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SUMÁRIO 1. Metabolismo ............................................................... 3 2. Catabolismo de aminoácidos e proteínas ........ 8 3. Catabolismo de aminoácidos ..............................13 4. Catabolismo de lipídeos ........................................31 5. Lipogênese e proteogênese ................................48 Referências bibliográficas ........................................65 3LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 1. METABOLISMO O metabolismo, a soma de todas as transformações químicas que ocor- rem em um organismo, é uma ativida- de celular altamente coordenada, em que muitos sistemas multienzimáti- cos (vias metabólicas) cooperam para desempenhar suas funções básicas: • Obter energia química do ambien- te, por captura de energia solar ou por degradação de nutrientes; • Converter moléculas de nutrien- tes em moléculas do próprio organismo; • Polimerizar precursores monomé- ricos em produtos poliméricos (ex.: aminoácidos . proteínas); • Sintetizar e degradar biomoléculas requeridas em funções celulares especializadas. O metabolismo pode ser dividido em estágios que refletem o grau de com- plexidade ou tamanho das moléculas geradas. No nível 1, temos as reações químicas de conversão de metabóli- tos poliméricos, em seus constituin- tes monoméricos. No nível 2, esses monômeros são quebrados em in- termediários simples. No nível 3, em organismos aeróbicos, a principal via é o ciclo de Krebs, onde os intermedi- ários do nível 2 são degradados com- pletamente a CO2 e H2O. ESQUEMA GERAL DOS TRÊS ESTÁGIOS DO METABOLISMO Estágio 1 Fonte: Bioquímica 2, v.1. / Andrea Thompson Da Poian – Rio de Janeiro : Fundação CECIERJ, 2009 Estágio 2 Carregadores de elétrons reduzidos e ATP Carregadores de elétrons reduzidos e ATP 2CO2 H2O Estágio 3 Carregadores de elétrons reduzidos e ATP Acetil - CoA Glicídeos Açúcares simples (principalmente glicose) Proteínas Gorduras Aminoácidos Ácidos graxos + glicerol Piruvato Ciclo do ácido cítrico 4LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 A informação necessária para espe- cificar cada reação vem da estrutura da enzima que catalisa aquela reação. Qualquer participante de uma reação metabólica, seja ele substrato, inter- mediário ou produto, é chamado de metabólito, e as moléculas que não podem ser mais utilizadas pelo orga- nismo e, portanto, devem ser elimina- das, são denominadas catabólitos. O metabolismo pode ainda ser dividi- do em duas principais categorias: • Anabolismo (ou biossíntese): Pro- cessos que envolvem primaria- mente a síntese de moléculas orgânicas complexas a partir de precursores pequenos e simples. Esses processos necessitam de energia, geralmente na forma de potencial de transferência do ATP e do poder redutor de transporta- dores de elétrons e baseiam-se na redução de moléculas (ganho de elétrons). • Catabolismo: Processos relacio- nados à degradação de substân- cias complexas com concomitante geração de energia. Parte dessa energia é conservada na forma de ATP e de transportadores de elé- trons reduzidos; o restante é per- dido como calor. Baseiam-se na oxidação de moléculas (Perda de elétrons). 5LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DOS PRINCIPAIS ASPECTOS DO CATABOLISMO E DO METABOLISMO Metabólito reduzido CATABOLISMO Energia Reação energeticamente favorável Fonte: Bioquímica 2, v.1. / Andrea Thompson Da Poian – Rio de Janeiro : Fundação CECIERJ, 2009 Metabólito oxidado Metabólito reduzido Metabólito oxidado NAD OU FAD NADHH ou FADH2 NADP NADPH Energia Energia ANABOLISMO Molécula carreadora ativada Reação energeticamente desfavorável 6LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 No entanto, é importante considerar que muitos substratos das vias anabó- licas são formados como intermediários nos processos catabólicos e vice-versa. Algumas vias metabólicas são line- ares e algumas são ramificadas, ge- rando múltiplos produtos a partir de um único precursor (divergente) ou convertendo vários precursores em um único produto (convergente). Al- gumas vias são cíclicas: um compos- to inicial da via é regenerado em uma série de rações que converte outro componente inicial em um produto. No nosso organismo, existem molécu- las que auxiliam algumas enzimas nos processos de óxido-redução e, por- tanto, são denominadas coenzimas. São exemplos de coenzimas a nicotina adenina di-nucleotídeo (NAD) e a flavi- no-adenino dinucleotídeo (FAD), molé- culas especializadas no transporte de hidrogênio. Quando essas coenzimas estão associadas ao hidrogênio, encon- tram-se “reduzidas” e quando perdem esses hidrogênios, são ditas “oxidadas”. As vias de síntese e degradação de uma dada moléculas não são as mes- mas. Quase sempre os dois caminhos são bastante distintos um do outro. Embora apresentem reações enzi- máticas e intermediárias comuns, são vias diferentes por possuírem dife- rentes enzimas catalisando pelo me- nos parte de suas reações. A regulação metabólica é realizada em nosso organismo, principalmente, pelos seguintes mecanismos: • Controle dos níveis de enzimas: As concentrações das diversas enzimas intracelulares variam de modo que aquelas envolvidas nas vias centrais de produção de ener- gia devem ser mais abundantes do que as que realizam funções li- mitadas na célula. Além disso, os níveis de uma mesma enzima po- dem variar em função das necessi- dades de um dado momento. • Controle da atividade da enzima: Pode ser controlada pela interação com um ligante ou por modificação covalente. No primeiro caso, o subs- trato da enzima em alta concentra- ção tende a ativá-la, enquanto seu produto final na quantidade dese- jada tende a inibi-la. Já no segundo caso, normalmente, ligações cova- lentes estão associadas com regula- ções em cascata, ou seja, a modifi- cação ativa uma enzima, a qual ativa uma segunda enzima, que pode ati- var uma terceira enzima, que final- mente atua sobre um substrato. • Controle por compartimentaliza- ção: Em geral, a via de síntese de uma molécula ocorre em um com- partimento celular distinto de onde ocorre sua via de degradação. • Regulação hormonal: Hormônios são mensageiros químicos que, por sinalização celular, induzem mudanças no comportamento da célula. Estas mudanças são efeti- vadas por mecanismos regulató- rios, tais como: mudanças na ativi- dade ou na concentração de uma enzima e mudanças na permea- bilidade da membrana para um substrato em particular. 7LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Controle dos níveis de enximas Síntese de moléculas orgânicas complexas Gasto de energia (ATP e transportadores de elétrons) Redução de moléculas (ganho de elétrons) Geração de energia (na forma de ATP ou de redução dos transportadores de elétron) Nível 1 Nível 2 Conversão das moléculas dos nutrientes Obtenção de energia química METABOLISMO Funções básicas EstágiosVias metabólicas Definição Regulação metabólica Polimerização de monômeros Síntese e degradação de biomoléculas Nível 3 Conversão de metabólicos poliméricos em monoméricos Conversão dos monômeros em intermediários simples Degradação completa dos intermediários (ciclo de Krebs) Controle da atividade enzimática Controle por compartimentalização Regulação hormonal Soma de todas as transformações químicas do organismo Anabolismo Catabolismo Degradação de substâncias complexas Oxidação de moléculas (perda de elétrons) 8LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 2. CATABOLISMO DE AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS Apesar das proteínas corporais repre- sentarem uma proporção significativa de reservas potenciais de energia, elas costumam ser utilizadas na pro- dução de energia apenas em situa- ções de jejum prolongado, quando os carboidratos já não estão disponíveis como combustível. Além da sua fun- ção como importante fonte de carbo- no para o metabolismo oxidativo e a produção de energia, as proteínas da dieta têm de fornecer quantidades adequadas dos aminoácidos que não podemos sintetizar para sustentara síntese normal de novas proteínas. A fim da proteína da dieta contribuir tanto para o metabolismo energético quanto para o pool (conjunto) de ami- noácidos essenciais, a proteína preci- sa ser digerida a aminoácidos livres ou pequenos peptídeos e absorvida no intestino. A digestão da proteína começa no estômago, por ação da pepsina, em pH baixo promovido pela secreção de ácido clorídrico no suco gástrico, que é secretado por ação do hormônio gastrina. Em seguida, con- tinua no intestino delgado com a in- serção de secreções pancreáticas. O pâncreas libera bicarbonato de sódio para neutralizar o conteúdo gástrico, aumentando o pH para aproximada- mente 7. Além disso, são secretadas enzimas pancreáticas como a tripsina, a quimotripsina e as carboxipeptida- des em suas formas inativas (zimogê- nios) e são ativadas no intestino. Com o auxílio de algumas enzimas proteo- líticas localizadas na borda em esco- va das células do intestino delgado, o processo de quebra das proteínas em aminoácidos é completado. De- pois que todos os di- ou tripeptídeos remanescentes são degradados nos enterócitos, os aminoácidos livres são transportados pela veia porta ao fíga- do para o metabolismo energético, ou distribuídos para outros tecidos. CORRELAÇÃO CLÍNICA! A pancre- atite aguda é caracterizada como uma doença inflamatória decorrente da ati- vação anormal das enzimas pancreáti- cas e liberação de uma série de media- dores inflamatórios, atingindo, além do pâncreas, os tecidos peripancreáticos, podendo inclusive afetar outros órgãos. Desse modo, os zimogênios são con- vertidos para sua forma ativa ainda nas células pancreáticas, causando a pró- pria destruição da glândula. Isso causa dores intensas e lesão ao órgão, o que pode ser fatal. É considerada a doença pancreática mais comum em crianças e adultos, e pode se manifestar com duas apresentações clínicas: leve (intersticial) – as manifestações cursam com mínima repercussão sistêmica, obtendo melhora com a reposição de líquidos e eletrólitos – ou grave (necrosante) – além das com- plicações locais, há falência de órgãos e sistemas distantes. 9LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 DIGESTÃO DAS PROTEÍNAS Proteínas ZIMOGÊNIOS PEPSINA Atuam em pH alcalino Proporcionado pelo HCO3- As enzimas são lançadas no intestino em suas formas inativas Resultante da clivagem do pepsinogênio Origina oligopeptídeos de diferentes tamanhos TRIPSINA Age em pH baixo QUIMIOTRIPSINA CARBOXIPEPTIDASES Proporcionado pelo HCl 10LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 As proteínas, como os demais com- postos constituintes de um organis- mo, não são permanentes, estando em contínua degradação e síntese. Estima-se que, em um ser humano adulto com uma dieta adequada, haja uma renovação (turnover) de aproxi- madamente 400g de proteínas por dia. A manutenção da concentração de uma determinada proteína é ob- tida pela síntese desta proteína em uma velocidade equivalente à de sua degradação e, embora existam varia- ções de concentrações em tempos muitos curtos, em geral, a concentra- ção proteica mantém-se constante no indivíduo adulto e hígido. Uma consequência importante do turnover proteico é restar sempre uma certa quantidade de aminoáci- dos não utilizados, porque o conjunto de aminoácidos gerados da degra- dação de proteínas nunca é igual ao conjunto de aminoácidos necessários para compor as proteínas a serem sintetizadas. Sabendo que não há meio de armazenar aminoácidos em nosso organismo, satisfeitas as ne- cessidades de síntese, os excedentes são degradados e seu nitrogênio ex- cretado. O conjunto de aminoácidos é utilizado para a síntese de proteínas e de outras moléculas nitrogenadas (os aminoácidos são precursores de to- dos os compostos nitrogenados não proteicos). Podemos concluir, então, que os ami- noácidos sofrem o processo oxidativo em três diferentes circunstâncias metabólicas: • Durante a síntese e degradação normal de proteínas, alguns ami- noácidos obtidos pela degradação são utilizados para a síntese de novas proteínas; • Quando a dieta é rica em prote- ínas, e a ingestão excede as ne- cessidades do corpo a síntese de proteínas endógenas, tal excesso é degradado, visto que os amino- ácidos não podem ser estocados; • Durante o jejum ou em doenças como a diabetes melito, quando os carboidratos já não estão mais disponíveis ou não podem ser uti- lizados, as proteínas celulares são utilizadas como combustível. Em todas essas condições metabó- licas, os aminoácidos perdem seus grupamentos amino para formar α-cetoácidos, os “esqueletos de car- bono” dos aminoácidos. Os α-cetoá- cidos sofrem oxidação a CO2 e H2O, geralmente mais importante, forne- cem unidades de 3 e 4 carbonos que podem ser convertidas em glicose. De um modo geral, as vias de degra- dação convergem para vias metabóli- cas centrais. No caso do metabolismo dos aminoácidos, todos eles con- têm um grupamento amino; logo seu processo de degradação inclui uma etapa chave, na qual o grupamento 11LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Proteínas intracelulares Amino- ácidos Proteínas da dieta Esqueletos de carbono α - Cetoácidos Oxaloacetato Glicose (sintetizada na Gliconeogênese) Ureia (produto de excreção do nitrogênio) Carbamoil – fosfato Biossíntese de aminoácidos, nucleotídeos e aminas biológicas amino é separado do esqueleto de carbonos e desviado para vias espe- cíficas de utilização de aminoácidos. A cadeia de carbonos é utilizada em rotas metabólicas de gliconeogênese e lipogênese, enquanto a parte nitro- genada dos aminoácidos, na forma de amônia, é processada em uma vida denomina “ciclo da ureia”. Figura 1. Visão geral do catabolismo dos aminoácidos nos mamíferos. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v SE LIGA! Quando os aminoácidos são metabolizados, o excesso de nitrogênio resultante deve ser excretado. Uma vez que a forma primária na qual o nitrogênio é removido dos aminoácidos é a amônia e, por ser a amônia livre muito tóxica, os seres humanos convertem a amônia em ureia, que é neutra, menos tóxica, muito solúvel e excretada na urina. Os animais que excretam ureia são denominados ureotélicos. Em média entre os indivídu- os, 80% do nitrogênio excretado estão na forma de ureia, e quantidade meno- res são secretadas na forma de ácido úrico, creatinina e íon amônio. 12LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 MAPA MENTAL SOBRE O CONJUNTO DE AMINOÁCIDOS RETIRADO DO LIVRO BIOQUÍMICA ILUSTRADA – PAMELA CHAMPE Degradação de proteínas da dieta CONJUNTO (POOL) DE AMINOÁCIDOS Síntese de aminoácidos não – essenciais Aminoácidos utilizados na biossíntese Metabolismo dos aminoácidos Enzimas proteolíticas do trato gastrointestinal e do pâncreas Requer alfa – cetoácidos e amônia Regulada por fatores de transcrição e tradução Envolve vias biossintéticas Envolve metabolismo intermediário São produzidos por Síntese de proteínas corporais Degradação de proteínas corporais Levam à renovação proteica São consumidos por Todos os aminoácidos livres nas células e no fluido extracelular É definido como 13LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 3. CATABOLISMO DE AMINOÁCIDOS A degradação dos aminoácidos compreende a remoção e a excre- ção do grupo amino e a oxidação da cadeia carbônica remanescente (α-cetoácido). Remoção do grupo amino O primeiro passo no catabolismo da maioria dos aminoácidos (12 deles) é a transferência de seus grupos ami- no para o α-cetoglutarato, formando glutamato. Aminoácido + α-cetoglutarato ↔ α-cetoácido + glutamato Estas reações são catalisadas por aminotransferases, também chama- das transaminases, enzimas presen- tes no citosol e na mitocôndria e que têm como coenzima piridoxal-fosfato (derivada da vitamina B6). Esse gru- po prostético apresenta-se covalen- temente ligado ao grupo amino de um resíduo específico de lisina no sí- tio ativo da enzima. As aminotransfe- rasesdos tecidos de mamíferos acei- tam diferentes aminoácidos como substratos doadores de grupo, mas seu nome deriva do aminoácido pelo qual a enzima tem mais afinidade. Dois exemplos importantes são: as- partato aminotransferase (1) e alani- na aminotransferase (2). Aspartato + α-cetoglutarato ↔ Oxaloacetato + Glutamato Alanina + α-cetoglutarato ↔ Piruvato + Glutamato O efeito das reações de transami- nação é coletar grupos amino de di- ferentes aminoácidos, na forma de L-glutamato. O glutamato então fun- ciona como doador de grupos amino para vias biossintéticas ou para vias de excreção, que levam à eliminação de produtos nitrogenados. O glutamato formado é consumi- do em duas reações importantes: uma nova transaminação e uma de- saminação. Por ação do aspartato α - Cetoglutarato L - Glutamato L - Aminoácido α - Cetoácido PLP Amino - transferase Figura 2. Transaminações catalisadas por enzimas. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Art- med, 2014. 1 v 14LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 aminotransferase, o grupo amino do glutamato é transferido para o oxalo- acetato, formando aspartato, o se- gundo depósito do grupo amino dos aminoácidos Glutamato + Oxaloacetato ↔ Aspar- tato + α-cetoglutarato SE LIGA! O aspartato aminotransferase é a transaminase mais ativa na maioria dos tecidos de mamíferos, evidenciando a importância dessa reação, e é uma ex- ceção à regra de que as aminotransfera- ses funilam os grupos amino para formar glutamato. Já a alanina-aminotransfe- rase, também muito importante, está presente em muitos tecidos e catalisa a transferências do grupo amino da alani- na para o α-cetoglutarato, resultando na formação de piruvato e glutamato. Des- se modo, o glutamato atua efetivamente como coletor de nitrogênio da alanina. Por outro lado, o glutamato pode ser desaminado, ou seja, o grupo amino pode ser liberado como amônia (íon NH4+) em pH fisiológico. Esta reação é catalisada pelo glutamato desidro- genase, uma enzima mitocondrial, encontrada principalmente no fígado. É a única enzima que utiliza NAD+ ou NADP+ como aceptor de equivalen- tes reduzidos. Glutamato + NADP+ + H2O ↔ α-ce- toglutarato + NADPH + H+ + NH4+ A glutamato desidrogenase é es- pecífica para o glutamato, não se conhecem desidrogenases análogas para qualquer outro aminoácido. Glutamato α - Cetoglutarato Figura 3. Reação catalisada pela glutamato desidroge- nase. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Prin- cípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v A ação combinada das aminotrans- ferases e da glutamato desidrogena- se resulta na convergência do grupo amino na maioria dos aminoácidos para dois compostos únicos: NH4+ e aspartato. 15LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Aminoácido α - Cetoglutarato α - Cetoácido α - CetoglutaratoGlutamato Oxaloacetato Aspartato T T GD NADP+ + H2O NADPH + H+ NH4+ α – cetoglutarato Aminoácido+ + + Aminotransferase H2O Glutamato α – cetoácido α – cetoglutarato NH4++ OxaloacetatoNADP + NADPH + H+ Aspartato α – cetoglutarato+ Figura 4. A ação conjunta das transaminases e da glutamato desidrogenase permite canalizar o nitrogênio da maioria dos aminoácidos para aspartato e NH4+. Fonte: Fonte: MARZZOCO, Anita; TORRES, Bayardo Baptista. Bioquímica Básica. 2. ed. Rio de Janeiro: Gua- nabara Koogan, 1999. REMOÇÃO DO GRUPO AMINO DOS AMINOÁCIDOS 16LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Lisina Prolina Histidina Glicina Metionina Serina Treonina Glutamato Aspartato UREIA Alanina Arginina Asparagina Aspartato Cisteína Fenilalanina Glutamina Isoleucina Leucina Tirosina Triptofano Valina NH4+ Alguns aminoácidos que não partici- pam inicialmente de reações de tran- saminação com o α-cetoglutarato, apresentam vias de degradação que, ao contrário dos outros doze apresen- tam reações particulares a cada um deles para remoção do grupo amino. De qualquer modo, o grupo amino ou é liberado como NH4+ por reações de desaminação, ou forma glutama- to através de transaminação de um intermediário aminado com α-ceto- glutarato. Desta forma, os átomos de nitrogênio deste conjunto de ami- noácidos convergem para os mesmos pro- dutos originados pelo grupo amino dos outros aminoácidos: NH4+ ou glutamato, que pode gerar aspartato. Transporte de amônia para o fígado A amônia é bastante tóxica para os tecidos animas, mas, como diversos processos metabólicos geram amô- nia livre, a maior parte dela é con- vertida em um composto não tóxico antes de ser exportada dos tecidos extra-hepáticos para o sangue e, en- tão, transportada até o fígado ou até os rins. Para essa função de transporte, o gluta- mato, essencial para o metabolismo intra- celular do grupo ami- no, combina-se com a amônia livre produzida nos tecidos e é conver- tida em glutamina, por ação da glutamina-sin- tetase. Essa reação re- quer ATP e ocorre em duas etapas. Figura 5. Conversão do grupo amino dos aminoácidos em ureia: o grupo amino de 12 aminoáci- dos é coletado como glutamato, que origina NH4+ e aspartato; os outros 7 aminoácidos origina NH4+ e glutamato por vias especiais. Fonte: Fonte: MARZZOCO, Anita; TORRES, Bayardo Baptista. Bioquí- mica Básica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. 17LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Na maioria dos animais terrestres, a glutamina que excede as necessidades de biossíntese é transportada pelo sangue para o intesti- no, o fígado e os rins, para ser processada. Na mito- côndria desses tecidos, a enzima glutaminase con- verte glutamina em gluta- mato e NH4+. O NH4+ do intestino e dos rins é trans- portado para o fígado, onde a amônia é utilizada na sín- tese da ureia. Parte do glutamato origina- do na reação da glutamina- se pode ser adicionalmente processada no fígado pela glutamato-desidrogena- se, liberando mais amônia e produzindo esqueletos de carbono para utilização como combustível. Contu- do, a maior parte do glu- tamato entra em reações de transaminação neces- sárias para a biossíntese de aminoácidos e outros processos. L - Glutamato γ - Glutamil - fosfato L - Glutamina L - Glutamato Glutamina – sintetase Glutamina – sintetase Glutaminase (mitocôndria hepática) Figura 6. Transporte de amônia na forma de glutamina. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 18LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 O transporte dos grupos amino para o fígado também pode ser desempe- nhado pela alanina, por meio de uma via denominada ciclo da glicose-ala- nina. Nesse ciclo, o glutamato forma- do no músculo e em alguns outros tecidos, na reação de transaminação pode transferir seu grupo amino para o piruvato, produto da glicólise mus- cular, pela ação da alanina-amino- transferase. Assim, a alanina produ- zida segue para o fígado pelo sangue. + + + TECIDOS EXTRA - HEPÁTICOS ATP Intestino, fígado e rins Glutamina - sintetase NH4+ Glutamato Glutamina Glutamina Glutaminase Glutamato Amônia livre Fígado Síntese da ureia Reações de transaminação NH4+ Esqueletos de carbono Glutamato desidrogenase TRANSPORTE DE AMÔNIA PARA O FÍGADO 19LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 No citosol dos hepatóci- tos, o grupo amino da ala- nina é transferido para o α-cetoglutarato, forman- do piruvato e glutamato. O glutamato então entra na mitocôndria, onde a reação da glutamato de- sidrogenase libera NH4+, ou sofre transaminação com o oxaloacetato para formar aspartato, outro doador de nitrogênio para a síntese de ureia. Essa forma de transpor- te elucida uma economia de energia intrínseca dos organismos vivos, haja vista que o músculo não precisa gastar ATP na gliconeogênese, função desempenhada pelo fíga- do. Assim, toda a energia produzida na glicólise é efetivamente utilizada na contração muscular. SAIBA MAIS! A toxicidade da amônia – A capacidade do ciclo hepático da ureia excede as velocidades normais de produçãode amônia e os níveis de amônia sérica são, normalmente, baixos. No entanto, quando a função hepática estiver comprometida, devido a defeitos genéticos no ciclo da ureia ou doença hepática, os níveis sanguíneos de amônia podem elevar-se. Essa hiperamonemia é uma emergência médica, pois a amônia apresenta efeito neurotóxico dire- to no SNC, manifestando-se por sintomas como tremores, discurso inarticulado, sonolência, vômito, edema cerebral e visão borrada. Em altas concentrações, a amônia pode causar coma e morte. Figura 7. Ciclo da glicose – alanina. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 20LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Ciclo da Ureia O processo de formação de um mol de ureia requer 4 mols de ATP, envol- ve a participação de cinco enzimas e possui seis aminoácidos (apenas dois são aminoácidos proteicos: arginina e aspartato) como intermediários. Os dois nitrogênios de uma molécula de ureia são derivados da amônia livre e do grupo amino do aspartato. A síntese da ureia inicia-se na matriz mitocondrial dos hepatócitos, com a formação de carbamoil-fosfato a partir de CO2, na forma de íons de bicarbonato, e amônio, oriundo dos processos de degradação dos amino- ácidos, e o gasto de duas moléculas de ATP. Essa reação é catalisada pela carbamoil-fosfato-sintetase I (CPSI). O carbamoil-fosfato, que funcio- na como doador ativado dos grupos carbamoila, entra no ciclo da ureia, composto de 4 etapas enzimáticas. Primeiro, o carbamoil-fosfato con- densa-se com ornitina, doando seu grupo carbamoila, para formar ci- trulina. A reação é catalisada pela ornitina-transcarbamilase e apresen- ta liberação de fosfato inorgânico (Pi). A citrulina é transportada para o ci- tosol, onde reage com aspartato, pro- duzido na mitocôndria por transami- nação e transportado para o citosol, formando argininossuccinato. Essa reação citosólica é catalisada em pre- sença de ATP pela arginino-succina- to-sintetase e envolve a formação in- termediária de citrulil-AMP. O argininossuccinato é então clivado pela arginino-succinase, formando arginina, que retém o nitrogênio, e fu- marato. Esta é a única reação rever- sível do ciclo da ureia. O fumarato é convertido, pela adição de água, em malato, o qual é oxidado, formando oxaloacetato. O oxaloacetato, então, é transaminado pelo glutamato, pro- duzindo novamente o aspartato. Na última etapa do ciclo, a arginina é hi- drolisada pela enzima arginase, re- generando ornitina, que é transpor- tada para a mitocôndria para iniciar uma nova volta no ciclo, e produzindo ureia, que é transportada ao rim e eli- minada pela urina. 21LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Aspartato Ornitina Arginina Fumarato Argininossuccinato Aspartato Intermediário citrulil - AMP PPi CitrulinaCitosol Matriz mitocondrial Ornitina Citrulina Carbamoil - fosfato Carbamoil- fosfato- sintetase I Ureia Ciclo da ureia Figura 8. Ciclo da ureia. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 22LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 + + + CATABOLISMO DE AMINOÁCIDOS Ornitina - transcarbamoilase CO2 HCO3- Carbamoil – fosfato – sintetase I 2 ATP Carbamoil - fosfatoOrnitina Pi Citrulina Citrulina Aspartato Argininossucinato Arginino - succinase Fumarato Malato Oxaloacetato Arginina Arginase Ornitina Transaminação Ureia Eliminação pela urina MAPA MENTAL – CICLO DA UREIA 23LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Mecanismos de regulação do ciclo da ureia O ciclo da ureia é regulado em par- te pelo controle da concentração de N-acetilglutamato, o ativador alosté- rico essencial da carbamoil-fosfato- -sintetase I. A arginina é um ativador alostérico de N-acetilglutamato sinta- se e é também uma fonte de ornitina, via arginase, para o ciclo da ureia. A indução das enzimas do ciclo da ureia ocorre também quando a liberação de amônia ou de aminoácidos para o fígado aumenta. A concentração dos intermediários também tem um papel importante nessa regulação. Durante a acidose, como um mecanismo para excretar prótons pela urina, a síntese e a excreção da ureia estão diminuí- das e a excreção de NH4+ aumenta- da. Um alto teor de proteína na dieta (excesso de fornecimento de aminoá- cidos), bem como situações de jejum (aumento da degradação de proteí- nas endógenas) resultam na indução de enzimas do ciclo da ureia. Estequiometria geral do ciclo da ureia Aspartato + NH4+ + HCO3- + 3 ATP + H20 . Ureia + Fumarato + 2 ADP + AMP + 2 Pi + PPi + 4 H+ Degradação da cadeia carbônica dos aminoácidos Removido o grupo amino do amino- ácido, resta sua cadeia carbônica, na forma de α-cetoácido. As vinte cadeias carbônicas diferentes apresentam vias específicas de degradação diferentes, mas que convergem para a produção de apenas alguns compostos: piruvato, acetil-CoA ou intermediários do ciclo de Krebs (oxaloacetato, α-cetogluta- rato, succinil-CoA e fumarato). A partir deste ponto, o metabolismo da cadeia carbônica dos aminoácidos já se con- funde com o das cadeias carbônicas de carboidratos ou de ácidos graxos. O destino dos α-cetoácido, a depen- der do tecido e do estado fisiológico, poderá ser: oxidação pelo ciclo de Krebs, utilização pela gliconeogêne- se ou conversão a triacilgliceróis e armazenamento. A maioria dos aminoácidos produz piruvato ou intermediários do ciclo de Krebs, os glicogênicos. A leucina e a lisina originam corpos cetônicos, sendo os únicos aminoácidos exclusi- vamente cetogênicos. Alguns outros aminoácidos – isoleucina, fenilala- nina, tirosina, treonina e triptofano – são tanto glicogênicos quanto ceto- gênicos, isto é, são glicocetogênicos. SE LIGA! No caso dos cetogênicos, a acetoacetil-CoA é convertida em aceto- acetato no fígado e, então, em acetona e β- hidroxibutirato. Sua capacidade de produzir corpos cetônicos é especial- mente evidente no diabetes melito não controlado, quando o fígado produz grandes quantidades de corpos cetôni- cos a partir de ácidos graxos e aminoá- cidos cetogênicos. 24LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Glutamato Arginina Glutamina Histidina Prolina Isoleucina Metionina Treonina Valina Fenialanina Tirosina Fumarato Succinil - CoA Oxaloacetato Piruvato Glicose Acetil - CoA Acetoacetil - CoA Leucina Lisina Fenilalanina Triptofano Tirosina Isoleucina Leucina Treonina Triptofano Alanina Cisteína Glicina Serina Treonina Triptofano Asparagina Aspartato Glicogênios Cetogênicos Malato Citrato Isocitrato Succinato Corpos cetônicos α - Cetoglutarato CO2 Figura 9. Resumo do catabolismo dos aminoácidos. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquí- mica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 25LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Digestão Aminotransferase Desaminação Transferência do grupo amino para o oxaloacetato Aminotransferase Músculos e alguns tecidos Glutamato desidrogenase Glutamina - sintetase Transporte para fígado, rins e intestino Glutaminase FígadoDesaminaçãoOutras transaminações Rim LEGENDA Remoção do grupo amino Transporte de amônia para o fígado Ciclo da ureia e sua excreção Destino da cadeia carbôncia Proteínas da dieta Aminoácidos Transferência do grupo amino para o α – cetoglutarato Glutamato Aspartato NH4+ Ciclo da glicose - alanina Glutamato Glutamina NH4+ Ciclo da ureia H20 3 ATP HCO3- Aspartato Fumarato 2 ADP 2 Pi 4 H+ AMP PPi Ureia Eliminada na urina α – cetoácido Piruvato Acetil - CoA Intermediários do ciclo de Krebs ESQUEMA GERAL DO CATABOLISMO DE AMINOÁCIDOS 26LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS Hidrólise Microvilosidades intestinais Digestão Metabolização Absorção Ligações peptídicas Enzimas Estômago Intestino delgado Pepsina Ação do HCl (suco gástrico) Gastrina Enzimas pancreáticas Tripsina Carboxipeptidases Ação do HCO3- Enterócitos Veia porta → Fígado Metabolização Excreção do grupoamino Oxidação da cadeia carbônica α – cetoácido Ciclo de Krebs Gliconeogênese Corpos cetônicos Aminoácidos glicogênicos Aminoácidos cetogênicos Excreção na urina Atóxica Hidrossolúvel Transaminações Transporte para o fígado Aminotransferases Ciclo da glicose - alanina Glutamina Ciclo da ureia Ureia Atua em pH ácido Atuam em pH alcalino Quimiotripsina ESQUEMA GERAL DO CATABOLISMO DE AMINOÁCIDOS 27LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Correlações clínicas com o catabolismo de aminoácidos As doenças hereditárias do meta- bolismo de aminoácidos (são co- nhecidas mais de 100) constituem a maioria das síndromes genéticas metabólicas, refletindo o grande nú- mero de vias que compõem essa área do metabolismo. Um grande número dessas doenças é resultante de de- feitos enzimáticos, os quais têm por consequência o acúmulo de um me- tabólito em todos os fluidos corpóreos e a sua excreção na urina. A alteração da via metabólica que inclui a enzima afetada tem amplos reflexos sobre outras vias. Os efeitos globais variam de acordo com a enzima defeituosa. • FENILCETONÚRIA: Caracterizada como o defeito hereditário mais fre- quente do metabolismo de amino- ácidos, essa doença é causada por ausência de fenilalanina hidroxila- se, a primeira enzima na via cata- bólica da fenilalanina, ou, mais ra- ramente, da tetra-hidrobiopterina. A fenilalanina hidroxilase converte fenilalanina em tirosina e utiliza te- tra-hidrobiopterina como coenzi- ma (raramente, a doença também pode ser causada por um déficit na enzima que regenera a tetra-hidro- biopterina). Em pessoas com fenil- cetonúria, uma rota secundária do metabolismo da fenilalanina, nor- malmente pouco utilizada, passa a desempenhar um papel mais pro- eminente. Nessa rota, a fenilala- nina sofre transaminação com o piruvato, produzindo fenilpiruvato. Desse modo, a fenilalanina e o fe- nilpiruvato acumulam-se no san- gue e nos tecidos e são excretados na urina. Nos indivíduos afetados, grandes quantidades de fenilpi- ruvato e de compostos derivados dele são excretadas na urina. Uma quantidade considerável de fenil- piruvato não é excretada como tal, mas sofre descarboxilação a feni- lacetato ou redução a fenil-lactato. O fenilacetato confere à urina um odor característico. Em recém-nascidos, o diagnósti- co é realizado pelo teste do pezi- nho que determina a concentra- ção de fenilalanina no sangue. O diagnóstico nos primeiros dias de vida é importante haja vista que o tratamento da doença consiste em administrar precocemente uma dieta contendo um mínimo de feni- lalanina. Desse modo, a deficiência intelectual pode ser prevenida. Os indivíduos afetados apresentam, além de retardamento mental, pig- mentação deficiente de pele e ca- belo, devido à síntese inadequada de melanina. 28LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 • ALCAPTONÚRIA: Outra doença originada do catabolismo da feni- lalanina é a alcaptonúria, na qual a enzima defeituosa é a homogen- tisato-dioxigenase, que catalisa a oxidação do ácido homogentís- tico, um intermediário no catabo- lismo da tirosina e da fenilalani- na. Essa condição produz poucos efeitos adversos, embora grandes quantidades da enzima sejam ex- cretadas e sua oxidação torne a urina escura. Pessoas com alcap- tonúria também são mais suscetí- veis ao desenvolvimento de uma forma de artrite, devido a deposi- ção do pigmento escuro no tecido cartilaginoso, com subsequente dano tecidual. Há poucos trata- mentos disponíveis. • HOMOCISTINÚRIA: As homocis- tinúrias compreendem um grupo de doenças envolvendo defeitos no metabolismo da homocisteína, aminoácido que faz parte do pro- cesso de catabolismo da aminoáci- dos sulfurados, como a metionina. Caracterizadas por níveis elevados de homocisteína e de metionina no plasma e na urina e baixos níveis de cisteína. A causa mais comum é um defeito na enzima cistationi- na-β-sintetase, que converte ho- mocisteína em cistationina. São caracterizadas por ectopia len- tis (deslocamento do cristalino do olho), anormalidades esqueléticas, doença arterial precoce, osteopo- rose e retardo mental. O tratamen- to inclui restrição da ingestão de metionina e suplementação com as vitaminas B6 (cofator da cista- tionina-β-sintetase) B12 e ácido fólico. Fenilalanina Alanina Fenilpiruvato Fenilacetato Fenil - lactato PLPAminotransferase Figura 10. Rotas alternativas para o catabolismo da fenilalanina na fenilcetonúria. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehnin- ger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 29LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 • ALBINISMO: Compreende um conjunto de síndromes caracteri- zadas por pigmentação deficiente da pele, cabelo e olhos, devido à incapacidade de sintetizar mela- nina. A síntese de melanina é pre- judicada pela ausência da enzima tirosina hidroxilase, responsável pela hidroxilação de tirosina. A importância dessa reação é ainda maior, porque o produto formado – DOPA – origina neurotransmis- sores e hormônios, como dopami- na, noradrenalina e adrenalina. Os albinos têm visão normal, apesar da ausência de pigmentação, mas são geralmente muito sensíveis à luz brilhante (fotofobia). • DOENÇA DA URINA EM XARO- PE DE BORDO: O metabolismo normal dos aminoácidos de cadeia ramificada – leucina, isoleucina e valina – envolve a perda do grupo α-amina, seguida pela descarbo- xilação oxidativa do α-cetoácido resultante. Essa etapa de descar- boxilação é catalisada pela cetoá- cido descarboxilase de cadeia ra- mificada. Um defeito nessa enzima leva ao acúmulo do cetoácido Figura 11. Metabolismo dos aminoácidos sulfurados. Fonte: POLONI, Soraia. HOMOCISTINÚRIA CLÁSSICA NO BRA- SIL: Um estudo clínico e genético com foco na investigação da relação entre composição corporal e metabolismo lipídico em pacientes tratados. 2016. 134 f. Tese (Doutorado) - Curso de Programa de Pós-graduação em Genética e Biologia Molecu- lar, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. 30LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 correspondente a esse aminoáci- do no sangue. Quando não é tra- tada ou controlada essa patologia pode levar tanto a um retardamen- to mental quanto físico do recém- -nascido, problemas alimentares, vômitos, acidose metabólica grave e ao odor característico de xaro- pe de bordo na urina. Esse defeito pode ser parcialmente controlado em um dieta modificada ou pobre em proteínas, ou, em alguns casos, pela suplementação com altas do- ses de pirofosfato de tiamina, um cofator para essa enzima. • ARGININEMIA: É uma desordem metabólica caracterizada pela hi- peramonemia (nível aumentado de NH4+ no sangue) secundária ao acúmulo de arginina. A argina- se, normalmente encontrada no fígado, nos eritrócitos e nas glân- dulas salivares, é uma enzima que catalisa algumas reações do ciclo da ureia, hidrolisando a arginina para converter-se em ornitina e ureia. Seu déficit causa acúmulo de arginina, provocando uma su- perprodução de amônia. Os níveis de amônia podem variar de acor- do com a idade do paciente, apre- sentando inicialmente estiramento anormal dos músculos, crescimen- to mais lento e prejuízos ao desen- volvimento e à cognição, além de convulsões, tremores, ataxia e ou- tros sintomas. CONDIÇÃO MÉDICA PROCESSO DEFEITUOSO ENZIMA DEFEITUOSA SINTOMAS E EFEITOS Argininemia Síntese de ureia Arginase Deficiência intelectual Albinismo Síntese de melanina a partir de tirosina Tirosinase (Tirosina – hidroxilase) Falta de pigmentação; ca- belo branco; pele rosada Alcaptonúria Degradação da tiorsina Homogentisato - dioxigenase Pigmento escuro na uri- na; artrite se desenvolve posteriormente Deficiência de carbamoil – fosfato – sintetase I Síntese de ureia Carbamoil – fosfato – sin- tetase I Letargia; convulsões; morte prematura Doença do xarope de bordo Degradação de isoleuci- na, leucina e valina Complexo da desidroge- nase dos α – cetoácidos de cadeia ramificada Vômitos; convulsões; retardo mental; morte prematuraFenilcetonúria Conversão de fenilalanina em tirosina Fenialanina - hidroxilase Vômitos no período neonatal; deficiência intelectual Homocistinúria Degradação da metionina Cistationina – sintase Desenvolvimento inade- quado dos ossos; defici- ência intelectual Tabela 1. Algumas doenças genéticas humanas que afetam o catabolismo dos aminoácidos. Fonte: Adaptado de NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 31LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 4. CATABOLISMO DE LIPÍDEOS Os lipídeos da dieta, absorvidos no intestinos, e aqueles sintetizados en- dogenamente são distribuídos aos te- cidos pelas lipoproteínas plasmáticas, para utilização ou armazenamento. Os triacilgliceróis são os lipídeos mais abundantes da dieta e servem como a principal reserva energética do or- ganismo. Os triacilgliceróis são arma- zenados nas células adiposas e po- dem ocupar a maior parte do volume celular. Um adulto ingere cerca de 60 a 150g de lipídeos diariamente, dos quais normalmente mais de 90% são constituídos por triacilgliceróis. Os áci- dos graxos liberados dos adipócitos, a partir dos triacilgliceróis (compostos por 3 ácidos graxos ligados ao glice- rol), são transportados pelo sangue e utilizados efetivamente pela maioria dos tecidos como fonte de energia. Desse modo, os triacilgliceróis e os ácidos graxos são conhecidos como os principais lipídeos para o metabo- lismo energético. As células podem obter combustíveis de ácidos graxos de três fontes: gor- duras consumidas na dieta, gorduras armazenadas nas células como gotí- culas de lipídeos e gorduras sintetiza- das em um órgão para exportação a outro. Digestão e absorção de lipídeos A digestão de lipídeos começa no estômago, catalisada por uma lipase estável meio ácido, que se origina de glândulas localizadas na base da lín- gua (lipase lingual). Moléculas de tria- cilgliceróis, particularmente aquelas que contêm ácidos graxos com me- nos de 12 carbonos, como aqueles encontrados na gordura do leite, são os principais alvos dessa enzima. Es- ses mesmos triacilgliceróis são tam- bém degradados por outra lipase, a li- pase gástrica, secretada pela mucosa gástrica e estável em um pH ácido. SE LIGA! As lipases lingual e gástrica desempenham uma função importante na digestão de lipídeos em neonatos, para os quais a gordura do leite é a prin- cipal fonte de calorias. Também são im- portantes para indivíduos com insufici- ência pancreáticas, como os portadores de fibrose cística, para a degradação de moléculas de triacilgliceróis, apesar da ausência da lipase pancreática. Antes que os lipídeos possam ser absorvidos através da parede intesti- nal, eles precisam ser convertidos de partículas de gordura macroscópicas insolúveis em micelas microscópicas finamente dispersas e solúveis no meio aquoso do lúmen intestinal. Essa solubilização/emulsificação é realiza- da pelos sais biliares, sintetizados a partir do colesterol no fígado, arma- zenados na vesícula biliar e liberados no duodeno (intestino delgado). Esse 32LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 processo aumenta a área de super- fície das gotículas de lipídeos hidro- fóbicos, de modo que as enzimas di- gestivas, as quais atuam na interface da gotícula e da solução aquosa que a envolve, podem agir eficientemente. A ação das lipases pancreáticas so- bre os triacilgliceróis emulsificados os converte em monoacilgliceróis, diacilgliceróis, ácidos graxos livres e glicerol. Esses produtos se difundem para o interior das células da muco- sa intestinal, onde são reconvertidos em triacilgliceróis e empacotados com o colesterol da dieta e proteínas específicas em lipoproteínas, os qui- lomícrons. Os quilomícrons, então, se deslocam na mucosa intestinal para o sistema linfático e então entram no sangue, que os carrega para os mús- culos e o tecido adiposo. Nos capilares desses tecidos, a enzima extracelular lipase lipoproteica hidrolisa os triacil- gliceróis em ácidos graxos e glicerol, que são absorvidos pelas células nos tecidos-alvo. No músculo, os ácidos graxos são oxidados para obter ener- gia; no tecido adiposo, são reesterifi- cados para armazenamento na forma de triacilgliceróis. O glicerol é utilizado quase que exclusivamente pelo fíga- do para produzir glicerol-3-fosfato, o qual pode entrar tanto na glicólise como na gliconeogênese. 33LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 LIPASE LINGUAL Emulsificação Secretada por glândulas da base da língua Ativada no estômago em pH ácido Hidrólise de triacilgliceróis LIPASE GÁSTRICA Conversão das gorduras em pequenas gotículas Formada por sais biliares, fosfolipídeos e colesterol Produzida pelo fígado e armazenada na vesícula biliar Secretada pela mucosa gástrica Atua em pH ácido LIPASES PANCREÁTICAS Atuam no duodeno Originam glicerol, ácidos graxos livres, monoacilgliceróis, diacilgliceróis e colesterol Lipídeos BILE LIPOPROTEÍNAS (QUILOMÍCRONS) Nos enterócitos, os triacilgliceróis são reconstituídos ESQUEMA GERAL DO CATABOLISMO DE AMINOÁCIDOS 34LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Uso dos ácidos graxos armazenados A utilização do depósito de triacilgli- ceróis pelo organismo e sua recons- trução processam-se através de vias metabólicas diferentes, localizadas em compartimentos celulares di- ferentes e submetidas a regulação antagônica. Degradação dos triacilgliceróis dos adipócitos Quando hormônios sinalizam a ne- cessidade de energia metabólica, os triacilgliceróis armazenados no tecido adiposo são mobilizados e transportados aos tecidos (muscu- latura esquelética, coração, fígado e córtex renal) nos quais os ácidos gra- xos podem ser oxidados para produ- ção de energia. A mobilização do de- pósito de triacilgliceróis é obtida por ação da lipase dos adipócitos, uma enzima sujeita a regulação hormo- nal, que hidrolisa os triacilgliceróis a ácidos graxos e glicerol. Essa enzi- ma é ativada por ação dos hormônios adrenalina e glucagon, secretados em resposta aos baixos níveis de glicose ou atividade iminente. CONTINUAÇÃO DO MAPA MENTAL ANTERIOR O glicerol é utilizado para produzir glicerol – 3 – fosfato que participa tanto na glicólise como na gliconeogênese Sistema linfático Quilomícrons MÚSCULOS Sangue FÍGADO Nos capilares, a enzima lipase lipoproteica hidrolisa os triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol Os ácidos graxos são oxidados para obter energia TECIDO ADIPOSO Os ácidos graxos são reesterificados para armazenamento na forma de triacilgliceróis 35LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Os ácidos graxos liberados dos adipócitos são transportados pelo sangue ligados à albumina e utili- zados pelos tecidos como fonte de energia; o tecido nervoso e as he- mácias são exceções, pois obtêm energia exclusivamente a partir da oxidação de glicose. Nos tecidos- -alvo, os ácidos graxos se disso- ciam da albumina e são levados por transportadores da membrana plasmática para dentro das células para servir de combustível. O glicerol liberado pela ação da li- pase é fosforilado e oxidado a gli- cerol-fosfato, podendo entrar nas vias glicolítica ou gliconeogênica. Alternativamente, o glicerol-fos- fato pode ser usado na síntese de triacilgliceróis ou de fosfolipídios. Figura 12. Hidrólise dos triacilgliceróis. Fonte: https://slideplayer.com.br/slide/7002601/ Figura 13. O glucagon se liga a um receptor da membrana e ativa a lipase. Fonte: Bioquímica 2, v.2. / Andrea Thompson Da Poian – Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009 hormônio adipócito receptor adenilato ciclase cAMP ATP ácido graxoproteína cinase lipase Triacilglicerol glicerol albumina sérica Corrente sanguínea ATP Ciclo do ácido cítrico miócito 36LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Degradação de ácidos graxos Ativação Para serem oxidados, ainda no cito- sol, os ácidos graxos são primeira- mente convertidos em uma forma ativada, uma acil-Coa, em uma rea- ção catalisada por acil-CoA sintetase, associadas à membrana externa da mitocôndria. Ácido graxo + CoA + ATP .Acil-CoA graxo + AMP + PPi Nesta reação, forma-se uma ligação tio éster entre o grupo carboxila do ácido graxo e o grupo SH da coenzi- ma A, produzindo a acil-CoA. É um composto rico em energia, haja vista que sua ligação tio éster é formada à custa da energia derivada da quebra de uma ligação anidrido fosfórico – cli- vagem do ATP em AMP e pirofosfato inorgânico. O processo de ativação é irreversível, pois ocorre a hidrólise do pirofosfato a 2 Pi, um processo tam- bém irreversível. OBS.: O prefixo acil– pode se referir a qualquer ácido graxo. Incorporação na mitocôndria Os ácidos graxos com comprimento de cadeia de 12 carbonos ou menos entram na mitocôndria passivamente, sem a ajuda de transportadores de membrana. Aqueles com um número maior de carbonos, que constituem a maioria dos ácidos graxos livres ob- tidos na dieta ou liberados do tecido adiposo, não conseguem passar li- vremente através das membranas mitocondriais – primeiro eles preci- sam passar pelo ciclo da carnitina, um processo envolvendo três reações enzimáticas. Ciclo da carnitina Carnitina Figura 14. Estrutura da carnitina. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v Como a membrana interna da mito- côndria é impermeável a acil-CoA, os radicais acila são introduzidos na organela apenas ligados à carnitina. Para tal, temos um ciclo composto das seguintes etapas: • A carnitina-acil transferase I trans- fere o radical acila da coenzima A para a carnitina na face externa da membrana interna. • A acil-carnitina resultante é trans- portada através da membrana inter- na por uma translocase específica. • Na face interna, a carnitina-acil transferase II doa o grupo acila da 37LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 acil-carnitina para uma coenzima A da matriz mitocondrial, liberando a carnitina • A carnitina retorna ao citosol pela mesma translocase e reinicia o ciclo. Desse modo, o radical acila dos áci- dos graxos atinge o interior da mito- côndria, onde ocorre sua oxidação. Carnitina CoA - SH carnitina aciltransferase I matriz Carnitina carnitina aciltransferase I Espaço intermembrana Carnitina Carnitina Figura 15. Entrada do ácido graxo na matriz da mitocôndria. Fonte: Bioquímica 2, v.2. / Andrea Thompson Da Poian – Rio de Janeiro : Fundação CECIERJ, 2009 A carnitina pode ser obtida da dieta, sendo encontrada principalmente em carnes. Pode também ser sintetizada a partir dos aminoácidos lisina e me- tionina por enzimas encontradas no fígado e nos rins, mas não no mús- culo esquelético e no cardíaco. Assim, esses tecidos são totalmente depen- dentes da carnitina distribuída pelo sangue, proveniente dos hepatóci- tos ou da dieta. Porém, é importante destacar que cerca de 97% de toda a carnitina presente no corpo encontra- -se nos músculos esqueléticos. SE LIGA! Ainda não há evidências que possam afirmar se a acil-Coa passa através da membrana externa e é con- vertida no éster de carnitina (acil-car- nitina) no espaço intermembrana ou se o éster de carnitina é formado na face citosólica da membrana externa, e então é deslocado para o espaço intermem- branas. Em qualquer um dos casos, a passagem para o espaço intermembra- na ocorre por meio de grandes poros na membrana externa e o éster de carnitina entra na matriz por meio do transporta- dor específico da membrana interna. Oxidação de ácidos graxos β-Oxidação de ácidos graxos Uma vez na matriz mitocondrial, o áci- do graxo passará por uma sequência 38LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 de quatro reações, conhecida como β-oxidação. Ao final desta via, a acil- -CoA é encurtada de dois carbo- nos, liberados sob a forma de acetil- -CoA, além da produção de NADH e FADH2. Na primeira reação, uma enzima cha- mada acil-CoA desidrogenase retira dois H (hidrogênios) da molécula do acil-CoA e os entrega para o FAD, ou seja, formando FADH2. Assim, a acil-Coa se oxida enquanto o FAD se reduz. Como produto desta reação, forma-se o trans-∆2-enoil-CoA. Ob- serve que a nova ligação dupla tem configuração trans, enquanto as liga- ções duplas nos ácidos graxos insatu- rados que ocorrem naturalmente com frequência estão na configuração cis. RELEMBRANDO! Como visto no material anterior, o ∆ in- dica a formação de uma dupla ligação entre os carbonos 2 e 3. Na segunda reação, a enzima enoil- -CoA hidratase hidrata o enoil-CoA, formando o L-3- hidroxiacil-CoA. Para isso, a dupla ligação se desfaz para a inserção da hidroxila da molé- cula de água. Na terceira reação, a enzima L-3-hi- droxiacil-CoA desidrogenase oxida mais uma vez a molécula, mas neste caso, utiliza NAD+ que recebe os H da molécula e passa a NADH + H+. Com isso, forma-se uma nova dupla ligação, agora entre o carbono 3 e o oxigênio. Esse composto se chama 3-cetoacil-CoA. Na quarta e última reação da β-oxi- dação, ocorre a quebra da molécula propriamente dita. Esta reação é ca- talisada pela β-ceto tiolase ou ape- nas tiolase. Com isso, ocorre a quebra da 3-cetoacil-CoA através da reação com uma molécula de CoA, formando acetil-CoA e uma acil-CoA com dois carbonos a menos; esta acil-CoA re- faz o ciclo várias vezes, até ser total- mente convertida a acetil-CoA. Desse modo, ao usar como exemplo o palmitato, ácido graxo que apresen- ta 16 carbonos, podemos dizer sua completa β-oxidação gera 8 molécu- las de acetil-CoA (8 X 2 carbonos por acetil-CoA); 7 moléculas de FADH2 e 7 moléculas de NAD + H+. Em suma, temos: Palmitoil-CoA + 7 FAD + 7 NAD+ + 7 CoA + 7 H2O . 8 acetil-CoA + 7 FADH2 + 7NADH + 7 H+ O processo completo da β-oxidação ocorre na mitocôndria e os nucleotí- deos reduzidos (FADH2 e NADH + H+) são utilizados diretamente para a síntese do ATP pela fosforilação oxidativa. 39LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Palmitoil - CoA FADH2 FAD H2O NAD+ NADH + H+ CoA - SH Acil – CoA (miristoil – CoA) β – Cetoacil - CoA L - β – Hidroxiacil - CoA Enoil - CoA Trans - ∆2- Acil – CoA - desidrogenase Enoil – CoA - hidratase β – hidroxiacil – CoA - desidrogenase Acil – CoA – acetiltransferase (tiolase) Figura 16. A via da β – oxidação. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 40LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 O Acetil-CoA é molécula de partici- pação fundamental no metabolismo celular, atuando como porta de entra- da do ciclo de Krebs, juntando-se ao oxaloacetato para formar citrato logo na primeira reação do ciclo. Logo, a entrada do acetil-CoA no ciclo de Krebs depende da concentração de oxaloacetato. O músculo e o fígado + Acil – CoA Trans - ∆2 - enoil - CoA Citrato Oxaloacetato Acil – CoA - desidrogenase FAD FADH2 Enoil – CoA hidrataseH2O L – 3 – hidroxiacil – CoA desidrogenase NAD+ NADH + H+ L - 3 - hidroxiacil - CoA 3 – cetoacil – CoA Acil - CoA Acetil - CoA β – ceto tiolase Refaz o ciclo várias vezes até ser convertida a acetil - CoA Ciclo de Krebs A VIA DA Β – OXIDAÇÃO) apresentam tecidos capazes de de- gradar ácidos graxos em jejum ou em intenso exercício, quando a demanda de energia é muito grande. 41LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 No caso do músculo, o acetil-CoA for- mado é jogado no ciclo de Krebs, uma vez que a concentração de oxaloa- cetato lá presente permite que isto ocorra. Já no fígado, em momentos de jejum, esse órgão utiliza o oxalo- acetato para produzir glicose. Logo o acetil-CoA não pode ser jogado no ciclo de Krebs, pois não há oxaloace- tato disponível. Então, o acetil-CoA é transformado em corpos cetônicos. A sequência descrita de β-oxidação dos ácidos graxos é típica de ácidos graxos saturados. Entretanto, a maioria dessas moléculas nos triacilgliceróis e fosfolipídeos de animais é insaturada, tendo uma ou mais ligações duplas. A oxidação de ácidos graxos insatura- dos produz menos energia que a dos saturados, porque eles estão menos reduzidos e, portanto, menos equiva- lentes reduzidos podem ser produzi- dos a partir desuas estruturas. Assim como os saturados, a degra- dação dos ácidos graxos insaturados começa pela conversão a acil-CoA, seguida pela entrada na mitocôndria por meio do ciclo da carnitina. Usare- mos como exemplo o oleato, um ácido graxo monoinsaturado com 18 áto- mos de carbono e com uma ligação dupla cis entre o C-9 e C-10. A oxida- ção do oleato requer uma enzima adi- cional, a 3,2-enoil-CoA-isomerase, que converte o derivado cis-∆3 após três voltas da β-oxidação em deriva- do trans-∆2 , que serve de substrato para enoil-CoA hidratase, enzima que atua apenas sobre ligações trans. A oxidação de ácidos graxos poli-insa- turados exige ainda a participação de, além da isomerase, um redutase in- dependente de NADPH. Essa enzima reduz uma ligação dupla cis à custa de NADPH. Com a ação conjunta dessas enzimas, o ácido poli-insaturado pode transformar-se em um intermediário insaturado para a β-oxidação. Oleoil - CoA 3 Acetil - CoA β - Oxidação (três ciclos) cis - ∆3– Dodecenoil - CoA trans - ∆2– Dodecenoil - CoA β – Oxidação (cinco ciclos) 6 Acetil - CoA Figura 17. Oxidação de um ácido graxo monoinsatura- do. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Prin- cípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 42LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Além dos ácidos graxos insaturados, ainda temos os ácidos graxos com número ímpar de átomos de carbo- no. Nesses casos, o que vai diferir é o produto da última volta da β-oxida- ção. Depois de passar por esse ciclo diversas vezes, restará um propio- nil-CoA, com 3 átomos de carbono que não pode passar por uma nova rodada de oxidação. Nesse caso, ele será convertido a succinil-CoA, que contém 4 carbonos, e assim, poderá completar a β-oxidação. SE LIGA! O succinil-CoA é um interme- diário do ciclo de Krebs. Dessa forma, quando um ácido graxo com número ímpar de carbonos é metabolizado, há um aumento na concentração dos inter- mediários do ciclo de Krebs e, por con- seguinte, de oxaloacetato. Logo, con- cluímos que o excesso de oxaloacetato produzido por esse ácido graxo reduz a produção de corpos cetônicos. Ciclo do ácido cítrico (ou ciclo de Krebs) Após a β-oxidação, os grupos acetil da acetil-CoA são oxidados a no ciclo do ácido cítrico, que também ocorre na matriz mitocondrial. A acetil-CoA derivada dos ácidos graxos entra numa via de oxidação final comum com a acetil-CoA derivada da glicose procedente da glicólise e da oxidação do piruvato. Juntamente com β-oxi- dação, essa etapa do catabolismo dos ácidos graxos produz os transporta- dores de elétrons reduzidos NADH e FADH2, que entrarão na terceira eta- pa do processo, onde há a fosforilação de AMP em ATP resultante da passa- gem de oxigênio com esses elétrons pela cadeia respiratória mitocondrial. ∆3, ∆2 - enoil – CoA - isomerase 2,4 – dienoil – CoA - redutase Enoil – CoA - isomerase Linoleoil – CoA cis - ∆9, cis - ∆12 cis - ∆3, cis - ∆6 trans - ∆2, cis - ∆6 trans - ∆2, cis - ∆4 trans - ∆2 trans - ∆3 5 Acetil - CoA β – Oxidação (quatro ciclos) β – Oxidação (um ciclo e primeira oxidação do segundo ciclo) β – Oxidação (três ciclos) 3 – Acetil - CoA Acetil - CoA NADPH + H+ NADP+ Figura 18. Oxidação de um ácido graxo poli - insatura- do. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Prin- cípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 43LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Cadeia Transportadora de Elétrons A estratégia adotada pelas células para produção de energia consiste na transformação da energia contida nas coenzimas reduzidas em um gradien- te de prótons e utilizá-lo para a síntese de ATP. A produção desse gradiente é conseguida pela transferência dos elétrons das coenzimas para o oxigênio indiretamente através de passagens intermediárias por vários compostos, que constituem uma cadeia transportadora de elé- trons. Esses compostos corres- pondem a complexos proteicos organizados na membrana inter- na mitocondrial de forma crescen- te em relação ao seu potencial de oxirredução. Os quatro complexos proteicos nessa membrana são: • Complexo I – também chamado NADH desidrogenase ou NA- DH-CoQ oxidorredutase. Nesse complexo, o NADH é utilizado como substrato para uma reação de desidrogenação. Apresenta como cofator, flavina mononucleotídeo (FMN), além de centros ferro-enxofre (Fe-S). O complexo transporta dois elé- trons para a ubiquinona e quatro prótons da matriz mitocondrial para o espaço intermembranas. • Complexo II – também chamado succinato desidrogenase ou succi- nato-CoQ oxidorredutase. É um complexo independente, que aceita elétrons apenas do FADH2 e os transfere também para a ubi- quinona. Apresenta duas proteínas ferro-enxofre e flavoproteínas 2 onde o FAD encontra-se covalen- temente ligado. β Oxidação 8 Acetil - CoA NADH, FADH2 Cadeia respiratória (transferência de elétrons) Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Figura 19. Etapas da oxidação de ácidos graxos. Fon- te: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 44LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 • Complexo III – também chamado citocromo bc1. Catalisa a transferência de elé- trons da ubiquinona ao citocromo c, acompanhada de movimentação de quatro prótons. SE LIGA! Além desses complexos pro- teicos, existem dois componentes mó- veis da cadeia: a ubiquinona (também chamada coenzima Q e representada como UQ ou CoQ) e o citocromo c. A ubiquinona passa seus elétrons para o citocromo c num ciclo redox único cha- mado ciclo Q, além de bombear prótons. Ela tem a capacidade de aceitar um par de elétrons e passá-los, um de cada vez, até o complexo III. Já o citocromo C cons- titui um componente móvel da cadeia que sofrerá oxidação, enquanto passam seus elétrons para o próximo compo- nente, o complexo IV. • Complexo IV – também chamado citocromo oxidase. Ao chegar nessa etapa da cadeia, iremos encontrar dois citocromos reduzidos pela transferência de elétrons. O papel da citocromo oxidase é aceitar elétrons do cito- cromo c e usá-los para reduzir o oxigênio, formando duas molécu- las de água. Além disso, esse com- plexo também é responsável pelo último ponto de bombeamento de prótons. SE LIGA! A redução de uma molécula de oxigênio para formar duas moléculas de água requer quatro elétrons. Entretan- to, o citocromo c, como vimos anterior- mente, transporta apenas um elétron de cada vez. A redução incompleta do oxi- gênio pode gerar peróxidos ou radicais livres de oxigênio, espécies altamente reativas. O funcionamento eficiente da citocromo oxidase impede a formação desses radicais. A utilização de oxigênio pelo comple- xo IV corresponde a cerca de 95% de todo o oxigênio consumido pelo orga- nismo humano; a produção de água nesse processo chega a 300mL diá- rios e é, muitas vezes, referida como água metabólica. Concluindo, as principais funções da cadeia transportadora de elétrons são: regenerar os transportadores de elétrons, NAD+ e FAD que deixaram seus elétrons e retornam para cum- prir suas funções como carreadores de elétrons no metabolismo, e produ- zir um gradiente de prótons, com uma concentração maior de H+ no espaço intermembrana e uma concentração menor na matriz mitocondrial. Esse gradiente representa uma forma ar- mazenada de energia que pode ser utilizada para produzir energia por fosforilação oxidativa. 45LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Fosforilação Oxidativa – Quimiosmose Os complexos I, III e IV da cadeia transportadora de elétrons são bombas de prótons. À medida que os elétrons se movem para níveis de energia mais baixos, os complexos cap- turam a energia liberada e a utilizam para bombear íons H+ da matriz para o espaço intermembrana. Este bombeamento forma um gra- diente eletroquímico através da mem- brana mitocondrial interna. Na membrana mitocondrial interna, íons H+ têm apenas um canal dis- ponível, o complexo V, também co- nhecido como ATP sintetase. Ela se assemelha a um turbinade usina hidroelétrica. Porém, ao invés de ser acionada por água, é acionada pelo fluxo de íons H+ movendo-se a fa- vor do seu gradiente eletro- químico. À medida que a ATP sintase transforma a energia, ela catalisa a fosforilação, ou seja, adição de um fosfato, ao ADP, capturando a energia do gradiente de prótons na forma de ATP. Cadeia Transportadora de Elétrons Espaço intermembranas Matriz mitocondrial Membrana mitocondrial interna Cit C Figura 20. Cadeia Transportadora de Elétrons. Fonte: https://pt.khanacademy.org/science/biology/cellular-res- piration-and-fermentation/oxidative-phosphorylation/a/ oxidative-phosphorylation-etc Ciclo do ácido cítrico Espaço intermembranas Matriz ATP sintase Cit C Figura 21. Cadeia transportadora de elétrons acoplada ao transporte de prótons para fosfori- lação oxidativa. Fonte: https://pt.khanacademy. org/science/biology/cellular-respiration-and- -fermentation/oxidative-phosphorylation/a/ oxidative-phosphorylation-etc 46LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 CATABOLISMO DE LIPÍDEOS Ligam – se para o transporte no sangue Oxidado a Ação da lipase dos adipócitos Hormônios adrenalina e glucagon estimulam Ácido graxo → Acil - CoA < 12 carbonos > 12 carbonos Glicólise Gliconeogênese Síntese de lipídeos Glicerol - fosfato Albumina Glicerol Ácidos graxos Triacilgliceróis nos adipócitos Nos tecidos - alvo Ativação Entrada na mitocôndria Oxidação Beta - oxidação Ciclo do ácido cítrico Cadeia Transportadora de elétrons Fosforilação Oxidativa Ciclo da carnitina Não precisam de transportadores de membrana 47LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 LIPÍDEOS Tecido adiposoArmazenamento Digestão Produtos Reserva energética Glicerol Ácidos graxos Via gliconeogênica Via glicolítica Ativação Entrada na mitocôndria Acil - CoA β - Oxidação < 12 carbonos > 12 carbonosCiclo da carnitina Transporte passivo Ciclo de Krebs Cadeia transportadora de elétrons Fosforilação oxidativa Transporte Lipoproteínas Hidrólise dos triacilgliceróis Órgãos Lipases pancreáticas Atuam no duodeno Liberam mono e diacilgliceróis, ácidos graxos, glicerol e colesterol Fígado Bile Armazenada na vesícula biliar Emulsificação das gorduras Pâncreas Estômago Lipase lingual Lipase gástrica Atuam em pH ácido CATABOLISMO DE LIPÍDEOS 48LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 5. LIPOGÊNESE E PROTEOGÊNESE A maioria dos ácidos graxos de que os humanos necessitam provém da alimentação; no entanto, a via para sua síntese – lipogênese – a partir de compostos de 2 carbonos está pre- sente em muitos tecidos como fígado, cérebro, rim, glândulas mamárias e tecido adiposo. Em geral, a via de sín- tese se encontra ativa principalmente em situações de excesso de consumo energético, sobretudo na forma de excesso de carboidrato e proteínas. Síntese de ácidos graxos O acetil-CoA é um composto mitocon- drial, precursor da síntese de ácidos graxos e originado do catabolismo de carboidratos e proteínas. No entanto, esse processo ocorre no citoplasma das células. Então é importante sa- lientar que a saída do acetil-CoA da mitocôndria se dá por meio do citrato, um intermediário do ciclo de Krebs, que ocorre na mitocôndria, formado pela união do aceti-CoA e do oxaloacetato. Em situações de excesso de glicose, a concentração de citrato também au- menta e ele acaba saindo da organela através de um translocador de citrato localizado na membrana mitocondrial interna. No meio citoplasmático, o ci- trato é quebrado pela citrato liase em acetil-CoA e oxaloacetato. SE LIGA! E para onde vai o oxaloace- tato? Essa molécula pode ser convertida em malato, pela malato desidrogenase, que utiliza NADH. O malato formado pode ser convertido em piruvato pela enzima málica, resultando na formação de NADPH. Esse NADPH terá função importante na síntese dos ácidos gra- xos, como veremos a seguir. Tanto o piruvato quanto o malato podem voltar para a mitocôndria sendo reconvertidos em oxaloacetato. Membrana interna Membrana externa Citosol citratocitrato oxaloacetato Acetil - CoA+ CoA Acetil - CoA Para síntese de palmitatoOxaloacetato Volta para a mitocôndria Citrato liase Figura 22. Saída do citrato na mitocôndria e formação de acetil – CoA no citoplasma. Fonte: Bioquímica 2, v.2. / An- drea Thompson Da Poian – Rio de Janeiro : Fundação CECIERJ, 2009 49LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 No primeiro estágio da biossíntese de ácido graxo, o acetil-CoA, deriva- do principalmente do metabolismo de carboidratos, é convertido em malonil- -CoA por ação da enzima acetil-CoA carboxilase, uma enzima dependente de biotina (vitamina B7). Assim, essa reação se dá em estágios: primeiro, há a carboxilação da biotina, envol- vendo ATP, seguida da transferência do grupo carboxila para o acetil-CoA, produzindo o malonil-CoA. acetilCoA + + ATP . malonil-CoA + ADP + Pi SE LIGA! As células animais não são ca- pazes de realizar anabolismo com mo- léculas tão pequenas como o . Então a molécula apresentada na reação acima será liberada na condensação apresen- tada a seguir, funcionando apenas como um intermediário, mas que não é incor- porada da biossíntese. A segunda enzima que participa da síntese de lipídeos é o complexo do ácido graxo sintase (AGS). É uma en- zima grande e capaz de desempe- nhar diversas funções. A fosfopanto- teína e a cisteína, presentes em sua estrutura, possuem grupamentos SH que servem para ligar os diversos substratos dessa enzima. Primeiro, um acetil-CoA se liga à cis- teína e, em seguida, o malonil-CoA se liga à fosfopantoteína. Para tal, am- bos perdem a CoA e se ligam como acetato e malonato. Depois, há ação de duas enzimas sobre esses subs- tratos, uma enzima de condensação, que une os carbonos das duas mo- léculas, e uma enzima de descar- boxilação, que retira um carbono do produto formado, originando, ao fi- nal, um composto de quatro carbo- nos. É um composto formado sobre a fosfopantoteína que recebe o nome acetoacetil-PCA. Em seguida, essa nova molécula so- fre uma redução dependente de NA- DPH, catalisada por uma redutase do complexo AGS. O NADPH cede seu H, formando NADP+ e forma- -se o produto hidroxibutiril-PCA, que passa por uma desidratação catali- sada por uma desidratase do com- plexo AGS. O produto desta reação é butenenoil-PCA. A quarta reação é uma redução ca- talisada por um outra redutase que também utiliza NADPH, formando NADP+ e butiril-PCA. Esse composto é transferido da fosfopantoteína para a cisteína, deixando a primeira livre para a entrada de um novo malonato. Na segunda rodada do processo, o butiril, composto de 4 carbonos li- gado à cisteína, passa pelas reações de condensação e descarboxilação com o novo malonato que encontra- -se ligado à fosfopantoteína. Da mes- ma forma, esse composto vai sofrer uma redução, seguida de uma desi- dratação e uma nova redução. Ago- ra, o composto formado apresenta 6 50LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 carbonos (4 do butiril + 2 do malonato) e é trans- ferido de volta à cisteína para deixar a fosfopanto- teína livre para que essa via reinicie. Grupo malonila Grupo acetila (primeiro grupo acila) Ácido graxo - sintaseCondensação Redução Desidratação Redução Grupo acila saturado, aumentado em dois carbonos Figura 22. Adição de dois carbonos a uma cadeia acil graxo em crescimento: uma sequência de quatro etapas. Fon- te: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehnin- ger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v 51LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Acetil - CoA Acetil - CoA Malonil - CoA Malonato Acetato Acetoacetil - PCA Butiril - PCAButenenoil - PCA Hidroxibutiril - PCA Acetil - CoA + + Oxaloacetato Oxaloacetato Citrato Citrato MITOCÔNDRIA Citosol Condensação e descarboxilação NADP+ NADP+ NADPH NADPH Acetil – CoA carboxilase Fosfopanteína Complexo do ácido graxo sintase (AGS) Cisteína Citrato liase Desidratação Redução Redução ADIÇÃO DE DOIS CARBONOS A UMA CADEIA ACIL GRAXO EM CRESCIMENTO:UMA SEQUÊNCIA DE QUATRO ETAPAS 52LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Esse processo repete-se 7 vezes, até a formação do palmitato (molécula de 16 carbonos) no complexo AGS. O palmitato, ou ácido palmítico, é o precursor utilizado para a formação ácidos graxos mais longos. Ele é, en- tão, transportado ao tecido adiposo onde será armazenado como reserva energética. Acetil-CoA + 7 malonil-CoA + 14 NADPH + 14 H+ . Palmitato + 7 CO2 + 8 CoA + 14 NADP+ + 6 H2O SE LIGA! Como já foi explicado anterior- mente, parte do NADPH utilizados nes- se processo advém da ação da enzima málica, convertendo malato em piruvato. No entanto, esse NADPH não é o sufi- ciente, sendo necessária a complemen- tação a partir do NADPH produzido na via das pentoses fosfato. Para síntese de ácidos graxos mais longos, é necessária a participação de um outro complexo multienzimáti- co, a ácido-graxo alongasse, que atua no retículo endoplasmático. O alon- gamento da cadeia ocorre através da adição de novos fragmentos de 2 carbonos derivados do malonil-CoA. Os ácidos graxos também podem ser alongados na mitocôndria por outro sistema dependente de NADH que utiliza acetil-CoA como fonte de frag- mentos de dois carbonos. Regulação da biossíntese de ácidos graxos A reação catalisada pela acetil-CoA- -carboxilase é a etapa limite do ana- bolismo de ácidos graxos, de modo que essa enzima atua como um im- portante ponto de regulação. A ace- til-CoA-carboxilase sofre dois con- troles. O primeiro é exercido pelo citrato, que atua como modulador da atividade dessa enzima, ao orientar o metabolismo celular de consumo de combustível metabólico para o de armazenamento de combustível na forma de ácidos graxos. Quando as concentrações mitocondriais de ace- til-CoA e ATP aumentam, o citrato é transportado para fora da mitocôn- dria, onde funciona como precursor de acetil-CoA e como sinal alostérico para a polimerização e ativação da acetil-CoA-carboxilase. O segundo controle exercido sobre a acetil-CoA-carboxilase é a fosfo- rilação promovida pelas ações dos hormônios glucagon e adrenalina, li- berados em situações de jejum e de exercício físico elevado, que inativa a enzima e reduz sua sensibilidade à ativação por citrato. Com isso, eles reduzem a velocidade da síntese de ácidos graxos. 53LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Síntese de triacilgliceróis A maior parte dos ácidos graxos sin- tetizados ou ingeridos na dieta pode seguir por dois caminhos, a depen- der da demanda do organismo: a in- corporação em triacilgliceróis para o armazenamento energético ou a in- corporação em componentes fosfoli- pídicos da membrana plasmática. As duas vias iniciam no mesmo ponto: a formação de ésteres acil graxo de glicerol. Os triacilgliceróis são sintetizados a partir de moléculas de acil-CoA derivadas de ácidos graxos e glice- rol-3-fosfato. No tecido adiposo, o glicerol-3-fosfato é formado por re- dução de diidroxiacetona fosfato, ob- tida da glicose, por ação da glicerol- -3-fosfato desidrogenase. No fígado, a única via para obtenção de glicerol- -3-fosfato é a fosforilação do glicerol pela glicerol quinase. Figura 23. Regulação da síntese dos ácidos graxos. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Art- med, 2014. 1 v Figura 24. Vias de formação do glicerol – 3 – fosfato. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Art- med, 2014. 1 v Glicose Glicólise GlicerolDi – hidroxiacetona - fosfato L – glicerol – 3 - fosfato Glicerol – 3 – fosfato - desidrogenase Glicerol - cinase NADH ATP ADPNAD+ H++ O glicerol-3-fosfato é acilado em duas etapas, formando o ácido fos- fatídico (diacilglicerol-3-fosfato) que, por hidrólise do grupo fosfato, origina diacilglicerol. Esses dois últimos com- postos são intermediários também da síntese de fosfolipídeos. Os triacilgli- ceróis são formados pela acilação, ou 54LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 seja, adição de ácido graxo ao diacil- glicerol. As enzimas que executam esse processo estão ligadas ao retí- culo endoplasmático, na superfície citosólica. no fígado são, na maior parte, incorpo- rados em lipoproteínas plasmáticas e, assim, distribuídos pelos tecidos ex- tra-hepáticos. O tecido adiposo encar- rega-se da síntese e armazenamento de triacilgliceróis, formados a partir de ácidos graxos da dieta ou a partir da- quele sintetizados pelo fígado. Além disso, os adipócitos realizam a hidróli- se dessas moléculas, liberando ácidos graxos para uso interno ou exportação a outros tecidos. Já os fosfolipídeos, necessários na síntese de membra- nas, são sintetizados, praticamente, por todas as células. Regulação da biossíntese de triacilgliceróis A biossíntese e a degradação de tria- cilgliceróis são reguladas de modo que a via favorecida depende das fontes metabólicas e das necessida- des em um dado momento. A velo- cidade da biossíntese é alterada pela ação de diversos hormônios, como a insulina, que estimula a conversão de carboidratos em triacilgliceróis. SE LIGA! Pessoas com diabetes meli- to grave, devido à falha de secreção ou ação da insulina, além de não serem ca- pazes de utilizar glicose adequadamen- te, falham na síntese de ácidos graxos por meio de carboidratos ou aminoáci- dos. Se o diabetes não for tratado, essas pessoas tendem a apresentar velocida- de aumentada na oxidação de gorduras e síntese de corpos cetônicos, portanto, perdem peso. Figura 25. Biossíntese do ácido fosfatídico. Fonte: NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 1 v A maioria dos tecidos humanos são ca- pazes de produzir triacilgliceróis, mas os principais são o fígado e o tecido adiposo. Os triacilgliceróis sintetizados 55LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 2 Além disso, um fator adicional no ba- lanço entre a biossíntese e o catabo- lismo de triacilgliceróis é que cerca de 75% dos ácidos graxos liberados pela lipólise são reesterificados, formando triacilgliceróis, em vez de serem uti- lizados como combustível. Essa rela- ção persiste mesmo em situações de jejum, quando o metabolismo ener- gético utiliza a oxidação de ácidos graxos como fonte de energia. Quando a mobilização dos ácidos graxos é necessária para satisfazer as necessidades energéticas, sua li- beração do tecido adiposo é estimu- lada pelo glucagon e pela adrenalina. Simultaneamente, esses hormônios diminuem a velocidade da glicólise e aumentam a velocidade da gliconeo- gênese no fígado. O ácido graxo libe- rado é captado por diversos tecidos, incluindo os músculos, onde é oxida- do para geração de energia. No fíga- do, a maior parte do ácido graxo não é oxidada, mas é reciclada a triacilgli- cerol e retorna ao tecido adiposo. Síntese do Colesterol O colesterol do organismo huma- no pode ser obtido através dos ali- mentos ou por síntese endógena. Os principais órgãos responsáveis pela produção do colesterol são o fígado e o intestino, que produzem em tor- no de 25% do colesterol endógeno. A acetil-CoA é precursora de todos os átomos de carbono presentes no colesterol (C27), e o agente redutor é o NADPH. As enzimas que catalisam a síntese localizam-se no citosol e no retículo endoplasmático. É uma via que envolve diversas reações em um processo de “montagem” do coleste- rol, organizadas em quatro estágios: • Condensação de três moléculas de acetil-CoA, formando o mevalona- to (C6); • Conversão do mevalonato em uni- dades de isopreno (C5) ativadas; • Polimerização das seis unidades de isopreno, formando o esquale- no linear (C30); • Ciclização do esqualeno para for- mar os quatro anéis do núcleo es- teroide, com mudanças adicionais, para produção do colesterol. Ao total, são mais de 20 reações, in- cluindo consumo de O2 e NADPH, remoção de grupos metila e migração de duplas ligações, que levam, final- mente, à síntese do colesterol. Por- tanto, trata-se de um processo redu- tivo