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UnisulVirtual Palhoça, 2019 Teoria de Voo de Alta Velocidade Universidade Sul de Santa Catarina Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul Reitor Mauri Luiz Heerdt Vice-Reitor Lester Marcantonio Camargo Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa, Pós-graduação, Extensão e Inovação Hércules Nunes de Araújo Pró-Reitor de Administração e Operações Heitor Wensing Júnior Assessor de Marketing, Comunicação e Relacionamento Fabiano Ceretta Diretor do Campus Universitário de Tubarão Rafael Ávila Faraco Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis Zacaria Alexandre Nassar Diretora do Campus Universitário UnisulVirtual Ana Paula Reusing Pacheco Campus Universitário UnisulVirtual Diretora Ana Paula Reusing Pacheco Gerente de Administração e Serviços Acadêmicos Renato André Luz Gerente de Ensino, Pesquisa, Pós-graduação, Extensão e Inovação Moacir Heerdt Gerente de Relacionamento e Mercado Guilherme Araujo Silva Gerente da Rede de Polos José Gabriel da Silva Livro Didático Professor conteudista Sandro Francalacci de Castro Faria Designer Instrucional Lis Airê Fogolari Projeto Gráfico e Capa Equipe UnisulVirtual Diagramação Fernanda Vieira Fernandes Revisão Ortográfica Diane Dal Mago Ficha catalográfica elaborada por Francielli Lourenço CRB14/1435 F23 Faria, Sandro Francalacci de Castro Teoria de voo de alta velocidade : livro didático / Sandro Francalacci de Castro Faria. – Palhoça : UnisulVirtual, 2019. 218 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. 1. Aerodinâmica supersônica. 2. Aviões - Pilotagem. 3. Aviões – Desempenho. 4. Engenharia aeroespacial. I. Título. CDD (21. ed.) 629.132305 Copyright © UnisulVirtual 2019 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Livro didático UnisulVirtual Palhoça, 2019 Teoria de Voo de Alta Velocidade Sandro Francalacci de Castro Faria Sumário Introdução | 7 Capítulo 1 Aerodinâmica de Alta Velocidade | 9 Capítulo 2 Fatores Limitantes na Performance de Aeronaves | 85 Considerações Finais | 213 Referências | 215 Sobre o Professor Conteudista | 217 Introdução O presente livro considera os conceitos básicos sobre hidrodinâmica, da compreensão das principais forças que agem sobre uma aeronave em voo, em especial a sustentação e o arrasto gerados por aerofólios sujeitos ao escoamento do ar. Para efeitos práticos, o estudo da aerodinâmica de baixa velocidade considera o ar como um fluido ideal. O American Heritage Dictionary of the English Language define a Aerodinâmica como “a dinâmica dos gases, especialmente das interações com objetos em movimento”. (ANDERSON JR., 2012). Já um fluido ideal é aquele considerado incompressível e sem atrito interno, de forma que seu escoamento é estacionário, irrotacional, e não viscoso. (ABREU; PIRES, 2016). Acontece que tais conceitos básicos são aplicáveis ao estudo de somente uma parte da aerodinâmica – a reservada ao deslocamento de objetos em baixas velocidades, inferiores à velocidade do som, num regime tecnicamente definido como “subsônico”. Na aerodinâmica subsônica, a teoria da sustentação baseia-se nas forças geradas em um corpo e em um gás (o ar) em movimento, no qual o corpo encontra-se imerso. Até uma determinada velocidade de escoamento (alguns autores consideram este limite como sendo de aproximadamente 100m/s - 260 nós ou menos), o ar pode ser considerado praticamente incompressível, visto que, em uma altitude fixa, sua densidade permanece quase constante enquanto sua pressão varia. Sob essa suposição, o ar se comporta de maneira similar à água e é classificado como um fluido. A teoria aerodinâmica subsônica também pressupõe que os efeitos da viscosidade do ar são insignificantes (viscosidade é a propriedade de um fluido que tende a impedir o movimento de uma parte do fluido em relação a outra), e o classifica como um fluido ideal, em conformidade com os princípios da aerodinâmica do fluido ideal, segundo o Teorema de Bernoulli. (ABREU; PIRES, 2016.) Entretanto, na realidade, o ar é um gás compressível e viscoso! Embora os efeitos dessas propriedades sejam desprezíveis em baixas velocidades, os efeitos de compressibilidade, em particular, tornam-se cada vez mais perceptíveis e importantes para o estudo da aerodinâmica, à medida que a velocidade aumenta e aproxima-se da velocidade do som. Neste livro, abordaremos aspectos concernentes à aerodinâmica de alta velocidade e os seus efeitos sobre as aeronaves que voam em elevadas altitudes e velocidades – como o caso dos modernos aviões de carga e de passageiros (com motores a jato ou turboélice), que atravessam oceanos e interligam o nosso planeta. Veremos, também, algumas das soluções da engenharia aeronáutica para minimizar ou se contrapor aos efeitos indesejáveis do escoamento de alta velocidade do ar, sobre as aeronaves, garantindo-lhes uma operação cada vez mais segura, veloz e econômica. Em seguida, aprofundaremos um tema relacionado aos diversos aspectos que regem as fases de decolagem, o voo de cruzeiro e o pouso, que caracterizam a “Performance” de uma aeronave. Poderemos, então, compreender os principais fatores que limitam cada fase do voo, e que interferem na capacidade de carga de um avião (na aviação, busca-se otimizar ao máximo o peso de decolagem, para que se possa transportar a maior quantidade possível de carga, de combustível e de passageiros). Por fim, trataremos da temática conhecida em aviação por “Peso e Balanceamento”, ocasião em que você será apresentado às terminologias e conceitos que caracterizam o carregamento de uma aeronave e que garantam o respeito aos seus limites de peso e de estabilidade, em busca de uma operação segura e mais eficiente. Bons estudos! Professor Sandro Francalacci de Castro Faria 9 Capítulo 1 Aerodinâmica de Alta Velocidade Seção 1 Compressibilidade e Viscosidade do Ar Atmosférico Os estudos sobre os efeitos da compressibilidade e da viscosidade do ar sobre um objeto em movimento surgiram, antes da década de 1940, da necessidade do entendimento de alguns dos fenômenos então observados nas aeronaves. À medida em que os engenheiros aerodinâmicos projetavam aeronaves mais rápidas e que voavam mais alto, efeitos indesejados começaram a surgir em voo, e que afetavam o controle e a segurança das aeronaves. Àquela época, tais efeitos eram classificados como “flutter”, apesar de alguns cientistas já os associarem aos efeitos de compressibilidade do ar. Flutter é uma vibração cíclica, de alta frequência, causada pela interação das forças aerodinâmicas e das forças elásticas que agem sobre as asas, ou sobre as superfícies de controle de uma aeronave. (SAINTIVE, 2009) Os efeitos indesejados surgiram a partir do momento em que as aeronaves atingiam velocidades cada vez mais próximas às do som, para a altitude em que se encontravam voando. Algumas delas experimentavam tais reações durante um rápido mergulho, ocasião em que aceleravam ainda mais. Porém, nos mesmos mergulhos, quando a aeronave atingia altitudes inferiores, os fenômenos eram reduzidos ou até mesmo desapareciam, o que era difícil de ser compreendido. Tais efeitos, registrados àquela época, eram resumidamente os seguintes: 10 Capítulo 1 a. Vibrações na cauda da aeronave, ou nas superfícies de comando de voo daquele setor, e que podiam espalhar-se por toda a aeronave. b. Subitamente e sem motivo aparente, o equilíbrio da aeronave se alterava, e a mesma apresentava uma tendência acentuada a picar (“nariz pesado”). c. O leme de direção e/ou o profundor perdiam efetividade, ou ficavam muito pesados para serem acionados mecanicamente. Conhecer os efeitos da compressibilidade do ar e, em menor grau, os efeitos da sua viscosidade, são essenciais para o estudo da aerodinâmica de alta velocidade, onde a compressibilidade causa uma mudança na densidade do ar ao redor de uma aeronave. Quando um objeto se move pela atmosfera, as moléculas de gás próximas ao objetosão perturbadas e se movem ao redor dele, e forças aerodinâmicas são geradas entre o gás e o objeto. A magnitude dessas forças depende da forma do objeto, da sua velocidade, da massa do gás que passa pelo objeto e de duas outras propriedades importantes do gás – a viscosidade e a sua compressibilidade (ou elasticidade). Em relação à viscosidade observa-se que, quando um objeto se move por meio de um gás, as moléculas do gás aderem à superfície do objeto, formando uma fina camada de ar aderente à superfície – denominada “Camada Limite” (que pode ser laminar ou turbulenta, e normalmente não possui mais do que a espessura de uma folha de papel) que, com efeito, altera a forma do objeto. O fluxo de ar reage à borda da camada limite como se essa fosse a superfície física do objeto, e a Camada Limite permite manter os filetes de ar escoando suavemente, acompanhando o perfil aerodinâmico do objeto em movimento. Entretanto, a camada limite pode se separar do corpo e criar uma forma diferente da forma física original, da superfície do objeto. Ainda, as condições de fluxo dentro e perto da camada limite são muitas vezes instáveis e se alteram com o tempo. Podemos fazer uma analogia, para compreender como se forma a Camada Limite. Imagine um baralho de cartas, que é atirado sobre uma mesa. As primeiras cartas, em contato com o atrito da superfície da mesa, percorrem uma pequena distância e logo param. Isso ocorre somente com as primeiras cartas do baralho. As demais, acima das cartas iniciais, não “tocam” a mesa, e deslizam sobre as cartas abaixo delas, experimentando um atrito menor. Assim, as cartas superiores tendem a se deslocar a maiores distâncias, até finalmente pararem. (MOCHO, 1985). 11 Teoria de Voo de Alta Velocidade Em uma aeronave, a primeira camada de ar em contato com a superfície sofre grande influência do atrito gerado pela viscosidade do ar, enquanto que as demais camadas acima da superfície enfrentam somente o atrito da camada de ar imediatamente abaixo. A Camada Limite é então freada pela superfície da aeronave, e é empurrada pelo atrito causado pela camada de ar localizada logo acima, condição essa que gera turbulência. MOCHO (1985). A camada limite é muito importante para determinar o arrasto de um objeto, e também possui grande influência no fluxo de ar que passa acima de si, que gera sustentação em uma asa, por exemplo. Para determinar e prever essas condições, os engenheiros aerodinâmicos contam com o auxílio de testes em túnel de vento e de análises computacionais sofisticadas. Uma preocupação constante é manter a Camada Limite o mais “colada” à superfície dos aerofólios. Um escoamento dito “laminar” ocorre quando as partículas de um fluido se movem ao longo de trajetórias bem definidas, apresentando lâminas ou camadas (daí o nome laminar), cada uma delas preservando sua característica no meio. No escoamento laminar a viscosidade age no fluido, no sentido de amortecer a tendência de surgimento da turbulência. Esse escoamento ocorre geralmente em baixas velocidades e também em fluídos que apresentem grande viscosidade. Já um escoamento dito “turbulento” ocorre quando as partículas de um fluido não se movem ao longo de trajetórias bem definidas, ou seja, as partículas descrevem trajetórias irregulares, com movimentos aleatórios, produzindo uma transferência de quantidade de movimento entre regiões de massa do fluido em movimento. Esse escoamento é comum na água, cuja viscosidade é relativamente baixa, mas também é observado no fluxo de ar ao longo de um objeto em movimento, a depender de sua forma e velocidade. 12 Capítulo 1 Figura 1.1 – Representação de escoamentos laminares e turbulentos em um aerofólio Fonte: Universo Exato (2017). O parâmetro de similaridade importante para a viscosidade é o número (ou coeficiente) de Reynolds. Esse expressa a razão entre as forças inerciais (resistentes a mudanças ou movimento) e as forças viscosas (pesadas e colantes). O número de Reynolds (abreviado como Re) é um número adimensional usado em mecânica dos fluídos, para o cálculo do regime de escoamento de determinado fluido, dentro de um tubo ou sobre uma superfície. É utilizado, por exemplo, em projetos de tubulações industriais e de asas de aviões. O seu nome vem de Osborne Reynolds, um físico e engenheiro irlandês que viveu no século XIX, e possui o significado físico de um quociente entre as forças de inércia e as forças de viscosidade de um determinado fluido. A importância fundamental do número de Reynolds é a possibilidade de se avaliar a estabilidade do fluxo, podendo-se obter uma indicação se o escoamento flui de forma laminar ou turbulenta, e constitui a base do comportamento de sistemas reais, pelo uso de modelos reduzidos. Um exemplo comum é o túnel aerodinâmico, onde se medem forças dessa natureza em modelos de asas de aviões. Pode-se dizer que dois sistemas são dinamicamente semelhantes se o número de Reynolds for o mesmo para ambos. Para aplicações em perfis aerodinâmicos, o número de Reynolds pode ser expresso em função da corda média aerodinâmica do perfil (para compreender o conceito de Corda Média Aerodinâmica, consulte o Capítulo 2 na Seção Peso e Balanceamento), da seguinte forma: 13 Teoria de Voo de Alta Velocidade Onde: v representa a velocidade do escoamento, ρ é a densidade do ar, µ a viscosidade dinâmica do ar e c a corda média aerodinâmica do perfil. A determinação do número de Reynolds representa um fator muito importante para a escolha e análise adequada das características aerodinâmicas de um perfil aerodinâmico, pois a eficiência de um perfil em gerar sustentação e arrasto está intimamente relacionada ao número de Reynolds obtido. Geralmente, no estudo do escoamento sobre asas de aviões, o fluxo se torna turbulento para números de Reynolds da ordem de 1x107, sendo que abaixo desse valor geralmente o fluxo é laminar (RODRIGUES, 2014). Se o número de Reynolds do experimento e do voo estiverem próximos, os efeitos das forças viscosas em relação às forças inerciais serão modelados adequadamente. Caso contrário, a física do problema real não será modelada de maneira apropriada, e serão previstos níveis incorretos das forças aerodinâmicas. Você já deve estar percebendo que as forças aerodinâmicas se relacionam com algumas características do ar de uma maneira complexa, e outra característica essencial para o entendimento da aerodinâmica é a compressibilidade do ar. Como afirmamos, quando um objeto se move por meio de um gás, as moléculas de gás se movem ao redor do objeto. Se um objeto se desloca em baixa velocidade pela atmosfera, as pressões geradas sobre o corpo são baixas e a densidade do gás permanece praticamente constante. Entretanto, para elevadas velocidades, parte da energia do objeto é comprimida e muda a densidade do gás (pois a mesma massa de ar agora ocupa um volume diferente), o que altera a quantidade de força resultante sobre o objeto. Uma vez próximo ou além da velocidade do som, são produzidas ondas de choque (trataremos deste assunto mais adiante), que afetam a sustentação e o arrasto do objeto. Da mesma forma, os engenheiros aerodinâmicos contam com testes de túnel de vento e análises computacionais para prever essas condições. 14 Capítulo 1 Seção 2 Número Mach, Impulsos de Pressão Os efeitos da compressibilidade do ar sobre um corpo dependem, basicamente, da relação entre a velocidade do corpo em movimento na atmosfera e a velocidade do som para uma mesma temperatura. É sabido que a propagação sonora ocorre por meio de movimentos ondulatórios que se deslocam em todas as direções a partir de um emissor, e que a velocidade do seu deslocamento varia em função do meio em que propaga, sendo diretamente proporcional à densidade desse meio. Lembre-se de que o som viaja em diferentes velocidades e em diferentes meios (por exemplo, no ar e na água, ou por um condutor metálico). Na atmosfera, a variação da velocidade do som emfunção da densidade do ar pode ser considerada desprezível. Entretanto, não podemos desprezar uma outra propriedade do ar, que tem grande influência na velocidade do som. Para que um movimento sonoro ondulatório possa viajar ao longo da atmosfera, é preciso que cada molécula do ar transmita tais impulsos à molécula adjacente. Uma vez que o calor de um corpo é proporcional à agitação de suas moléculas, sabe-se que quanto mais aquecido se encontrar um corpo, mais agitadas estarão as suas moléculas e, por conseguinte, maior facilidade este terá de transmitir os movimentos ondulatórios. Hoje sabemos que a temperatura do ar modifica o modo como o som se propaga, e isso ocorre de maneira diretamente proporcional. Ou seja, quanto maior a temperatura do meio de transmissão, maior será a velocidade de propagação do som. Assim, teremos diferentes velocidades de propagação do som ao longo das camadas da atmosfera, a depender da sua temperatura. Em 1635, Pierre Gassendi mediu a velocidade do som observando o funcionamento dos canhões. Ao comparar o tempo entre o clarão do disparo e o barulho do canhão, ele obteve o valor de 478 m/s.. Mais tarde, uma equipe da Academia de Ciências Parisiense chegou ao resultado mais preciso de 344 m/s a 20° C. Dessa forma, os cientistas descobriram que a velocidade do som (V), sob condições normais de pressão, pode ser calculada pela fórmula: V = Vo√T/T0 15 Teoria de Voo de Alta Velocidade Onde: • Vo é a velocidade do som a 0° (331,45 m/s); • T é a temperatura Kelvin do ambiente, ou seja, a temperatura em Graus Celsius acrescida de 273,15; e • T0 é o valor correspondente a 0° C em escala absoluta, ou seja, 273,15 K. Perceba, então, que a velocidade do som na atmosfera possui relação direta apenas com a temperatura do ar. Ou seja, se eventualmente transitássemos em diferentes altitudes onde a temperatura do ar fosse constante (na estratosfera, por exemplo), a velocidade do som não se alteraria. Devemos observar que os efeitos de compressibilidade do ar sobre uma aeronave não ocorrem somente quando o objeto se desloca na velocidade do som ou acima dela. Considerando a aerodinâmica básica, a sustentação gerada por um aerofólio é fruto da diferença de velocidades entre o fluxo de ar no seu extradorso e no seu intradorso, que gera diferenciais de pressão e forças resultam dessa diferença de pressão. Assim, no extradorso de uma asa, por exemplo, sabemos que o ar é propositadamente acelerado e, então, novamente desacelerado. Dependendo da forma do objeto, do seu material, da temperatura do ar e de outros fatores, poderá ocorrer que, em algum momento, mesmo que o avião esteja voando abaixo da velocidade do som, regiões do extradorso da asa poderão apresentar fluxo de ar supersônico (acima da velocidade do som), e responder às leis que regem tais escoamentos mais velozes. Assim, ao acelerarmos uma aeronave, poderemos alcançar um valor para o qual, pela primeira vez, em uma determinada região da aeronave (normalmente a asa, próximo à fuselagem – local onde a curvatura da asa é maior, e, consequentemente, onde o ar é mais acelerado), o deslocamento do ar atinge a velocidade do som. Essa velocidade é denominada de Número Mach Crítico. (SAINTIVE, 2009). O parâmetro de similaridade importante para o efeito de compressibilidade do ar atmosférico é o Número Mach – M, que é definido pela razão entre a velocidade aerodinâmica do objeto V e a velocidade do som a. M = V / a 16 Capítulo 1 Os atuais aviões de carreira costumam voar em cruzeiro em altitudes próximas a 35.000 ft / 40.000 ft (alguns jatos executivos podem alcançar até 51.000 ft), a uma velocidade de cerca de M 0.75 / M 0.85. Isso quer dizer que, para uma determinada altitude (na verdade, uma determinada temperatura), essas aeronaves empregam velocidades de 75% a 85% da velocidade do som, para uma mesma temperatura do ar. O número Mach aparece como um parâmetro de escala em muitas das equações para fluxos compressíveis, ondas de choque e expansões. Em testes de túnel de vento, é necessário coincidir o número Mach entre o experimento e as condições que serão encontradas em voo. Assim, é incorreto medir um coeficiente de arrasto a alguma velocidade baixa (digamos 200 mph) e aplicar esse coeficiente de arrasto a um regime de voo do dobro da velocidade do som (aproximadamente 1400 mph, Mach = 2.0). A compressibilidade do ar impõe significativas alterações no comportamento físico do ar, na comparação entre esses dois casos. Como sabemos da física, o som viaja pelas ondas, usando um meio de propagação (como a atmosfera). Essas ondas, denominadas ondas de pressão, desenvolvem-se de maneira similar a quando jogamos uma pedra sobre um lago. Uma onda circular se forma no ponto em que a pedra atinge o lago e se afasta, expandindo-se a uma velocidade constante. A pedra provocará um movimento ondulatório, que tenderá a se afastar do ponto onde caiu com velocidade constante, em todas as direções. Se atirarmos várias pedras no mesmo ponto em intervalos iguais, formaremos várias ondas (impulsos) concêntricas, partindo de um mesmo ponto, que se afastarão com velocidades constantes e com distâncias igualmente constantes entre si. Isso também ocorre com um emissor sonoro como o avião, que produz as mais variadas vibrações, essas se manifestam em vários impulsos de ar (ondas de pressão), gerados ao longo de sua estrutura física (asas, fuselagem etc.). Entretanto, diferentemente das pedras atiradas ao lago, um objeto se deslocando no ar está em movimento. Igualmente com o que ocorre ao comprimirmos uma mola em intervalos regulares, essa se comprime e estica alternadamente, os impulsos gerados a partir de um avião em movimento na atmosfera provocam a compressão e a rarefação do ar. Ao deslocar-se abaixo da velocidade do som (ou seja, abaixo da velocidade das próprias ondas que ele está produzindo), a distância entre tais ondas será menor no sentido do deslocamento do corpo, em relação aos demais sentidos (devido ao movimento relativo do ponto emissor), como exemplificado na figura abaixo. Tais ondas propagam-se no ar em uma determinada velocidade, a qual já vimos que é denominada como “velocidade do som”, que ao nível do mar em condições de atmosfera padrão (15 graus Celsius) é de 1226 km/h (340,5 m/s) e diminui com https://pt.wikipedia.org/wiki/Som https://pt.wikipedia.org/wiki/Ondas https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedra https://pt.wikipedia.org/wiki/Lago https://pt.wikipedia.org/wiki/Velocidade https://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%ADvel_do_mar https://pt.wikipedia.org/wiki/Atmosfera 17 Teoria de Voo de Alta Velocidade a redução da temperatura do ar. Ficou convencionado que, quando um avião se desloca com uma velocidade igual à do som, ele está voando a Mach 1. Esta unidade é uma homenagem ao físico austríaco Ernst Mach. Figura 1.2 – Esquema de Ondas de Pressão Fonte: Hangar 33 (2014). 1. Subsônico 2. Mach 1 3. Supersônico 4. Ondas de Choque Então, recapitulando, quando um objeto qualquer se desloca na atmosfera, comprime o ar à sua volta, principalmente à sua frente. Dessa forma, cria ondas de pressão (impulsos de pressão), de maneira similar às pedras atiradas no lago, mas com a diferença de que o emissor das ondas também está em movimento, em um determinado sentido. Figura 1.3 – Ondas de Pressão formadas por uma aeronave voando em regime subsônico Fonte: Homa (2010). https://pt.wikipedia.org/wiki/Temperatura https://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%BAmero_de_Mach https://pt.wikipedia.org/wiki/Ernst_Mach 18 Capítulo 1 Uma aeronave deslocando-se a uma velocidade inferior à do som produzirá impulsos de pressão que viajam mais rápido que o próprio corpo emissor, espalhando-se para todos os lados, inclusive à frente do avião. Assim, nessa condição, o som viaja à frente do objeto em movimento e influencia o ar à frente da aeronave, como que se o estivesse “alertando” para o que ocorrerá logo em seguida. Esse alerta produz a inclinaçãodos filetes de ar próximos ao bordo de ataque do objeto, “moldando-os” à sua forma. Esse fenômeno é definido como “Upwash”. Da mesma forma, no mesmo escoamento subsônico comentado anteriormente, os filetes de ar que “abandonam” a aeronave pelo bordo de fuga devem ser desacelerados, para que tenham ao final a mesma velocidade dos filetes à frente da aeronave, ou seja, a velocidade da própria aeronave. Ao abandonarem o bordo de fuga, “retornam” à inclinação anterior em um fenômeno denominado “Downwash”. Figura 1.4 – Filetes de ar à frente da aeronave são “avisados” de sua aproximação Fonte: Homa (2010). Figura 1.5 – Ocorrência de Upwash e Downwash em escoamento subsônico Fonte: Adaptado de Saintive (2009). 19 Teoria de Voo de Alta Velocidade Entretanto, se o avião acelerar para uma velocidade igual à do som (Mach 1), ou seja, acelerar até a velocidade de deslocamento de suas próprias ondas de pressão, estará comprimindo o ar à sua frente e acompanhando as suas próprias ondas de pressão com a mesma velocidade de sua propagação. Isso resultará no acúmulo de ondas no nariz do avião. Se o avião persistir com essa velocidade por algum tempo, à sua frente se formará uma espécie de “muralha” de ar, pois todas as ondas formadas ainda continuariam no mesmo lugar em relação ao avião. Esse fenômeno é conhecido como Barreira Sônica. Então, se a velocidade do emissor for igual à velocidade de propagação das suas ondas de pressão, a velocidade resultante do movimento relativo dos dois será nula. Teremos então, o ponto emissor junto ao movimento ondulatório, acompanhando o deslocamento das ondas, e isso gera um acúmulo de ondas junto ao corpo, ou seja, uma zona de compressão denominada Onda de Choque Normal, pois é perpendicular ao deslocamento do emissor. Figura 1.6 – Formação de Barreira Sônica Fonte: Homa (2010). Consideremos que o avião continue a acelerar e ultrapasse a velocidade do som. Nesse caso, ele deixará para trás as próprias ondas de pressão que estará produzindo, como ilustrado na figura a seguir, e surgirá uma Onda de Choque Oblíqua e à frente do deslocamento do avião, que se chama “Cone de Mach”. Quanto maior a velocidade da aeronave, acima da velocidade do som, menor será o “Ângulo de Mach”. 20 Capítulo 1 Figura 1.7 – Formação de Cone de Mach em escoamento supersônico Fonte: Homa (2010). Um avião só pode atingir velocidades supersônicas se, entre outras coisas, a sua aceleração permitir uma passagem rápida pela velocidade de Mach 1, evitando a formação da Barreira Sônica. Seção 3 Regimes de Voo e Ondas de Choque Já comentamos que, quando o ar em fluxo supersônico é comprimido, sua pressão e densidade aumentam, formando uma “onda de choque”. Em voo supersônico (com velocidades acima de Mach 1), o avião produz inúmeras ondas de choque, sendo mais intensas as que se originam no nariz do avião, nas partes dianteira (bordo de ataque) e posterior (bordo de fuga) das asas, e na parte terminal da fuselagem. Nessa condição, uma vez que o ar à frente da aeronave não foi influenciado pelos impulsos de pressão gerados pela própria aeronave, esse terá que se adaptar instantaneamente ao impacto com ela, experimentando variações de velocidade, temperatura, pressão e densidade, para que possa escoar de forma tangente ao perfil do objeto em movimento. Tais variações de densidade geram ondas de choque à frente da aeronave, denominadas “ondas de proa”. https://pt.wikipedia.org/wiki/Acelera%C3%A7%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Asa_(avia%C3%A7%C3%A3o) https://pt.wikipedia.org/wiki/Fuselagem 21 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.8 – Fluxo Transônico Fonte: Saintive (2009). As ondas de choque geradas por um avião em voo supersônico atingirão o solo depois da passagem do avião que as está produzindo. Um observador no solo ouvirá um forte estampido, assim que as ondas de choque o alcançarem. Esse estampido é conhecido como “estrondo sônico”, e sua intensidade depende de vários fatores, tais como as dimensões do avião, a forma do avião, a velocidade do voo e a altitude. Tal fenômeno pode, em certas circunstâncias, ser forte o suficiente para produzir efeitos no solo, como danificar vidros e provocar rachaduras em determinados materiais. Assim, essas possibilidades limitam a operação de voos em velocidades supersônicas sobre os continentes. Em aerodinâmica, a “barreira do som” é a aparente barreira física que dificulta grandes objetos de atingirem velocidades supersônicas. A expressão foi criada durante a II Guerra Mundial, quando diversos aviões começaram a se deparar com os efeitos da compressibilidade do ar (e outros efeitos aerodinâmicos não relacionados à compressibilidade), e começou a sair de uso nos anos 1950, quando os aviões passaram a “quebrar” a barreira do som rotineiramente. Você deve se lembrar do Concorde – um avião comercial que operava em velocidades supersônicas (Mach 2.02) sobre o mar. O avião acelerava e atingia https://pt.wikipedia.org/wiki/Aerodin%C3%A2mica https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%ADsica https://pt.wikipedia.org/wiki/Velocidade_supers%C3%B3nica https://pt.wikipedia.org/wiki/II_Guerra_Mundial https://pt.wikipedia.org/wiki/II_Guerra_Mundial https://pt.wikipedia.org/wiki/Avi%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Compressibilidade https://pt.wikipedia.org/wiki/Ar https://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9cada_de_1950 https://pt.wikipedia.org/wiki/Concorde https://pt.wikipedia.org/wiki/Mar 22 Capítulo 1 velocidades supersônicas somente após deixar o continente e alcançar altitudes elevadas, minimizando os efeitos do estrondo sônico. Bom, já sabemos que quando um avião se aproxima da velocidade do som, o ar passa a fluir de uma maneira diferente ao redor de suas superfícies e se comporta como um fluido compressível. Além de uma série de mudanças na forma como a força de sustentação é gerada, essa mudança também produz um incremento elevado no arrasto, conhecido como onda de arrasto. Inicialmente, a onda de arrasto não era devidamente compreendida. Acreditava-se que ela crescesse exponencialmente, o que efetivamente ocorre dentro de uma pequena faixa de velocidades. Com a força limitada que os tradicionais motores à explosão eram capazes de gerar (e ainda o são), os aviões não podiam superar este rápido aumento no arrasto. Ou seja, grandes incrementos de potência produziam pequenos incrementos de velocidade. Acreditava-se, então, que seria necessária uma quantidade infinita de força para se alcançar velocidades supersônicas, sendo este um dos prováveis motivos para o termo “barreira do som”. Com a criação das asas com formato em “V” (também denominadas “asas enflechadas”), que reduzem o arrasto, junto à adoção dos motores a jato capazes de produzir a potência necessária, nos anos 1950 diversas aeronaves já eram capazes de realizar voos supersônicos com relativa facilidade. Mais adiante, veremos em detalhes a questão das asas com enflechamento e outras soluções propostas pelos engenheiros aeronáuticos, para reduzir os efeitos negativos da compressibilidade do ar e das consequentes ondas de choque provocadas a partir dos voos transônicos. Você sabia que Chuck Yeager (então um major da Força Aérea dos Estados Unidos), é reconhecido como a primeira pessoa a quebrar a barreira do som? Isso ocorreu em um voo horizontal, em 14 de outubro de 1947, pilotando um Bell X-1 experimental, ocasião em que alcançou Mach 1 a uma altitude de 15000m (cerca de 45000 pés). (YEAGER, 2017). Mas, afinal de contas, em relação à velocidade de deslocamento de uma aeronave, como podem ser classificados esses voos? Em geral, os regimes de voo são definidos em quatro categorias básicas, segundo a velocidade empregada por uma aeronave, em comparação à velocidade do som. Esses são: os voos subsônicos, os voos transônicos, os supersônicos e os hipersônicos. Não abordaremos em maior profundidade os conceitos aerodinâmicos dos voos supersônicos e hipersônicos, haja vista que tais deslocamentos usualmenterestringem-se às aeronaves militares ou aplicam-se à aerodinâmica dos voos de foguetes. https://pt.wikipedia.org/wiki/Velocidade_do_som https://pt.wikipedia.org/wiki/Arrasto https://pt.wikipedia.org/wiki/Pot%C3%AAncia https://pt.wikipedia.org/wiki/Velocidade https://pt.wikipedia.org/wiki/Motor_a_jato https://pt.wikipedia.org/wiki/Anos_1950 https://pt.wikipedia.org/wiki/Chuck_Yeager https://pt.wikipedia.org/wiki/Major https://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7a_A%C3%A9rea_dos_Estados_Unidos https://pt.wikipedia.org/wiki/1947 https://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%BAmero_de_Mach https://pt.wikipedia.org/wiki/Altitude 23 Teoria de Voo de Alta Velocidade Cargueiros e aeronaves de passageiros modernas cruzam os céus em regimes de voo subsônicos ou normalmente transônicos, motivo pelo qual daremos especial atenção a esse último regime. Bem, mas quais velocidades caracterizam cada um desses regimes de voo? Quais parâmetros os definem? Já sabemos que, mesmo voando em velocidades abaixo das do som, uma aeronave poderá registrar fluxos de ar acima da velocidade do som, em alguma região de sua asa. Vimos que a velocidade de deslocamento da aeronave, nessa condição, é denominada de Mach Crítico (no momento em que é registrado o primeiro escoamento supersônico na aeronave e, consequentemente, o surgimento da primeira onda de choque). Assim, até o limite de Mach Crítico (e cada aeronave possui o seu), convenciona- se chamar o voo de “Subsônico”, pois ao longo de toda a estrutura da aeronave o fluxo de ar desloca-se abaixo da velocidade do som. Esse regime é geralmente caracterizado por velocidades de deslocamento inferiores a Mach 0,75. Figura 1.9 – Distribuição / Variação de velocidades de escoamento ao longo do extradorso de um aerofólio Fonte: Saintive (2009). À medida que a aeronave acelera e ultrapassa o Mach Crítico, passam a coexistir fluxos de ar abaixo da velocidade do som e, em algumas regiões da aeronave, fluxos acima da velocidade do som, o que caracteriza o regime de voo “Transônico”. Então, perceba que o Mach Crítico é considerado como a fronteira entre o voo subsônico e o voo transônico, e os problemas advindos da compressibilidade do ar sobre a aeronave só ocorrem acima desse limite de velocidade. Esse regime é geralmente caracterizado por velocidades de deslocamento superiores a Mach 0,75 e inferiores a Mach 1,2. 24 Capítulo 1 No regime transônico, a passagem do fluxo subsônico para o supersônico é suave, porém, a transição do fluxo supersônico para o subsônico é sempre acompanhada por uma onda de choque. Figura 1.10 – Escoamentos subsônico e transônico Fonte: USA (2016). Figura 1.11 – Locais de ocorrência de Ondas de Choque – Embraer 135/145 Fonte: EMBRAER (2001). Se a aeronave continuar a acelerar, chegará um momento em que não haverá mais nenhuma região da mesma sujeita a escoamentos de ar subsônicos, mas somente fluxos acima da velocidade do som. Isso caracteriza o ingresso no regime de voo denominado “Supersônico” e, em seguida, o “Hipersônico”. Tais regimes são usualmente definidos por velocidades de deslocamento superiores a Mach 1,2 e inferiores a Mach 5 (Supersônico), e superiores a Mach 5 (Hipersônico). 25 Teoria de Voo de Alta Velocidade Na verdade, mesmo voando em regime supersônico/hipersônico, uma região do fluxo de ar sobre a aeronave ainda permanece com velocidades abaixo das do som, devido à viscosidade do ar. Essa região é a camada limite (região onde ocorre a desaceleração dos filetes de ar na superfície de um aerofólio), conceito abordado anteriormente de forma breve. Os limites de velocidade descritos acima, e que caracterizam cada regime de voo, são aproximados e dependerão das características físicas de cada aeronave e de seus aerofólios. Assim, poderemos ter uma determinada aeronave atingindo Mach Crítico voando a M 0,73 e, uma outra aeronave distinta, a M 0,77. Nesse caso, voando a M 0,74, a primeira aeronave já terá ingressado em regime transônico, enquanto a segunda ainda estará se deslocando em regime subsônico (consequentemente, sem a presença de ondas de choque e de seus efeitos indesejáveis). Os fabricantes das aeronaves, valendo-se de artifícios da engenharia aeronáutica, projetam-nas de modo a retardar ao máximo o aparecimento de tais ondas de choque, aumentando o valor do Mach Crítico. Antes de detalhar um pouco mais os voos transônicos, vejamos alguns conceitos sobre os limites superiores de velocidade das aeronaves modernas. As típicas aeronaves movidas por motores a pistão usualmente lidam com dois tipos de limites de velocidade máxima, a saber: • VNO : é a velocidade máxima para o regime de cruzeiro, representada no velocímetro da aeronave pelo limite superior do “arco verde”. É possível exceder essa velocidade, em determinadas condições e situações específicas; • VNE : é dita a velocidade a não ser excedida, representada pelo “arco vermelho” no velocímetro da aeronave. Bem, de uma maneira geral, tais limites não representam uma grande preocupação para os pilotos desses tipos de avião, em termos de regime de voo de cruzeiro ou mesmo de descida, pois as aeronaves movidas a motores a pistão geralmente apresentam grande arrasto, e seus limitados propulsores as impedem de acelerar rapidamente e de alcançar regimes de velocidade muito grandes, que se enquadrem nos conceitos dos limites definidos acima. Entretanto, nas modernas aeronaves a jato, ou mesmo em alguns tipos de aeronaves impulsionadas por propulsores turboélice, tais velocidades podem facilmente ser ultrapassadas – tanto pelas características de baixo arrasto dessas aeronaves, quanto pela capacidade de seus propulsores em acelerá-las 26 Capítulo 1 rapidamente. Somado a isso, lembre-se de que tais aviões operam em grandes altitudes, onde a barreira da velocidade do som impõe restrições aerodinâmicas diversas, como já comentado anteriormente em relação à compressibilidade do ar. Para tais tipos de aeronave surgem dois conceitos distintos de velocidade – um representado em nós, para velocidades indicadas no velocímetro, e outro representado em Número Mach (igualmente apresentada no velocímetro). Assim, observamos dois conceitos distintos de limite superior de velocidade de operação, para aeronaves de alta performance: • VMO : é a velocidade máxima de operação da aeronave, em termos de velocidade indicada; • MMO : é a velocidade máxima de operação da aeronave, usualmente medida em décimos da velocidade do som (décimos de número Mach). À medida que a aeronave ganha altitude e acelera, a velocidade indicada cai (por conta da redução da densidade do ar), mas também observamos uma redução na velocidade do som (devido à queda na temperatura do ar). Assim, prosseguindo em subida na atmosfera, existe um momento em que a aeronave dificilmente terá condições de extrapolar o seu limite de velocidade VMO, mas por conta da redução da velocidade do som, poderá sim avançar e ultrapassar facilmente o seu limite de velocidade MMO, e alterar significativamente a sua controlabilidade. Como já comentado, em tais tipos de aeronave os projetistas concentram-se em aumentar ao máximo a velocidade de Mach Crítico – para retardar o aparecimento dos efeitos negativos das ondas de choque, que começam a surgir após esse limite. Via de regra, essas mesmas aeronaves são projetadas para operar com segurança em velocidades acima do Mach Crítico, o que nos permite afirmar que a sua MMO > MCritico. Agora que você já é capaz de distinguir os regimes de voo, em função da velocidade que uma aeronave emprega, trataremos de forma mais detalhada as características dos voos transônicos, em termos aerodinâmicos, haja vista que a maioria das aeronaves comerciais e cargueiras operam nesse regime de voo. Veremos um pouco mais sobre a formação das ondas de choque, e seus efeitos sobre uma aeronave. 27 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.12 – Formação de Ondas de Choque Fonte: Saintive (2009). Na figuraacima, uma aeronave desloca-se na velocidade de M 0.89. Os filetes de ar que atingem o bordo de ataque da asa, e correm pelo seu extradorso acima da camada limite, aceleram até atingir a velocidade do som. Após, observa-se uma redução na velocidade dos filetes, à medida que o perfil da asa se torna mais fino e menos inclinado em relação ao eixo de deslocamento da aeronave. Ao final do escoamento, ao livrar o bordo de fuga da asa, os filetes de ar devem possuir a mesma velocidade original, ou seja, a velocidade da aeronave. Lembre-se de que todas as ondas de pressão geradas nesse aerofólio se deslocam para todos os lados, com a velocidade do som. Assim, perceba que a partir do bordo de fuga da asa, as ondas de pressão geradas naquele local também avançam sobre o extradorso da asa, em direção ao bordo de ataque. Entretanto, como as ondas de pressão geradas logo à frente do bordo de fuga também viajam na velocidade do som, mas a velocidade dos filetes naquele local é maior do que no bordo de fuga, algumas ondas de pressão se encontram e “viajam” em direção ao bordo de ataque numa velocidade relativa de M 1.0 – M 0.90 ( e posteriormente M 1.0 – M 0.95), até que todas as ondas oriundas da região traseira da asa (com escoamento subsônico), encontram-se na região onde o escoamento é supersônico, e por lá permanecem estagnadas (pois naquele local estarão viajando à velocidade do som, mas em uma região que igualmente está na mesma velocidade – ou seja, a velocidade das ondas de pressão, que sobem em direção ao bordo de ataque da asa, é igual à velocidade daquelas que descem em direção ao bordo de fuga). Uma analogia similar que podemos fazer é a de uma pessoa que tenta subir uma escada rolante que desce. Apesar de se movimentar, a pessoa não se desloca, pois caminha na mesma velocidade que a escada, porém, em sentido contrário. 28 Capítulo 1 Assim, todas as ondas de pressão (impulsos de pressão) geradas na região subsônica da asa, bem como aquelas geradas na região de deslocamento supersônico, encontram-se em um determinado ponto e se acumulam. Por conta da compressibilidade do ar, esse fenômeno gera uma onda de choque normal (perpendicular ao deslocamento do ar), ocasionando a elevação da densidade do ar, de sua pressão e temperatura. Se a aeronave continuar a acelerar e ultrapassar Mach 1, as partículas de ar devem se ajustar instantaneamente à forma da asa e da fuselagem e, como já comentado, produzindo uma nova onda de choque à frente do avião, denominada “Onda de Proa”. Mas, afinal, quais são as principais características de uma Onda de Choque Normal? Tais ondas são observadas nos regimes de escoamento transônico (relembrando – regime no qual coexistem filetes de ar voando abaixo e acima da velocidade do som, no objeto em deslocamento), e se diferem daquelas geradas nos regimes supersônicos (ou hipersônicos). Primeiramente, é importante observar que tais ondas de choque ocorrem somente na passagem do escoamento supersônico para o escoamento subsônico, ou seja, no momento em que o fluxo de ar que atingiu velocidades supersônicas inicia a sua desaceleração, para que possa ao fim do seu percurso apresentar a mesma velocidade do objeto que está em movimento. Normalmente, o primeiro local de um aerofólio a registrar o aparecimento de uma Onda de Choque Normal, quando é ultrapassado o Mach Crítico (ou seja, em um escoamento transônico) é a porção mais espessa do aerofólio, onde ocorre a maior distância para a Corda Média Aerodinâmica (local onde o ar é mais acelerado). Abordaremos mais adiante os diferentes tipos de perfis de aerofólios, usualmente empregados em aeronaves que voam em regime transônico, que tendem a “atrasar” a formação de Ondas de Choque. Outras características de uma Onda de Choque Normal são: • Em seu interior ocorre compressão do ar, tornando-o mais denso, com pressão e temperatura mais elevada. Na região da onda de choque, a velocidade do fluxo de ar, em termos reais e comparativamente ao número Mach, é reduzida (com o aumento da temperatura, a velocidade do som aumenta). Ainda, as pressões elevadas que surgem no interior da onda dificultam o avanço da Camada Limite, por sobre a superfície; • A velocidade dos filetes de ar, logo após a onda de choque normal, é aproximadamente o inverso da velocidade dos filetes localizados 29 Teoria de Voo de Alta Velocidade anteriormente à onda. Assim, se na região supersônica que antecede à onda de choque o ar se deslocava a M 1.2, esse será desacelerado para em torno de M 0.83 após a onda de choque; • A direção dos filetes de ar não se modifica, à medida em que passa pela Onda de Choque Normal; • Ocorre uma significativa perda de energia dos filetes de ar, originada pela redução do somatório das pressões estática e dinâmica. Como apontado acima, a Onda de Choque Normal dificulta o avanço da Camada Limite sobre a superfície do aerofólio, e da camada de ar que deveria estar se deslocando de forma laminar acima da Camada Limite. Dependendo da intensidade da onda de choque, o ar que se encontra na região da Camada Limite poderá ter a velocidade sobre o seu extradorso do aerofólio tão reduzida, que as partículas que se deslocam atrás desse local, em direção ao bordo de fuga, serão forçadas a se separarem da superfície, desestabilizando e causando desordem no fluxo de ar. Lembre-se de que a Camada Limite pode apresentar um fluxo laminar ou turbulento. As ondas de choque perturbam o fluxo laminar, tornando-o turbulento, prejudicando em muito a geração de sustentação, o que pode levar ao “estol” da região. Esse estol – acentuada perda de sustentação, é geralmente associado nas aeronaves de baixa performance a circunstâncias de voos em regimes de velocidade baixa, próximos ao mínimo da aeronave para um determinado peso e ângulo de ataque. Diferentemente, o estol a que nos referimos agora, fruto do turbilhonamento do ar causado por uma Onda de Choque Normal, é denominado “estol de alta velocidade”, também conhecido como “estol de compressibilidade”, “estol de choque ou estol de Mach”. Surge, então, o conceito de “Separação ou Descolamento da Camada Limite”, que produz grande aumento no arrasto e significativa redução na capacidade de um aerofólio de gerar sustentação. Logicamente, essa é uma das grandes preocupações dos projetistas de aeronaves. Figura 1.13 – Ocorrência de separação da Camada Limite Fonte: Homa (2011). 30 Capítulo 1 Na verdade, o “estol de alta velocidade” pode também estar associado a outros fatores, como súbita aplicação de elevada Carga “G” sobre a aeronave, ou operação (em baixa ou alta velocidade) com elevados AOA (ângulo de ataque do aerofólio). Independente da causa, o efeito será similar, e poderá ser identificado por um piloto pela ocorrência de “buffet”, proveniente da perda parcial de sustentação gerada pelo aerofólio. Buffet é o termo na língua inglesa, designado para caracterizar as vibrações causadas por efeitos aerodinâmicos, normalmente associados com o descolamento ou turbulência do escoamento de ar em um aerofólio. À medida em que se aproxima de uma situação de estol, os filetes de ar sobre as asas tornam-se cada vez mais turbulentos, afetando a sustentação e até mesmo o deslocamento de ar sobre outras estruturas da aeronave, como o estabilizador horizontal, o que gera esse tipo de vibração. Nesta seção, compreendemos os principais conceitos que caracterizam o regime de voo transônico, e abordamos alguns aspectos sobre os efeitos da compressibilidade do ar sobre um aerofólio, culminando com o aparecimento de Ondas de Choque Normais. No início do Capítulo, comentamos sobre alguns fenômenos que eram observados, e que afetavam as aeronaves que alcançavam altitudes e velocidades cada vez maiores, na primeira metade do século passado. Agora, já sabemos que as modernas aeronaves operam em regimes de velocidade que causam as chamadas Ondas de Choque Normais, e você já pode desconfiar que muitosdos fenômenos perigosos, enfrentados na aviação num passado recente, estejam associados ao aparecimento de tais ondas. A seguir, trataremos dos efeitos das Ondas de Choque Normais sobre a aerodinâmica de uma aeronave e, em seguida, abordaremos quais as ferramentas e artifícios utilizados pelos projetistas de aviões, para minimizar as consequências da compressibilidade do ar sobre eles. Seção 4 Efeitos das Ondas de Choque Normais nos voos Transônicos Conforme comentamos, os modernos aviões cargueiros e de transporte de passageiros são projetados para operar em velocidades acima do Mach Crítico, até o limite operacional denominado MMO. Entretanto, também sabemos que a partir do Mach Crítico começam a surgir as Ondas de Choque Normais, e com elas os efeitos de compressibilidade do ar. 31 Teoria de Voo de Alta Velocidade À medida em que uma aeronave acelera acima do Mach Crítico, tais efeitos de compressibilidade tornam-se cada vez mais perceptíveis e aumentam substancialmente a produção de arrasto, e afetam a capacidade dos aerofólios em gerar a sustentação necessária, até mesmo para manter uma aeronave em voo nivelado. Haverá um momento, então, em que tais efeitos serão tão intensos que tornarão o voo inviável em determinada altitude. A seguir, abordaremos alguns dos principais fenômenos que devem ser esperados que ocorram, sempre que uma aeronave ultrapasse o Número de Mach Crítico. 4.1 Alteração do Centro de Pressão Você já sabe que uma aeronave em voo nivelado se encontra em uma situação de equilíbrio de forças. Tal equilíbrio depende do posicionamento das resultantes de cada uma delas, como o Centro de Gravidade – CG do avião (local da resultante das forças do seu peso) e o Centro de Pressão – CP das asas (local da resultante das forças de sustentação). Esse último localiza-se atrás do CG, em direção ao bordo de fuga, e é geralmente medido em função da Corda Média Aerodinâmica (CMA) da asa. Uma vez que o CP das asas está atrás do CG, a força resultante do estabilizador horizontal de uma aeronave deve ser negativa (ou seja, no mesmo sentido que a força resultante do peso total do avião), para se contrapor ao desequilíbrio do momento gerado pelo braço (pela distância) entre o CG e o CP das asas. À medida em que uma aeronave ultrapassa o Mach Crítico, as primeiras Ondas de Choque Normais surgem da transição do fluxo supersônico para o fluxo subsônico de ar, isso causa a movimentação do Centro de Pressão em direção ao bordo de fuga do aerofólio. Ora, com a movimentação do Centro de Pressão das asas para trás, esse se afasta ainda mais do CG, e o piloto sentirá o nariz do avião cada vez mais pesado, com uma gradativa tendência de “picada”. Nessa situação, para manter o equilíbrio, o estabilizador horizontal terá que gerar mais força para baixo. 32 Capítulo 1 Figura 1.14 – Ocorrência de “Tuck Under” – Relação entre “força no manche” e Número Mach Fonte: USA (2016). No exemplo da figura acima, que retrata uma determinada aeronave comercial a jato, perceba que a partir de M 0.70 a força que o piloto (ou o sistema de atuação mecânica/hidráulica da aeronave) deve exercer no manche, para manter um voo nivelado, aumenta substancialmente. Esse é um dos fatores limitantes para os projetistas aumentarem o MMO (Mach Máximo Operacional) de uma aeronave. Quanto maior a velocidade, haverá um momento em que não será possível gerar tanta sustentação no estabilizador horizontal, mesmo para manter o voo nivelado, ou então a força necessária para atuar o estabilizador poderá atingir valores suficientemente elevados, que impossibilitem a sua operação. Essa tendência de picar é conhecida no meio aeronáutico pelo termo “Tuck Under”, e a resposta do piloto para contrapor-se a esse efeito deve ser focada prioritariamente na redução do número Mach da velocidade da aeronave, o que pode ser obtido pela diminuição da velocidade de deslocamento (por meio da redução da potência, utilização de spoilers etc.) ou a operação em altitudes mais baixas (onde encontramos, para uma mesma velocidade aerodinâmica, velocidades do som mais altas). (USA, 2016). Você se recorda do que dissemos no início do capítulo, com respeito aos efeitos de picada das aeronaves da década de 1950, que eram reduzidos e subitamente desapareciam ao longo de um mergulho? Pois então, nesses casos, o desaparecimento dos efeitos de “Tuck Under” devia-se ao fato de que a aeronave, em descida acentuada (mergulho), primeiramente alcançava velocidades muito elevadas ainda em grandes altitudes, ultrapassava o Mach Crítico e experimentava a tendência de picar. Entretanto, ainda durante o mergulho, na medida em que o avião atingia menores altitudes, passava a voar com Número Mach cada vez menor, o que fazia com que as Ondas de Choque perdessem progressivamente a intensidade, até que por fim a velocidade baixava do Mach Crítico e os efeitos de compressibilidade desapareciam por completo. 33 Teoria de Voo de Alta Velocidade Resumindo, para contrapor-se aos efeitos de picada, será necessário reduzir a ocorrência e a intensidade das Ondas de Choque Normais, que se manifestam de maneira mais agressiva quando a velocidade do voo se aproxima do MMO, deslocando o CP. Relembrando um conceito visto anteriormente, observe nas figuras a seguir que os filetes de ar, à medida que abandonam o bordo de fuga da asa, tendem a retornar à direção do fluxo original (ou seja, são direcionados para baixo), em um fenômeno definido como “Downwash”. Outra consequência das Ondas de Choque nas asas é a redução no ângulo de “Downwash”. Tal redução tem impacto negativo na recuperação do “Tuck Under”, uma vez que o fluxo de ar passa a atingir diretamente o extradorso do estabilizador horizontal, com ângulos negativos, reduzindo a geração de sustentação naquele aerofólio. Ainda, o ar turbilhonado do bordo de fuga da asa (originado pelas Ondas de Choque) também tem influência negativa naquele estabilizador, reduzindo a sua efetividade. Essa é a razão para a existência de aeronaves, que voam em elevadas velocidades, serem dotadas de estabilizadores horizontais localizados em caudas denominadas em formato “T”. A ideia é afastar o aerofólio da zona de turbilhonamento do ar causada pelas Ondas de Choque nas asas. Para tal, os projetistas posicionam o estabilizador horizontal acima do estabilizador vertical. Figura 1.15 – Exemplos de Aeronaves com cauda em “T” Fonte: Cunha (2019). 34 Capítulo 1 Fonte: Cauda em T (2019). Figura 1.16 – Influência de Downwash no profundor Fonte: Elaboração do autor (2019). Figura 1.17 – Fluxo Subsônico e Transônico – redução de “Downwash” Fonte: Saintive (2009). 35 Teoria de Voo de Alta Velocidade O fenômeno “Tuck Under” se manifesta de forma progressiva, e pode ser facilmente identificado por uma tripulação bem treinada, uma vez que é precedido ou acompanhado de “buffet”, também de intensidade progressiva. Entretanto, é necessário ter em mente que as medidas corretivas devem ser adotadas o quanto antes, sob pena de agravar a situação ao ponto em que a aeronave poderá ingressar em um mergulho descontrolado, excedendo limites estruturais aerodinâmicos. 4.2 Aumento do arrasto Ocorre com a elevação do Número de Mach empregado por uma aeronave. A resultante da sustentação, na zona de aceleração do ar para o fluxo supersônico (logo antes da formação da Onda de Choque Normal), causa turbulência, espessamento e até o descolamento da Camada Limite presente na região posterior à Onda de Choque. Esses efeitos produzem uma força de arrasto extra, não previamente existente no voo subsônico, denominada Arrasto de Onda ou de Compressibilidade. O aumento desse novo arrasto é lento, na medida em que a aeronave ultrapassa o Mach Crítico e as Ondas de Choque se tornam mais severas. Porém, ao se aproximar do MMO, esses efeitos podem se tornar muito significativos, devido ao elevado percentual de descolamento dos filetes da Camada Limite. A partir de umadeterminada velocidade denominada Mach de Divergência de Arrasto (Drag Divergence Mach Number), o coeficiente desse novo tipo de arrasto se torna muito elevado. Voar próximo a tal velocidade implica, para manter a velocidade anterior e contrapor-se ao arrasto total, em aplicar incrementos cada vez maiores de potência, isso se traduz em grande aumento no consumo de combustível (SAINTIVE, 2009). 4.3 Vibrações Conforme já comentado anteriormente, o turbilhonamento dos filetes da Camada Limite, e o seu posterior descolamento gerado pelas Ondas de Choque, causam vibrações em diversas partes da aeronave, como nas asas, cone de cauda e até na própria fuselagem. 4.4 Redução da eficiência dos comandos de voo Esse era outro fenômeno que se manifestava nos primeiros aviões que se aproximavam cada vez mais da velocidade do som, e suas causas não eram compreendidas. Os comandos de voo (que permitem à aeronave mudar de direção em todos os eixos) tornavam-se muito pesados, pouco eficientes ou até inoperantes. Hoje, os engenheiros aeronáuticos sabem que o surgimento de tais anomalias também está associado ao aparecimento das Ondas de Choque, em voos realizados acima do Mach Crítico. 36 Capítulo 1 Os impulsos de pressão produzidos pelos comandos de voo se acumulam na Onda de Choque. Ainda, o ar que acaba passando por alguns desses comandos é justamente aquele que perdeu energia, na região de espessamento ou de descolamento da Camada Limite. Por fim, como já vimos anteriormente, o deslocamento do CP para trás faz com que a força necessária para movimentar os comandos aumente. Esses três fenômenos influenciam negativamente o rendimento dos comandos de voo. 4.5 RollOff É quando o rolamento da aeronave ocorre para o lado oposto ao que foi comandado pelos pedais (leme de direção). Voando próximo ao MMO, a guinada de uma aeronave pode provocar o estol de choque na asa externa à guinada, ocasionando um rolamento no sentido oposto. Em velocidades mais baixas, ao comandar o leme para um dos lados, naturalmente ocorrerá um rolamento da aeronave para o mesmo lado, pois a aplicação dos pedais ocasiona o avanço da asa oposta, no sentido da guinada. Ao avançar, aquela asa ganha sustentação e sobe, provocando o giro da aeronave para o lado correto. Entretanto, em velocidades próximas ao MMO, o comandamento do leme pode ocasionar um giro de asa para o sentido oposto. Ao ser flexionado para um lado, o leme provoca o avanço da asa oposta (da mesma forma que descrito no primeiro caso), mas como a aeronave já se encontra próxima ao Número Mach limite operacional, o avanço da asa oposta também causará a sua aceleração, e tal asa poderá ter os efeitos adversos das Ondas de Choque significativamente aumentados, o que provocará arrasto nela e a consequente perda de sustentação. Ou seja, ao invés de asa subir, ela descerá, provocando uma rolagem no sentido oposto ao que foi comandado pelo leme de direção. Assim, ao voar em grandes altitudes, com velocidades próximas ao MMO, é recomendado que as curvas sejam feitas sempre de forma suave com o uso dos ailerons, evitando-se a aplicação do leme direcional. 4.6 Estol de Mach Você deve se lembrar de que o estol nada mais é do que o resultado da incapacidade de um aerofólio em gerar a sustentação necessária, para manter um avião em voo nivelado. Primeiramente, recordemos de forma rápida como ocorre o estol em um aerofólio, em voos subsônicos. Basicamente, como consequência do aumento no ângulo de ataque (AOA) de um aerofólio, em relação à direção de seu deslocamento, a viscosidade do ar reduz progressivamente a energia dos filetes da Camada Limite, causando o seu descolamento antes do bordo de fuga (SAINTIVE, 2009). 37 Teoria de Voo de Alta Velocidade O ângulo de ataque tem influência na sustentação do aerofólio. Inicialmente, quanto maior o AOA, maior a sustentação, mas esse incremento tem um limite. Em certo ponto, o escoamento no extradorso da asa deixa de ser laminar e torna- se turbulento. Você já sabe que o descolamento da Camada Limite aumenta o arrasto e reduz a capacidade de produção de sustentação do aerofólio. As condições para a manutenção da diferença de pressão estática deixam de existir, e a sustentação é perdida quase que instantaneamente. (ABREU; PIRES, 2016) Assim, o estol ocorre sempre que um aerofólio alcança e supera o seu “Ângulo de Ataque Crítico”, independente da velocidade da aeronave. Nas modernas aeronaves, com o velocímetro existe a indicação de proximidade desse ângulo, o que permite ao piloto evitá-lo. Também, sistemas automatizados como o “Stick Shaker” alertam o piloto da iminência da condição do estol, “sacudindo” a coluna do manche e gerando avisos sonoros específicos. Ainda, algumas aeronaves de asas fixas contam com um dispositivo hidráulico ou eletromecânico denominado “Stick Pusher”, cuja função é a de impedir que a aeronave entre em uma situação de estol. Tais aeronaves, muitas vezes, apresentam difíceis características de controlabilidade pós estol, o que pode tornar a ocorrência deste efeito muito perigosa. Assim, o “Stick Pusher” empurra o sistema de controle do profundor, sempre que o ângulo de ataque da aeronave atingir um valor predeterminado para aquela condição de voo, e então cessa quando o ângulo de ataque cai o suficiente. Normalmente, as aeronaves que possuem “Stick Pusher” também contam com o “Stick Shaker” instalado. O estol tipificado acima é observado nos regimes subsônicos (onde não há escoamento supersônico no aerofólio), e também pode ocorrer no regime transônico, pois é uma decorrência da elevação do ângulo de ataque (uma aeronave voando em regime subsônico, em mergulho, mesmo que esteja empregando uma alta velocidade, poderá presenciar o estol se o piloto puxar repentinamente o manche, alcançando o Ângulo de Ataque Crítico). Entretanto, no regime transônico, um outro tipo de estol também pode ocorrer, resultando nos mesmos efeitos que o primeiro, mas originado por motivo distinto. No regime transônico, as Ondas de Choque muito intensas produzem o descolamento dos filetes da Camada Limite, semelhante ao estol subsônico, sendo, dessa maneira, denominado de “Estol de compressibilidade, Estol de choque ou Estol de Mach”, ou ainda “Estol de Alta Velocidade”. O estol de Mach é menos crítico que o estol subsônico, uma vez que não impacta tão intensamente no coeficiente de sustentação. 38 Capítulo 1 O AOA da asa tem o maior efeito na indução do buffet de Mach, tanto na alta quanto nos limites de baixa velocidade do avião. As condições do aumento do AOA e, consequentemente, da elevação da velocidade do fluxo de ar sobre a asa e as chances de ocorrência de buffet de Mach são: • Operação em altitudes elevadas – quanto mais alto o avião voa, mais fino o ar e maior o AOA necessário para produzir a sustentação necessária para manter o voo nivelado; • Operação com a aeronave muito pesada – mantidos os demais fatores constantes, quanto maior o peso do avião, maior será a demanda por sustentação a ser gerada pelas asas e, consequentemente, maior o AOA para tal; • Carga “G” – um aumento na carga “G” resulta na mesma situação que aumentar o peso do avião. Não faz diferença se o aumento nas forças “G” é causado por uma curva, uso inadequado dos controles de voo ou por turbulência. O efeito de aumentar o AOA da asa é o mesmo. (USA, 2016). Assim, perceba que uma aeronave capaz de voar em regime transônico pode experimentar as típicas vibrações que indicam a proximidade do estol (buffet), tanto em baixa quanto em altas velocidades. Segundo Saintive (2009), nas baixas velocidades, para contrapor-se ao estol o piloto deve reduzir o ângulo de ataque e aumentar a velocidade da aeronave. Nas altas velocidades, ao pressentir sinais de estol (caso o ângulo de ataque não se encontre elevado), o piloto deverá reduzir a velocidade da aeronave (e, consequentemente, reduzir os efeitos das Ondas de Choque). Você deve se recordar das chamadas“caudas em T”, que abordamos anteriormente. Entretanto, uma vez que estamos comentando a questão do estol nos aviões, seja em baixa ou alta velocidade, é oportuno que você conheça “o outro lado da moeda”, quando empregamos uma aeronave com “cauda em T”. Nessas aeronaves, o estabilizador horizontal foi propositadamente colocado acima do estabilizador vertical, para livrá-lo dos efeitos do turbilhonamento do ar das asas, causado pelas ondas de choque. Porém, em uma situação de estol, o ângulo de ataque é tão alto que o fenômeno se inverte. Ao afundar em uma situação de estol, o ar proveniente das asas, completamente desestruturado e turbilhonado, agora incide diretamente sobre a “cauda em T”, tornando praticamente impossível o comandamento do profundor. Tal fenômeno é chamado por alguns autores de “deep stall” (estol profundo), e é extremamente perigoso para uma aeronave. Essa situação é exemplificada na figura a seguir. 39 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.18 – Deep Stall em aeronaves com Cauda em “T” Fonte: Homa (2010). Fonte: Maaz (2016). Bom, já sabemos que a velocidade indicada de um avião diminui em relação à velocidade verdadeira, quando a altitude aumenta. Como a velocidade indicada diminui com a altitude (para um mesmo peso e potência empregada), ela ingressa progressivamente na faixa limite de buffet de baixa velocidade, onde ocorre o buffet pré-estol para o avião em um fator de carga de 1,0 G (ou seja, em voo nivelado). Por outro lado, na medida em que aumenta a altitude (e consequentemente diminui a velocidade do som), maiores são as chances de uma aeronave ultrapassar o seu MMO, experimentar buffet de alta velocidade e também estolar. 40 Capítulo 1 Assim, tais velocidades irão se igualar em uma determinada altitude, o que se caracteriza pela altitude absoluta ou teto aerodinâmico do avião, para um determinado peso (USA, 2016). Nessa altitude, se o avião reduzir a velocidade indicada irá exceder o AOA crítico e estolar. Na mesma altitude, se o avião voar mais rápido irá ultrapassar o MMO, potencialmente levando ao buffet de alta velocidade. Essa área crítica do envelope de voo do avião é conhecida como Coffin Corner (Esquina do Caixão). Ao voar nessa região do envelope, a aeronave deve evitar curvas e turbulência (ou seja, qualquer carga “G”). Ao manter o voo nivelado, após um determinado tempo, o peso da aeronave se reduzirá (por conta do consumo de combustível), e ela paulatinamente irá se afastar da zona de risco, afastando-se do Coffin Corner. Seção 5 Medidas para minimizar os efeitos de compressibilidade do ar Agora você já sabe que o ar é compressível, e que tal característica se manifesta em elevadas velocidades, produzindo efeitos que prejudicam o voo das aeronaves e podem colocá-las em situação de perigo. Sabemos também que as antigas aeronaves eram limitadas em potência, e por isso não experimentavam frequentemente tais efeitos negativos, pois simplesmente não conseguiam acelerar ou subir o suficiente para que eles pudessem ocorrer. Entretanto, nos dias de hoje testemunhamos aeronaves cada vez maiores, cada vez mais pesadas, e que carregam cada vez mais carga, passageiros e combustível, cruzando os oceanos e continentes a velocidades próximas a M 0.90, em altitudes acima de 45.000 Ft. Ora, de tudo o que já aprendemos até aqui, é de se esperar que tais aeronaves estejam voando em regimes aerodinâmicos onde os efeitos de compressibilidade e de viscosidade do ar deveriam lhes causar severas penalidades à manutenção de um voo tranquilo e seguro. E estamos absolutamente certos de pensar assim. Entretanto, ao compararmos as modernas aeronaves àquelas que voavam nas décadas de 1950, 1960 e 1970, presenciamos justamente o contrário. Os aviões modernos voam mais rápido, carregam mais carga ou passageiros, voam mais alto, consomem menos combustível e, ainda assim, são muito mais seguros. Logicamente, muitos fatores contribuíram para tal, como o surgimento de novas tecnologias, a automação e a duplicidade dos sistemas das aeronaves, a existência de materiais mais leves e resistentes (que passaram a compor a 41 Teoria de Voo de Alta Velocidade estrutura dos aviões), entre outros. Entre esses outros fatores, podemos citar aspectos relacionados ao desenho dos novos aviões (muito mais “limpos” e aerodinâmicos) e de seus aerofólios, e do emprego de algumas medidas e dispositivos que “retardam” o aparecimento dos efeitos negativos da compressibilidade e da viscosidade do ar. Nos aviões mais modernos, o arrasto induzido representa entre 25% a 40% do arrasto total, e os arrastos parasita e de compressibilidade somam o total restante (SAINTIVE, 2009). Já aprendemos que os problemas de compressibilidade se tornam significativos somente após o Mach Crítico, e que os arrastos de compressibilidade e parasita também predominam em altas velocidades. Sabemos, também, que o arrasto de compressibilidade cresce vertiginosamente quando se ultrapassa a velocidade de Mach de Divergência de Arrasto. Assim, uma das soluções encontradas pelos projetistas de aeronaves, para minimizar a ocorrência de tais efeitos, foi justamente no sentido de aumentar tais limites – Mach Crítico e Mach de Divergência de Arrasto. Veremos a seguir algumas dessas soluções. É preciso compreender que, como em tudo na vida, a solução para atenuar um problema pode intensificar ou dar margem ao surgimento de outros, o que também vamos discutir superficialmente em alguns casos. a. Desenho das asas O primeiro trabalho sério sobre o desenvolvimento de seções de aerofólios começou no final de 1800. Embora fosse conhecido que placas planas produziriam sustentação quando fixadas em um ângulo de incidência, alguns suspeitavam que as formas com curvatura, que mais se assemelhavam às asas de pássaros, iriam produzir mais sustentação ou fazê-lo de forma mais eficiente. Relembremos na figura abaixo os principais aspectos que caracterizam um aerofólio: Figura 1.19 – Características e nomenclaturas de um aerofólio Fonte: Anderson Jr (2015). De uma maneira geral, há dois tipos gerais de perfis de aerofólio, os Simétricos e os Assimétricos (para estes últimos perfis, existe uma infinidade de variações de desenhos). O perfil Simétrico pode ser dividido por uma linha reta que gera duas metades. Já o perfil Assimétrico, ao ser dividido por uma linha reta, não gera duas partes iguais, como ilustrado abaixo. 42 Capítulo 1 Figura 1.20 – Perfis assimétricos e simétricos de aerofólios Fonte: Anderson Jr (2015). O perfil Simétrico é utilizado onde é necessário que o comportamento do aerofólio seja simétrico, por exemplo, na empenagem (leme e profundor) do avião. O perfil assimétrico ou arqueado produz uma sustentação maior, e o arrasto pode ser diminuído. Esse perfil é muito adequado para a asa. Quando se pretende projetar uma asa que irá operar em regimes de altas velocidades, o primeiro requisito que deve ser satisfeito é o de economicidade nos voos de cruzeiro. Entretanto, uma vez que um avião não opera somente nesse regime do voo, as asas também devem ser capazes de gerar bom rendimento em baixas velocidades, principalmente para as fases de decolagem e de aproximação. Ainda, seu desenho deve levar em conta a possibilidade de solucionar a questão de lidar com diferentes e, por vezes, severas cargas estruturais, e ainda deve ser capaz de carregar grandes quantidades de combustível. Lembre-se de que, para poder ser certificada para operações comerciais, as aeronaves passam por rigorosos testes e devem, nas mais diversas condições, atender a requisitos específicos de segurança e de desempenho. Trataremos de alguns desses requisitos no próximo capítulo, quando falaremos de performance e de fatores limitantes nas fases de decolagem, subida, cruzeiro e pouso. Uma asa com desempenho espetacular para altas velocidades, provavelmente não terá muito bom rendimento nos regimes mais lentos, e vice e versa. Como afirmamos anteriormente,semelhante a outros aspectos da vida, tudo é uma questão de compromisso. Assim, existe um compromisso entre a capacidade de gerar sustentação e a capacidade de gerar o menor arrasto possível, e ainda a capacidade de voar em grandes velocidades, e cada projeto de avião deverá lidar com essas questões, para otimizar o desenho de aerofólio que mais lhe traga resultados favoráveis. (BRISTOW, 2002). Ao escolher um ou outro desenho, os engenheiros ainda poderão dispor de dispositivos extras para melhorar o desempenho das asas em determinadas circunstâncias, como o uso de dispositivos hipersustentadores. 43 Teoria de Voo de Alta Velocidade Em linhas gerais, os requisitos para o desenho de uma asa otimizada, para regimes de grandes velocidades, devem focar nos seguintes aspectos: “enflechamento”, “espessura” e “arqueamento, curvatura ou camber”. Arqueamento, curvatura ou camber, na aeronáutica, designa a linha média entre o topo e o fundo de um aerofólio. Junto com a espessura do perfil, é responsável pela alteração do escoamento ao redor do aerofólio e, por consequência, também responsável pela geração de sustentação em uma asa. (ARQUEAMENTO, 2019). Figura 1.21 – Geometria de um aerofólio – Arqueamento, Curvatura ou Câmber Fonte: Rodrigues (2014). De acordo com Saintive (2009), os aerofólios projetados para as grandes velocidades têm menor curvatura e menor espessura do que os convencionais, usados nas baixas velocidades, o que ocasiona a redução do coeficiente de sustentação máximo e também do volume para armazenar combustível e trens de pouso nas asas. Tais aerofólios também possuem algum grau de enflechamento. Saintive (2009) também esclarece que os primeiros aerofólios estudados com essa finalidade foram chamados de aerofólios laminares (NACA, série 6), e permitiam um suave aumento de velocidade no extradorso da asa. Posteriormente, verificou- se que esses não eram os melhores aerofólios para altas velocidades, porque o escoamento laminar não depende apenas da forma do aerofólio, mas também de outros fatores como o número de Reynolds (como visto anteriormente, uma relação entre as forças de inércia e as forças de viscosidade do ar), da rugosidade da superfície e da turbulência inicial dos filetes de ar. https://pt.wikipedia.org/wiki/Aeron%C3%A1utica https://pt.wikipedia.org/wiki/Aerof%C3%B3lio https://pt.wikipedia.org/wiki/Aerof%C3%B3lio https://pt.wikipedia.org/wiki/Sustenta%C3%A7%C3%A3o_(aerodin%C3%A2mica) 44 Capítulo 1 Os aerofólios NACA são formas aerodinâmicas para asas de aeronaves, desenvolvidas pelo National Advisory Committee for Aeronautics – NACA, nos Estados Unidos (Comitê Nacional Consultivo para Aeronáutica). A forma dos aerofólios NACA é descrita usando uma série de dígitos após a palavra “NACA”. Os parâmetros no código numérico podem ser inseridos em equações, para gerar precisamente a seção transversal do aerofólio e calcular suas propriedades. Por exemplo, o aerofólio NACA 2412 tem uma curvatura máxima de 2% localizada a 40% (0,4 da corda) do bordo de ataque, com uma espessura máxima de 12% da corda. Durante o final da década de 1920 e até a década de 1930, o NACA desenvolveu uma série de aerofólios totalmente testados, e criou uma designação numérica para cada aerofólio – um número de quatro dígitos que representava as propriedades geométricas críticas da seção do aerofólio. Em 1929, o laboratório de Langley (EUA) desenvolveu essa metodologia até o ponto em que o sistema de numeração foi complementado por uma seção transversal de aerofólio, e o catálogo completo de 78 aerofólios apareceu no relatório anual do NACA para 1933. Os engenheiros puderam ver rapidamente as peculiaridades de cada forma de aerofólio e o designador numérico (“NACA 2415”, por exemplo) especificou linhas de inclinação, espessura máxima e características especiais. Essas figuras e formas forneciam informações aos engenheiros, que lhes permitiam selecionar aerofólios específicos para características de desempenho desejadas, específicas para cada aeronave (NACA Airfoils, 2017). Atualmente, os perfis mais promissores são os chamados supercríticos, que apresentam as seguintes diferenças em relação aos convencionais (SAINTIVE, 2009): a. maior raio do bordo de ataque; b. curvatura superior reduzida; c. curvatura em S próximo ao bordo de fuga. Assim, para aumentar o Mach Crítico e o Mach de Divergência de Arrasto, os engenheiros projetam as aeronaves de alta velocidade com aerofólios de perfis laminares ou supercríticos (preferencialmente estes últimos). Os perfis supercríticos foram desenvolvidos em 1974 pela equipe do engenheiro aeroespacial norte-americano Richard Whitcomb. Nesses perfis, a curvatura do extradorso é pouco acentuada, minimizando a aceleração do ar e o aparecimento prematuro de ondas de choque (as ondas de choque, quando aparecem nesses tipos de aerofólios, localizam-se mais próximas ao bordo de fuga e apresentam intensidade menor). 45 Teoria de Voo de Alta Velocidade Figura 1.22 – Aerofólio com Perfil Convencional e Perfil Supercrítico Fonte: Adaptado de Soroka (2014). Vistos os aspectos de curvatura e arqueamento, abordaremos agora outra característica presente nas asas das modernas aeronaves comerciais e de carga, que operam no regime transônico – o enflechamento. Você já sabe que, para aeronaves de alta velocidade, a velocidade máxima do escoamento sobre as asas pode atingir valores iguais ou maiores do que a velocidade do som, mesmo se o avião voar em velocidades subsônicas. Ondas de choque podem se formar quando a velocidade local excede a velocidade local do som. A redução desse efeito é conseguida por meio do enflechamento das asas do avião para trás. Dessa forma, a componente de velocidade do escoamento, perpendicular ao bordo de ataque, é menor do que a velocidade do escoamento livre e, consequentemente, o surgimento de ondas de choque sobre a asa pode ser retardado. Na primeira figura abaixo, perceba que a aeronave se desloca a uma velocidade de 900 Km/h, que corresponde a um determinado Número Mach. Suponhamos que essa velocidade seja o Número Mach crítico para a mesma asa, sem enflechamento. Para a asa enflechada, no entanto, o fluxo que é levado em consideração para a ocorrência dos efeitos de compressibilidade é apenas aquele da porção perpendicular à asa (ou seja, paralelo à Corda Média Aerodinâmica), cuja velocidade (770 Km/h) é inferior à de deslocamento real do aerofólio. 46 Capítulo 1 Figura 1.23 – Vento relativo em uma asa enflechada Fonte: Homa (2010). Fonte: Udris (2014). Figura 1.24 – Descrição do Fluxo Aerodinâmico em uma asa com enflechamento Fonte: Aeroflap (2015). 47 Teoria de Voo de Alta Velocidade Da imagem acima, depreende-se que a componente de velocidade que deve ser levada em consideração, para calcularmos o “novo” Mach Crítico da asa enflechada, poderá ser obtida de forma simplificada assim: “Novo” Mach Crítico da asa enflechada = Velocidade do fluxo do ar ÷ Cos 30o. A título de exemplo, se a velocidade da aeronave for de M 0.75, e considerarmos esse como sendo o Mach Crítico da asa não enflechada, tal valor somente será atingido de forma perpendicular à asa enflechada quando a aeronave atingir M.075 ÷ Cos 30o, ou seja, M 0.92. O cálculo anterior é muito simplificado, pois o escoamento ao redor da asa é tridimensional, e o tratamos na solução matemática como sendo bidimensional. Assim, o “novo” Mach Crítico “real” da asa enflechada estará compreendido entre M 0.75 e M 0.92 (SAINTIVE, 2009). Figura 1.25 – Desenho da aeronave Boeing 747-400, onde se observa o enflechamento de suas asas Fonte: Viana (201?). O emprego de asas enflechadas é sempre um compromisso entre os benefícios gerados, os quais já abordamos anteriormente, e seus principais efeitos negativos como: menor capacidade de gerar sustentação, para incrementos no ângulo de ataque (comparada ao mesmo aumento do ângulo de ataque, em uma asa sem enflechamento); tendência
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