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UnisulVirtual Palhoça, 2019 Teoria de Voo de Alta Velocidade Universidade Sul de Santa Catarina Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul Reitor Mauri Luiz Heerdt Vice-Reitor Lester Marcantonio Camargo Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa, Pós-graduação, Extensão e Inovação Hércules Nunes de Araújo Pró-Reitor de Administração e Operações Heitor Wensing Júnior Assessor de Marketing, Comunicação e Relacionamento Fabiano Ceretta Diretor do Campus Universitário de Tubarão Rafael Ávila Faraco Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis Zacaria Alexandre Nassar Diretora do Campus Universitário UnisulVirtual Ana Paula Reusing Pacheco Campus Universitário UnisulVirtual Diretora Ana Paula Reusing Pacheco Gerente de Administração e Serviços Acadêmicos Renato André Luz Gerente de Ensino, Pesquisa, Pós-graduação, Extensão e Inovação Moacir Heerdt Gerente de Relacionamento e Mercado Guilherme Araujo Silva Gerente da Rede de Polos José Gabriel da Silva Livro Didático Professor conteudista Sandro Francalacci de Castro Faria Designer Instrucional Lis Airê Fogolari Projeto Gráfico e Capa Equipe UnisulVirtual Diagramação Fernanda Vieira Fernandes Revisão Ortográfica Diane Dal Mago Ficha catalográfica elaborada por Francielli Lourenço CRB14/1435 F23 Faria, Sandro Francalacci de Castro Teoria de voo de alta velocidade : livro didático / Sandro Francalacci de Castro Faria. – Palhoça : UnisulVirtual, 2019. 218 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. 1. Aerodinâmica supersônica. 2. Aviões - Pilotagem. 3. Aviões – Desempenho. 4. Engenharia aeroespacial. I. Título. CDD (21. ed.) 629.132305 Copyright © UnisulVirtual 2019 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Livro didático UnisulVirtual Palhoça, 2019 Teoria de Voo de Alta Velocidade Sandro Francalacci de Castro Faria Sumário Introdução | 7 Capítulo 1 Aerodinâmica de Alta Velocidade | 9 Capítulo 2 Fatores Limitantes na Performance de Aeronaves | 85 Considerações Finais | 213 Referências | 215 Sobre o Professor Conteudista | 217 Introdução O presente livro considera os conceitos básicos sobre hidrodinâmica, da compreensão das principais forças que agem sobre uma aeronave em voo, em especial a sustentação e o arrasto gerados por aerofólios sujeitos ao escoamento do ar. Para efeitos práticos, o estudo da aerodinâmica de baixa velocidade considera o ar como um fluido ideal. O American Heritage Dictionary of the English Language define a Aerodinâmica como “a dinâmica dos gases, especialmente das interações com objetos em movimento”. (ANDERSON JR., 2012). Já um fluido ideal é aquele considerado incompressível e sem atrito interno, de forma que seu escoamento é estacionário, irrotacional, e não viscoso. (ABREU; PIRES, 2016). Acontece que tais conceitos básicos são aplicáveis ao estudo de somente uma parte da aerodinâmica – a reservada ao deslocamento de objetos em baixas velocidades, inferiores à velocidade do som, num regime tecnicamente definido como “subsônico”. Na aerodinâmica subsônica, a teoria da sustentação baseia-se nas forças geradas em um corpo e em um gás (o ar) em movimento, no qual o corpo encontra-se imerso. Até uma determinada velocidade de escoamento (alguns autores consideram este limite como sendo de aproximadamente 100m/s - 260 nós ou menos), o ar pode ser considerado praticamente incompressível, visto que, em uma altitude fixa, sua densidade permanece quase constante enquanto sua pressão varia. Sob essa suposição, o ar se comporta de maneira similar à água e é classificado como um fluido. A teoria aerodinâmica subsônica também pressupõe que os efeitos da viscosidade do ar são insignificantes (viscosidade é a propriedade de um fluido que tende a impedir o movimento de uma parte do fluido em relação a outra), e o classifica como um fluido ideal, em conformidade com os princípios da aerodinâmica do fluido ideal, segundo o Teorema de Bernoulli. (ABREU; PIRES, 2016.) Entretanto, na realidade, o ar é um gás compressível e viscoso! Embora os efeitos dessas propriedades sejam desprezíveis em baixas velocidades, os efeitos de compressibilidade, em particular, tornam-se cada vez mais perceptíveis e importantes para o estudo da aerodinâmica, à medida que a velocidade aumenta e aproxima-se da velocidade do som. Neste livro, abordaremos aspectos concernentes à aerodinâmica de alta velocidade e os seus efeitos sobre as aeronaves que voam em elevadas altitudes e velocidades – como o caso dos modernos aviões de carga e de passageiros (com motores a jato ou turboélice), que atravessam oceanos e interligam o nosso planeta. Veremos, também, algumas das soluções da engenharia aeronáutica para minimizar ou se contrapor aos efeitos indesejáveis do escoamento de alta velocidade do ar, sobre as aeronaves, garantindo-lhes uma operação cada vez mais segura, veloz e econômica. Em seguida, aprofundaremos um tema relacionado aos diversos aspectos que regem as fases de decolagem, o voo de cruzeiro e o pouso, que caracterizam a “Performance” de uma aeronave. Poderemos, então, compreender os principais fatores que limitam cada fase do voo, e que interferem na capacidade de carga de um avião (na aviação, busca-se otimizar ao máximo o peso de decolagem, para que se possa transportar a maior quantidade possível de carga, de combustível e de passageiros). Por fim, trataremos da temática conhecida em aviação por “Peso e Balanceamento”, ocasião em que você será apresentado às terminologias e conceitos que caracterizam o carregamento de uma aeronave e que garantam o respeito aos seus limites de peso e de estabilidade, em busca de uma operação segura e mais eficiente. Bons estudos! Professor Sandro Francalacci de Castro Faria 9 Capítulo 1 Aerodinâmica de Alta Velocidade Seção 1 Compressibilidade e Viscosidade do Ar Atmosférico Os estudos sobre os efeitos da compressibilidade e da viscosidade do ar sobre um objeto em movimento surgiram, antes da década de 1940, da necessidade do entendimento de alguns dos fenômenos então observados nas aeronaves. À medida em que os engenheiros aerodinâmicos projetavam aeronaves mais rápidas e que voavam mais alto, efeitos indesejados começaram a surgir em voo, e que afetavam o controle e a segurança das aeronaves. Àquela época, tais efeitos eram classificados como “flutter”, apesar de alguns cientistas já os associarem aos efeitos de compressibilidade do ar. Flutter é uma vibração cíclica, de alta frequência, causada pela interação das forças aerodinâmicas e das forças elásticas que agem sobre as asas, ou sobre as superfícies de controle de uma aeronave. (SAINTIVE, 2009) Os efeitos indesejados surgiram a partir do momento em que as aeronaves atingiam velocidades cada vez mais próximas às do som, para a altitude em que se encontravam voando. Algumas delas experimentavam tais reações durante um rápido mergulho, ocasião em que aceleravam ainda mais. Porém, nos mesmos mergulhos, quando a aeronave atingia altitudes inferiores, os fenômenos eram reduzidos ou até mesmo desapareciam, o que era difícil de ser compreendido. Tais efeitos, registrados àquela época, eram resumidamente os seguintes: 10 Capítulo 1 a. Vibrações na cauda da aeronave, ou nas superfícies de comando de voo daquele setor, e que podiam espalhar-se por toda a aeronave. b. Subitamente e sem motivo aparente, o equilíbrio da aeronave se alterava, e a mesma apresentava uma tendência acentuada a picar (“nariz pesado”). c. O leme de direção e/ou o profundor perdiam efetividade, ou ficavam muito pesados para serem acionados mecanicamente. Conhecer os efeitos da compressibilidade do ar e, em menor grau, os efeitos da sua viscosidade, são essenciais para o estudo da aerodinâmica de alta velocidade, onde a compressibilidade causa uma mudança na densidade do ar ao redor de uma aeronave. Quando um objeto se move pela atmosfera, as moléculas de gás próximas ao objetosão perturbadas e se movem ao redor dele, e forças aerodinâmicas são geradas entre o gás e o objeto. A magnitude dessas forças depende da forma do objeto, da sua velocidade, da massa do gás que passa pelo objeto e de duas outras propriedades importantes do gás – a viscosidade e a sua compressibilidade (ou elasticidade). Em relação à viscosidade observa-se que, quando um objeto se move por meio de um gás, as moléculas do gás aderem à superfície do objeto, formando uma fina camada de ar aderente à superfície – denominada “Camada Limite” (que pode ser laminar ou turbulenta, e normalmente não possui mais do que a espessura de uma folha de papel) que, com efeito, altera a forma do objeto. O fluxo de ar reage à borda da camada limite como se essa fosse a superfície física do objeto, e a Camada Limite permite manter os filetes de ar escoando suavemente, acompanhando o perfil aerodinâmico do objeto em movimento. Entretanto, a camada limite pode se separar do corpo e criar uma forma diferente da forma física original, da superfície do objeto. Ainda, as condições de fluxo dentro e perto da camada limite são muitas vezes instáveis e se alteram com o tempo. Podemos fazer uma analogia, para compreender como se forma a Camada Limite. Imagine um baralho de cartas, que é atirado sobre uma mesa. As primeiras cartas, em contato com o atrito da superfície da mesa, percorrem uma pequena distância e logo param. Isso ocorre somente com as primeiras cartas do baralho. As demais, acima das cartas iniciais, não “tocam” a mesa, e deslizam sobre as cartas abaixo delas, experimentando um atrito menor. Assim, as cartas superiores tendem a se deslocar a maiores distâncias, até finalmente pararem. (MOCHO, 1985). 11 Teoria de Voo de Alta Velocidade Em uma aeronave, a primeira camada de ar em contato com a superfície sofre grande influência do atrito gerado pela viscosidade do ar, enquanto que as demais camadas acima da superfície enfrentam somente o atrito da camada de ar imediatamente abaixo. A Camada Limite é então freada pela superfície da aeronave, e é empurrada pelo atrito causado pela camada de ar localizada logo acima, condição essa que gera turbulência. MOCHO (1985). A camada limite é muito importante para determinar o arrasto de um objeto, e também possui grande influência no fluxo de ar que passa acima de si, que gera sustentação em uma asa, por exemplo. Para determinar e prever essas condições, os engenheiros aerodinâmicos contam com o auxílio de testes em túnel de vento e de análises computacionais sofisticadas. Uma preocupação constante é manter a Camada Limite o mais “colada” à superfície dos aerofólios. Um escoamento dito “laminar” ocorre quando as partículas de um fluido se movem ao longo de trajetórias bem definidas, apresentando lâminas ou camadas (daí o nome laminar), cada uma delas preservando sua característica no meio. No escoamento laminar a viscosidade age no fluido, no sentido de amortecer a tendência de surgimento da turbulência. Esse escoamento ocorre geralmente em baixas velocidades e também em fluídos que apresentem grande viscosidade. Já um escoamento dito “turbulento” ocorre quando as partículas de um fluido não se movem ao longo de trajetórias bem definidas, ou seja, as partículas descrevem trajetórias irregulares, com movimentos aleatórios, produzindo uma transferência de quantidade de movimento entre regiões de massa do fluido em movimento. Esse escoamento é comum na água, cuja viscosidade é relativamente baixa, mas também é observado no fluxo de ar ao longo de um objeto em movimento, a depender de sua forma e velocidade. 12 Capítulo 1 Figura 1.1 – Representação de escoamentos laminares e turbulentos em um aerofólio Fonte: Universo Exato (2017). O parâmetro de similaridade importante para a viscosidade é o número (ou coeficiente) de Reynolds. Esse expressa a razão entre as forças inerciais (resistentes a mudanças ou movimento) e as forças viscosas (pesadas e colantes). O número de Reynolds (abreviado como Re) é um número adimensional usado em mecânica dos fluídos, para o cálculo do regime de escoamento de determinado fluido, dentro de um tubo ou sobre uma superfície. É utilizado, por exemplo, em projetos de tubulações industriais e de asas de aviões. O seu nome vem de Osborne Reynolds, um físico e engenheiro irlandês que viveu no século XIX, e possui o significado físico de um quociente entre as forças de inércia e as forças de viscosidade de um determinado fluido. A importância fundamental do número de Reynolds é a possibilidade de se avaliar a estabilidade do fluxo, podendo-se obter uma indicação se o escoamento flui de forma laminar ou turbulenta, e constitui a base do comportamento de sistemas reais, pelo uso de modelos reduzidos. Um exemplo comum é o túnel aerodinâmico, onde se medem forças dessa natureza em modelos de asas de aviões. Pode-se dizer que dois sistemas são dinamicamente semelhantes se o número de Reynolds for o mesmo para ambos. Para aplicações em perfis aerodinâmicos, o número de Reynolds pode ser expresso em função da corda média aerodinâmica do perfil (para compreender o conceito de Corda Média Aerodinâmica, consulte o Capítulo 2 na Seção Peso e Balanceamento), da seguinte forma: 13 Teoria de Voo de Alta Velocidade Onde: v representa a velocidade do escoamento, ρ é a densidade do ar, µ a viscosidade dinâmica do ar e c a corda média aerodinâmica do perfil. A determinação do número de Reynolds representa um fator muito importante para a escolha e análise adequada das características aerodinâmicas de um perfil aerodinâmico, pois a eficiência de um perfil em gerar sustentação e arrasto está intimamente relacionada ao número de Reynolds obtido. Geralmente, no estudo do escoamento sobre asas de aviões, o fluxo se torna turbulento para números de Reynolds da ordem de 1x107, sendo que abaixo desse valor geralmente o fluxo é laminar (RODRIGUES, 2014). Se o número de Reynolds do experimento e do voo estiverem próximos, os efeitos das forças viscosas em relação às forças inerciais serão modelados adequadamente. Caso contrário, a física do problema real não será modelada de maneira apropriada, e serão previstos níveis incorretos das forças aerodinâmicas. Você já deve estar percebendo que as forças aerodinâmicas se relacionam com algumas características do ar de uma maneira complexa, e outra característica essencial para o entendimento da aerodinâmica é a compressibilidade do ar. Como afirmamos, quando um objeto se move por meio de um gás, as moléculas de gás se movem ao redor do objeto. Se um objeto se desloca em baixa velocidade pela atmosfera, as pressões geradas sobre o corpo são baixas e a densidade do gás permanece praticamente constante. Entretanto, para elevadas velocidades, parte da energia do objeto é comprimida e muda a densidade do gás (pois a mesma massa de ar agora ocupa um volume diferente), o que altera a quantidade de força resultante sobre o objeto. Uma vez próximo ou além da velocidade do som, são produzidas ondas de choque (trataremos deste assunto mais adiante), que afetam a sustentação e o arrasto do objeto. Da mesma forma, os engenheiros aerodinâmicos contam com testes de túnel de vento e análises computacionais para prever essas condições. 14 Capítulo 1 Seção 2 Número Mach, Impulsos de Pressão Os efeitos da compressibilidade do ar sobre um corpo dependem, basicamente, da relação entre a velocidade do corpo em movimento na atmosfera e a velocidade do som para uma mesma temperatura. É sabido que a propagação sonora ocorre por meio de movimentos ondulatórios que se deslocam em todas as direções a partir de um emissor, e que a velocidade do seu deslocamento varia em função do meio em que propaga, sendo diretamente proporcional à densidade desse meio. Lembre-se de que o som viaja em diferentes velocidades e em diferentes meios (por exemplo, no ar e na água, ou por um condutor metálico). Na atmosfera, a variação da velocidade do som emfunção da densidade do ar pode ser considerada desprezível. Entretanto, não podemos desprezar uma outra propriedade do ar, que tem grande influência na velocidade do som. Para que um movimento sonoro ondulatório possa viajar ao longo da atmosfera, é preciso que cada molécula do ar transmita tais impulsos à molécula adjacente. Uma vez que o calor de um corpo é proporcional à agitação de suas moléculas, sabe-se que quanto mais aquecido se encontrar um corpo, mais agitadas estarão as suas moléculas e, por conseguinte, maior facilidade este terá de transmitir os movimentos ondulatórios. Hoje sabemos que a temperatura do ar modifica o modo como o som se propaga, e isso ocorre de maneira diretamente proporcional. Ou seja, quanto maior a temperatura do meio de transmissão, maior será a velocidade de propagação do som. Assim, teremos diferentes velocidades de propagação do som ao longo das camadas da atmosfera, a depender da sua temperatura. Em 1635, Pierre Gassendi mediu a velocidade do som observando o funcionamento dos canhões. Ao comparar o tempo entre o clarão do disparo e o barulho do canhão, ele obteve o valor de 478 m/s.. Mais tarde, uma equipe da Academia de Ciências Parisiense chegou ao resultado mais preciso de 344 m/s a 20° C. Dessa forma, os cientistas descobriram que a velocidade do som (V), sob condições normais de pressão, pode ser calculada pela fórmula: V = Vo√T/T0 15 Teoria de Voo de Alta Velocidade Onde: • Vo é a velocidade do som a 0° (331,45 m/s); • T é a temperatura Kelvin do ambiente, ou seja, a temperatura em Graus Celsius acrescida de 273,15; e • T0 é o valor correspondente a 0° C em escala absoluta, ou seja, 273,15 K. Perceba, então, que a velocidade do som na atmosfera possui relação direta apenas com a temperatura do ar. Ou seja, se eventualmente transitássemos em diferentes altitudes onde a temperatura do ar fosse constante (na estratosfera, por exemplo), a velocidade do som não se alteraria. Devemos observar que os efeitos de compressibilidade do ar sobre uma aeronave não ocorrem somente quando o objeto se desloca na velocidade do som ou acima dela. Considerando a aerodinâmica básica, a sustentação gerada por um aerofólio é fruto da diferença de velocidades entre o fluxo de ar no seu extradorso e no seu intradorso, que gera diferenciais de pressão e forças resultam dessa diferença de pressão. Assim, no extradorso de uma asa, por exemplo, sabemos que o ar é propositadamente acelerado e, então, novamente desacelerado. Dependendo da forma do objeto, do seu material, da temperatura do ar e de outros fatores, poderá ocorrer que, em algum momento, mesmo que o avião esteja voando abaixo da velocidade do som, regiões do extradorso da asa poderão apresentar fluxo de ar supersônico (acima da velocidade do som), e responder às leis que regem tais escoamentos mais velozes. Assim, ao acelerarmos uma aeronave, poderemos alcançar um valor para o qual, pela primeira vez, em uma determinada região da aeronave (normalmente a asa, próximo à fuselagem – local onde a curvatura da asa é maior, e, consequentemente, onde o ar é mais acelerado), o deslocamento do ar atinge a velocidade do som. Essa velocidade é denominada de Número Mach Crítico. (SAINTIVE, 2009). O parâmetro de similaridade importante para o efeito de compressibilidade do ar atmosférico é o Número Mach – M, que é definido pela razão entre a velocidade aerodinâmica do objeto V e a velocidade do som a. M = V / a 16 Capítulo 1 Os atuais aviões de carreira costumam voar em cruzeiro em altitudes próximas a 35.000 ft / 40.000 ft (alguns jatos executivos podem alcançar até 51.000 ft), a uma velocidade de cerca de M 0.75 / M 0.85. Isso quer dizer que, para uma determinada altitude (na verdade, uma determinada temperatura), essas aeronaves empregam velocidades de 75% a 85% da velocidade do som, para uma mesma temperatura do ar. O número Mach aparece como um parâmetro de escala em muitas das equações para fluxos compressíveis, ondas de choque e expansões. Em testes de túnel de vento, é necessário coincidir o número Mach entre o experimento e as condições que serão encontradas em voo. Assim, é incorreto medir um coeficiente de arrasto a alguma velocidade baixa (digamos 200 mph) e aplicar esse coeficiente de arrasto a um regime de voo do dobro da velocidade do som (aproximadamente 1400 mph, Mach = 2.0). A compressibilidade do ar impõe significativas alterações no comportamento físico do ar, na comparação entre esses dois casos. Como sabemos da física, o som viaja pelas ondas, usando um meio de propagação (como a atmosfera). Essas ondas, denominadas ondas de pressão, desenvolvem-se de maneira similar a quando jogamos uma pedra sobre um lago. Uma onda circular se forma no ponto em que a pedra atinge o lago e se afasta, expandindo-se a uma velocidade constante. A pedra provocará um movimento ondulatório, que tenderá a se afastar do ponto onde caiu com velocidade constante, em todas as direções. Se atirarmos várias pedras no mesmo ponto em intervalos iguais, formaremos várias ondas (impulsos) concêntricas, partindo de um mesmo ponto, que se afastarão com velocidades constantes e com distâncias igualmente constantes entre si. Isso também ocorre com um emissor sonoro como o avião, que produz as mais variadas vibrações, essas se manifestam em vários impulsos de ar (ondas de pressão), gerados ao longo de sua estrutura física (asas, fuselagem etc.). Entretanto, diferentemente das pedras atiradas ao lago, um objeto se deslocando no ar está em movimento. Igualmente com o que ocorre ao comprimirmos uma mola em intervalos regulares, essa se comprime e estica alternadamente, os impulsos gerados a partir de um avião em movimento na atmosfera provocam a compressão e a rarefação do ar. Ao deslocar-se abaixo da velocidade do som (ou seja, abaixo da velocidade das próprias ondas que ele está produzindo), a distância entre tais ondas será menor no sentido do deslocamento do corpo, em relação aos demais sentidos (devido ao movimento relativo do ponto emissor), como exemplificado na figura abaixo. Tais ondas propagam-se no ar em uma determinada velocidade, a qual já vimos que é denominada como “velocidade do som”, que ao nível do mar em condições de atmosfera padrão (15 graus Celsius) é de 1226 km/h (340,5 m/s) e diminui com https://pt.wikipedia.org/wiki/Som https://pt.wikipedia.org/wiki/Ondas https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedra https://pt.wikipedia.org/wiki/Lago https://pt.wikipedia.org/wiki/Velocidade https://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%ADvel_do_mar https://pt.wikipedia.org/wiki/Atmosfera 17 Teoria de Voo de Alta Velocidade a redução da temperatura do ar. Ficou convencionado que, quando um avião se desloca com uma velocidade igual à do som, ele está voando a Mach 1. Esta unidade é uma homenagem ao físico austríaco Ernst Mach. Figura 1.2 – Esquema de Ondas de Pressão Fonte: Hangar 33 (2014). 1. Subsônico 2. Mach 1 3. Supersônico 4. Ondas de Choque Então, recapitulando, quando um objeto qualquer se desloca na atmosfera, comprime o ar à sua volta, principalmente à sua frente. Dessa forma, cria ondas de pressão (impulsos de pressão), de maneira similar às pedras atiradas no lago, mas com a diferença de que o emissor das ondas também está em movimento, em um determinado sentido. Figura 1.3 – Ondas de Pressão formadas por uma aeronave voando em regime subsônico Fonte: Homa (2010). https://pt.wikipedia.org/wiki/Temperatura https://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%BAmero_de_Mach https://pt.wikipedia.org/wiki/Ernst_Mach 18 Capítulo 1 Uma aeronave deslocando-se a uma velocidade inferior à do som produzirá impulsos de pressão que viajam mais rápido que o próprio corpo emissor, espalhando-se para todos os lados, inclusive à frente do avião. Assim, nessa condição, o som viaja à frente do objeto em movimento e influencia o ar à frente da aeronave, como que se o estivesse “alertando” para o que ocorrerá logo em seguida. Esse alerta produz a inclinaçãodos filetes de ar próximos ao bordo de ataque do objeto, “moldando-os” à sua forma. Esse fenômeno é definido como “Upwash”. Da mesma forma, no mesmo escoamento subsônico comentado anteriormente, os filetes de ar que “abandonam” a aeronave pelo bordo de fuga devem ser desacelerados, para que tenham ao final a mesma velocidade dos filetes à frente da aeronave, ou seja, a velocidade da própria aeronave. Ao abandonarem o bordo de fuga, “retornam” à inclinação anterior em um fenômeno denominado “Downwash”. Figura 1.4 – Filetes de ar à frente da aeronave são “avisados” de sua aproximação Fonte: Homa (2010). Figura 1.5 – Ocorrência de Upwash e Downwash em escoamento subsônico Fonte: Adaptado de Saintive (2009). 19 Teoria de Voo de Alta Velocidade Entretanto, se o avião acelerar para uma velocidade igual à do som (Mach 1), ou seja, acelerar até a velocidade de deslocamento de suas próprias ondas de pressão, estará comprimindo o ar à sua frente e acompanhando as suas próprias ondas de pressão com a mesma velocidade de sua propagação. Isso resultará no acúmulo de ondas no nariz do avião. Se o avião persistir com essa velocidade por algum tempo, à sua frente se formará uma espécie de “muralha” de ar, pois todas as ondas formadas ainda continuariam no mesmo lugar em relação ao avião. Esse fenômeno é conhecido como Barreira Sônica. Então, se a velocidade do emissor for igual à velocidade de propagação das suas ondas de pressão, a velocidade resultante do movimento relativo dos dois será nula. Teremos então, o ponto emissor junto ao movimento ondulatório, acompanhando o deslocamento das ondas, e isso gera um acúmulo de ondas junto ao corpo, ou seja, uma zona de compressão denominada Onda de Choque Normal, pois é perpendicular ao deslocamento do emissor. Figura 1.6 – Formação de Barreira Sônica Fonte: Homa (2010). Consideremos que o avião continue a acelerar e ultrapasse a velocidade do som. Nesse caso, ele deixará para trás as próprias ondas de pressão que estará produzindo, como ilustrado na figura a seguir, e surgirá uma Onda de Choque Oblíqua e à frente do deslocamento do avião, que se chama “Cone de Mach”. Quanto maior a velocidade da aeronave, acima da velocidade do som, menor será o “Ângulo de Mach”. 20 Capítulo 1 Figura 1.7 – Formação de Cone de Mach em escoamento supersônico Fonte: Homa (2010). Um avião só pode atingir velocidades supersônicas se, entre outras coisas, a sua aceleração permitir uma passagem rápida pela velocidade de Mach 1, evitando a formação da Barreira Sônica. Seção 3 Regimes de Voo e Ondas de Choque Já comentamos que, quando o ar em fluxo supersônico é comprimido, sua pressão e densidade aumentam, formando uma “onda de choque”. Em voo supersônico (com velocidades acima de Mach 1), o avião produz inúmeras ondas de choque, sendo mais intensas as que se originam no nariz do avião, nas partes dianteira (bordo de ataque) e posterior (bordo de fuga) das asas, e na parte terminal da fuselagem. Nessa condição, uma vez que o ar à frente da aeronave não foi influenciado pelos impulsos de pressão gerados pela própria aeronave, esse terá que se adaptar instantaneamente ao impacto com ela, experimentando variações de velocidade, temperatura, pressão e densidade, para que possa escoar de forma tangente ao perfil do objeto em movimento. Tais variações de densidade geram ondas de choque à frente da aeronave, denominadas “ondas de proa”. https://pt.wikipedia.org/wiki/Acelera%C3%A7%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Asa_(avia%C3%A7%C3%A3o) https://pt.wikipedia.org/wiki/Fuselagem 21 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.8 – Fluxo Transônico Fonte: Saintive (2009). As ondas de choque geradas por um avião em voo supersônico atingirão o solo depois da passagem do avião que as está produzindo. Um observador no solo ouvirá um forte estampido, assim que as ondas de choque o alcançarem. Esse estampido é conhecido como “estrondo sônico”, e sua intensidade depende de vários fatores, tais como as dimensões do avião, a forma do avião, a velocidade do voo e a altitude. Tal fenômeno pode, em certas circunstâncias, ser forte o suficiente para produzir efeitos no solo, como danificar vidros e provocar rachaduras em determinados materiais. Assim, essas possibilidades limitam a operação de voos em velocidades supersônicas sobre os continentes. Em aerodinâmica, a “barreira do som” é a aparente barreira física que dificulta grandes objetos de atingirem velocidades supersônicas. A expressão foi criada durante a II Guerra Mundial, quando diversos aviões começaram a se deparar com os efeitos da compressibilidade do ar (e outros efeitos aerodinâmicos não relacionados à compressibilidade), e começou a sair de uso nos anos 1950, quando os aviões passaram a “quebrar” a barreira do som rotineiramente. Você deve se lembrar do Concorde – um avião comercial que operava em velocidades supersônicas (Mach 2.02) sobre o mar. O avião acelerava e atingia https://pt.wikipedia.org/wiki/Aerodin%C3%A2mica https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%ADsica https://pt.wikipedia.org/wiki/Velocidade_supers%C3%B3nica https://pt.wikipedia.org/wiki/II_Guerra_Mundial https://pt.wikipedia.org/wiki/II_Guerra_Mundial https://pt.wikipedia.org/wiki/Avi%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Compressibilidade https://pt.wikipedia.org/wiki/Ar https://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9cada_de_1950 https://pt.wikipedia.org/wiki/Concorde https://pt.wikipedia.org/wiki/Mar 22 Capítulo 1 velocidades supersônicas somente após deixar o continente e alcançar altitudes elevadas, minimizando os efeitos do estrondo sônico. Bom, já sabemos que quando um avião se aproxima da velocidade do som, o ar passa a fluir de uma maneira diferente ao redor de suas superfícies e se comporta como um fluido compressível. Além de uma série de mudanças na forma como a força de sustentação é gerada, essa mudança também produz um incremento elevado no arrasto, conhecido como onda de arrasto. Inicialmente, a onda de arrasto não era devidamente compreendida. Acreditava-se que ela crescesse exponencialmente, o que efetivamente ocorre dentro de uma pequena faixa de velocidades. Com a força limitada que os tradicionais motores à explosão eram capazes de gerar (e ainda o são), os aviões não podiam superar este rápido aumento no arrasto. Ou seja, grandes incrementos de potência produziam pequenos incrementos de velocidade. Acreditava-se, então, que seria necessária uma quantidade infinita de força para se alcançar velocidades supersônicas, sendo este um dos prováveis motivos para o termo “barreira do som”. Com a criação das asas com formato em “V” (também denominadas “asas enflechadas”), que reduzem o arrasto, junto à adoção dos motores a jato capazes de produzir a potência necessária, nos anos 1950 diversas aeronaves já eram capazes de realizar voos supersônicos com relativa facilidade. Mais adiante, veremos em detalhes a questão das asas com enflechamento e outras soluções propostas pelos engenheiros aeronáuticos, para reduzir os efeitos negativos da compressibilidade do ar e das consequentes ondas de choque provocadas a partir dos voos transônicos. Você sabia que Chuck Yeager (então um major da Força Aérea dos Estados Unidos), é reconhecido como a primeira pessoa a quebrar a barreira do som? Isso ocorreu em um voo horizontal, em 14 de outubro de 1947, pilotando um Bell X-1 experimental, ocasião em que alcançou Mach 1 a uma altitude de 15000m (cerca de 45000 pés). (YEAGER, 2017). Mas, afinal de contas, em relação à velocidade de deslocamento de uma aeronave, como podem ser classificados esses voos? Em geral, os regimes de voo são definidos em quatro categorias básicas, segundo a velocidade empregada por uma aeronave, em comparação à velocidade do som. Esses são: os voos subsônicos, os voos transônicos, os supersônicos e os hipersônicos. Não abordaremos em maior profundidade os conceitos aerodinâmicos dos voos supersônicos e hipersônicos, haja vista que tais deslocamentos usualmenterestringem-se às aeronaves militares ou aplicam-se à aerodinâmica dos voos de foguetes. https://pt.wikipedia.org/wiki/Velocidade_do_som https://pt.wikipedia.org/wiki/Arrasto https://pt.wikipedia.org/wiki/Pot%C3%AAncia https://pt.wikipedia.org/wiki/Velocidade https://pt.wikipedia.org/wiki/Motor_a_jato https://pt.wikipedia.org/wiki/Anos_1950 https://pt.wikipedia.org/wiki/Chuck_Yeager https://pt.wikipedia.org/wiki/Major https://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7a_A%C3%A9rea_dos_Estados_Unidos https://pt.wikipedia.org/wiki/1947 https://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%BAmero_de_Mach https://pt.wikipedia.org/wiki/Altitude 23 Teoria de Voo de Alta Velocidade Cargueiros e aeronaves de passageiros modernas cruzam os céus em regimes de voo subsônicos ou normalmente transônicos, motivo pelo qual daremos especial atenção a esse último regime. Bem, mas quais velocidades caracterizam cada um desses regimes de voo? Quais parâmetros os definem? Já sabemos que, mesmo voando em velocidades abaixo das do som, uma aeronave poderá registrar fluxos de ar acima da velocidade do som, em alguma região de sua asa. Vimos que a velocidade de deslocamento da aeronave, nessa condição, é denominada de Mach Crítico (no momento em que é registrado o primeiro escoamento supersônico na aeronave e, consequentemente, o surgimento da primeira onda de choque). Assim, até o limite de Mach Crítico (e cada aeronave possui o seu), convenciona- se chamar o voo de “Subsônico”, pois ao longo de toda a estrutura da aeronave o fluxo de ar desloca-se abaixo da velocidade do som. Esse regime é geralmente caracterizado por velocidades de deslocamento inferiores a Mach 0,75. Figura 1.9 – Distribuição / Variação de velocidades de escoamento ao longo do extradorso de um aerofólio Fonte: Saintive (2009). À medida que a aeronave acelera e ultrapassa o Mach Crítico, passam a coexistir fluxos de ar abaixo da velocidade do som e, em algumas regiões da aeronave, fluxos acima da velocidade do som, o que caracteriza o regime de voo “Transônico”. Então, perceba que o Mach Crítico é considerado como a fronteira entre o voo subsônico e o voo transônico, e os problemas advindos da compressibilidade do ar sobre a aeronave só ocorrem acima desse limite de velocidade. Esse regime é geralmente caracterizado por velocidades de deslocamento superiores a Mach 0,75 e inferiores a Mach 1,2. 24 Capítulo 1 No regime transônico, a passagem do fluxo subsônico para o supersônico é suave, porém, a transição do fluxo supersônico para o subsônico é sempre acompanhada por uma onda de choque. Figura 1.10 – Escoamentos subsônico e transônico Fonte: USA (2016). Figura 1.11 – Locais de ocorrência de Ondas de Choque – Embraer 135/145 Fonte: EMBRAER (2001). Se a aeronave continuar a acelerar, chegará um momento em que não haverá mais nenhuma região da mesma sujeita a escoamentos de ar subsônicos, mas somente fluxos acima da velocidade do som. Isso caracteriza o ingresso no regime de voo denominado “Supersônico” e, em seguida, o “Hipersônico”. Tais regimes são usualmente definidos por velocidades de deslocamento superiores a Mach 1,2 e inferiores a Mach 5 (Supersônico), e superiores a Mach 5 (Hipersônico). 25 Teoria de Voo de Alta Velocidade Na verdade, mesmo voando em regime supersônico/hipersônico, uma região do fluxo de ar sobre a aeronave ainda permanece com velocidades abaixo das do som, devido à viscosidade do ar. Essa região é a camada limite (região onde ocorre a desaceleração dos filetes de ar na superfície de um aerofólio), conceito abordado anteriormente de forma breve. Os limites de velocidade descritos acima, e que caracterizam cada regime de voo, são aproximados e dependerão das características físicas de cada aeronave e de seus aerofólios. Assim, poderemos ter uma determinada aeronave atingindo Mach Crítico voando a M 0,73 e, uma outra aeronave distinta, a M 0,77. Nesse caso, voando a M 0,74, a primeira aeronave já terá ingressado em regime transônico, enquanto a segunda ainda estará se deslocando em regime subsônico (consequentemente, sem a presença de ondas de choque e de seus efeitos indesejáveis). Os fabricantes das aeronaves, valendo-se de artifícios da engenharia aeronáutica, projetam-nas de modo a retardar ao máximo o aparecimento de tais ondas de choque, aumentando o valor do Mach Crítico. Antes de detalhar um pouco mais os voos transônicos, vejamos alguns conceitos sobre os limites superiores de velocidade das aeronaves modernas. As típicas aeronaves movidas por motores a pistão usualmente lidam com dois tipos de limites de velocidade máxima, a saber: • VNO : é a velocidade máxima para o regime de cruzeiro, representada no velocímetro da aeronave pelo limite superior do “arco verde”. É possível exceder essa velocidade, em determinadas condições e situações específicas; • VNE : é dita a velocidade a não ser excedida, representada pelo “arco vermelho” no velocímetro da aeronave. Bem, de uma maneira geral, tais limites não representam uma grande preocupação para os pilotos desses tipos de avião, em termos de regime de voo de cruzeiro ou mesmo de descida, pois as aeronaves movidas a motores a pistão geralmente apresentam grande arrasto, e seus limitados propulsores as impedem de acelerar rapidamente e de alcançar regimes de velocidade muito grandes, que se enquadrem nos conceitos dos limites definidos acima. Entretanto, nas modernas aeronaves a jato, ou mesmo em alguns tipos de aeronaves impulsionadas por propulsores turboélice, tais velocidades podem facilmente ser ultrapassadas – tanto pelas características de baixo arrasto dessas aeronaves, quanto pela capacidade de seus propulsores em acelerá-las 26 Capítulo 1 rapidamente. Somado a isso, lembre-se de que tais aviões operam em grandes altitudes, onde a barreira da velocidade do som impõe restrições aerodinâmicas diversas, como já comentado anteriormente em relação à compressibilidade do ar. Para tais tipos de aeronave surgem dois conceitos distintos de velocidade – um representado em nós, para velocidades indicadas no velocímetro, e outro representado em Número Mach (igualmente apresentada no velocímetro). Assim, observamos dois conceitos distintos de limite superior de velocidade de operação, para aeronaves de alta performance: • VMO : é a velocidade máxima de operação da aeronave, em termos de velocidade indicada; • MMO : é a velocidade máxima de operação da aeronave, usualmente medida em décimos da velocidade do som (décimos de número Mach). À medida que a aeronave ganha altitude e acelera, a velocidade indicada cai (por conta da redução da densidade do ar), mas também observamos uma redução na velocidade do som (devido à queda na temperatura do ar). Assim, prosseguindo em subida na atmosfera, existe um momento em que a aeronave dificilmente terá condições de extrapolar o seu limite de velocidade VMO, mas por conta da redução da velocidade do som, poderá sim avançar e ultrapassar facilmente o seu limite de velocidade MMO, e alterar significativamente a sua controlabilidade. Como já comentado, em tais tipos de aeronave os projetistas concentram-se em aumentar ao máximo a velocidade de Mach Crítico – para retardar o aparecimento dos efeitos negativos das ondas de choque, que começam a surgir após esse limite. Via de regra, essas mesmas aeronaves são projetadas para operar com segurança em velocidades acima do Mach Crítico, o que nos permite afirmar que a sua MMO > MCritico. Agora que você já é capaz de distinguir os regimes de voo, em função da velocidade que uma aeronave emprega, trataremos de forma mais detalhada as características dos voos transônicos, em termos aerodinâmicos, haja vista que a maioria das aeronaves comerciais e cargueiras operam nesse regime de voo. Veremos um pouco mais sobre a formação das ondas de choque, e seus efeitos sobre uma aeronave. 27 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.12 – Formação de Ondas de Choque Fonte: Saintive (2009). Na figuraacima, uma aeronave desloca-se na velocidade de M 0.89. Os filetes de ar que atingem o bordo de ataque da asa, e correm pelo seu extradorso acima da camada limite, aceleram até atingir a velocidade do som. Após, observa-se uma redução na velocidade dos filetes, à medida que o perfil da asa se torna mais fino e menos inclinado em relação ao eixo de deslocamento da aeronave. Ao final do escoamento, ao livrar o bordo de fuga da asa, os filetes de ar devem possuir a mesma velocidade original, ou seja, a velocidade da aeronave. Lembre-se de que todas as ondas de pressão geradas nesse aerofólio se deslocam para todos os lados, com a velocidade do som. Assim, perceba que a partir do bordo de fuga da asa, as ondas de pressão geradas naquele local também avançam sobre o extradorso da asa, em direção ao bordo de ataque. Entretanto, como as ondas de pressão geradas logo à frente do bordo de fuga também viajam na velocidade do som, mas a velocidade dos filetes naquele local é maior do que no bordo de fuga, algumas ondas de pressão se encontram e “viajam” em direção ao bordo de ataque numa velocidade relativa de M 1.0 – M 0.90 ( e posteriormente M 1.0 – M 0.95), até que todas as ondas oriundas da região traseira da asa (com escoamento subsônico), encontram-se na região onde o escoamento é supersônico, e por lá permanecem estagnadas (pois naquele local estarão viajando à velocidade do som, mas em uma região que igualmente está na mesma velocidade – ou seja, a velocidade das ondas de pressão, que sobem em direção ao bordo de ataque da asa, é igual à velocidade daquelas que descem em direção ao bordo de fuga). Uma analogia similar que podemos fazer é a de uma pessoa que tenta subir uma escada rolante que desce. Apesar de se movimentar, a pessoa não se desloca, pois caminha na mesma velocidade que a escada, porém, em sentido contrário. 28 Capítulo 1 Assim, todas as ondas de pressão (impulsos de pressão) geradas na região subsônica da asa, bem como aquelas geradas na região de deslocamento supersônico, encontram-se em um determinado ponto e se acumulam. Por conta da compressibilidade do ar, esse fenômeno gera uma onda de choque normal (perpendicular ao deslocamento do ar), ocasionando a elevação da densidade do ar, de sua pressão e temperatura. Se a aeronave continuar a acelerar e ultrapassar Mach 1, as partículas de ar devem se ajustar instantaneamente à forma da asa e da fuselagem e, como já comentado, produzindo uma nova onda de choque à frente do avião, denominada “Onda de Proa”. Mas, afinal, quais são as principais características de uma Onda de Choque Normal? Tais ondas são observadas nos regimes de escoamento transônico (relembrando – regime no qual coexistem filetes de ar voando abaixo e acima da velocidade do som, no objeto em deslocamento), e se diferem daquelas geradas nos regimes supersônicos (ou hipersônicos). Primeiramente, é importante observar que tais ondas de choque ocorrem somente na passagem do escoamento supersônico para o escoamento subsônico, ou seja, no momento em que o fluxo de ar que atingiu velocidades supersônicas inicia a sua desaceleração, para que possa ao fim do seu percurso apresentar a mesma velocidade do objeto que está em movimento. Normalmente, o primeiro local de um aerofólio a registrar o aparecimento de uma Onda de Choque Normal, quando é ultrapassado o Mach Crítico (ou seja, em um escoamento transônico) é a porção mais espessa do aerofólio, onde ocorre a maior distância para a Corda Média Aerodinâmica (local onde o ar é mais acelerado). Abordaremos mais adiante os diferentes tipos de perfis de aerofólios, usualmente empregados em aeronaves que voam em regime transônico, que tendem a “atrasar” a formação de Ondas de Choque. Outras características de uma Onda de Choque Normal são: • Em seu interior ocorre compressão do ar, tornando-o mais denso, com pressão e temperatura mais elevada. Na região da onda de choque, a velocidade do fluxo de ar, em termos reais e comparativamente ao número Mach, é reduzida (com o aumento da temperatura, a velocidade do som aumenta). Ainda, as pressões elevadas que surgem no interior da onda dificultam o avanço da Camada Limite, por sobre a superfície; • A velocidade dos filetes de ar, logo após a onda de choque normal, é aproximadamente o inverso da velocidade dos filetes localizados 29 Teoria de Voo de Alta Velocidade anteriormente à onda. Assim, se na região supersônica que antecede à onda de choque o ar se deslocava a M 1.2, esse será desacelerado para em torno de M 0.83 após a onda de choque; • A direção dos filetes de ar não se modifica, à medida em que passa pela Onda de Choque Normal; • Ocorre uma significativa perda de energia dos filetes de ar, originada pela redução do somatório das pressões estática e dinâmica. Como apontado acima, a Onda de Choque Normal dificulta o avanço da Camada Limite sobre a superfície do aerofólio, e da camada de ar que deveria estar se deslocando de forma laminar acima da Camada Limite. Dependendo da intensidade da onda de choque, o ar que se encontra na região da Camada Limite poderá ter a velocidade sobre o seu extradorso do aerofólio tão reduzida, que as partículas que se deslocam atrás desse local, em direção ao bordo de fuga, serão forçadas a se separarem da superfície, desestabilizando e causando desordem no fluxo de ar. Lembre-se de que a Camada Limite pode apresentar um fluxo laminar ou turbulento. As ondas de choque perturbam o fluxo laminar, tornando-o turbulento, prejudicando em muito a geração de sustentação, o que pode levar ao “estol” da região. Esse estol – acentuada perda de sustentação, é geralmente associado nas aeronaves de baixa performance a circunstâncias de voos em regimes de velocidade baixa, próximos ao mínimo da aeronave para um determinado peso e ângulo de ataque. Diferentemente, o estol a que nos referimos agora, fruto do turbilhonamento do ar causado por uma Onda de Choque Normal, é denominado “estol de alta velocidade”, também conhecido como “estol de compressibilidade”, “estol de choque ou estol de Mach”. Surge, então, o conceito de “Separação ou Descolamento da Camada Limite”, que produz grande aumento no arrasto e significativa redução na capacidade de um aerofólio de gerar sustentação. Logicamente, essa é uma das grandes preocupações dos projetistas de aeronaves. Figura 1.13 – Ocorrência de separação da Camada Limite Fonte: Homa (2011). 30 Capítulo 1 Na verdade, o “estol de alta velocidade” pode também estar associado a outros fatores, como súbita aplicação de elevada Carga “G” sobre a aeronave, ou operação (em baixa ou alta velocidade) com elevados AOA (ângulo de ataque do aerofólio). Independente da causa, o efeito será similar, e poderá ser identificado por um piloto pela ocorrência de “buffet”, proveniente da perda parcial de sustentação gerada pelo aerofólio. Buffet é o termo na língua inglesa, designado para caracterizar as vibrações causadas por efeitos aerodinâmicos, normalmente associados com o descolamento ou turbulência do escoamento de ar em um aerofólio. À medida em que se aproxima de uma situação de estol, os filetes de ar sobre as asas tornam-se cada vez mais turbulentos, afetando a sustentação e até mesmo o deslocamento de ar sobre outras estruturas da aeronave, como o estabilizador horizontal, o que gera esse tipo de vibração. Nesta seção, compreendemos os principais conceitos que caracterizam o regime de voo transônico, e abordamos alguns aspectos sobre os efeitos da compressibilidade do ar sobre um aerofólio, culminando com o aparecimento de Ondas de Choque Normais. No início do Capítulo, comentamos sobre alguns fenômenos que eram observados, e que afetavam as aeronaves que alcançavam altitudes e velocidades cada vez maiores, na primeira metade do século passado. Agora, já sabemos que as modernas aeronaves operam em regimes de velocidade que causam as chamadas Ondas de Choque Normais, e você já pode desconfiar que muitosdos fenômenos perigosos, enfrentados na aviação num passado recente, estejam associados ao aparecimento de tais ondas. A seguir, trataremos dos efeitos das Ondas de Choque Normais sobre a aerodinâmica de uma aeronave e, em seguida, abordaremos quais as ferramentas e artifícios utilizados pelos projetistas de aviões, para minimizar as consequências da compressibilidade do ar sobre eles. Seção 4 Efeitos das Ondas de Choque Normais nos voos Transônicos Conforme comentamos, os modernos aviões cargueiros e de transporte de passageiros são projetados para operar em velocidades acima do Mach Crítico, até o limite operacional denominado MMO. Entretanto, também sabemos que a partir do Mach Crítico começam a surgir as Ondas de Choque Normais, e com elas os efeitos de compressibilidade do ar. 31 Teoria de Voo de Alta Velocidade À medida em que uma aeronave acelera acima do Mach Crítico, tais efeitos de compressibilidade tornam-se cada vez mais perceptíveis e aumentam substancialmente a produção de arrasto, e afetam a capacidade dos aerofólios em gerar a sustentação necessária, até mesmo para manter uma aeronave em voo nivelado. Haverá um momento, então, em que tais efeitos serão tão intensos que tornarão o voo inviável em determinada altitude. A seguir, abordaremos alguns dos principais fenômenos que devem ser esperados que ocorram, sempre que uma aeronave ultrapasse o Número de Mach Crítico. 4.1 Alteração do Centro de Pressão Você já sabe que uma aeronave em voo nivelado se encontra em uma situação de equilíbrio de forças. Tal equilíbrio depende do posicionamento das resultantes de cada uma delas, como o Centro de Gravidade – CG do avião (local da resultante das forças do seu peso) e o Centro de Pressão – CP das asas (local da resultante das forças de sustentação). Esse último localiza-se atrás do CG, em direção ao bordo de fuga, e é geralmente medido em função da Corda Média Aerodinâmica (CMA) da asa. Uma vez que o CP das asas está atrás do CG, a força resultante do estabilizador horizontal de uma aeronave deve ser negativa (ou seja, no mesmo sentido que a força resultante do peso total do avião), para se contrapor ao desequilíbrio do momento gerado pelo braço (pela distância) entre o CG e o CP das asas. À medida em que uma aeronave ultrapassa o Mach Crítico, as primeiras Ondas de Choque Normais surgem da transição do fluxo supersônico para o fluxo subsônico de ar, isso causa a movimentação do Centro de Pressão em direção ao bordo de fuga do aerofólio. Ora, com a movimentação do Centro de Pressão das asas para trás, esse se afasta ainda mais do CG, e o piloto sentirá o nariz do avião cada vez mais pesado, com uma gradativa tendência de “picada”. Nessa situação, para manter o equilíbrio, o estabilizador horizontal terá que gerar mais força para baixo. 32 Capítulo 1 Figura 1.14 – Ocorrência de “Tuck Under” – Relação entre “força no manche” e Número Mach Fonte: USA (2016). No exemplo da figura acima, que retrata uma determinada aeronave comercial a jato, perceba que a partir de M 0.70 a força que o piloto (ou o sistema de atuação mecânica/hidráulica da aeronave) deve exercer no manche, para manter um voo nivelado, aumenta substancialmente. Esse é um dos fatores limitantes para os projetistas aumentarem o MMO (Mach Máximo Operacional) de uma aeronave. Quanto maior a velocidade, haverá um momento em que não será possível gerar tanta sustentação no estabilizador horizontal, mesmo para manter o voo nivelado, ou então a força necessária para atuar o estabilizador poderá atingir valores suficientemente elevados, que impossibilitem a sua operação. Essa tendência de picar é conhecida no meio aeronáutico pelo termo “Tuck Under”, e a resposta do piloto para contrapor-se a esse efeito deve ser focada prioritariamente na redução do número Mach da velocidade da aeronave, o que pode ser obtido pela diminuição da velocidade de deslocamento (por meio da redução da potência, utilização de spoilers etc.) ou a operação em altitudes mais baixas (onde encontramos, para uma mesma velocidade aerodinâmica, velocidades do som mais altas). (USA, 2016). Você se recorda do que dissemos no início do capítulo, com respeito aos efeitos de picada das aeronaves da década de 1950, que eram reduzidos e subitamente desapareciam ao longo de um mergulho? Pois então, nesses casos, o desaparecimento dos efeitos de “Tuck Under” devia-se ao fato de que a aeronave, em descida acentuada (mergulho), primeiramente alcançava velocidades muito elevadas ainda em grandes altitudes, ultrapassava o Mach Crítico e experimentava a tendência de picar. Entretanto, ainda durante o mergulho, na medida em que o avião atingia menores altitudes, passava a voar com Número Mach cada vez menor, o que fazia com que as Ondas de Choque perdessem progressivamente a intensidade, até que por fim a velocidade baixava do Mach Crítico e os efeitos de compressibilidade desapareciam por completo. 33 Teoria de Voo de Alta Velocidade Resumindo, para contrapor-se aos efeitos de picada, será necessário reduzir a ocorrência e a intensidade das Ondas de Choque Normais, que se manifestam de maneira mais agressiva quando a velocidade do voo se aproxima do MMO, deslocando o CP. Relembrando um conceito visto anteriormente, observe nas figuras a seguir que os filetes de ar, à medida que abandonam o bordo de fuga da asa, tendem a retornar à direção do fluxo original (ou seja, são direcionados para baixo), em um fenômeno definido como “Downwash”. Outra consequência das Ondas de Choque nas asas é a redução no ângulo de “Downwash”. Tal redução tem impacto negativo na recuperação do “Tuck Under”, uma vez que o fluxo de ar passa a atingir diretamente o extradorso do estabilizador horizontal, com ângulos negativos, reduzindo a geração de sustentação naquele aerofólio. Ainda, o ar turbilhonado do bordo de fuga da asa (originado pelas Ondas de Choque) também tem influência negativa naquele estabilizador, reduzindo a sua efetividade. Essa é a razão para a existência de aeronaves, que voam em elevadas velocidades, serem dotadas de estabilizadores horizontais localizados em caudas denominadas em formato “T”. A ideia é afastar o aerofólio da zona de turbilhonamento do ar causada pelas Ondas de Choque nas asas. Para tal, os projetistas posicionam o estabilizador horizontal acima do estabilizador vertical. Figura 1.15 – Exemplos de Aeronaves com cauda em “T” Fonte: Cunha (2019). 34 Capítulo 1 Fonte: Cauda em T (2019). Figura 1.16 – Influência de Downwash no profundor Fonte: Elaboração do autor (2019). Figura 1.17 – Fluxo Subsônico e Transônico – redução de “Downwash” Fonte: Saintive (2009). 35 Teoria de Voo de Alta Velocidade O fenômeno “Tuck Under” se manifesta de forma progressiva, e pode ser facilmente identificado por uma tripulação bem treinada, uma vez que é precedido ou acompanhado de “buffet”, também de intensidade progressiva. Entretanto, é necessário ter em mente que as medidas corretivas devem ser adotadas o quanto antes, sob pena de agravar a situação ao ponto em que a aeronave poderá ingressar em um mergulho descontrolado, excedendo limites estruturais aerodinâmicos. 4.2 Aumento do arrasto Ocorre com a elevação do Número de Mach empregado por uma aeronave. A resultante da sustentação, na zona de aceleração do ar para o fluxo supersônico (logo antes da formação da Onda de Choque Normal), causa turbulência, espessamento e até o descolamento da Camada Limite presente na região posterior à Onda de Choque. Esses efeitos produzem uma força de arrasto extra, não previamente existente no voo subsônico, denominada Arrasto de Onda ou de Compressibilidade. O aumento desse novo arrasto é lento, na medida em que a aeronave ultrapassa o Mach Crítico e as Ondas de Choque se tornam mais severas. Porém, ao se aproximar do MMO, esses efeitos podem se tornar muito significativos, devido ao elevado percentual de descolamento dos filetes da Camada Limite. A partir de umadeterminada velocidade denominada Mach de Divergência de Arrasto (Drag Divergence Mach Number), o coeficiente desse novo tipo de arrasto se torna muito elevado. Voar próximo a tal velocidade implica, para manter a velocidade anterior e contrapor-se ao arrasto total, em aplicar incrementos cada vez maiores de potência, isso se traduz em grande aumento no consumo de combustível (SAINTIVE, 2009). 4.3 Vibrações Conforme já comentado anteriormente, o turbilhonamento dos filetes da Camada Limite, e o seu posterior descolamento gerado pelas Ondas de Choque, causam vibrações em diversas partes da aeronave, como nas asas, cone de cauda e até na própria fuselagem. 4.4 Redução da eficiência dos comandos de voo Esse era outro fenômeno que se manifestava nos primeiros aviões que se aproximavam cada vez mais da velocidade do som, e suas causas não eram compreendidas. Os comandos de voo (que permitem à aeronave mudar de direção em todos os eixos) tornavam-se muito pesados, pouco eficientes ou até inoperantes. Hoje, os engenheiros aeronáuticos sabem que o surgimento de tais anomalias também está associado ao aparecimento das Ondas de Choque, em voos realizados acima do Mach Crítico. 36 Capítulo 1 Os impulsos de pressão produzidos pelos comandos de voo se acumulam na Onda de Choque. Ainda, o ar que acaba passando por alguns desses comandos é justamente aquele que perdeu energia, na região de espessamento ou de descolamento da Camada Limite. Por fim, como já vimos anteriormente, o deslocamento do CP para trás faz com que a força necessária para movimentar os comandos aumente. Esses três fenômenos influenciam negativamente o rendimento dos comandos de voo. 4.5 RollOff É quando o rolamento da aeronave ocorre para o lado oposto ao que foi comandado pelos pedais (leme de direção). Voando próximo ao MMO, a guinada de uma aeronave pode provocar o estol de choque na asa externa à guinada, ocasionando um rolamento no sentido oposto. Em velocidades mais baixas, ao comandar o leme para um dos lados, naturalmente ocorrerá um rolamento da aeronave para o mesmo lado, pois a aplicação dos pedais ocasiona o avanço da asa oposta, no sentido da guinada. Ao avançar, aquela asa ganha sustentação e sobe, provocando o giro da aeronave para o lado correto. Entretanto, em velocidades próximas ao MMO, o comandamento do leme pode ocasionar um giro de asa para o sentido oposto. Ao ser flexionado para um lado, o leme provoca o avanço da asa oposta (da mesma forma que descrito no primeiro caso), mas como a aeronave já se encontra próxima ao Número Mach limite operacional, o avanço da asa oposta também causará a sua aceleração, e tal asa poderá ter os efeitos adversos das Ondas de Choque significativamente aumentados, o que provocará arrasto nela e a consequente perda de sustentação. Ou seja, ao invés de asa subir, ela descerá, provocando uma rolagem no sentido oposto ao que foi comandado pelo leme de direção. Assim, ao voar em grandes altitudes, com velocidades próximas ao MMO, é recomendado que as curvas sejam feitas sempre de forma suave com o uso dos ailerons, evitando-se a aplicação do leme direcional. 4.6 Estol de Mach Você deve se lembrar de que o estol nada mais é do que o resultado da incapacidade de um aerofólio em gerar a sustentação necessária, para manter um avião em voo nivelado. Primeiramente, recordemos de forma rápida como ocorre o estol em um aerofólio, em voos subsônicos. Basicamente, como consequência do aumento no ângulo de ataque (AOA) de um aerofólio, em relação à direção de seu deslocamento, a viscosidade do ar reduz progressivamente a energia dos filetes da Camada Limite, causando o seu descolamento antes do bordo de fuga (SAINTIVE, 2009). 37 Teoria de Voo de Alta Velocidade O ângulo de ataque tem influência na sustentação do aerofólio. Inicialmente, quanto maior o AOA, maior a sustentação, mas esse incremento tem um limite. Em certo ponto, o escoamento no extradorso da asa deixa de ser laminar e torna- se turbulento. Você já sabe que o descolamento da Camada Limite aumenta o arrasto e reduz a capacidade de produção de sustentação do aerofólio. As condições para a manutenção da diferença de pressão estática deixam de existir, e a sustentação é perdida quase que instantaneamente. (ABREU; PIRES, 2016) Assim, o estol ocorre sempre que um aerofólio alcança e supera o seu “Ângulo de Ataque Crítico”, independente da velocidade da aeronave. Nas modernas aeronaves, com o velocímetro existe a indicação de proximidade desse ângulo, o que permite ao piloto evitá-lo. Também, sistemas automatizados como o “Stick Shaker” alertam o piloto da iminência da condição do estol, “sacudindo” a coluna do manche e gerando avisos sonoros específicos. Ainda, algumas aeronaves de asas fixas contam com um dispositivo hidráulico ou eletromecânico denominado “Stick Pusher”, cuja função é a de impedir que a aeronave entre em uma situação de estol. Tais aeronaves, muitas vezes, apresentam difíceis características de controlabilidade pós estol, o que pode tornar a ocorrência deste efeito muito perigosa. Assim, o “Stick Pusher” empurra o sistema de controle do profundor, sempre que o ângulo de ataque da aeronave atingir um valor predeterminado para aquela condição de voo, e então cessa quando o ângulo de ataque cai o suficiente. Normalmente, as aeronaves que possuem “Stick Pusher” também contam com o “Stick Shaker” instalado. O estol tipificado acima é observado nos regimes subsônicos (onde não há escoamento supersônico no aerofólio), e também pode ocorrer no regime transônico, pois é uma decorrência da elevação do ângulo de ataque (uma aeronave voando em regime subsônico, em mergulho, mesmo que esteja empregando uma alta velocidade, poderá presenciar o estol se o piloto puxar repentinamente o manche, alcançando o Ângulo de Ataque Crítico). Entretanto, no regime transônico, um outro tipo de estol também pode ocorrer, resultando nos mesmos efeitos que o primeiro, mas originado por motivo distinto. No regime transônico, as Ondas de Choque muito intensas produzem o descolamento dos filetes da Camada Limite, semelhante ao estol subsônico, sendo, dessa maneira, denominado de “Estol de compressibilidade, Estol de choque ou Estol de Mach”, ou ainda “Estol de Alta Velocidade”. O estol de Mach é menos crítico que o estol subsônico, uma vez que não impacta tão intensamente no coeficiente de sustentação. 38 Capítulo 1 O AOA da asa tem o maior efeito na indução do buffet de Mach, tanto na alta quanto nos limites de baixa velocidade do avião. As condições do aumento do AOA e, consequentemente, da elevação da velocidade do fluxo de ar sobre a asa e as chances de ocorrência de buffet de Mach são: • Operação em altitudes elevadas – quanto mais alto o avião voa, mais fino o ar e maior o AOA necessário para produzir a sustentação necessária para manter o voo nivelado; • Operação com a aeronave muito pesada – mantidos os demais fatores constantes, quanto maior o peso do avião, maior será a demanda por sustentação a ser gerada pelas asas e, consequentemente, maior o AOA para tal; • Carga “G” – um aumento na carga “G” resulta na mesma situação que aumentar o peso do avião. Não faz diferença se o aumento nas forças “G” é causado por uma curva, uso inadequado dos controles de voo ou por turbulência. O efeito de aumentar o AOA da asa é o mesmo. (USA, 2016). Assim, perceba que uma aeronave capaz de voar em regime transônico pode experimentar as típicas vibrações que indicam a proximidade do estol (buffet), tanto em baixa quanto em altas velocidades. Segundo Saintive (2009), nas baixas velocidades, para contrapor-se ao estol o piloto deve reduzir o ângulo de ataque e aumentar a velocidade da aeronave. Nas altas velocidades, ao pressentir sinais de estol (caso o ângulo de ataque não se encontre elevado), o piloto deverá reduzir a velocidade da aeronave (e, consequentemente, reduzir os efeitos das Ondas de Choque). Você deve se recordar das chamadas“caudas em T”, que abordamos anteriormente. Entretanto, uma vez que estamos comentando a questão do estol nos aviões, seja em baixa ou alta velocidade, é oportuno que você conheça “o outro lado da moeda”, quando empregamos uma aeronave com “cauda em T”. Nessas aeronaves, o estabilizador horizontal foi propositadamente colocado acima do estabilizador vertical, para livrá-lo dos efeitos do turbilhonamento do ar das asas, causado pelas ondas de choque. Porém, em uma situação de estol, o ângulo de ataque é tão alto que o fenômeno se inverte. Ao afundar em uma situação de estol, o ar proveniente das asas, completamente desestruturado e turbilhonado, agora incide diretamente sobre a “cauda em T”, tornando praticamente impossível o comandamento do profundor. Tal fenômeno é chamado por alguns autores de “deep stall” (estol profundo), e é extremamente perigoso para uma aeronave. Essa situação é exemplificada na figura a seguir. 39 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.18 – Deep Stall em aeronaves com Cauda em “T” Fonte: Homa (2010). Fonte: Maaz (2016). Bom, já sabemos que a velocidade indicada de um avião diminui em relação à velocidade verdadeira, quando a altitude aumenta. Como a velocidade indicada diminui com a altitude (para um mesmo peso e potência empregada), ela ingressa progressivamente na faixa limite de buffet de baixa velocidade, onde ocorre o buffet pré-estol para o avião em um fator de carga de 1,0 G (ou seja, em voo nivelado). Por outro lado, na medida em que aumenta a altitude (e consequentemente diminui a velocidade do som), maiores são as chances de uma aeronave ultrapassar o seu MMO, experimentar buffet de alta velocidade e também estolar. 40 Capítulo 1 Assim, tais velocidades irão se igualar em uma determinada altitude, o que se caracteriza pela altitude absoluta ou teto aerodinâmico do avião, para um determinado peso (USA, 2016). Nessa altitude, se o avião reduzir a velocidade indicada irá exceder o AOA crítico e estolar. Na mesma altitude, se o avião voar mais rápido irá ultrapassar o MMO, potencialmente levando ao buffet de alta velocidade. Essa área crítica do envelope de voo do avião é conhecida como Coffin Corner (Esquina do Caixão). Ao voar nessa região do envelope, a aeronave deve evitar curvas e turbulência (ou seja, qualquer carga “G”). Ao manter o voo nivelado, após um determinado tempo, o peso da aeronave se reduzirá (por conta do consumo de combustível), e ela paulatinamente irá se afastar da zona de risco, afastando-se do Coffin Corner. Seção 5 Medidas para minimizar os efeitos de compressibilidade do ar Agora você já sabe que o ar é compressível, e que tal característica se manifesta em elevadas velocidades, produzindo efeitos que prejudicam o voo das aeronaves e podem colocá-las em situação de perigo. Sabemos também que as antigas aeronaves eram limitadas em potência, e por isso não experimentavam frequentemente tais efeitos negativos, pois simplesmente não conseguiam acelerar ou subir o suficiente para que eles pudessem ocorrer. Entretanto, nos dias de hoje testemunhamos aeronaves cada vez maiores, cada vez mais pesadas, e que carregam cada vez mais carga, passageiros e combustível, cruzando os oceanos e continentes a velocidades próximas a M 0.90, em altitudes acima de 45.000 Ft. Ora, de tudo o que já aprendemos até aqui, é de se esperar que tais aeronaves estejam voando em regimes aerodinâmicos onde os efeitos de compressibilidade e de viscosidade do ar deveriam lhes causar severas penalidades à manutenção de um voo tranquilo e seguro. E estamos absolutamente certos de pensar assim. Entretanto, ao compararmos as modernas aeronaves àquelas que voavam nas décadas de 1950, 1960 e 1970, presenciamos justamente o contrário. Os aviões modernos voam mais rápido, carregam mais carga ou passageiros, voam mais alto, consomem menos combustível e, ainda assim, são muito mais seguros. Logicamente, muitos fatores contribuíram para tal, como o surgimento de novas tecnologias, a automação e a duplicidade dos sistemas das aeronaves, a existência de materiais mais leves e resistentes (que passaram a compor a 41 Teoria de Voo de Alta Velocidade estrutura dos aviões), entre outros. Entre esses outros fatores, podemos citar aspectos relacionados ao desenho dos novos aviões (muito mais “limpos” e aerodinâmicos) e de seus aerofólios, e do emprego de algumas medidas e dispositivos que “retardam” o aparecimento dos efeitos negativos da compressibilidade e da viscosidade do ar. Nos aviões mais modernos, o arrasto induzido representa entre 25% a 40% do arrasto total, e os arrastos parasita e de compressibilidade somam o total restante (SAINTIVE, 2009). Já aprendemos que os problemas de compressibilidade se tornam significativos somente após o Mach Crítico, e que os arrastos de compressibilidade e parasita também predominam em altas velocidades. Sabemos, também, que o arrasto de compressibilidade cresce vertiginosamente quando se ultrapassa a velocidade de Mach de Divergência de Arrasto. Assim, uma das soluções encontradas pelos projetistas de aeronaves, para minimizar a ocorrência de tais efeitos, foi justamente no sentido de aumentar tais limites – Mach Crítico e Mach de Divergência de Arrasto. Veremos a seguir algumas dessas soluções. É preciso compreender que, como em tudo na vida, a solução para atenuar um problema pode intensificar ou dar margem ao surgimento de outros, o que também vamos discutir superficialmente em alguns casos. a. Desenho das asas O primeiro trabalho sério sobre o desenvolvimento de seções de aerofólios começou no final de 1800. Embora fosse conhecido que placas planas produziriam sustentação quando fixadas em um ângulo de incidência, alguns suspeitavam que as formas com curvatura, que mais se assemelhavam às asas de pássaros, iriam produzir mais sustentação ou fazê-lo de forma mais eficiente. Relembremos na figura abaixo os principais aspectos que caracterizam um aerofólio: Figura 1.19 – Características e nomenclaturas de um aerofólio Fonte: Anderson Jr (2015). De uma maneira geral, há dois tipos gerais de perfis de aerofólio, os Simétricos e os Assimétricos (para estes últimos perfis, existe uma infinidade de variações de desenhos). O perfil Simétrico pode ser dividido por uma linha reta que gera duas metades. Já o perfil Assimétrico, ao ser dividido por uma linha reta, não gera duas partes iguais, como ilustrado abaixo. 42 Capítulo 1 Figura 1.20 – Perfis assimétricos e simétricos de aerofólios Fonte: Anderson Jr (2015). O perfil Simétrico é utilizado onde é necessário que o comportamento do aerofólio seja simétrico, por exemplo, na empenagem (leme e profundor) do avião. O perfil assimétrico ou arqueado produz uma sustentação maior, e o arrasto pode ser diminuído. Esse perfil é muito adequado para a asa. Quando se pretende projetar uma asa que irá operar em regimes de altas velocidades, o primeiro requisito que deve ser satisfeito é o de economicidade nos voos de cruzeiro. Entretanto, uma vez que um avião não opera somente nesse regime do voo, as asas também devem ser capazes de gerar bom rendimento em baixas velocidades, principalmente para as fases de decolagem e de aproximação. Ainda, seu desenho deve levar em conta a possibilidade de solucionar a questão de lidar com diferentes e, por vezes, severas cargas estruturais, e ainda deve ser capaz de carregar grandes quantidades de combustível. Lembre-se de que, para poder ser certificada para operações comerciais, as aeronaves passam por rigorosos testes e devem, nas mais diversas condições, atender a requisitos específicos de segurança e de desempenho. Trataremos de alguns desses requisitos no próximo capítulo, quando falaremos de performance e de fatores limitantes nas fases de decolagem, subida, cruzeiro e pouso. Uma asa com desempenho espetacular para altas velocidades, provavelmente não terá muito bom rendimento nos regimes mais lentos, e vice e versa. Como afirmamos anteriormente,semelhante a outros aspectos da vida, tudo é uma questão de compromisso. Assim, existe um compromisso entre a capacidade de gerar sustentação e a capacidade de gerar o menor arrasto possível, e ainda a capacidade de voar em grandes velocidades, e cada projeto de avião deverá lidar com essas questões, para otimizar o desenho de aerofólio que mais lhe traga resultados favoráveis. (BRISTOW, 2002). Ao escolher um ou outro desenho, os engenheiros ainda poderão dispor de dispositivos extras para melhorar o desempenho das asas em determinadas circunstâncias, como o uso de dispositivos hipersustentadores. 43 Teoria de Voo de Alta Velocidade Em linhas gerais, os requisitos para o desenho de uma asa otimizada, para regimes de grandes velocidades, devem focar nos seguintes aspectos: “enflechamento”, “espessura” e “arqueamento, curvatura ou camber”. Arqueamento, curvatura ou camber, na aeronáutica, designa a linha média entre o topo e o fundo de um aerofólio. Junto com a espessura do perfil, é responsável pela alteração do escoamento ao redor do aerofólio e, por consequência, também responsável pela geração de sustentação em uma asa. (ARQUEAMENTO, 2019). Figura 1.21 – Geometria de um aerofólio – Arqueamento, Curvatura ou Câmber Fonte: Rodrigues (2014). De acordo com Saintive (2009), os aerofólios projetados para as grandes velocidades têm menor curvatura e menor espessura do que os convencionais, usados nas baixas velocidades, o que ocasiona a redução do coeficiente de sustentação máximo e também do volume para armazenar combustível e trens de pouso nas asas. Tais aerofólios também possuem algum grau de enflechamento. Saintive (2009) também esclarece que os primeiros aerofólios estudados com essa finalidade foram chamados de aerofólios laminares (NACA, série 6), e permitiam um suave aumento de velocidade no extradorso da asa. Posteriormente, verificou- se que esses não eram os melhores aerofólios para altas velocidades, porque o escoamento laminar não depende apenas da forma do aerofólio, mas também de outros fatores como o número de Reynolds (como visto anteriormente, uma relação entre as forças de inércia e as forças de viscosidade do ar), da rugosidade da superfície e da turbulência inicial dos filetes de ar. https://pt.wikipedia.org/wiki/Aeron%C3%A1utica https://pt.wikipedia.org/wiki/Aerof%C3%B3lio https://pt.wikipedia.org/wiki/Aerof%C3%B3lio https://pt.wikipedia.org/wiki/Sustenta%C3%A7%C3%A3o_(aerodin%C3%A2mica) 44 Capítulo 1 Os aerofólios NACA são formas aerodinâmicas para asas de aeronaves, desenvolvidas pelo National Advisory Committee for Aeronautics – NACA, nos Estados Unidos (Comitê Nacional Consultivo para Aeronáutica). A forma dos aerofólios NACA é descrita usando uma série de dígitos após a palavra “NACA”. Os parâmetros no código numérico podem ser inseridos em equações, para gerar precisamente a seção transversal do aerofólio e calcular suas propriedades. Por exemplo, o aerofólio NACA 2412 tem uma curvatura máxima de 2% localizada a 40% (0,4 da corda) do bordo de ataque, com uma espessura máxima de 12% da corda. Durante o final da década de 1920 e até a década de 1930, o NACA desenvolveu uma série de aerofólios totalmente testados, e criou uma designação numérica para cada aerofólio – um número de quatro dígitos que representava as propriedades geométricas críticas da seção do aerofólio. Em 1929, o laboratório de Langley (EUA) desenvolveu essa metodologia até o ponto em que o sistema de numeração foi complementado por uma seção transversal de aerofólio, e o catálogo completo de 78 aerofólios apareceu no relatório anual do NACA para 1933. Os engenheiros puderam ver rapidamente as peculiaridades de cada forma de aerofólio e o designador numérico (“NACA 2415”, por exemplo) especificou linhas de inclinação, espessura máxima e características especiais. Essas figuras e formas forneciam informações aos engenheiros, que lhes permitiam selecionar aerofólios específicos para características de desempenho desejadas, específicas para cada aeronave (NACA Airfoils, 2017). Atualmente, os perfis mais promissores são os chamados supercríticos, que apresentam as seguintes diferenças em relação aos convencionais (SAINTIVE, 2009): a. maior raio do bordo de ataque; b. curvatura superior reduzida; c. curvatura em S próximo ao bordo de fuga. Assim, para aumentar o Mach Crítico e o Mach de Divergência de Arrasto, os engenheiros projetam as aeronaves de alta velocidade com aerofólios de perfis laminares ou supercríticos (preferencialmente estes últimos). Os perfis supercríticos foram desenvolvidos em 1974 pela equipe do engenheiro aeroespacial norte-americano Richard Whitcomb. Nesses perfis, a curvatura do extradorso é pouco acentuada, minimizando a aceleração do ar e o aparecimento prematuro de ondas de choque (as ondas de choque, quando aparecem nesses tipos de aerofólios, localizam-se mais próximas ao bordo de fuga e apresentam intensidade menor). 45 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.22 – Aerofólio com Perfil Convencional e Perfil Supercrítico Fonte: Adaptado de Soroka (2014). Vistos os aspectos de curvatura e arqueamento, abordaremos agora outra característica presente nas asas das modernas aeronaves comerciais e de carga, que operam no regime transônico – o enflechamento. Você já sabe que, para aeronaves de alta velocidade, a velocidade máxima do escoamento sobre as asas pode atingir valores iguais ou maiores do que a velocidade do som, mesmo se o avião voar em velocidades subsônicas. Ondas de choque podem se formar quando a velocidade local excede a velocidade local do som. A redução desse efeito é conseguida por meio do enflechamento das asas do avião para trás. Dessa forma, a componente de velocidade do escoamento, perpendicular ao bordo de ataque, é menor do que a velocidade do escoamento livre e, consequentemente, o surgimento de ondas de choque sobre a asa pode ser retardado. Na primeira figura abaixo, perceba que a aeronave se desloca a uma velocidade de 900 Km/h, que corresponde a um determinado Número Mach. Suponhamos que essa velocidade seja o Número Mach crítico para a mesma asa, sem enflechamento. Para a asa enflechada, no entanto, o fluxo que é levado em consideração para a ocorrência dos efeitos de compressibilidade é apenas aquele da porção perpendicular à asa (ou seja, paralelo à Corda Média Aerodinâmica), cuja velocidade (770 Km/h) é inferior à de deslocamento real do aerofólio. 46 Capítulo 1 Figura 1.23 – Vento relativo em uma asa enflechada Fonte: Homa (2010). Fonte: Udris (2014). Figura 1.24 – Descrição do Fluxo Aerodinâmico em uma asa com enflechamento Fonte: Aeroflap (2015). 47 Teoria de Voo de Alta Velocidade Da imagem acima, depreende-se que a componente de velocidade que deve ser levada em consideração, para calcularmos o “novo” Mach Crítico da asa enflechada, poderá ser obtida de forma simplificada assim: “Novo” Mach Crítico da asa enflechada = Velocidade do fluxo do ar ÷ Cos 30o. A título de exemplo, se a velocidade da aeronave for de M 0.75, e considerarmos esse como sendo o Mach Crítico da asa não enflechada, tal valor somente será atingido de forma perpendicular à asa enflechada quando a aeronave atingir M.075 ÷ Cos 30o, ou seja, M 0.92. O cálculo anterior é muito simplificado, pois o escoamento ao redor da asa é tridimensional, e o tratamos na solução matemática como sendo bidimensional. Assim, o “novo” Mach Crítico “real” da asa enflechada estará compreendido entre M 0.75 e M 0.92 (SAINTIVE, 2009). Figura 1.25 – Desenho da aeronave Boeing 747-400, onde se observa o enflechamento de suas asas Fonte: Viana (201?). O emprego de asas enflechadas é sempre um compromisso entre os benefícios gerados, os quais já abordamos anteriormente, e seus principais efeitos negativos como: menor capacidade de gerar sustentação, para incrementos no ângulo de ataque (comparada ao mesmo aumento do ângulo de ataque, em uma asa sem enflechamento); tendênciade passeio dos filetes de ar; tendência de estol na ponta das asas; tendência de Dutch Roll / aumento do “efeito diedro” das asas; tendência de picar (Tuck Under); aumento do arrasto junto à fuselagem e outros. Veremos mais adiante alguns desses efeitos, e as formas encontradas pelos engenheiros para minimizá-los. 48 Capítulo 1 b. Regra da Área (Area Rule) A Regra da Área de Whitcomb, também chamada de Regra da Área transônica, é uma técnica de projeto usada para reduzir o arrasto de uma aeronave em velocidades transônicas e supersônicas, particularmente entre Mach 0,75 e 1,2. De acordo com Saintive (2009), a Regra da Área constata que o menor arrasto nos regimes transônico e supersônico é obtido quando as áreas das sessões retas do avião, ao longo do seu eixo longitudinal, formam uma curva contínua, sem mudanças bruscas ao longo do seu comprimento. Tal abordagem é o resultado de uma série de experimentos liderados pelo Dr. Richard Whitcomb, que foi (até o presente) a abordagem mais intuitiva para um dos problemas desafiadores no campo da aerodinâmica. Você já sabe que, em um voo transônico, quando a velocidade do ar está próxima da faixa transônica, o fluxo de ar local em torno de algumas partes do avião, geralmente na superfície superior das asas, tende a atingir facilmente Mach 1. Tais fluxos supersônicos localizados produzem ondas de choque, que afetam significativamente o desempenho da aeronave, produzindo o rápido aumento de um determinado tipo de arrasto – como você já viu anteriormente, denominado de Arrasto de Onda. A Regra da Área é uma regra muito importante que aborda esse efeito, minimizando quaisquer mudanças rápidas na área da seção transversal longitudinal de uma aeronave, fazendo ajustes apropriados no projeto (KARTHIKEYAN KC, 2016). Whitcomb observou as formações de ondas de choque de vários modelos em túnel de vento, envolvendo formas que incluíam asas e apenas a fuselagem, e a forma recuada como mostrado abaixo. Figura 1.26 – Regra da Área de Whitcomb, redução de volume da fuselagem Fonte: Karthikeyan Kc (2016). 49 Teoria de Voo de Alta Velocidade Whitcomb descobriu, então, que o arrasto era proporcional à descontinuidade na área da seção transversal, ao longo do comprimento do avião. Ele concluiu que a presença da asa adiciona um volume extra nesse ponto e, ao identificar e reduzir o volume da fuselagem, levou a uma distribuição de área mais suave, o que, por sua vez, diminuiria o arrasto de onda. A primeira aplicação da regra de área foi na modificação do Convair F-102 Delta Dagger como F-102A. O F-102 teve um desempenho ruim, devido ao alto arrasto de onda, e não conseguiu um voo supersônico. A aeronave foi então reprojetada como F-102A, reduzindo (recuando) a área da fuselagem na cintura, seguindo a Regra da Área de Whitcomb. O F-102A foi mais tarde capaz de atingir Mach 1.22, com uma redução considerável no arrasto de ondas transônicas. Tal perfil chegou à época a ser apelidado de “garrafa de coca cola”, pela sua semelhança com as garrafas de refrigerante vendidas nas décadas de 1950 e 1960, cujos perfis possuíam “cinturas afinadas”. Figura 1.27 – Imagem de duas versões da aeronave F-102 – a segunda com o emprego da Regra da Área Fonte: Karthikeyan Kc (2016). Aqui está uma plotagem de distribuição de área transversal esquemática, para ambas as variantes da aeronave. 50 Capítulo 1 Figura 1.28 – Esquema de distribuição da área transversal nas aeronaves F-102 e F-102A Fonte: Karthikeyan Kc (2016). Na figura acima, note que o segundo gráfico à direita apresenta uma distribuição mais suave, em relação ao contorno onde a fuselagem é recuada. Assim, recuando a fuselagem (reduzindo o seu volume) na cintura, a área da seção transversal é mantida a mais lisa possível, proporcionando uma área quase uniforme e contínua, de interação suave com o fluxo de ar. No entanto, a Regra da Área de Whitcomb é boa apenas para reduzir o arrasto de onda devido às asas e, de qualquer maneira, não é capaz de livrar o avião de todo o arrasto de onda. Outras formas de governança de área, com configurações como os motores montados na cauda e, componentes aerodinâmicos especificamente posicionados, ainda são implementadas hoje. Um exemplo muito familiar dessa decisão de área pode ser visto no projeto da aeronave Boeing 747 (imagem apresentada anteriormente, quando abordamos o enflechamento das asas). A corcunda na frente da fuselagem daquele avião também é o resultado da aplicação da Regra da Área, para manter uma área transversal simplificada para os voos transônicos. 51 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.29 – Aplicação da Regra da Área em aeronave da Airbus Fonte: Wikipedia (2019). Na imagem acima, repare um outro exemplo. No perfil da fuselagem da aeronave Airbus A380, na região da raiz das asas, também foram aplicados os conceitos da Regra da Área. Figura 1.30 – Aplicação da Regra da Área em aeronave militar F-5 Fonte: Poder Aéreo (2019). Na imagem acima, mais uma aplicação da regra da área. Observe o formato de “cintura” na fuselagem de um caça F-5M da FAB, próximo à raiz de sua asa. 52 Capítulo 1 c. Emprego de Estabilizador Horizontal com incidência variável Quando tratamos da questão do aparecimento de Ondas de Choque no regime transônico, especificamos que tal fenômeno ocorre principalmente nos aerofólios. Bem, é preciso recordar que um avião é composto por mais de um aerofólio. Além das asas, você já sabe que o estabilizador horizontal e o profundor também são aerofólios e, consequentemente, sujeitos aos efeitos de compressibilidade do ar. Basicamente, existem duas classes de estabilizadores horizontais e profundores – os estabilizadores fixos com profundores móveis e os estabilizadores com incidência variável, também com profundores móveis. O uso do estabilizador de incidência variável é geralmente adotado nas aeronaves sujeitas a voos em uma grande faixa de velocidade, geralmente possível pelo uso de asas enflechadas. Se um estabilizador de incidência fixa fosse usado nessas aeronaves, provavelmente não forneceria o nível adequado de autoridade de controle longitudinal, em toda a gama de velocidades e de configurações de Flap. Com a formação de Ondas de Choque nas asas, você se recorda que haverá um deslocamento do CP em direção ao bordo de fuga, alterando o momento e, consequentemente, a força necessária a ser exercida pelo profundor. Quanto maior o deslocamento do CP para trás, maior será a força necessária para manter a aeronave em voo nivelado. Essa força maior é obtida por uma maior deflexão do profundor, o que também acaba provocando maior arrasto no aerofólio. Ao variar sua incidência como um todo, os estabilizadores horizontais com incidência variável acabam gerando menor arrasto, tornando-se mais eficientes. Para lidar com todas as gamas de velocidade, o fabricante da aeronave recomenda uma margem de segurança para posicionamento do estabilizador horizontal com incidência variável, para cada fase do voo e velocidade. Em voo automatizado, a compensação do estabilizador é feita pelo próprio sistema, sem a necessidade de interferência dos pilotos. Figura 1.31 – Esquema do Estabilizador Horizontal da aeronave EMB-145, com incidência variável Fonte: EMBRAER (2001). 53 Teoria de Voo de Alta Velocidade d. Emprego de Geradores de Vórtices (Vortex Generators) Você deve se lembrar da importância da Camada Limite, principalmente para a geração de sustentação em um aerofólio. Dissemos, anteriormente, que os engenheiros devem sempre se preocupar com essa importante fração do fluxo de ar, para que se comporte da forma mais laminar possível, com pouca perda de energia pela viscosidade do ar e pelos efeitos de compressibilidade, esses últimos oriundos das Ondas de Choque. Uma das formas encontrada pelos engenheiros aeronáuticos, para devolver aos filetes de ar energia cinética, é obtida por meio do emprego dos Geradores de Vórtices (Vortex Generators).Esses são dispositivos similares a uma asa de pequeno alongamento, dispostos num local que trará benefícios com os vórtices por eles produzidos. Os Geradores de Vórtices variam em dimensões e combinações, e podem ser montados em várias partes do avião. Figura 1.32 – Ação dos Geradores de Vórtice – retardam o descolamento e reduzem a espessura da Camada Limite Fonte: Saintive (2009). Como subproduto da sustentação perpendicular às superfícies criadas por esses dispositivos, os vórtices influenciam os filetes de ar de duas maneiras diferentes: • Os vórtices captam o ar fora da Camada Limite, “injetando-o” em forma espiral ao ar da Camada Limite, que está «cansado». Assim a camada é energizada (e por vezes tornada mais fina) e o gerador de vórtice pode adiar, controlar ou prevenir a estagnação ou o seu descolamento (lembre-se, o descolamento pode ser causado por Ondas de Choque ou por meio da elevação do AOA). Os Geradores de Vórtices podem causar turbulência na Camada Limite, mas reduzem as suas chances de se estagnar ou descolar (SAINTIVE, 2009 e HOMA, 2010); • Os Geradores de Vórtice são posicionados para redirecionar os filetes de ar, agindo como defletores (normalmente empregados em outras regiões da aeronave, e não somente nas asas). 54 Capítulo 1 Figura 1.33 – Funcionamento dos Geradores de Vórtices posicionados no extradorso de uma asa Fonte: Homa (2010). Os Geradores de Vórtices são estrategicamente posicionados em uma aeronave, de modo a obter os seus benefícios onde seja necessário (logicamente, esses dispositivos também causam um certo arrasto ao deslocamento do avião, por isso, o seu emprego deve ser feito onde os benefícios sejam maiores do que as penalidades). Na figura abaixo, por exemplo, podemos observar o posicionamento desses pequenos dispositivos nas asas de uma aeronave de combate. Reparem na disposição dos Geradores de Vórtices, próximos à região dos ailerons das asas. Nesse aspecto, o seu posicionamento visa a fornecer energia aos filetes de ar da asa, que em seguida atingirão os ailerons, aumentando sua eficiência. Figura 1.34 – Disposição de Geradores de Vórtices na asa de uma aeronave de combate, próximo à região dos ailerons Fonte: Wikimedia (2019). 55 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.35 – Esquema de Geradores de Vórtices posicionados próximos ao Flap de uma asa Fonte: Aero space web (2019). Além das asas, os Geradores de Vórtices também podem ser empregados na fuselagem do avião (para reduzir o arrasto ou direcionar o fluxo de ar para algum local específico – na função de defletores), ao redor dos motores instalados nas asas (para aumentar a eficiência dos Slats, nas operações de pouso e decolagem), e nos estabilizadores vertical e horizontal. Figura 1.36 – Posicionamento de Gerador de Vórtice (denominado “Strake”) na carenagem do motor de um B737 Fonte: Wikipedia (2019). Figura 1.37 – Gerador de Vórtice (Strake) em ação, fornecendo energia cinética ao Slat de uma aeronave comercial Fonte: Aviation.stackexchange (2014). 56 Capítulo 1 e. Emprego de Sistemas de Compensação de Mach (Mach Trimmer) Você deve se recordar, quando abordamos a questão dos efeitos das Ondas de Choque, no que tange à movimentação do Centro de Pressão (CP) das asas em direção ao seu bordo de fuga. Lembra-se, também, que um efeito desse deslocamento é uma tendência progressiva e, muitas vezes agressiva, da aeronave sofrer uma grande tendência de picada – fenômeno denominado Tuck Under. Pois bem. Quando abordamos a questão dos efeitos das Ondas de Choque nos voos transônicos, bem como quando falamos sobre a influência do desenho dos aerofólios, especificamente na questão do emprego das asas enflechadas, pontuamos como um de seus problemas justamente uma maior tendência de provocar Tuck Under. Assim, por exemplo, para uma determinada asa enflechada, entre o Mach 0.79 e Mach 0.86 é necessário empurrar o manche para a frente, para manter o avião nivelado (por conta do aumento na resultante de sustentação). A partir daí é necessário puxar muito o manche para manter o avião nivelado, até próximo ao Mach 0.95 (agora por conta do deslocamento do CP para trás, em direção ao bordo de fuga, decorrente da formação de Ondas de Choque Normais). Para eliminar essa instabilidade, alguns dos aviões a jato contam com um dispositivo denominado Mach Trimmer. O Mach Trimmer é um sistema que corrige artificialmente a tendência de Mach Tuck da aeronave, detectando sua velocidade e sinalizando um movimento ascendente proporcional do profundor ou estabilizador de incidência variável, para manter a atitude do avião em toda a sua faixa de velocidade de operação, até o máximo Mach Operacional (MMO). Os sistemas de Mach Trimmer permitem que a faixa de velocidade de operação normal de uma aeronave esteja acima de seu Mach Crítico. No caso de uma falha desses sistemas, o fabricante usualmente recomenda a redução da velocidade abaixo do Mach Crítico, de modo que uma margem seja retida abaixo da velocidade do Mach no qual ocorrem os primeiros sinais de instabilidade. Vimos há pouco que uma das principais formas de retardar o aparecimento das Ondas de Choque consiste no emprego de asas enflechadas. Na atualidade, será difícil encontrar uma aeronave de alto desempenho que não tenha essa característica aplicada em sua estrutura aerodinâmica. Entretanto, o uso de asas enflechadas também gera um preço a ser pago, e sobre esse assunto é que falaremos na próxima Seção. 57 Teoria de Voo de Alta Velocidade Seção 6 Consequências Adversas, Advindas do Enflechamento das Asas No item anterior, abordamos os benefícios gerados a partir da utilização de algum grau de enflechamento das asas. Basicamente, tais ganhos focam na capacidade dessas asas em retardar o aparecimento das Ondas de Choque, e com elas os seus efeitos negativos ao voo. Ainda, podemos mencionar outro aspecto positivo do uso das asas enflechadas – elas proporcionam maior estabilidade para os voos realizados em zonas de turbulência, haja vista que tais perfis reagem menos às mudanças de AOA. Assim, diante de rajadas ou penetração em ar turbulento, a aeronave sofrerá menores esforços estruturais e menor também será o desconforto percebido pelos passageiros (Saintive, 2009). Entretanto, o emprego das asas enflechadas também impõe uma série de penitências, as quais devem ser conhecidas. Trataremos aqui somente do tipo de enflechamento já abordado, qual seja, aquele observado em praticamente todas as aeronaves cargueiras e comerciais em uso, que operam em regime de voo transônico – o enflechamento positivo, para trás da aeronave. Não serão abordadas as asas com enflechamento negativo (ou seja, enflechadas para a frente da aeronave). Então, passemos a enumerar os efeitos negativos do emprego desses tipos de aerofólios e, sempre que houver algum dispositivo ou técnica para minimizá-los, esses também serão comentados. a. Desfavorável distribuição de sustentação ao longo da asa, tendência de estol na ponta da asa e tendência de movimento do CP para a frente A asa enflechada tende a estolar de ponta de asa, o que é indesejável para qualquer tipo de aerofólio. Entretanto, no caso das asas enflechadas, junto com a tendência prematura de estol de ponta de asa surge a tendência de Pitch Up (elevação do nariz da aeronave, decorrente do deslocamento do CP para a frente). Assim, ao tentar corrigir uma situação de estol abaixando o nariz, que é a tendência de todo avião estável, o avião entrará mais a fundo no estol (SAINTIVE, 2009). O deslocamento do CP para a frente é causado por um efeito denominado “deflexionamento” da asa enflechaada, e pode assim ser resumidamente explicado: uma asa produzindo sustentação possui diversas forças que a empurram para cima. Como essas forças são resultado da variação de pressão entre o intradorso e o extradorso, são denominadas força de pressão e atuam em toda a área da asa. Muito bem. Sabemos que a raiz da asaestá fixada 58 Capítulo 1 à fuselagem, e com isso não sofre deformações decorrentes dessas forças. Entretanto, o restante da asa não está fixo, e é como se estivéssemos envergando uma chapa que possui uma das pontas presas a uma parede. Você já deve ter visto, em voo, que uma asa se enverga em determinadas situações (por exemplo, quando a aeronave sai do solo, ou quando passa por uma zona de turbulência). Pois é, e saiba que isso é normal e que ela foi construída para reagir exatamente dessa forma. Ou seja, ela é construída de maneira suficientemente elástica, para poder oscilar (MOCHO, 1985). Assim, quando submetida a tais forças de pressão que a empurram para cima, a asa enverga ou deflexiona, tomando um formato que, visto de frente, assemelha-se ao de um ângulo de diedro de uma asa (como na figura abaixo). Figura 1.38 – Deflexão de uma asa, em virtude das forças de sustentação Fonte: EMBRAER (2001). Esse efeito de deflexão em uma asa convencional não traz maiores problemas ao voo. Entretanto, não se pode dizer o mesmo quando ocorre em uma asa enflechada. Nesses tipos de aerofólio, a deflexão causa uma torça na asa, resultando em uma sensível diminuição no ângulo de incidência, em direção às pontas das asas. Em algumas circunstâncias, se pudéssemos olhar de frente para uma asa enflechada produzindo sustentação, perceberíamos que o bordo de fuga estaria mais alto do que o bordo de ataque. Essa variação no ângulo de incidência, no sentido das pontas, causa uma variação no ângulo de ataque entre as pontas e a raiz da asa, e uma consequente redução da sustentação nas pontas. Isso não ocasionaria maiores problemas, além da perda de sustentação nas pontas das asas, não fosse outro fator associado – o deslocamento do CP para a frente. (MOCHO, 1985). Como nas asas enflechadas as suas pontas estão localizadas mais para trás, a perda de sustentação naquela região desloca o CP em direção à raiz da asa, aproximando-o da fuselagem e deslocando-o para a frente, como exemplificado na figura abaixo. 59 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.39 – Deslocamento do Centro de Pressão, causado pela perda de sustentação nas pontas de uma asa enflechada Fonte: MOCHO (1985). Ora, o deslocamento do CP para a frente assemelha-se ao deslocamento do CG para trás, ocasionando uma tendência de cabrar e uma instabilidade longitudinal, o que definitivamente não é desejável. Em uma aeronave mal balanceada, o deslocamento do CP muito à frente poderá causar a chamada “Instabilidade Catastrófica” (MOCHO, 1985). Instabilidade Catastrófica é uma condição de equilíbrio na qual o Centro de Pressão das asas vem a coincidir com o Centro de Gravidade do avião. Um dos aspectos mais críticos do projeto de uma asa é como a sustentação é distribuída ao longo da envergadura. A distribuição desfavorável de sustentação causa tensões de flexão desnecessariamente altas, aumenta o arrasto induzido e, provavelmente, o mais grave de todos, pode transformar o estol em uma manobra perigosa e incontrolável, nesse caso, atitudes anormais podem ser esperadas. A sustentação em uma asa enflechada é mais concentrada nas pontas, quando comparada com as asas convencionais, e essa é uma característica indesejável (EMBRAER, 2001). A figura abaixo ilustra a distribuição do Coeficiente de Sustentação, em várias geometrias de asa. 60 Capítulo 1 Figura 1.40 – Esquema de distribuição do Coeficiente de Sustentação ao longo da asa, para diferentes geometrias Fonte: EMBRAER (2001). Como regra geral, a melhor distribuição de sustentação é a que minimiza o arrasto induzido, mas permite o controle de rolagem mesmo em velocidades próximas ao estol. Para ter esse controle de rolagem, a propagação de estol da raiz às pontas é desejável, isto é, maior sustentação na raiz do que na ponta. Esse padrão mantém o fluxo de ar normal sobre os ailerons, até que toda a asa esteja paralisada. Para eliminar essa tendência prematura de estol das pontas das asas, são usados os seguintes métodos clássicos: torção de asa, com menor ângulo de incidência nas pontas; emprego de Slots próximos às pontas das asas; uso de aerofólios com maior curvatura nas pontas das asas (para aumentar a velocidade do fluxo de ar e retardar o estol) – esses três chamados de Washout estrutural; emprego de geradores de vórtices ou vortilons; emprego de Wing Fences (estes últimos denominados Washout aerodinâmico) etc. O Washout estrutural é uma característica do formato da asa da aeronave, que deliberadamente reduz a distribuição da sustentação ao longo da sua extensão. A asa é projetada de modo que o ângulo de incidência seja maior nas raízes, diminuindo ao longo de sua área, ficando mais baixo na ponta da asa. Isso geralmente é para garantir que, na velocidade de estol, a raiz da asa entre em estol antes das pontas das asas, proporcionando à aeronave controle continuado do aileron. O Washout também pode ser usado para modificar a distribuição de sustentação, para reduzir o arrasto induzido. Wing Fences, são “cercas” aerodinâmicas em forma de placas, colocadas normalmente em aviões que possuem asas enflechadas, cuja finalidade é evitar que o fluxo de ar se desloque rapidamente da parte interna das asas para as pontas, gerando assim uma perda de sustentação muito rápida. 61 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.41 – Esquema de exemplo de utilização de Fences nas asas de um avião Fonte: Aviation dictionary (2019). Figura 1.42 – Exemplo da utilização de Wing Fences nas asas de uma aeronave de alta performance. Fonte: Durand (2015). Figura 1.43 – Esquema mostrando a redução do descolamento da Camada Limite – asa sem e com Wing Fence Fonte: Formação de Piloto (2014). 62 Capítulo 1 Citemos o exemplo de uma aeronave de fabricação nacional – o EMBRAER 135/145. Tal aeronave faz uso de torção e de alguns outros recursos como vortilons, para minimizar os efeitos da inadequada distribuição de sustentação, característica essa intrínseca à sua asa enflechada. A torção da asa deve ser usada com cuidado, pois seu excesso significa arrasto e, consequentemente, perda de desempenho. Segundo o fabricante, o EMB 135/145 usa torção apenas na medida necessária (4 graus) (EMBRAER, 2001). Já os vortilons (geradores de vórtices) são dispositivos localizados no bordo de ataque inferior da asa da aeronave, na direção dos ailerons. Em ângulos de cruzeiro, o arrasto associado é insignificante, mas em ângulos de ataque mais altos os vortilons criam vórtices que fluem sobre a asa, adicionando energia à camada limite, atrasando sua separação e, por consequência, aumentando a eficácia do controle de ailerons mesmo quando a raiz da asa estiver “estolando”. Testes em túnel de vento revelaram um aumento de dois graus (para o EMB 145) no ângulo de ataque de estol da asa, melhorando a sua capacidade de gerar sustentação e, como resultado, aumentaram a carga útil da aeronave. Ainda segundo o fabricante, com o uso desses recursos aerodinâmicos o EMB 145/135 tem controle total de rolagem, ao longo da faixa de operação normal, até as velocidades mais baixas onde o Stick Pusher é acionado. (EMBRAER, 2001). b. Tendência de passeio dos filetes de ar, nas asas Outra característica desfavorável da asa enflechada é a tendência de os filetes de ar passearem pela asa. Esse passeio provoca redução da sustentação e aumento do arrasto. Devido às diferenças de pressão ao longo do plano longitudinal de uma asa enflechada, primeiramente os filetes de ar tendem a se deslocar para a raiz da asa. Posteriormente, na seção central, tendem a seguir para o bordo de fuga e, mais para o fim da asa, possuem a tendência a se deslocar em direção à ponta do aerofólio. Para reduzir tais efeitos são empregados os dispositivos vistos na letra anterior, denominados Wing Fences, ou mesmo os próprios pilones dos motores das aeronaves (quando localizados sob as asas). c. Baixa produção de sustentação, em resposta a incrementos no ângulode ataque Você se recorda que a asa enflechada só é sensível à componente do vento relativo perpendicular ao bordo de ataque. Assim, ela produzirá menos sustentação que uma asa não enflechada, para um mesmo AOA. Para compensar tal efeito, aviões com asas enflechadas devem voar com ângulos de ataque (AOA) maiores que os dos outros aviões. A figura abaixo compara o desempenho dos dois tipos de asa, em uma relação AOA x Sustentação, e descreve que um 63 Teoria de Voo de Alta Velocidade mesmo aumento de AOA representa menor resposta em termos de sustentação (a curva que representa a asa enflechada é menos inclinada). Figura 1.44 – Curvas de AOA x Sustentação, para asas convencionais e enflechadas Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). Outro fator a ser observado é que o coeficiente de sustentação máximo de uma asa enflechada não só é menor do que o de uma asa convencional, mas também ocorre com ângulos de ataque maiores, com evidentes desvantagens para o piloto no tocante à visibilidade externa da cabine de voo, principalmente nas fases de pouso e decolagem (Saintive, 2009). Você já deve ter percebido que as modernas aeronaves a jato se aproximam para pouso com AOA mais elevados do que as convencionais (normalmente entre 4o a 6o). As baixas respostas a mudanças de AOA também significam que, manobras como um rápido Flare durante o pouso possuem menor chance de sucesso (levantar o nariz rapidamente para pousar poderá causar um pouso muito brusco ou mesmo um acidente, pois o avião simplesmente continuará a descer na razão que vinha empregando na aproximação final). Assim, para esse tipo de asa recomenda-se uma aproximação final bem estabilizada, com progressivo e suave aumento de AOA na fase do Flare (EMBRAER, 2001). Flare é o nome dado à manobra característica de pouso, quando o avião transita da situação de aproximação final para o toque na pista, e consiste numa leve elevação do AOA e simultânea redução da potência para a faixa de operação mínima, no intuito de que naturalmente ocorra um afundamento suave do avião e o toque dos trens de pouso principais no solo. 64 Capítulo 1 Novamente, cabe mencionar que o mesmo fenômeno que concorre negativamente para o voo de aeronaves que usam asas enflechadas – a baixa resposta aos aumentos de AOA, em termos de ganho em sustentação – é também o responsável por um aspecto positivo. Conforme comentamos anteriormente, o enflechamento das asas proporciona maior estabilidade em voos turbulentos e em resposta a rajadas de vento, isso garante a ocorrência de menores esforços estruturais no avião e maior conforto aos passageiros. Uma vez que tais asas possuem menor Coeficiente de Sustentação Máximo (CLMAX), é de se esperar que as aeronaves que as empregam tenham desempenhos deteriorados em operações de decolagem e pouso – ou seja em baixas velocidades, já que a redução do CLMAX penaliza a velocidade de estol – ou seja, asas enflechadas apresentam velocidades de estol maiores. Assim, para operarem de forma segura e eficiente nos momentos de decolagem e pouso, tais aeronaves não podem prescindir do uso de dispositivos hipersustentadores. Na figura abaixo, uma aeronave de operação em regime transônico, pesada e com asas enflechadas, aproxima-se para pouso. Repare no amplo uso de dispositivos que aumentam a sustentação em momentos críticos, como os Flapes e os Slats. Figura 1.45 – Emprego de Flapes e Slats em aeronave comercial Fonte: Aviation stackexchange (2016). 65 Teoria de Voo de Alta Velocidade d. Tendência a sofrer efeitos de Dutch Roll / Aumento do “efeito Diedro” das asas Todo piloto sabe que, quando um dos pedais é aplicado em voo, o aileron tem que ser aplicado para o lado oposto para evitar que a aeronave gire para o mesmo lado da guinada. Da mesma maneira, sempre que uma guinada ocorre naturalmente (sem ser comandada), o avião tende a girar para o mesmo lado da guinada, visto que a asa oposta ao lado da guinada avança e acaba produzindo maior sustentação. Tal fenômeno é característico de qualquer asa convencional, mas acaba sendo mais acentuado em uma asa enflechada. Repare na figura abaixo. A aeronave sofre uma guinada para a direita. Em seguida, a asa esquerda avança à frente da asa direita, produzindo maior nível de sustentação, o que provoca uma tendência de giro para a direita. Porém, diferente das asas convencionais, com as asas enflechadas essa tendência de giro é ainda maior. Na figura, observe que temos uma “redução da projeção da envergadura”, na asa da direita, e um aumento dessa “projeção” na asa esquerda (a asa que avança). Ou seja, é como se momentaneamente tivéssemos uma “asa esquerda muito maior” do que a asa direita. No fim das contas, o rolamento de uma asa enflechada acaba sendo mais intenso do que o de uma asa convencional, e provoca um equilíbrio dinâmico instável denominado Dutch Roll (Saintive, 2009). Agindo como um pêndulo, a aeronave retorna a uma situação de equilíbrio, mas ultrapassa tal ponto, “invertendo” a tendência, e assim inicia um movimento pendular. Ao invés de diminuir o arco do pêndulo, este aumentará cada vez mais. Figura 1.46 – Diferentes projeções das envergaduras das asas com enflechamento Fonte: Saintive (2009). Isso é causado pelo chamado Efeito Diedro. Quando as asas são projetadas de modo que sejam “dobradas” para cima, diz-se que elas possuem um diedro 66 Capítulo 1 geométrico. Esse diedro geométrico produz o seguinte efeito aerodinâmico: se em voo, por qualquer motivo uma das asas cair, o consequente deslocamento lateral faz com que a aeronave volte à situação de nivelamento das asas. Em outros termos, o diedro nas asas provoca rolamento devido à guinada lateral. O enflechamento das asas reage à guinada lateral como um diedro geométrico, isto é, se ocorrer uma guinada lateral, o enflechamento faz com que a asa role de forma muito mais intensa do que em uma asa convencional. A figura abaixo ilustra essas características. Figura 1.47 – Efeito Diedro em asas enflechadas Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). O rolamento das asas de um avião provoca uma “glissada”. Em um avião que possui diedro nas asas, essa glissada provoca um rolamento que tende a levantar a asa que baixou, em busca de equilíbrio (EMBRAER, 2001). Quando um avião com asa enflechada sofre uma guinada para a direita, a asa esquerda sofre uma grande tendência a subir, e provocará um rolamento mais intenso do que em uma asa não enflechada. Já a empenagem vertical (deriva / estabilizador vertical) provoca uma guinada, apontando o nariz para a asa que está abaixada. Quando os efeitos da empenagem vertical são muito grandes em relação ao efeito diedro, o avião passa para um mergulho instável em espiral. Se o efeito diedro prevalecer, o avião rola no sentido contrário, provocando uma glissada no sentido oposto, para recomeçar o ciclo (Saintive, 2009). Como o enflechamento das asas aumenta muito mais a estabilidade lateral do que a direcional, ele tem um efeito similar ao do aumento do diedro das asas, tornando-as mais sujeitas aos efeitos do fenômeno de Dutch Roll. Pode-se eliminar o Dutch Roll aumentando a área da deriva, aumentando a distância da deriva ao CG ou ambas as soluções. Entretanto, a solução mais econômica e que não requer mudanças estruturais na aeronave, nem causará 67 Teoria de Voo de Alta Velocidade aumento de peso e de arrasto, é o emprego do dispositivo chamado Yaw Damper (Amortecedor de Guinada). Tal dispositivo giroscópico é sensível às mudanças de ângulo de guinada. Ao mandar um sinal ao leme de direção, faz com que ele seja aplicado em oposição à guinada, evitando que a aeronave inicie um ciclo que leva ao Dutch Roll. O efeito diedro em uma aeronave de asa enflechada é normalmente mais forte do que o de uma aeronave de asa reta. Consequentemente, os pilotos devem estar cientes de que a rápida aplicação de grandes deslocamentos do leme, ou a rápida aplicação de grandes mudanças assimétricas de empuxoem tais aeronaves, podem criar dificuldades de controle. Em outras palavras: o uso do leme e a aplicação assimétrica de potência devem ser feitas com cuidado e suavidade, principalmente nas aeronaves dotadas de Yaw Damper e que apresentem um mal funcionamento (pane) nesse dispositivo. É preciso compreender que a ausência de efeito diedro não é algo desejável. No entanto, o excesso de efeito diedro também pode causar alguns problemas, dificultando, por exemplo, o voo descoordenado. Há situações em que o voo descoordenado é necessário, como na fase de Flare em um pouso com turbulência e vento cruzado, por exemplo. O efeito diedro em excesso também costuma exacerbar o fenômeno Dutch Roll. Um amortecedor de guinada pode ser usado para melhorar as características de Dutch Roll, mas obviamente é preferível ter uma aeronave com boas características de rolagem Dutch Roll naturais. Dessa forma, existe um equilíbrio a ser obtido no projeto de uma aeronave, no sentido de que os efeitos de diedro não sejam tão exacerbados (EMBRAER, 2001). e. Arrasto junto à fuselagem Como já estudamos, uma das características de uma asa enflechada é o fato de que o fluxo aerodinâmico sobre a asa muda de direção ao longo da corda da asa (veja a ilustração abaixo). 68 Capítulo 1 Figura 1.48 – Variação do fluxo aerodinâmico ao longo de uma asa enflechada Fonte: EMBRAER (2001). A curvatura é devida à desaceleração e aceleração do componente de fluxo de ar, no plano perpendicular à linha da corda da asa. Entretanto, esse componente de fluxo não pode acontecer próximo à fuselagem, porque os lados da fuselagem são retos. Essa interferência entre o fluxo natural sobre a asa e a fuselagem causa arrasto, e pode causar um fluxo de ar de velocidade mais alta em alguns pontos, o que possivelmente causaria ondas de choque prematuras. Assim, os engenheiros normalmente alteram o projeto da asa próximo à raiz, no intuito de minimizar essa interferência. Uma das possibilidades seria usar seções transversais da fuselagem variáveis, ao longo da corda da asa. Essa técnica de seção transversal variável não tem nada a ver com a chamada “regra da garrafa de coca-cola”, proposta na década de 1950 por Withcomb. A “regra da garrafa de coca-cola” (regra da área) minimiza o arrasto transônico / supersônico, enquanto estamos falando de velocidades subsônicas aqui. De qualquer forma, o uso de seção transversal variável criaria grandes problemas de fabricação e de arranjo interior. Outra solução bem conhecida é reduzir ou mesmo inverter a curvatura (camber) do aerofólio perto da raiz, mas mantendo a seção transversal da fuselagem. Quase todas as aeronaves comerciais têm essa técnica incorporada. Retornando ao exemplo da aeronave da EMBRAER, segundo o fabricante o EMB 135/145 não é exceção e também emprega essa solução. 69 Teoria de Voo de Alta Velocidade Seção 7 Efeitos Aeroelásticos Segundo Serrano, 2010, a Aeroelasticidade é o estudo do efeito das forças aerodinâmicas em corpos elásticos. A teoria clássica da elasticidade lida com a tensão e a deformação de um corpo elástico, no qual incidem forças externas ou deslocamentos, e a estabilidade de uma estrutura exposta a um fluxo de ar é um dos problemas mais interessantes de se analisar em aeroelasticidade. As forças aerodinâmicas, para uma dada configuração de um corpo elástico, crescem significativamente com a velocidade do fluxo do ar. Logo, pode haver uma velocidade crítica que torna a estrutura instável, e tal instabilidade pode causar deformações excessivas e até levar à destruição da estrutura, comprometendo a segurança do voo (SERRANO, 2010). A figura a seguir apresenta o esquema de um acidente envolvendo um avião Beech 1900C em 28 de dezembro de 1991. A Agência Nacional de Segurança nos Transportes dos Estados Unidos (NTSB) investigou o acidente e determinou como sua possível causa a perda de consciência da altitude e desorientação espacial do piloto instrutor, mas uma investigação independente, feita pela Associação de Pilotos de Linhas Aéreas (ALPA), concluiu que o motor direito se separou da asa e colidiu no estabilizador horizontal, causando a perda catastrófica do controle da aeronave durante o voo. Ainda de acordo com Serrano, 2010, segundo a investigação da ALPA, o rompimento de um suporte do motor direito foi causado por um fenômeno de whirl-flutter (instabilidade dinâmica sujeita a ocorrer sob certas condições na nacele de um motor com hélices – envolve uma instabilidade aeroelástica que pode ocorrer quando a força de conexão da nacele do motor, incluindo a hélice, não é suficientemente grande). Figura 1.49 – Sequência de eventos na ocorrência de Whirl-Flutter na descrição de um acidente aeronáutico real Fonte: Serrano (2010). 70 Capítulo 1 Os efeitos aeroelásticos mais importantes são o Flutter, a Divergência e a Inversão dos ailerons. O efeito flutter, ou também chamado de ressonância aeroelástica, é uma das representações dos efeitos vibratórios da ressonância, fenômeno em que os materiais vibram na frequência natural do material em questão. A frequência natural de cada objeto é determinada por sua massa e rigidez, e quando a massa do objeto é aumentada faz com que a frequência natural diminua. Caso a rigidez do material seja aumentada, aumenta-se a frequência natural. Isso pode ser observado ao aumentar-se a tração de uma corda de violão, fazendo com que ela vibre em uma frequência maior e produza sons mais agudos (Flutter, o efeito quebra asas 1). O fenômeno Flutter é então uma combinação de efeitos elásticos, inerciais e aerodinâmicos, provocado por uma oscilação instável autoexcitada de um aerofólio e sua estrutura associada. Os componentes estruturais envolvidos no fenômeno vibram na frequência natural quando sobre eles agem forças aerodinâmicas. Nas aeronaves, existe uma velocidade em que o efeito ocorre, a qual é denominada de “velocidade crítica de flutter”. A amplitude de uma oscilação causada por um distúrbio qualquer é mantida a valor constante, porém, ao aumentar a velocidade, essa amplitude aumentará até que a estrutura não suporte e ocorra uma ruptura do material. O modo de impedir esse colapso da estrutura é obtido pelo amortecimento dinâmico das vibrações harmônicas, isso contribui para que não se atinja a ressonância natural da estrutura. Alguns tipos de amortecimento estão presentes nas aeronaves, normalmente amortecimentos estruturais resultantes do uso de materiais compostos ou amortecimentos aerodinâmicos. Os voos de ensaio para garantia de inexistência de flutter (quando empregados) são feitos a grande altura, por pilotos experientes e conhecedores do fenômeno, equipados com paraquedas. Na concepção de uma nova aeronave, a aeroelasticidade desempenha um papel significativo. A introdução de asas mais finas, de superfícies estabilizadoras horizontal e vertical, de configurações de cauda em “T”, entre outras, aumenta a probabilidade do fenômeno de flutter dentro do envelope de voo desejado. Hoje, os projetos de aeronaves envolvem análises sofisticadas para garantir que estão livres de flutter. Esses resultados analíticos muitas vezes são verificados por 1 https://www.integrandoconhecimento.com/single-post/2016/05/06/Flutter-o-efeito- %E2%80%9Cquebraasas%E2%80%9D, acessado em 19 nov. 2018. https://www.integrandoconhecimento.com/single-post/2016/05/06/Flutter-o-efeito-%E2%80%9Cquebraasas%E2%80%9D https://www.integrandoconhecimento.com/single-post/2016/05/06/Flutter-o-efeito-%E2%80%9Cquebraasas%E2%80%9D 71 Teoria de Voo de Alta Velocidade testes em túnel-de-vento e testes de vibração em solo. Testes em voo do flutter fornecem a verificação final das previsões analíticas. Serrano, 2010, também destaca a existência de outra forma de Flutter, o denominado flutter de estol. Igual ao flutter clássico, porém, leva em consideração os efeitos do descolamento da camada limite, já que ocorre em uma superfície de sustentação quando essa opera comelevados ângulos de ataque no escoamento, durante ao menos parte de cada ciclo de oscilação. Quanto à Divergência, segundo Serrano, 2010, autores a definem como uma instabilidade estática da superfície de sustentação de uma aeronave em voo, ou seja, como uma instabilidade aeroelástica de frequência nula. Ocorre quando a superfície sustentadora da aeronave sofre deflexão devido ao carregamento aerodinâmico, aumentando a carga sobre o perfil. Se essa carga sobrepassa a carga limite, a estrutura da aeronave pode falhar. O terceiro principal fenômeno da aeroelasticidade é abordado por Saintive, 2009, da seguinte maneira. À medida que aumenta a velocidade do avião, eleva-se também a pressão dinâmica do ar. Entretanto, como a resistência da asa não varia, isso acarreta uma torção na asa. Assim, a rotação da asa produzida pelo torque diminui a eficiência dos ailerons, até o momento em que ele perde totalmente o efeito, na chamada “velocidade de inversão de ailerons”. Duas são as possíveis soluções para esse problema: uma é dotar a asa de uma estrutura suficientemente forte (o que pode ser caro ou inconveniente, por uma questão de peso), e outra é o emprego de dois pares de ailerons, um externo e outro interno. Assim, os ailerons críticos (que são os externos)são utilizados somente em baixas velocidades. Serrano, 2010, também aborda a questão da Inversão dos ailerons. Segundo o autor, as deformações elásticas dos componentes onde se montam as superfícies de controle podem diminuir a eficiência dos controles, levando até à reversão deles. Nessa reversão, a aeronave responde ao contrário do que o piloto deseja. Um exemplo claro acontece com os ailerons, que são dispostos próximos à ponta da asa, para que o momento de rolamento seja mais eficiente. Nessa região da asa, a rigidez à torção é menor do que na raiz; com isso, em altas velocidades, uma deflexão no aileron pode gerar uma força tão grande a ponto de torcer toda a ponta da asa. Essa torção altera o ângulo de ataque no sentido de diminuir o rolamento na asa. Dependendo da intensidade da torção, o controle pode perder eficiência e até reverter-se. Para melhorar a eficiência do comando lateral são empregados os Spoilers. Tais superfícies “destroem” a sustentação, baixando a asa correspondente e causando um rolamento. Em voo, essas superfícies também podem ser utilizadas como freios, quando são levantados em pares, e recebem o nome de Speed 72 Capítulo 1 Brakes. Os Spoilers também são utilizados no solo, sendo elementos muito importantes na redução da corrida de aterragem (ground spoilers). Figura 1.50 – Esquema de superfícies aerodinâmicas na asa de uma aeronave Boeing 727, com destaque para os Spoilers Fonte: Boeing 727 (2006). Figura 1.51 – Uso de Spoilers em uma aeronave comercial, durante uma curva em voo Fonte: Bryant (2018). De acordo com Serrano, 2010, um outro efeito aeroelástico é o Buffeting. Você deve se recordar que, na Seção 3, quando falamos sobre o descolamento da camada limite em aerofólios, abordamos o conceito das vibrações 73 Teoria de Voo de Alta Velocidade denominadas Buffeting. Pois bem, Serrano 2010 explica que o Buffeting também é caracterizado como um efeito aeroelástico, sendo uma resposta estrutural à excitação produzida pelo choque induzido por separação do escoamento, ou seja, a separação causada por movimentos turbulentos das camadas de ar em torno da própria aeronave. O Buffeting pode aparecer durante manobras em velocidade de cruzeiro e afetar diferentes partes da aeronave, sendo o mais importante aquele que se manifesta nas asas. Dependendo do ângulo de ataque, o fluxo pode conter separações, que constituem excitações aerodinâmicas com potencial risco à estabilidade do voo. Para concluir, o problema central em aeroelasticidade é o efeito da deformação elástica na distribuição da sustentação do avião. Em baixas velocidades, o efeito das deformações elásticas é pequeno, porém, em altas velocidades pode se tornar muito sério, levando à instabilidade da asa e à perda da efetividade de superfícies de controle, ou mesmo sua reversão. Seção 8 Conceitos básicos sobre escoamento em regime supersônico Já comentamos que o foco deste material didático é a abordagem do voo transônico (realizado em velocidades acima do regime subsônico, esse último empregado por aviões de baixa performance), haja vista tratar-se do regime utilizado pelas aeronaves comerciais. Você sabe que o mundo da aviação experimentou imensos avanços ao longo das últimas décadas, refletindo no aumento da eficiência e da segurança dos voos. Mas, se perceber, em relação à velocidade com que os aviões cruzam os céus, podemos afirmar que, desde a década de 1960, os aviões comerciais a jato não tiveram muitos ganhos em termos de velocidade de voo. Uma aeronave Airbus A320, um Boeing 777 ou um Embraer 190 voam atualmente com velocidades de cruzeiro similares à empregada pelos antigos Boeing 707, por exemplo. O que vemos, entretanto, é a engenharia aeronáutica cada vez mais capaz de produzir aeronaves eficientes, essas capazes de retardar o surgimento das nocivas consequências dos efeitos de compressibilidade do ar, já estudados anteriormente aqui neste livro. Mas, logicamente, todos gostaríamos de voar por aí em velocidades maiores, até mesmo supersônicas como as do famoso Concorde. Entretanto, voar em regime supersônico requer, além de características aerodinâmicas peculiares do objeto em voo, uma grande quantidade de potência, o que o torna um regime muito 74 Capítulo 1 pouco econômico. É por isso que, atualmente, não existem mais em produção aviões de uso comercial que operem nesse regime. Então, nos tempos atuais, ainda não foi possível desenvolver aeronaves de linhas aéreas que, voando acima da velocidade do som, sejam capazes de ser comercialmente vantajosas. Ou seja, para que haja um pequeno incremento na velocidade em relação ao voo transônico dos jatos atuais, há um custo de produção e de operação da aeronave que não se faz compensar economicamente. Nesta Seção abordaremos conceitos básicos sobre o escoamento supersônico, para que você seja capaz de distingui-lo do escoamento transônico (lembre-se de que no regime transônico coexistem em um aerofólio fluxos de ar com velocidades subsônicas e supersônicas). Recapitulando, por convenção, o regime de voo supersônico é aquele realizado em velocidades acima de Mach 1,2, até Mach 5. Já estudamos anteriormente que, em baixas velocidades de voo, o ar experimenta pequenas mudanças de pressão, as quais provocam variações desprezíveis de densidade, simplificando consideravelmente o estudo da aerodinâmica de baixa velocidade. O fluxo é dito incompressível, uma vez que o ar passa por diminutas mudanças de pressão, sem alterações significativas na sua densidade. Contudo, do estudo que fizemos sobre o escoamento em regime transônico – esse já realizado em voos mais velozes (acima de Mach 0,75), verificam-se variações significativas de pressão e na densidade do ar. Assim, o estudo do fluxo de ar em grandes velocidades deve considerar essas mudanças de densidade, o que significa enxergar o ar como sendo compreensível, ou que existem efeitos de compressibilidade 2. Você já sabe, de tudo o que estudamos até aqui, que a velocidade do som (que varia com a temperatura ambiente) é muito importante no estudo do escoamento de ar de alta velocidade. Na medida em que uma asa se desloca pelo ar, ocorrem mudanças na velocidade local as quais criam perturbações no fluxo de ar ao redor desse aerofólio, e essas perturbações são transmitidas por meio do ar à velocidade do som, preparando as partículas de ar à frente, antes de sua chegada. Se uma aeronave estiver se deslocando em baixa velocidade, as perturbações serão transmitidas e estendidas em todas as direções. Segundo Saintive (2009), a aceleração e a força necessárias para movimentar tais partículas, e desviá-las de acordo com o perfil da asa, são sempre menoresdo que nos casos de inexistência desse “aviso”. Entretanto, se a asa estiver se deslocando com velocidade acima da velocidade do som, o fluxo de ar à sua frente não sofrerá influência do campo de pressão 2 https://www.ebah.com.br/content/ABAAABg54AA/aerodinamica-aviao?part=9, acessado em 7 de março de 2019 https://www.ebah.com.br/content/ABAAABg54AA/aerodinamica-aviao?part=9 75 Teoria de Voo de Alta Velocidade do objeto em movimento, uma vez que as perturbações não podem se propagar mais rápido do que a velocidade do som. Uma onda de compressão se forma no bordo de ataque da asa, por exemplo, e todas as mudanças de velocidade e de pressão acontecem repentinamente. Assim, o fluxo de ar à frente de uma asa não é influenciado até que as moléculas de ar sejam repentinamente desviadas pela asa. Dos conceitos já abordados, repare na figura abaixo: ela aborda o resultado do deslocamento de uma aeronave em três situações – velocidades inferiores a Mach 1, voando a Mach 1 e acima dessa velocidade. Figura 1.52 – Formação de Impulsos de Pressão Fonte: Saintive (2009). Na figura anterior, observe no formato da Onda de Proa, para o caso de uma aeronave voando acima da velocidade do som. Ao ultrapassar a barreira do som, as Ondas de Proa deixam de ser normais (perpendiculares) ao deslocamento e tornam-se oblíquas, no formato de um cone – o que é denominado “Cone de Mach”. Segundo relembra Homa, 2010, a abertura desse cone é conhecida como “Ângulo de Mach”, e esse será tão menor quanto maior for a velocidade do avião. Agora repare na mesma figura, porém, para o caso da aeronave que voa na velocidade do som. Voando nessa velocidade, as ondas de pressão produzidas pelo próprio avião não conseguem se afastar (pois viajam na mesma velocidade, ou seja, a velocidade do som), acumulando-se no nariz. Esse acúmulo de ondas gera o que se conhece por “Onda de Choque”, que nada mais é do que uma onda de pressão perpendicular ao deslocamento do voo (também denominada “Onda de Proa”, pois ocorre na proa do avião). A pressão é elevada em toda a região atrás da onda, “empurrando” o avião para trás. Ao passar pela Onda de Choque, a temperatura, a pressão e a densidade dos filetes de ar são aumentados, reduzindo-se a sua velocidade (Saintive, 2009). A figura abaixo exemplifica o surgimento da Onda de Proa bem como da Onda de Choque oblíqua no bordo de fuga do perfil aerodinâmico, em escoamentos com velocidades superiores às do som. 76 Capítulo 1 Figura 1.53 – Surgimento de diferentes Ondas de Choque, em variadas velocidades de escoamento de ar sobre um aerofólio Fonte: USA (2016). O efeito da compressibilidade não depende da velocidade do ar, mas do relacionamento entre a velocidade do ar e a velocidade do som. Como já sabemos, esse relacionamento é chamado de número Mach, o qual é definido pela razão entre a velocidade verdadeira do ar e a velocidade do som a uma determinada altitude (recorde que a velocidade do som varia somente com a temperatura do ar). Os efeitos da compressibilidade do ar não estão limitados às velocidades de voo à velocidade do som ou acima dessa. Uma vez que qualquer avião é construído com forma aerodinâmica, o ar acelera e desacelera ao redor dessas formas e alcança velocidades locais acima da velocidade do próprio voo. Assim, uma aeronave pode experimentar efeitos de compressibilidade em velocidades de voo abaixo da velocidade do som. Dessa forma, já estudamos anteriormente que é possível coexistirem fluxos tanto subsônicos quanto supersônicos na aeronave, simultaneamente, mesmo que essa se encontre voando com velocidade inferior à velocidade do som. No regime transônico, o fluxo sobre os componentes da aeronave é parcialmente subsônico e parcialmente supersônico. Já nos regimes supersônico e hipersônico existe fluxo supersônico sobre todas as partes da aeronave. Naturalmente, nos voos supersônicos e hipersônicos, algumas partes da camada limite são subsônicas, porém, o fluxo predominante ainda é supersônico. Quando a velocidade de voo excede a velocidade do som, uma onda de proa aparece repentinamente na frente do bordo de ataque, com a região subsônica atrás da onda, e as Ondas de Choque normais se movem para o bordo de fuga. Se a velocidade de voo aumentar para qualquer valor supersônico, a Onda de Proa 77 Teoria de Voo de Alta Velocidade se moverá para mais próximo do bordo de ataque, inclinando-se para baixo; e as Ondas de Choque normais do bordo de fuga se tornam ondas de choque oblíquas. Vejamos de forma muito resumida algumas diferenças entre os fluxos subsônico e supersônico de ar: Em um fluxo subsônico, toda molécula é mais ou menos afetada pelo movimento das outras moléculas, em todo o campo do fluxo. Em velocidades supersônicas, uma molécula de ar pode influenciar apenas aquela parte do fluxo contido no Cone de Mach, formado atrás daquela molécula. Ao contrário do fluxo subsônico, um fluxo de ar supersônico acelera ao longo de um tubo de expansão, provocando a rápida queda da densidade do ar, para compensar os efeitos combinados do aumento de velocidade e aumento da área secional. Também ao contrário do fluxo subsônico, um fluxo de ar supersônico desacelera ao longo de um tubo de contração, causando a rápida queda da densidade do ar, para compensar os efeitos da queda de velocidade. Saintive (2009) pontua essa característica do regime supersônico, ao falar sobre a diferença de escoamento em um bocal convergente- divergente, quando o fluxo passa da situação de regime subsônico (incompressível) para o regime supersônico (compressível). No regime subsônico, um bocal convergente reduz a pressão e aumenta a velocidade do escoamento, ocorrendo o oposto quando o escoamento é supersônico, como pode ser observado na figura abaixo. Figura 1.54 – Diferença entre escoamento subsônico e supersônico, em bocais convergentes e divergentes Fonte: Saintive (2009). 78 Capítulo 1 Com fluxo supersônico, todas as mudanças na velocidade, pressão, temperatura, densidade e direção do fluxo acontecem repentinamente e em curta distância. Todas as ondas de compressão ocorrem abruptamente e são dissipadoras de energia. Já abordamos que as ondas de compressão são familiarmente conhecidas como Ondas de Choque. Já as Ondas de Expansão resultam da transição de fluxos brandos e não são perdas de energia, como as Ondas de Choque. Em um fluxo supersônico, podemos observar a existência de três tipos de ondas: Ondas de Choque Oblíquas (compressão em ângulo inclinado); Ondas de Choque Normais (compressão em ângulo reto); e Ondas de Expansão. A natureza da onda depende do número de Mach, da forma do objeto causador da mudança de fluxo e da direção do fluxo. Vejamos um pouco mais sobre as características básicas de cada uma dessas ondas. Você já sabe que as Ondas de Choque Normais são visualizadas nos escoamentos em regimes de voo transônico, mas tais efeitos também podem ser observados em escoamentos supersônicos, a depender da forma do objeto em movimento (segundo Saintive 2009, isso ocorre usualmente quando o objeto não é suficientemente pontiagudo). Lembre-se de que Ondas de Choque Normais são grandes dissipadoras de energia (causam arrasto), e por isso sua ocorrência deve ser evitada ou retardada ao máximo. É por essa razão que aviões e outros objetos voadores que pretendem se deslocar acima da velocidade do som, com mais eficiência, devem apresentar nariz e bordos de ataque dos aerofólios em forma pontiaguda. Por outro lado, as Ondas de Choque Oblíquas são formadas de forma similar que as Normais, e costumam “acompanhar” a forma do objeto. Em voos supersônicos, ocorrem tanto no bordo de ataque quanto no bordo de fuga do aerofólio, e também representam fonte de dissipação de energia, porém, inferior às ondas normais. Já as Ondas de Expansão resultam do efeito contrário ao da Onda de Choque. Elas surgem quando o fluxo de ar em alta velocidade é obrigado a expandir-se. Passando por meiode uma onda de expansão, a densidade e a pressão do ar diminuem bruscamente e a velocidade aumenta. 79 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.55 – Ocorrência de Ondas de Expansão em escoamento supersônico Fonte: Ramon (2018). As Ondas de Choque e de Expansão são aproveitadas para criar regiões de alta e baixa pressão, as quais geram sustentação em perfis supersônicos. A Onda de Expansão provoca uma redução de pressão no extradorso, enquanto a Onda de Choque provoca um aumento de pressão no intradorso do perfil supersônico. A imagem a seguir mostra um perfil de asa empregado em fluxos supersônicos, em forma de cunha. Figura 1.56 – Perfil aerodinâmico em forma de “cunha”, e o surgimento de Ondas de Choque e de Expansão Fonte: Formação de Piloto (2014). Como uma Onda de Pressão (oblíqua ou normal) sempre aumenta a pressão, observa-se que a pressão na porção dianteira de um aerofólio em voo supersônico é sempre superior à pressão atmosférica. Após passar pelo aerofólio, em sua parte traseira o fluxo de ar é novamente forçado a mudar de direção e 80 Capítulo 1 de velocidade, por meio de Ondas de Expansão. Como comentamos, após cada Onda de Expansão a pressão é reduzida, e a diferença entre as pressões dianteira e traseira gera o chamado Arrasto de Onda que, diferente do caso dos fluxos subsônico e transônico, não depende da viscosidade do ar. Segundo explica Saintive 2009, após a passagem pelo bordo de fuga do perfil aerodinâmico, os filetes voltam à velocidade e pressão à frente do bordo de ataque do perfil, por meio de outra Onda de Choque. No escoamento supersônico, a existência do Arrasto de Onda é uma função da espessura do aerofólio, e o arrasto produzido como efeito da sustentação é independente do alongamento da asa (para produzir uma mesma sustentação, o arrasto supersônico é bem superior ao arrasto observado nos regimes subsônico e transônico). Assim, os perfis aerodinâmicos para voos supersônicos devem ser mais finos, terem pequeno alongamento e grande afilamento para redução de peso (SAINTIVE, 2009). Outra questão que deve ser levada em consideração em escoamentos supersônicos é o aquecimento aerodinâmico. Quando o ar flui sobre qualquer superfície aerodinâmica, ocorrem certas reduções de velocidade, as quais produzem os correspondentes aumentos de temperatura. A maior redução de velocidade e aumento de temperatura ocorrem nos diversos pontos de repouso da camada limite na aeronave. Enquanto os voos subsônicos não demandam preocupações nesse sentido, os supersônicos podem gerar temperaturas suficientemente elevadas, a ponto de tornarem-se de grande importância para a estrutura, sistema de combustível e grupo motopropulsor. Temperaturas mais elevadas produzem reduções específicas na resistência das ligas de alumínio, e requerem a utilização de ligas de titânio e aços inoxidáveis. O efeito do aquecimento aerodinâmico sobre o sistema de combustível, deve ser considerado no projeto de um avião supersônico. Se a temperatura do combustível for elevada para a temperatura de ignição espontânea, os vapores de combustível podem queimar na presença de ar, sem a necessidade de uma centelha inicial ou chama. Igualmente, o desempenho de motor turbojato é adversamente afetado pela alta temperatura do ar na entrada do compressor. O empuxo de saída do turbojato é uma função do fluxo de combustível, porém, o fluxo máximo permissível de combustível depende da temperatura máxima permissível para operação da turbina. Ou seja, se o ar que entra no motor já estiver aquecido, menos combustível pode ser adicionado, de forma a evitar que os limites de temperatura da turbina sejam excedidos 3. 3 https://www.ebah.com.br/content/ABAAABg54AA/aerodinamica-aviao?part=9, acessado em 29/03/2019 https://www.ebah.com.br/content/ABAAABg54AA/aerodinamica-aviao?part=9 81 Teoria de Voo de Alta Velocidade Enquanto as aeronaves aceleram muito lentamente por meio do regime transônico, assim que o voo supersônico é alcançado, a aceleração aumenta. Isso deu origem ao conceito de sobrevoo supersônico “supercruzeiro”, em um regime de baixa onda de arrasto, tipicamente sem o uso de pós-combustores, pois esses consomem muito combustível e normalmente não podem ser usados de forma prolongada. Nesses casos é interessante pontuarmos que: primeiramente, os motores a jato precisam de uma corrente de ar subsônica na sua admissão. Para uma aeronave que voa a Mach 2, não é fácil obter uma corrente de ar subsônica nos motores e, portanto, quando projetados para uso supersônico não costumam ter bom desempenho nas velocidades subsônicas e vice-versa; segundo, o escoamento da aeronave gera muito calor, então a fuselagem precisa ser resistente ao calor; e terceiro, sobrevoar em “supercruzeiro” geralmente significa um voo em elevadas altitudes (pois a densidade do ar e, portanto, a resistência geral é muito reduzida), o que gera a necessidade de um sistema eficiente de suporte à vida. Como exemplo, o Concorde cruzava os céus à velocidade de Mach 2,2 a 52.000 pés. Já a aeronave militar SR-71 operava em cruzeiro ainda mais alto, com velocidade de Mach 3,2 a 80.000 pés! Bem, como afirmamos no início desta Seção, o objetivo do estudo do escoamento supersônico era tão somente o de lhe fornecer condições de diferenciá-lo do escoamento transônico. Você já deve ter percebido que produzir e, principalmente, operar uma aeronave supersônica, não é tarefa simples e econômica. Nesse sentido, Saintive 2009 destaca que, devido a todas as diferenças existentes entre os comportamentos dos escoamentos supersônico e transônico, há diversos compromissos que devem ser solucionados para a operação de uma aeronave supersônica, e isso não é tarefa fácil. Ao realizar uma análise sobre as características do único avião supersônico já produzido para uso comercial – o Concorde, o autor relembra que tais tipos de aeronave possuem características que as possibilitam voar em regime supersônico, mas que essas mesmas características as tornam muito pouco eficientes para a operação em regimes transônicos e, principalmente, subsônicos. Ou seja, sempre haverá um compromisso de engenharia e de eficiência a ser equacionado, uma vez que essas aeronaves decolam e pousam em regime subsônico, e devem operar nas mesmas pistas que as aeronaves comerciais comuns. 82 Capítulo 1 Síntese Bem, neste momento é importante avançarmos no estudo, iniciando um novo Capítulo. Neste capítulo você aprendeu que o ar é viscoso e compressível, e que tais características são muito acentuadas quando o mesmo é submetido a elevadas velocidades. Você também aprendeu o conceito de Número Mach, que é uma relação entre a velocidade da aeronave e a velocidade do som, e deve se recordar que essa última é diretamente dependente da temperatura do ar. Em virtude dos efeitos de compressibilidade do ar, também foi capaz de compreender que, a partir de uma determinada altitude de voo, devemos considerar a velocidade de uma aeronave sempre em termos dessa relação denominada Número Mach. Assim, recapitulando, fizemos abordagens sobre os diferentes regimes de voo em relação à velocidade empregada por uma aeronave, e aprofundamos alguns importantes conceitos afetos aos chamados voos em regime Transônico – aquele onde coexistem na aeronave os fluxos supersônicos e os subsônicos. Em seguida, mergulhamos mais a fundo na análise das consequências de se voar no regime Transônico, principalmente no que tange ao aparecimento de efeitos desfavoráveis ao voo, como as chamadas Ondas de Choque. Nesse ponto, você deve se recordar de que tais Ondas provocam o descolamento da Camada Limite, vibrações, deslocamentos do Centro de Pressão nas asas, aumento de arrasto, dentre outros fenômenos. Você compreendeu que tais fenômenos negativos são intrínsecos à natureza do ar, mas ao final do Capítulo também foi capaz de entender que podem ter seus efeitos minimizados por meio de artifícios que vão desde o adequadodesenho da aeronave e de suas asas até o uso de dispositivos que conseguem retardar o aparecimento das Ondas de Choque, aumentando o Mach Crítico e o Mach de Divergência de Arrasto. Agora, certamente você já é capaz de identificar quais os motivos que levavam as primeiras aeronaves a jato a apresentarem inesperados e até perigosos comportamentos (como fortes vibrações, tendência de picar etc.). Na verdade, tais comportamentos advinham dos efeitos de compressibilidade e de viscosidade do ar, ou mesmo devido ao desconhecimento, à época, de alguns “efeitos colaterais” resultantes da adoção de medidas para minimizar o aparecimento das Ondas de Choque (como o emprego do enflechamento das asas e suas consequências). Ao final do Capítulo, abordamos superficialmente a questão do estudo dos Efeitos Aeroelásticos. 83 Teoria de Voo de Alta Velocidade Por fim, antes de encerrarmos o Capítulo 1, tratamos conceitualmente e de forma muito pouco aprofundada, sobre o regime de voo supersônico. No presente material didático, nossa intenção era estudar mais detalhadamente o regime de voo transônico, característico das modernas aeronaves de alto desempenho empregadas na aviação civil. Porém, compreender como se comporta a aerodinâmica em voos supersônicos também lhe permitiu conhecer os principais aspectos que os caracterizam, e as dificuldades em se projetar aeronaves comerciais capazes de operar em tal regime. Neste momento, utilizaremos tudo o que você já aprendeu sobre aerodinâmica até aqui, e aprofundaremos um tema que já estudou superficialmente, no tocante a um grupo de fatores que devem ser considerados para realizar um voo seguro, e que correspondem aos limitantes a serem seguidos nas fases de decolagem, subida, descida, cruzeiro e pouso, que caracterizam a “Performance” de uma aeronave. Poderemos, então, compreender os principais fatores que limitam cada fase do voo, e que interferem na capacidade de carga de um avião. Você verá, por exemplo, que nem sempre uma aeronave poderá decolar no seu peso máximo estrutural – o peso máximo para o qual foi desenhada, em termos de projeto, por conta de outras restrições impostas. Em seguida, abordaremos outro tema de vital importância para a operação segura de uma aeronave, que trata do seu “Peso e Balanceamento” – ou seja, a capacidade de operar a aeronave dentro de seus limites de estabilidade, definidos pelo fabricante, em função do Centro de Gravidade e do carregamento de diversas massas (combustível, passageiros, bagagens etc.). Antes de prosseguirmos, sugerimos que o aluno dedique alguns momentos para ler o conteúdo do Capítulo 2 do material didático “Princípios, Performance e Planejamento de Voo” da UNISUL. Você poderá relembrar ou obter alguns conceitos essenciais para a compreensão de nosso estudo seguinte, como altitude densidade e verdadeira, Velocidade de decisão (V1), Velocidade de Segurança (V2), entre outros. Da mesma maneira, para que possamos aprofundar um pouco mais sobre o assunto, sugerimos que você também revise conceitos básicos sobre Peso e Balanceamento de aeronaves. Para tal, acesse a Seção 2 do Capítulo 2, do mesmo material didático da UNISUL sugerido anteriormente. 85 Capítulo 2 Fatores Limitantes na Performance de Aeronaves O que abordaremos neste capítulo lhe fornecerá suporte para compreender os principais fatores que limitam o desempenho de uma aeronave, nas fases de decolagem, subida, cruzeiro, descida e pouso, que caracterizam a sua Performance. Segundo o Pilot`s Handbook of Aeronautical Knowledge da FAA, Performance é o termo usado para descrever a capacidade de uma aeronave de realizar tarefas que a habilitam para uma determinada finalidade. (USA, 2016). Neste capítulo, daremos maior ênfase na avaliação daqueles fatores que obrigatoriamente devem ser considerados pelos fabricantes de aeronaves, para que elas cumpram as principais legislações de certificação aeronáutica mais empregadas ao redor do mundo. Ao final do Capítulo, abordaremos questões sobre o correto carregamento da aeronave e a influência do posicionamento do Centro de Gravidade na performance, estabilidade e controlabilidade das aeronaves, ao tratarmos sobre “Peso e Balanceamento”. Você sabia que o Brasil é um dos poucos países no mundo habilitado a promover a certificação aeronáutica de aeronaves? Assim, como nos EUA ou na Europa (dois exemplos de países / continentes com autoridades certificadoras, cujas exigências são contempladas respectivamente nas FAR (Federal Aviation Regulations) e JAR (Joint Aviation Regulations)), o Brasil também possui a sua legislação para a certificação aeronáutica – os chamados RBAC, que se traduzem em uma série de requisitos a serem atendidos por diferentes tipos de aeronaves, para que possam voar em segurança no espaço aéreo de nosso país. No Brasil, a ANAC é a autoridade que homologa os ensaios das aeronaves aqui fabricadas ou modificadas, para que atendam a tais requisitos de segurança e de performance. Um dos manuais a ser confeccionado pelo fabricante de uma aeronave, e que deve ter obrigatoriamente algumas de suas seções aprovadas pela autoridade certificadora da mesma aeronave, é o AFM (Air Flight Mannual / Manual de Voo). 86 Capítulo 2 Assim, em que pese os fabricantes de aeronave disponibilizarem softwares específicos, que fornecem os limitantes a que estão submetidas as aeronaves nas diversas fases do voo (os sistemas eletrônicos de gerenciamento de voo, a bordo das modernas aeronaves, igualmente podem ser alimentados para fornecerem tais limitantes), elas também devem publicar o AFM impresso, para que seja consultado a qualquer momento pelos pilotos. O Manual de Voo de Aeronaves (AFM) é um documento contendo as informações necessárias para operar com segurança a aeronave. As informações de um AFM também são referidas como Dados Técnicos de Aeronavegabilidade (TAWD). Um Manual de Voo típico conterá o seguinte: limitações operacionais, procedimentos operacionais normais / anormais / de emergência, dados de desempenho e informações de carregamento e balanceamento (AFM, 2018). Os AFM trazem, entre outros conteúdos, os Limitantes Operacionais de Desempenho da aeronave, de acordo com a legislação certificadora que a homologou. Tais limitantes incluem, por exemplo, determinadas capacidades mínimas da aeronave para operar em cruzeiro com um dos motores inoperantes, ou para abortar uma decolagem em caso de algumas falhas críticas. Adicionalmente às seções aprovadas do AFM, fabricantes de aeronaves frequentemente incluem outras informações que não requerem aprovação, levando-se em conta os regulamentos de certificação. Por exemplo, um fabricante pode incluir uma descrição dos sistemas, procedimentos recomendados ou correção de fatores para operação em pistas molhadas. A ANAC formalmente não revê esse tipo de informação e o escritório de certificação não a aprova, e somente agirá sobre ela se for considerada inaceitável (BRASIL, 2010). Quando disponíveis, os softwares a que nos referimos também devem ser homologados e certificados pela autoridade competente, responsável pela certificação da aeronave a qual se refere, pois representam a situação real de performance que foi ensaiada e homologada. Ou seja, esses softwares trabalham com dados reais de performance do avião, e possuem em seus algoritmos as curvas de potência dos motores e dados de aerodinâmica da aeronave, fornecidos pelos seus fabricantes, isso resulta na adoção de parâmetros muito confiáveis e que retratam quase fielmente a realidade a ser encontrada em voo. Você já deve ter tido a oportunidade de consultar gráficos de desempenho de aeronaves um tanto complicados e cheios de informação; por exemplo, aqueles que informam o comprimento de pista necessário para realizar uma decolagem. Neles, você deve ingressar com vários dados como temperatura, peso da aeronave, altitude, gradiente da pista (slope), regime dos motores, uso de Flapes e outras informaçõesadicionais, a depender do caso, e realizar interpolações 87 Teoria de Voo de Alta Velocidade após encontrar valores oriundos do encontro de retas e curvas. Ora, imagine um comandante de uma linha aérea tendo que lidar com esses tipos de gráficos, no despacho operacional ou abordo, antes de todas as decolagens e pousos do dia. Na atualidade, para a maioria das aeronaves de alta performance, tais informações são facilmente obtidas por meio de análises computacionais, que podem ser geradas pelos despachantes de voo ou pelos próprios pilotos, ou que já se encontram inseridas nos sistemas de gerenciamento de voo da cabine. No caso de uma companhia de linha aérea, por exemplo, que opera somente em um determinado número de localidades, os pilotos podem previamente dispor a bordo das análises de decolagem e de pouso para cada uma delas, agilizando a operação do dia a dia e fornecendo mais segurança às tomadas de decisão da tripulação. De posse dessas análises, os pilotos podem decidir o quanto de carga / passageiros / combustível levarão a bordo. Mais uma vez, lembramos que nem sempre o piloto terá à sua disposição a capacidade máxima de carga ou de combustível da aeronave, justamente devido às limitações que se apresentam ao longo do voo, nas suas diferentes fases. Assim, por exemplo, para garantir parâmetros de desempenho e de segurança, uma aeronave deverá ter seu peso de decolagem ou de pouso reduzido, isso implica em um planejamento mais apurado ou até na inviabilidade de se cumprir determinado trecho ou rota. Carregar a aeronave com peso acima do que consta de uma análise de decolagem a levará ao não cumprimento de algum parâmetro de certificação, com consequentes riscos em sua operação. Bem, em termos de certificação, é importante destacar que a atmosfera padrão internacional – ISA é um modelo atmosférico usado pelos fabricantes de aeronaves para gerar dados de desempenho. Mas, como as condições atmosféricas reais podem diferir daquelas estabelecidas pela ISA, os dados de desempenho da aeronave também devem ser disponibilizados para condições não padronizadas. Para cumprir esse requisito, os fabricantes publicam dados de desempenho como função da altitude pressão, da temperatura real do ar (OAT) ou do desvio ISA. Assim, correções de variações de densidade de ar não são necessárias, pois são implicitamente consideradas quando são definidas a pressão e a temperatura (lembre-se que o ar é considerado um gás perfeito, para velocidades subsônicas, de modo que apenas duas das três variáveis pressão, temperatura e densidade são necessárias para definir a terceira). Para exemplificar, digamos que, em um determinado momento do dia, um aeroporto localizado a 2000 pés acima do nível do mar (altura geométrica) apresente ajuste QNH de 1020 hPa e temperatura real do ar (OAT) 30° C. A correção de altitude para 88 Capítulo 2 um QNH de 1020 hPa (em relação à atmosfera ISA) é de (-)200 pés (quanto maior a pressão atmosférica, melhor o rendimento dos motores). Assim, como o desvio de pressão em relação à ISA (1013 hPa) é para mais, a altitude pressão desse aeroporto, neste dia em particular, será de: 2000 – 200 = 1800 ft. • Para uma altitude de pressão de 1800 pés, a temperatura padrão (ISA) é: +15 (temperatura padrão a 0 ft) – 1,9812 x 1,8 = + 11,4 ° C. Então, o desvio ISA é: 30 – 11,4 = + 18,6 ° C. Logo, para este aeroporto, nas condições acima especificadas, o desempenho da aeronave deve ser calculado por meio de gráficos de desempenho do fabricante, considerando a altitude pressão de 1800 pés e a temperatura de 30° C (ou desvio ISA + 18,6 ° C). Bem, ao longo do estudo, faremos algumas explanações sobre outros conceitos necessários à compreensão do tema, e que porventura ainda não sejam do seu conhecimento. Assim, não se preocupe! Para iniciarmos o estudo sobre Performance, vamos começar “pelo começo” do voo, ou seja, pela fase de decolagem. Lembre-se de que iremos tratar dos conceitos afetos às aeronaves de maior porte ou de maior performance, como as utilizadas na aviação comercial no transporte de cargas ou de passageiros. Alguns grupos de aeronaves não estão sujeitos a determinados tipos de certificação e, por isso, não têm obrigatoriedade de atender a muitos dos requisitos que veremos por aqui. Como exemplo, aeronaves com peso inferior a 5.670 Kg (12.500 lb) não precisam atender a uma série de requisitos de desempenho de decolagem. Seção 1 Performance de Decolagem de Aeronaves 1.1 Revisão Conceitual e Requisitos de Certificação nas Decolagens Antes de prosseguirmos com a primeira etapa do estudo de performance na decolagem, é prudente revisarmos alguns conceitos e introduzirmos outros, para facilitar a compreensão do que veremos à frente. Primeiramente, vamos apresentar os conceitos das principais velocidades que são empregadas na fase de decolagem (e que estão igualmente sujeitas a regras de certificação), e abordaremos a questão das diferentes nomenclaturas que caracterizam os comprimentos das pistas – as chamadas “Distâncias Declaradas”. 89 Teoria de Voo de Alta Velocidade No tocante à decolagem, os fabricantes devem submeter o avião a uma série de ensaios, para que possam obter a certificação necessária. Nesses ensaios, diferentes velocidades são empregadas e verificadas segundo requisitos específicos. Então vamos lá, revisar algumas que você já aprendeu e apresentar outras. O quadro abaixo resume os conceitos que veremos a seguir. Figura 2.1 – Quadro de Velocidades empregadas numa decolagem (e as suas interrelações), para fins de certificação Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). Você já deve ter ouvido falar nas três velocidades que estão destacadas na figura acima (V1, VR e V2). Essas são as velocidades indicadas (IAS) que o piloto utiliza no momento de decolagem, lidas a partir de seu velocímetro. Todas as demais velocidades descritas são utilizadas somente para efeitos de ensaio e de certificação da aeronave, e são apresentadas para que você conheça a relação entre elas e a V1, VR e V2. Essas velocidades de certificação são necessárias para garantir que as velocidades operacionais sejam seguras do ponto de vista da capacidade de controle, de frenagem e de resistência dos pneus, por exemplo, e são restrições de senso comum. Tome as relações entre a VLOF e a VMAX TYRE: elas existem para garantir que, durante a rolagem da aeronave no solo, não sejam excedidos os limites dos pneus; ou a relação entre a V1 e a VMCG: isso garante que, se um motor falhar perto da V1, o controle direcional poderá ser mantido caso o piloto decida continuar a decolagem, ou retornar para o centro da pista e parar a aeronave, em caso de abortiva; ou ainda a relação entre a VMCA e a V2: isso garante que a aeronave tenha controle direcional adequado, ao sair do solo, mesmo com a inoperância de um dos motores (EMBRAER, 2001). Então, qual o significado de cada uma dessas velocidades? Vejamos (SAINTIVE, 2011 e EMBRAER, 2001): 90 Capítulo 2 As abreviaturas abaixo retratam a terminologia internacional de cada uma das velocidades. VEF – “Engine Failure Speed”- Velocidade de Falha do Motor: É a velocidade na qual o motor assumido como crítico torna-se inoperante. Não pode ser inferior à VMCG. Nota: Motor crítico é aquele que possui maior impacto na performance e controle da aeronave. Num quadrimotor, por exemplo, os motores críticos são os externos. VMCG – “Minimum Control Speed on the Ground”- Velocidade Mínima de Controle no Solo: É a velocidade atingida durante a corrida de decolagem no solo em que, quando ocorre a falha no motor crítico, se a decolagem é continuada, é possível manter o controle direcional do avião usando apenas controles aerodinâmicos primários – leme de direção (roda de direção do nariz não é permitida, para efeito de ensaio), sem se desviar da linha central da pista por mais de 30 pés. Ainda, a força exercida no leme de direção, para manter a aeronave dentro dos limites acima especificados,não pode exceder 68 Kgf, com os demais motores da aeronave operando em regime de decolagem. A figura abaixo exemplifica um ensaio dessa natureza. Figura 2.2 – Ensaio de Velocidade Mínima de Controle no Solo Fonte: EMBRAER (2001). V1 Min – Velocidade de Decisão Mínima: É a velocidade na qual a aeronave se encontrará, após o piloto reconhecer a falha do motor crítico que ocorreu na VEF, e iniciar a primeira ação para trazer a aeronave para uma parada (abortiva de decolagem). 91 Teoria de Voo de Alta Velocidade V1 – “Decision Speed” – Velocidade de Decisão: É a velocidade na qual a decolagem deve ser continuada, a menos que os procedimentos para abortiva já tenham sido iniciados. Essa é uma velocidade crítica e muito importante de ser compreendida pelos pilotos. Mais à frente, comentaremos sobre as possibilidades de reduzir ou aumentar uma V1 balanceada, quando tratarmos do conceito de “Pista Balanceada / Não Balanceada”, e veremos as vantagens e desvantagens de empregar esse método. Nota: é procedimento usual que o a V1 seja anunciada pelo PNF (Pilot Not Flying – piloto que não está voando a aeronave) com 5 Kt IAS de antecedência. Dessa forma, se uma falha de motor ocorrer logo após o anúncio da velocidade, garante-se que a decisão de prosseguir na decolagem será adotada, pois provavelmente a aeronave já deverá ter acelerado os “5 Kt” de diferença e atingido/ultrapassado a V1. A V1 deve sempre assegurar que: • A distância de decolagem até se atingir a altura de 35 ft e a velocidade V2 não excederá a distância de decolagem disponível para a pista (no caso de decisão por prosseguir na decolagem, após a perda de um motor crítico); e • A distância para levar a aeronave a uma parada total não excederá a distância de aceleração e parada disponível para a pista (no caso de decisão por abortar a decolagem, após a perda de um motor crítico). Por fim, a V1 é dimensionada para garantir que seja: • Maior que ou igual à V1min; • Menor ou igual à VR; e • Menor ou igual à VMBE. VR – “Rotation Speed” – Velocidade de Rotação: É a velocidade na qual o piloto inicia a ação para elevar o trem de pouso do nariz fora do chão. Não pode ser menor do que a V1 e menor do que 1,05 VMCA. 92 Capítulo 2 VMBE – “Maximum Break Energy Speed” – Velocidade de Máxima Energia dos Freios: É a velocidade mais alta na qual o avião pode ser parado, sem exceder o limite máximo de capacidade de absorção de energia dos freios (a energia cinética do avião é transformada em calor, pelos freios, no processo de frenagem). A V1 não pode exceder a VMBE. Ela é crítica em decolagens com pouco Flape (pois nessa condição o avião precisa de velocidades maiores para decolar), em elevadas altitudes, com elevados pesos de decolagem e na presença de elevadas temperaturas do ar (SAINTIVE, 2011). VMU – “Minimum Unstick Speed” – Velocidade Mínima com Manche Livre: É a velocidade na qual, acima dela, a aeronave pode deixar o solo (despegar) com segurança e continuar a decolagem sem mostrar características perigosas. A VMU é normalmente definida quando o profundor da aeronave tem força suficiente para levar a aeronave para uma atitude em que possa prosseguir na decolagem. Uma aeronave é definida como de “geometria limitada” quando a sua cauda entra em contato com o solo, antes da atitude necessária para que o profundor gere a sustentação necessária para retirar a aeronave do solo. Nesse caso, a cauda da aeronave irá derrapar no chão até que acelere a uma velocidade suficiente para sair do chão (EMBRAER, 2001). A VMU é ensaiada para as situações de AEO (All Engine Operating) e OEI (One Engine Inoperative). VMAX TIRE – “Maximum Tire Speed” – Velocidade Máxima dos Pneus: É a velocidade máxima no solo para a qual os pneus da aeronave foram estruturalmente certificados. Acima dessa velocidade, os limites de resistência dos pneus são excedidos e podem não resistir às forças centrífugas às quais estão sujeitos, pelo giro das rodas. VLOF – “Lift Off Speed” – Velocidade de Despegue: Intimamente relacionada com a VR, é a velocidade na qual o avião sai completamente do solo. A VLOF não pode ser menor do que 1.10 da VMU (AEO) ou 1.05 da VMU (OEI), exceto para aeronaves limitadas por geometria, onde a VLOF não pode ser inferior a 1,08 da VMU (AEO) ou 1,04 da VMU (OEI). Além disso, a VLOF não pode ser maior do que a VMAX TIRE. 93 Teoria de Voo de Alta Velocidade VMCA – “Minimum Control Speed on the Air” – Velocidade Mínima de Controle no Ar: É a velocidade mínima na qual, quando o motor crítico se torna subitamente inoperante, é possível manter o controle direcional do avião com esse motor inoperante, empregando uma inclinação máxima de 5 graus em direção à asa do motor operante (para compensar o momento causado pela perda do motor). O piloto deve observar que a inclinação das asas provoca aumento de carga “G”, o que irá requerer mais potência para manter um voo nivelado, ou provocar uma redução no gradiente de subida, caso a potência máxima do(s) motor(es) restante(s) já esteja sendo utilizada. V2 – “Take Off Climb Speed” – Velocidade de Decolagem e Subida: É a velocidade alcançada na altura de 35 ft sobre a pista, assumindo um motor inoperante e a rotação iniciada na VR. A V2 é ensaiada para garantir que seja: • Maior ou igual a 1,1 VMCA; • Maior ou igual a 1,2 VS para a configuração de decolagem (ou 1,13 Vs-1g / essa velocidade de estol é a VS corrigida para a situação de voo de 1 “G”); e • Maior ou igual a VR. Numa decolagem normal, ou seja, com todos os motores em funcionamento, uma aeronave geralmente sobe com velocidade 10 a 15 Kt a mais do que a V2, nos primeiros segmentos da decolagem (SAINTIVE, 2011). Nota: a V2 também pode ser utilizada por aeronaves, como parâmetro de segurança para referenciar subidas iniciais em procedimentos de atenuação de ruídos (por exemplo, V2 + 20 Kt, V2 + 25 Kt ou outro valor definido pelo fabricante), até o alcance de uma determinada altitude. Com tais velocidades, inferiores à velocidade normal de subida, obtêm-se maiores gradientes de subida e, consequentemente, atinge-se mais rapidamente uma determinada altitude, minimizando o ruído sobre áreas densamente habitadas. 94 Capítulo 2 Para fins de certificação, é importante que você compreenda que a decolagem de uma aeronave é dividida em cinco fases – cada qual com diferentes requisitos, a saber: Distância de Decolagem; 1o Segmento; 2o Segmento; 3o Segmento e 4o Segmento. O maior peso disponível para a decolagem será o MENOR peso obtido a partir das análises de cada uma das fases, ou seja, a fase mais restritiva irá determinar o limite de peso de decolagem. A próxima figura sintetiza tais fases, ao mostrar um Perfil de Decolagem para fins de certificação. As velocidades que descrevemos há pouco compreendem as fases da Decolagem propriamente dita, e dos 1o e 2o Segmentos. Para a compreensão dos demais Segmentos, vejamos também o conceito dessas duas velocidades abaixo: VFR – “Flap Retraction Speed” – Velocidade Mínima de Recolhimento dos Flapes: É a velocidade (ou a programação de velocidades) em que a retração dos Flapes de decolagem deve ser iniciada, durante o 3o Segmento de decolagem, em caso de falha do motor. A VFR é normalmente definida como V2 + D, onde o “D” é um acréscimo que varia em função da configuração inicial dos Flapes de decolagem. Para as situações em que todos os motores estejam funcionando (AEO), a VFR é apenas uma referência da velocidade mínima na qual o recolhimento dos Flapes deve ser iniciado. VFS – “Takeoff Final Segment Climb Speed” – Velocidade do Segmento Final de Subida: É a velocidade a ser alcançada ao final do 3o Segmento de decolagem (após o recolhimento dos Flapes), e mantida durante o segmento final de subida ao menos até 1.500 Ft de altura, com o trem de pouso e Flapes recolhidos, na situação de perda de um motor crítico. Deve ser maior ou igual a 1,25 VS (ou 1,18 Vs-1g). 95 Teoria de Voo de AltaVelocidade Figura 2.3 – Perfil de decolagem e seus Segmentos, para fins de certificação Fonte: EMBRAER (2001). A figura anterior resume um Perfil de Decolagem completo, para efeitos de certificação. Vamos compreender cada uma dessas fases, e dos requisitos que devem ser satisfeitos durante os ensaios de certificação. O perfil completo de decolagem é uma trajetória que parte da aceleração em potência de decolagem dos motores, a partir de uma posição parada, até o ponto em que a aeronave atinge uma altura de 1.500 pés acima da superfície da pista, ou completa a transição para a configuração de subida em rota (em termos de altura), consoante a que for mais alta, a uma velocidade não inferior a 1,25 VS, com um motor inoperante. A figura a seguir resume as configurações (trem de pouso, Flapes, Potência dos Motores e Velocidade) e os gradientes mínimos de subida (aeronaves com 2, 3 ou 4 motores) para um Perfil de Decolagem, a partir do momento em que a aeronave decola e atinge a V2, e prossegue nos quatro segmentos seguintes (conforme visto na figura anterior). Figura 2.4 – Configurações e Gradiente Mínimo de Subida em Perfil de Decolagem Fonte: EMBRAER, 2001. 96 Capítulo 2 Vamos agora tecer considerações sobre cada uma dessas fases, desde o instante em que a aeronave inicia a rolagem, até o momento em que atinge ao menos 1.500 pés de altura. a. Distância de Decolagem: Os requisitos são determinados com base no princípio de que a aeronave é acelerada para a VEF, momento em que o motor crítico se torna inoperante e permanece inoperante pelo resto da decolagem, e de que a velocidade de segurança de decolagem V2 é atingida antes da aeronave atingir 35 pés de altura. Os segmentos seguintes de voo se iniciam no final da Distância de Decolagem (TOD), na altura de 35 pés. Bem, uma vez apresentado às diversas velocidades empregadas em aviação, que caracterizam o perfil de uma decolagem (no sentido amplo, com seus cinco segmentos), vamos relembrar e aprofundar outros vocábulos que também são imprescindíveis para se planejar uma decolagem, referentes ao comprimento de uma pista de decolagem e pouso. Veremos que uma pista pode ter um comprimento disponível para decolagem até maior do que para o pouso. Você já deve ter ouvido falar que uma pista de decolagem e de pouso não é composta somente pelo seu segmento asfaltado ou de concreto. Essa afirmação é verdadeira por algumas razões. Em tese, analisando-se somente a questão do comprimento de uma pista (sem levarmos em conta a possibilidade de existência de obstáculos após a decolagem, ou a altitude do campo), podemos afirmar que uma aeronave que decola de uma pista com maior comprimento poderá levar mais carga do que outra que decola de uma pista menor, nas mesmas condições. O mesmo pensamento é válido para o pouso. Você compreenderá mais adiante que essa afirmativa é parcialmente correta, sendo válida somente quando o peso de decolagem for limitado pelo comprimento da pista. A partir de um dado comprimento de pista, dependendo de qual fator limitante de decolagem seja mais restritivo (por exemplo, se o peso for limitado pela capacidade dos freios, pelo desempenho dos pneus, pelo desempenho de subida nos segmentos de subida, ou pela existência de obstáculos), de nada adiantará estender a pista de decolagem após um certo comprimento. Mesmo com uma pista considerada “infinita”, o peso de decolagem continuaria sendo limitado por outros fatores. Bem, é possível compreender que nem sempre é possível “construir” uma pista com o tamanho necessário para a operação de todas as categorias de aeronaves, seja por questões de custo ou mesmo por quesitos técnicos ou de espaço físico. Assim, para “estender” o comprimento de uma pista, utilizam-se dois artifícios: a construção das chamadas “Stopway” e “Clearway”, largamente empregadas na maioria das pistas dos aeroportos. Vejamos do que se tratam: 97 Teoria de Voo de Alta Velocidade STOPWAY: A STOPWAY nada mais é do que uma área além do final da pista, com as seguintes características: • Deve ser tão larga quanto a pista; • É centrada em torno da linha central estendida da pista; • Deve ser capaz de suportar o peso do avião, sem causar danos estruturais a ele; • É designada pelas autoridades aeroportuárias para uso na desaceleração do avião, apenas durante uma rejeição de decolagem (abortiva) – RTO “Rejected Takeoff”. Ou seja, a Stopway não precisa ser construída com o mesmo material da pista, desde que suporte o peso da aeronave sem causar danos a ela. Importante observar que o trecho da Stopway não pode ser utilizado pelo piloto como parâmetro para efeitos de decolagem ou de pouso, nos seguintes sentidos – a aeronave não pode usar a Stopway como um acréscimo no comprimento da pista destinado a acelerar e decolar, tampouco para desacelerar após o pouso, mas somente para desaceleração em caso de uma rejeição de decolagem. CLEARWAY: A CLEARWAY é uma área além dos limites da pista, com as seguintes características: • Possui uma largura mínima de 500 pés (152,4 m); • Localizada em torno da linha central estendida da pista; • Seu comprimento deve ser inferior à metade do comprimento da pista; • Sua área deve estar sob o controle das autoridades aeroportuárias; • Em sua área não pode haver nenhum obstáculo sobressaindo acima de 1,25% do plano de rampa, exceto as luzes de cabeceira localizadas nos lados da pista (desde que não excedam 26 polegadas / 66 cm acima do final da pista e que sejam colocadas nas suas laterais). 98 Capítulo 2 Os cálculos de peso máximo de decolagem permitem que a aeronave atinja uma posição de altura de 35 pés sobre a área da Clearway, desde que ao menos metade da distância entre o despegue (VLOF) e o atingimento da V2 sejam realizados sobre a pista, conforme representado na figura a seguir. Figura 2.5 – Requisitos para utilização de uma área como Clearway Fonte: EMBRAER (2001). As imagens abaixo mostram o posicionamento de Clearway e Stopway em duas diferentes pistas. Em ambos os casos, a Stopway encontra-se inserida nos limites da Clearway. Figura 2.6 – Exemplo de Clearway e de Stopway Fonte: Science Direct (2014). 99 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.7 – Exemplo de Clearway e de Stopway Fonte: Science Direct (2014). Os conceitos de Stopway e Clearway são importantes para a compreensão de alguns termos padronizados e empregados na aviação, para caracterizar diferentes comprimentos de pista – as chamadas “Distâncias Declaradas”. As cartas aeronáuticas que tratam da questão do comprimento de uma pista utilizam tais abreviaturas. A figura a seguir resume tal questão. Figura 2.8 – Quadro de “Distâncias Declaradas” Fonte: Hangar 33 (2019). De forma resumida, temos que: LDA – Landing Distance Available – é o comprimento da pista disponível para o pouso. Repare que, na figura anterior, a LDA é menor que o comprimento da pista, haja vista que um trecho da cabeceira 09 está deslocado (possivelmente por conta da existência de obstáculos no eixo da aproximação final daquela cabeceira). TORA – Take-off Run Available – comprimento declarado da pista, disponível para corrida no solo de uma aeronave que decola. Não inclui a Stopway. ASDA – Accelerate and Stop Distance – é o comprimento disponível para a aceleração da aeronave e para a execução de uma abortiva, se necessário. É o somatório da TORA com a Stopway (quando esta existir). 100 Capítulo 2 TODA – Takeoff Distance Available – é o comprimento disponível para a aceleração da aeronave e para o prosseguimento da decolagem, em caso de uma falha durante a rolagem. É o somatório da TORA com a Clearway (quando esta existir). Figura 2.9 – Quadro resumo de “Distâncias Declaradas” Fonte: Adaptado de Aviation Stack Exchange (2015.). b. Primeiro Segmento: É a fase temporal desde a VLOF até o ponto onde o trem de pouso é totalmente retraído. O Gradiente bruto necessário de subida deve ser positivo em todosos momentos, para aeronaves de dois motores, não inferior a 0,3% para aeronaves de três motores, e não inferior a 0,5% para aeronaves de quatro motores. c. Segundo Segmento: Esse segmento começa quando o trem de pouso é totalmente recolhido e pode estender-se a qualquer ponto em que a aeronave nivele para iniciar uma aceleração (para recolhimento dos Flapes, sempre acima da altura mínima de 400 pés – esta altura de nivelamento pode ser maior, a depender da necessidade de livrar obstáculos no perfil da subida). O Segundo Segmento termina quando a aeronave atinge a altura planejada para o início da aceleração para recolhimento dos dispositivos hipersustentadores, ainda mantendo-se a potência de decolagem nos motores remanescentes. A redução da potência ocorrerá ao longo ou ao final do Terceiro Segmento, como será visto a seguir. O segmento é realizado com a configuração de trem de pouso recolhido e Flapes na posição de decolagem. Além disso, nenhuma mudança de potência pode ser feita pelo piloto, até que a aeronave atinja ao menos 400 pés acima da superfície da pista. Os gradientes de subida bruta exigidos devem garantir ao menos 2,4% para aeronaves bimotoras, 2,7% para aeronaves trimotoras e 3,0% para aeronaves quadrimotoras. Durante esse segmento, a aeronave deve manter a velocidade o mais próximo possível da V2. https://aviation.stackexchange.com/questions/22350/how-do-runway-declared-distances-affect-my-takeoff-distance 101 Teoria de Voo de Alta Velocidade Esta é uma das fases que mais impõem limites ao peso de decolagem de uma aeronave. A depender, principalmente, da altitude do campo, da temperatura e da seleção de Flapes de decolagem, os critérios de subida no Segundo Segmento podem restringir seriamente o limite de peso de decolagem de uma aeronave. Tomemos como exemplo a pista de decolagem do Aeroporto Internacional de Brasília, DF. Apesar de suas pistas de decolagem possuírem grande extensão, o fato de o aeródromo encontrar-se localizado a 3.500 pés de altitude causa impactos na limitação do peso de decolagem das aeronaves que por lá operam, haja vista a exigência de se manter um gradiente mínimo de subida no Segundo Segmento. d. Terceiro Segmento: Também conhecido como Segmento de Aceleração, é o primeiro dos segmentos «opcionais». Pode ser usado quando os obstáculos permitem à aeronave voar em atitude nivelada, para possibilitar a sua aceleração. Durante esse segmento, a aeronave é acelerada até a Velocidade Mínima de Recolhimento dos Flapes (VFR) – ou mais de uma VFR – o recolhimento pode ser sequencial, ou seja, a depender da configuração de Flapes empregada na decolagem, cada recolhimento deverá obedecer a um limite de velocidade específico. Recolhidos os Flapes e quaisquer outros dispositivos hipersustentadores, a aeronave é considerada como “limpa” e a sua subida pode ser retomada ao atingir a Velocidade do Segmento Final de Subida (VFS). Uma vez “limpa” e atingida e mantida a VFS, a potência dos motores remanescentes pode então ser reduzida para o regime “Máximo Contínuo” (o qual será mantido até a altitude final de nivelamento, a critério dos pilotos). Teoricamente, os cálculos de decolagem incluem a manutenção dos motores remanescentes em potência de decolagem, até que a aeronave seja “limpa” e acelerada para a VFS; entretanto, caso o limite de tempo estipulado para os motores operarem em potência de decolagem seja atingido antes do fim dessas duas operações, a redução para a potência de “Máximo Contínuo” poderá ser antecipada, com a aeronave nivelada no Terceiro Segmento. O Terceiro Segmento não pode ser iniciado a uma altura inferior a 400 pés acima da superfície de decolagem. e. Quarto Segmento: Também chamado de Segmento de Subida Final de Decolagem, compreende o segmento existente a partir da altura de aceleração escolhida, até uma altitude de ao menos 1500 pés. Os gradientes brutos de subida para este segmento não podem ser inferiores a 1,2% para aeronaves bimotoras, 1,5% para aeronaves trimotoras e 1,7% para aeronaves quadrimotoras, voados a uma velocidade não inferior a 1,25 Vs. 102 Capítulo 2 No Quarto Segmento, os gradientes de subida mínimos consideram que os motores em operação restantes não mais utilizam o regime de potência máxima de decolagem, mas sim o de potência “Máxima Contínua”. Existem duas formas de se calcular os limitantes de peso de uma aeronave, sejam eles de decolagem, subida, cruzeiro, descida ou pouso. Suponhamos o caso de uma decolagem, apenas no tocante aos aspectos de limite dos freios, dos pneus e do comprimento da pista em si. Se o piloto pretende decolar com um determinado peso, entrará com esse valor nos gráficos de desempenho ou software disponibilizados pelo fabricante (juntamente com outras variáveis como temperatura, altitude, ajuste de altímetro, gradiente da pista, tipo de pavimento, direção e intensidade do vento etc.) e descobrirá o comprimento de pista mínimo para que a decolagem naquelas condições seja realizada (os gráficos disponíveis devem refletir os requisitos de certificação). Ao obter o resultado do comprimento mínimo necessário, o piloto deverá comparar esse valor com o comprimento de pista realmente disponível, para saber se é ou não possível decolar com aquele peso. Um outro método, também disponibilizado nos gráficos e, principalmente, nos softwares, utiliza o pensamento inverso. Ou seja, inserem-se os dados da pista a ser utilizada (os mesmos relatados anteriormente, inclusive a existência ou não de clearway e stopway), e os gráficos ou o software informam qual o maior peso de decolagem disponível para aquela situação. Assim, se o peso desejado para a decolagem for inferior ao limitante encontrado, o piloto poderá prosseguir com suas intenções para a fase de decolagem sobre a pista (o piloto deverá gerar outras análises, para as demais fases do segmento de decolagem, e também do voo como um todo – subida após a decolagem, subida em rota, cruzeiro, descida, arremetida e pouso – como veremos ao longo do capítulo). Ao todo, na fase de análise da performance de decolagem, os gráficos ou o software irão comparar 7 (sete) fatores limitantes (Limitante pela Pista, Limitante por Freios, Limitante por Pneus, Limitante por V1 Mínima; Limitante por Trajetória de Decolagem (os quatro segmentos apresentados anteriormente), Limitante por Obstáculos e Limitante por tempo de uso da Potência Máxima de Decolagem (5 min ou 10 min no máximo). O peso máximo disponível para a decolagem deverá ser o MENOR dos sete – ou seja, o mais restritivo (ainda sem levar em conta as demais fases do voo, logicamente, que poderão implicar em reduções ainda maiores no peso de decolagem). Agora que já recordamos ou aprendemos conceitos importantes, e compreendemos como se forma o perfil de uma decolagem em seu sentido mais amplo, vamos abordar um pouco mais sobre os fatores limitantes de peso para uma decolagem. 103 Teoria de Voo de Alta Velocidade 1.1.1 Peso Máximo de Decolagem Limitado pela Pista, pelos Freios e pelos Pneus Primeiramente, abordaremos a primeira fase do perfil – a Distância de Decolagem (ou seja, o quanto de pista é necessário para que um determinado avião, em condições específicas, realize uma decolagem segura, cumprindo requisitos de certificação). A análise da primeira fase da decolagem, para fins de certificação, fornecerá o que se chama genericamente de “limitante de peso determinado pela pista de decolagem” – em inglês “Field Length Limited Takeoff Weight”. Para determinar esse limitante é preciso entender que ele deve atender a duas possibilidades após a ocorrência de uma perda de motor ou de outra emergência grave – quais sejam, a aeronave prossegue na decolagem, após a V1, ou aborta a decolagem até a V1. Assim: a. a aeronave acelera até a V1, tendo perdido um motor na VEF, e posteriormente prossegue na decolagem sem um dos motores; ou b. a aeronave aborta a decolagem nos limites da pista, ligeiramente antesda V1, tendo perdido um dos motores imediatamente antes da V1 (ou tendo sofrido alguma emergência grave, que recomende não prosseguir na decolagem). A Distância de Decolagem necessária para um determinado peso será a MAIOR entre os dois casos. Ou, no pensamento inverso, as duas análises irão gerar dois limites de peso de decolagem (um limitado pela decisão de decolar e outro limitado pela decisão de abortar). O piloto deverá utilizar o MENOR deles. Vejamos cada caso e seus requisitos: 1 – Distância Requerida ou Necessária de Decolagem (Takeoff Distance Required – TOD ou Accelerate and Go Distance – AGD) – será a MAIOR distância entre as duas situações abaixo: a. rolagem da aeronave com todos os motores funcionando (All Engine Operating – AEO) em regime de decolagem, aceleração até a VEF, falha do motor crítico ao atingir essa velocidade, percepção da perda do motor imediatamente antes da V1, continuar na decolagem com um motor inoperante (One Engine Inoperative – OEI), e atingir a V2 a 35 pés de altura, ainda sobre a pista. Os Flapes de decolagem são definidos desde o início da rolagem, e mantidos nessa posição; b. 115% da distância para uma aeronave atingir 35 pés de altura, quando não há a ocorrência de perda de um motor. 104 Capítulo 2 A figura a seguir mostra um esquema de ensaio da AGD. Figura 2.10 – Esquema simplificado – Requisitos para definição da Accelerate and Go Distance. Fonte: EMBRAER (2001). 2 – Distância Requerida ou Necessária para Acelerar e Parar (Acelerate and Stop Distance Required – ASD) – será a MAIOR distância entre as duas situações abaixo: a. rolagem da aeronave com AEO, aceleração até a VEF, falha do motor crítico ao atingir essa velocidade, percepção da perda do motor imediatamente antes da V1, aceleração até a V1 com OEI, manutenção da V1 por dois segundos, início dos procedimentos de abortiva nessa velocidade, prosseguindo até a parada completa da aeronave nos limites da pista, utilizando freios, speed brake e reversores (esses últimos somente considerados para os casos de pista molhada). Os Flapes de decolagem são definidos desde o início da rolagem, e mantidos nessa posição; b. aceleração para a V1 com AEO, manter a aceleração por um período de 2 segundos e, em seguida, desacelerar até uma parada completa da aeronave nos limites da pista, utilizando freios, speed brake e reversores (esses últimos somente considerados para os casos de pista molhada). Os Flapes de decolagem são definidos desde o início da rolagem, e mantidos nessa posição. Nota: as modernas regras de certificação exigem que a aceleração da aeronave seja considerada durante o período de dois segundos mencionado acima (ao invés de manter-se a velocidade constante). Como exemplo, a certificação do EMBRAER-135/140/145 utiliza as regras antigas, ou seja, a manutenção da V1 constante por dois segundos, antes de iniciar a desaceleração até a parada. 105 Teoria de Voo de Alta Velocidade A figura a seguir mostra um esquema de ensaio da ASD (letra “b” anterior, sem especificar a questão dos dois segundos). Figura 2.11 – Esquema simplificado – Requisitos para definir a Accelerate and Stop Distance. Fonte: EMBRAER (2001). Bem, esses foram os requisitos de certificação aos quais algumas categorias de aeronaves estão sujeitas a cumprir, diretamente relacionados à pista de decolagem em si, que influenciam na determinação do peso máximo de decolagem: foram eles o comprimento da pista (que pode ser “aumentado” com a adição de Clearway e Stopway); a capacidade de a aeronave parar nos limites da pista (com ou sem Stopway), em caso de abortiva de decolagem (o que também depende da eficiência e do limite de seus freios em suportar elevadas velocidades e temperaturas, e de suportar as cargas decorrentes de uma abortiva); e a capacidade de a aeronave alcançar 35 pés de altura nos limites da pista (com ou sem Clearway), após sofrer a pane de um motor crítico. Entretanto, outros fatores externos e da própria aeronave também exercem influência no cálculo do peso máximo de decolagem limitado pela pista. Você verá que a maioria desses fatores são intuitivos de se compreender de que maneira exercem influência no desempenho de uma aeronave. Convém, neste momento, abordarmos os principais: a. Altitude Pressão: Você já sabe que, quanto maior a altitude, menor a densidade do ar. Também tem conhecimento de que, quanto menor a densidade do ar, menor é a tração desenvolvida pelo motor da aeronave. Assim, a altitude tem efeito negativo no desempenho do avião, e isso também se reflete na corrida de decolagem. Assim, uma aeronave operando em grandes altitudes levará mais tempo para acelerar até a V1 Min, por exemplo, e consumirá mais pista para tal. Assim, sobrará menos pista para prosseguir numa decolagem, em caso de pane de um motor, e menos pista para abortá-la, resultando na necessária redução do peso máximo de decolagem. A V1, a VR e a V2 aumentam com o aumento da altitude (SAINTIVE, 2011). 106 Capítulo 2 b. Temperatura: O aumento da temperatura possui efeito similar à altitude, reduzindo a densidade do ar. Assim, quanto maior a temperatura, menor o peso máximo disponível para a decolagem, e maiores serão as velocidades V1, VR e V2. c. Vento: A velocidade do vento relatada pela torre do aeroporto é medida a uma altura de 10 metros. Os pesos de decolagem limitados por comprimento de pista, por energia dos freios, por velocidade dos pneus e aqueles limitados por obstáculos (veremos mais adiante este conceito), são afetados pelo vento durante a decolagem. Os ventos de proa melhoram o desempenho de decolagem, devido às menores distâncias necessárias para a aceleração da aeronave, devido ao emprego de velocidades mais baixas em relação ao solo e devido às subidas com maiores gradientes. Já os componentes de vento de cauda degradam o desempenho de decolagem devido à maior distância necessária para aceleração da aeronave, às velocidades mais elevadas em relação ao solo e à adoção de gradientes de subida degradados. Um vento de cauda muito forte pode, por exemplo, penalizar o peso máximo de decolagem, por conta da VMBE e da VMAX TIRE. Nesses casos, a velocidade em relação ao solo será maior do que a velocidade indicada – assim, a aeronave pode alcançar os limites dos freios ou dos pneus, principalmente em caso de necessidade de abortiva. Para evitar isso, os gráficos de análise de decolagem reduzem o valor da V1 para impedir o alcance da VMBE, por exemplo, isso implica em reduzir o peso máximo de decolagem (a decolagem passa a ser limitada pela capacidade máxima de frenagem da aeronave). Em relação à influência do vento na determinação dos limitantes de peso de decolagem, os regulamentos de certificação de desempenho exigem que o fabricante da aeronave considere os seguintes fatores ao desenvolver os gráficos do AFM: • Os gráficos de AFM devem ser desenvolvidos considerando apenas 50% do vento de proa e 150% do vento de cauda reportado. O objetivo é garantir margens de segurança adequadas, no caso de o vento de proa real ser mais fraco do que o reportado, ou no caso de o vento de cauda real ser mais forte do que o relatado; • O vento relatado pela torre do aeroporto (V10 = vento medido a 10 metros de altura) deve ser corrigido para a altura real da aeronave acima do solo, usando a seguinte fórmula: VH = V10 x (H / 10) 1/7, onde H = altura da asa da aeronave acima do nível do solo. 107 Teoria de Voo de Alta Velocidade Os gráficos do AFM já incorporam esses ajustes de vento, de modo que nenhuma correção adicional é necessária (ou seja, o vento relatado pela torre deve ser utilizado sem correções, ao calcular o desempenho de decolagem pelo AFM). d. Posição dos Flapes: As aeronaves costumam ter duas ou mais posições de Flapes, que podem ser empregadas nas decolagens. A escolha dos Flapes para a decolagem depende da circunstância, e cada posição de Flape possui suas próprias vantagens e, por vezes,penalidades. O uso de Flapes (especialmente os do tipo “Fowler”) acarreta aumento de sustentação, mas também produz arrasto. Esse aumento de arrasto certamente prejudica a aceleração da aeronave, mas comparativamente ao aumento da sustentação, possui um efeito menor. Assim, em linhas gerais, o emprego de maiores angulações de Flapes propicia uma decolagem com comprimentos de pista mais reduzidos. Basicamente, um ajuste de Flape com ângulos menores permite uma melhor subida, enquanto um ajuste com ângulos maiores resulta em decolagens mais curtas, com menor necessidade de pista. Então, sem contar outros fatores limitantes (Segundo Segmento, por exemplo), se a decolagem deve ser realizada a partir de uma pista curta, a maior configuração de Flapes provavelmente será a melhor opção; por outro lado, se a decolagem será executada a partir de uma longa pista ou a partir de pistas localizadas em grandes altitudes, a configuração de Flapes com maiores ângulos provavelmente será uma má escolha, haja vista o consequente arrasto elevado e pior gradiente de subida. A figura abaixo exemplifica o que comentamos anteriormente, quanto ao emprego de duas configurações de Flapes de decolagem. O exemplo é da família do jato EMBRAER 145, que utiliza dois ajustes possíveis de Flapes para a decolagem: 9 e 22 graus. Figura 2.12 – Emprego de diferentes configurações de Flapes e seus perfis de decolagem. Fonte: EMBRAER (2001). 108 Capítulo 2 e. Gradiente da Pista (Slope / Rampa): O Gradiente da Pista, conhecido como “rampa” ou “slope”, nada mais é do que a razão definida pela diferença de alturas entre as cabeceiras da pista e o comprimento da pista, representadas em uma porcentagem. A FAA limita esse percentual em um máximo de 2%. Por exemplo, se uma pista de 2.400m apresenta cabeceiras com diferença de altura de 20m, o gradiente da pista será de 0,8%. Esse gradiente será positivo ou negativo, a depender da cabeceira escolhida para realizar a decolagem. Gradientes positivos reduzem o peso máximo de decolagem, haja vista que parte da tração dos motores é utilizada para “subir a rampa” (Up Hill), restando menos potência para acelerar a aeronave. Já os Gradientes negativos exercem influência contrária, pois ao “descer a rampa” (Down Hill) a gravidade ajuda a acelerar o avião. No caso do gradiente negativo, você pode imaginar que ele poderia influenciar negativamente na capacidade de frenagem da aeronave, em caso de abortiva. Esse pensamento é correto, porém, o efeito de aceleração até a V1 é superior ao impacto na frenagem, e o balanço acaba sendo positivo e permitindo um aumento no peso máximo de decolagem (comparativamente a uma pista sem Gradiente). f. Condições da Pista: Os requisitos de performance, para fins de ensaio, consideram que a pista de decolagem é de superfície dura e seca, sem buracos. Ou seja, nos casos de operação em pistas não pavimentadas, ou na ocorrência de gelo, neve, slush (mistura de neve e sujeira), pista molhada ou contaminada, o peso máximo de decolagem encontrado nas análises deverá ser penalizado, corrigido para valores menores (os fabricantes incluem esse percentual de “penalidade” em suas publicações e nos softwares). Vamos rever algumas das expressões acima, que caracterizam as condições de uma pista, e abordar quais os seus efeitos sobre o desempenho na decolagem de uma aeronave (EMBRAER, 2001). • Pista Molhada: Uma pista é considerada “molhada” quando seu pavimento está completamente encharcado, brilhante na aparência e com profundidade menor do que 1/8 de polegada (3 mm) de água. Uma pista molhada não é considerada uma pista contaminada. Até 1998, a FAA (Estados Unidos) não exigia ensaios em pistas molhadas. Porém, agora tais ensaios são necessários para aviões certificados após a alteração 25-92 do FAR 25 (aplicável, por exemplo, na certificação das aeronaves brasileiras ERJ-170/190). Já a JAA (Joint Aviation Authorities -Europa) exige a realização de ensaios com pista molhada para todos os modelos de aeronaves. 109 Teoria de Voo de Alta Velocidade • Pista Contaminada: Uma pista é considerada contaminada quando mais de 25% da superfície a ser utilizada é coberta por água parada com mais de 3 mm de profundidade. As pistas cobertas de neve e lama também são consideradas contaminadas, dependendo da profundidade do agente contaminante. • Pista Escorregadia: Uma pista é considerada escorregadia se apresentar um acúmulo de neve ou de gelo compactado, que causam menor eficiência de frenagem durante a desaceleração da aeronave. “Forças de Retardo” durante a aceleração da aeronave (causadas por arrasto de precipitação) são insignificantes em pistas escorregadias. A JAA exige a certificação para desempenho em pistas escorregadias, mas a FAA não cobra tal requisito. Em resumo, as condições da pista impactam na determinação do “limitante de peso determinado pela pista de decolagem” – em inglês “Field Length Limited Takeoff Weight” da seguinte forma: • Pistas contaminadas: • Redução na capacidade de frenagem devido à água / lama / neve acumulada na pista, causando um aumento na distância necessária para desacelerar e parar a aeronave a partir da V1. • Maior arrasto de precipitação (arrasto do deslocamento do trem de pouso e do impacto da água / lama / neve acumulada na pista), causando um aumento na distância para acelerar para a V1, aumento na Accelerate and Go Distance – AGD e aumento na Distância de Decolagem AEO, mas redução na distância necessária para desacelerar e parar a aeronave a partir da V1. Já as pistas molhadas e escorregadias: Não apresentam Arrasto de Precipitação, portanto, a distância necessária para acelerar até a V1 não é afetada, o mesmo ocorrendo com a AGD e a distância de decolagem AEO. Mas, a distância para desacelerar e parar a aeronave a partir da V1 é muito aumentada devido à redução da capacidade de frenagem associada a uma pista molhada / escorregadia. Portanto, para um certo peso de decolagem fixo, as distâncias de decolagem aumentarão, afetando também os pesos máximos de decolagem limitados por obstáculos. 110 Capítulo 2 Devido às razões explicadas, a V1 é recalculada e, tipicamente, a redução da V1 será maior em uma pista molhada / escorregadia do que em uma pista contaminada. Problemas com a V1 MIN podem ocorrer devido às reduções de V1 associadas às pistas molhadas / escorregadias / contaminadas, consequentemente, exigindo reduções adicionais de peso de decolagem. Para não penalizar excessivamente os operadores ao operarem em pisos molhados, escorregadios ou contaminados, a JAA permite, por exemplo, que a aeronave atinja uma altura de 15 pés no final da distância de decolagem e na AGD, e ultrapasse os obstáculos por 15 pés (percurso “líquido”), em vez de 35 pés previstos para desempenho em pistas secas. Já comentamos que depósitos de água, lama ou neve podem fazer com que uma pista seja considerada contaminada. Como cada um desses contaminantes tem características diferentes, seria necessário desenvolver gráficos individuais nos AFM, para cada tipo de contaminante. Além disso, a neve pode estar presente em vários estágios, aumentando ainda mais o número de cartas de AFM necessárias. A fim de reduzir no AFM o número de cartas de pista contaminada, os fabricantes de aeronaves geralmente apresentam o desempenho da pista contaminada como uma função do WED – Water Equivalent Depth (Profundidade Equivalente em Água). Para cada tipo de contaminante e profundidade há um arrasto de precipitação associado (arrasto de deslocamento do trem de pouso e arrasto por resistência ao impacto com o contaminante), para o qual sempre existe uma certa profundidade de água que resulta no mesmo arrasto. Essa profundidade de água equivalente é chamada de WED, e os fabricantes de aeronave costumam disponibilizar aos operadores um gráfico que transforma diversos tipos de contaminantes em sua equivalência com a água. A partir daí, podem gerar gráficos dedesempenho que contabilizam somente a água como fator contaminante (EMBRAER, 2001). g. Presença de Gelo na Aeronave: Assim como a presença de gelo na pista impõe limitações no peso máximo de decolagem, a presença de gelo na superfície da aeronave também reduz a sua performance. O gelo em determinadas regiões do avião é motivo de muita preocupação e representa elevado risco à segurança do voo, pode aumentar consideravelmente o arrasto e reduzir a capacidade dos aerofólios de gerar sustentação. Para minimizar a possibilidade de que o gelo se agregue à superfície, as aeronaves contam com sistemas antigelo, os quais normalmente sangram ar pressurizado dos motores, o que resulta em redução de seus desempenhos. Assim, a presença de gelo, quer na pista ou nos aerofólios, implicará a redução do peso máximo de decolagem disponível (SAINTIVE, 2011). 111 Teoria de Voo de Alta Velocidade h. Utilização ou falha de determinados Sistemas da Aeronave: Vimos no item anterior que, em virtude da expectativa ou do aparecimento de gelo na superfície da aeronave, o piloto deverá efetuar uma decolagem com o sistema antigelo acionado, acarretando sangria de potência dos motores. Da mesma forma, outros sistemas da aeronave também podem impactar no desempenho em decolagens. Como exemplo, temos que a utilização de ar- condicionado (ou de pressurização) também depende da sangria de ar dos compressores do motor, consequentemente, reduzem a sua performance. Tal redução de performance impacta no comprimento de pista necessário para a decolagem, bem como nos gradientes de subida da aeronave, penalizando-os. Por fim, no caso de inoperância de alguns sistemas da aeronave, o peso máximo de decolagem também pode sofrer restrições. Podemos citar a inoperância parcial de um sistema de freios (por exemplo, inoperância do “anti-skid”), a inoperância de spoilers ou mesmo a inoperância de sistemas computacionais que gerenciam a tração dos motores. Em todas estas situações, caso não sejam declarados pelos fabricantes como fatores impeditivos para uma decolagem, causarão impacto na determinação do peso máximo disponível para tal fase do voo. i. Desempenho dos Freios e dos Pneus da Aeronave: Este é um assunto que já foi indiretamente tratado nos itens anteriores. Vamos rever e compreender. Como vimos, para cumprir requisitos de certificação, uma aeronave deve ser capaz de abortar uma decolagem dentro dos limites da pista, isso logicamente requer uma atuação eficiente dos freios. Você deve se recordar do conceito da VMBE, que é a velocidade máxima que uma aeronave é capaz de atingir no solo, na qual terá condições de efetuar uma parada segura, respeitando a capacidade dos freios em transformar energia cinética em energia térmica e frear o avião. Os freios devem ser capazes de absorver essa energia térmica. Se mais energia térmica for gerada do que os freios são capazes de absorver, eles superaquecerão e poderão ser destruídos. Portanto, há uma velocidade máxima para a frenagem total até uma parada completa, e essa velocidade é a VMBE. Assim, levando em conta outros fatores vistos anteriormente, devemos considerar que decolagens efetuadas em situações extremas e desfavoráveis, como em pistas com elevada altitude, com elevada temperatura, com declive (slope) negativo, com vento de cauda ou com pouco Flape, poderão acarretar na necessidade de redução da V1 (para não ultrapassar a VMBE) e de redução da VLOF (para não alcançar a velocidade máxima dos pneus). Ambas as reduções de velocidade (V1 e VLOF) implicam na necessidade de redução do peso máximo de decolagem (SAINTIVE, 2011). 112 Capítulo 2 Quando a V1 Otimizada (veremos esse conceito adiante) tem que ser reduzida para não exceder a VMBE, há degradação no peso limite da decolagem. Esse peso degradado é então chamado de Peso Máximo de Decolagem Limitado pelos Freios (ou Maximum Brake EnergyLimited Takeoff Weight, em inglês). Da mesma forma, os pneus da aeronave possuem uma velocidade máxima de rodagem, acima da qual pode haver deformações ou até mesmo estouro ou colapso dos pneus e conjunto de rodas. A limitação de velocidade do pneu representa a velocidade máxima no solo para a qual os pneus foram estruturalmente certificados. Acima da VMAX TIRE, os limites de resistência dos pneus são excedidos e podem não suportar as forças centrífugas (causadas pela alta rotação da roda) às quais estão sujeitos. Quando a VLOF tiver que ser reduzida para não exceder a VMAX TIRE, haverá degradação no limitante de peso de decolagem. Esse peso degradado é então chamado Peso de Decolagem Limitado pelos Pneus (ou Tire Speed Limited Takeoff Weight, em inglês). Pistas Balanceadas e Não Balanceadas Neste ponto do estudo, convém relembramos que existem sete fases e fatores que devem ser considerados para encontrar o limitante de peso de decolagem: Limitante por Pista, Limitante por Freios, Limitante por Pneus, Limitante por V1 Mínima; Limitante por Trajetória de Decolagem, Limitante por Obstáculos e Limitante por tempo de uso da Potência Máxima de Decolagem. Até o momento, abordamos somente os três primeiros. Antes de prosseguirmos na análise dos demais limitantes de decolagem, vamos aprofundar o conceito de Velocidade de Decisão (V1) que abordamos anteriormente. Uma melhor compreensão dessa importante velocidade é fundamental para que o piloto possa operar com pesos de decolagem otimizados. 113 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.13 – Representação gráfica da relação entre a V1 e o Peso de Decolagem, para um comprimento de pista fixo. Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). Com base na figura anterior, podemos observar que, para um comprimento de pista fixo (assim como fixos a altitude, a temperatura e a posição dos Flapes), um incremento na V1 resultará na disponibilidade de um maior peso de decolagem (considerando “Accelerate-Go”, ou seja, prosseguir na decolagem após a V1), devido à redução de tempo e de distância para aceleração entre a VEF e a VR, mas um menor peso de decolagem considerando a execução de uma rejeição de decolagem (“Accelerate-Stop”), devido à maior quantidade de energia cinética a ser absorvida durante a manobra de frenagem. Similarmente, uma V1 menor resulta em menor peso de decolagem (“Accelerate-Go”) e maior peso de decolagem de rejeição (“Accelerate-Stop”). A interseção das linhas “Continuar a decolagem” e “Abortar a decolagem” define o peso máximo do avião (e a menor pista necessária para decolagem) que satisfaz os critérios “Accelerate-Go” e “Accelerate-Stop”. Quando esse peso é menor do que o Peso Limitado por Comprimento de Pista para a operação com todos os motores (AEO), ele se torna o Peso Limitado por Comprimento de Pista para decolagem (situação que pode ocorrer com aeronaves trimotoras ou quadrimotoras) (SAINTIVE, 2011). A decolagem é então descrita como em um “Peso Limitado por Comprimento de Pista Balanceada”, pois as distâncias “GO” e “STOP” são iguais. É caracterizada pelo fato de que o avião utilizará todo o comprimento da pista para atingir 35 pés, no caso de prosseguir na decolagem após a V1, bem como para desacelerar e parar a aeronave no caso de uma abortiva / rejeição (RTO) iniciada na V1. Quando as distâncias AGD e ASD são iguais, dizemos que a Pista e a V1 correspondente são “Balanceadas”. A figura abaixo ilustra essa situação. 114 Capítulo 2 Figura 2.14 – Representação do conceito de Pista Balanceada – ASD e AGD iguais Fonte: EMBRAER (2001). Você deve se recordar que, anteriormente, abordamos os conceitos de Stopway e Clearway. Na ocasião, explicamos que tais “áreas” são empregadas para “estender” o comprimento das pistas, e são, respectivamente, utilizadas para desacelerar a aeronave ou permitir que prossiga na decolagem após a perda de um motor. Então, em relação ao conceito de “Balanceamento de uma Pista”, temos as seguintes situações: Decolagem padrão em Pista Balanceada Para uma decolagem com V1 e Pista balanceados, a distânciahorizontal que o avião usa para subir até 35 pés é igual a distância necessária para parar o avião, após a V1. Decolagem com Pista Desbalanceada por Clearway: Se uma Clearway estiver disponível, o avião pode atingir 35 pés em um ponto sobre a Clearway – ou seja, houve um alongamento da TODA (Takeoff Distance Available), o que permite uma maior AGD (Accelerate and Go Distance). Com uma TODA maior, é possível que o avião decole com um peso maior, devido a maior distância disponível para atingir 35 pés. Entretanto, considerando-se somente a existência da Clearway (ou seja, sem alteração da ASDA – Accelerate and Stop Distance), o peso maior requer que seja selecionada uma V1 menor (em comparação à V1 Balanceada). Isso porque, com uma mesma ASDA, a aeronave ainda deve ser capaz de parar na pista disponível. Lembre-se de que a Clearway não pode ser usada para parar a aeronave, num caso de abortiva. Nessa situação, ao modificarmos a V1, dizemos que o Comprimento da Pista e a V1 estão “Desbalanceadas” por uma Clearway. Decolagem com Pista Desbalanceada por Stopway: Empregando o mesmo pensamento do item anterior, em caso de existência de uma Stopway, a distância disponível para parar o avião após a V1 é aumentada. Isso permite um peso de decolagem maior, mas requer uma V1 igualmente maior do que a V1 Balanceada, para garantir que o avião ainda possa alcançar a altura de 35 pés até o final da pista (considerando que não há Clearway), no caso de decidir-se em prosseguir na decolagem. Ao modificarmos a V1, dizemos que o Comprimento da Pista e a V1 estão “Desbalanceadas” por uma Stopway. 115 Teoria de Voo de Alta Velocidade A figura abaixo resume as três situações anteriores. O primeiro caso é de uma pista Balanceada, com a AGD e ASD iguais e o peso de decolagem “W”. O segundo caso é o de uma pista Desbalanceada por Clearway, sendo que o peso de decolagem poderá ser maior do que “W”, porém, com a necessidade de redução da V1 em relação à V1 Balanceada. No último caso, vemos uma Pista Desbalanceada por Stopway, com um peso de decolagem que poderá ser maior do que “W”, mas agora com a necessidade de uma V1 maior do que a V1 Balanceada: Figura 2.15 – Representação de Pista e V1 Balanceadas e Desbalanceadas Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). Na imagem acima, percebe-se que há um aumento da AGD e da ASD. Tais aumentos não são necessariamente iguais, ou seja, do mesmo comprimento, pois dependerão do tamanho da Clearway / Stopway. A influência de cada uma no aumento da disponibilidade de peso também irá depender de outros fatores como a altitude, a temperatura e o coeficiente de atrito da pista. Via de regra, Clearways costumam ser maiores do que as Stopway, em comprimento. Agora, repare na figura abaixo: 116 Capítulo 2 Figura 2.16 – Relação entre Peso Máximo de Decolagem, V1, Stopway e Clearway Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). A V1 OPT é a V1 otimizada, calculada usando tanto a Clearway quanto a Stopway disponível. No gráfico da figura anterior, V1 CLW, V1 SWY e V1 OPT são V1 “Desbalanceadas”. O peso máximo de decolagem limitado pela pista (limitante de peso determinado pela pista de decolagem) é WOPT, e V1 OPT pode ser maior ou menor que V1 BAL (V1 “Balanceada”), dependendo de qual fator afeta mais o aumento de peso – a Clearway ou a Stopway. Como regra geral, V1 CWY será sempre menor que V1 BAL, e V1 SWY será sempre maior que V1 BAL (o uso da Clearway diminui a V1 e o uso da Stopway aumenta a V1). Agora, repare na próxima figura. Nela, é possível observar que existe uma faixa de V1 válida, que pode ser usada se o peso real de decolagem for menor do que o Peso Máximo de Decolagem Limitado Pelo Comprimento de Pista. O uso da menor V1 da faixa resultará na aeronave atingindo a altura de 35 pés (prosseguir na decolagem) no final da pista, mas parando a aeronave antes do final da pista (no caso de abortiva na V1). Já o uso da maior V1 da faixa resultará na aeronave atingindo a altura de 35 pés (prosseguir na decolagem) antes do final da pista, mas parando a aeronave no final da pista após a V1 (aceleração-parada). O uso de uma V1 entre o menor e o maior valor resultará em uma AGD e uma ASD inferiores ao comprimento total da pista. 117 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.17 – Representação de Faixa de V1 Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). A fim de simplificar os procedimentos dos pilotos em relação à determinação das velocidades de decolagem, algumas empresas aéreas preferem usar o conceito de uma V1 fixa. Digamos, por exemplo, que uma companhia aérea tenha decidido sempre usar uma V1 igual à VR. Nesse caso, o procedimento para o piloto determinar a V1 é simplificado (V1 será sempre igual à VR, independentemente do peso, temperatura ou vento de decolagem). Porém, como resultado, o peso máximo de decolagem limitado pelo comprimento da pista poderá ser penalizado em alguma situação (conforme figura anterior, sempre que a V1 for distinta da V1 Balanceada). Se o operador da aeronave a emprega em pistas grandes e localizadas em baixas altitudes, provavelmente o emprego de uma V1 fixa não causará impactos no peso de decolagem (avaliando-se somente o comprimento da pista, sem levar com conta a existência de obstáculos após a decolagem, por exemplo). Em cálculos de desempenho de decolagens desbalanceadas, onde um intervalo de V1 pode ser usado, pode ocorrer que o melhor resultado encontrado para a V1 seja menor do que a V1 MIN (recorde o conceito de V1 Mínima, visto anteriormente). Isso ocorre com mais frequência em cálculos de decolagem para pistas molhadas e escorregadias, em que a V1 é baixa devido ao prejudicado desempenho de aceleração e parada da aeronave (ou seja, a V1 é reduzida para permitir que a mesma possa desacelerar e parar nos limites da pista após a V1, constatada uma emergência que justifique essa manobra abortiva). Quando isso ocorre, é necessário selecionar uma relação V1 / VR mais alta, penalizando assim o peso de decolagem. Neste caso, dizemos que o peso de decolagem é limitado pela V1 MIN. Em algumas situações, é possível superar a limitação da V1 MIN reduzindo o empuxo dos motores da aeronave, ou seja, aumentar o peso de decolagem diminuindo o empuxo de decolagem. Isso parece contraditório, mas não o é. É possível porque uma redução da potência dos motores (uso de empuxo reduzido/ degradado) resultará em uma redução da VMCG, reduzindo assim a V1MIN. 118 Capítulo 2 As modernas aeronaves contam com computadores que controlam a potência dos motores, com base em diversos fatores como temperatura e altitude pressão. Tais aeronaves costumam contar com diversos regimes de potência disponíveis, que podem ser facilmente selecionados pelos pilotos. Usualmente, tais regimes podem ser: Potência de Decolagem, Potência de Subida, Potência de Cruzeiro e Potência Máxima de Uso Contínuo. O regime de Potência de Decolagem pode ser dividido em dois ou mais regimes, para permitir a degradação da potência em relação ao regime normal de decolagem, conforme abordaremos rapidamente a seguir. Emprego de Potência Degradada de Decolagem (Decolagem com Tração Reduzida) Os motores de uma aeronave são desenhados para disporem de um determinado empuxo nominal para empregar nas decolagens. Usar mais do que esse empuxo nominal não é permitido como um procedimento usual, porque isso afeta seriamente a vida útil do motor (que irá operar com temperaturas mais altas). Entretanto, já o caso oposto é viável. Se o peso de decolagem da aeronave estiver muito abaixo do limitante de decolagem, e as velocidades associadas forem recalculadas para um novo regime, então poderá ser usado um valor menor que o empuxo nominal de decolagem. Então, o que acontece na prática? Um voo está programado para acontecer. A tripulação recebe o brifim do despacho operacional e prossegue para o avião. Após tomar ciência das condições atualizadas do aeródromo e do carregamento da aeronave, a análise da pista deve ser verificada como peso correto e final da aeronave. Vamos supor que o peso real da aeronave seja de 17.000 Kg e o peso máximo de decolagem, para as condições que se apresentam considerando a potência máxima nominal de decolagem, seja mostrado na análise da pista como sendo de 20.000 Kg. Isso significa que o empuxo de decolagem nominal será maior do que o empuxo necessário para decolar. Então, o uso de empuxo reduzido tem a grande vantagem de “economizar” os motores, diminuindo a temperatura de operação da turbina. A longo prazo, essa economia é muito significativa em termos de tempo entre revisões e de custos de revisão dos motores, o que influi nos custos operacionais da empresa e aumenta a sua eficiência (EMBRAER, 2001). Os procedimentos de decolagem com tração reduzida devem garantir que a redução de tração nunca seja superior a 25% da tração máxima de decolagem disponível (lembrando que a decolagem com tração reduzida é uma operação certificada pelos órgãos homologadores e que cumpre com todas as margens de performance requeridas). No caso das aeronaves Boeing 737-700, por exemplo, a operação com tração reduzida é realizada utilizando o “Método da Temperatura Assumida”, o qual se baseia em considerar que a temperatura local é superior à real, obtendo-se uma tração de decolagem suficiente para o peso real de decolagem. 119 Teoria de Voo de Alta Velocidade Para um peso de decolagem e OAT fixos, a utilização de tração reduzida de decolagem, ao invés de tração máxima de decolagem, resulta numa operação mais próxima dos limites de performance da aeronave. Bem, nesse ponto você pode estar se perguntando: ora, ocorrendo a perda de um motor durante a decolagem, o fato de utilizar uma potência reduzida não comprometerá o desempenho da aeronave para prosseguir na decolagem e, posteriormente, comprometer também o desempenho nos segmentos de subida? A resposta é não. As aeronaves que operam com regimes de potência de decolagem degradada, que são definidos automaticamente por sistemas computacionais, possuem uma lógica que comanda o emprego de potência máxima de decolagem nos motores em operação, sempre que ocorre a perda de um dos motores nessa fase. Assim, ao perder um motor, por exemplo, os motores restantes são acelerados automaticamente para a potência máxima de decolagem, para garantir adequado desempenho nas fases seguintes. Na ocorrência de falha ou inexistência de automação, ou no caso de emprego do Método de Temperatura Assumida, os pilotos podem a qualquer momento avançar os manetes de potência até o máximo do regime de decolagem. Em complemento, seguem algumas considerações usuais sobre o emprego do Método de Temperatura Assumida, para uso de tração de decolagem reduzida: • a utilização de tração reduzida é proibida em pistas contaminadas (água, neve, slush (mistura de neve e sujeira), gelo) ou com antiskid da aeronave inoperante; • não é recomendada a utilização de tração reduzida se existirem condições meteorológicas potenciais para a formação de Windshear, no segmento de decolagem; e • é permitida a utilização de tração reduzida em pistas molhadas, desde que sejam utilizadas as análises de decolagem calculadas para a condição “Wet”. Afinal, quais são as vantagens de uso de cada método de tração reduzida? O método da “temperatura assumida” tem a vantagem de permitir um ajuste fino da redução. Por outro lado, o método de “redução automatizada da tração” é mais simples porque o piloto não precisa ajustar os manetes de potência. Eles são simplesmente movidos para a posição de decolagem, com a correta seleção do regime selecionado. Esse último método também tem a vantagem de produzir dados estatísticos mais consistentes sobre a vida útil do motor, porque os dados de voo podem ser agrupados em dois tipos de decolagem somente (“com” ou “sem” tração reduzida). O uso do método da “temperatura assumida” resulta em dados estatísticos onde em cada decolagem os parâmetros de potência do motor são selecionados de forma diferente (EMBRAER, 2001). 120 Capítulo 2 Bem, até o momento abordamos quadro dos sete fatores de ensaio que podem limitar o peso de uma decolagem. Foram eles: Limitante por Pista, Limitante por Freios, Limitante por Pneus e Limitante por V1 Mínima. Para complementar o nosso estudo, passaremos a tratar dos demais limitantes de decolagem, quais sejam: Limitante por Trajetória de Decolagem, Limitante por Obstáculos e Limitante por tempo de uso da Potência Máxima de Decolagem. 1.1.2 Peso Máximo de Decolagem Limitado por tempo de uso da Potência Máxima de Decolagem A maioria dos motores das modernas aeronaves é certificado para operar em regime de Potência Máxima de Decolagem por um período máximo de 5 ou 10 minutos. Como o empuxo de decolagem é usado até o final do 3º segmento, uma restrição de tempo de 5 / 10 minutos entre a liberação dos freios e a aceleração até o voo nivelado para alcançar a VFS deve ser observada. Se o tempo para atingir o final do 3º segmento exceder 5 minutos (ou 10 minutos, dependendo da aeronave), o peso de decolagem deve ser diminuído para permitir melhores gradientes de subida e de aceleração. Esse peso reduzido é chamado de Peso Máximo de Decolagem Limitado por Tempo de Uso da Potência de Decolagem (ou 5 / 10 -Minutes Thrust Limited Takeoff Weight, em inglês). O Peso de Decolagem Limite de 5 / 10 Minutos é também conhecido como Peso Máximo de Decolagem Level-Off, pois para cada altitude de nivelamento escolhida (trecho necessário para recolher os Flapes e acelerar para a VFS), há um peso máximo associado, que resultará na conclusão do período de 5 / 10 minutos ao final do 3º segmento. Relembrando, a Altitude Máxima de Nivelamento (“Maximum Level Off”), para um determinado peso da aeronave, é a altitude máxima em que o 3º segmento pode ser completado, antes que o limite de tempo de uso da potência de decolagem seja atingido. O assunto que vamos tratar agora refere-se aos 2º, 3º e 4º Segmentos. Os Segmentos 2 e 4 requerem a adoção de gradientes mínimos de subida, e os três Segmentos podem ser influenciados pela presença de obstáculos. 1.1.3 Peso Máximo de Decolagem Limitado por Trajetória de Decolagem O Peso de Decolagem Limitado por Trajetória de Decolagem (Climb Limited Takeoff Weight, em inglês), também conhecido como Peso de Decolagem Limitado por Altitude e Temperatura, está relacionado a gradientes mínimos de subida ao longo da trajetória de voo de decolagem. Como apresentamos anteriormente, a trajetória de voo de decolagem é dividida em vários segmentos, conforme relembramos a seguir: 121 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.18 – Perfil de decolagem e seus Segmentos, para fins de certificação Fonte: EMBRAER (2001). Vamos iniciar com a análise do Segundo Segmento. Assim, primeiramente, relembre os gradientes de certificação necessários de serem atendidos, nessa fase da decolagem, pela revisão dos conceitos dos Segundo e Quarto Segmentos: O Segundo Segmento começa quando o trem de pouso é totalmente recolhido e pode estender-se a qualquer ponto em que a aeronave nivele para iniciar uma aceleração (para recolhimento dos Flapes e captura da VFS), sempre acima da altura mínima de 400 pés. Como estudamos anteriormente, o limite superior é ditado pela necessidade de livrar obstáculos, ou pelo ponto em que a potência de decolagem dos motores remanescentes deva ser reduzida para o regime “Máximo Contínuo”, no Terceiro Segmento, após o recolhimento dos Flapes e aceleração para a Velocidade do Segmento Final de Subida (VFS). O segmento é realizado com a configuração de trem de pouso recolhido e Flapes na posição de decolagem. Além disso, nenhuma mudança de potência pode ser feita pelo piloto, até que a aeronave atinja ao menos 400 pés acima da superfície da pista. Os gradientes de subida bruta exigidos devem garantir ao menos 2,4% para aeronaves bimotoras, 2,7% para aeronaves trimotoras e 3,0% para aeronaves quadrimotoras. Durante este segmento, a aeronavedeve manter a velocidade o mais próximo possível da V2. O Quarto Segmento – Segmento de Subida final de decolagem compreende o segmento existente a partir da altura de aceleração escolhida, até uma altitude de ao menos 1500 pés. Os gradientes brutos de subida para este segmento não podem ser inferiores a 1,2% para aeronaves bimotoras, 1,5% para aeronaves trimotoras e 1,7% para aeronaves quadrimotoras, voados a uma velocidade não inferior a 1,25 Vs. No Quarto Segmento, os gradientes de subida mínimos consideram que os motores em operação restantes não mais utilizam o regime de potência máxima de decolagem, mas sim o de potência “Máximo Contínuo”. 122 Capítulo 2 Bem, assim, o Peso Máximo de Decolagem Limitado por Trajetória de Decolagem (Climb Limited Takeoff Weight) é o peso máximo no qual o gradiente de subida da aeronave, em cada segmento de decolagem, é igual ou acima dos gradientes mínimos exigidos. Normalmente, o gradiente de subida do Segundo Segmento é o mais limitante entre todos os requisitos de gradientes, mas isso não pode ser considerado como uma regra. Assim, ao pretender efetuar uma decolagem com determinado peso, o operador deverá certificar-se de que a aeronave é capaz de cumprir os gradientes mínimos dos segmentos de decolagem. Caso não sejam atingidos, o peso deverá ser reduzido. Apesar do Primeiro Segmento de decolagem também requerer gradientes mínimos de subida, esses valores são muito reduzidos e normalmente cumpridos sem dificuldade pelas aeronaves (gradiente mínimo não exigido para aeronaves com dois motores – exige-se apenas que seja positivo / gradiente de 0,3% para três motores / e gradiente de 0,5% para aeronaves de quatro motores). Como é usada a distância ao longo da trajetória (ou seja, a distância no ar), ao invés da distância em relação ao solo, o vento não possui influência no gradiente de subida na fase de decolagem. Para uma certa configuração da aeronave e empuxo de decolagem, o gradiente de subida (e como consequência, o peso limitado de subida na fase de decolagem) é uma função dos fatores externos temperatura e altitude (e de seleções de dispositivos e sistemas da aeronave, como os Flapes, segundo o que já estudamos anteriormente). Decolagens a partir de aeródromos localizados em elevadas altitudes (como o aeroporto da capital brasileira, por exemplo) normalmente possuem pesos limitados por gradientes de subida, na fase de decolagem. Importa observar que, uma aeronave que decola sem problemas no motor, ou qualquer outra emergência grave que prejudique seriamente seu desempenho, fará uma subida constante (sem necessidade de nivelamento para recolher os Flapes) durante os segmentos de decolagem até 1500 pés, quando iniciará sua subida em rota, sempre com gradientes muito superiores aos mínimos que vimos há pouco. 1.1.4 Peso Máximo de Decolagem Limitado por Obstáculos Ao efetuar uma decolagem, o operador deve estar atento à existência de elevações em rota e na aproximação para o pouso, como regiões de serra. Da mesma forma, a análise de obstáculos no entorno do aeroporto, na trajetória de decolagem, deve ser muito bem avaliada. Isso porque, numa fase crítica como a decolagem, onde o avião está empregando baixas velocidades e elevado peso, o 123 Teoria de Voo de Alta Velocidade rendimento de subida pode ser subitamente comprometido por conta de alguns tipos de emergência, e os pilotos podem se ver impossibilitados de livrar em altitude tais elevações. Durante a decolagem, não apenas morros e montanhas podem representar riscos à subida, mas até mesmo edifícios, antenas de transmissão e monumentos localizados relativamente próximos à pista. Assim, as regras de certificação devem assegurar que, ao decolar, uma aeronave seja capaz de ultrapassar em altitude e com segurança tais obstáculos, ao verificar se a trajetória de voo de decolagem (conforme definido abaixo) elimina todos os obstáculos em pelo menos 35 pés na vertical. A “Trajetória Líquida” de voo na decolagem (Net Flight Path, em inglês) é assim definida: é uma trajetória de voo calculada para verificar a superação de obstáculos. Ela se inicia no ponto de altura de 35 pés e deve ser calculada subtraindo as seguintes margens dos gradientes de subida quando OEI (One Engine Inoperative – operação com um motor inoperante), em relação ao gradiente bruto / real de subida (Gross Flight Path, em inglês): • 0,8% para aeronaves bimotoras; • 0,9% para aeronaves de três motores; e • 1,0% para aeronaves de quatro motores. Essas margens são um fator de segurança para garantir a superação de obstáculos, em caso de erros introduzidos durante o planejamento da decolagem, e para permitir desempenhos de subida piores do que o esperado. Os gradientes de subida OEI subtraídos por essas margens são chamados de gradientes líquidos. Embora a altura que uma aeronave deva atingir ao fim da pista, durante uma decolagem em pistas molhadas / contaminadas / escorregadias seja de 15 pés, a trajetória de decolagem é considerada como partindo de 35 pés (demais casos de operação, ou seja, pistas secas). Na verdade, no caso de operação nas pistas prejudicadas, a trajetória de decolagem pode ser considerada a partir da altura de 15 pés, mas a altura necessária para livrar os obstáculos será de 15 pés, ao invés de 35 pés. A figura abaixo esclarece essa questão. 124 Capítulo 2 Figura 2.19 – Regras para Ultrapassagem de Obstáculos, durante a decolagem Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). Em complemento à figura anterior, repare no esquema a seguir. Os segmentos de decolagem devem ser capazes de levar a aeronave a uma subida segura, livrando todos os obstáculos que se apresentarem ao longo da trajetória. Figura 2.20 – Ultrapassagem de obstáculos na decolagem – trajetórias bruta e líquida Fonte: Saintive (2011). Ainda analisando a figura anterior, como o gradiente de subida é menor na trajetória líquida do que na trajetória bruta, na trajetória líquida a distância percorrida no segmento de aceleração (nivelado) será maior do que aquele na trajetória bruta. Consequentemente, haverá um alongamento da trajetória nivelada (distância “D” da figura). Ao final do Terceiro Segmento, a aeronave já deverá estar “limpa” – com trem e Flapes recolhidos, e atingido a velocidade final de subida (VFS), que deverá ser mantida em subida com potência dos motores no regime “máximo contínuo” ao menos até 1500 pés. Existem algumas maneiras de se planejar uma decolagem, no sentido de garantir que os obstáculos existentes sejam ultrapassados em altitude. Logicamente, caso não seja possível livrar tais obstáculos em altitude e lidando com uma emergência, os pilotos podem planejar ou solicitar a subida inicial a partir de uma rota alternativa, 125 Teoria de Voo de Alta Velocidade livrando os obstáculos lateralmente. Entretanto, é preciso ter em mente que isso nem sempre é possível, pois muitas vezes a aeronave deve seguir um determinado perfil de decolagem por instrumentos. Tal questão deve ser observada antes da decolagem e levar, por exemplo, à decisão de reduzir o peso de decolagem. Algumas empresas possuem análises de decolagem específicas e alternativas, realizadas junto às autoridades aeronáuticas do país, que abandonam o perfil de subida publicado nas cartas aeronáuticas e seguem outra trajetória, diante da incapacidade de livrar obstáculos. Tais trajetórias são utilizadas somente em casos de emergência. Em termos de planejamento, para que a aeronave cumpra os requisitos de certificação para livrar obstáculos, os seguintes métodos podem ser empregados. O primeiro passo para verificar a superação de obstáculos em uma decolagem é por meio da escolha de uma trajetória de voo baseada no Peso Limitado pelo Comprimento da Pista (situação “A” da figura abaixo). Nesse caso, a trajetória de voo começa a 35 pés, exatamente no final da pista. Se a trajetória de voo não eliminar os obstáculos em 35 pés, é necessário reduzir o peso de decolagem,a fim de aumentar o gradiente de subida, até que a trajetória líquida de voo permita a superação de todos os obstáculos. Existem três maneiras de fazer essa redução de peso, descritas abaixo: • O primeiro método (situação “B” da figura abaixo) é reduzir o peso de decolagem não alterando a distância de decolagem. Nesse caso, o ponto em que a trajetória de voo começa permanece o mesmo (35 pés no final da pista) e o peso de decolagem é reduzido até que o gradiente de subida aumentado permita a superação de obstáculos; • O segundo método (situação “C” da figura abaixo) é reduzir o peso de decolagem, levando em conta a menor distância de decolagem, mas mantendo o “balanceamento” da pista (reveja o conceito de Pista Balanceada, visto anteriormente); • O terceiro método (situação “D” da figura abaixo) é reduzir o peso de decolagem levando em conta a menor distância de decolagem, mas usando toda a pista disponível para acelerar e parar (ou seja, “desbalanceando” a decolagem). 126 Capítulo 2 Figura 2.21 – Métodos para livrar / obstáculos na decolagem Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). O peso W mostrado na situação “A” é o peso limitado pelo comprimento de pista (neste caso, perceba que a aeronave não é capaz de livrar os obstáculos existentes na trajetória de subida). Os métodos mostrados nas situações “B”, “C” e “D” resultarão em diferentes Pesos de Decolagem Limitados por Obstáculos W1, W2 e W3, respectivamente, os quais promovem a superação do obstáculo (ou obstáculos). De forma simplificada, podemos afirmar que W > W3 > W2 > W1. Como explicado acima, o método “D” resultará no maior peso de decolagem que permitirá superar os obstáculos, ao “desbalancear” a pista. Esse desbalanceamento resultará em uma elevada V1, eventualmente igual à VR. Nesse ponto, cabe uma outra consideração a ser feita, no tocante à possibilidade de modificarmos o valor inicial da V2 para conseguirmos um rendimento ainda melhor da aeronave no Segundo Segmento de decolagem. O efeito da variação da V2 é similar ao observado quando da variação de Flapes para a decolagem, tratado anteriormente. Então, surge o conceito de “Improoved Climb Performance” – ou Performance Melhorada de Subida, que se encontra disponível para algumas aeronaves e possibilita incremento no seu gradiente de subida, no Segundo Segmento de decolagem. Assim, quando o peso máximo de decolagem for limitado pelos segmentos de decolagem (“climb limit”, e não pela pista (“field limit”), significa que teremos um excesso de pista disponível para a operação de decolagem, e provavelmente será possível (quando disponível nas tabelas fornecidas pelo fabricante da aeronave) empregar o Improoved Climb Performance por meio da alteração da V1, VR e V2. Já estudamos anteriormente a questão de alterarmos a V1 e VR para obtermos 127 Teoria de Voo de Alta Velocidade ganho de peso. Analisando-se os gráficos de potência disponível versus arrasto, verifica-se que existe uma V2 maior do que a V2 original, que garante um gradiente de subida ainda maior, com um peso de decolagem maior do que o original. Esse ponto da curva de velocidade versus razão de subida é o que fornece a maior diferença entre a Tração e o Arrasto (SAINTIVE, 2011). Repare na próxima figura. Intuitivamente, ao aumentarmos a V2 estaríamos aumentando o arrasto total, correto? Bem, isso não é verdade até um certo limite, haja vista que em velocidades baixas predomina o arrasto induzido e, na verdade, um pequeno aumento na velocidade significa uma redução do arrasto total. Para subirmos com maiores gradientes nos segmentos de decolagem, é preciso que a tração disponível seja o quanto maior o possível em relação ao peso e ao arrasto do avião. É dessa maneira, então, que se conseguem incrementos de gradiente de subida ao “maximizarmos” a V2. Figura 2.22 – Redução do arrasto, consequente do aumento da V2 Fonte: Saintive (2011). Logicamente, ao aumentarmos a V2 também influenciaremos a V1 e a VR (que também sofrerão aumento), isso implica que, para alcançar o novo valor de V2 proposto, o excedente de pista originalmente disponível deve ser suficiente para permitir tais acréscimos. Assim, após obtermos as novas V1, VR e V2 na tabela de “Improoved Climb Performane” da aeronave, devemos nos certificar de que nenhum outro limitante de pista será penalizado com o aumento de tais velocidades, e com o consequente acréscimo de peso de decolagem disponibilizado. Agora que você já conhece os requisitos de certificação para uma decolagem, podemos abordar rapidamente uma pergunta: o que influencia a decisão do piloto, entre abortar uma decolagem ou prosseguir na mesma, após verificar a ocorrência de uma emergência durante a corrida de decolagem? Ou seja, no linguajar da aviação – “GO ou NO GO”? 128 Capítulo 2 Vários fatores influenciam na decisão de abortar ou não uma decolagem, e poderíamos destinar um capítulo deste material didático exclusivamente para tal, o que logicamente não é a nossa intenção. De uma maneira geral, e para facilitar essa compreensão, as corridas de decolagem são divididas em dois momentos: a) regime de baixa velocidade (low speed) – trecho entre a aeronave parada, até atingir a velocidade de 80 Kt ou 100 Kt; e b) regime de alta velocidade (high speed) – trecho entre o momento em que a aeronave cruza o regime de baixa velocidade, até a V1. Você já compreendeu que uma aeronave pode abortar qualquer decolagem antes da V1, teoricamente com segurança. Entretanto, a história nos conta que muitas abortivas de decolagem, iniciadas no limite superior do regime de alta velocidade, resultaram em acidentes com a aeronave, ultrapassando os limites da pista, com danos estruturais à aeronave ou aos seus passageiros, até mesmo com a ocorrência de fogo (incêndio originado nos sistemas de freios). Segundo Saintive (2011), das 230 milhões de decolagens ocorridas entre 1959 e 1990, 400 pessoas morreram em 74 acidentes / incidentes aeronáuticos, originados em abortivas de decolagem. Parcela significativa dessas abortivas foram realizadas em situações onde o limitante de decolagem não era o comprimento da pista, ou seja, havia excesso de pista entre 10% e 300% além do mínimo necessário. Ainda segundo o autor, no mesmo período não houve relato de nenhum acidente aéreo por conta de uma aeronave ter prosseguido na decolagem, após uma falha durante a corrida no solo. Analisemos outro dado interessante: até o ano de 2000, cerca de 76% dos motivos que levaram aeronaves da Boeing Co a efetuar uma abortiva / rejeição de decolagem (RTO – Rejected Takeoff), em regime de alta velocidade, não estavam relacionados com falhas de motor. Isso indica que, muito provavelmente, a maioria dessas RTO poderia ter sido evitada. Ainda com respeito a essas estatísticas, 58% de todas as aeronaves envolvidas em acidentes, em virtude de uma RTO, decidiram pela abortiva acima da V1. As causas que levaram as tripulações das aeronaves acima descritas a efetuarem uma abortiva estão relacionadas à colisão com pássaros, a problemas nos pneus, à falta de coordenação de cabine e ao acendimento de luzes de alarme. É preciso compreender que falhas em sistemas de alarmes na cabine são possíveis de acontecer, e podem levar a uma decisão prematura de RTO. As decisões de abortar uma corrida de decolagem envolvem a análise de diversos fatores: altitude, comprimento e condições da pista; temperatura; peso da aeronave; gravidade da emergência; quantidade de combustível a bordo e tempo necessário para efetuar o pouso (caso prossiga na decolagem); condições meteorológicas e possibilidade de retorno ao aeródromo de decolagem e; a identificação de qual fator limita o peso máximo de decolagem da localidade. 129 Teoria de Voo de Alta Velocidade De qualquer forma, o tempo de decisão de que dispõem os pilotos, para iniciar uma RTO ou prosseguir na decolagem, pode ser inferior a poucos segundos ou ainda menos. Nesse sentido, reveste-se de importânciaa realização de um detalhado brifim de decolagem, que contemple as variáveis listadas acima, antes de cada decolagem. Santive (2011) também afirma que o NTSB – agência de segurança de voo norte- americana – concluiu que 80% dos acidentes ocorridos após uma abortiva de decolagem poderiam ter sido evitados das seguintes maneiras: 55% continuando a decolagem; 16% empregando técnicas corretas de desaceleração e parada; e 9% por meio de um melhor preparo do brifim de decolagem. Como orientação geral, a decolagem de um aeródromo em que o peso seja limitado pelo comprimento da pista é um “recado” para que o piloto seja muito criterioso, ao decidir por uma abortiva de decolagem. Então, de uma forma resumida, e considerando que na maioria das vezes é mais seguro prosseguir na decolagem do que abortá-la, as seguintes considerações podem ser feitas, oriundas de consenso de recomendações repassadas pelos fabricantes de aeronaves em seus manuais operacionais. Tenha em mente o que já expusemos anteriormente – a decisão de abortar uma decolagem deve ser feita antes da V1 – qualquer tentativa de RTO acima de V1 pode causar acidentes, a depender do comprimento e das condições da pista: a. durante o regime de baixa velocidade (low speed), é possível efetuar uma RTO em praticamente todas as situações, sendo recomendada nos eventos a seguir: · suspeita de estouro de pneus ou de falhas nos freios, ou de vibrações e ruídos anormais na estrutura da aeronave; · falha ou fogo nos motores ou na APU, ou fogo ou fumaça a bordo; · presença de materiais ou objetos que ofereçam risco à aeronave, na pista; · falhas em sistemas diversos, que possam prejudicar o voo ou o pouso no destino. b. durante o regime de alta velocidade (high speed), é recomendável efetuar uma RTO somente nos eventos a seguir: · falha ou fogo nos motores; · fogo ou fumaça na cabine dos pilotos; · qualquer outro problema de natureza grave, que implique em riscos reais ao voo ou que impeça a aeronave de voar. 130 Capítulo 2 Perceba que os motivos que justificam uma abortiva em High Speed restringem- se a situações realmente críticas. Muitos pilotos imaginam que seja recomendado abortar uma decolagem nesse regime por outros motivos, por conta, por exemplo, do estouro de um pneu. Entretanto, a tripulação precisa considerar que, para efetuar uma RTO em segurança, a aeronave deve ter o sistema de freios, das rodas e pneus em perfeitas condições de uso, ou poderá não ser possível parar nos limites da pista. Nessa situação, normalmente o melhor a fazer é prosseguir na decolagem. Um pneu estourado trará menos riscos no pouso, após a aeronave consumir combustível e reduzir o seu peso, numa situação na qual o piloto poderá dispor de todo o comprimento da pista para efetuar o pouso e a desaceleração e parada. Bem, nesse ponto chegamos ao final do estudo dos limitantes que caracterizam uma decolagem. Você deve se recordar que abordamos de maneira rápida os sete diferentes fatores que podem limitar uma decolagem, para os quais as certificações de operação das aeronaves devem cumprir determinados requisitos. Os limitantes aqui abordados foram: Limitante pela Pista (Field Limit), Limitante por Freios (Brake Energy Limit), Limitante por Pneus (Tire Limit), Limitante por V1 Mínima (V1 Min Limit); Limitante por Trajetória de Decolagem (Takeoff Climb Limit), Limitante por Obstáculos (Obstacle Limit) e Limitante por tempo de uso da Potência Máxima de Decolagem (5 / 10 Minutes Takeoff Thrust Limit). Considerando apenas a fase de decolagem, o peso máximo disponível para a decolagem deverá ser o MENOR dos sete – ou seja, o mais restritivo. Para tal, todas as correções de altitude e pressão, temperatura do ar externo, gradiente / rampa da pista, componentes de vento e superação de obstáculos devem ser levados em conta no planejamento de uma decolagem, a fim de confirmar a sua viabilidade. A figura abaixo resume o que estudamos sobre esse assunto e relaciona cada um dos sete limitantes à fase correspondente durante uma decolagem. 131 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.23 – Limitantes que determinam o peso máximo de uma decolagem Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). 1.1.5 Limitação de Resistência de Pavimentos – Métodos PCN / ACN Agora você já sabe que uma aeronave deve cumprir requisitos de desempenho mínimos, na fase de decolagem, que acabam impondo restrições ao peso máximo de decolagem. Porém, um outro fator deve ser analisado em conjunto com os demais fatores limitantes que acabamos de estudar. A regulamentação brasileira estabelece condições operacionais para a infraestrutura aeronáutica disponível, entre as quais a compatibilidade entre a resistência do pavimento e as aeronaves que o utilizam. Como um país membro da Organização de Aviação Civil Internacional – OACI, o Brasil deve respeitar os padrões e práticas recomendadas, constantes nos Anexos à Convenção Internacional de Aviação Civil e documentos complementares. A OACI criou, em 1977, e o Brasil adota a sistemática de classificar as pistas de pouso e de decolagem segundo critérios de resistência do seu piso, o que tem por objetivo determinar a sua capacidade em suportar uma determinada quantidade de peso. O modo mais tradicional de demonstrar tal compatibilidade é a partir do método ACN-PCN. O método ACN-PCN é aplicável em pavimentos destinados ao pouso e à decolagem de aeronaves com mais de 5.700 kgf, e permite a determinação do peso limite de uma aeronave operando a partir de um certo pavimento, por meio da comparação entre duas figuras – o PCN (Pavement Classification Number) e o ACN (Aircraft Classification Number). O PCN representa a resistência estrutural da pista e o ACN é uma função do peso da aeronave (SAINTIVE, 2011). 132 Capítulo 2 Definições: Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil do Brasil, considera-se Número de Classificação da Aeronave – ACN o número que expressa o efeito relativo de uma aeronave com uma determinada carga sobre um pavimento, para uma categoria padrão de subleito especificada. O ACN varia de acordo com o peso e a configuração da aeronave (tipo de trem-de-pouso, pressão de pneu, entre outros), o tipo de pavimento e a resistência do subleito (BRASIL, 2016). Considera-se Número de Classificação do Pavimento – PCN o número que expressa a capacidade de carga de um pavimento, sem especificar uma aeronave em particular ou informações detalhadas do pavimento. O método ACN-PCN tem por finalidade a aferição da resistência do pavimento, em função das características da aeronave (expressa pelo ACN) e do pavimento (expressa pelo PCN), sendo estruturado de maneira que um pavimento com um determinado valor de PCN seja capaz de suportar, sem restrições, uma aeronave que tenha um valor de ACN inferior ou igual ao valor do PCN do pavimento, obedecidas as limitações relativas à pressão dos pneus. Já Saintive (2011) define com outras palavras: ACN – número que indica o efeito relativo de uma aeronave sobre um pavimento de determinado grau de resistência, sendo esse número fornecido pelo fabricante da aeronave à autoridade certificadora do país onde opere. PCN – número que indica a resistência de um determinado pavimento, para operação sem restrições. A resistência do pavimento será tanto maior quanto for maior o PCN, para um mesmo tipo de pavimento e categoria do subleito. Conforme BRASIL (2016), a determinação do PCN deve ser realizada a partir de um dos seguintes métodos: a. Método de avaliação técnica: consiste na determinação do valor numérico do PCN a partir da obtenção da carga bruta admissível que o pavimento suporta. São considerados fatores como frequência de operações e níveis de tensão admissíveis, obtendo-se a carga bruta da aeronave pelo processo inverso do dimensionamento. Nesse método, é necessária a avaliação do tráfego equivalente no aeródromo, considerando o efeito do tráfego de todas as aeronaves. Uma vez obtida a carga admissível, a determinaçãodo valor do PCN torna-se um processo de obtenção do ACN da aeronave que representa a carga admissível, tomando- se esse valor como o PCN do pavimento; ou 133 Teoria de Voo de Alta Velocidade b. Método experimental: consiste na determinação dos valores de ACN de todas as aeronaves usualmente autorizadas a utilizar um determinado pavimento. Considera-se como o PCN do pavimento o maior entre esses valores. O PCN de um pavimento é apresentado por meio de um código que utiliza, nessa ordem, os seguintes elementos: a) valor numérico do PCN; b) tipo de pavimento; c) resistência do subleito; d) pressão de pneus; e e) método de determinação. O valor numérico do PCN é uma indicação da resistência de um pavimento em termos de uma carga de roda simples padrão. O valor do PCN deve ser determinado em números inteiros, arredondando-se as frações para o inteiro mais próximo. Para pavimentos de resistência variável, o valor numérico de PCN deve ser o correspondente ao segmento mais fraco do pavimento. O método de determinação do valor numérico do PCN considera pressão de 1,25 MPa para os pneus, a tensão de trabalho de 2,75 MPa no concreto para pavimentos rígidos e quatro categorias de resistência de subleito. O tipo de pavimento deve ser classificado: a) Pelo código “R”, para pavimentos rígidos (concreto); ou b) Pelo código “F”, para pavimentos flexíveis (asfalto) ou mistos. Exemplo: PCN 50 / F / A / X / T 1 2 3 4 1 – Tipo de Pavimento: R = Rígido / F = Flexível 2 – Resistência do Subleito: A = Alta, B = Média, C = Baixa, D = Ultrabaixa 3 – Pressão máxima dos pneus autorizada para o pavimento: W = Alta, sem limite de pressão; X = Média (máxima de 217 psi) Y = Baixa (máxima de 145 psi); e Z = Muito Baixa (máxima de 73 psi). 134 Capítulo 2 4 – Método de Determinação: T = Avaliação Técnica; U = Avaliação experimental. Mas, como podemos consultar, e de que maneira são definidos esses índices? Os pilotos e operadores de aeronaves encontram as informações de PCN de uma determinada pista nas documentações aeronáuticas emitidas pelas autoridades aeronáuticas do país, e as informações de ACN nas publicações operacionais do fabricante da aeronave (ou também em publicações oficiais das autoridades aeronáuticas). No Brasil, as informações de PCN encontram- se listadas no AIP/ROTAER, segundo a codificação padrão definida pela ICAO exemplificada anteriormente. A seguir, observe um exemplo de publicação emitida pela Agência Nacional de Aviação Civil do Brasil (ANAC). Na porção da tabela apresentada na próxima figura, constam exemplos de ACN de alguns tipos de aeronaves em operação no país. Figura 2.24 – Exemplo de tabela para determinação de ACN Fonte: BRASIL, (2016). 135 Teoria de Voo de Alta Velocidade Por fim, segundo Saintive (2011), as operações das pistas de pouso e decolagem podem considerar uma margem de segurança, para as chamadas “operações com sobrecarga”. Assim, é estabelecido que em pavimentos rígidos o PCN poderá ser extrapolado em 5% de seu valor e, em pavimentos flexíveis, em 10%. Tais operações com sobrecarga não podem representar mais do que 5% do número total de operações regulares anuais da pista. As operações de sobrecarga com uma diferença de 50% ou mais no ACN em relação ao PCN só devem ser realizadas em caso de emergência. Seção 2 Performance de Subida, Cruzeiro, Descida e Pouso de Aeronaves 2.1 Revisão Conceitual e Requisitos de Subida Seguindo em nosso voo, após termos considerado os aspectos que influenciam a performance de um avião na fase de decolagem, passamos agora a considerar a fase seguinte, ou seja, a subida para o nível de cruzeiro. Lembre-se de que, tecnicamente, a fase de subida se inicia após o fim do Quarto Segmento, em uma altura mínima de 1500 Ft. Nesse ponto, a aeronave já terá recolhido os trens de pouso, Flapes e outros dispositivos hipersustentadores, e estará em sua configuração “lisa”, pronta para subir ao nível de cruzeiro (caso autorizado pelo órgão de controle de tráfego aéreo para tal). Os aspectos que influenciam na escolha do nível de cruzeiro serão abordados mais à frente. A escolha do “tipo” de subida a ser empregada leva em consideração algumas questões, das quais as principais serão abordadas neste item. Uma aeronave pode subir com variadas velocidades, cada uma determinada para uma certa faixa de altitude; ou com diferentes razões de subida (ft/min) ou, ainda, com diferentes AOA (Ângulos de Ataque). A fase de subida é sempre realizada com potência inferior àquela utilizada para a decolagem. Durante a decolagem, procuramos ganhar velocidade o mais rápido possível e temos que vencer a inércia e o atrito, mas o custo é uma exigência do motor que não pode ser mantida por um longo período. Já estudamos que as modernas aeronaves a jato possuem sistemas computacionais que controlam a potência de seus motores para cada fase do voo, não permitindo que sejam excedidos limites de temperatura que lhes possam causar danos irreversíveis. 136 Capítulo 2 Assim, para a decolagem utilizam-se os regimes pré-selecionados de potência de decolagem (algumas aeronaves possuem variantes desse regime, com maior ou menor tração disponível, como estudamos, no sentido de poupar o motor), e para situações de emergência (como a perda de um motor na decolagem) utiliza-se o regime de “Maximum Continuous Thrust” – regime de potência máxima contínua (teoricamente sem limites de tempo de uso, mas que ainda faz o motor operar em temperaturas elevadas). Já para uma subida em rota, para a modificação de um nível de voo, para a realização de “step climb” e para acelerar o avião quando atinge o nível de cruzeiro, os motores são empregados no chamado regime de subida ou “Climb Thrust”, o qual não apresenta limitação de tempo para uso. Abreu e Pires (2016) relembram que a decolagem exige mais do motor do que o voo nivelado, pois a força de sustentação deve ser maior do que o peso, mas o regime utilizado deve ser adequado para a operação do motor por tempo prolongado, sem prejuízos ao seu funcionamento ou ao seu tempo de vida. A subida pode ser feita em diversos regimes de potência e de velocidade, de acordo com o previsto nos manuais da aeronave. Destacamos aqui duas velocidades que podem ser empregadas em um perfil de subida: • Velocidade de melhor ângulo de subida (Vx) / melhor gradiente: muitas vezes, o tempo em que se pretende atingir uma determinada altura não é tão importante quanto a distância a ser percorrida para tal. No caso de obstáculos na área de decolagem, é interessante que seja usada uma velocidade na qual o ângulo de subida permita atingir uma certa altura, com pouco deslocamento horizontal. • Velocidade de maior razão de subida (Vy): nesta velocidade, a aeronave atinge a maior altura em um determinado período de tempo. Geralmente, é utilizada quando se pretende “livrar” uma altitude crítica na qual o tráfego está muito congestionado, por exemplo. A figura a seguir representa duas aeronaves que iniciam uma subida a partir de um mesmo ponto. Uma delas usa a velocidade de melhor ângulo de subida; a outra, a velocidade de maior razão de subida. É também representado na figura um obstáculo em algum ponto adiante da rota, como uma montanha por exemplo. 137 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.25 – Melhor Ângulo de Subida (Vx) x Melhor Razão de Subida (Vy) Fonte: Abreu e Pires (2016). Observando a figura acima, vemos uma aeronave que, depois de um intervalo de tempo, atingiu maior altitude. No entanto, se houvesse um obstáculo, teria colidido com esse. A aeronave que está em um nível mais baixo conseguiria livrar-se do obstáculo, porém, não atingiria a mesma altitude da outra no mesmo intervalo de tempo. A subida é possível quando a potência necessária para o voo nivelado, aquela que iguala a intensidade da sustentação com o peso, é menor do que a potência disponível. Quanto maior essa diferença, maior a razão de subida possível. Figura 2.26– Forças atuantes durante a subida da aeronave Fonte: EMBRAER (2001). A velocidade que define um maior ângulo de subida / gradiente máximo de subida ocorre quando a aeronave tem a margem máxima entre o empuxo e o arrasto. A velocidade que proporciona uma maior razão de subida (R/C) é sempre maior do que a anterior, ou seja, a que garante um maior ângulo de subida. 138 Capítulo 2 Bem, sabemos que a redução da densidade do ar reduz a potência disponível dos motores a jato. Sendo assim, à medida que a densidade do ar diminui, diminui também a razão de subida. Como a densidade do ar diminui com a altitude, concluímos que existe um limite de subida no qual a densidade do ar é tão baixa que não há mais potência de reserva para subir. Neste caso, a potência disponível é apenas suficiente para manter a aeronave em voo nivelado. Esse limite é chamado de teto absoluto (ABREU; PIRES, 2016). Consideramos que o desempenho da aeronave é relativo à massa de ar que a circunda. Entretanto, na presença de ventos, essa massa de ar também se deslocará em relação ao solo. Podemos afirmar que o vento não tem influência na razão de subida, visto que o tempo para atingir determinada altura não é afetado pelo movimento horizontal da massa de ar. No entanto, o vento de cauda leva a aeronave para frente enquanto ela sobe, e isso é o mesmo que reduzir o ângulo de subida. Da mesma forma, o vento de proa aumenta o ângulo de subida, que também é maior com alta densidade do ar, baixo peso, alta potência disponível e maior área da asa. Já a razão de subida é maior com alta densidade do ar, baixo peso, alta potência disponível e menor área da asa. Densidade, peso e potência interferem igualmente na sustentação – em linhas simples, a área da asa tem influência direta na sustentação, porém, prejudica a velocidade. O objetivo básico de se efetuar uma subida é para que a aeronave atinja o nível de cruzeiro ideal para a rota que se pretenda voar. Você já sabe que o desempenho em termos de velocidade e de economia de um avião a jato são muito dependentes da altitude em que se pretende voar. A baixas altitudes, o consumo de combustível é muito elevado, e a aeronave não desenvolve velocidades verdadeiras elevadas, o que torna o voo muito ineficiente em termos de custo operacional e de tempo. Assim, uma vez escolhido o nível de cruzeiro a ser alcançado (que dependerá, como veremos mais adiante, de alguns fatores como o peso da aeronave, os ventos reinantes em altitude, as condições meteorológicas, a distância a ser percorrida na rota, as elevações a serem sobrevoadas, e a disponibilidade daquela altitude em termos de tráfego aéreo), restará ao piloto decidir de que maneira irá realizar a subida. Normalmente, a subida em aeronaves comerciais a jato é realizada em termos de velocidade indicada, até uma certa altitude e, a partir dessa, em termos da manutenção de um determinado Número Mach. Os aspectos considerados a seguir irão determinar qual tipo de subida a aeronave realizará para atingir um determinado nível de cruzeiro: 139 Teoria de Voo de Alta Velocidade • Melhor razão de subida: ou seja, o menor tempo possível para se atingir uma determinada altitude; • Maior ângulo de subida (maior gradiente): ou seja, nos casos de necessidade de se livrar obstáculos em rota, e ao final da subida obter-se a menor distância para atingir uma determinada altitude. Também empregado para os casos de necessidade de abatimento de ruído (em alguns aeroportos e regiões habitadas, é comum a exigência de que a aeronave cumpra uma parte de sua subida de forma a superar determinadas altitudes o mais rápido possível); • Menor consumo de combustível; • Menores custos operacionais; • Menor tempo total de voo; e • Simplicidade na operação da aeronave. Assim, o operador de uma aeronave comercial poderá levar em conta um ou mais dos fatores listados acima, para definir padrões de subida em rota que atendam aos critérios desejados. Em se tratando de aeronaves de linhas comerciais regulares, onde há uma grande variedade de aeronaves e de tripulações distintas, três fatores principais são levados em conta: economicidade, segurança, conforto e simplicidade de operação. Quanto à economicidade, o operador pode levar em conta diversos quesitos como o tempo total de voo da etapa; o consumo de combustível em um determinado regime de velocidade de subida; a temperatura de operação da turbina por longos períodos e a consequente necessidade de prolongar a sua vida e reduzir os custos de manutenção. Uma subida com velocidade muito elevada pode acelerar o desgaste dos motores, na medida em que a aeronave levará mais tempo para alcançar o regime de cruzeiro, empregando potência de subida. Nesse caso, haverá um ligeiro decréscimo no tempo total do voo, mas que poderá não ser compensado em termos econômicos a longo prazo. No que tange à segurança, há que se observar fatores como a existência de formações meteorológicas no segmento de subida. Uma aeronave voando em velocidades muito elevadas poderá exceder o limite de velocidade de penetração em ar turbulento. Já se a aeronave estiver desenvolvendo velocidades muito baixas, poderá não ser capaz de suportar cargas aerodinâmicas advindas da turbulência causada por tais formações, e até mesmo entrar em uma situação perigosa de Estol. No quesito conforto, a escolha de um regime adequado de subida garante um segmento contínuo e mais “suave”, permitindo maior comodidade aos 140 Capítulo 2 passageiros e à tripulação. Imagine uma aeronave subindo em rota com velocidade muito elevada. Caso ela tenha que atravessar uma zona de turbulência, o impacto sobre a aeronave será maior (e maior será a sensação de turbulência), o que poderá causar grande desconforto geral aos passageiros, e até mesmo a possibilidade de ferimentos à equipe de comissários, caso não haja tempo hábil de ordenar a todos para que se sentem e apertem os cintos. Quanto à simplicidade de operação, as companhias aéreas tendem a padronizar ao máximo seus procedimentos, o que também facilita a instrução e a avaliação de desempenhos. Nas modernas aeronaves, os sistemas computacionais indicam aos pilotos uma série de velocidades, como as de maior razão de subida (Vy), maior gradiente/ângulo de subida (Vx) e de penetração em ar turbulento. Tais velocidades variam com a altitude, temperatura e peso da aeronave. Antes de exemplificarmos como geralmente ocorre uma subida na aviação comercial, vamos relembrar alguns conceitos importantes sobre a variação da Velocidade Indicada (e a Calibrada e a Verdadeira, também), e o Número Mach, em termos de variação da altitude. Para o propósito dessa explicação, vamos assumir que a Velocidade Indicada (IAS) é praticamente igual à Velocidade Calibrada (CAS). À medida que uma aeronave sobe, duas coisas acontecem com a atmosfera que a cerca – a densidade do ar e a temperatura diminuem. Ao nível do mar, em condições padrão ISA, a Velocidade Indicada é igual à Calibrada, e ambas são iguais à Velocidade Verdadeira (TAS). Com a redução da densidade do ar, na medida em que se ganha altura, a TAS aumenta consideravelmente em relação à IAS. Já quanto ao Número Mach, estudamos que esse é uma relação entre a TAS e a velocidade do som, sendo que essa última varia somente em relação à temperatura. Assim, enquanto sobe com uma velocidade IAS constante, uma aeronave experimenta incrementos de TAS e de Número Mach. Para qualquer situação, ao nível do mar ou em altitude, uma aeronave experimentará o Estol de baixa velocidade com a mesma Velocidade Indicada (IAS). É importante compreender como a velocidade do ar varia com o número do Mach. Como exemplo, considere como a velocidade de Estol de um avião de transporte a jato varia com o aumento da altitude (em termos de Número Mach). O aumento da altitude resulta em uma queda correspondente na densidade do ar e na temperatura externa, como sabemos. Suponha que esse mesmo jato estejana configuração de subida – trem de pouso e Flapes recolhidos, com um determinado peso “X”. Com essa configuração e peso “X”, ao consultarmos o manual de operação da aeronave, constatamos que a velocidade de Estol com asas niveladas é de 152 KIAS, ao nível do mar. Em uma atmosfera padrão, isso corresponde a uma Velocidade Verdadeira de 141 Teoria de Voo de Alta Velocidade 152 KTAS e a um número Mach de 0,23. Agora vejamos como fica essa relação quando a aeronave atinge 38.000 Ft (FL 380). Nessa altitude, a aeronave ainda deverá Estolar a aproximadamente 152 KCAS, mas agora com uma Velocidade Verdadeira de cerca de 287 KTAS e com um número Mach de 0,50! Embora a velocidade de Estol tenha permanecido a mesma para os nossos propósitos, tanto o número Mach quanto a TAS aumentaram. Com o aumento da altitude, a densidade do ar diminuiu. Isso requer uma Velocidade Verdadeira superior, para que a mesma pressão seja sentida pelo Tubo Pitot para se obter uma mesma CAS ou IAS (para nossos propósitos, KCAS e KIAS são relativamente próximas). Ou seja, a pressão dinâmica que a asa experimenta no FL 380 com 287 KTAS é a mesma do nível do mar com 152 KTAS. No entanto, nessa condição a aeronave está voando em um Número Mach maior. Assim, se uma aeronave subir com velocidade indicada constante, até atingir grandes altitudes de voo, estará sempre aumentando a TAS e o Número Mach. Poderá chegar um ponto em que, mesmo mantendo uma IAS constante, a aeronave ingressará em uma zona de Número Mach próxima ao MMO (Número Mach máximo operacional), e enfrentar problemas de buffeting advindos da formação de Ondas de Choque. Mas, o que acontece se o piloto mantiver um Número Mach constante durante toda a subida? Assumindo hipoteticamente que o piloto suba a uma velocidade de M0,82 do nível do mar até o FL 380, a Velocidade Calibrada irá cair de KCAS 543 a 261 (a KIAS em cada altitude seguiria o mesmo comportamento e apenas diferiria por alguns de nós). Lembre-se da discussão anterior de que a velocidade do som está diminuindo com a queda da temperatura, à medida que a aeronave sobe. O significado disso é que, em uma subida com Número Mach constante, a KCAS e KIAS estão caindo. Se a aeronave subisse o suficiente nessa constante com KIAS decrescente, ela começaria a se aproximar de sua velocidade de Estol. Em algum momento, a aeronave poderia alcançar a velocidade de estol, e o piloto não poderia mais reduzir a velocidade (sem Estolar) nem acelerar (sem exceder a velocidade máxima de operação da aeronave MMO). Esta altitude é chamada de “coffin corner” ou “canto do caixão” (assunto já abordado no capítulo sobre Aerodinâmica de Alta Velocidade). Assim, nas operações normais de voo a jato, a subida é comumente realizada dentro do seguinte “modelo” (variando para cada tipo de aeronave, peso e performance, logicamente). • após cruzar 1500 ft (ou seja, ao final do quarto segmento de decolagem, estando com trem de pouso e Flapes recolhidos), a aeronave pode empregar, por exemplo, a Velocidade de Melhor Ângulo de Subida (Vx) até ultrapassar um determinado obstáculo 142 Capítulo 2 (as cartas de subida por instrumentos muitas vezes impõem um determinado gradiente mínimo de subida, até que seja atingida uma altitude de segurança); • uma vez livrado o obstáculo, a aeronave inicia uma aceleração para uma IAS em torno de 250 KIAS, até atingir 10.000 ft. Após essa altitude e, dependendo do peso, a aeronave volta a acelerar (como exemplo, um DC-10 acelera para 330 KIAS) até atingir uma altitude em torno de 26 a 28 mil pés, quando os pilotos “capturam” o Número Mach vigente e passam a subir baseados no mesmo; • em caso de se observar turbulência em níveis elevados, o piloto pode a qualquer momento retirar a seleção de subida com Número Mach e empregar, por exemplo, uma razão de subida fixa. Isso evita variações de razão de subida em zonas de turbulência, com o sistema automatizado da aeronave “tentando” manter uma velocidade constante. A seleção de uma razão fixa requer monitoramento constante dos pilotos, pois deve-se ter em mente que a IAS estará o tempo todo diminuindo, à medida em que se sobe. Para concluirmos esse assunto, abordemos a seguinte situação. A aeronave decola de uma certa localidade para um voo longo. Digamos, uma decolagem do Rio de Janeiro para a cidade de Paris, na França. Podemos admitir que a aeronave se encontrará bastante pesada, carregada de combustível para a longa etapa de voo que a espera. Nessa circunstância, você imagina que a aeronave será capaz de realizar uma subida constante, até atingir o seu nível final de voo de cruzeiro ideal? Pois bem, a resposta, na maioria dos casos, é negativa. Sabemos que aeronaves a jato possuem desempenhos de cruzeiro melhores, na medida em que voam alto. Porém, tal desempenho é muito dependente do peso da aeronave. Assim, uma aeronave muito pesada não tem condições de voar em cruzeiro em altitudes muito elevadas, haja vista a baixa densidade do ar e a consequente elevada potência necessária para gerar a sustentação requerida para o voo de cruzeiro. Durante o voo, o peso da aeronave é gradativamente reduzido (devido à queima de combustível) e, consequentemente, a altitude ótima de voo aumenta. Em geral, quando o peso do avião diminui, a altitude ideal de cruzeiro aumenta (não estamos, neste momento, levando em conta a influência dos ventos em altitude). Por esse motivo, em rotas longas, as companhias aéreas usam procedimentos de subida “escalonada” ou em “etapas”, conhecido como “Step Climb”, de modo que a aeronave voe o maior tempo possível perto da altitude ideal. Normalmente, o voo será agendado para que a primeira altitude de cruzeiro 143 Teoria de Voo de Alta Velocidade seja de aproximadamente 2000 ft acima da altitude ideal. Essa altitude ideal é calculada pelos sistemas computacionais da aeronave (FMC – Flight Management Computer), ou pode ser determinada consultando-se os gráficos e tabelas de performance do fabricante da aeronave. À medida em que a aeronave queima combustível e se torna mais leve, a altitude ideal aumenta e se aproxima da altitude de cruzeiro que vinha sendo mantida. Com o passar do tempo, a aeronave se torna ainda mais leve, e começa a ficar abaixo da sua altitude ideal. Programa-se então uma subida de 4000 ft, e a aeronave volta a voar 2000 pés acima da altitude de cruzeiro ideal. Esse ciclo se repete até que a aeronave atinja o nível de cruzeiro ideal final, o qual será mantido pelo restante da rota até o momento de iniciar a descida. A figura abaixo exemplifica a técnica de “Step Climb”. Repare que, eventualmente, o ideal seria se a aeronave pudesse voar um perfil de subida constante (“Cruise Climb” – subida em cruzeiro), ganhando altitude vagarosamente para permanecer sempre na linha da “altitude ótima”. Apesar de mais econômico do que o “Step Climb”, isso traria alguns inconvenientes – a aeronave estaria o tempo todo empregando um regime de potência de subida, o que não é vantajoso economicamente a longo prazo; e isso traria complicações ao serviço de controle de tráfego aéreo, pois as aeronaves naquela rota estariam sempre “subindo” ou “descendo”, o que dificulta coordenar eventuais cruzamentos em um mesmo nível. Embora não seja tão eficiente quanto uma subida contínua em cruzeiro, as “Step Climb” são mais eficientes do que manter uma única altitude mais baixa durante todo o voo. Figura 2.27 – Técnica de subida – Step Climb Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). 2.2 Voo em Cruzeiro Estudamos anteriormente os fatores que influenciam a decolagem, e aprendemos em linhas gerais os tipos de subida em rota que podem ser empregados por aeronaves de alta performance. Uma vez que tenhamos atingido uma altitude ideal para prosseguirmos em rota, cabe neste ponto analisarmos a fase que normalmente demanda maior tempo de voo e de consumo de combustível – o 144 Capítulo 2 voo em Cruzeiro, ou o voo em Rota. O Cruzeiro é a fasedo voo nivelado que ocorre após a subida e antecede à descida para aproximação e pouso, normalmente corresponde a cerca de 65% do tempo total do voo, sendo a etapa responsável pela maior eficiência da rota como um todo. Como regra geral, os operadores das aeronaves de transporte têm por objetivo minimizar os custos operacionais das suas aeronaves. Nesse sentido, buscam voar em regimes que proporcionem o menor consumo de combustível, aliado ao menor tempo de voo possível. De certo você já percebeu que não é possível obter a máxima velocidade da aeronave com o menor consumo de combustível, e para tal os fabricantes desenvolvem regimes que possam maximizar tais fatores. Assim como nos automóveis, onde temos como padrão de leitura de eficiência, o quesito de “quilometragem percorrida por litro de combustível” para uma determinada velocidade, no caso dos aviões, essa relação é denominada de “alcance específico”, e é empregada como uma referência para se determinar o regime de voo mais adequado. O “Alcance Específico” é definido como sendo a relação entre a distância percorrida no ar (em Minhas Náuticas) e a quantidade de combustível requerida para tal (usualmente em Libras ou Quilogramas de combustível): Alcance Específico = Distância Percorrida no ar / massa de combustível consumida. Assim, de forma prática, o Alcance Específico pode ser obtido dividindo-se a TAS (Velocidade Verdadeira) pelo consumo horário de combustível (ou seja, duas informações facilmente disponíveis na cabine de voo). Logicamente, os sistemas computacionais de voo da atualidade fornecem essa informação de forma instantânea e atualizada. Os jatos da aviação de transporte geral da atualidade já atingem altitudes de cruzeiro de até 51.000 pés. A eficiência do motor a jato em altas altitudes é a principal razão para operar nesse ambiente, já que o consumo específico de combustível de motores a jato diminui com a redução da temperatura do ar externo, admitindo-se uma rotação do motor e velocidade verdadeira da aeronave constantes. Assim, voando em grandes altitudes, o piloto é capaz de operar numa região de voo onde a economia de combustível é maior, bem como é mais vantajosa a velocidade de cruzeiro empreendida. Para eficiência, aviões a jato são normalmente operados em altas altitudes, onde o regime de cruzeiro é geralmente próximo aos limites de RPM ou EGT. Nas grandes altitudes, porém, pouco excesso de impulso pode estar disponível para manobras. Assim, a depender do peso, muitas vezes é impossível para o avião a jato subir e fazer curvas simultaneamente, e todas as manobras devem ser realizadas dentro dos limites do expuxo disponível e sem sacrificar a estabilidade e a controlabilidade da aeronave (USA, 2016 – airplane flying handbook). 145 Teoria de Voo de Alta Velocidade Mas, em linhas gerais, quais os fatores que influenciam diretamente no custo operacional por hora de voo de uma aeronave comercial? Tal custo varia muito com o modelo, mas também com o país onde opera e o tipo de rota que desenvolve. Isso porque cada país tem suas leis trabalhistas e fiscais, um preço diferente de combustível, de tarifas aeroportuárias e assim por diante. Como exemplo, a hora de voo de uma aeronave Boeing 747 possui um preço médio de cerca de US$ 25 mil, sendo que esse valor inclui todos os custos referentes não apenas à aeronave em si, mas também ao combustível e manutenção, às taxas de leasing, às taxas de pouso, aos salários e treinamento da tripulação, ao seguro, à alimentação servida a bordo, à depreciação do equipamento em si etc. De acordo com pesquisadores da Eurocontrol (Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea), cada companhia possui economistas focados em otimizar e equilibrar todas essas contas. Os especialistas cruzam diversas informações, incluindo demanda por voos e as rotas a serem seguidas, para então traçar uma média de valores que serão gastos. Mesmo assim, é impossível prever com precisão quanto dinheiro as corporações precisam investir ano a ano, já que os preços variam com bastante frequência. É o caso do valor do combustível, que flutua diariamente e de acordo com o local, e responde por 33,4% dos gastos das companhias aéreas (na Europa) – no Brasil, o combustível pode custar até 35% a mais do que em países europeus ou do que nos EUA, e assim possui um peso ainda maior no custo total de operação. Em segundo lugar, vem a manutenção das aeronaves (9,4%), seguida por assuntos administrativos (7,3%), equipe de pouso (6,8%) e vendas e promoções de passagens (6,5%). Bem, você já deve estar percebendo que não é tão simples se determinar qual o melhor regime de cruzeiro a ser empregado em rota, haja vista que muitos fatores estão envolvidos nessa conta. Por exemplo, se voarmos da forma mais econômica possível economizaremos combustível, mas também realizaremos um voo mais demorado, e isso também tem impacto nos custos. Isso porque, ao analisarmos com mais calma, veremos que muitas peças e sistemas da aeronave possuem manutenções programadas em função do número de horas voadas, assim como as tripulações possuem regulamentações que limitam o número máximo de horas na jornada diária, e ainda temos a questão do leasing (aluguel) da aeronave. Mas, então, como resolver essa questão e determinar o melhor regime de cruzeiro? Cada companhia terá a sua política de redução e de adequação de custos, mas todas elas acabam se baseando em regimes padrões especificados pelos fabricantes para, a partir desses regimes, estabelecer variações que melhor as atendam. Os fabricantes estabelecem tais regimes a partir da análise matemática das curvas de tração, de arrasto, de sustentação em função do ângulo de ataque, de desempenho dos motores etc. Vejamos então quais regimes “genéricos” são estes: 146 Capítulo 2 a. Maximum Range Cruise (MRC) / Cruzeiro de Máximo Alcance: É o regime no qual as operações de voo de cruzeiro são conduzidas de modo a se obter o maior alcance específico – ou seja, neste regime a aeronave voará a máxima quantidade de milhas náuticas para cada unidade de massa de combustível. Saintive (2011) relembra que, no MRC, existe pouca estabilidade de velocidade – uma variação de velocidade para menos (originada por qualquer motivo, por exemplo uma rajada de vento) não será compensada automaticamente pela aeronave (haja vista que nessa faixa de velocidade qualquer redução implica em aumento do arrasto), a menos que haja interferência do piloto em demandar mais potência dos motores para tal. b. Long Range Cruise (LRC) / Cruzeiro de Longo Alcance: Regime oriundo do MRC, introduzido na aviação na era dos motores a jato. Como característica que o distingue, possui Alcance Específico 1% menor e velocidade 3% a 5% maior do que o MRC. Os benefícios de uma maior velocidade – voos mais rápidos, maior estabilidade de velocidade e consequente menor necessidade de intervenções dos pilotos nos motores – são alcançados ao “preço” de apenas 1% de perda de economia em relação ao regime MRC (Cruzeiro de Máximo Alcance). Figura 2.28 – Cruzeiro de Máximo Alcance e Cruzeiro de Longo Alcance Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). c. Maximum Cruise Speed (MSC) / Cruzeiro de Velocidade Máxima: Esse regime é obtido quando se emprega o regime de potência de máximo cruzeiro. Ou seja, quando a curva de potência de máximo cruzeiro cruza a curva de arrasto, para uma certa altitude e peso. Dependendo do peso da aeronave, em algumas situações essa não será capaz de alcançar a MSC antes de ultrapassar a VMO ou o MMO. É um regime com elevado consumo de combustível e grande custo para os motores, que podem ter a vida útil comprometida a longo prazo, devido às elevadas temperaturas de operação. 147 Teoria de Voo de Alta Velocidade d. Maximum Endurance Cruise (MEC) / Cruzeiro de Máxima Autonomia: É o regime que permite a máxima economia de combustível e o maior número de horas de voo. Ou seja, a velocidade de máxima autonomia correspondeao menor consumo horário possível, o que ocorre numa velocidade ligeiramente inferior à que corresponde à máxima relação CL/CD (coeficiente de sustentação dividido pelo coeficiente de arrasto) (SAINTIVE, 2011). É um regime normalmente empregado para esperas, quando a aeronave por algum motivo não pode pousar logo em seguida e precisa aguardar em voo. Figura 2.29 – Diagrama demonstrando as velocidades dos regimes de Máxima Autonomia, Máximo Alcance e Cruzeiro de Longo Alcance Fonte: Diário de Bordo (2015). e. Constant Speed Cruise (CSC) / Cruzeiro com Velocidade Constante: Nada mais é do que a simplificação na maneira de se manter um bom Alcance Específico. O operador identifica uma velocidade (Número Mack) adequada, que lhe permita operar próximo ao LRC, por exemplo, sem a necessidade de variar a velocidade à medida que a aeronave perde peso. f. Economy Cruise Speed (ECON) / Cruzeiro Econômico: Os custos operacionais diretos são afetados pelos custos relacionados ao tempo de voo e custos relacionados ao combustível. O custo do combustível é o preço do combustível usado em um determinado voo. Conforme já comentamos, os custos relacionados com o tempo de voo podem cobrir, por exemplo, os seguintes itens: 148 Capítulo 2 · Salários da tripulação (se forem função do tempo de voo); · Custos de leasing de aeronaves; · Custos de manutenção relacionados ao tempo; · O custo da chegada tardia de um voo. A velocidade de Cruzeiro Econômico (ECON) é definida como a velocidade em que a soma dos “custos” do fator tempo e os custos de combustível são minimizados. O gráfico da figura a seguir mostra o conceito de Velocidade Econômica: Figura 2.30 – Conceito de Velocidade Econômica Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). A Economy Cruise Speed (ECON) pode ser calculada em função do “Índice de Custo” (CI – Cost Index), que é a importância relativa do custo do tempo comparado ao custo do combustível: Índice de Custo = Custos relativos ao tempo de voo ($/hora de voo) / Custo do Combustível Muitos fabricantes de aeronaves publicam velocidades de cruzeiro ECON como uma função do Índice de Custos. Os operadores o utilizam calculando seu Índice de Custo específico, com base na fórmula acima e, em seguida, usam os dados publicados pelos fabricantes para encontrar o número Mach associado ao Índice de Custo calculado. Ao fazer isso, a companhia aérea é capaz de determinar o número Mach em que seus custos operacionais são minimizados. Saintive (2011) lembra que é mais importante operar num regime de baixos custos do que num regime que simplesmente consuma menos combustível. O custo do combustível pode ser minimizado se o regime de cruzeiro escolhido for o MRC (Cruzeiro de Máximo Alcance), já os custos com o “tempo de voo” decrescem na medida em que se consegue empregar uma velocidade maior. 149 Teoria de Voo de Alta Velocidade Alguns dos custos que comentamos anteriormente não dependem do tempo de voo (ou sua dependência é desprezível) ou do regime, velocidade ou altitude (por exemplo, a alimentação da tripulação e dos passageiros, seguros, taxas de aeronavegabilidade do avião, depreciação dos equipamentos de apoio de solo etc.), por essa razão, não são levados em conta na determinação da velocidade mais econômica. Como já comentamos, nas modernas aeronaves comerciais da atualidade, os regimes de custo mínimo são disponibilizados aos pilotos por meio dos sistemas computacionais embarcados (os Flight Management Computer Systems, por exemplo, empregados a bordo da família 737 da Boeing), os quais são “alimentados” com os dados de custo de interesse da empresa/operador. De acordo com o Índice de Custo (CI) vigente, o operador pode dar mais importância à economia de combustível ou ao fator tempo, voando dessa maneira mais próximo do MRC ou mais veloz que esse, respectivamente. Dessa forma, percebe-se que os regimes empregados em cruzeiro pelas empresas podem variar com o tempo, de acordo com a influência momentânea de cada item na composição do custo total do voo. 2.2.1 Fatores que influenciam o alcance das aeronaves em rota Ao descrevermos anteriormente os diferentes regimes de cruzeiro que podem ser empregados pelas aeronaves comerciais a jato, comentamos sucintamente que determinados fatores influenciam na escolha da altitude ideal do voo de cruzeiro. Vejamos com um pouco mais de profundidade os principais, como a altitude e o peso da aeronave. a. Altitude Pressão: Nos voos de cruzeiro, a tração deve ser igual ao arrasto, para que a aeronave se mantenha nivelada em uma velocidade constante. Para os aviões que cruzam em regime subsônico, ou seja, aeronaves de baixa performance, Santive 2011 afirma que ao fixarmos o peso e o ângulo de ataque, o arrasto será independente da altitude de voo, haja vista que em altitudes maiores o arrasto será reduzido pela menor densidade do ar, mas também será compensado pelo aumento da velocidade da aeronave. Nos aviões a jato o alcance específico cresce nas grandes altitudes. Nessas altitudes, uma mesma tração é obtida com menor consumo de combustível, o que lhe proporciona maiores velocidades e consequente maior alcance específico. Entretanto, conforme já estudamos, aeronaves de alta performance e que operam em regime transônico estão sujeitas aos efeitos de compressibilidade do ar (quando voam acima do Mach Crítico). Uma aeronave voando com 150 Capítulo 2 Número Mach elevado fatalmente sofrerá os efeitos do crescente arrasto causado pelas Ondas de Choque. Assim, acima de um determinado limite de velocidade, que dependerá de cada modelo de avião, o arrasto total torna-se maior em grandes altitudes do que em voos mais baixos. Então, para aeronaves a jato (dotadas de motores turbofan ou turbojato) voando em grandes altitudes, deve-se estar atento à escolha de um nível de voo que limite a velocidade da aeronave abaixo do Número Mach Divergente (revise este conceito no Capítulo sobre Aerodinâmica de Alta Velocidade), visto que acima do MachDIV o arrasto de compressibilidade aumenta de maneira considerável. Usualmente, na escolha da altitude de voo que permita a maximização do alcance específico, observa-se a regra de manter a velocidade de cruzeiro logo acima do Mach Crítico. A altitude ótima, que maximiza o Alcance Específico em regime de LRC, será tanto maior quanto menor o peso da aeronave (SAINTIVE, 2011), conforme se observa na figura abaixo. Figura 2.31 – Definição de altitude ótima para LRC, em função do peso Fonte: Saintive (2011). Além dos fatores anteriormente mencionados, a escolha da altitude ótima de voo também dependerá da distância total da etapa a ser voada. Logicamente que, uma aeronave voando uma rota que demandará quatro horas de voo, poderá escolher a máxima altitude de voo que forneça um grande alcance específico (para atingir o nível ótimo de voo, talvez a aeronave tenha que recorrer à subida Step Climb que estudamos anteriormente). 151 Teoria de Voo de Alta Velocidade Entretanto, para o planejamento de uma etapa de voo de somente cerca de 45 minutos (por exemplo, um voo da ponte aérea Rio- São Paulo), podemos compreender que a aeronave não poderá se “dar ao luxo” de voar próximo ao seu teto operacional (onde provavelmente o alcance específico seria maximizado, uma vez que estará leve por carregar pouco combustível), pois antes mesmo de atingir o nível ótimo de voo a aeronave já estaria iniciando os procedimentos de descida para pouso. Normalmente, os fabricantes de aeronaves fornecem dois tipos de cartas para consulta de nível ótimo de cruzeiro, sendo uma para voos curtos (até 300 milhas náuticas) e outra para voos acima desse limite. A altitude ideal, definida de acordo com o peso da aeronave, também não leva em conta o consumo total de combustível durante um voo inteiro. Para voos de menor alcance, faz mais sentido definir a altitude ideal de cruzeiro como a altitude em que a totalidade da queima de combustível de voo é minimizada (isto é,minimizando o combustível Subida + Cruzeiro + Descida). Assim, deve ser observado que em voos muito curtos o segmento de cruzeiro nivelado pode ser pequeno ou até inexistente (descida iniciando imediatamente após a subida). Nesse caso, a fim de permitir a ocorrência de ao menos uma pequena etapa do voo nivelado (para o serviço de bordo, ou para que os passageiros possam usar o toilete, por exemplo), o operador deve levar em conta que isso implicará uma queima total de combustível maior. Como exemplo, a EMBRAER publica no Manual de Operações (AOM) da aeronave ERJ 145 uma tabela de altitude de cruzeiro baseada no consumo mínimo de combustível de voo, e outra com pelo menos 40% do tempo total de voo em cruzeiro nivelado. Outro aspecto importante na escolha da altitude ótima de voo é a existência de ventos em altitude. É intuitivo percebermos a influência do vento no alcance da aeronave, em termos de distância no solo a percorrer. Componentes de vento de proa reduzem o alcance, e os de cauda o aumentam. Assim, a escolha da altitude de voo de cruzeiro deve levar em conta esse importante fator. Dependendo da época do ano e da região em que se voa, correntes de ventos muito fortes (correntes de jato) podem causar grande influência no alcance da aeronave, e podem ser utilizadas em favor do seu deslocamento, sempre que existirem componentes de cauda. Ventos fortes de proa podem fazer com que o piloto seja obrigado a escolher um nível de voo teoricamente não tão econômico, em termos de alcance específico, mas que fornecerá um alcance específico melhor do que aquele inicialmente escolhido e que continha componentes de vento de proa muito fortes. Os fabricantes de aeronaves costumam publicar em seus manuais as chamadas tabelas de “Wind-Altitude Trade”, que fornecem indicações para a escolha de altitudes de voo alternativas, para os casos de existência de ventos não favoráveis na altitude ótima de voo para o peso da aeronave (EMBRAER 2001). 152 Capítulo 2 b. Peso da Aeronave Sabemos que, para manter-se nivelada, uma aeronave deve ter compensadas as forças que agem sobre si, mantendo um equilíbrio. Quanto maior o peso, maior deve ser a sustentação gerada pelas asas, o que se consegue somente por meio do incremento na tração, o que gera aumento de consumo de combustível. Assim, para uma mesma altitude, uma aeronave com peso menor apresentará um Alcance Específico maior. A figura abaixo exemplifica isso. Figura 2.32 – Alcance Específico em função do Peso e Altitude de voo Fonte: Saintive (2011). Segundo Saintive (2011), e observando-se o gráfico da figura anterior, a redução de peso tem influência maior sobre o Alcance Específico, na medida em que se voa mais alto. No exemplo da figura, a redução de peso de 140 para 100 toneladas fornece um acréscimo de 14% no Alcance Específico, num voo a 25 mil pés, ao passo que a mesma redução de peso na altitude ótima de cruzeiro chega a melhorar em 38% o Alcance Específico. Percebe-se, então, a importância da escolha de uma altitude ótima para o voo em cruzeiro. À medida que a aeronave voa, seu peso vai sendo reduzido por conta da queima de combustível, e o voo passa a ser cada vez mais econômico. A figura a seguir demonstra mais uma vez a influência do peso na definição das velocidades de cruzeiro que tratamos, e nos seus respectivos alcances específicos. 153 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.33 – Gráfico que destaca a influência do peso sobre os regimes de cruzeiro Fonte: EMBRAER (2001). 2.2.2 Vibrações em Baixa e Alta Velocidade – Capacidade de Manobra (Margem de Buffet) No Capítulo anterior estudamos os efeitos do descolamento da camada limite sobre um aerofólio. Na ocasião, vimos que tal descolamento pode ocorrer tanto em baixas quanto em altas velocidades, por motivos distintos, e provocar vibrações (denominadas Buffet) na aeronave. Recordando, o Buffet de alta velocidade é oriundo da formação de Ondas de Choque normais (quando da ocorrência de fluxos de ar supersônicos, que desaceleram após a onda de choque e provocam o descolamento de filetes). Por outro lado, o Buffet de baixa velocidade está associado à condição de elevado ângulo de ataque do aerofólio, proveniente de uma operação em elevada altitude ou da redução muito grande da velocidade (a depender do peso da aeronave ou do fator de carga “G” à qual está exposta). Ou seja, o Buffet de baixa velocidade está associado à situação de Estol da asa e, em elevadas altitudes, também é um aviso da proximidade desse fenômeno perigoso para o voo. Saintive (2011) relembra que nas aeronaves movidas a motores convencionais (que voam em baixas altitudes e velocidades) o Buffet de baixa ocorre em velocidades indicadas constantes, ao passo que nas aeronaves a jato os sinais de Buffet ocorrem com velocidades cada vez maiores, na medida em que ganham altitude. Já o Buffet de alta, provocado pelas Ondas de Choque, ocorrem com velocidades Mach constantes, porém, com velocidades indicadas cada vez menores, na medida em que a aeronave ganha altitude (quanto maior a altitude, menor a temperatura e menor a velocidade do som). 154 Capítulo 2 Conforme já comentamos em duas ocasiões anteriores neste livro didático, mas agora visto sob outra ótica, em uma determinada altitude e na velocidade em que os dois limites de Buffet (o de alta e o de baixa) coincidem, dizemos que a aeronave se encontra no chamado “Coffin Corner” ou “Canto do Caixão”, e essa altitude denomina-se Teto Aerodinâmico da aeronave (para um determinado peso). Nessa condição, a aeronave encontra perigosa tendência de perda de controle em voo, e por isso deve ser muito conhecida para poder ser evitada. Já para uma dada velocidade, peso e empuxo, existe uma altitude máxima na qual o voo reto e nivelado é possível, e essa “altitude máxima” também é chamada de “teto de serviço”. A fim de fornecer alguma margem de desempenho para as aeronaves que voam na altitude máxima, o Teto de Serviço é usualmente definido como a altitude máxima para uma determinada velocidade, peso e empuxo, na qual a aeronave ainda tem uma taxa residual de subida de, por exemplo, 100 a 300 pés por minuto (ou seja, um pouco abaixo do Teto Absoluto). O Teto de Serviço (limite de altitude de voo de cruzeiro especificado pelo fabricante, para fins operacionais) em que um avião pode voar é limitado por dois fatores: Empuxo do motor e capacidade da asa em gerar sustentação suficiente, sem a ocorrência de Buffet. O Teto de Serviço de uma aeronave é sempre menor do que o Teto Aerodinâmico. Entretanto, fatores de carga “G” podem reduzir a altitude do Teto Aerodinâmico até o Teto de Serviço – a depender do peso e do quanto de carga é aplicada à aeronave (SAINTIVE, 2011). Cargas “G” podem ser oriundas de diversos fatores, como a realização de uma curva, rajadas de vento ou turbulência. Então, a “Margem de Buffet” pode ser compreendida como a capacidade de manobra da aeronave, e representa a capacidade da asa de gerar sustentação suficiente para o peso do avião, em uma determinada altitude. Os fabricantes de aeronaves geralmente publicam gráficos que mostram em que velocidade a aeronave começa a experimentar Buffet de alta e baixa velocidade, para um determinado peso e altitude. Esses gráficos também mostram correções para fatores de carga maiores do que “1”, que podem ser usados para determinar a velocidade de Buffet em caso de voo em curva ou em turbulência. A figura abaixo mostra um típico gráfico desse tipo. 155 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.34 – Gráfico de “Margem de Buffet” da aeronave EMBRAER 145 Fonte: EMBRAER (2001). Para um determinado peso, fator de carga e altitude, o gráfico mostra as velocidades mínimas e máximas (margem) em que a aeronave pode voar sem experimentar Buffet. Recordando, se as velocidades mínima e máxima coincidem, diz-se que a aeronave atingiu o “Coffin Corner”. Nesta velocidade não é possível acelerar ou desacelerar, caso contrárioocorreria a ocorrência de Buffet, e a única opção deixada para o piloto é descer para uma altitude menor, até que o motivo da carga “G” tenha cessado, ou que o peso da aeronave tenha sido reduzido. A seguir, temos um outro exemplo de gráfico de “Margem de Buffet”. 156 Capítulo 2 Figura 2.35 – Exemplo de Carta de Margem de Buffet Fonte: USA (2016). O aumento do peso bruto ou do fator de carga (fator “G”) aumenta o Buffet de baixa velocidade e diminui o Buffet de Mach (de alta velocidade). Um avião a jato típico, voando a 51.000 pés de altitude a 1,0 G pode encontrar Buffet de Mach ligeiramente acima do MMO do avião (0,82 Mach) e Buffet de baixa velocidade a 0,60 Mach. No entanto, um fator de carga de apenas 1,4 G (um aumento de apenas 0,4 G) pode ocasionar o início de Buffet na velocidade ótima de cruzeiro de 0,73 Mach, e qualquer mudança na velocidade aerodinâmica, no ângulo de inclinação das asas, ou a ocorrência de rajadas de vento podem trazer essa aeronave a uma situação de risco. Consequentemente, uma altitude máxima de voo de cruzeiro deve ser selecionada criteriosamente, a fim de permitir a existência de uma margem suficiente de carga “G”, para que a aeronave não venha a sofrer os perigosos efeitos de Buffet em altitude. O piloto em transição para uma aeronave a jato deve ter em mente que a manobrabilidade desse tipo de avião é particularmente crítica, especialmente nas elevadas altitudes. Alguns aviões a jato têm intervalo estreito entre os Buffets de alta e baixa velocidade. Uma velocidade que o piloto deve ter firmemente fixada é a de penetração em ar turbulento, recomendada pelo fabricante para o modelo do avião. (USA, 2016, pilot flying handbook). Apenas para relembrar um conceito básico sobre aerodinâmica, que você já deve ter estudado, e esclarecer o que falamos acima sobre carga “G”. O fator de carga é a relação entre uma força (uma carga) gerada pela asa, para contrapor-se ao peso da aeronave. Uma aeronave em voo reto e nivelado está sujeita a um fator de carga “G” de valor igual a 1, pois a sustentação (a força gerada pela asa) é igual ao peso da aeronave. Ao efetuar uma curva, por exemplo, a aeronave deve produzir mais sustentação – caso deseje manter o voo nivelado. Como exemplo, um avião 157 Teoria de Voo de Alta Velocidade nivelado em altitude e empregando uma inclinação de asas de 45 graus estará sujeito a um fator de carga “G” de 1,4 (o fator de Carga “G” pode ser obtido da seguinte maneira: G = 1/cos α, sendo α o ângulo de inclinação das asas). 2.2.3 Dispositivos de Aviso de Estol Das situações de Buffet que comentamos anteriormente, todas elas tendem a provocar o Estol da asa – parcial ou total, a depender da intensidade. Assim, seja para os casos de Buffet de alta ou baixa velocidade, sempre existirá uma velocidade associada a cada um deles, que dependerá de inúmeros fatores como fatores de carga “G”, altitude de operação, peso e configuração da aeronave, Número Mach mantido etc. Logicamente, a menos que em situações de treinamento (normalmente executadas em simuladores de voo), um piloto não deve ingressar em uma situação de Estol com uma aeronave comercial de transporte, pois isso pode gerar descontrole total do voo e consequências imprevisíveis. Assim, os pilotos devem ser capazes de perceber ou serem avisados da proximidade da ocorrência de Estol, com margens seguras para poderem interferir e reverter a situação. Segundo Saintive (2011), o órgão regulador dos EUA (FAA) publica, em sua documentação FAR 25.207, que o piloto deve receber da aeronave um aviso claro e distinto da aproximação de uma situação de Estol, com uma antecedência mínima de 7% (a legislação brasileira ainda complementa, alertando que esse sinal não pode ser somente visual, mas também sim sonoro). Muitos aviões possuem perfis aerodinâmicos de asas que acabam “informando” ao piloto sobre a proximidade do Estol, antes mesmo da margem exigida de 7%. Na ocorrência dos primeiros descolamentos de filetes de ar dessas asas, a consequência é uma leve trepidação que pode ser sentida pelos pilotos e servir como um sinal de alerta. Entretanto, como bem pontua Saintive (2011), as complexas asas das modernas aeronaves comerciais são dotadas de dispositivos e perfis que tendem a retardar o descolamento dos filetes de ar, e muitas vezes não são capazes de, por si só, “informarem” aos pilotos sobre a proximidade do Estol – ou seja, os pilotos não podem reconhecer a proximidade do Estol em tempo adequado para uma efetiva reação – a menos que um sistema específico os alerte. Nas aeronaves comerciais, esse sistema é o Stick Shaker (e o Stick Pusher) – para rever esse assunto, sugerimos que retorne ao Capítulo 1, quando tratamos sobre os “Efeitos das Ondas de Choque Normais nos voos Transônicos”, especificamente no item que trata do “Estol de Mach”. Saintive (2011) também relembra que as aeronaves dotadas de Sidestick (um manche na lateral do painel de voo de cada piloto, como nas aeronaves da família Airbus) não operam os sistemas Stick Shaker e Pusher. Ao invés, essas são dotadas de um sistema que limita o ângulo de ataque (AOA) a valores em que não seja possível ocorrer o Estol. 158 Capítulo 2 Em resposta a um aviso de Estol ou de pré-estol– seja ele percebido por qualquer meio (por um sistema específico de aviso, ou por vibrações características da perda de sustentação), a ação apropriada do piloto deve ser a de “baixar” o nariz até que o aviso cesse e, então, nivelar as asas e ajustar o empuxo para retornar ao voo normal. O tempo decorrido para realizar essas ações com efetividade geralmente é pequeno, particularmente em baixas altitudes onde existe significativa potência disponível. É importante entender que a redução do AOA elimina a continuação do Estol, mas somente a aplicação de tração extra será capaz de permitir que a descida seja interrompida, quando a asa voltar novamente à capacidade de gerar a sustentação necessária. Em altitudes elevadas, a técnica de recuperação de Estol é a mesma. O piloto terá que reduzir o AOA, baixando o nariz até que cesse o aviso de Estol. No entanto, mesmo após o ângulo de ataque ter sido reduzido para um valor em que a asa normalmente é capaz de desenvolver sustentação adequada, o avião ainda irá precisar acelerar. Em altitudes elevadas, onde o impulso disponível é significativamente menor do que em altitudes mais baixas, a única maneira de conseguir tal aceleração pode ser baixando ainda mais o nariz e utilizar a força da gravidade (USA, 2016 – airplane flying handbook). Na situação anterior, vários milhares de pés ou mais de perda de altitude podem ser necessários para recuperar completamente uma situação de Estol, em uma aeronave grande e pesada. As discussões acima cobrem a maioria dos aviões; no entanto, os procedimentos de recuperação de uma determinada marca e modelo de avião podem diferir ligeiramente, conforme recomendado pelo fabricante, e estão contidos no manual de voo aprovado pela autoridade certificadora do avião. 2.2.4 Voo em Ar Turbulento Já tratamos anteriormente sobre alguns dos aspectos do voo em regiões de turbulência, quando estudamos a questão das Margens de Buffet. Voar em zonas de turbulência gera fatores de carga positivos ou negativos sobre a aeronave, que podem ser perigosos para a sua estrutura, a ponto de provocar fadiga extrema e até rupturas em componentes aerodinâmicos. Comentamos anteriormente que alguns aviões a jato têm intervalo estreito entre os Buffets de alta e de baixa velocidade. Por esse motivo, uma velocidade que o piloto deve ter firmemente fixada é a de penetração em ar turbulento, recomendada pelo fabricante para o modelo do avião. Mas, quais as características dessa velocidade específica? Segundo Saintive (2011), a Velocidade de Penetração em Ar Turbulento de satisfazer dois requisitos: 159 Teoria de Voo de Alta Velocidade a. ser suficientemente alta para que uma rajada de vento ascendente não provoqueo Estol da aeronave; b. ser suficientemente baixa para que o fator de carga provocado por uma rajada não ultrapasse os valores máximos recomendados pelas autoridades certificadoras – nos EUA e na Europa + 2,5 g e (-) 1 g para as aeronaves de transporte. Apesar de todos os progressos da engenharia aeronáutica, ao utilizarem materiais cada vez mais flexíveis e resistentes nos perfis aerodinâmicos das aeronaves modernas, aliado ao enflechamento das asas (que reduz o efeito da turbulência sobre elas), uma aeronave ainda pode ser literalmente destruída em voo por efeitos de turbulência severa. A velocidade de penetração em ar turbulento é normalmente a velocidade capaz de proporcionar a maior margem entre os Buffet de alta e de baixa velocidade, e pode ser consideravelmente maior do que a velocidade de manobra do projeto (VA). Isso significa que, ao contrário dos aviões a pistão, há ocasiões em que um avião a jato deve voar acima da VA durante os encontros com turbulência. Os pilotos que operam aviões em altas velocidades devem ser adequadamente treinados para operá-los com segurança, e esse treinamento não pode ser concluído até que estejam completamente instruídos sobre os aspectos críticos dos fatores aerodinâmicos pertinentes ao voo de Mach em grandes altitudes (USA, 2016). Como exemplo, a Velocidade de penetração em ar turbulento para as aeronaves da família Embraer 145 é de aproximadamente 250 KIAS ou Mach 0,63. Já para uma aeronave Boeing 737-300 tal velocidade gira em torno de 280 KIAS ou Mach 0,7. 2.2.5 Afundamento – Driftdown Para a maioria dos pesos e altitudes normais de cruzeiro, um avião não será capaz de manter a altitude de cruzeiro após uma falha de motor, e começará a descer (Driftdown). A fim de permanecer o mais alto possível, o piloto usará o empuxo máximo contínuo nos demais motores e desacelerar para a velocidade ideal Driftdown, que resulta no menor gradiente de descida possível. O avião então descerá ao longo do que é chamado de perfil ótimo de Driftdown, que manterá o avião o mais alto possível durante a descida. Segundo a EMBRAER (2001), os regulamentos exigem que o desempenho real do avião seja calculado com a sua configuração mais conservadora (pior posição do CG e motor crítico inoperante) – o que fornece a trajetória bruta de voo e, em seguida, degradado ainda mais com um gradiente de 1,1% para aviões bimotores, 1,4% para aviões de três motores e 1,6% para aviões de quatro motores. Essa trajetória com gradiente reduzido é chamada de trajetória líquida de voo e é usada para garantir a liberação de obstáculos em rota. 160 Capítulo 2 Durante a descida, o empuxo disponível aumenta à medida que a aeronave desce. Ao atingir uma certa altitude ele será igual ao arrasto do avião, e esse irá então nivelar. Essa altitude é chamada de altitude bruta de nivelamento. Quando corrigida pelas margens de gradiente de 1,1%, 1,4% ou 1,6% (para aeronaves com dois, três ou quatro motores respectivamente), passa a ser chamada de altitude líquida de nivelamento e dependerá da temperatura atmosférica e do peso do avião. Os regulamentos também exigem que o avião seja capaz de livrar todas as elevações do terreno por uma determinada margem, no evento de falha de um motor. EMBRAER, 2001 pontua a existência de dois meios de conformidade para a liberação de obstáculos em rota: • A altitude líquida de nivelamento deve livrar todos os obstáculos em rota em pelo menos 1000 pés; ou • A trajetória líquida de voo deve livrar todos os obstáculos por ao menos 2000 pés, entre o ponto onde presume-se a ocorrência da falha do motor e um aeroporto onde o pouso possa ser feito. Figura 2.36 – Esquema de Driftdown Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). Saintive (2011) igualmente aborda a questão do Driftdown. O autor relembra que se uma aeronave experimentar a perda de um motor durante a subida ou em voo de cruzeiro sobre uma região montanhosa, a estratégia do Driftdown deverá ser empregada da seguinte forma: • o piloto deve selecionar o regime de potência máxima contínua nos motores remanescentes; • deixar a velocidade da aeronave desacelerar até a velocidade de Driftdown, que corresponde ao ângulo de ataque onde a relação Cl/Cd é máxima (esta velocidade é indicada ao piloto por meio de uma marcação verde, nas aeronaves dotadas de PFD – Primary Flight Display); • subir ou descer até atingir a altitude (o teto) de Driftdown. 161 Teoria de Voo de Alta Velocidade EMBRAER (2001) ainda pontua que é possível utilizar as curvas de Driftdown para definir procedimentos operacionais. Antes da partida, uma análise detalhada deve ser feita usando mapas do terreno, com a plotagem dos pontos mais altos dentro da largura do corredor prescrito ao longo da rota (normalmente um corredor de 5 NM para cada lado da rota). O próximo passo é determinar se é possível manter o voo nivelado com um motor inoperante, a pelo menos 1000 pés acima do ponto mais alto de cruzamento ao longo de toda a rota. Se isso não for possível, ou se as penalidades de peso associadas forem inaceitáveis, um procedimento de Driftdown deve ser elaborado, assumindo-se a perda do motor no ponto mais crítico da rota, de maneira a garantir que os obstáculos serão ultrapassados em ao menos 2000 pés durante a descida. A altitude mínima de cruzeiro e o Ponto de Não Retorno (PNR) são determinados pela interseção das duas curvas de Driftdown, como ilustrado mais abaixo. Se ocorrer uma falha no motor após o PNR, o avião poderá prosseguir na rota original. Caso a falha ocorra antes do PNR, o avião terá que retornar sobre a rota já voada, ou por uma rota alternativa. Em qualquer direção de voo, a trajetória líquida de Driftdown deve livrar os obstáculos por ao menos 2000 pés. Suponha que você esteja iniciando a operação ao longo de uma rota que sobrevoa o perfil de terreno a seguir: O primeiro passo é calcular o caminho da trajetória líquida de Driftdown. Haverá dois caminhos: um considerando a componente de vento para uma descida ao longo da direção inicial de voo, e outro considerando a componente de vento na direção oposta do voo, em retorno. 162 Capítulo 2 A ideia é combinar a curva de Driftdown com o perfil do terreno. O ponto em que a linha tracejada toca o terreno é o primeiro ponto (A) mais distante ao longo do trajeto, onde o piloto pode decidir por permanecer na rota. Continuando a partir de qualquer lugar antes desse ponto, resultaria na passagem da aeronave muito perto do terreno ou até mesmo colidindo com ele. Agora, o procedimento é repetido, mas dessa vez usando as curvas de Driftdown na direção oposta, e começando com as curvas à esquerda do perfil do terreno. Movem-se as curvas para a direita, até o tracejado da curva tocar o perfil do terreno. Issso representa o último ponto (B) ao longo do percurso, onde o piloto pode escolher fazer um giro de 180 graus e retornar: 163 Teoria de Voo de Alta Velocidade A altitude na qual as linhas sólidas se cruzam é a altitude mínima de voo, e o encontro delas define o Ponto de Não Retorno (PNR). Se ocorrer uma falha no motor antes do PNR, o piloto deve executar um retorno de 180 graus e cumprir o Driftdown em uma direção oposta ao voo original. Se o motor falhar após o PNR, o Driftdown deve ser feito ao longo da direção de voo original. Figura 2.37 – Cruzamento das Curvas de Driftdown – Ponto de Não Retorno e Altitude Mínima de Voo Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). Voos em altitudes inferiores à Altitude Mínima de Voo não são permitidos, uma vez que não garantem que a aeronave seja capaz de livrar as elevações do terreno com segurança. A figura abaixo descreve a manobra de Driftdown, tanto para subir quanto para descer com um ou dois motores inoperantes, seguindo os critérios de trajetória bruta e líquida comentados anteriormente. Figura 2.38 – Trajetórias Líquida e Bruta de Driftdown Fonte: Saintive (2011). 164 Capítulo 2 Saintive (2011) também sugere uma metodologia normalmenteempregada nos manuais de operação das aeronaves comerciais, para procedimentos de Driftdown. Vimos anteriormente que a aeronave deve livrar em sua trajetória líquida os obstáculos que existam ao longo da rota. Porém, muitas vezes isso não é possível, e ela deverá selecionar uma rota alternativa ou retornar sobre a rota já voada (imagine o cruzamento de uma cordilheira, por exemplo). Mais uma vez surge o conceito de “PNR – Point of No Return” – um ponto da rota a partir do qual a aeronave não tem condições de retornar pela rota original e cumprir com o requisito de livrar os obstáculos já ultrapassados, na trajetória líquida, com ao menos 2000 pés. Figura 2.39 – Pontos de “Continuar” e de “Não Retornar”- Driftdown Fonte: Saintive (2011). Por fim, Saintive (2011) ainda observa outra situação. Podem existir circunstâncias em que as curvas de Driftdown não se encontrem. Então, teremos uma nova figura – o “Ponto de Continuar” – ponto da rota no qual é possível continuar o voo em descida, até atingir a altitude líquida e prosseguir mantendo separação vertical de ao menos 2000 pés sobre os obstáculos. Então, ao analisarmos a figura anterior, podemos afirmar que: ao constar a perda de um motor antes do ponto “A”, o piloto deve retornar sobre a rota já voada. Já se a perda do motor ocorrer após o ponto “B”, deverá prosseguir na rota original. Porém, se a falha ocorrer entre os pontos “A” e “B”, o piloto deve estabelecer um procedimento de escape, planejando uma rota alternativa. Não sendo possível estabelecer essa rota, o piloto deve considerar a redução do peso de decolagem ou alijar combustível. Em última instância, caso a redução de peso ou a quantidade de combustível a ser alijada comprometam o voo como um todo, deve-se considerar a realização de uma outra rota a partir da decolagem. 165 Teoria de Voo de Alta Velocidade Bem, uma vez que a intenção de voo de todas as aeronaves comerciais é a de normalmente decolar de um local e pousar em outro, em algum momento da fase de cruzeiro os pilotos devem se preparar para efetuar a transição da altitude de cruzeiro para a altitude de início do procedimento de pouso. Assim, vamos analisar adiante alguns simples aspectos que caracterizam a descida das aeronaves, em seguida, trataremos de requisitos para duas outras importantes fases do voo, a aproximação e o pouso. 2.3 Performance em Descida e Pouso 2.3.1 Descida Os regimes de descida (potência, velocidade e gradiente de descida) empregados pelas companhias de transporte comercial levam em conta aspectos técnicos e operacionais (limitantes da aeronave, por exemplo), e aspectos essencialmente econômicos. A descida é uma fase que dura entre 15 a 25 minutos, e pode não representar uma grande influência de custos para uma etapa total de dez horas de voo, mas certamente contribuirá para a economicidade de voos de menor duração. Assim, Saintive (2011) destaca alguns dos aspectos que determinam o tipo de regime a ser empregado durante a fase de descida: a. o peso da aeronave; b. o vento ao longo da descida; c. o conforto dos passageiros; d. a pressurização da aeronave; e. a existência de zonas de turbulência. Podemos ainda enumerar outros aspectos de influência, como a autonomia, o mau funcionamento de algum sistema da aeronave, as condições meteorológicas no destino, eventuais limitantes de velocidade ou de razão de descida da própria aeronave (restrições operacionais de projeto), restrições de tráfego aéreo e o perfil do procedimento de aproximação padrão do aeródromo (muitas STAR – Standard Terminal Arrival – direcionam as aeronaves já a partir de grandes distâncias do aeródromo de pouso. Por vezes, impõem restrições de altitude e/ou de velocidade em determinados trechos da descida, que impedem o piloto de utilizar um certo regime (o mais econômico, por exemplo). Para aeronaves a jato, geralmente as companhias aéreas tendem a definir regimes de descida que empreguem a mínima potência dos motores – “Idle”, lembrando que motores a jato ainda fornecem tração mesmo em marcha lenta, 166 Capítulo 2 diferentemente dos motores convencionais. Pelos motivos já expostos acima, nas aproximações cujo destino sejam aeroportos de grande movimento, dificilmente a aeronave conseguirá realizar uma descida contínua e com o regime de marcha lenta dos motores. Assim, você pode perceber que existe uma grande e variada gama de aspectos que influenciam no tipo de descida que uma aeronave irá utilizar. Ainda, devemos considerar se a aeronave se encontra em uma situação de emergência ou não (o que a pode obrigar a ter que livrar rapidamente uma altitude, para níveis mais baixos de voo, ou ainda emergências estruturais que restringem a velocidade e a razão de descida a ser empregada – por exemplo e respectivamente, uma despressurização de emergência ou uma colisão em voo com algum objeto). Dos aspectos que elencamos como influenciadores do tipo de descida, façamos uma breve análise sobre o peso da aeronave. Quanto mais pesada a aeronave, geralmente mais cedo ela deverá iniciar a descida. Quanto maior o peso, maior será a razão de descida, isso porque a aeronave irá voar com uma velocidade maior do que outra mais leve, dado um determinado ângulo de ataque. Quanto mais pesada uma aeronave, também maior é o seu momento (massa x velocidade). Assim, para uma velocidade indicada ou Mach constante, a aeronave pesada deverá realizar uma descida com gradiente menor, mas manterá uma velocidade maior em relação ao solo. Como a descida é uma função da razão de descida, a aeronave irá percorrer uma distância no solo maior para cada 100 ft/ min de descida (BRISTOW, 2002). Mais uma vez, e assim como ocorre na questão dos regimes de cruzeiro, o fator econômico é levado em consideração. Assim, as aeronaves comerciais costumam descer em regimes de máxima economia. Saintive (2011) relembra que, para fins de planejamento, as descidas são planejadas (mas não executadas) com velocidades cerca de 20 a 30 Kt maiores do que as de custo mínimo, e isso fornece uma margem de segurança para eventuais necessidades de espera, por exemplo. Em termos de economia e conforto, o regime mais adequado para a descida é aquele que fornece uma rampa única, sem variantes, em regime de marcha lenta, do ponto inicial de descida até o ponto em que a aeronave inicia o procedimento para pouso – esse regime é conhecido como CDA – Continuous Descent Approach ou OPD – Optimized Profile Descent. 167 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.40 – Descida otimizada, contínua (CDA), em comparação a uma descida convencional Fonte: Pamplona; Fortex e Alves (2015). Na figura abaixo, os perfis de descida A, B e C são todos realizados com potência de marcha lenta nos motores (Idle), com velocidades distintas. No regime A é empregada a velocidade de arrasto mínimo, e no regime C é empregada a VMO. Assim, do regime A ao C resulta em um voo mais rápido. Saintive (2011) afirma que a velocidade econômica é cerca de 20 a 40 Kt acima da velocidade de arrasto mínimo, ao passo que a velocidade de consumo mínimo é cerca de 10 Kt acima da velocidade de arrasto mínimo. Figura 2.41 – Descidas com diferentes gradientes e velocidades Fonte: Saintive (2011). Acima, repare que para cada perfil de descida, de acordo com a velocidade haverá um gradiente de descida distinto. Segundo o peso da aeronave e os ventos em altitude previstos para a descida, o piloto poderá adiantar ou atrasar o início da descida, corrigindo o perfil ao longo da rampa por meio da velocidade, evitando o emprego de potência nos motores. 168 Capítulo 2 2.3.2 Aproximação e Pouso 2.3.2.1 Limitante de Peso para Aproximação e Arremetida Sempre que uma aeronave realiza uma aproximação para pouso, ela deve considerar o pior cenário. Um desses cenários críticos corresponde à necessidade de realizar um procedimento de aproximação perdida (arremetida no ar). Essa arremetida pode vir a ser realizada em duas configuraçõesda aeronave – a configuração de aproximação com um motor inoperante, ou a configuração de pouso. Para cada uma delas existem regulamentos que determinam que a aeronave seja capaz de atingir um determinado gradiente mínimo de subida. É possível compreender que, se existem gradientes de desempenho de subida a serem cumpridos, haverá situações em que uma determinada aeronave não será capaz de alcançá-los, a depender do seu peso, temperatura do ar externo e altitude pressão. Assim, os pesos máximos da aeronave que atendem a esses requisitos de gradiente são chamados de Approach Climb Limited Weight e Landing Climb Limited Weight – ou seja, Peso de Aproximação limitado pelo gradiente de subida e Peso de Pouso limitado pelo gradiente de subida. Mas, o que significa “configuração de aproximação e de pouso”? Para fins de cálculo de limite de peso para aproximação e pouso, em caso de necessidade de arremetida no ar, tais configurações são assim definidas: a. Configuração de Aproximação: · um motor inoperante; · regime de potência de arremetida nos motores disponíveis; · aeronave configurada com Flapes para aproximação; · Trem de Pouso recolhido; · velocidade igual à velocidade de aproximação perdida (VAPPCLB ou VGA – Approach Climb Speed ou Go-Around Speed) – ao menos 1,5 VS (sendo VS a velocidade de Estol para a configuração de aproximação). b. Configuração de Pouso: · todos os motores em operação; · regime de potência de arremetida em todos os motores; · aeronave configurada com Flapes para pouso; · Trem de Pouso baixado; e · Velocidade igual à velocidade de subida de pouso (VLDGCLB, geralmente igual a VREF) – ao menos 1,3VSO (sendo VSO a velocidade de Estol para a configuração de pouso). 169 Teoria de Voo de Alta Velocidade Para ambos os casos descritos anteriormente, o dito “regime de potência de arremetida” é aquele obtido após transcorridos oito segundos, a partir da aceleração dos manetes de potência da posição “Idle” – marcha lenta – para a posição de potência máxima de decolagem “Take off” (SAINTIVE, 2011). A figura abaixo resume ambos os casos, e apresenta os gradientes mínimos a serem alcançados para cada situação: Figura 2.42 – Esquema representativo – Approach Climb e Landing Climb, com as respectivas configurações e gradientes mínimos exigidos Fonte: Adaptado de EMBRAER (2001). As análises computacionais de performance da aeronave calculam tais limitantes de peso, ou fornecem o gradiente que ela é capaz de manter, para cada peso, temperatura e altitude. Os pilotos devem ser capazes de interpretar tais análises, ou de consultar os gráficos correspondentes no Manual de Operações do fabricante. Se a aeronave não for capaz de cumprir os gradientes determinados, os pilotos devem considerar operar em outro aeródromo com altitude mais baixa, ou no mesmo aeródromo, mas com temperaturas mais baixas ou, ainda, reduzir o peso da aeronave. 2.3.2.2 Limitante de Peso para Pouso Ultrapassados os limitantes especificados anteriormente, no tocante à necessidade de uma arremetida na fase de aproximação, resta à aeronave prosseguir para o pouso. Mas, uma vez ultrapassados todos os limitantes já estudados até aqui (de decolagem, de subida, de cruzeiro e de aproximação), o pouso da aeronave estará garantido, correto? Infelizmente, a resposta é 170 Capítulo 2 negativa. Para a última fase do voo, o pouso, também há que se analisar todas as condições da pista de pouso e da meteorologia, para verificar se haverá pista suficiente para promover o pouso seguro e a completa parada da aeronave. A distância disponível para o pouso e parada da aeronave, aliada a fatores como temperatura, altitude pressão, vento, condições de frenagem e gradiente da pista, irão determinar um limitante de peso de pouso para a aeronave, que pode ser chamado de “Limitante de Peso para Pouso definido pelo Comprimento da Pista”, ou “Landing Field Length Limited Weight”. Para fins de certificação, considera-se que a aeronave cruza a cabeceira da pista de pouso em uma altura de 50 pés, mantendo a Velocidade de Referência (VREF). Relembrando, VREF é a velocidade mínima de cruzamento da cabeceira (mínimo de 1,3 VSO, sendo VSO a velocidade de estol na configuração de pouso). Durante a Aproximação Final, os fabricantes da aeronave recomendam a manutenção de uma velocidade conhecida por VAPP. Denominada de Velocidade de Aproximação, é empregada no segmento de aproximação final, estando a aeronave já configurada para pouso. Normalmente, tal velocidade para vento calmo será: VAPP = VREF+5Kt. Se ocorrerem ventos de proa e rajadas, recomenda-se empregar VAPP = VREF + ½ do componente de Vento de Proa + o valor das Rajadas (correções limitadas ao valor máximo de 20 Kt). Por fim, em caso de inoperância de alguns determinados sistemas, o fabricante ainda pode recomendar a adição de algum fator de velocidade, como segurança. Muitos fabricantes e operadores de linhas aéreas possuem políticas para adicionar valores compensatórios à Velocidade de Referência VREF, no tocante a ventos e rajadas de vento na aproximação final. Tais aditivos são aplicados na intenção de compensar mudanças inesperadas de ventos durante a aproximação final e o pouso. A EMBRAER, por exemplo, recomenda o uso de acréscimos, conforme descrevemos anteriormente. Entretanto, é preciso que o operador tenha em mente que os gráficos de performance de pouso constantes do AFM não levam em conta a adição desses valores de compensação de vento, mas sim que a aeronave irá cruzar a cabeceira exatamente na Velocidade de Referência VREF. Compreendida essa questão da correção de velocidade, vamos prosseguir com os quesitos relacionados ao comprimento da pista de pouso em si. Assim, para efeito de certificação para pouso, considera-se “Distância de Aterragem” a distância horizontal total, do limiar da pista até ao ponto onde a aeronave para completamente, assumindo que ela cruza a cabeceira da pista a uma altura de 50 pés e à Velocidade de Referência VREF. Os ensaios para certificação para o cálculo da distância de pouso consideram a máxima capacidade de frenagem e o uso de Spoilers (dispositivos aerodinâmicos de frenagem), mas não levam em conta o uso de reversores dos motores. 171 Teoria de Voo de Alta Velocidade Os regulamentos RBAC, FAR e JAR, que tratam da questão do pouso, exigem que a distância de pouso numa pista seca, com base no peso de aterragem, não deva exceder em 60% a distância de aterragem disponível (isso para jatos – para aeronaves turboélice, o valor a não exceder é de 70%). Assim, uma outra maneira de interpretar esse requisito significa que: dada uma certa distância de pouso em uma pista seca (distância real de pouso), o comprimento mínimo da pista destinado ao pouso (LDA – Landing Distance Available) deve ser pelo menos 1,67 vezes a distância real de pouso (1/60% = 1,67). Então, quais os conceitos mais empregados para definir os comprimentos das pistas, no tocante às operações de pouso? Vimos no Capítulo anterior os diversos conceitos afetos às operações de decolagem, como TORA, TODA, ASDA, Clearway e Stopway. Para pouso, dois conceitos se destacam: a LDA (Landing Distance Available) e a LDR (Landing Distance Required). A LDA é o comprimento da pista descrito nas cartas aeronáuticas, que é declarado disponível pela Autoridade competente, sendo adequado para a corrida de aterragem de um avião. Já a LDR é o comprimento de pista necessário para o pouso da aeronave, sendo composto pela multiplicação da distância real de parada da aeronave pelo acréscimo de segurança (1,67 para pistas secas ou, como veremos adiante, 1,92 para pistas molhadas). Conforme já adiantamos anteriormente, a LDR dependerá sempre de uma série de fatores, entre os quais destacamos os principais (Skybrary, 2017): • o peso da aeronave (quanto maior o peso, maior será a VREF e mais energia deverá ser dissipada pelos sistemas de frenagem para parar a aeronave, ocasionando pousos mais longos);• o vento de superfície (ventos de proa reduzem, e ventos de cauda aumentam a distância de pouso – para serem conservativos, os cálculos de certificação levam em conta somente 50% do vento de proa, e 150% do vento de cauda); • a temperatura local; • a altitude da pista (uma regra básica é considerar que para 1000 ft de elevação, a distância de pouso é aumentada em 2%) e o gradiente da mesma (positivo ou negativo); • o tipo de pavimento da pista; • a configuração dos Flapes da aeronave; • as condições da pista (seca, molhada, contaminada); • a efetividade do funcionamento dos sistemas de frenagem da aeronave. 172 Capítulo 2 Além dos fatores elencados anteriormente, o comprimento de pista necessário para a parada da aeronave dependerá, também, da capacidade do piloto em manter determinados parâmetros de voo e de efetuar os procedimentos necessários, numa sequência adequada. As tabelas de distâncias declaradas de pouso, constantes dos manuais dos fabricantes, são desenvolvidas a partir da coleta de dados com voos realizados por pilotos de provas (pilotos preparados para realizar testes de ensaios em voo). No dia a dia de operação de uma aeronave comercial, diferentes pilotos as conduzem. Assim, os pilotos devem ter em mente que as distâncias declaradas de pouso também foram obtidas assumindo-se que: Ao cruzar a cabeceira da pista para pouso: • a aeronave encontra-se a 50 ft acima do solo; • a aeronave encontra-se completamente configurada para o pouso (trem de pouso, Flapes e Slats etc.); • a velocidade de aproximação / de referência é mantida de forma estável; • a aeronave aproxima com uma razão de descida adequada e constante; • os motores estão selecionados para uma faixa de potência adequada; • a aeronave encontra-se com as asas niveladas. Ao tocar na pista: • a potência dos motores é reduzida e os freios são aplicados o quanto antes (de acordo com as recomendações de operação de cada modelo de avião); • os dispositivos adicionais de frenagem são utilizados (reversores de empuxo – esses não são levados em conta na determinação da LDR; Spoilers de solo etc.); • o controle direcional da aeronave é mantido. Agora, veja a figura a seguir, que traz um resumo sobre os principais conceitos de Distâncias Declaradas de pista, tanto para decolagem quanto para aterragem. Repare que as distâncias declaradas de Clearway e Stopway não são utilizadas, para fins de certificação, na composição do comprimento de pista LDA. 173 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.43 – Quadro resumo de Distâncias Declaradas de decolagem e pouso, para pistas. Fonte: PUC Goiás. Repare na Figura anterior, mais especificamente nas pistas “D” e “E”. Você pode observar que, diferentemente das demais pistas, essas possuem cabeceiras ditas como “deslocadas”, com um trecho inicial indisponível para operações de pouso. Isso pode ocorrer por alguns motivos (obra, defeito no pavimento etc.), mas normalmente são fruto da existência de obstáculos em uma determinada distância e gradiente em relação àquela cabeceira. Sempre que um obstáculo “interferir” na rampa de aproximação de uma pista, a autoridade aeroportuária poderá empregar essa medida restritiva, limitando a LDA. Assim, com respeito ao que já abordamos sobre “Limitante de Peso para Pouso definido pelo Comprimento da Pista” ou “Landing Field Length Limited Weight”, esse limitante é o peso máximo com que uma aeronave é capaz de aterrissar, utilizando no máximo 60% do comprimento de pista disponível. Os mesmos regulamentos RBAC, FAR e JAR que tratam de requisitos para operação em pistas secas, ditam que em caso de pista molhada o comprimento mínimo requerido deve ser o comprimento necessário na condição de pista seca, acrescido em 15%. Como a pista requerida (LDR) para operação em pista seca é igual à distância real de pouso em pista seca, multiplicada por 1,67, a pista requerida (LDR) para operação em pistas molhadas será a distância de pouso real seca, multiplicada por 1,92 (1,67 x 115% = 1,92). As figuras a seguir exemplificam o que tratamos anteriormente. 174 Capítulo 2 Figura 2.44 – Diagrama de Pista Requerida para Pouso – pista seca Fonte: EMBRAER (2001). Figura 2.45 – Diagrama de Pista Requerida para Pouso – pista molhada Fonte: EMBRAER (2001). Outros fatores podem obrigar o fabricante da aeronave a considerar acréscimos à LDR, por medidas de segurança. Imaginem uma aeronave prosseguindo para pouso, com determinado peso, sendo que ela apresenta inoperância em um dos sistemas de frenagem (ou de Spoilers), por exemplo. Logicamente, a aeronave nessas condições não será capaz de pousar e parar no mesmo comprimento de pista que usaria, com todos os sistemas operando normalmente. Assim, os fabricantes incluem em seus manuais outras limitações, geralmente impondo um fator a ser multiplicado pela LDR, que garanta uma margem extra de segurança para essas operações em condições anormais. Para finalizarmos o assunto sobre limitantes de aproximação e pouso, podemos afirmar que o peso máximo com que uma aeronave será capaz de pousar, será aquele que cumpra com todos os requisitos aqui elencados. Ou seja, a aeronave deve ser capaz de: 175 Teoria de Voo de Alta Velocidade • cumprir os requisitos de arremetida na aproximação final – Approach Climb, na condição de um motor inoperante; • cumprir os requisitos de arremetida na configuração de pouso – Landing Climb, na condição de todos os motores em operação; • pousar nos limites da pista, conforme os requisitos da certificação; • respeitar os limites de capacidade de frenagem da aeronave e dos seus pneus; • respeitar as limitações de peso para o tipo de pavimento da pista; • respeitar as limitações operacionais de peso máximo de pouso, da própria aeronave, definidos pelo fabricante. Cada um dos fatores elencados anteriormente irá determinar um limite de peso para pouso, sendo que o Peso Máximo de pouso da aeronave, para uma determinada situação, será o mais restritivo (o menor) de todos. Seção 3 Peso e Balanceamento 3.1 Introdução A segurança de voo e o desempenho são os fatores mais importantes que devem ser levados em consideração no projeto e na operação de uma aeronave. Até o momento, estudamos as características aerodinâmicas dos voos transônicos, bem como nos debruçamos sobre diversos aspectos que caracterizam a performance de um avião. Os conhecimentos adquiridos neste livro didático estão diretamente relacionados à preservação tanto da vida humana quanto da aeronave, fornecendo parâmetros para um voo econômico e eficiente. A compreensão do que estudamos até aqui visa a fornecer ferramentas para o planejamento de um voo seguro, e é nesse sentido que iniciamos um novo tópico, que trata da pesagem, carregamento e balanceamento das aeronaves, para que sejam evitados problemas afetos à (SEST/SENAT, 2016): • Manobrabilidade – relacionada ao consumo excessivo de combustível, redução do teto de serviço, da razão de subida e da velocidade; • Estrutura – danos irreversíveis na estrutura, em razão do sobrepeso, causando uma alteração permanente no comportamento do voo. 176 Capítulo 2 Nesta Seção será possível compreender questões referentes aos fundamentos teóricos do peso e do balanceamento de uma aeronave. Tais conceitos se relacionam a grandezas físicas, uma vez que esta terminologia aeronáutica é resultante de medições e de cálculos matemáticos. O domínio da teoria conduz a técnicas e a procedimentos que qualificam a manutenção e a operação da aeronave a níveis elevados de segurança, e de garantia e de precisão exigidos para a preservação do ser humano e da máquina. A finalidade principal do controle do peso e do balanceamento das aeronaves é a sua segurança. Entretanto, uma segunda finalidade, não menos importante, é o aumento da eficiência em voo, em termos de velocidade, autonomia, teto de serviço e capacidade de manobra (ABREU; PIRES, 2016). Em última instância,a operação de uma aeronave fora de seu envelope de peso e balanceamento pode ter consequências desastrosas. Segundo Saintive (2011), a expressão “Peso e Balanceamento” refere-se às operações necessárias à determinação do peso máximo com que uma aeronave poderá decolar e voar, da carga paga máxima que poderá transportar, bem como da sua distribuição ao longo do avião e de seus compartimentos de carga, de maneira a respeitar e manter o peso e o Centro de Gravidade do avião dentro dos limites estabelecidos pelo fabricante. Apenas para fins didáticos, facilitando o entendimento do tema, dividiremos o Peso e Balanceamento em dois assuntos – o “Peso” e o “Balanceamento”. Apesar de intimamente ligados e relacionados, faremos essa separação apenas para auxiliar o estudo. 3.2 Pesos 3.2.1 Revisão Conceitual Para uma correta compreensão do tema, cabe neste momento apontar os principais conceitos e terminologias em relação ao Peso, no estudo do “Peso e Balanceamento” das aeronaves. Abreu e Pires (2016), Saintive (2011) e EMBRAER (2001) assim o definem, dividido em duas categorias – Pesos Estruturais e Pesos Operacionais: a. Pesos Estruturais (limitados pelo projeto da aeronave): Peso Máximo Estrutural de Taxi (PMT) – Maximum Taxi Weight (MTW). Refere- se ao limite de peso capaz de ser suportado pelo trem de pouso e pela estrutura da aeronave, para operações de taxi. Também é conhecido por Peso Máximo de Rampa (Maximum Design Ramp Weight – MRW). 177 Teoria de Voo de Alta Velocidade Peso Máximo Estrutural de Decolagem (PMED) – Maximum Takeoff Gross Weight (MTOGW). Peso Máximo Estrutural de Pouso (PMEP) – Maximum Landing Gross Weight (MLGW). Peso Máximo Zero Combustível (PMZC) – Maximum Zero Fuel Weight (MZFW). A carga, os tripulantes, os equipamentos, os passageiros e equipamentos são colocados na fuselagem e a sustentação ocorre nas asas. Isso provoca um momento fletor que tende a “dobrar as asas para cima”, caso haja demasiado peso na fuselagem. Os tanques de combustível ficam nas asas, então, seu peso não colabora para esse momento fletor; pelo contrário, o combustível equilibra-o. O PMZC é então o peso máximo de carregamento da aeronave, sem combustível – ou seja, um limitante para que não haja excesso de peso concentrado no eixo da fuselagem. Alguns aviões possuem tanques de combustível na fuselagem (o Concorde os possuía, e outras aeronaves comerciais em suas versões militares, igualmente) ou nos estabilizadores horizontais (MD-11). Para tais casos, esse combustível deve ser computado como “carga”, e levado em conta para fins de cálculo do PMZC, pelo fato de não se encontrar localizado nas asas. Saintive (2011) pontua que as estruturas das aeronaves são dimensionadas para suportarem com razoável margem de segurança os pesos e fatores de carga projetados. Entretanto, quando excedidos, os excessos podem levar a deformações permanentes na aeronave, trincas, fissuras e até a rupturas de estruturas. Ao se exceder o PMZC, ao menos a vida útil da estrutura da aeronave poderá ser comprometida, principalmente a raiz das asas. Na figura a seguir, repare na primeira aeronave que, para efeitos de instrução, não está abastecida. As forças de sustentação geram um momento fletor elevado, forçando a raiz da asa. Já na segunda aeronave, o efeito fletor é minimizado quando as asas se encontram abastecidas. 178 Capítulo 2 Figura 2.46 – Peso Máximo Zero Combustível, momentos fletores com e sem abastecimento nas asas Fonte: Saintive (2011). Lembre-se de que já estudamos a questão dos limitantes de performance, que impactam no peso e na carga das aeronaves. Entretanto, deve-se ter em mente que os Pesos Estruturais são limitantes primários – ou seja, mesmo que a performance da aeronave assim o permita, nenhum avião pode operar acima de seus limitantes estruturais de peso ou de balanceamento. b. Pesos Operacionais: Peso Vazio Equipado / Peso de Fábrica Vazio – Equipped Empty Weight ou Manufacturer Empty Weight (EEW ou MEW) é o peso da estrutura do avião, motores, instrumentos, poltronas na versão considerada, equipamentos portáteis (como os de emergência) e equipamentos fixos considerados parte integral da aeronave. É essencialmente um peso “seco”, incluindo apenas os fluidos contidos em sistemas fechados como os de oxigênio, de extinção de incêndio e dos amortecedores dos trens de pouso etc. Tal peso é fornecido pelo fabricante e consta na ficha de pesagem da aeronave. Deve ser periodicamente atualizado por razão de repinturas, instalação de novos equipamentos, modificações estruturais etc. Peso Básico (PB) – Basic Weight, Empty Weight ou Basic Empty Weight (BW, EW ou BEW) é o Peso Vazio Equipado (EEW / MEW), acrescido de fluido hidráulico, óleo dos motores e APU, e de combustível não drenável. Peso Básico Operacional (PBO) – Operational Empty Weight, Basic Operational Weight ou Dry Operating Weight (OEW, BOW ou DOW) é o Peso Básico (PB) acrescido do peso de itens operacionais que incluem: a tripulação com bagagem, serviço de copa, 179 Teoria de Voo de Alta Velocidade kit de navegação da cabine (mapas, cartas etc.), jornais e revistas, água e produtos químicos dos lavatórios. Duas aeronaves que saem da fábrica com o mesmo PB podem ter PBO bem distintos, em virtude de seus operadores as equiparem diferentemente. Carga Paga – Payload é a soma do peso dos passageiros e respectivas bagagens de mão, das bagagens despachadas no porão (compartimento de carga) e demais cargas (por exemplo, correios). Cada empresa possui um cálculo para considerar o peso médio de cada passageiro, mas em geral um número de consenso é o peso de 75 Kgf por pessoa, incluída a bagagem de mão. Carga Paga Estrutural – É o máximo que a aeronave pode carregar, em termos de carga, em função do Peso Máximo Zero Combustível. Assim, pode ser calculada como sendo PMZC menos o PBO. A depender de limitantes de performance, a Carga Paga Estrutural será superior ao disponível. Em outras palavras, a estrutura do avião suporta uma carga paga que pode não estar totalmente disponível em algumas situações, a depender de fatores limitantes da performance do avião. Carga Útil – é a soma da Carga Paga e do combustível de decolagem. Peso Zero Combustível (PAZC) – Actual Zero Fuel Weight (AZFW) é o peso da aeronave carregada e sem combustível. Pode-se dizer que o PZC = PBO + carga paga. Peso Operacional (PO) – Operational Weight (OW) é o PBO + combustível de decolagem. Peso de Decolagem (PAD) – Actual Takeoff Weight (ATOW) é o peso da aeronave carregada e abastecida para decolagem. PAD = PAZC + combustível de decolagem, ou ainda PAD = Peso Operacional (PO) + carga paga. Peso Máximo de Decolagem de Performance – Maximum Performance Takeoff Weight (MPTOW) é o peso máximo de decolagem limitado pelos fatores estudados neste Capítulo. Relembrando, os sete limitantes podem ser: a pista (field limit), os freios (brake energy limit), a velocidade máxima dos pneus (tire limit), a V1 mínima (V1 min limit), o tempo máximo de operação dos motores em regime de decolagem (Takeoff Thrust Limit ), os gradientes de subida (takeoff climb limit), e obstáculos nos segmentos de decolagem (obstacle limit). Também é conhecido por RTOW – Regulated Takeoff Weight (ou seja, é o peso limite de decolagem calculado para uma determinada pista, sob condições específicas). Peso de Pouso (PAP) – Landing Weight (LW) é o peso que a aeronave terá no pouso. Desconsiderados casos especiais, como o lançamento de paraquedistas, alijamento de carga ou de combustível, ou abastecimento em voo, temos PAP = PAD – consumo de combustível da etapa (trip fuel). Os pesos de Zero Combustível, de Decolagem e de Pouso possuem limitações. Cada aeronave, de acordo com as condições de tamanho de pista, temperatura, altitude e outras, terá os seguintes limitantes de performance: 180 Capítulo 2 Peso Máximo de Decolagem (PMD) – Maximum Takeoff Weight (MTOW) – O peso máximo de decolagem não é só umalimitação de estrutura, mas também de performance. A aeronave, além de poder sustentar seu peso sem esforços danosos sobre os trens de pouso, deverá decolar no comprimento de pista disponível, considerando a temperatura, altitude, umidade do ar e outros fatores. Também é considerado que a aeronave deverá permanecer controlável em caso de pane de um motor durante ou após a decolagem. Este é o peso máximo em que uma aeronave pode decolar, em qualquer circunstância, e é definido pelo fabricante (ou seja, não está relacionado a nenhuma pista ou condição específica). Repare que MPTOW/RTOW será sempre menor ou igual ao MTOW. Peso Máximo de Pouso (PMP) – Maximum Landing Weight (MLW) – O Peso Máximo de Pouso é calculado pelas limitações estruturais da aeronave, especialmente do trem de pouso, mas também considera as limitações de performance, tais como comprimento da pista, temperatura, altitude, umidade do ar e outros. Consideramos aqui o Peso Máximo de Decolagem, que será o menor entre os seguintes limites: Peso Máximo Estrutural de Decolagem, Peso Máximo de Performance de Decolagem, Peso Máximo de Decolagem em função do Peso Máximo Zero Combustível e Peso Máximo de Decolagem em função do Peso Máximo de Pouso. Da mesma forma, o Peso Máximo de Pouso será o menor entre os limites: Peso Máximo Estrutural de Pouso e o Peso Máximo de Pouso (limitado pela performance). Saintive (2011) também define os diferentes conceitos relacionados ao combustível da aeronave, quais sejam: • Abastecimento de Combustível – block fuel ou total fuel é o peso total do combustível, nos diferentes tanques do avião, antes da partida dos motores. • Combustível para o Táxi – taxi fuel é o quantitativo de combustível planejado para ser utilizado na operação de taxiamento da aeronave, até o ponto em que inicia a decolagem. • Combustível de Decolagem – take off fuel é o peso remanescente nos tanques da aeronave, quando inicia a decolagem. • Combustível para a Etapa – trip fuel é o peso de combustível previsto para ser consumido na etapa a ser voada, da decolagem ao pouso, sem margens de segurança. • Combustível Reserva / Combustível sobre o Destino – reserve fuel / fuel over destination é o combustível existente nos tanques para fins de reserva. Caso não ocorram imprevistos no voo, deverá ser o combustível remanescente nos tanques do avião, após o pouso. 181 Teoria de Voo de Alta Velocidade Neste momento, faremos um pequeno exercício para o cálculo do Peso Máximo de Decolagem (PMD). Este exemplo de cálculo é extraído de Abreu e Pires (2016, p. 81). A figura abaixo exemplifica a sequência para o cálculo do PMD. Figura 2.47 – Sequência para o cálculo do Peso Máximo de Decolagem Fonte: Abreu e Pires (2016). Imagine uma aeronave com as seguintes características de performance de peso: • MTOGW....................191.000 libras (estrutural de decolagem) • MPTOW....................180.000 libras (performance) • MLW.........................160.000 libras • MZFW.......................141.000 libras • PBO / OEW / BOW.............90.000 libras • Take off fuel............45.000 libras • Trip fuel....................25.000 libras Determine o PMD e o peso disponível para carga e combustível. 182 Capítulo 2 A primeira coluna representa o cálculo do PMD em função do PMP (Peso Máximo de Pouso / MLW). Ao Peso Máximo de Pouso, soma-se o combustível previsto para ser consumido na etapa. A segunda coluna refere-se ao cálculo do PMD em função do PMZC. Ao Peso Máximo Zero Combustível (MZFW) soma-se o combustível total programado para a decolagem. A terceira e a quarta coluna expressam diretamente o Peso Máximo Estrutural de Decolagem e o Peso Máximo de Decolagem limitado pelos vários fatores de performance. Dos quatro pesos, o menor é o limitado pela performance. Logo, esse deve ser respeitado – ou seja, o PMD = 180.000 lb. Para calcularmos o peso disponível, subtraímos do PMD o Peso Básico Operacional e o abastecimento necessário na decolagem. Peso disponível = PMD – PBO – Abastecimento (take off fuel) = 180.000 – 90.000 – 45.000 = 45.000 lb. Agora que já sabemos que é possível “carregar” a aeronave com 45.000 lb, resta- nos saber se todo esse peso pode ser levado como carga, ou se haverá restrições para tal. Para fazer essa avaliação, temos que considerar o PMZC. Se carregarmos a aeronave (sem acrescentar combustível extra) com 45.000 lb, teremos que o PAZC será igual ao PBO + 45.000 = 90.000 + 45.000 = 135.000 lb, ou seja, inferior ao limitante de 141.000 lb (PMZC). Tal resultado, abaixo do Peso Máximo Zero Combustível, permite-nos afirmar que é possível carregar a aeronave com todo o peso disponível de 45.000 lb, caso necessário. Nessas condições, também é possível distribuir parte das 45.000 lb em carga e em combustível extra, a critério e segundo a necessidade do voo. Observe que, caso o Peso Disponível resultasse na ultrapassagem do PMZC (MZFW), o excedente de peso (acima do PMZC) não poderia ser empregado para carregar a aeronave, mas somente utilizado para fins de complemento do abastecimento nas asas. Lembre-se de que o PMZC não limita o abastecimento de combustível da aeronave nas asas! 3.2.2 Consequências da operação de aeronaves em condições de sobrepeso Bem, no tocante ao peso da aeronave, observe que qualquer item desnecessário a bordo, que aumente o peso total, sempre será algo indesejável para o desempenho. Os fabricantes têm como uma das metas tornar uma aeronave o mais leve possível, sem sacrificar a resistência estrutural ou a segurança. O piloto ou operador da aeronave deve estar sempre ciente das consequências de uma sobrecarga de peso. Uma aeronave sobrecarregada pode até não ser capaz de deixar o solo, ou apresentar em voo características inesperadas e de baixa performance. Se não for carregada corretamente, a indicação inicial de baixo desempenho normalmente já poderá ser notada durante a decolagem. Veremos 183 Teoria de Voo de Alta Velocidade mais adiante que, para a segurança e melhor performance da aeronave, não basta apenas seguir os seus limitantes de peso, mas também determinar como será sua distribuição ao longo da aeronave, de acordo com os limites do Centro de Gravidade. Vejamos mais detalhadamente como a sobrecarga de peso pode afetar o voo de uma aeronave. a. Consequências do sobrepeso em relação à performance O excesso de peso reduz o desempenho do voo em quase todos os aspectos. Segundo USA (2016, pilot`s handbook), as deficiências mais significativas apresentadas por uma aeronave sobrecarregada são: • Maior velocidade de decolagem; • Corrida de decolagem mais longa; • Redução da razão e do ângulo de subida; • Redução do Teto de Serviço; • Redução do Alcance e da Velocidade de Cruzeiro; • Piora da Manobrabilidade; • Maior velocidade de aproximação e de pouso, com consequente necessidade de maior comprimento de pista para a desaceleração e parada; • Maiores velocidades de aproximação e de pouso; e • Excesso de peso na roda do nariz ou na roda da cauda (para aeronaves menores). O piloto deve ter conhecimento do efeito do peso no desempenho da sua aeronave. O planejamento de pré-voo deve incluir uma verificação dos gráficos de desempenho, para determinar se o peso da aeronave pode acarretar condições de voo perigosas. O peso excessivo por si só reduz as margens de segurança disponíveis para o piloto, e se torna ainda mais perigoso quando outros fatores de redução de desempenho são combinados. De tudo o que já estudamos até aqui, observe que o piloto também deve considerar as consequências de uma aeronave com excesso de peso, para os casos de operação em condições climáticas adversas que degradam a performance (turbulência ou rajadas de vento, por exemplo, ocasiões em que a aeronave é submetida a esforços por cargas aerodinâmicas (cargas ‘G”). Ainda, é necessário sempre imaginar a possibilidade de se deparar com diversas condições de emergência ou de inoperância de algumsistema da aeronave. Se um motor falhar na decolagem ou em caso de formação de gelo na fuselagem ou nas asas a baixa altitude, geralmente será muito tarde para tentar reduzir o peso de uma aeronave para mantê-la no ar. 184 Capítulo 2 Ao estudarmos anteriormente a performance das aeronaves, você deve se lembrar de que o desempenho de decolagem / subida e pouso de uma aeronave é determinado com base em seus pesos máximos permitidos de decolagem e de pouso. Maiores pesos resultam em uma corrida de decolagem mais longa e num desempenho de subida degradado, assim como em uma velocidade de aterrissagem maior e uma rolagem de pouso também mais longa. Mesmo uma pequena sobrecarga pode inviabilizar que uma aeronave ultrapasse um obstáculo, que normalmente não seria um problema durante a decolagem em condições mais favoráveis. Os efeitos prejudiciais da sobrecarga no desempenho não estão limitados aos riscos imediatos envolvidos com decolagens e aterrissagens. Conforme mencionamos há pouco, a sobrecarga tem um efeito adverso em toda a subida e desempenho de cruzeiro, o que leva ao superaquecimento dos motores durante as subidas e ao maior desgaste nas suas peças, além de maior consumo de combustível e velocidades de cruzeiro mais lentas e alcance reduzido. Os fabricantes de aeronaves modernas fornecem dados minuciosos e precisos de peso e balanceamento para cada aeronave produzida. Geralmente, essas informações podem ser encontradas no AFM (Aircraft Flight Manual) / POH (Pilot Operating Handbook), aprovado pela autoridade certificadora da aeronave, com acesso a gráficos para determinar os dados de peso e balanceamento (gráficos e planilhas impressas ou, como já discutimos, softwares que fornecem essas análises). Em qualquer situação, o aumento do desempenho e a capacidade de transporte de carga dessas aeronaves exigem estrita aderência às limitações operacionais prescritas pelo fabricante. Desvios das recomendações podem resultar em danos estruturais ou falha total da estrutura da aeronave. Mesmo que uma aeronave esteja bem carregada dentro das limitações de peso máximo, é imperativo que a distribuição de peso esteja dentro dos limites de passeio do CG (abordaremos este assunto adiante). b. Consequências do sobrepeso em relação à estrutura O efeito do peso adicional na estrutura da asa de uma aeronave pode não ser percebido de imediato. De acordo com USA (2016, pilot`s handbook), os requisitos de aeronavegabilidade determinam que a estrutura de uma aeronave certificada na categoria normal (na qual as acrobacias são proibidas) deve ser forte o suficiente para suportar um fator de carga de 3,8 G, para lidar com forças aerodinâmicas advindas de manobras e rajadas de vento. Isso significa que a estrutura primária da aeronave pode suportar uma carga de 3,8 vezes o seu peso bruto aprovado, sem que ocorram falhas estruturais. Se isso for aceito como indicativo dos fatores de carga que podem ser impostos durante as operações para as quais a aeronave se destina, uma sobrecarga de 100 libras impõe uma potencial sobrecarga estrutural de 380 libras. A mesma consideração é ainda mais impressionante no caso das aeronaves utilitárias e da categoria acrobática, que possuem requisitos de fatores de carga de 4,4 e 6,0, respectivamente. 185 Teoria de Voo de Alta Velocidade De acordo com USA (2016, pilot`s handbook), as falhas estruturais que resultam de uma sobrecarga podem afetar progressivamente os componentes de uma aeronave, de uma maneira difícil de ser detectada e muito cara de ser reparada. A sobrecarga habitual tende a causar estresse cumulativo e danos que podem não ser identificados durante as inspeções prévias, e culminam mais tarde em falhas estruturais “aparentemente” sem causas, durante operações completamente normais. Ou seja, a tensão adicional aplicada nas peças estruturais por sobrecarga acelera a ocorrência de falhas por fadiga. Um conhecimento dos fatores de carga impostos pelas manobras de voo e rajadas de vento enfatiza as consequências de um aumento no peso bruto de uma aeronave. A estrutura de uma aeronave prestes a sofrer um fator de carga de 3 G, como na recuperação de um mergulho íngreme, deve ser preparada para suportar uma carga adicional de 300 libras para cada aumento de 100 libras em peso. Repare que as aeronaves civis certificadas foram analisadas estruturalmente, e testadas quanto ao voo com o peso bruto máximo autorizado, nos limites de velocidades indicadas para o tipo de voo a ser realizado. Os voos com pesos superiores geralmente são possíveis e se encaixam nas capacidades de desempenho de uma aeronave. Entretanto, esse fato não deve induzir em erro ao piloto, pois ele pode não perceber que cargas para as quais a aeronave não foi projetada estão sendo impostas, a toda ou parte da estrutura. Também é necessário se observar que, ao carregar uma aeronave com passageiros ou carga, a estrutura deve ser considerada. Assentos, compartimentos de bagagem e pisos de cabine são projetados para somente uma certa quantidade ou concentração de carga. Por exemplo, um determinado compartimento de bagagem pode ser limitado por sua resistência de estrutura de suporte, mesmo que a aeronave não esteja sobrecarregada ou fora dos limites do CG com mais peso naquele local. c. Consequências do sobrepeso em relação à manobrabilidade e controlabilidade A sobrecarga também afeta a estabilidade de voo. Uma aeronave que é estável e controlável quando corretamente carregada, pode apresentar características de voo muito diferentes quando sobrecarregada. Embora a distribuição de peso tenha um efeito mais direto sobre isso (trataremos mais adiante, quando abordarmos a questão do balanceamento), um aumento no peso bruto da aeronave pode ter um efeito adverso na estabilidade, independentemente da localização do CG. A estabilidade de muitas aeronaves certificadas pode ser completamente insatisfatória se os limitantes de peso estruturais ou operacionais forem excedidos. 186 Capítulo 2 3.3 Balanceamento Agora já sabemos que é necessário respeitar os limites de peso de uma aeronave, determinados pelos seus fabricantes, dessa forma, é preciso reconhecermos como distribuir o peso pelos diversos compartimentos da aeronave (sejam eles advindos de combustível, carga, passageiros, material de apoio de bordo etc.), a fim de que ela apresente condições de voo estáveis, dentro de sua capacidade de equilíbrio. Em algumas aeronaves, não é possível preencher todos os assentos, compartimentos de bagagem e tanques de combustível, e ainda permanecer dentro dos limites de peso ou balanceamento aprovados. Por exemplo, em várias aeronaves pequenas de quatro lugares, os tanques de combustível podem não ser abastecidos quando os quatro ocupantes e suas bagagens tiverem de ser transportados. Já em uma determinada aeronave de dois lugares, nenhuma bagagem pode ser transportada no compartimento de trás dos assentos, quando manobras de treinamento de parafuso são praticadas. Grandes aeronaves também estão sujeitas a limitações de carregamento, em função do posicionamento de seu Centro de Gravidade. É importante que o piloto esteja ciente das limitações de peso e de equilíbrio da aeronave que está sendo pilotada, bem como das razões para a existência dessas limitações. Uma aeronave apresenta basicamente três tipos de equilíbrio rotacional – o equilíbrio vertical (relativo ao movimento de arfagem), o equilíbrio lateral (relativo à rolagem) e o equilíbrio direcional (relativo à guinada). Desses três, o equilíbrio direcional não é diretamente afetado pela distribuição de peso, mas os demais sim. O equilíbrio lateral é fundamentalmente afetado pela distribuição e consumo de combustível nas asas – assim, uma vez que sejam respeitados os limites de desbalanceamento de combustível nas asas (ou seja, uma asa contendo mais combustível do que outra), a aeronave não terá o seu equilíbrio lateral afetado a ponto de comprometer a segurança,mas somente o seu desempenho – por conta do acréscimo de arrasto ao voar “descoordenada”). Entretanto, para efeitos de nosso estudo neste momento, vamos nos ater em mais detalhes à questão do equilíbrio vertical (longitudinal) da aeronave. Para garantir que o carregamento de tripulantes, passageiros e cargas (e eventualmente de combustível na fuselagem – que tem comprimento bem maior do que a largura e a altura), a preocupação diz respeito à posição longitudinal dessas massas, ou seja, se estão muito à frente ou muito atrás de uma posição definida como Centro de Gravidade (CG). 187 Teoria de Voo de Alta Velocidade A principal preocupação em equilibrar uma aeronave é a localização anterior e posterior do CG, ao longo do eixo longitudinal. O CG não é necessariamente um ponto fixo, pois depende da distribuição de peso na aeronave. Como os itens de carga variável são deslocados ou gastos, há uma resultante mudança na localização do CG. A distância entre os limites de avanço e de recuo do CG é certificada para uma aeronave pelo seu fabricante, e o piloto deve perceber que se o CG for deslocado muito para a frente no eixo longitudinal, uma condição de nariz pesado resultará. Inversamente, se o CG é deslocado muito para trás no eixo longitudinal, resultará em uma condição pesada da cauda. É possível que o piloto não consiga controlar a aeronave se a localização do CG produzir uma condição instável – ou seja, fora do envelope certificado ou determinado pelo fabricante. Neste momento, sugerimos que o aluno leia o conteúdo do Item 2.2 do livro didático de Abreu e Pires (2016), o qual será parcialmente apresentado a seguir, para que sejam compreendidos alguns conceitos básicos sobre o balanceamento das aeronaves. 3.3.1 Revisão Conceitual Sendo a aeronave um corpo extenso, suas dimensões são relevantes em termos de equilíbrio. No entanto, quando a consideramos como um objeto pontual, é como se toda a sua massa estivesse concentrada em um ponto denominado Centro de Gravidade (CG). Você sabe que um avião é formado por diversos componentes (fuselagem, trem de pouso, compartimentos de carga, empenagens, asas, motores, pilones etc.), sendo cada um dotado de uma determinada massa e localizado em um local distinto do conjunto da aeronave. Se pudermos somar o peso (massa x força da gravidade) total do avião, a força resultante agirá no CG. Como veremos adiante, a posição do CG é essencial para a estabilidade longitudinal da aeronave, e muitas vezes um fator crítico em termos de carregamento, principalmente nos aviões de pequeno porte e nos cargueiros, e possui grande influência em seu desempenho e segurança (SAINTIVE, 2011). Os limites anterior e posterior do Centro de Gravidade são usualmente definidos em termos de percentual da Corda Média Aerodinâmica das asas. A Corda Média Aerodinâmica (CAM) ou Mean Aerodynamic Chord (MAC), anteriormente referida, é uma linha de um aerofólio retangular imaginário, tendo esse a mesma área da asa a ser estudada, e capaz de produzir uma idêntica resultante de sustentação vetorial (EMBRAER, 2001). De forma simplificada, é a linha paralela ao fluxo de ar, que une o bordo de ataque ao bordo de fuga da asa. 188 Capítulo 2 Figura 2.48 – Corda Média Aerodinâmica, obtida a partir de um aerofólio retangular imaginário, equivalente ao original Fonte: EMBRAER (2001). Revendo o que já estudamos sobre perfis de aerofólios no Capítulo anterior, a figura a seguir identifica as principais nomenclaturas básicas de um aerofólio, onde pode ser observada a linha da Corda Média Aerodinâmica. Figura 2.49 – Elementos Geométricos de um aerofólio – Corda Média Aerodinâmica Fonte: Canal Piloto (2013). Lembre-se de que a sustentação gerada por uma asa é obtida a partir da integração de todas as pressões exercidas sobre ela, e tal resultante ocorre em um determinado ponto denominado Centro de Pressão (CP). Assim como o CG, a localização do CP também é expressa em termos de percentual da Corda Média Aerodinâmica, medida a partir do bordo de ataque do perfil. A próxima figura exemplifica a questão tratada anteriormente, com respeito às asas que não possuem perfil retangular. No Capítulo 1 já estudamos as asas enflechadas, e você deve se lembrar de como elas são. 189 Teoria de Voo de Alta Velocidade De acordo com Saintive (2011), as asas enflechadas possuem seções que diferem em comprimento, mas existirá um segmento em cada metade de asa cujas características aerodinâmicas refletem a média da metade da asa, possibilitando assim a localização do Centro de Pressão. Figura 2.50 – Localização do Centro de Pressão em asas enflechadas Fonte: Saintive (2011). Para possibilitar uma medição correta do posicionamento de cada massa da aeronave, é preciso que se defina uma referência. Em aviação, essa referência é denominada de Plano de Referência (Datum), ou seja, um plano vertical perpendicular ao eixo longitudinal da aeronave, posicionado adequadamente para que se façam as medidas necessárias aos cálculos de balanceamento. O plano pode ser estabelecido em qualquer posição, mas, uma vez determinada, essa deve ser mantida para todos os cálculos. Pode-se provar, matematicamente, que os cálculos feitos com o plano em uma posição produzem os mesmos resultados caso fossem feitos com o plano em qualquer outra posição. Por conveniência, costuma-se usar o plano à frente do nariz da aeronave, para que se obtenham números positivos e menores possíveis, facilitando os cálculos. As duas figuras abaixo apresentam o posicionamento do Plano de Referência (Datum), respectivamente, para uma aeronave de pequeno porte e outra de médio porte. Já a terceira figura representa exemplos de diferentes posicionamentos do Plano de Referência. 190 Capítulo 2 Figura 2.51 – Diagrama de nivelamento da aeronave Embraer 711 Corisco Fonte: Manual de Operações EMB-711 ST – CORISCO II. EMBRAER (1980. p. 6.3). Figura 2.52 – Posicionamento do Plano de Referência na aeronave Embraer 145 Fonte: Manual de Manutenção de Aeronaves (2014). 191 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.53 – Diferentes posicionamentos do Plano de Referência Fonte: Manual de Manutenção de Aeronaves (2014). Vejamos outros termos empregados no estudo do Peso e Balanceamento de aeronaves. Você encontrará nas literaturas aeronáuticas o termo Estação. Nada mais é do que um local designado ao longo da fuselagem do avião, dado em função da distância do plano de referência, utilizado para facilitar a localização de uma determinada massa. Também presente nas literaturas e advindo da física, o conceito de Braço identifica a distância horizontal entre o plano de referência (Datum) e uma determinada Estação de interesse (por definição, o Braço apresentará valor positivo se for localizado à direita do Datum, e negativo quando se encontrar à esquerda). Igualmente oriundo da física, o Momento de um corpo qualquer é o produto de seu peso pelo braço, e corresponde ao torque em torno de um ponto situado no plano de referência. 192 Capítulo 2 Por fim, para facilitar os cálculos dos momentos, alguns fabricantes recomendam a adoção de índices que, aplicados para todos os cálculos, possibilitam que se trate com números resultantes menores (ao multiplicarmos determinados pesos pelos braços correspondentes, muitas vezes encontramos valores com grandezas de alguns dígitos). São os chamados Index System (sistemas de indexação), uma convenção para apresentar os valores dos momentos. Os valores são convertidos para um sistema de medida diferente, apenas para facilitar os cálculos e propiciar o trabalho com grandezas mais reduzidas (alguns fabricantes simplesmente recomendam dividir os momentos por 100, 1.000 ou 10.000, por exemplo). Abreu e Pires (2016) relembram que o balanceamento de aeronaves se baseia no equilíbrio rotacional de um corpo extenso, cuja condição essencial é a de que a soma dos Momentos deve ser zero (por este motivo, a teoria do Peso e Balanceamentode aeronaves é dita como baseada na “teoria da alavanca”). Na verdade, como a aeronave tem superfícies de comando que podem ser atuadas para gerar forças extras de equilíbrio (profundor – no caso do equilíbrio longitudinal), existe uma margem de segurança quanto à posição do CG. A localização do CG com referência ao eixo lateral também é importante. Para cada item de peso existente à esquerda da linha central da fuselagem, existe um peso igual em um local correspondente à direita. Isso pode ser alterado pelo carregamento lateral desequilibrado. A posição do CG lateral não é computada em todas as aeronaves, mas o piloto deve estar ciente de que efeitos adversos surgem como resultado de uma condição de desequilíbrio lateral. Em um avião, o desequilíbrio lateral geralmente ocorre se a carga de combustível for mal administrada. Isso pode acontecer no próprio abastecimento (carregando uma asa mais do que a outra), ou mesmo em voo (permitindo que os motores consumam combustível das asas de maneira desigual, resultando em situações de desbalanceamento). Até atingir o limite de desbalanceamento definido pelo fabricante, o piloto pode compensar uma condição de asa pesada, ajustando os compensadores (Trim) ou mantendo uma pressão constante na superfície de controle (ailerons). Entretanto, essa ação coloca tais superfícies de controle da aeronave em uma condição de desalinhamento, o que gera aumento de arrasto e menor eficiência operacional (USA, 2016, pilot handbook). Pilotar uma aeronave que está desequilibrada pode produzir um aumento de fadiga do piloto, com efeitos óbvios na segurança e na eficiência do voo. A correção natural do piloto para sobrepujar um desequilíbrio longitudinal é um ajuste de compensação, no intuito de reduzir a pressão excessiva sobre o profundor. A compensação excessiva, no entanto, tem o efeito de penalizar a eficiência aerodinâmica da superfície de controle. 193 Teoria de Voo de Alta Velocidade Importa também lembrar que uma aeronave deve ser capaz de voar em condições distintas, com velocidades baixas nas fases de decolagem e de pouso, e com velocidades superiores em regimes de subida, descida e cruzeiro. Ainda, à medida que consome combustível, as condições de equilíbrio se alteram. Para todas essas situações, a posição do CG deve permitir que o profundor seja capaz de gerar sustentação (negativa ou mesmo positiva) para compensar o desequilíbrio longitudinal gerado pela diferença de posicionamento entre o CG e o CP. Nesse sentido, é que os fabricantes delimitam uma gama de localização do CG – denominada “passeio do CG”, para cada peso e fase do voo. Caso não sejam respeitados esses limites, poderá ocorrer uma condição em que o profundor não seja capaz de gerar força suficiente para estabilizar o voo (ou para desestabilizá-lo, nos casos de necessidade de aumento ou diminuição do AOA, na decolagem e pouso por exemplo) e contrapor-se ao momento gerado pela sustentação das asas. Para pequenas correções, os profundores são dotados de superfícies de compensação (Trim), que aliviam a força necessária a ser feita pelo piloto ou pelo sistema de automação de controle de voo. Você também deve se recordar do que já estudamos no Capítulo anterior, com respeito aos Estabilizadores Horizontais de Incidência Variável. Eles são usualmente empregados nas aeronaves que operam em regime transônico e, no tocante ao balanceamento da aeronave, contribuem para uma maior eficiência na geração de forças na cauda e, consequentemente, para o controle longitudinal da aeronave, em situações em que seja necessária a alteração do AOA da aeronave. Ao variar sua incidência como um todo, os Estabilizadores Horizontais com Incidência Variável geram menor arrasto, tornando-se mais eficientes e possibilitando à aeronave operar em uma gama maior de velocidades. Nas operações de decolagem, o posicionamento do Estabilizador Horizontal de Incidência Variável é realizado em função da localização do CG da aeronave. Por encontrar-se à direita do CG (ou seja, para trás da aeronave, em direção à cauda), o Centro de Pressão (CP) – no qual atua a resultante da sustentação das asas, funciona como o ponto de apoio de uma gangorra, conforme descrevem as figuras abaixo. 194 Capítulo 2 Figura 2.54 – Distribuição de forças no equilíbrio longitudinal da aeronave Fonte: Aeromagazine (2014). À superfície de controle de um estabilizador horizontal, o profundor, pode ser direcionado tanto para cima quanto para baixo, dependendo das condições de voo. Observe a figura anterior. A força gerada pelo profundor controla o avião em torno do eixo longitudinal, bem como compensa a aeronave para as variações de CG e de velocidade. Além disso, o profundor é usado para compensar as forças de empuxo dos motores, que não atuam pelo CG. Agora repare nas figuras a seguir. Na primeira, duas massas iguais equilibram- se sobre um apoio, equidistantes dele. Ou seja, ambas as massas apresentam momentos iguais (2.000 m x Kgf) em relação ao ponto de apoio. Nessa condição, observa-se um equilíbrio e a gangorra não se move. Figura 2.55 – Equilíbrio de momentos – analogia da gangorra Fonte: Saintive (2011). Já na figura abaixo, em que pese o fato de que as massas s tenham se mantido com o mesmo valor, o Braço da massa à direita foi estendido em relação ao Braço da massa da esquerda, provocando um desequilíbrio de momentos (1.400 m x Kgf contra 2.400 m x Kgf) e a gangorra irá efetuar um rolamento para a direita (para o lado de maior momento). 195 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.56 – Desequilíbrio de momentos – analogia da gangorra Fonte: Saintive (2011). O voo reto e nivelado só é possível se as forças verticais estiverem balanceadas, isto é, se a soma delas for igual a zero. Além disso, os momentos gerados por cada força sobre qualquer eixo de rotação (atuando aqui no CP) também devem ser balanceados. Na figura a seguir, as forças estão localizadas de tal forma que proporcionam uma situação de equilíbrio. Figura 2.57 – Equilíbrio de Forças e de Momentos em voo nivelado Fonte: EMBRAER (2001). Para uma melhor compreensão sobre os conceitos de torque, equilíbrios estático, dinâmico, translacional e rotacional, sugerimos a leitura da Seção 3 (Noções de estática do corpo extenso) do Capítulo 1 de Abreu e Pires (2016). Vale a pena, também, o aluno aprofundar um pouco mais o estudo e revisar quais são as forças atuantes em uma aeronave em voo, o que também pode ser obtido na mesma Seção do livro referenciado. 3.3.2 Carregamento e Cálculo do CG USA (2016) (pilot handbook) define que existem inúmeros métodos para calcular corretamente o carregamento de uma aeronave, sendo três os mais conhecidos: o método computacional (quando se realizam cálculos matemáticos básicos) e os métodos de consulta de gráficos e de consulta de tabelas fornecidas pelo fabricante. Para as modernas aeronaves comerciais, seus fabricantes disponibilizam 196 Capítulo 2 ferramentas computacionais práticas, que podem ser utilizadas por pessoal de terra ou mesmo pelos pilotos (tais aplicativos funcionam em tablets ou notebooks), e que realizam os cálculos de balanceamento da aeronave de maneira rápida, intuitiva e segura. As figuras a seguir apresentam imagens de exemplo desses aplicativos. Figura 2.58 – Exemplo de aplicativo para cálculo de carregamento e de CG de uma aeronave executiva – EMBRAER Phenom Fonte: Embraer Jet Operators Association (2019). Figura 2.59 – Exemplo de aplicativo para cálculo de carregamento e de CG de uma aeronave da Airbus Fonte: Airbus DS Weight and Balance. Vejamos agora um exercício de carregamento e de cálculo de CG de uma aeronave, proposto por Abreu e Pires (2016), no qual é empregado o método computacional. 197 Teoria de Voo de Alta Velocidade Nossa missão será distribuir os pesos na aeronave, para que o CG seja posicionado dentro dos limites estabelecidos pelo fabricante. Isso não é tão difícil, se considerarmos que oselementos que acrescentarão peso à aeronave (cabine dos pilotos, compartimentos de bagagens etc.) estão localizados em posições definidas. Essas posições possuem seus braços descritos nos manuais de carga da aeronave, fornecidos pelo fabricante. A determinação da posição do CG é obtida considerando-se a propriedade de que “a soma de todos os momentos é igual ao momento total”, sendo o momento total igual ao peso total multiplicado pelo braço do CG. Vejamos a seguinte equação: No primeiro termo da equação, o símbolo Σ (sigma) representa a soma de todos os produtos mi .bi, sendo que mi é a massa de um setor i e bi é o braço desse setor. M é a massa total e bCG é o braço do CG. Para simplificar os cálculos utilizamos a massa e não o peso (peso = massa x aceleração da gravidade), mas isso não afeta os cálculos finais. Suponha que tenhamos medido três setores de uma aeronave. Nesse caso, n=3 e vamos somar m1.b1 + m2.b2 +m3.b3 para obter a soma dos momentos. O CG com peso vazio, ou CGPV, já definido pelo fabricante, foi obtido dessa forma e pode ser usado para calcular a mudança de posição do CG ao se acrescentar mais carga. Vejamos o seguinte exemplo: Figura 2.60 – Exemplo de Estações para medição de balanceamento de uma aeronave Fonte: Abreu e Pires (2016). 198 Capítulo 2 Seja a aeronave representada com as respectivas estações indicadas na figura anterior. O seu CGPV é fornecido pelo fabricante, mas para efeitos de exercício, será calculado aqui, considerando que uma pesagem efetuada com balanças sob as rodas do trem de pouso (os pontos de apoio para pesagem de uma aeronave são denominados “pontos de pesagem”) forneceu as seguintes medições: • Peso sobre a bequilha: 600 kg • Peso sobre cada trem principal: 2.500 kg Observando o gráfico, vemos que o braço da bequilha é de 4,5 m e, o de cada trem principal, 7,5 m. Podemos, então, calcular a soma dos momentos: Então, 40.200 Kg.m é a soma dos momentos que deve ser igual ao momento total M.bCG. Sendo M a massa total (600+2.500 +2.500=5.600), então: bCG = Momento total/M = 40.200/5.600 = 7,18 m A posição do CG está indicada na figura anterior por um círculo preto e branco. Consideremos agora que seja necessário realizar o carregamento e abastecimento dessa aeronave, de acordo com os seguintes fatores: • Piloto e copiloto: 80 kg cada, com bagagem • Abastecimento: 1000 kg • Carregamento (Estação 10): 1000 kg Esses dados representam acréscimos, tanto nos momentos quanto no peso total. Assim: Momentos Piloto e Copiloto: 80x4 + 80x4 = 640 kg.m Peso Pilotos: 160 kg 199 Teoria de Voo de Alta Velocidade Momento Combustível: 1000 x 6,5 = 6500 kg.m Peso Comb.: 1000 kg Momento Carga: 1000.10 = 10.000 kg.m Peso Carga: 1000 kg Momento vazio = 40.200 kg.m Peso Vazio: 5.600 kg Momento Total = 640 + 6500 + 10000 + 40200 = 57.340 kg.m Peso Total: 160 + 1000 + 1000 + 5600 = 7.760 kg Braço do CG carregado = Momento Total / Peso Total = 57.340 Kg.m/7.760 Kg = 7,39 m Com esse exercício, concluímos que ao serem adicionados os pesos da tripulação, do combustível e da bagagem, o CG deslocou-se um pouco para trás em relação ao CG da aeronave vazia. Deve-se verificar, nas especificações da aeronave, se tal deslocamento se encontra dentro da margem de passeio do CG. Caso o deslocamento do CG leve a uma posição inadequada, o planejamento de carga e/ou abastecimento deve ser refeito, para que os requisitos sejam atendidos. Ao longo do voo, logicamente ocorrerá uma redução na quantidade de combustível a bordo da aeronave. É de se esperar, então, que o CG deve permanecer dentro dos limites definidos pelo fabricante, mesmo após consumido o combustível. Assim, qual será a posição do CG da aeronave do exemplo anterior, depois de consumido todo o combustível? Para responder a esta pergunta, devemos retirar do momento total o momento do combustível e, do peso total, o peso do combustível, recalculando o braço do CG: 200 Capítulo 2 Momento da aeronave carregada sem combustível = (57340 – 6500) Peso da aeronave carregada sem combustível = (7760 – 1000) Braço do CG carregado sem combustível: (57.340 – 6.500) / (7.760 – 1000) = 8,48! Observe que o CG foi deslocado para uma posição muito traseira, o que pode causar problemas. Algumas vezes, para resolver problemas de carregamento usam-se lastros, que são pesos inertes colocados para equilibrar a aeronave. Em nosso exemplo, encontramos a posição do CG expressa em distância do plano de referência, mas isso exige que conheçamos a posição do plano. Como comentado, o cálculo pode ser feito usando um plano em qualquer posição, mas se o resultado for expresso em distância do plano, há que se saber onde ele se encontra. Uma solução para esse problema é o uso da porcentagem da Corda Média Aerodinâmica (CMA). Figura 2.61 – Corda Média Aerodinâmica Fonte: Abreu e Pires (2016). Na figura anterior, há a representação da CMA com o posicionamento do CGPV. Ele se encontra a 7,18 do plano de referência, sobre a CMA, que vai de 6,5 a 8,5. Então, podemos afirmar que o CGPV se localiza a 0,68 (7,18 – 6,5) de um comprimento total de 2 (8,5 – 6,5), o que nos aponta para 34% da CMA. A limitação de posição do CG poderá ser dada, então, em porcentagem da CMA, como por exemplo de 30% a 40% da CMA. Conforme já comentamos anteriormente, tal variação é chamada de Passeio do CG. As duas figuras a seguir representam envelopes de CG de duas aeronaves comerciais, respectivamente, do trijato McDonnell Douglas MD-11 e do Airbus A330. Repare que o fabricante define envelopes (passeios) do CG mais restritivos para as operações de decolagem e pouso, haja vista a necessidade de controle da aeronave mais apurado nessas fases de voo, e pela incapacidade do conjunto estabilizador horizontal / profundor de gerar as forças de equilíbrio em grandes quantidades, em função do baixo regime de velocidade empregado. 201 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 2.62 – Envelope de Passeio do CG – Aeronave McDonnell Douglas MD-11 Fonte: Saintive (2011). Figura 2.63 – Envelope de Passeio do CG – Aeronave Airbus A330 Fonte: PPRUNE, Flight Deck Forums (2010). 202 Capítulo 2 De acordo com USA, 2016 (pilot handbook), os projetistas de aeronaves localizam a posição anterior e posterior do CG o mais próximo possível do ponto de 20% da Corda Média Aerodinâmica (MAC). Se a linha de empuxo for projetada para passar horizontalmente por meio do CG, ela não fará com que a aeronave suba ou desça o nariz quando a potência é alterada, e não haverá diferença no Momento devido ao empuxo, para uma condição de motores em funcionamento ou não, em voo. Embora os projetistas tenham algum controle sobre a localização das forças de arrasto, eles nem sempre são capazes de fazer com que as suas resultantes passem pelo CG da aeronave. No entanto, o único item sobre o qual eles têm maior controle é o tamanho e o posicionamento da cauda do avião. O objetivo é tornar os momentos (devido ao empuxo, arrasto e sustentação) tão pequenos quanto possível e, pela localização adequada da cauda, fornecer os meios de equilibrar uma aeronave longitudinalmente para qualquer condição de voo. De maneira similar, o piloto não tem controle direto sobre a localização das forças longitudinais que atuam na aeronave em voo, exceto ao controlar a sustentação por meio da alteração do AOA. Tal mudança, entretanto, envolve imediatamente mudanças em outras forças. Portanto, o piloto não pode alterar independentemente a localização de uma força sem alterar o efeito de outras. Por exemplo, uma mudança na velocidade aerodinâmica envolve alterar a sustentação, assim como o arrasto e a força para cima ou para baixo na cauda. Igualmente, forças oriundas de turbulência e rajadas atuam para deslocar a aeronave, e o piloto deve reagir fornecendo adequado controle opositor de forças, para neutralizar tais desequilíbrios. Algumas aeronaves estão sujeitas a alterações na localização do CG com variações decarga, mesmo em voo. Dispositivos de compensação, como compensadores (Trim) e Estabilizadores Horizontais com Incidência Variável são usados para neutralizar os Momentos estabelecidos pela queima de combustível e pelo carregamento, descarregamento ou mesmo deslocamento de passageiros ou carga. Bem, agora que você já sabe que existem limites dianteiro e traseiro para o posicionamento do Centro de Gravidade, vejamos quais as principais influências de cada um deles no comportamento da aeronave, e as consequências de se operar fora desses limites de Passeio do CG. 203 Teoria de Voo de Alta Velocidade 3.3.3 Operação nos limites dianteiro e traseiro do Passeio do CG 3.3.3.1 CG próximo ao limite dianteiro A força vertical (para cima ou para baixo) gerada pelo conjunto estabilizador horizontal / profundor é limitada pelo seu projeto. Uma vez que se trata de um aerofólio, nas situações de baixas velocidades – comuns durante a decolagem e aterrissagem, a força capaz de ser gerada é logicamente menor. No entanto, é nessa configuração que a aeronave exige elevados ângulos de ataque (AOA), que só podem ser estabelecidos por um determinado Momento de controle. Vejamos um exemplo. Supondo na próxima figura que a força máxima de controle do conjunto estabilizador / profundor de uma aeronave fictícia seja de 20 toneladas. Nessa condição, o Centro de Gravidade para o peso de 100 Ton da aeronave está localizado muito à frente. Veremos que, para que a aeronave permaneça controlável, o CG deve ser localizado a menos de 4 m à frente do CP. Figura 2.64 – Representação de forças rotacionais no sentido longitudinal, em uma aeronave. Fonte: Adaptação de EMBRAER (2001). Assim, a posição máxima permitida para frente do CG é ditada pela controlabilidade longitudinal da aeronave (SAINTIVE, 2011). De acordo com este exemplo, nosso estabilizador produz uma força máxima de sustentação (negativa) de 20 toneladas e cria um Momento (com referência ao ponto CP) de M estab (1) = 20 ton x 20 m = 400 ton.m. Para uma posição de CG de 5 m à frente do Centro de Pressão (CP), o peso da aeronave de 100 ton cria um Momento (oposto ao momento de controle) de M peso (1) = 100 ton x 5 m = 500 ton.m Como podemos ver, o Momento provocado pela sustentação do conjunto estabilizador / profundor não será capaz de compensar o Momento do peso da aeronave, cujo CG se encontra para a frente em 5m. Para manter a controlabilidade da aeronave, o CG deverá ser limitado para a frente em menos de 4m em relação ao CP, a fim de possibilitar a obtenção do seguinte Momento: M estab (2) = 20 ton x 20 m = 400 ton.n ≥ M peso (2) = 100 ton x 4 m = 400 ton.m. Ou seja, o Momento M peso (2) deve ser menor ou igual a M estab (2) para garantir a controlabilidade do avião. 204 Capítulo 2 No limite dianteiro do CG, a deflexão da superfície de comando longitudinal (profundor) deverá ser sempre suficiente – em todo o espectro de velocidades de operação da aeronave – para produzir a força necessária para a aterragem ou para a rotação, na decolagem. Caso este limite dianteiro seja excedido, o piloto poderá encontrar dificuldades em posicionar o AOA (pitch) da aeronave na angulação correta, para as manobras necessárias de pouso e decolagem. Quando as limitações estruturais não limitam a posição do CG para a frente, ele está localizado na posição em que a deflexão total do estabilizador / profundor é suficiente para obter um AOA elevado para tais situações. Para a análise da estabilidade estática do avião, devemos primeiro achar um ponto de aplicação da sustentação resultante entre a asa e o estabilizador horizontal, denominada “Ponto Neutro”. Define-se como “Ponto Neutro” de uma aeronave a localização mais posterior do CG, com a qual a superfície horizontal da empenagem ainda consegue exercer controle sobre a aeronave e garantir a sua estabilidade longitudinal estática, ou seja, representa a condição para a qual a aeronave possui estabilidade longitudinal estática neutra. O “Ponto Neutro” define a condição mais crítica para a garantia da estabilidade longitudinal estática de uma aeronave. Se o CG do avião estiver à frente do Ponto Neutro, um momento gerado após uma rajada ascendente tenderá a fazer com que o avião desça o nariz e retorne ao equilíbrio. Caso o contrário aconteça, o avião tenderá a subir cada vez mais. Figura 2.65 – Estabilidade e Instabilidade estática de uma aeronave. Fonte: Canalpiloto (2013). 205 Teoria de Voo de Alta Velocidade Saintive (2011) pontua que, à medida que o CG se desloca para a frente, ocorre um aumento na estabilidade longitudinal da aeronave, mas um decréscimo na sua controlabilidade, por conta do aumento progressivo da força necessária para que o piloto se contraponha à tendência de “nariz pesado”. Após um determinado limite do CG à frente, o piloto não terá mais como comandar o profundor para posicionar a aeronave nas atitudes de decolagem e de pouso. Esse fato pode ser agravado em decolagens em pistas curtas, quando se faz necessária a utilização de Flapes em maiores angulações. Podemos citar como exemplo a operação das aeronaves EMBRAER 145 a partir das pistas do aeroporto Santos Dumont, na cidade do Rio de Janeiro: nessa condição de operação em pista curta, faz-se necessário o bloqueio dos assentos mais dianteiros da cabine de passageiros, ou então o emprego de lastros no porão traseiro de bagagens da aeronave, a fim de garantir que o limite dianteiro do CG não seja excedido. 3.3.3.2 CG próximo ao limite traseiro Analogamente ao limite do CG para a frente, existe um limite posterior do CG que, na maioria dos casos, depende da máxima força de sustentação que o estabilizador horizontal pode gerar direcionada para cima. Além desse aspecto estático, existe também um critério dinâmico. Uma aeronave deve voar de forma estabilizada, ou seja, após uma perturbação externa, deve ser capaz de retornar à condição de voo anterior sem qualquer intervenção do piloto. Se, por exemplo, a aeronave é atingida por uma rajada de vento ascendente, o ângulo de ataque é aumentado por um curto período de tempo. As forças de sustentação nas asas e no estabilizador mudam linearmente com o ângulo de ataque, mas em diferentes extensões (EMBRAER, 2001). Saintive (2011) complementa e esclarece. Observe a próxima figura. Imaginando um voo nivelado, a aeronave é atingida por uma rajada de vento ascendente, isso provoca aumento do AOA do estabilizador, mantendo tal atitude por inércia. Figura 2.66 – Efeito da posição do CG na restauração do equilíbrio do voo nivelado Fonte: Saintive (2011). 206 Capítulo 2 Fruto do aumento do AOA do estabilizador, esse irá gerar uma força extra ΔF para cima, tendendo a baixar o nariz do avião por meio do Momento ΔF x d. Devido aos pequenos braços da asa e da fuselagem em relação ao CG, seus Momentos tornam-se desprezíveis e a estabilidade da aeronave torna-se dependente da ação do estabilizador horizontal. Repare então que, ao deslocar o CG da aeronave para a frente, maior será o Momento restaurador produzido pelo estabilizador, consequentemente, maior a estabilidade longitudinal, tendendo naturalmente a retornar o avião à atitude original. Por outro lado, quanto mais para trás o posicionamento do CG, menor será essa estabilidade, até atingir uma situação de “estabilidade zero” – ou seja, uma situação em que o valor do Momento restaurador não será mais suficiente para retornar a aeronave à sua atitude original (seja para uma rajada ascendente ou descendente). Saintive (2011) relembra que em tal situação a aeronave estabelece uma condição de equilíbrio neutro ou indiferente, com o CG dito em posição “neutra”. Ou seja, em caso de perturbações que gerem desequilíbrio (turbulência, por exemplo), a aeronave não mais retornará por conta própria à atitude anterior. Quanto mais o CG seja localizado para trás do ponto neutro, a aeronave se tornará cada vez mais instável. Para um voo manual, as aeronaves comerciais detransporte aéreo devem apresentar características de estabilidade positiva para manter uma adequada margem de estabilidade. Tal margem é uma função de um número de variáveis e geralmente difere de um avião para outro. O limite máximo traseiro do CG é então definido pela controlabilidade ou pela inerente estabilidade estática da aeronave. Naturalmente, mudanças na posição e intensidade das forças aerodinâmicas durante variações no AOA devem ser levadas em consideração, para o cálculo dos limites do CG. Logicamente, os limites de CG apresentados pelo fabricante nos gráficos e tabelas de balanceamento são calculados com certas margens de segurança e de limite operacional, para cobrir imprecisões e deslocamentos de CG resultantes da movimentação de passageiros, por exemplo. O limite de CG para trás de uma aeronave é determinado em grande parte por considerações de estabilidade. Os requisitos originais de aeronavegabilidade para um certificado de tipo especificam que uma aeronave em voo, a uma certa velocidade, amortece o deslocamento vertical do nariz dentro de um certo número de oscilações. Entretanto, uma aeronave carregada muito para trás (com CG traseiro, então) não consegue fazer isso. Nessa situação de CG muito traseiro, quando o nariz é momentaneamente levantado, ele pode subir e mergulhar alternadamente, tornando-se mais íngreme a cada oscilação. Essa instabilidade não é apenas desconfortável para os ocupantes, mas pode até ser perigosa ao estabelecer uma condição extrema em que a aeronave se torna incontrolável. 207 Teoria de Voo de Alta Velocidade Segundo USA, 2016 (pilot handbook), outro fator importante a ser considerado diz respeito à capacidade de uma aeronave em se recuperar de uma situação de Estol. À medida que o CG se desloca para trás, a recuperação de um Estol tende a ser progressivamente mais difícil. Isso é particularmente importante na recuperação de parafusos (manobrados intencionalmente ou não), já que há um ponto em que o recuo do CG é tal que provoca a progressão do parafuso comum para um parafuso dito como “chato” (flat spin). Um parafuso chato ocorre quando a força centrífuga, atuando por meio de um CG localizado muito para trás, puxa a cauda da aeronave para longe do eixo do giro, impossibilitando a queda do nariz e a consequente recuperação do giro. Uma aeronave carregada no limite traseiro do passeio do CG pode apresentar diferentes (mais instáveis) características em situações de curvas e de Estol, bem como no pouso, comparativamente a outra aeronave com posicionamento do CG mais à frente. A estabilidade pode se tornar crítica, especialmente em voos em turbulência ou com um motor inoperante (SAINTIVE, 2011). Ainda, uma aeronave carregada demasiadamente no setor traseiro tende a produzir forças de controle de forma muito leve para o piloto, outra característica indesejável, pois torna mais fácil que sejam inadvertidamente ultrapassados os limites de carga G ou de AOA. Controles muito leves também podem levar à situação de “tail strike”, ou seja, colisão da cauda da aeronave com o solo, em operações de pouso e decolagem. 3.3.3.3 Outras considerações e influências sobre a localização do Centro de Gravidade a. Arrasto e Velocidade de Estol O efeito da posição do CG sobre a carga imposta na asa de um avião em voo também é significativo para o desempenho de subida e de cruzeiro. Uma aeronave carregada com “nariz pesado” – ou seja, com CG à frente, é mais lenta que uma mesma aeronave na condição de CG localizado mais para trás da CMA. Isso ocorre porque, com o carregamento para a frente, é necessário que ocorra uma compensação contínua do estabilizador horizontal / profundor, no sentido de elevar o “nariz”, para manter o voo nivelado de cruzeiro. Tal compensação envolve a movimentação das superfícies da cauda para produzir uma maior carga para baixo, na parte traseira da fuselagem, o que aumenta a carga da asa e a sua sustentação total necessária, caso a altitude deva ser mantida. Isso requer um AOA mais elevado, o que resulta em mais arrasto e, por sua vez, aumenta a velocidade de Estol da aeronave. Saintive (2011) resume este fenômeno, ao considerarmos duas aeronaves idênticas, voando em cruzeiro na mesma altitude e com o mesmo peso e velocidade. O que difere as aeronaves é a localização de seu CG. A primeira, com CG mais à frente, e a segunda com o CG localizado mais atrás. Na primeira 208 Capítulo 2 aeronave, a sua asa deverá produzir mais sustentação para manter o voo nivelado, o que só é possível de se conseguir com um aumento do AOA. Com o incremento do AOA haverá mais sustentação, mas também mais arrasto e consequentemente maior consumo de combustível. O autor vai além, e aborda a questão da velocidade de Estol. Considerando as mesmas duas aeronaves do ex emplo anterior, imaginemos que ambas iniciam uma redução de velocidade, até atingirem a situação de Estol. A aeronave com CG dianteiro atingirá a velocidade de Estol primeiramente, pois ela já se encontrava com maior AOA, em relação à outra aeronave com CG traseiro. Na figura a seguir, o autor apresenta um extrato da tabela de velocidades de Estol da aeronave McDonnell Douglas MD-11. Repare que na situação de CG dianteiro, a aeronave apresenta velocidades de Estol maiores do que na situação de CG traseiro. Figura 2.66 – Tabela de velocidades de Estol – Aeronave McDonnell Douglas MD-11 Fonte: Saintive, (2011). Com o carregamento traseiro e a consequente necessidade de compensação (trim) do nariz para baixo, as superfícies da cauda exercem menos carga para baixo, aliviando a asa do carregamento e sustentação necessários para manter a altitude. O AOA exigido para a asa é menor, então o arrasto é menor, permitindo uma velocidade de cruzeiro mais rápida. Nos voos de cruzeiro, uma força neutra nas superfícies da cauda teoricamente produziria o desempenho geral mais eficiente, e a velocidade de cruzeiro mais rápida, mas também resultaria em instabilidade. Aeronaves modernas são projetadas para exigir uma força para baixo na cauda, para fins de estabilidade e de controlabilidade. Uma indicação “zero” no controle de compensador do estabilizador horizontal não é necessariamente o mesmo que uma “compensação neutra”, devido à força exercida pelo downwash das asas e da fuselagem nas superfícies da cauda (USA, 2016). b. Estabilidade, Controle e Performance Já sabemos que os limites para a localização do CG são estabelecidos pelo fabricante da aeronave. Esses são os limites para a frente e para trás, para além dos quais o CG não deve estar posicionado para o voo. Tais limites são publicados para cada aeronave na Folha de Dados de Certificado de Tipo (Type 209 Teoria de Voo de Alta Velocidade Certificate Data Sheet – TCDS), no AFM ou no Manual Operacional do Piloto (Pilot’s Operating Handbook – POH). Após o carregamento da aeronave, caso seja observado que o CG não se encontra localizado dentro dos limites permitidos, será necessário realocar a carga antes que o voo seja tentado. A história relata diversos incidentes e acidentes aeronáuticos, nos quais houve perda parcial ou total de controle e de estabilidade da aeronave, advinda do carregamento inadequado e consequente desrespeito aos limites de Passeio do CG. USA, 2016 (pilot handbook) aponta que o limite frontal do CG é geralmente estabelecido em um local determinado pelas características de pouso de uma aeronave. Durante a aterrissagem, uma das fases mais críticas do voo, exceder o limite do CG para a frente pode resultar em cargas excessivas na roda do nariz, desempenho reduzido, maiores velocidades de Estol e necessidade de maiores forças de controle. Outro fator que afeta a controlabilidade, que se tornou mais importante nos projetos atuais de aeronaves de grande porte, é o efeito de braços de longa distância nas posições de equipamentos pesados e de cargas. Uma mesma aeronave pode ser carregada até o peso bruto máximo, dentro de seus limites de passeio