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TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA Hezrom Vieira Costa Lima História e consciência histórica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar o significado do conhecimento histórico na formação do sujeito. Descrever os conteúdos e suas abordagens no ensino de história. Identificar a formação da consciência histórica de alunos e professores. Introdução De que forma o conhecimento histórico é produzido? Existe um respaldo social para a produção sobre o passado? O conhecimento histórico escolar possui alguma relação com essas formas de saber? Tais questionamentos remetem ao papel da história na sociedade e à relevância da atuação de seus profissionais, historiadores e professores de história. Neste capítulo, você vai entender de que maneira o conhecimento histórico é constituído socialmente, relacionando o saber histórico acadê- mico e suas variadas formas de manifestações na sociedade, denominadas de cultura histórica. Em seguida, entenderá como deve ser organizado o saber histórico escolar e como a seleção desses conteúdos, bem como sua organização em sala de aula, deve refletir uma prática educativa plural que relacione os diversos segmentos sociais. Por fim, será capaz de compreender de que forma é constituída a formação da consciência histórica de alunos e professores. Conhecimento histórico: entre história, cultura histórica e consciência histórica Qual o papel da história na nossa sociedade? O historiador possui uma função social? O conhecimento histórico é útil em nossa vida? Esses questionamentos refl etem o papel desempenhando pela percepção do passado no cotidiano e demonstram uma articulação entre: História — um conhecimento acadêmico/professional sobre o passado; cultura histórica — as diversas manifestações do passado, refletidas em um saber não acadêmico; consciência histórica — a maneira como o passado é articulado no presente, elemento que será destaque na análise deste capítulo. O entendimento da consciência histórica é polissêmico, não existindo um único significado sobre sua concepção, sendo possível a existência de noções antagônicas, e até mesmo excludentes entre si. Para exemplificar, na histo- riografia francesa e alemã é perceptível uma aproximação do entendimento dessa noção, presente nas ideias de Philippe Ariès e Hans-Georg Gadamer, em que a consciência histórica é entendida como um resultado, que é alcançado a partir de “[...] um processo de modernização de todos os âmbitos da vida humana” (CERRI, 2001, documento on-line). O conceito de consciência histórica adotado no presente capítulo foi forjado pelo historiador alemão Jörn Rüsen no final dos anos 1970, tendo como origem a palavra alemã Lebenswelt, que pode ser traduzida para o português como “uma vida prática” ou “vida ativa”. Ainda na historiografia alemã, outra interpretação faz-se presente em Gadamer (2006, p. 17): “Entendemos por consciência histórica o privilégio do homem moderno de ter plena consciência da historicidade de todo presente e da relatividade de toda opinião”. Além disso, uma definição adicional pode ser analisada na historiografia brasileira, em que consciência histórica seria “[...] aquilo que designa o modo como os seres humanos interpretam a experiência da evolução temporal de si mesmos e do mundo em que vivem” (ALBIERI, 2011, p. 42). Dessa forma, a compreensão desse conceito depende da acepção aceita, além, sobretudo, da interpretação acerca do seu propósito, tanto para pessoas comuns, que vivem a história, quanto para historiadores, que vivem da história. Jörn Rüsen (2001) entende que a função da consciência histórica deva ser organizada em torno de uma práxis, construída a partir do professor de história, como forma de cumprir uma função prática de orientação no tempo. Nesse sentido, o ato de ensinar e aprender história no espaço escolar deve possuir História e consciência histórica2 uma função prática. Neste capítulo, daremos destaque a tal noção rüseniana de consciência histórica, pois está intrinsicamente ligada à formação do professor de história e articulada ao processo de ensino. A noção de consciência histórica não é compreendida da mesma forma pelos autores que a utilizam. Para uma noção da pluralidade de intepretações, é recomendada a leitura do artigo “Os conceitos de consciência histórica e os desafios da didática da história”, de autoria de Luis Fernando Cerri (doutor em educação e professor de história da UEPG), publicado na Revista de História Regional (Vol. 6, nº 2 — Inverno 2001). Dessa forma, na perspectiva rüseniana, a consciência histórica é definida como “[...] a suma das operações mentais com as quais os homens interpre- tam sua experiência de evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo” (RÜSEN, 2001, p. 57). Assim, a consciência histórica organiza a forma como a experiência tempo- ral é apreendida pelo indivíduo, em uma relação de dependência e necessidade de articulação, pois o passado é percebido como experiência e deve servir de campo de ação para orientar o presente e projetar o futuro. Nesse contexto, seu sentido histórico é articulado somente quando se articula claramente seus componentes culturais e seu efeito conformador do presente. O que existe é uma divergência entre o tempo como “experiência” e o tempo como “intenção”, cuja operação deve ser equacionada e estruturada de maneira orientada, para serem interpretadas, fenômeno que o Rüsen descreve como orientação do agir e do sofrer humano no tempo. É uma forma “[...] de consciência humana que está relacionada imediatamente com a vida humana” (RÜSEN, 2001, p. 57). Ademais, o historiador alemão faz ainda uma ressalva acerca dos riscos de uma possível interpretação simplista desse conceito: [...] consciência histórica não pode ser meramente equacionada como simples conhecimento do passado. A consciência histórica dá estrutura ao conheci- mento histórico como um meio de entender o tempo presente e antecipar o futuro. Ela é uma combinação complexa que contém a apreensão do passado regulada pela necessidade de entender o presente e presumir o futuro (RÜSEN, 2006, documento on-line). 3História e consciência histórica Dessa forma, a expectativa do futuro vincula-se diretamente à experiência do passado. Para o autor, essa “[...] íntima interdependência de passado, pre- sente e futuro é concebida como uma representação da continuidade e serve à orientação da vida humana à prática atual” (RÜSEN, 2006, documento on-line). A interpretação da experiência temporal do ser humano ancorada pela história acaba variando de acordo com o lugar social que os indivíduos ocupam, sendo possível uma interpretação distinta acerca do passado por grupos sociais diferentes, da mesma forma que a análise da atuação e do papel desempenhado por estes mesmos grupos chegará a resultados distintos caso se embase nas visões e versões difundidas historicamente por aqueles que ocupam o topo da hierarquia social ou caso se embase nos sentimentos daqueles que se encontram na base e à margem desta mesma sociedade. A denominação de história pode ser compreendida de três maneiras distintas: 1. o passado em si, vivenciado “como um todo” pelos indivíduos; 2. a prática científica realizada pelo historiador, denominada “história-ciência”; 3. o fruto da operação historiográfica, segundo obras escritas por histo- riadores, denominada “historiografia”. O conhecimento de determinada sociedade sobre o passado resulta de uma equação que tenciona essas três formas de interpretação, que variam de acordo com uma soma de fatores que se relacionam de maneira simbiótica na sociedade onde estão inseridos. Dentre esses fatores, é relevante destacar: a) a interpretação da história nas sociedades (HARTOG, 2017); b) o papel social exercido pelos historiadores (DUMOULIN, 2017); c) as formas como o passadoé entendido e a história é ensinada (CIAM- BARELLA et al., 2014). Para uma visualização dessa relação de interseção e interpendência desses três segmentos na qual a história está ancorada, confira na Figura 1 o esquema idealizado por Martins (2011). História e consciência histórica4 Figura 1. Interseção e interdependência da história (passado), história (ciência) e historiografia. Fonte: Adaptada de Martins (2011). O conhecimento histórico é uma forma de perceber o passado, em que são articuladas a cultura histórica (passado), a história (ciência) e a historiografia (a produção acadêmica). Esses segmentos relacionam-se entre si, constituindo um conhecimento histórico que está refletido na formação dos sujeitos. Para aprofundar a análise, examinaremos a seguir as tipologias da consciência histórica no pensamento do historiador alemão Jörn Rüsen. O passado como um espelho da experiência: as tipologias de consciência histórica no pensamento rüseniano Jörn Rüsen propôs uma tipologia geral do pensamento histórico, que abarca um processo de transformação da consciência histórica. Para Rüsen (2010) existem quatro tipos de consciência histórica: tradicional, exemplar, crítica e genética, e é por meio delas que o ser humano desenvolve argumentações na sua vida prática. Nessa categorização, o autor expõe as características dos quatro tipos de consciência histórica em relação a seis esferas específi cas: 5História e consciência histórica 1. experiência no tempo (conteúdo); 2. formas de significação histórica (formas de totalidades temporais); 3. orientação da vida exterior (em relação às formas comunicativas de vida social); 4. orientação da vida inferior (em relação à identidade histórica); 5. relação com os valores morais; 6. relação com o raciocínio moral. A seguir, analisaremos em mais detalhes cada um dos tipos de consciência histórica descritos por Rüsen. Tipo tradicional As tradições são elementos indispensáveis de orientação dentro da vida prá- tica, e sua negação total conduz a um sentimento de desorientação massiva. A consciência histórica funciona em parte para manter vivas essas tradições. Exemplos disso são os discursos comemorativos públicos, os monumentos públicos ou mesmo as histórias privadas narradas entre as pessoas com o propósito de elaborar sua relação pessoal. Desse modo, as tradições apresentam a totalidade temporal que torna sig- nificativo o passado e relevante a realidade presente em sua extensão futura, além de guiarem externamente a vida humana por meio de uma afirmação de obrigações que requerem consentimento, mantendo o sentimento de uma origem em comum. Também definem a identidade histórica, a afirmação dos modelos culturais predeterminados de autoconfiança e autocompreensão e, por fim, representam razões que sustentam e asseguram a obrigação moral dos valores. Tipo exemplar As regras são utilizadas como argumentos: que tipo de ação tomar e o que deve ser evitado. A memória histórica estruturada em termos de exemplos está aberta a processos em número infi nito de acontecimentos passados, desde o momento em que tais acontecimentos não possuem relação com uma ideia abstrata de mudança temporal e de conduta humana, válido para todo o tempo, ou ao menos cuja validade não está limitada a um acontecimento específi co. Aqui, a história é vista como uma recordação do passado, como uma mensa- gem ou lição para o presente, o que implica a aplicação de regras comprovadas e derivadas historicamente de situações reais. Assim, a consciência histórica do tipo exemplar relaciona as atividades da vida a regras e princípios, e tem História e consciência histórica6 como função legitimar tais atividades através do raciocínio abstrato. Por fim, entende que a história ensina o argumento moral por meio da aplicação de princípios a situações concretas e específicas. Tipo crítico Busca uma nova interpretação, negando a anterior, uma “contranarração”. Busca e mobiliza uma “contra-história”. Há aqui a noção de ruptura na con- tinuidade estabelecida no passado, ou uma negatividade: o que não queremos ser, também desafi a à moral apresentando o seu contrário e, por fi m, põe em questão a moral apontando a relatividade cultural nos valores. Tipo genético A mudança propriamente dita é o que dá sentido à história, e a memória histórica prefere representar a experiência da realidade passada como acontecimentos mutáveis. Assim, as formas mudam em ordem, paradoxalmente, para manter seu próprio desenvolvimento. Este tipo de consciência histórica permeia a identidade histórica como uma temporalização essencial e, por fi m, o raciocínio moral depende aqui essencialmente do argumento da mudança temporal como necessária ou decisiva para estabelecer a validade dos valores morais. O Quadro 1 resume os quatro tipos de consciência histórica rüsenianos, segundo a seis esferas específicas de análise neste modelo. (Continua) Tradicional Exemplar Crítica Genética Experiência no tempo Origem e repetição de um modelo cultural e de vida obrigatória Variedade de casos repre- sentativos de regras gerais de conduta ou sistemas de valores Desvios problemati- zadores dos modelos culturais e de vida atuais Transforma- ções dos mo- delos culturais e de vida alheios em ou- tros próprios e aceitáveis Quadro 1. Os quatro tipos de consciência histórica 7História e consciência histórica Tradicional Exemplar Crítico Genético Formas de significação histórica Permanência dos modelos culturais e de vida na mu- dança temporal Regras atem- porais de vida social; valores atemporais Rupturas das totalidades temporais por negação de sua validade Desenvolvi- mento nos quais os mo- delos culturais e de vida mudam para manter sua permanência Orientação da vida exterior Afirmação das ordens pre- estabelecidas por acordo ao redor de um modelo de vida comum e válido para todos Relação de situações par- ticulares com regularidades que se atêm ao passado e ao futuro Delimitação do ponto de vista próprio frente às obri- gações prees- tabelecidas Aceitação de distintos pontos de vista em uma perspectiva abrangente do desenvolvi- mento comum Orientação da vida interior Sistematização dos modelos culturais e vida por imitação — role-playing Relação de conceitos próprios a regras e prin- cípios gerais; legitimação do papel por generalização Autoconfiança na refutação de obrigações externas — role-playing Mudança e transformação dos conceitos próprios como condições ne- cessárias para a permanência e a autocon- fiança; equilí- brio de papéis Relação com os valores morais A moralidade é um conceito preestabele- cido de ordens obrigatórias; a validade moral é inquestioná- vel; estabilidade por tradição A moralidade é a gene- ralidade da obrigação dos valores e dos sistemas de valores Ruptura do poder moral dos valores pela nega- ção de sua validade Tempora- lização da moralidade; as possibilidades de um desen- volvimento posterior se convertem em uma condição de moralidade Quadro 1. Os quatro tipos de consciência histórica (Continuação) (Continua) História e consciência histórica8 Ensino de história: conteúdos e abordagens na sala de aula A consciência histórica funciona como um modo específi co de orientação em situações reais da vida presente e tem como função ajudar-nos a compreender a realidade passada para apreender a realidade presente (RÜSEN, 2010). Dito de outro modo, a história existe e cumpre uma função prática na vida dos indivíduos, de acordo com Rüsen. A consciência histórica como orientação temporal une o passado ao presente de tal forma que confere uma perspectiva futura à realidade atual. Isso implica que a referência ao tempo futuro está contida na interpretação histórica do presente, já que essa interpretação deve permitir que atuemos, ou seja, deve facilitar a direção de nossas intenções dentro de uma matriz temporal.Partindo desse pressuposto, podemos aplicar essa perspectiva ao campo educacional da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e como essa relação interfere no processo de ensino de história. Em outras palavras, podemos pensar o conhecimento histórico escolar e sua função prática na vida dos alunos, evitando um processo educacional que seja utilizado para construir uma identidade histórica que reproduz as visões e versões da cultura histórica dominante, em um processo de homogeneização, silenciando visões destoantes e fortalecendo desigualdades (BRASIL, 2017). (Continuação) Fonte: Adaptado de Rüsen (2010). Tradicional Exemplar Crítico Genético Relação com o racio- cínio moral A razão sub- jacente aos valores é um suposto efetivo que permite o consenso sobre questões morais Argumen- tação por generalização; referência a regularidades e princípios Crítica dos va- lores e da ide- ologia como estratégia do discurso moral A mudança temporal se converte em um elemento decisivo para a validade dos valores morais Quadro 1. Os quatro tipos de consciência histórica 9História e consciência histórica O conhecimento histórico escolar não é algo imutável, ou seja, não é percebido da mesma forma ao longo do tempo. A BNCC ajuda a pensá-lo a partir de questões que são colocadas no presente dos alunos e alunas. No link a seguir, você encontra um artigo que se aprofunda neste tema. https://qrgo.page.link/6ZLqe O conteúdo do texto presente na BNCC sobre a justificativa do ensino de história relaciona-se com as discussões propostas por Rüsen e a utilização prática do conhecimento histórico escolar enquanto forma de consciência histórica: As questões que nos levam a pensar a História como um saber necessário para a formação das crianças e jovens na escola são as originárias do tempo presente. O passado que deve impulsionar a dinâmica do ensino–aprendizagem no Ensino Fundamental é aquele que dialoga com o tempo atual (BRASIL, 2017, documento on-line). A situação ocasionada pela BNCC deve ser vinculada a um pleno domínio por parte do professor e o consequente desenvolvimento do conhecimento para o seu aluno, sobre conceitos históricos e categorias de análise próprias do ofício de historiador. Vale lembrar as palavras de Rüsen (2007, p. 91–92) sobre os primeiros: Conceitos históricos são os recursos linguísticos das sentenças históricas. É o material com que são construídas as teorias históricas e constituem o mais importante instrumento linguístico do historiador. Sua formação e utilização decidem se e como o pensamento histórico científico se realiza. Por meio de sua utilização no manejo interpretativo das fontes decide-se também, portanto, o valor das teorias históricas. Dessa forma, foi planejado o desenvolvimento de uma “atitude historiadora” que deve ser realizada tanto por docentes quanto por discentes, desempenhando o papel de agentes do processo de ensino e aprendizagem e adequando as con- dições a uma atividade realizada no Ensino Fundamental. A BNCC (BRASIL, 2017) de história sugere o desenvolvimento de cinco processos: História e consciência histórica10 1. identificação; 2. comparação; 3. contextualização; 4. interpretação; 5. análise dos objetos e fontes. Articulando esses pressupostos, em consonância com as competências gerais da Educação Básica e com as competências específicas da área de Ciências Humanas, o componente curricular de história deve garantir aos alunos o desenvolvimento de sete competências específicas (BRASIL, 2017): 1. Compreender acontecimentos históricos, relações de poder e processos e mecanismos de transformação e manutenção das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais ao longo do tempo e em diferentes espaços para analisar, posicionar-se e intervir no mundo contemporâneo. 2. Compreender a historicidade no tempo e no espaço, relacionando acon- tecimentos e processos de transformação e manutenção das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, bem como problematizar os significados das lógicas de organização cronológica. 3. Elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em relação a documentos, interpretações e contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens e mídias, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos, a cooperação e o respeito. 4. Identificar interpretações que expressem visões de diferentes sujei- tos, culturas e povos com relação a um mesmo contexto histórico, e posicionar-se criticamente com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. 5. Analisar e compreender o movimento de populações e mercadorias no tempo e no espaço e seus significados históricos, levando em conta o respeito e a solidariedade com as diferentes populações. 6. Compreender e problematizar os conceitos e procedimentos norteadores da produção historiográfica. 7. Produzir, avaliar e utilizar tecnologias digitais de informação e co- municação de modo crítico, ético e responsável, compreendendo seus significados para os diferentes grupos ou estratos sociais. 11História e consciência histórica História no Ensino Fundamental — anos iniciais A BNCC de história estabelece que o ensino deve ser articulado a partir da “construção do sujeito”, sendo possível desenvolver no indivíduo a percepção de um “eu” e um “outro”, servindo ao propósito de uma tomada de “consciência de si”, em um processo longo e complexo. Na percepção da BNCC sobre a história, esta é entendida como dependente “[...] das linguagens com as quais os seres humanos se comunicam, entram em confl ito e negociam” (BRASIL, 2017, documento on-line), possibilitando aos indivíduos a capacidade de viver em sociedade, mediante o desenvolvimento da cognição, comunicação e socialização. Unidades temáticas de história nos anos iniciais, de acordo com a BNCC (BRASIL, 2017): 1º ano ■ Mundo pessoal: meu lugar no mundo ■ Mundo pessoal: eu, meu grupo social e meu tempo 2º ano ■ A comunidade e seus registros ■ As formas de registrar as experiências da comunidade ■ O trabalho e a sustentabilidade na comunidade 3º ano ■ As pessoas e os grupos que compõem a cidade e o município ■ O lugar em que vive ■ A noção de espaço público e privado 4º ano ■ Transformações e permanências nas trajetórias dos grupos humanos ■ Circulação de pessoas, produtos e culturas ■ As questões históricas relativas às migrações 5º ano ■ Povos e culturas: meu lugar no mundo e meu grupo social ■ Registros da história: linguagens e culturas Dessa forma, o ensino de história nos anos iniciais é pensado, organizado e materializado de uma maneira que seja possível desenvolver as noções de identidade, pertencimento e diferença nos indivíduos, partindo de manifes- tações mais simples até abstrações mais complexas. História e consciência histórica12 História no Ensino Fundamental — anos finais Estabelecido na BNCC (BRASIL, 2017), o processo de ensino e aprendizagem de história nos anos fi nais do Ensino Fundamental está ancorado em três procedimentos básicos: 1. Identificação dos eventos considerados importantes na história do Oci- dente (África, Europa e América, especialmente o Brasil), ordenando-os de forma cronológica e localizando-os no espaço geográfico. 2. Desenvolvimento das condições necessárias para que os alunos sele- cionem, compreendam e reflitam sobre os significados da produção, circulação e utilização de documentos (materiais ou imateriais), elabo- rando críticas sobre formas já consolidadas de registro e de memória por meio de uma ou várias linguagens. 3. Reconhecimento e interpretação de diferentes versões de um mesmo fenômeno, reconhecendo as hipóteses e avaliando os argumentos apre- sentados com vistas ao desenvolvimento de habilidades necessárias para elaboração de proposições próprias. A consciência histórica no espaço escolar A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não sejamenos vão esgotar-se em compreender o passado se nada se sabe do presente (BLOCH, 2001, p. 65). A escola torna-se o primeiro ambiente formal para a apropriação da consciência histórica, e é a partir do saber histórico escolar que o indivíduo, inserido so- cialmente, irá construir, fortalecer, organizar e repensar sua identidade. Ideias, valores, noções, interesses e representações são construídos socialmente, e o universo simbólico e sua repercussão no meio social variam ao longo do tempo. Dessa forma, os sujeitos atribuirão sentidos tanto às coisas que permanecem quanto àquelas que deixam de ser. Esse mecanismo é realizado por meio da memória histórica e construirá a identidade de cada indivíduo, juntamente com a sociedade. Sobre essa questão, Martins (2011, documento on-line) afi rma: Origem cultural, estratificação social, sistema de produção, linguagem, re- ligião, organização, hierarquia e tantos outros elementos consagrados nesse processo são definidos, delimitados, investigados, interpretados, estruturados 13História e consciência histórica e articulados em seu papel de influências, variáveis, fatores, antecedentes, causas. Em certos casos — e é preciso ficar atento a essa possibilidade — vêm a ser também rejeitados ou recalcados, em função da experiência vivida no campo social. Por meio da identidade histórica, a personalidade humana expande sua ex- tensão temporal para além dos limites do nascimento e da morte e além da mera mortalidade. Por meio dessa consciência histórica, uma pessoa passa a fazer parte de um todo temporal mais extenso que sua mera vida temporal (RÜSEN, 2010). Na Figura 2, é possível compreender a relação produzida entre as diversas manifestações da história que refletem, reforçam ou reproduzem identidades nos indivíduos. Essa articulação não é singular nem ocorre em um processo pacífico; pelo contrário, é uma tensa relação em que as mais variadas formas de representação se fazem presentes na história. A cultura específica, o povo/ nação, região, comunidade, local de trabalho, vizinhança, família e a própria história pessoal do indivíduo fazem parte dessa relação que retroalimenta a percepção temporal do indivíduo. Figura 2. Interdependência por círculos históricos. Fonte: Martins (2011, p. 46). História e consciência histórica14 Educação patrimonial: uma reflexão sobre ensino de história, preservação e usos do passado Uma maneira de refl etir acerca do conhecimento histórico e sua relação com a sociedade se dá pela educação patrimonial (BARROSO et al., 2010). Para uma historicização dessa noção, faz-se necessária uma síntese do conceito. O conceito de patrimônio tem origem com a emergência da Revolução Francesa, ocorrida em 1789, que, para Hobsbawm (2002), além de configurar-se como marco temporal para demarcar o início do mundo moderno, foi o processo responsável por criar os modelos políticos e ideológicos mundiais difundidos a partir do século XIX. O referido autor afirma ainda que as transformações sociais geradas pela Revolução tiveram um alcance em escala global, atingindo também as antigas civilizações que até então tinham resistido às ideias europeias. Nesse sentido, somando-se à criação de um modelo burguês de Estado- -nacional, as consequências geradas pelas modificações políticas e sociais ocorridas na França e iniciadas em 1789 dizem respeito também à concepção de patrimônio, outrora associado à ideia do direito romano, entendido como “bem herdado”. Portanto, a ideia de patrimônio emergiu através dos atos dos revolucionários que, dentre outras características, tiveram como ações a des- truição material e simbólica do Antigo Regime, apropriando-se e destruindo elementos que demarcavam o poder do clero e da nobreza. Essa destruição, tanto material quanto simbólica, atingiu os mais variados elementos, desde jogos que remetiam à organização social combatida, como o xadrez e o jogo de cartas, até os bens materiais que antes eram propriedades dos antigos donos do poder e que agora ganhavam uma nova significação, a ideia de “bem comum”, entendido como pertencente à nação. Abreu (2014, p. 35) deixa claro que: Foi apenas a partir do ideário desencadeado pela Revolução Francesa que o significado de patrimônio estendeu-se do privado para o conjunto dos cidadãos. Desenvolve-se a concepção de bem comum e, ainda, de que alguns bens formam a riqueza material e moral do conjunto da nação. É no período pós-revolucionário que obras de arte, castelos, prédios e também paisagens vão constituir todo um arsenal de bens a serem preservados para um conjunto maior de pessoas. A emergência da noção de patrimônio como bem coletivo associado ao sentimento nacional dá-se inicialmente num viés histórico e a partir de um sentimento de perda. Era preciso salvar os vestígios do passado, ameaçados de destruição. 15História e consciência histórica Frente a essa situação, criou-se uma Comissão de Monumentos para asse- gurar à nação o tombamento e a manutenção dos bens do clero e da aristocracia francesa que foram apropriados, criando-se a concepção de “patrimônio histórico nacional”, sendo utilizada inclusive pelo Estado francês para servir à instrução da nação (CHOAY, 2000). Nesse contexto, os congressos internacionais de arquitetos e técnicos de monumentos históricos realizados a partir de 1931 foram de extrema relevância para constituir um aparato legal, assim como um modelo de identificação e posterior preservação do patrimônio histórico, paisagístico e artístico. Desses encontros resultaram documentos como a Carta de Atenas e a Carta de Veneza, que foram as primeiras formas de identificação, administração e legislação dos monumentos históricos. Somado a isso, destaca-se ainda a criação da ONU, ocorrida após o final da Segunda Guerra Mundial (1939–1945), através da qual foram estabelecidos, diante da barbárie praticada no conflito, critérios de valori- zação e manutenção da vida humana, englobando as práticas e o modo de vida das mais variadas populações presentes no globo na categoria de patrimônios. Junto à criação da ONU, destaca-se também a participação da Unesco, quando no ano de 1972 foi realizada a Convenção do Patrimônio Mundial, em que foram formados critérios para identificação e preservação de “patrimônio cultural” e “patrimônio natural”, uma espécie de inventário dos bens que deveriam ser incluídos na “Lista do Patrimônio Mundial”, elaborado pelos países representados na convenção. De acordo com a definição proposta pela convenção, no artigo 1º, são considerados “patrimônio cultural” os monumentos, conjuntos e locais de interesses, havendo, consequentemente, distinções entre eles (ONU, 2019). Observamos, portanto, que a partir da definição de “patrimônio mundial”, amplia-se a noção de patrimônio para além da concepção histórica nacional proposta inicialmente na França revolucionária no final do século XVIII. Seguindo esse curso de transformação na concepção do patrimônio, já no início do século XX, em 31 de dezembro de 1913, a França modifica a lei que regula os monumentos históricos. Em decorrência disto, no documento de 13 páginas são estabelecidos os critérios para regulamentação dos edifícios, bens móveis, cuidado e conservação de monumentos históricos, assim como as escavações e descobertas, além dos dispositivos penais e disposições variadas sobre outras regulamentações anteriores à promulgação da lei. No Brasil, a questão patrimonial começa a ser desenvolvida, de acordo com Fonseca (2005), no final da década de 1920 e início dos anos 1930, e deve ser analisada tomando como pressupostos dois aspectos: o movimento modernista, cujos intelectuais foram os responsáveis por criarem projetos História e consciência histórica16 em relação ao patrimônio brasileiro, e um projeto político nacional oficial proposto no Estado Novo. Nesse sentido, a década de 1930 no Brasil se torna emblemática, pois foi nesse período que surgiram os dois carros-chefes da políticapatrimonial nacio- nal. Em relação ao “patrimônio material”, destaca-se o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), criado em 1937, e em se tratando do “patrimônio imaterial”, o primeiro posicionamento no que concerne à identi- ficação e posterior preservação foi realizado por Mário de Andrade. O fruto dessa sua empreitada em relação ao registro de manifestações populares no interior do país foi a realização, em 1938, da Missão de Pesquisas Folclóricas, em que uma equipe chefiada pelo engenheiro e arquiteto Luís Saia visitou 28 cidades do Norte e Nordeste brasileiro. Essa missão percorreu 18 cidades na Paraíba, cinco em Pernambuco, duas no Piauí e uma nos respectivos estados do Ceará, Maranhão e Pará. O Brasil real que a Missão encontrou apresentou-se bastante diverso, demonstrando que a identidade nacional poderia ser explicada a partir das manifestações culturais, caracterizadas como “folclore brasileiro”. Desse modo, a partir da ampliação da noção de patrimônio para englobar o patrimônio imaterial, também conhecido por patrimônio intangível, além da concepção de patrimônio cultural estabelecida pela Constituição Federal de 1988, acaba sendo reconhecido o caráter amplo e variado desse conceito, servindo de base para que os mais diversos grupos se reconheçam enquanto sujeitos históricos e participantes ativos desse processo (FONSECA, 2005). Nesse contexto, a educação patrimonial deve ser compreendida como um reflexo da sociedade civil nas mais variadas formas de usos do passado, preser- vando manifestações culturais e lugares de memória que devem ser apropriados e investidos de significados pelos indivíduos (BITTENCOURT, 2004). História e livro didático A escolha do livro didático deve refl etir os posicionamentos teóricos e metodoló- gicos do professor, buscando o desenvolvimento de uma consciência histórica em seus alunos. A partir desse momento, fi ca decidido que tipo de história deve ser ensinado, focando em aprendizagens socialmente signifi cativas (PINSKY, 2001). Os objetivos do professor de história devem ser menos de exaltar a pátria e mais voltados para a formação de cidadãos críticos (FONSECA, 2006), cientes dos seus direitos e deveres, capazes de contribuir com a sociedade e combater as desigualdades sociais. A partir da escolha dos conteúdos a serem abordados em sala de aula, bem como da seleção do material didático, as mesmas per- 17História e consciência histórica guntas feitas para as fontes históricas devem ser feitas, pelo professor, para o material utilizado: “Quem escreveu? Por quê? Quando? E para quem?”. Após responder essas questões, deve ser realizada uma autoavaliação, buscando uma compreensão desses fenômenos, a fim de se estabelecer uma relação entre o ofício do historiador e do professor/educador histórico. No quadro geral da cultura histórica (passado), a história, enquanto ex- periência refletida, deve organizar o pensamento histórico dos indivíduos, ancorada duplamente na historiografia e no ensino de história, elementos que tornam possível a constituição de uma consciência histórica, tanto de alunos como de professores (Figura 3). Figura 3. Formas do pensamento histórico. Fonte: Martins (2011, p. 54) Cabe destacar que o saber histórico escolar deve dialogar com a cultura histórica, mas sem se restringir a ela, pois da mesma forma que o “fazer histórico” é mutável ao longo do tempo, seu exercício pedagógico também deve sê-lo (KARNAL, 2007). História e consciência histórica18 A tecnologia digital transformou a forma como a história é percebida socialmente. Nas duas sugestões de leitura a seguir, você encontrará alguns exemplos de como essa interface é aplicada. Em Museus virtuais e jogos digitais (ALVES; VIANA; MATTA, 2019), obra organizada por Lynn Alves, Helyom Viana e Alfredo Mata, são discutidas novas linguagens e estudos da história enfocando as tecnologias digitais, a simulação do passado e os jogos digitais. Já no artigo “A juventude conectada: um estado da arte” (CARIBÉ et al., 2015), publicado por Andersen Caribé, é possível perceber como foram construídas as percepções geracionais e como os indivíduos aprendem de forma diferenciada no século XXI. ABREU, M. A. A apropriação do território no Brasil Colonial. In: FRIDMAN, F.; HAESBAERT, R. (org.). Escritos sobre espaço e história. Rio de Janeiro: Garamond, 2014. ALBIERI, S. História pública e consciência histórica. In: ALMEIDA, J. R.; ROVAI, M. G. O. (org.). Introdução à história pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011. ALVES, L.; VIANA, H.; MATTA, A. (org.). Museus virtuais e jogos digitais: novas linguagens para o estudo da história. Salvador: EDUFBA, 2019. BARROSO, V. L. M. et al. 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