. As células linfoides, após o seu amadurecimento, têm uma longa vida e podem persistir por muitos anos como células de memória imunológica. Menos de 1% dos linfócitos estão na circulação. A maioria deles está se deslocando entre os tecidos e são sintetizados e mortos diariamente, o que mantém o equilíbrio do sistema linfoide. Além disso, como eles são muito heterogêneos, variam em tamanho e morfologia, principalmente na relação núcleo-citoplasma, no formato do núcleo e na presença ou não de grânulos azurófilos. Os linfócitos T e B, que são os subtipos envolvidos na resposta imune adaptativa, apresentam diversos marcadores específicos na membrana plasmática e no citoplasma. Experimentalmente, é possível utilizar anticorpos monoclonais para a distinção dessas moléculas, o que permite a sua caracterização, uma vez que, visualmente, com técnicas microscópicas normais, não é possível diferenciar os linfócitos T dos linfócitos B. BasófiloBasófilo Granulócito eosinófiloGranulócito eosinófilo Granulócito basófiloGranulócito basófilo LinfócitoLinfócito MonócitoMonócito Figura 50 – Células sanguíneas em uma lâmina de hemograma Na figura, podemos perceber que os leucócitos apresentam características morfológicas bastante distintas entre eles, contudo independentemente de o linfócito ser do grupo B ou do grupo T, ou até mesmo um linfócito NK, eles irão ser morfologicamente iguais nas técnicas de coloração e microscopia ótica. 106 Unidade II Todas as células do sangue, incluindo os linfócitos, têm a sua origem na medula óssea, de uma célula-tronco hematopoiética; são inicialmente sintetizadas sem expressarem nenhum receptor em sua superfície, ou seja, indiferenciadas. Nessa etapa, as células ainda não são responsivas aos antígenos. Ainda na medula óssea, os linfócitos expressam duas proteínas, a CD34 e o antígeno-1 da célula tronco (Sca-1). A proliferação dessas células é estimulada por citocinas, como, por exemplo, os fatores estimuladores de colônias. Durante esse processo, tanto as futuras células B como as futuras células T são estimuladas a iniciar um programa de expressão gênica que irá levar a sua diferenciação e futuro amadurecimento. Célula-tronco mieloide Célula-tronco linfoide Linfoblasto Neutrófilos Linfócito B Mieloblasto Leucócitos Linfócito T Plasmócito Plaquetas Hemácias Granulócitos Basófilos Eosinófilos Célula-tronco hematopoiética Figura 51 – Hematopoiese A hematopoiese ocorre na medula óssea, dentro dos ossos longos. Todas as células sanguíneas têm a sua origem a partir de uma célula-tronco comum, a proliferação dessas células é dependente de citocinas, entre elas os fatores de estimulação de colônia (GSM). No início da síntese das células de defesa, em especial os linfócitos, não há ainda resposta imune, as células são irresponsivas e precisam passar por algumas etapas de diferenciação e amadurecimento até se tornarem células maduras. O processo do desenvolvimento dos linfócitos começa nos órgãos linfoides geradores ou centrais, onde as células progenitoras indiferenciadas sofrem um processo de rearranjo dos genes geradores de receptores. Após episódios de seleção, que irão garantir que apenas as células viáveis e não reagentes ao próprio organismo sejam liberadas na corrente sanguínea, ocorre a proliferação. Durante o processo de geração e amadurecimento, as células serão nomeadas de forma diferente: pró-linfócito, pré-linfócito, linfócito imaturo. A maturação final, que dá origem aos linfócitos maduros, ocorre nos órgãos periféricos. 107 IMUNOLOGIA BÁSICA Órgão gerador Órgão periférico Célula-tronco Pró-linfócito Pré-linfócito Linfócito imaturo Linfócito maduro Figura 52 – Estágios do desenvolvimento dos linfócitos Como podemos ver na figura, tanto os linfócitos T quanto os linfócitos B têm suas origens na medula óssea, a partir de uma célula-tronco comum, que irá diferenciar em pró-linfócito. Após isso, ocorre o rearranjo dos receptores e eles serão expressos na membrana, essa célula será o pré-linfócito, que ainda na medula será diferenciado em linfócito imaturo. Depois dessas etapas, os linfócitos irão terminar seu processo de amadurecimento nos órgãos periféricos. O desenvolvimento dos linfócitos a partir das células progenitoras é estimulado, inicialmente, pela IL-17. Essa interleucina é produzida por células do estroma da medula óssea e do timo. Em seguida, o estímulo pela IL-17 cessa e, então, ocorre o rearranjo dos receptores de antígenos na superfície dessas células. A partir dessa etapa, somente ascélulas que têm receptores funcionais podem prosseguir o desenvolvimento. As sequências genéticas que irão codificar os receptores dos linfócitos B e dos linfócitos T estão localizadas em três regiões e são nomeadas genes V(D)J, os mesmos que, mais tarde, serão responsáveis pela produção de anticorpos funcionais pelos linfócitos B. Lembrete Os genes V codificam a região variável, os genes D, a região de diversidade e os genes J, a região de junção dos receptores dos linfócitos. Observação Uma vez que, nos linfócitos, os receptores de superfície são especializados em reconhecer antígenos, eles apresentam a mesma estrutura dos anticorpos. 108 Unidade II L L L P EPP P P P E P P E E Transcrição Rearranjo VDJ Transcrito primário RNA DNA DNA Rearranjo DJ L L J5 J5L L V1 V1 V1 V1 V2 V2 D2 D2 J4 J4 Vn V2 Vn D1 D2 J4 J5 D1 D2 D3 Dn J1 J2 J3 J4 J5 Cµ Cµ Cµ Cµ C6 C6 C6 C6 L L Figura 53 – Representação dos genes que compõem as regiões V, D e J e alguns rearranjos gênicos É possível observar que o loci gene que irá sintetizar os receptores é da família das imunoglobulinas, possui alguns poucos genes que se rearranjarão em diferentes éxons, permitindo a transcrição de receptores e imunoglobulinas diversas e específicas, característica de imunidade adquirida. Milhares de diferentes receptores dos linfócitos são responsáveis pelas características de diversidade e especificidade da resposta imune adaptativa. Para a expressão de cada receptor antigênico, ocorre o rearranjo entre os fragmentos desses genes, em um processo denominado recombinação V(D)J. Vamos agora entender como ocorre a diferenciação das células progenitoras em linfócitos B e T. 109 IMUNOLOGIA BÁSICA Célula-pluripotente Progenitor linfoide B folicular B zona marginal Pró-B Precursor da célula T Pró-T B-1 TγB TσB CLI Figura 54 – Síntese e amadurecimento dos linfócitos Na medula óssea, a partir de uma célula-tronco pluripotente, é gerado um progenitor linfoide. Após essa etapa, de acordo com os estímulos recebidos e rearranjo gênico de receptores, as células se diferenciação em B ou T. O processo de diferenciação das células B ocorre na medula óssea, já a diferenciação dos linfócitos T ocorrerá no timo. A célula pró-B poderá gerar linfócitos B-2, de zona marginal e folicular e linfócitos B-1. A célula pró-T poderá gerar dois tipos de linfócitos T o Tαb e o Tγδ. 6.1.1 Ontogênese e moléculas de superfície dos linfócitos B Os linfócitos B representam entre 5 e 15% das células linfoides circulantes. Os progenitores de células B na medula óssea são encontrados adjacentes ao endósteo das lamelas ósseas. Um precursor poderá gerar até 64 descendentes, que migrarão para o centro da cavidade de osso esponjoso e alcançarão a luz de um sinusoide venoso. Na medula óssea, as células B amadurecem associadas intimamente às células reticulares do estroma, encontradas junto ao endósteo e associadas ao seio central. Essas células são chamadas de células reticulares adventícias, e apresentam características mistas, com semelhança aos fibroblastos, células endoteliais e miofibroblastos, e são capazes de sustentar a diferenciação das células B por meio da produção de IL-7. 110 Unidade II Arteríola Célula endotelial Linfoblastos Eritoblastos Megacarócito Célula endotelial Célula mesenquimal Célula de gordura Capilar sinusoide Figura 55 – Medula óssea: à esquerda, vemos, após coleta, a fixação e a coloração; à direita, vemos a representação ilustrada das componentes da medula óssea Todas as células do sangue, tem sua síntese na medula óssea, inclusive os linfócitos e para a síntese e amadurecimento do linfócito B o contato com as células não precursoras que compõem a medula óssea é essencial. Os linfócitos B apresentam receptores em sua superfície que são imunoglobulinas (anticorpos) responsáveis por reconhecer epítopos antígenos não próprios ao organismo. A partir desse evento, ocorre o estímulo para a produção de mais anticorpos, que serão secretados no plasma. Tais receptores, conhecidos como BCR (do inglês B cell receptor) são constituídos de duas cadeias de imunoglobulinas, denominadas Igα e Igb, de uma cadeia µ e de uma IgM, que permanece em contato com o meio externo. O complexo ITAM (do inglês immunoreceptor tyrosine-based activation motif), presente nessa estrutura, é responsável pela ativação do complexo B após o reconhecimento de um antígeno não próprio pela IgM que constitui o receptor. 111 IMUNOLOGIA BÁSICA IgM ITAM Ig-α–IG-b Figura 56 – Receptor do linfócito B Complexo receptor do linfócito B, BCR, é uma molécula de IgM ligada à membrana plasmática, junto com outras moléculas de superfície formam o motivo ITAM, que é responsável pela ativação do linfócito B. A expressão do BCR na superfície dos linfócitos B se dá da seguinte maneira: após a compleição do rearranjo V(D)J, que dará origem à cadeia pesada das imunoglobulinas Igα e Igb presentes na superfície dos linfócitos B, ocorre a síntese da cadeia μ, que é uma molécula transmembrana. O produto de dois genes, λ5 e VpréB, fornece a informação para a expressão da cadeia leve. O complexo formado tem o nome pré-BCR (do inglês B cell receptor), cuja principal função é a transmissão de sinal para o interior da célula, a partir do reconhecimento de um antígeno. As células que não expressam o pré-BCR morrem por apoptose, mas aquelas que expressam corretamente o pré-BCR continuam a se diferenciar pelo processo de seleção positiva. Na sequência, duas cadeias μ pareiam e formam a IgM monomérica que ficará inserida na membrana, cuja função é a ligação aos epítopos antigênicos. Se as células imaturas reconhecem um antígeno próprio do organismo, serão inativados permanentemente, e não irão sofrer expansão clonal nem diferenciação. Já as células que reagiram a antígenos solúveis serão anergizadas, ou seja, inativadas sem serem deletadas. Um terceiro evento pode ainda ocorrer: a célula B é preservada, e apenas o receptor é alterado por mutações somáticas, o que evita a autorreatividade. Esses três eventos são nomeados de seleção negativa, e são descritos com mais detalhes na unidade III. Mais de 75% dos linfócitos B que amadurecem na medula não irão atingir a corrente sanguínea, pois parte dessas células sofrerá apoptose, devido à seleção negativa. 112 Unidade II Saiba mais Para entender o que é a tolerância imunológica, leia o texto indicado a seguir. MATOS, A. C Tolerância e imunidade. UFBA. Disponível em: https://cutt.ly/cbB5zjY. Acesso em: 17 maio 2021. Para a formação do linfócito B maduro, a célula B IgM+ precisa se diferenciar em uma célula B IgM+IgD+ ainda na medula óssea. Tanto a IgM quanto a IgD associadas à membrana apresentam a mesma especificidade antigênica, pois foram produzidas a partir de um mesmo rearranjo V(D)J. Menos de 10% das células B circulantes expressam IgG, IgA ou IgE em sua superfície. Nas mucosas, por exemplo, os linfócitos B expressam IgA. Após o processo de maturação, os linfócitos B circulam do sangue para os órgãos linfoides secundários. Não havendo o reconhecimento de antígenos nos órgãos linfoides, as células voltam a circular no sangue ou morrem. Já quando há a interação com um antígeno, será formado um centro germinativo, que será o local de diferenciação e proliferação. O estágio final de diferenciação dos linfócitos B ocorre em locais conhecidos como cordões medulares, nos linfonodos. Nessa etapa, os plasmócitos produtores de IgG de memória migram para a medula óssea, onde continuarão a secretar anticorpos. Lembrete Plasmócito é a forma ativa dos linfócitos B, que produz e secreta os anticorpos, após o reconhecimento do antígeno específico pelo receptor da célula. Os plasmócitos produzem e secretam anticorpos que apresentam a mesma especificidade antigênica das imunoglobulinas presentes na sua superfície. Inicialmente, ocorre a secreção de anticorpos da classe IgM pelos plasmócitos. Contudo, devido à interaçãodireta com linfócitos T e a sinalização emitida por citocinas, ocorre a troca de isotipo ou troca de classe, na qual essas células passam a sintetizar e a secretar IgA, IgE ou IgG. Durante o processo de ativação dos linfócitos B, um conjunto dessas células permanece na periferia, como células B de memória de vida longa. Essas células são essenciais para reiniciar a produção de anticorpos frente a exposições subsequentes ao antígeno. 113 IMUNOLOGIA BÁSICA Figura 57 – Plasmócito em uma lâmina de hemograma É possível diferenciar um plasmócito produzindo anticorpos de um linfócito não ativado, na figura a célula destacada com uma seta, apresenta o citoplasma aumentado, núcleo descentralizado na periferia, já a célula a sua direita é um linfócito típico, possui pouco citoplasma e uma relação núcleo/citoplasma alta. IgM IgM IgM IgD IGKV-J IGLV-J IGHV-D-JD-J IgM IgM IgM IgM IgM IgG IgG IgG IgA IgE IgE IgE IgA IgA Célula-tronco Célula pró-B Célula pré-B Célula B imatura Célula B madura Célula de memória Fase independente de antígenos não próprios Medula óssea Fase dependente de antígenos não próprios Gânglios linfáticos Circulação Célula de memória Plasmócito Plasmócito Plasmócito Plasmócito Célula de memória Célula de memória Receptor pré-B Figura 58 – Maturação e troca de classe de anticorpos no linfócito B Como podemos ver, as fases de célula-tronco, Pró-B, Pré-B e célula B imatura estão presentes na medula óssea. O receptor é expresso a partir da fase pré-B, dependente do rearranjo VDJ, e na célula imatura o receptor de superfície é a IgM monomérica. Após o amadurecimento na circulação, além de 114 Unidade II IgM, o IgD de superfície estará expresso. Quando houver o reconhecimento do antígeno específico, os linfócitos B ativados, plasmócitos, secretarão inicialmente IgM e, em seguida, ocorrerá a troca da classe dos anticorpos com a secreção de IgG, IgA ou IgE, dependendo do tipo de resposta imune necessária. A presença de plasmócitos não é comum na corrente sanguínea. Eles representam menos de 0,1% dos linfócitos circulantes e são encontrados principalmente nos órgãos e tecidos linfoides secundários e na medula óssea. Como sua única função é produzir anticorpos, eles apresentam poucos receptores de superfície e não respondem a antígenos. Os anticorpos produzidos por um plasmócito apresentam uma única especificidade e, além disso, essas células circulantes têm vida curta, sobrevivem poucos dias e morrem por apoptose. Para a geração da célula B de memória, ocorre a troca de classe, por hipermutação somática, naqueles linfócitos B que foram ativados, mas ainda não se diferenciaram em plasmócitos. Assim, o linfócito B de memória terá outro isotipo de imunoglobulina, que não o IgM. Essas células não se dividem nem permanecem vivas em estado quiescente por muito mais tempo, constituindo nosso repertório imunológico, que permite o reconhecimento e a ação efetora rápida e eficaz contra uma ampla variedade de antígenos. VH VH VH DJH VH VH iEµ iEµ iEµ Iµ Iµ Iµ Cµ Cµ Cµ Iγ3 Iγ3 Iγ3 Cγ3 Cγ3 Cγ3 Sγ1 Sγ1 Sγ1 Ve Ve Ve Sα1 Sα1 Sα1 Sα1 Iγ2 Iγ2 Iγ2 Cγ2 Cγ2 Cγ2 Sγ4 Sγ4 Sγ4 Ie Ie Ie Ce Ce Ce Iα2 Iα2 Iα2 Cα2 Cα2 Cα2 Sµ Sµ Sµ Sµ Cδ Cδ Cδ Sγ3 Sγ3 Sγ3 Iγ1 Iγ1 Iγ1 Cγ1 Cγ1 Cγ1 Iα1 Iα1 Iα1 Cα1 Cα1 Cα1 Vγ Vγ Vγ Sγ2 Sγ2 Sγ2 Iγ4 Iγ4 Iγ4 Cγ4 Cγ4 Cγ4 Se Se Se Sα2 Sα2 Sα2 3’α2E 3’α2E 3’α2E 3’α1E 3’α1E 3’α1E Transcrito de círculo de Iα1-Cμ Transcrito de pós-recombinação de Iμ-Cα1 Círculo de troca de DNA Transcrito de VMDJM-Cα1 Resolução de DSBs Geração de DSBs e sinapse de S-S Transcrito de VMDJM-Cμ Transcrito de VMDJM-Cδ Transcrição de linhagem germinativa de Iμ-S-Cμ Transcrição de linhagem germinativa de Iα1-S-Cα1 IgM IgA1 Humano (cromossomo 14) Primeira unidade de duplicação Segunda unidade de duplicação AUXÍLIO Figura 59 – Hipermutação somática, troca de classe das imunoglobulinas 115 IMUNOLOGIA BÁSICA O gene que expressa a imunoglobulina IgM, muta, perdendo uma região, o círculo de DNA, em uma nova transcrição desse gene a classe expressa de imunoglobulina será de IgA, na hipermutação a troca do isotipo do anticorpo, contudo a especificidade da região variável é conservada para o mesmo antígeno da classe expressa inicialmente. Outras moléculas presentes na superfície dos linfócitos B são importantes para a efetivação das funções dessas células. Os linfócitos B participam da apresentação de antígenos para linfócitos TCD4+, graças à expressão da classe II do complexo principal de histocompatibilidade (MHCII) e das proteínas coestimulatórias B7 e CD40 por essas células, assunto que será abordado com mais detalhes ainda nesta unidade. MHC II + Peptídeo IL2/4/5 Antígeno BCR BCR TCR CD4 0L IL R CD40 Célula BCélula TCD4* Figura 60 – Linfócito B como célula apresentadora de antígeno (APC, antigen presenting cell) O linfócito B tem a função de APC, quando o BCR reconhecer o seu antígeno específico, ocorrer a fagocitose e a posterior apresentação de peptídeo antigênico na molécula de MHC classe II para o linfócito TCD4+, a participação de outras moléculas de superfície, o CD40 e o CD40L, são essenciais para a ativação da célula T. A proteína CD40 também está envolvida na troca de classe de imunoglobulina. Ao interagir com o CD154, também conhecido como CD40L (ligante de CD40), presente na superfície dos linfócitos TCD4+, ocorre início da produção de IgG, mais duradoura. Quando não há essa interação, como ocorre, por exemplo, na síndrome humana de hiper-IgM, ligada ao cromossomo X, os linfócitos T não expressam o CD154 e, como resultado, não ocorre a troca do isotipo do anticorpo, e o indivíduo produz somente IgM, o que o leva a um quadro de imunodeficiência primária. A proteína CD21 está envolvida na ativação do linfócito B e também é um receptor para o componente do complemento C3d. O vírus Epstein-Barr, agente etiológico da mononucleose, é capaz de se ligar a essa proteína e invadir a célula. 116 Unidade II A proteína CD32 atua como receptor da fração Fc da IgG, o que tem um importante papel no processo de retroalimentação negativa pelos anticorpos que ocorre em decorrência do término de uma resposta imune. Quadro 3 – Moléculas de superfície da célula B Molécula Função BCR, IGM OU IGD Receptor do antígeno CD79a e CD79b, OU IGα E IGb Transdução de sinal CD19, CD21, CD81 Aumenta o sinal da transdução, para ativação da célula B MHC CLASSE II Apresenta antígenos para o linfócito T CD4+ CD40 Troca de classe do anticorpo CD21 Ativação da célula B e ligação do componente C3d do sistema complemento CD32 Receptor Fc da IgG, sinal negativo Todo o processo descrito até agora é responsável por gerar um grupo de linfócitos B denominado B-2. No entanto, existe um outro grupo, denominado B-1, que se caracteriza pela expressão de moléculas CD5 na sua superfície. Nos adultos, essa população representa uma minoria das células B presentes no baço e linfonodos, mas predominante nas cavidades pleural e peritoneal. Os linfócitos B-1 são responsáveis por produzir anticorpos naturais, principalmente IgM de baixa afinidade e avidez, geralmente polirreativos, em resposta a antígenos polissacarídeos de bactérias. Os linfócitos B-1 CD5+ respondem bem a antígenos independentes de linfócito T, podem estar envolvidos no processamento e na apresentação de antígenos às células T e, provavelmente, participam na tolerância e na resposta de anticorpos. Os anticorpos naturais produzidos por essas células atuam na primeira linha de defesa contra os microrganismos e na depuração de componentes próprios danificados. Recentemente, uma nova classe de linfócitos B, os linfócitos B reguladores ou BReg, foi identificada em animais de experimentação. Esses linfócitos, uma vez ativados, produzem IL-10 e TGF-b, o que suprime a ativação e a diferenciação dos linfócitos T CD4+, CD8+ e NK, inibe a ativação de células dendríticas
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