Buscar

Sempre Te Amei (Paixões Gregas 4)

Prévia do material em texto

Paixões Gregas
 
Sempre te amei
 
1ª Edição
2017
 
Copyright © - 2017 por Mônica Cristina
 
1ª edição 2017
 
Autora: Mônica Cristina Capa: Thatyanne Tenório Diagramação
– Giovana C. Soares
 
É proibida a reprodução
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança é mera coincidência.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou utilizada sob
quaisquer meios existentes, sem a prévia autorização por escrito do
autor.
 
Índice
Capítulo 1
Capitulo 2
Capitulo 3
Capitulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capitulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capitulo 12
Capitulo 13
Capítulo 14
Capitulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capitulo 18
Capítulo 19
Capitulo 20
Capitulo 21
Capitulo 22
Capitulo 23
Capitulo 24
Capitulo 25
Capítulo 26
Capitulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capitulo 31
Capitulo 32
Capitulo 33
Capitulo 34
Capitulo 35
Capítulo 36
Capitulo 37
Capitulo 38
Capitulo 39
Capítulo 40
Capitulo 41
Capitulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capitulo 45
Capitulo 46
Capítulo 47
Capitulo 48
Capitulo 49
Capitulo 50
Capítulo 51
Capitulo 52
Epílogo
 
 
Para Rosimeire, que me alfabetizou, ensinou a ler e amar
romances. Você começou isso.
Para Thatyanne Tenório, pela amizade e parceria. Irmã
Virtual.
 
Capítulo 1
Nick
 
— Simon, Ellen enviou as anotações do Ulisses? A reunião
começa em uma hora e nem passei os olhos pelo material. – Pergunto
a Simon, meu assistente e amigo quando ele invade minha sala sem
bater.
— Acabei de passar pela mesa dela. Ellen está enviando por
e-mail. Não era o Ulisses que tinha que estar nessa reunião?
Simon se acomoda na cadeira em frente à mesa, suspiro
erguendo os olhos das planilhas que estudo.
— Sophia quebrou o braço na viagem. Eles foram para
Kirus. – A pequena e paradisíaca ilha grega onde meu irmão mais
velho mora e onde todos nós, os quatro irmãos Stefanos, nascemos.
Só Leon, o mais velho, vive lá agora com a esposa Lissa e os dois
filhos, mas é para lá que sempre vamos quando queremos reunir a
família. – Ele pediu para cobri-lo.
— Você está sempre fazendo isso. Assumindo tudo. Não fica
esgotado?
— Simon, eu devo muito aos meus irmãos, e além disso,
gosto do meu trabalho.
— Não é seu trabalho. Você é advogado, sei que odeia essas
reuniões com os executivos. Isso é trabalho dos seus irmãos. ─ Ele é
sempre um melhor amigo intrometido, nem dou ouvidos. ─ Acho que
eles não pensam que deve nada a eles.
— Leon está em Kirus, não poderia vir a Nova York
substituir Ulisses. Heitor mora em Londres, não pode deixar tudo e
correr para cá. Eu faço o que é preciso, sabe que não me importo. –
Ignoro sua opinião sobre mim.
— Ok. Eu vou para minha sala, se precisar estou lá. Vim
mesmo trazer isso, precisa assinar esses papéis ainda hoje.
— Depois da reunião olho isso. – Simon se ergue e
caminha para a porta.
— Ah! Comecei a montar sua agenda para aquela viagem,
comecei com Palermo, depois Turquia. Acha que Ulisses volta logo
da Grécia?
— Pelo que entendi sim. Isso foi só uma emergência, se ele
não fosse mostrar a todos que Sophia está bem, a família entraria em
colapso, não vai afetar minha agenda. Continue os preparativos.
— Certo. Boa reunião. – Simon deixa a sala e fico sozinho.
Simon Donavan é um bom amigo, o único na verdade,
desde os tempos de Harvard. Fiquei feliz de ter aceito ser meu
assistente quando nos formamos e a parceria vem dando certo nos
últimos anos.
Não é fácil trabalhar para os Stefanos, temos negócios pelo
mundo afora e trabalho é o que não falta. Principalmente depois de
todos os traidores terem se casado e procriado, agora como único e
solitário solteiro, eu tenho que além de fazer meu trabalho, cobrir
todos eles.
Isso inclui viajar mais do que gostaria, mas nunca recusaria
nada a eles, nunca diria não. Meus três irmãos fizeram muito por mim,
muito mais do que imaginam.
Me recosto na cadeira e a mente viaja um pouco para o
passado. Tudo é nebuloso, não tenho lembranças de quando minha
mãe deixou meu pai, eu tinha dois anos, não me lembro de termos
deixado Kirus expulsos pelo amante dela e nem de termos chegado
aqui em Nova York sem saber falar a língua com um pai alcoólatra.
Essas coisas eu sei por que eles me contaram, um bebê de
dois anos não sabe de nada. Nem mesmo sei se senti falta deles
quando uns meses depois meu pai, sem ser capaz de me criar, me
entregou a um abrigo. O que sei é que eles cresceram e nunca
desistiram de mim, me caçaram até me encontrarem com dezesseis
anos e me salvarem do inferno que eles não sabem que vivi.
Já fizeram tanto por mim que nunca vou contar as coisas que
passei, enche-los de culpa e pena não muda o passado. O que importa
para eles é que me tiraram de lá, me encheram de oportunidades.
Agarrei todas elas com unhas e dentes, fui para Harvard, me formei em
primeiro lugar com louvor, assumi meu lugar nos negócios da família
e todos os dias trabalho mais do que qualquer um.
Quando cheguei eles já eram ricos, não precisavam ter
dividido comigo cada centavo como fizeram, mas eles fizeram isso e
pago com meu esforço. Os irmãos Stefanos nunca vão se arrepender de
terem me salvado.
Não é fácil me reunir com a família, com aquele monte de
crianças correndo e me lembrando o passado, se posso fugir disso, eu
fujo, mesmo que eles não entendam muito bem. Amo toda essa
enorme família que tenho, com cunhadas e sobrinhos, apenas não sou
como eles, gosto de me isolar, não me encaixo como os outros. Me
esforço, mas as vezes preciso me esconder um pouco de tudo para não
abrir as feridas.
Suspiro, balanço a cabeça quando o passado começa a me
dominar e as lembranças perigosas querem surgir. Reúno os
documentos e sigo para minha reunião.
É claro que demora muito mais do que o planejado, é noite
quando volto para minha sala com mais uma pilha de coisas para fazer.
Simon entra junto comigo.
— Vai ficar até mais tarde, pelo visto. – Ele diz olhando
minha mesa repleta de coisas pela metade.
— Vou. Nada de drinks no final do expediente hoje.
— Tudo bem. Você nunca foi bom nessa coisa de aproveitar
a vida.
— Você podia ser um Stefanos de tanto que se mete na
minha vida. – Resmungo com ele que ri despreocupado e se senta.
— Sua governanta ligou.
— A senhora Kalais? – Encaro Simon, ela nunca liga, a
mulher morre antes de me incomodar, vive na mesma casa que eu e
posso passar dias sem notar sua existência de tão discreta que é. – O
que ela queria?
— Disse que vai espera-lo hoje, tem um assunto
importante.
— Problemas aposto.
— Acho engraçado como ela é formal, podia só esperá-lo e
conversar, mas ela liga para avisar. Nem parece aquele povo divertido
que trabalha na casa do seu irmão Leon.
— Ela é mesmo muito formal, gosto muito disso. Meu
apartamento é meu santuário. Gosto do silêncio e da solidão que só
encontro lá, mas de fato ela exagera.
— Ah! Sua cunhada ligou. Quer saber se vai para Kirus no
fim de semana, disse que todos estão lá.
— Lissa? – Pergunto e ele afirma. – Eles esquecem que
entre esse prédio e a ilha de Kirus tem um oceano. Se me querem perto
toda hora porque não se mudam para o outro lado do Central Park?
— Aí sim você reclamaria. ─ Um arrepio percorre meu
corpo, nunca mais teria um dia de paz.
— Provavelmente. Eu ligo antes de ir embora e aviso que
não vou.
— Nesse caso acho que acabamos por hoje.
— Pode ir, Simon, antes de ir embora deixo esses papéis
assinados na sua mesa. De manhã vou estar na associação.
— Obrigado. Te vejo amanhã. Se precisar de qualquer coisa
na associação me avisa.
— Você trabalha para a empresa Simon, não tem que fazer
isso e sabe que não vou pedir.
— Você é tão certinho que irrita. Fico me lembrando de
quando queria copiar seus trabalhos e não deixava. Cara chato. Não
quero ganhar nada para te ajudar na associação, também posso fazer
trabalho voluntário as vezes.
— Sabe onde fica. É só ir lá e se oferecer para ajudar. Tem
sempre alguém precisando.
— Qualquer dia faço isso. Tenho que ir, marquei uns drinks
com duas gatas, mas claro que vai me deixar na mão, isso é bem ruim,
vou chegar lá sem o último Sefanos solteiro e vou me darmal. Que
adianta ter um amigo milionário se não serve nem para me ajudar a
pegar mulher?
— Você é patético!
— Tchau.
Fico sozinho, quase todo dia sou o último a deixar o
edifício, meu dia é sempre curto perto de tudo que tenho que fazer.
Pego os papéis que tenho que assinar para ler. Levo mais
meia hora para assinar tudo, então é hora de ligar para kirus, suspiro
resignado. Sei exatamente o que vai acontecer, o telefone vai passar de
mão em mão até todo mundo me dizer qualquer coisa que não pode
esperar.
A família está toda lá, mas o primeiro número que ligo é o
de Leon, sempre faço isso, nem me dou conta.
— Nick!
— Oi Leon.
— Não vem? – Ele pergunta sem rodeios. É a segunda vez
que desmarco meu encontro com eles, logo vão organizar uma
excursão para me ver.
— Não. Muito trabalho.
— Ainda está no escritório? Não são quase nove da noite? –
Ele reclama, é muito trabalho, mal sabe ele que continuo em casa.
— Acabei. Só parei para telefonar e já vou para casa.
— Por que não pega um voo para cá? O jato está em
Atenas, mas pode vir num voo doméstico.
— Leon eu não posso, sabe que estou me organizando para
fazer aquela viagem, saber como as coisas estão na Itália, se Mark está
lidando bem com a nova função, Ziar me espera na Turquia. Prometo
que no fim da viagem vou encontrar vocês e fico uns dias.
— Uns dias? Duvido. Lissa quer falar com você.
— Tudo bem. Tchau.
— Tchau. Se cuida. – Escuto ele avisar Lissa que não vou,
um bando de vozes por trás dele e sei que a fila de gente querendo falar
comigo vai ser grande.
— Nick está todo mundo com saudade. – A voz suave, mas
decidida de Lisssa Stefanos soa como uma ordem.
— Eu sei, Lissa. Muito trabalho.
— Os gêmeos perguntaram por você.
— Mande um beijo para eles. – A última vez que estive na
ilha foi no aniversário de cinco anos de Alana e Luka.
— Ariana mandou preparar torta de chocolate para você.
— Que pena que agora vai ter que comer tudo sozinha. –
Brinco e ela ri. – Quanto sofrimento.
— Sozinha nada. Lizzie está aqui.
— Chegou todo mundo? – Pergunto já sabendo a resposta.
— Sim. Menos você. Para de fugir de nós.
— Sophia está bem?
— Ótima. Ulisses disse que volta na segunda-feira.
— Certo eu tenho que....
— Lizzie quer falar com você. – Ela me corta quando tento
me despedir. Lá vem a garotinha de voz delicada. Acho que Lizzie é a
única capaz de me fazer pegar um avião para Kirus.
— Tio Nick.
— Oi Lizzie. Tudo bem?
— Tio, você não veio. – Que grande constatação. Ela tem
dez anos, não se pode esperar demais.
— Não. Sinto muito Lizzie, tenho que trabalhar.
— Eu sei, tio.
— Como estão as coisas? E seus irmãos, dando muito
trabalho?
— Harry está bem bonzinho como sempre, mas tenho que
ficar andando atrás dele toda hora. Emma está um bebê lindo, tio, e
todo mundo está respeitando os contratos.
— Que bom.
— Quando vamos a Disney de novo?
— Já fomos esse ano Lizzie, agora só ano que vem. – Todo
ano pego Lizzie e vamos juntos a Disney, é divertido, uma semana eu
e ela. Depois a devolvo para os pais. Tem qualquer coisa em Lizzie
que me lembra ela e isso nos aproximou desde sempre.
— Você vem para meu aniversário?
— Claro, Lizzie. Estarei aí.
— Meu pai quer falar com você. Tchau tio.
— Tchau Lizzie. Estuda bastante se não, nada de Disney. Da
um beijo em seus irmãos.
— Tá bom. – Ela passa para Heitor.
— Nick?
— Oi Heitor. Tudo bem por aí? Pensando em plantar mais
árvores?
— Falta mais um. Mas temos que esperar Emma completar
ao menos um ano para retomarmos o projeto bebês.
— Nem preciso lembra-lo dos recursos naturais não
renováveis, não é? – Alerto mesmo sabendo que é em vão. Ninguém
me escuta nessa família.
— Não me deixa esquecer. Escuta, essa sua viagem não vai
atrapalhar o aniversário da Lizzie. Vai? Sabe que sem você aqui ela
ficaria arrasada.
— Tem dois meses até lá. Vai dar tempo.
— Só queria te lembrar disso.
— Recado dado. Fala para o Ulisses que foi uma reunião
bem difícil e mandei tudo para ele por e-mail, manda ele dar uma
olhada e por favor, me livra de falar com o resto da fila.
— Tudo bem. Seja rápido, desligue enquanto é tempo. Boa
semana.
— Obrigado. – Desligo o telefone feliz por ter feito o mais
difícil.
Recolho alguns papéis, pego minha pasta e passo na sala de
Simon para deixar o que me pediu. Depois pego o elevador privativo.
O saguão está vazio, todos os funcionários já foram. O segurança acena
um boa noite quando passo pela porta de vidro e deixo o edifício.
São três quarteirões até minha casa e em dias que fico apenas
no escritório faço o percurso a pé. Gosto de assistir a cidade vibrando,
gente indo e vindo de todos os lugares para todos os lugares.
— Boa noite, Ted. – Cumprimento o porteiro quando
aperto o botão do elevador do meu edifício. Ele balança a cabeça em
resposta. Normalmente é o porteiro da manhã, John é o da noite.
Devem ter trocado. Ted é carrancudo e silencioso, John fala sem parar e
preciso correr dele ou tenho que ouvir todo tipo de histórias.
A porta do elevador se abre no hall da minha cobertura.
Adoro o silencio de estar em casa, escuto os passos da senhora Kalais
assim que chego a sala. Ela surge vinda da cozinha com seu ar austero
e cabelos brancos presos num coque.
— Boa noite, senhor Stefanos.
— Boa noite. Precisava falar comigo?
— Sim. Desculpe incomoda-lo, mas é importante. – Seu
tom formal não lembra em nada o jeito grego de ser.
— Algo errado? Precisa de alguma coisa?
— Minha irmã em Kirus, ela está doente.
— Sinto muito. É grave? Quer traze-la para cá? Sabe que
pode recebe-la aqui e cuidar dela com os melhores médicos.
— Obrigada, senhor. Sei que é muito generoso, não é
necessário. Minha irmã está muito idosa, seria uma viagem difícil, na
verdade o que preciso é cuidar dela por um tempo. Tenho que me
afastar por dois meses.
— Entendo.
— O senhor pode ficar à vontade para me demitir se achar
que é melhor.
— Que ideia! Claro que não. Está comigo desde que
cheguei aqui. É uma boa funcionária, não vou demiti-la. Pode ir sem
medo. – Nunca faria algo assim.
— Obrigada, senhor. Eu tomei a liberdade de conversar com
algumas pessoas para conseguir uma substituta. Sei que o senhor
trabalha demais e precisa manter esse apartamento em ordem. – Ela é
tão séria que quase sinto medo dela. – Consegui uma pessoa de
confiança para ficar no meu lugar.
— Que bom. Ela sabe que é temporário?
— Sim. Eu deixei claro isso. Preciso partir em dois dias,
por isso me adiantei. É muito difícil encontrar pessoas de confiança.
— Fez bem. – Eficiência é algo que me agrada.
— Mas tem um problema, ela é jovem, tem vinte e três
anos. – Jovem demais, não gosto nada disso, pensei numa senhora
como ela, séria, não numa garota pouco mais jovem que eu.
— Não gosto nada da ideia, senhora kalais. – Aviso sem
rodeios.
— Imaginei que não gostaria, mas nesse caso acho que o
senhor terá que encontrar alguém pessoalmente e ensinar o trabalho.
Realmente não posso ficar mais que dois dias para ensinar a jovem o
serviço da casa e como o senhor gosta de suas coisas.
Suspiro resignado. Não tenho tempo nem paciência para
isso. A senhora Kalais foi recrutada por Lissa quando meu apartamento
ficou pronto, logo ela entendeu como eu sou e nos acertamos bem. Eu
perder tempo contratando e treinando alguém não está em meus
planos.
Fico preocupada, por que sei que não é fácil achar alguém de
confiança.
Realmente isso é um problema, tenho coisas importantes
aqui. Espionagem industrial e venda de informações não são coisas de
filme no meu trabalho. Ando pela sala pensativo. Não é o pior dos
mundos, dois meses apenas. O que pode dar errado? Posso me adaptar.
— Pode mandar a moça vir. Treine e depois pode viajar
tranquila, quando estiver pronta seu emprego a espera. Precisa de
dinheiro?
— Não senhor, não consigo nem mesmo gastar tudo que o
senhor me paga.
— Tudo bem. Vou pedir a Lissa para ir ver sua irmã,
qualquer coisa que precise quando chegar lá procure por ela e o Simon
vai providenciar sua passagem.
— Obrigada, senhor Stefanos, sua família não tem igual.
— Bobagem.
— Sirvo o jantar em meia hora?
— Perfeito.Vou subir.
Depois do banho e de jantar sozinho como todos os dias,
me sento no escritório. Se for capaz de ser bem honesto não precisava
abrir a pasta, o computador e continuar trabalhando, mas faço isso.
Trabalhar espanta a solidão que me imponho e o tédio.
Além disso, afasta pensamentos. Mergulho no trabalho até depois da
meia noite. Então decido que é hora de dormir.
Encaro a parede de vidro com vista para as luzes de Nova
York. Talvez tenha sido essa vista panorâmica que me fez decidir por
esse lugar. Não importa que digam que é gigantesco, que um cara
sozinho não precisa de um apartamento de três andares com tantos
quartos e salas.
Eu gosto, sei como é estar fechado num cubículo sem ar,
escuro e sujo. Todo o lado norte do apartamento é fechado por paredes
de vidro do chão ao teto, tenho luz dia e noite. Tudo é claro, os
móveis, as paredes, foi minha única exigência aos decoradores. Espaço
e claridade, o resto não importa, não sei se gosto ou odeio, é só um
lugar e acho que nesses anos que moro aqui nem decorei muito a
ordem das coisas. Tenho luz. Isso é tudo.
Não resolveu muito. A escuridão claustrofóbica está dentro
de mim e não fora.
Minha mente salta para o passado sem que possa evitar,
quando me dou conta estou de novo andando por aquele lugar sujo,
abandonado e barulhento. Tem sempre alguém chorando, tem sempre
alguém mancando, tem sempre barulho de violência.
Abrigo infantil Saint Peter. Que grande ironia o inferno ter
nome de santo. Aquele maldito buraco que costumavam chamar de
quarto da disciplina me domina a mente com seu cheiro de podre, sem
luz, úmido e visitado por ratos.
O rosto infantil de olhos azuis assustados, surge em minha
mente e me arranca um quase sorriso. Não tem meios de lembrar seu
nome. Sempre foi gatinha. Apenas isso.
Aquela garotinha assustada de voz suave foi meu porto
seguro durante boa parte do meu tempo no inferno. Lembrava um
gatinho manhoso e cuidar dela me mantinha respirando.
Agora se foi para sempre, no dia que deixei aquele lugar
perdi a única coisa que me importava. Ninguém que viveu naquele
inferno sobreviveu muito do lado de fora. Eu tive sorte de ter família e
dinheiro, mas o resto só tinha um caminho. O submundo, drogas,
prostituição, crime.
Ajudei tantos depois que me formei e pude assumir meu
dinheiro e meu lugar na empresa. Não ela. Minha gatinha já tinha
deixado o inferno e sabe Deus onde se enfiou todos esses anos, se
sobreviveu.
— Dormir Nick. Para de ruminar o passado. – Balanço a
cabeça afastando as recordações. Deixo o escritório e subo para o
quarto. Tiro a camiseta e me deito com o velho moletom. Acendo o
abajur, mais uma marca do passado. Não durmo no escuro.
Capitulo 2
Annie
 
Um vento frio bate me fazendo estremecer e ergo a gola da
jaqueta, dobro os joelhos me encolhendo um pouco, gosto desse lugar.
A escada de incêndio do pequeno apartamento de Tracy.
Não tenho mais ninguém além dela e se não estivesse na
pior, não estaria aqui de modo algum. Seu marido Ted me odeia com
todas as suas forças, se não fosse a culpa que Tracy carrega, talvez não
me recebesse.
Tracy e minha mãe eram amigas de infância, mamãe foi a
primeira a casar e nasci no primeiro ano de casamento. Depois foi a vez
de Tracy se casar com Ted. Os dois não tiveram filhos e acho que a
humanidade agradece. Um filho de Ted teria que carregar apenas os
genes de Tracy para ser aceitável.
O homem é intratável. Não é verdade, admito constrangida,
seu ódio é dirigido apenas a mim. Quando se casaram, Tracy teve que
se afastar da minha mãe e no fim ele estava certo. Quem quer ter
amizade com um casal que o marido é nada além de um trapaceiro?
John Keller era conhecido por seus pequenos golpes, era assim que
sustentava a família e Ted afastou as duas amigas.
Quando minha mãe morreu e ficamos apenas eu e meu pai
Tracy tentou ajudar. Me lembro de ser deixada em sua casa horas a fio
enquanto meu pai saía para seu trabalho de enganar pessoas e limpar
seus bolsos.
Eu tinha sete anos, amava meu pai, ele me amava. Eu não
entendia seu trabalho, ouvia Ted esbravejar a cada vez que chegava do
trabalho e me via encolhida em seu sofá assistindo desenho e ficava
confusa sobre a razão de tanta raiva.
Como tinha medo dele, ainda tenho, no fundo mesmo todos
esses anos depois eu ainda tenho e se tivesse qualquer outra opção não
teria batido justo nessa porta, mas não tem mais nenhuma outra porta
para mim.
Não tem nada para quem vem de onde eu vim. A estadia no
inferno não me fez mais forte, só mais solitária.
Ted fez o que tinha que fazer ou obrigou Tracy a fazer.
Entregaram meu pai, quando ele foi preso me levaram para ser cuidado
pelos auxiliares do demônio e foi lá que cresci. Só uma vez Trace se
atreveu a me visitar, eu tinha onze anos, um olho roxo e escoriações,
ela não fez nada.
Quando saí me deu dinheiro. Trezentos dólares que meu pai
deixou como herança antes de morrer de pneumonia na prisão. Eu
tentei. Venho tentando desde então. Um tempo aqui, outro em Los
Angeles, garçonete, ajudante de cozinha, faxineira de motel, nunca dura
muito e dessa vez eu não tive escolha.
As garotas com quem dividia apartamento há seis meses
simplesmente me mandaram sair e sem dinheiro e emprego só Tracy
me receberia.
Olho uma garota passando de mãos dadas com um rapaz, os
dois sorriem um para o outro ao atravessarem a rua, acho bonito, mas
não para mim.
Annie Keller nunca vai ter essa chance. Quem ficaria com
uma garota com meu passado? Filha de um trapaceiro e criada em um
abrigo? Sem formação, emprego e família? Mas se isso não for o
bastante para fazer qualquer um correr, ainda tem todos os traumas,
pesadelos, insônia, claustrofobia.
Respiro fundo afastando todos os pensamentos ruins. Não
sou o tipo que se dobra e se rende a infelicidade, gosto de sorrir, de
tentar. Sou um tanto atrapalhada, com duas mãos esquerdas como
Tracy diz, e uma das razões para ter perdido pelo menos dois ou três
empregos. Mesmo assim não desisto de tentar.
— Vai congelar aí fora, Annie. – Tracy surge na janela e me
sorri. – Vem jantar, o Ted está chegando.
— É tarde, ele está bem atrasado. – Comento quando passo
para dentro.
— O porteiro da noite teve um contratempo, ele ficou
substituindo o homem, mas já está chegando.
— Eu coloco os pratos. – Me ofereço e ela aceita. – Não vou
quebrar nada.
Depois de arrumar a mesa me sinto angustiada. Jantar mais
um dia com Ted. Odeio estar aqui, incomodando Tracy, sei que ela
fica constrangida e tentando o tempo todo colocar panos quentes.
— Tracy! – A voz grave de Ted soa assim que ele abre a
porta, Respiro fundo.
— Que bom que você chegou. ─ Tracy abraça Ted, ele não
se dá ao trabalho de corresponder.
O homem me olha sem nenhum sinal de qualquer coisa que
não seja repulsa. Não queria, mas entendo, foi ele que conviveu com a
culpa que Tracy carregou todos esses anos pelo que me aconteceu e
acha que eu sou a única culpada.
— Consegui um emprego para você, já que não é capaz de
fazer isso sozinha. – Ele diz de modo direto.
— Querido, que notícia ótima! – Só Tracy comemora, eu
sempre fico nervosa diante dele e me calo.
— Vai trabalhar de governanta na casa de um milionário lá
no prédio onde trabalho.
Ele disse governanta? Na casa de um milionário? Fico
muda. Nem sei o que dizer. Não tenho a menor ideia do que uma
governanta faz a não ser cara de brava em filmes.
— É temporário, mas com o salário vai poder ajeitar sua
vida. Espero que não me crie problemas. – Ele me acusa antes mesmo
de qualquer coisa.
— Eles sabem que não tenho experiência?
— A senhora Kalais vai treinar você. São dois meses, ela
me garantiu que o trabalho é fácil e o homem é sozinho.
— Sozinho? ─ Trabalhar para um homem sozinho me
assusta um pouco.
— Não me venha com ataques. Vai ter um bom salário, casa
e comida, não reclame. – Ted nunca entenderia. Nunca me daria
ouvidos. Não sabe o que passei e não se importa. Ninguém realmente
se importa.
— Casa? Disse casa? Vou morar lá?
— Vai. Amanhã saímos bem cedo. Já vai levar suas coisas,
a mulher parte em dois dias e querensinar o serviço antes. – Ele
esbraveja.
— Será uma boa oportunidade. Tenho certeza que vai se dar
muito bem. – Tracy tenta amenizar.
— Eu vou, Tracy, não se preocupe. – Aviso sabendo que ela
está angustiada.
— Claro que vai. Acha que vai ficar mais tempo aqui? Que
tenho alguma obrigação com você?
— Ted não faça isso, as coisas deram errado para ela por
minha culpa. Eu devia ter cuidado dela quando a mãe morreu, não
podia ter denunciado ele e depois que ele morreu eu podia...
— Tracy, está tudo bem. – Tento acalma-la, ela chora.
— Vê o que faz com ela? Toda vez que está aqui ela fica
assim. Vou tomar um banho e jantar no quarto.
Ted se retira. Encaro Tracy, ele tem razão. Minha presença
abre as feridas do passado e isso é demais para ela.
— Você não tem culpa de nada, estou bem, vou gostar do
trabalho tenho certeza, se odiar só tenho que aguentar dois meses.
Posso viver com um velho milionário por dois meses. – É meu jeito
de tentar ajeitar as coisas.
— Tudo bem. Vamos comer, por favor não diga que não
está com fome. Depois arrumo o sofá e tenta dormir.
Janto com Tracy, tentamos conversar, mas no fundo não
temos muito assunto. Depois ela estica um lençol no sofá, me abraça
em despedida e fico sozinha. Acendo um abajur de canto, arrumo
minha mala. Tudo que tenho está ali.
Não é muito, apenas roupas, calças e shorts jeans, umas
blusinhas simples, tênis. Passei o último ano em Los Angeles, as
roupas são simples. O que não é simples em mim?
Dobro minha camiseta dos Jets, beijo o brasão do meu time
querido.
— Logo vamos estar no estádio, sei que está com saudade.
– Enfio na mala a minha peça preferida e companheira de jogos. Nada
se compara a emoção de estar no estádio em dia de jogo do New York
Jets. O melhor time de futebol do mundo.
Me encolho no sofá, os olhos abertos como se fosse meio
dia, noite de insônia, melhor não dormir que acordar gritando no meio
de um pesadelo e Ted ficar mais uma vez furioso.
Me acostumei com a lentidão das horas noturnas, não gosto
delas, não gosto delas desde sempre. No inferno as noites eram sempre
piores, as coisas que aconteciam, os barulhos. Um arrepio percorre
meu corpo. Não posso voltar lá. Tenho que limpar a mente.
Ted surge na sala quando o dia amanhece, me vê sentada e
enrolada nas cobertas e faz aquela cara de desprezo de sempre.
— Fique pronta, vamos sair em uma hora, coloque uma
roupa descente. Esses seus shortinhos com essas blusinhas mostrando
o ombro que adora usar não é roupa para se apresentar.
— Eu sei disso, Ted.
Ele tem sorte, tenho uma única saia cinza e uma camiseta
branca que devem servir, coloco uma sapatilha. Prendo os cabelos num
rabo.
Tracy me abraça quando arrasto minha mala para porta.
Sinto pena de sua fraqueza, sinto pena da minha fraqueza.
— Estou aqui se precisar. Isso é sério. Tem que prometer
que virá se precisar.
— Prometo. – É uma promessa vazia, por mim nunca mais
pisaria nessa casa. Quem sabe seja a última vez? Não custa sonhar. –
Obrigada por me receber Tracy. Vai ficar tudo bem.
Arrasto a mala atrás de Ted todo o caminho, atropelo meia
dúzia de pessoas no metrô e mais umas duas ou três no caminho a pé
até o edifício. Ted faz questão de andar rápido só para me irritar. A
mala vai ficando cada vez mais pesada com o tempo.
— Ajuda a moça, idiota! – Alguém grita de um ônibus e
sorrio para cara feia dele.
— Idiota por que ele nem te conhece, imagina se
conhecesse? – Não resisto, estamos no meio da rua, o que ele pode
fazer além dessa cara de furioso de sempre?
O edifício é tão elegante que me dá um frio na barriga só de
olhar a entrada. Ted está em seu uniforme de porteiro e sempre achei
porteiros divertidos e falantes, ele acaba com todos os clichês.
— Pegue o elevador de serviço, a senhora Kalais vai estar a
sua espera. Não faça tolices ou acabo por perder meu emprego. Está
aqui por que ela tem pressa e precisa de alguém de confiança.
— Eu sou de confiança. – Aviso apertando o botão para
chamar o elevador.
— Nesse ponto sou obrigado a admitir que não puxou
aquele safado. Por isso arrisquei, não estrague tudo.
A porta do elevador se abre e entro, Ted fica me olhando
enquanto a porta fecha e quase posso tocar em seu arrependimento.
O elevador sobe ao topo do edifício, estou nervosa e respiro
fundo. A porta se abre num hall elegante, uma porta está aberta e uma
mulher surge quando a porta do elevador se fecha atrás de mim.
— Bom dia. – Sorrio.
— Isso não vai nada bem. Nada bem. – Ela balança a cabeça
quando me encara. – Bonita demais, jovem demais.
— Beleza é questão de gosto. Ele pode me achar um dragão.
– Tento defender o emprego que parece que perdi mais uma vez. – Vai
me demitir antes mesmo de me contratar?
— Não posso, realmente não posso. – Ela faz sinal para que
me aproxime. Arrasto a mala por uma cozinha elegante e gigantesca.
Gosto do balcão que divide a área de trabalho entre a pia e
eletrodomésticos e a mesa de seis lugares.
— Sou Annie Keller.
— Bem-vinda, menina. Vou te mostrar a casa e seu trabalho.
— Obrigada.
— Vamos começar por seu quarto, assim deixa essa mala. –
Eu a acompanho por outra porta, saímos numa sala pequena com duas
portas. – Essa é a área dos empregados, essa e sua sala, com tevê e
tudo que precisa para seu tempo livre, esse é meu quarto e aquele o
seu. Deixe a mala lá.
Entro e é uma boa suíte, muito melhor que pensei,
confortável e bem arrumada.
— O senhor Nickolas Stefanos se preocupa muito com o
bem-estar dos funcionários. Vou te dar um tempinho para arrumar suas
coisas, te espero na cozinha.
— Nickolas Stefanos? Nome diferente.
— Ele é grego, como eu. – Ela sai fechando a porta atrás de
mim.
Me lembra ele. Eu conheci um grego, era assim que todos o
chamavam, grego, não me lembro se alguma vez disse seu nome e de
qualquer modo, não faz diferença, meu príncipe nunca estaria vivendo
numa casa como essa, crescemos num abrigo para crianças
abandonadas.
A melhor pessoa que já conheci, corajoso, inteligente, o
rosto fica um pouco nebuloso, me lembro do olhar cansado, do rosto
muito magro, dos cabelos quase raspados que costumava deixar todos
os meninos iguais, da tristeza que sempre nos acompanhava. De como
ficamos amigos.
Eu estava tão apavorada e sozinha, quando quebrei aquela
louça e a bruxa me encarou cheia de ódio, achei que ia me matar, mas
ele assumiu a culpa, nunca tínhamos nos falado, mas ele disse que
tinha sido ele e acabou na disciplina no meu lugar.
Me sento na cama tentando lembrar se alguma vez ouvi seu
nome, acho que não, era só, grego. Fui corajosa e cuspi num segurança
só para ser atirada lá com ele e levar água e um pedaço de pão.
Como senti medo daquele lugar. Se ele não estivesse lá, eu
teria feito uma loucura. E assim nasceu a única coisa boa que levo do
passado, a amizade mais pura que existiu.
Até que um dia ele passou por mim carregando sua mochila,
me mandou ser forte e nunca mais voltou. Foi quando o inferno
ganhou mais profundidade, fui tragada para o fundo do poço sem volta.
Eu tinha onze anos. Foi a segunda vez que perdi tudo.
Vou ao encontro da mulher antes que fique com fama de
preguiçosa. Ela parece um sargento do exército, me encara de pé com a
mão na cintura.
— Pronto, senhora Kalais.
— Ótimo. Vamos lá. Essa é a cozinha. Nessa gaveta fica
guardado mil dólares, para usar no que precisar na casa, quando estiver
acabando vai ligar nesse número. – Ela balança um papel. ─ Simon,
assistente do senhor Stefanos, ele manda mais dinheiro.
— Mil dólares e acha que vai acabar?
— Pode ser. Venha. – Ela abre a porta para a parte social e
fico chocada, é o maior apartamento que já vi na vida. Tão elegante e
claro que assusta.
As paredes de vidro me encantam e caminho até elas, dá
para ver boa parte da cidade. É lindo. O apartamento tem cara de
revista de decoração, não dá para saber nada sobre quem mora nele.
Tão impessoal como um showroom de loja de decoração. O velho não
tem muita personalidade.
— É... grade e muito bonito.
— Sim. Foi decorado pela maior e mais famosa empresa do
mundo. Cada peça aqui custa uma fortuna.Quando for mexer em algo
tome cuidado para colocar de volta no mesmo lugar.
— Sim senhora.
— A cada quinze dias, uma empresa de limpeza faz a faxina,
você só precisa manter em ordem, mas o senhor Stefanos é muito
organizado. Aquele é o escritório dele, quando estiver lá, onde ele
passa boa parte do tempo, não o incomode de jeito nenhum.
O velho é chato e sem personalidade.
— Sim senhora.
— Aqui tem as salas, o escritório, aquela salinha é onde ele
descansa e vê tevê, mas isso é raro. Vamos subir. – Subimos por uma
escada de cinema e gosto dela. Em cima são muitas portas. – Esse é o
quarto dele, depois que ele sai para o trabalho você vem e arruma, pega
as roupas sujas e forra a cama, ajeita o banheiro, não terá quase
nenhum trabalho. Uma lavanderia vem buscar as roupas toda segunda-
feira e devolver na quarta-feira.
Metódico. Vamos ver, o velho é chato, metódico e sem
personalidade.
— Sim senhora. – Repito mais uma vez.
— Os outros quartos ficam fechados, ele nunca recebe
hóspedes. – Subimos mais um lance de escadas. Tem a maior
academia que já vi, uma piscina aquecida e uma varanda com jardim e
bancos.
— Nossa! Isso é mesmo Nova York?
— Eu sei, é lindo. Ele malha todas as manhãs antes do
trabalho, você sobe e organiza a academia. Vamos descer e vou te
explicar como as coisas funcionam.
Voltamos para cozinha. Tudo é absurdamente grande e
arrumado. Nos sentamos na sala dos empregados.
— Ele acorda cedo e vai malhar, você serve o café da manhã
na sala de jantar as oito em ponto, depois ele sai para o trabalho, você
arruma a academia, o quarto dele e o escritório, o resto ele nunca usa.
Então fica livre. Deixe o jantar pronto e sirva sempre meia hora depois
que ele chegar, não é sempre que ele vem para jantar. Então ele se fecha
no escritório e não incomoda mais ele.
— Entendi. Eu tenho que cozinhar? – Isso sim é um
problema dos grandes que não vou dizer a ela.
Sim. Tem muitos livros de receita, ele adora comida
italiana, mas não costuma reclamar ou exigir nada. – Menos mal,
vamos ver o que acha de comida queimada ou crua. – Se ele precisar
de alguma roupa e for uma emergência temos uma lavanderia.
— Sei lavar. – Sorrio vitoriosa, não que pareça ser grande
coisa ser capaz de apertar um botão de máquina de lavar.
— Nos fins de semana ele costuma trabalhar em casa ou
viajar, sirva as refeições e o deixe em seu canto. Emergências fale com
o assistente dele.
— Sim senhora. O que faço com meu tempo livre?
— O que quiser. Ele não vai querer saber, se tudo estiver em
ordem ele não vai se importar. Tem folgas aos domingos, ele se vira na
casa e você evita ficar por aí, o Senhor Stefanos não é obrigado a
conviver com você.
Que homem chato. Cheio de frescuras. Me concentro em
prestar atenção, o serviço parece fácil. Talvez eu consiga, a menos que
a comida estrague tudo.
— O telefone quase nunca toca. As pessoas que importam
ligam direto para o celular dele, mas de vez em quando uma mulher
descobre o número e tenta a sorte. O senhor Stefanos não tem uma
mulher fixa então as vezes uma ou outra descobre o telefone e se
arrisca, nunca passe a ligação para ele.
Um velho babão que gosta de trocar de mulheres toda hora.
Com tanto dinheiro não deve ser nada difícil encontrar companhia.
— Sim senhora. Quando ele vai me entrevistar?
— Não vai. Ele não tem tempo a perder com isso. Está
contratada. Não vai conhece-lo hoje por que ele não vem jantar, então
deve chegar tarde.
— Amanhã de manhã?
— Ele vai sair muito cedo, tem um café marcado, coisa do
trabalho dele, então você mesma se apresenta a noite.
— Eu? Sem a senhora aqui? E se ele me odiar?
— Seja uma boa moça e ele não vai odiá-la, eu viajo
amanhã à tarde. – Ela não tem qualquer certeza, mas isso parece uma
emergência. Então eu devo ter uma boa chance.
— Certo.
— Agora ande por aí. Se familiarize com tudo. Vou arrumar
minha mala. Boa sorte.
— Obrigada. – Fico de pé e deixo a sala de empregados,
minha sala já que vou ser a única empregada.
Nada de fotos pela casa, nada que conte um pouco sobre ele,
não entro no quarto e nem no escritório, a mulher fez tantas
recomendações que é melhor não me arriscar.
Janto com ela, vez por outra ela se lembra de mais alguma
recomendação, vou para meu quarto, deito e no meio da noite acordo
com um sobressalto, fico esperando alguma reação, silêncio, acho que
dessa vez não gritei, fico grata.
Depois me sento, não quero dormir e sonhar, não quero
acordar gritando e perder o emprego antes mesmo de começar. A
senhora Kalais deixa o jantar pronto, agradeço mentalmente não ter que
cozinhar no meu primeiro dia.
Fico pensando como será esse homem, não pode ser jovem,
tem muito dinheiro para um jovem e é muito solitário também. Será
que teve filhos? Se teve foi um péssimo pai e eles o abandonaram.
Quando a senhora caminha para a porta com sua mala meu
coração acelera de medo, e se além de velho babão ele for um
psicopata, engulo em seco quando ela se despede de modo formal.
Fico sozinha de pé no meio da cozinha as duas da tarde.
Mordo o lábio pensando no que fazer até o homem chegar. Tomo
banho, visto meu short jeans, uma camiseta, deixo o cabelo solto e
coloco sobre a cama uma muda de roupa mais apresentável para vestir
quando ele estiver chegando.
Caminho para sala principal, adoro pisar no chão gelado
descalça, e no tapete peludo da sala, fico olhando a vista da cidade, é
tão silencioso que me sinto surda quando olho para todo aquele
movimento lá em baixo e não ouço nada.
Capitulo 3
Nick
 
— Boa noite, John. – Cumprimento o porteiro quando
entro no saguão.
— Boa noite. Chegou cedo, senhor Stefanos, bom descanso.
A senhora Kalais já foi.
— Eu sei, John, vim trabalhar em casa hoje. Bom trabalho.
– O elevador chega e subo olhando o celular. A porta se abre e entro na
sala ainda conferindo as dúzias de mensagens dos insistentes Stefanos.
— Quem é você e o que faz aqui? Acho que não é nada
elegante subir sem ser anunciado. – Ergo meus olhos e dou de cara
com um anjo no meio da minha sala. Tem qualquer coisa naquele
rosto e olhos que me lembra ela, é como um susto. O que é claro só
pode ser coisa da minha cabeça. A senhora Kalais disse que era jovem,
mas podia ter dito que era também linda.
Olhos azuis como os dela, cabelos loiros e longos, pequena
e delicada. Pisco encarando a garota de braços cruzados no meio da
minha sala.
— A pergunta devia ser, quem é você e o que faz na minha
casa? – Ela se espanta, abre a boca chocada.
— Sua casa? Você é o senhor Stefanos? – Afirmo para sua
total surpresa. – Mas você não é nenhum velho babão. – Ela exclama e
ergo uma sobrancelha. Essa é nova, mas Ulisses iria adorar.
— Velho depende do ponto de vista. Meus sobrinhos diriam
que sim. Sobre babão, terá que me dizer como chegou a essa
conclusão.
— Eu... eu... Achei que para ser rico assim devia ser velho.
– Ela faz um movimento amplo mostrando o apartamento.
— Isso explica o velho, e quanto ao babão? – Evito sorrir
apesar de estar achando aquele rosto confuso e assustado muito
divertido.
— Você vai me obrigar a dizer? – Afirmo para seu
desespero. Ela suspira, descruza os braços e a manga da camiseta cede
mostrando o ombro nu, como se não bastasse as pernas torneadas e
bronzeadas. – A senhora Kalais foi um tanto indiscreta, disse que troca
muito de namoradas ou coisa do gênero. Como eu achava que era um
velho...
— Concluiu que eu era um velho babão. – Ela afirma
desolada. – Qual seu nome? – Me dou conta que ainda não sei como
se chama minha nova governanta.
— Annie Keller. Você está furioso. Não é? – Ela tampa a
boca com a mão, revira os olhos. – Te chamei de você. Que começo
ruim. Essa minha boca grande, quando fico nervosa... desculpe, senhor
Stefanos.
Não gosto do modo formal vindo dela, prefiro assim em
todos os outros casos, mas quando vem dela me irrita um pouco.
— Prefiro que me chame de Nick apenas. Como todo
mundo. – Só minha família e mais duas ou três pessoas no mundo me
chamam assim, mas ela não precisa saber.
— Que bom! – Ela não esconde o alivio. – É muito jovem
para ser o senhorStefanos. Já basta essa casa de revista de decoração e
sem nenhuma.... – Annie se cala de modo abrupto.
— Continue? – Peço a ela que balança a cabeça negando.
— Deve querer jantar. Vou servir. – Ela me sorri e aquilo é
tão absurdo, o quanto me lembra ela.
— Veio de onde?
— Eu? – Ela balança a cabeça. – Claro, quem mais seria?
Los Angeles. Fome? – Ela pergunta mais uma vez e afirmo, não é ela.
Claro que não seria. Meu coração fica pulando e fico tentando dizer a
ele para parar porque simplesmente não é ela.
— Vou subir. Vinte minutos e pode servir. – Ela dá dois
passos e depois olha para si mesma. Linda, com sua pouca roupa e os
pés descalços, isso nem parece estar acontecendo. As coisas aqui não
vão ser nada fáceis.
— Aí meu Deus. Olha como eu estou? Tinha uma roupa
pronta para te esperar. Desculpe.
— Está ótimo Annie. Não se preocupe. – Subo as escadas
para longe de seus olhos.
Acho que minha gatinha seria uma garota exatamente assim
dez anos depois. Ela tinha uns onze quando nos perdemos, sorrio com
a ideia, não posso ficar me lembrando dela toda hora nos próximos
dois meses, isso não é nada bom.
Me sinto meio idiota desejando descer logo e vê-la de novo.
Quando chego a sala de jantar a mesa está posta. Ela ainda descalça e
com a mesma roupa de pé ao lado da mesa. Normalmente a senhora
Kalais já teria sumido para sempre.
— Precisa de algo? Eu me esqueci de perguntar a senhora
Kalais se tinha que ficar aqui de pé como nesses filmes de magnatas ou
se te deixo sozinho. Acho que deve ser chato ficar sozinho, mas... –
Ela se cala mais uma vez. Gosto desse jeito espontâneo e atrapalhado,
adicionado a beleza estonteante, é um perigo em forma de gente.
— Normalmente eu fico sozinho, nem vejo a cara da senhora
Kalais, mas já que está aqui, sente. – Convido e ela olha para a cadeira
e depois para mim. – Vamos. Já jantou? – Ela nega. – Ótimo. Pegue
talheres e venha jantar comigo.
— Tem certeza?
— Absoluta. Vai ficar aqui dois meses, vamos nos conhecer.
– Ela sorri. Não é nada bom fazer isso. Annie some um momento,
volta com prato e talheres. Se senta ao meu lado e se serve.
— Obrigada pelo convite. – Meneio a cabeça, até que gosto
de ter companhia.
— Agora me diga o que acha da casa, começou a falar e não
terminou. Quero saber.
— Vai me torturar até eu contar?
— Sim. Pode dizer. – Incentivo curioso.
— Sabe Nick. É assim que devo chama-lo, não é?
— Exato. – Ela é toda delicadinha.
— Sabe Nick. Está tornando o que poderia ser uma cordial
relação de trabalho, numa prematura e radical quebra de contrato.
— Vamos ter que arriscar, Annie. – Gosto de pronunciar seu
nome. Ela faz uma careta.
— Quando cheguei aqui achei esse lugar incrível, é
realmente perfeito, mas como capa de revista de decoração, ele não...
Vou dizer! – Afirmo tomando um gole de água. – Ele não tem
personalidade, não se sabe nada sobre quem mora aqui, do que gosta,
quem é. Essas coisas. – Ela suspira. – É agora que me demite?
— Não. Ainda não é dessa vez. – Sinto seu alivio e sorrio.
Ela pisca algumas vezes, me olha mais fixamente parece levar um
susto. Quase fica pálida. Balança a cabeça como se estivesse negando
algo.
— Tolice. – Diz para si mesma.
— Então veio trabalhar para um velho babão sem
personalidade? Me admira não ter fugido.
— Preciso do emprego. E agora sabemos que não é um
velho babão. – Ela sorri e depois leva o garfo a boca. Uma boca bem
bonita alias.
— Sim, agora sou só um cara sem personalidade.
— Talvez seja só um cara que não liga para detalhes, que
trabalha muito e deixou essas coisas na mão de outra pessoa.
— Foi exatamente isso. Na época não me passou pela
cabeça me envolver em nada. Eu estava deixando a universidade e só
queria ser rápido.
— Viu? Além disso tem essa vista perfeita, o resto não
importa.
— Foi por isso que escolhi o lugar, a vista e o silêncio. –
Ela olha para a vista, continuamos a comer.
— O silencio me faz sentir surda, olho para todo esse
movimento e não escuto nada.
— Faz sentido. A comida está ótima.
— Não mereço os créditos. A senhora Kalais deixou pronto
antes de partir.
— Ela sempre acerta. – Falamos um pouco sobre minha
governanta e a vista enquanto vamos comendo. Descanso os talheres,
eu bem queria achar um motivo para apenas continuar ali, acontece que
sei que não é boa ideia. Então me ponho de pé. – Bom Annie, eu
tenho muito trabalho pela frente. Boa noite.
— Boa noite. – Ela diz me olhando ainda sentada. Então
sigo para o escritório e abro meu computador. Começo com as
planilhas de Londres, ainda tenho muito trabalho.
Ignoro as mensagens de toda a família por quase uma hora.
Depois quando finalmente chega a de Leon eu sou obrigado a
responder. Respondo mentindo que estou num bar com amigos, é
noite e é onde eu deveria estar com meus quase vinte e sete anos.
Acho que não vão acreditar, mas Ulisses está lá e vai dizer a
eles que não sou nenhum monge. Saímos muitas vezes juntos. Então
volto a me concentrar no trabalho, agora as três senhoras Stefanos não
vão mais tentar contato com medo de estragar meu possível encontro
com a quarta futura senhora Stefanos.
Volto ao trabalho, de vez em quando penso em ir à cozinha
buscar um copo de água, mas sei que isso é apenas desculpa para ver a
garota que dorme a alguns metros de mim.
Ela é divertida e foi um bom jantar. Não é assim ruim
chegar em casa e ter alguém para trocar umas palavras amistosas.
Volto ao trabalho, o relógio marca onze e quinze da noite.
Mais pelo menos uma hora disso. Amanhã tenho que entregar essas
contas para Simon fechar e ainda preciso estudar o caso dos Wilsons,
eles têm que conseguir manter a casa. Se tivessem procurado a
associação antes. Agora perderam todos os prazos.
— Oi. – Ergo o olhar e Annie surge na porta com uma
bandeja. – Desculpe se atrapalho, é que já está tarde e ainda está aí.
Então eu fiz um sanduiche e um suco.
— Entre. É uma ótima ideia. Jantei cedo e estou com sono.
— A senhora Kalais disse para nunca vir aqui, mas resolvi
arriscar.
— Odeio esse cara para quem a senhora Kalais trabalha. Não
tinha ideia que ela me via assim. – Conto enquanto afasto algumas
coisas e ela deposita a bandeja.
— Ele é meio chato mesmo. – Annie sorri. – Esse
sanduiche de tudo que tem na geladeira é minha especialidade. Espero
que goste.
— O nome é ótimo.
— É, mas no seu caso não é verdade. Tem muita coisa
nessa geladeira, não coube tudo.
— Comeu?
— Não. Tomei o suco, está ótimo. – Ela caminha até a
vidraça enquanto mordo o sanduiche. Encara a noite clara e viva de
Nova York.
— Está muito bom. – Aviso depois de dar a primeira
mordida, tem de tudo ali, mas misturado tem um gosto ótimo. –
Depois disso consigo terminar meu trabalho.
— Onde estudou? – Ela me pergunta. Sinto sua curiosidade
aflorada.
— Harvard, direito.
— Inteligente. ― Ela parece quase decepcionada.
— E você? Fez faculdade?
— Não. Acho melhor deixar você trabalhar. Boa noite. Se
precisar é só me chamar.
E ainda não calçou sapatos, eu penso quando a assisto
deixar a sala. É estranho como me sinto bem perto dela. Termino o
sanduiche, tomo o suco enquanto leio o processo. Quando meu
trabalho chega ao fim, passa das duas da manhã.
Subo as escadas sem nenhuma vontade de dormir. Me deito
e claro ganho de presente uma crise de insônia. Annie me traz
lembranças demais.
Me lembro da porta da disciplina ser aberta e a garotinha
atirada lá. Me fingi de forte por que tinha doze anos e não queria que
me visse chorar.
— Fiquei preocupada, a culpa foi minha. Te trouxe pão e
água.
— Obrigado. Seus olhos parecem de gato.
— Eu sei, meu pai dizia. Vamos ficar aqui até morrer?
— Não gatinha. Uma hora eles abrem.
— Você me salvou daquela bruxa, é como um príncipe.
— Quando fizer algo muito grave eles te atiram aqui na
disciplina um tempo, depois abrem, vou tentar vir se te mandarem,
mas se não der não fica com medo.
— Ai. O que é isso? Passou algo no meu pé. É muito
escuro.
— Senta aqui do meu lado, são ratos, não vão te morder.
— Tenho medo.
— Medo? É uma gatinha. Gatos devoram ratos, eles é que
tem medo de você.
— Voute chamar de príncipe.
— Como fez para te mandarem aqui?
— Estava olhando que não saía nunca. Eu escondi esse
pedaço de pão e a água e cuspi no segurança, ele me deu um tapa, me
arrastou para cá.
— Obrigado, mas fica longe deles, fica longe dos meninos
maiores, as coisas...
As memórias me incomodam. Fico de pé. Quase cinco da
manhã.
Desço em busca de água gelada e quando bebia o primeiro
gole escuto Annie gritar. Sigo até seu quarto, bato na porta, ela grita
mais uma vez e apenas entro.
A garota se senta pálida, me olha assustada.
— Desculpe. Acordei você? – Está pálida e de olhos
arregalados.
— Não. Estava na cozinha. Pesadelo?
— É. – Ela me conta um pouco envergonhada.
— Deve estar estranhando o ambiente novo. Volte a dormir,
não tenha medo, é seguro aqui. Boa noite.
Ela afirma e deixo o quarto fechando a porta. Volto para
cama, talvez seja boa ideia ir encontrar meus irmãos. Perto deles as
lembranças sempre diminuem um pouco.
— Sabe que não vai idiota. Por que fica se enganando?
Acabo conseguindo dormir umas horas, depois quando entro
na academia estou decidido a correr o mais rápido que puder para não
pensar em nada. É inútil, acabo pensando um pouco na garota que
tenho lá em baixo. Depois de cinquenta minutos de corrida aproveito
para nadar, mais do que em qualquer outro dia na vida, quando desço
para o café estou com dor no ombro e nas pernas.
A mesa está posta. Não é como a senhora Kalais organiza as
coisas, mas está ótimo. Mesmo assim não quero sentar. Encaro a porta
que leva a cozinha. Por que tenho que comer sozinho se podia
encontrar Annie e quem sabe rir um pouco?
Além disso, ela teve um pesadelo e realmente não seria nada
educado sair sem saber se ela está bem. Sirvo uma xicara de café e vou
bebendo para a cozinha. Observo enquanto ela parece distraída
arrumando coisas em um armário.
Usa roupas de ginastica e tem os cabelos presos num rabo
que balança quando ela se movimenta de costas para mim.
— Bom dia. – Digo quando percebo que não me viu, ela dá
um pulo, meia dúzia de coisas caem do armário e então ela se vira. –
Desculpe. – Peço rindo.
— Acho que a senhora Kalais era uma terrorista infiltrada,
ela disse que você nunca entra na cozinha.
— É verdade, mas ela assustava um pouco. – Annie sorri. –
Vai malhar?
— Deus me livre. Fui correr no Central Park, faço isso
todas as manhãs, acordo bem cedinho e corro ao ar livre pelo menos
uma hora.
— Pode usar a academia se quiser.
— Prefiro o Central Park. – Ela responde guardando as
coisas que derrubou.
— Já tomou café? – Eu estou me sentindo bem idiota
correndo atrás de companhia. Não sou assim.
— Não. – Ela para o que está fazendo e me olha.
— Então vem. Depois termina. – Annie olha para a própria
roupa mais uma vez. – Você se veste como quiser, está bem? Só tem
nós dois aqui.
— Ótimo. – Voltamos para a sala de jantar. Ela se senta ao
meu lado como na noite anterior. – Gosta de café?
— Não começo meu dia sem uma dose de cafeína.
— Também não. Tem uma cafeteria bem boa quando volto
da minha corrida, vou começar a trazer café.
— Tem dinheiro?
— Sim. Não, quer dizer, tem dinheiro numa gaveta da
cozinha, mil dólares, dá para tomarmos café até enjoar.
— Se precisar de mais...
— Ligo para um senhor Simon e ele me dá mais. Ela me
disse. – Annie explica risonha.
— Senhor Simon. – Acabo rindo. – Ele vai gostar de ouvir
isso. Não precisa ligar para ele, é só falar comigo, qualquer coisa que
precisar. A senhora Kalais era formal demais.
Como uma fatia de queijo e tomo meio copo de suco,
depois fico de pé.
— Já ia me esquecendo. Conseguiu voltar a dormir?
— Desculpe, mais uma vez. Não queria incomodar. Eu... só
me desculpe.
— Está tudo bem. – Sorrio. Sei exatamente como é ter um
pesadelo. Talvez melhor que ela, mas aprendi a bloquear ou tinha
aprendido. Até ela chegar.
— Obrigada Nick. – O tom é mesmo de gratidão, como se
entender que teve um pesadelo fosse algum grande feito.
— Tenho um dia cheio. Até a noite.
— Bom trabalho.
Aceno e deixo o apartamento. No elevador fico pensando
como ela vai passar o dia sozinha. Dirijo para a associação, lá o
trabalho é dinâmico demais para pensar em qualquer coisa.
Depois quando dirijo para o escritório passo pelo central
Park, não sei se gosto de pensar nela correndo sozinha muito cedo,
aqui é Nova York, pode ser bonitinho nos filmes, mas é bem perigoso.
— Bom dia, senhor. – Ellen me cumprimenta. – Seu irmão
ligou, ele já olhou seus e-mails e respondeu. Mandou avisar que
Sophia está ótima.
— E o que mais? – Pergunto enquanto caminhamos juntos
pelo corredor.
— É o Ulisses, o senhor não quer saber o resto.
— Ok Ellen. Obrigado.
Quando me sento em meu lugar, Simon entra cantarolando.
— Que bom humor!
— Encontrei uma vizinha sua no bar. Sarah. Conversei com
ela meia hora.
— Sei quem é. Ficaram juntos? – Pelo ar feliz ele teve uma
boa noite.
— Não. Mas você podia me convidar para jantar um dia
desses. Quem sabe nos encontramos de novo?
— Não. Liga para ela.
— Ela não me deu o telefone. Convida ela para jantar
também?
— Não. O que temos essa tarde? – Mudo de assunto.
Troquei meia dúzia de “ Bom Dia” com a mulher, não posso convida-
la para jantar.
— Você não vai me ajudar, já entendi.
— Se ela quisesse te ver te daria o telefone dela.
— Só por que todas as garotas do mundo te dão o telefone
não quer dizer que aconteça com todo cara. – Simon se senta e abre a
pasta, depois me olha um momento. – Se eu tivesse a sua cara, o seu
sobrenome e a sua conta bancária...
— Você seria eu e não acharia nada divertido.
— Isso com certeza, então eu queria ser o Ulisses, antes de
casar é claro.
— A gente pode trabalhar um pouco, claro se isso não for
atrapalhar os seus devaneios.
— Por que somos amigos mesmo?
— Por que fomos forçados a dividir um quarto uns anos
atrás da faculdade.
— Ah! Agora me lembro. Você é o cara que passava toda
sexta à noite estudando.
— E você é o cara que chegava bêbado de madrugada e
cantando.
— Bons tempos. E mesmo assim, você sempre ficava com
as garotas mais bonitas.
— Eu refiz uns contratos que estavam bem mal feitos, coisa
que veio da Turquia. O Ziar precisa rever aquele departamento.
— Sabia que reclamaria, até eu achei péssimo e nem sou tão
exigente.
— É sim, ou não estaria aqui. – Simon é muito bom no
que faz.
— Um drink no fim do dia?
— Não. Tenho que ir cedo para casa.
— Tem? – Simon pergunta.
— Tenho? Não disse tenho, disse quero, para terminar umas
coisas da associação.
— Como vai a nova senhora Kalais?
— Deve estar bem. Não sei. – Por que estou mentindo para
o Simon feito um garoto fazendo travessuras? - Chega de papo, vamos
trabalhar.
Capitulo 4
Annie
 
Eu pensando que era um velho babão, do tipo que aperta
garotas por debaixo da mesa e o homem é simplesmente lindo. Isso é
até desrespeito, ninguém devia ser bonito assim impunimente, mas
isso nem é o mais estranho.
Olho para ele e só penso em meu príncipe. Quando sorriu
quase desmaiei de emoção. Parecia que ele estava ali e claro que isso é
a coisa mais estúpida do mundo. Meu príncipe rico e poderoso? Como
isso seria possível?
Ele achava que era grego por que todo mundo chamava ele
assim, então talvez seja por isso, eles são do mesmo lugar e por isso
se parecem. Só etnia. Quem sabe nem se parecem? São as memórias
destorcidas de uma garotinha de onze anos cheia de medo.
Me perdi dele para sempre, ele foi embora, talvez, se estiver
vivo, se estiver livre e não preso como quase todo mundo que saiu de
lá, ele possa ter ido buscar suas raízes na Grécia. É melhor pensar nele
bem e longe do que imagina-lo preso, drogado ou morto.
Termino a cozinha. Nick é tão diferente do que pensei. Tão
legal, mas se ficar o tempo todo pensando no passado eu não vou
conseguir aguentar. Foi o pior pesadelo que tive na vida.
A lembrança me faz estremecer e derrubo uma panela. O
barulho ecoa pelo apartamento e me faz tremer de susto.
Guardo a panela e subo para seu quarto. Abro a porta e está
tudo quase igual. Até a cama está forrada. Acho bonitinho. Ele tem
jeito de bom menino. A mãe deveter ensinado a forrar a cama. Ou a
babá. Deve ter tido muitas. Crianças ricas sempre tem.
Entro no closet que é quase do tamanho da casa de Tracy.
As roupas usadas estão sobre uma cadeira. Quando descer eu as levo.
O banheiro é tipo coisa de cinema. Ele é mesmo um magnata grego. A
banheira é enorme e alguém podia se afogar ali.
Arrumo uma bagunça ou outra. Coloco as roupas num cesto
e pretendia descer quando encontro uma parte literalmente mágica de
seu closet.
O chapéu seletor. Uma varinha. O vira-tempo.
— Três voltas devem ser suficientes. – Digo quando o giro.
Coloco no lugar, tem mais. Cachecol da “ Grifinória”, taça “ tribruxo”.
Xadrez bruxo. – Caramba! Que lugar legal. Será que ele brinca com
todas essas coisas? Eu bem que brincaria. – Fico com a varinha na
mão, olho para a porta do banheiro. – “ Alohomora”! – Nada, um dia
ainda vai funcionar.
Deixo tudo no lugar e saio antes que fique ali até anoitecer.
Aposto que ele tem todos os livros, será que se importa de me
emprestar? Faz um ano que não leio e preciso ler tudo de novo. Todo
ano tenho que ler todos os livros. É assim que a vida funciona.
A casa fica arrumada em uma hora, o que é irritante porque
não tenho ideia do que fazer com o resto do dia. Olho a vista, ando de
um lado para outro sem tocar em nada.
Depois vou para cozinha folhear livros de receita. Escolho o
cardápio, leio dez vezes a receita. Se a comida ficar muito ruim e ele
me mandar embora será muito triste.
Como um sanduiche na hora do almoço. Depois tomo
banho. Gosto do ar condicionado da casa, é quentinho e não gelado
como todo mundo que tem ar condicionado deixa.
Coloco um short jeans e uma camiseta. Prendo os cabelos
para cozinhar. Desfaço minha mala. Não devia fazer isso tão rápido. Ele
pode me mandar embora a qualquer momento, é sempre assim.
As garotas com quem dividia o apartamento não tiveram a
menor pena. Toda noite uma crise de pânico, um pesadelo ou eu
perambulando pela casa. Logico que depois de um tempo elas acharam
que eu devia estar possuída.
Ligo a tevê, vasculho pelos canais e acabo deixando em um
desenho, no fim da tarde vou para cozinha.
— Vamos lá garota. Você consegue.
Nem vejo o tempo passar, logo o frango está no forno, os
legumes do jeito que a receita mostrava na frigideira. Confiro os
temperos. Tudo parece estar bem confuso no momento. Duas panelas
ligadas ao mesmo tempo e mais o forno é muito para mim.
— Oi. – Meu coração quase salta de susto, dou um pulo e
me viro. Lá está ele com aquele olhar divertido depois de quase me
matar do coração. – Desculpe. – Ele deve me achar uma idiota, não
entende por que me assusto assim, nem vai saber nunca, mas sempre
acho que tem algo ruim vindo, alguém chegando para me machucar e
isso nunca acaba.
— Já chegou? O jantar nem está pronto.
— Desculpe. Se quiser posso sair e voltar mais tarde. – Ele
diz num tom tranquilo.
— Eu sou bem idiota, não é? – Ele continua parado ali me
olhando e meu coração bate descompassado e não sei bem o que isso
significa, mas me dá medo. A panela. – Ai meu Deus! Está
queimando.
— Estou te atrapalhando.
— Olha eu não preciso de ajuda para me atrapalhar na hora
de cozinhar. – Aviso desligando e torcendo para não estar muito ruim.
Que ideia estúpida confessar que não tenho a menor ideia do que estou
fazendo. – É agora que me demite?
— Não. Ainda não é agora. Vou trabalhar um pouco
enquanto termina. Coloque mesa para dois.
— Vai receber visita? – Isso não é da sua conta. Eu não paro
nunca?
— Não. É para você. – Ele diz sumindo e fico ali olhando
para a porta.
Bem feito, ele vai me obrigar a comer minha comida. Faço
careta só de pensar. Termino os legumes. Arrumo como na foto do
livro. Não parece ruim quando arrumadinho. Desligo o forno e coloco
a mesa. Quando volto para sala de jantar com o frango ele me espera.
— Era para parecer com aqueles perus de ação de graças.
Não está feio, assim muito feio. – Me defendo de futuras críticas.
— Já comi coisa pior. Não se preocupe.
— Não sabe. Ainda não comeu.
Eu me sento, Nick faz o mesmo. Fico esperando ele comer.
— Não vai comer? – Me pergunta educado.
— Eu cozinhei isso, quer dizer, pode ser que não seja lá
muito bom, então estou esperando você.
— Muito esperta. – Ele come um pedaço do frango. – Vá
em frente. É suportável.
— Então não é agora que me demite?
— Definitivamente não é agora. Não sou nenhum gourmet,
se fosse, teria contratado um chef de cozinha para trabalhar aqui.
— Por que é um magnata grego. – Ele ri com o comentário.
– A senhora kalais cozinha bem. Foi o que pareceu.
— Nem perto de como minhas três cunhadas cozinham, ou
Mira que trabalha para meu irmão Leon.
— Achava que era sozinho, mas tem uma família grande.
— Sim. Três irmãos. Ulisses que é casado com Sophia, não
tem filho e mora aqui perto e trabalha comigo. Leon, que mora na
Grécia com a esposa Lissa e os filhos gêmeos, Luka e Alana.
— Que fofura! Gêmeos. – Deve ser muito assustador ter dois
filhos de uma vez. Me dá medo só de pensar.
— Sim. Gêmeos. E o Heitor, ele mora em Londres, com a
esposa Liv, e os três filhos, quatro se contar o cachorro que ele trata
como filho. Lizzie, Harry, Emma, e o cachorro Dobby.
— Família grande. Então todo mundo é fã de Harry Potter?
— Como...
— Harry e Dobby, Emma, além disso eu vi seu armário
secreto, não estava vasculhando, mas não resisti.
— Somos apenas eu e Lizzie. Lizzie é a mais velha,
escolheu os nomes dos irmãos, queria que Emma se chamasse
Hermione, eu a convenci a colocar Emma como a atriz. Você gosta?
— Está brincando? Quem não gosta? Você brinca com
aquelas coisas?
— Claro que não, são apenas... Relíquias. ─ Ele responde
quase ofendido.
— Tentei “ alohomora” na porta do seu banheiro, não
aconteceu. Ainda.
— Esperou sua carta? – Ele me pergunta e remexo a
comida, estava ocupada demais tentando sobreviver.
— Não. Quer dizer que você é o único solteiro? ― Mudo
de assunto apressada.
— Sou e vou continuar sendo. Casar não está nos meus
planos, isso é definitivo.
— Também não vou casar. – Conto a ele depois de empurrar
um pedaço de frango com gosto de nada goela abaixo. Seu olhar parece
incrédulo. – O que? Aposto que pensa que todas as garotas do mundo
querem casar.
— E não querem?
— Não sei. Não conheço todas as garotas do mundo, mas
eu não vou casar. – Isso nem é questão de querer, é um fato, mas não
vou entrar em detalhes com ele.
— Então é isso, não vamos casar.
— Nem vou ter filhos. As pessoas ficam tendo um monte de
filhos e não pensam como crianças são sensíveis e frágeis, depois
acontece coisas ruins com elas e cadê que alguém se importa? – Paro
de falar quando noto seu olhar surpreso, com uma família cheia de
crianças ele deve estar horrorizado comigo, engulo em seco. – Claro
que eu não tenho nada contra quem faz essa escolha, como por
exemplo sua família grande. ─ Tento consertar.
— E nem chegamos nos recursos naturais. – Ele diz
concordando comigo e agora eu fico surpresa.
— Você também pensa nisso? Por que eu penso muito.
Água, petróleo, nada disso é renovável, mas ninguém liga.
— Estou sempre dizendo aos meus irmãos, mas ninguém
me ouve. Felizmente o Ulisses e a Sophia não querem povoar o
mundo, não pensam em filhos, querem se aventurar pelo mundo.
— Então alguém te ouviu. – Ele nega.
— Não. Isso é por que aqueles dois vivem enfiados em
aventuras. Sophi quebrou o braço escalando montanhas no Himalaia.
— Que coisa! Queria ser corajosa assim, não sou, tenho
medo de tudo.
— Não é meu negócio também. Fico com livros e filmes. E
sua família como é?
Ele me pergunta e claro que não vou contar, dizer que meu
pai era um trapaceiro que morreu na prisão é pedir a demissão.
— Sou apenas eu, meus pais morreram e não tenho
parentes. – Evito seu olhar, descanso os talheres. Deu para engolir. –
Não tem porta-retratos dessa sua família grande, por isso achei que era
sozinho.
— Verdade. – Ele diz olhando em volta como se procurasse
por um. – Nunca pensei nisso, Sophia, minha cunhada é fotografa, ela
me deu um álbum, fez um para cada no natal, está no quarto. Tem
fotosde todos.
— Que trabalho legal.
— Ela escreve para uma revista, tem uma coluna. Liv é
praticamente uma executiva na empresa, fala muitas línguas e quando
não está tendo bebês ela trabalha conosco. Lissa é pintora. Seus
quadros valem uma fortuna, mas ela diz que é apenas passa tempo, ela
gosta mesmo é de cuidar da família. Todas dizem isso.
— Elas podem. E você é o magnata grego.
— Sou advogado, trabalho na empresa e também faço um
trabalho voluntário numa ong no Harlem.
— Queria muito fazer algo assim.
— É só fazer, Annie, tem sempre alguém precisando.
— Eu não sei fazer nada, não sou advogada, médica, o que
poderia fazer? – Isso as vezes me faz sentir vergonha. Ele se encosta
mais na cadeira, acabou de comer faz tempo, mas continua ali
conversando comigo.
— Lá na associação precisamos de todo tipo de ajuda. Gente
para ajudar crianças com os deveres escolares, coisa básica, temos uma
biblioteca, precisamos de gente para fazer companhia a alguns idosos,
ler para eles, conversar. Servimos refeições também. Aposto que todo
mundo gostaria de experimentar esse seu frango com gosto de nada.
Sorrio, eu posso fazer isso, boa parte do dia que passo aqui
é andando de um lado para outro, consigo me organizar e ajudar.
— É só chegar e dizer que quero ajudar? – Ele afirma. –
Pode me dar o endereço?
— Posso. Semana que vem eu vou estar lá, pode ir comigo
conhecer se quiser.
— Semana que vem está longe, pensei em ir amanhã. Juro
que não deixo nada aqui desorganizar, é que... – Olho para ele um
momento. Decido ser honesta. – É que honestamente você não precisa
que uma pessoa fique aqui o dia todo, paga uma fortuna por duas ou
três horas de trabalho bem leve.
— Querendo perder o seu emprego e o da senhora Kalais? –
Nick diz de modo tranquilo, acho que no fundo ele sabe.
— Não. Coitada, a mulher me mata quando voltar. Mas
acontece que passei o dia perambulando pela casa e já que disse que
posso ser útil eu quero tentar.
— Deixo o endereço para você pela manhã. Divirta-se, acho
que vai gostar e quanto a casa, eu sei que a senhora Kalais não faz
muito, nem eu gostaria que fizesse, ela já é uma senhora.
— Obrigada.
— Vou trabalhar um pouco. – Finalmente ele fica de pé,
passamos um bom tempo conversando, eu queria que fosse mais.
Recolho a louça, lavo, deixo a cozinha impecável, levo
menos de uma hora. Não tem nada para fazer e a ideia de dormir me
assusta. Sei que vou ter pesadelos e incomodar Nick mais uma vez.
Me sento na minha salinha e ligo a televisão. Vasculho os
canais um tempo, assisto um filme pela metade e quando termina não
entendo nada. Encaro o relógio. Quase onze. Será que ele quer um
sanduiche? Talvez já tenha ido dormir.
Pego meu livro, comecei a ler faz duas semanas e está
absolutamente chato. Mesmo assim me forço a ler. Quando ergo o
olhar são quase meia noite e então decido que ele pode sim estar com
fome. Vou até a sala e vejo a porta do escritório aberta e a luz acesa.
Faço um sanduiche. Um suco natural e levo para ele. Nick
ergue o olhar quando me vê.
— Ainda acordada? – Afirmo quando ele afasta as coisas
para receber a bandeja. – Sabe que não precisa fazer isso? Já passou
muito do seu horário de trabalho.
— Eu sei. – Fico um pouco chateada, é só uma gentileza,
não vou cobrar por isso. – Desculpe ter vindo, é que não durmo cedo e
não estava fazendo nada.
— Ficou chateada? – Eu nunca escondo muito bem meus
sentimentos.
— Um pouco. Foi apenas uma gentileza. Não estava
pensando nisso como trabalho.
— Obrigado Annie. Desculpe se me expressei mal, gostei
da gentileza. Apenas não estou acostumado, sempre fico sozinho e
quando... Obrigado. – Nick desiste de explicar.
— Melhor eu ir. Boa noite.
— Gosta de chocolate? – Ele me pergunta quando deixava o
escritório.
— Acho que sim. Como todo mundo. – Me volto para
olhar para ele.
— Então não gosta como eu. Isso é ótimo. – Acho aquilo
estranho. – Pode guardar isso, num lugar difícil?
— Quer que esconda de você? – Sorrio quando vejo uma
caixa elegante de bombons finos.
— Sim. A senhora Kalais fazia isso sem eu precisar pedir,
acho que esqueceu de te dizer. Eu vou comer tudo se ficar aqui.
Quando aquele potinho ficar vazio você repõe. – Vejo um pequeno pote
de cristal com quatro bombons.
— Tudo bem. Cuido disso.
— Obrigado. – Ele sorri mais uma vez, gosto do sorriso
dele, do jeito como os olhos parecem sorrir junto.
Guardo os bombons num armário de panelas na cozinha, me
sinto meio ridícula em esconder os chocolates dele, mas sei que tem
gente viciada nisso.
Vou para cama. Me encolho nas cobertas. Repito meia dúzia
de vezes que não vou ter pesadelos para ver se meu cérebro registra.
Estou sozinha na disciplina, me esqueceram aqui, sinto cede
e calor, falta ar e cheira a mofo. Tento bater na porta, mas estou fraca,
vou morrer sozinha aqui. Junto forças para gritar por socorro, alguém
vai ouvir e me salvar. Grito com todas as minhas forças, uma vez, duas
vezes, não quero morrer aqui, sozinha e esquecida, grito e tento bater
na porta mais uma vez e então uma mão se fecha em meu pulso e abro
os olhos num sobressalto.
Nick está de pé, ele segura ainda meu braço e me sento
pálida de vergonha do vexame.
— Desculpe. – Ele solta meu braço. Se afasta um pouco.
— Outro pesadelo? – Afirmo, passo a mão pelos cabelos,
que vergonha, olho para o relógio ao lado da cama, uma e meia da
manhã.
— Sinto muito. Por favor me desculpe. Eu não devia ter
dormido.
— Não dormir não parece ser o jeito mais saudável de evitar
pesadelos. – Ele diz tranquilo. É o único jeito que conheço.
— Acordar o patrão toda noite também não é muito
saudável.
— Estava acordado, eu estava... Onde guardou o chocolate?
– Acabo sorrindo, afasto a coberta e me levanto. Estou com uma
camiseta longa que parece um vestido, no meu quarto, de noite,
sozinha com ele e não estou com medo, isso é estranho, o modo como
ele me deixa segura.
— Eu pego. – Tive tanto trabalho para esconder, se
soubesse deixaria sobre a mesa. Ele me segue para cozinha, abro o
armário e pego a caixa.
— É que acabei distraído e comi todos então... Quer?
— Não. Já escovei os dentes, vou ficar com preguiça de
escovar de novo.
— Certo. Fico com a caixa. Boa noite.
Ele some e fico me sentindo meio que numa outra
dimensão, o que foi isso?
Me encolho no sofá da salinha e ligo a tevê, definitivamente
vou tentar não dormir e pronto. Acabo pegando no sono no sofá,
acordo com dor no corpo as seis da manhã. Tomo uma ducha rápida e
me visto para minha corrida. Deixo o apartamento pelo elevador de
serviço e assim que passo pela portaria começo a correr.
Nova York não dorme, seis da manhã, seis da tarde, tem
sempre gente indo e vindo. Tento limpar minha mente, não quero
pensar no meu príncipe, não quero pensar no passado, não quero
pensar em Nick.
Ele é meu patrão, nada além disso, em dois meses vou estar
fora de suas vistas para sempre, não é meu emprego, não é minha casa,
não somos e nem vamos ser nada um para o outro e preciso ter
consciência disso antes que me apaixone.
Paro de correr no mesmo instante. Paraliso de pé no meio
do parque. O que é isso? Me apaixonar? Pensei mesmo sobre isso?
Claro que não, nunca. De jeito nenhum, eu não posso me apaixonar.
Não devo. Não quero. Não consigo evitar.
Volto a correr, era para limpar a mente como sempre foi e
não para ficar toda confusa. Quando volto para casa ainda correndo só
penso em como me sinto confusa e envolvida. Nunca aconteceu antes.
Também nunca me deixei ficar perto de ninguém, eu não dou espaço,
não fico a vontade com nenhum homem para isso.
Com ele eu fico, me sinto bem, sem medo, como se perto
dele coisas ruins não acontecessem.
— Tolice! – Digo em voz alta para tentar acreditar. Começo
a andar quando me aproximo do edifício e quando subia os degraus da
portaria uma jovem surge também entrando, carregava um Yorkshire
nos braços e é a coisinha mais doce do mundo.
— Bom dia. – A moça diz educada.
— Como é lindo! – Acaricio a cabecinha dele enquanto
vamos entrando. – Como se chama?
— Bob! – Ela sorri, como todo mundo que tem cachorrosfaz quando fico assim encantada. Amo muito cachorros.
— Oi Bob! Você é lindo. – Ergo meu olhar e sorrimos uma
para outra. – Bom dia, sou Annie.
— Sarah. Moro no nono andar.
— Oi Sarah, trabalho para o senhor Stefanos, substituindo a
governanta.
— Boa substituição. – Ela sorri. Seu elevador chega. –
Vamos?
— Ah não eu vou pelo de serviço.
Sarah me puxa para dentro e a porta se fecha, ri do meu
susto.
— Que bobagem. Não liga para aquele Ted. O Homem é
um idiota.
— Ah eu sei disso, pode apostar. – Bob se abana todo para
mim. Pego ele dos braços de Sarah. – Que lindo. Bob adorei você.
— Então está convidada para vir me visitar. Quem sabe um
chá? Bob vai adorar. Não é filho?
— Claro. Quando quiser. – A porta do elevador se abre.
Devolvo Bob.
— Eu ligo, pelo interfone, não tenho o telefone do Senhor
Stefanos, ele é bem recluso, fala pouco.
Ela segura a porta, sorrio sem querer discordar, acho ele
bem-falante, mas não conheço ele o bastante para ter certeza.
— Tchau. A gente se vê. – Ela solta a porta que se fecha.
Entro pela cozinha. Coloco a mesa do café depois de lavar as mãos.
Me esqueci que pretendia trazer café. Uso a cafeteira e faço um bom e
forte café, isso eu faço bem.
Quando coloco o café na mesa Nick se aproxima, mas claro
que o perfume chega antes. Que droga de homem todo perfeito!
— Bom dia. Conseguiu voltar a dormir?
— Sim. Obrigada. – Meus olhos encontram os dele. Sinto
vontade de perguntar se por um acaso ele não foi criado num abrigo
para crianças abandonadas. Ele vai rir de mim, é claro. Já me contou
sobre a família. Um cara com um monte de irmãos mais velhos não
acabaria num abrigo.
De novo meu coração dispara, pisco tentando não pensar em
como ele me faz sentir.
— O endereço. – Ele me estende um papel e volto a
realidade.
— Obrigada. – Sorrio pensando na possibilidade de ajudar.
Nunca ninguém fez isso por mim, se tivesse tido uma única chance.
Não tive, agora posso mudar a história de alguém e fico um pouco
emocionada. – Eu vou.
— Tudo bem. É que as pessoas lá, elas são bem carentes, se
for algo passageiro, quer dizer, se for começar e depois perder o
interesse, talvez seja melhor pensar antes.
— Entendi. Obrigada. – Ele vai ver, não preciso ficar
dizendo a ele. – Seu café.
Mas Nick não se move, fica de pé, me olhando de um modo
estranho, parece pensar e não sei bem o que passa por sua cabeça.
— Não... não posso ficar. Tenho... Estou atrasado, desculpe
ter te dado trabalho.
— Sem problemas. – Tento sorrir, o sorriso se desfaz, sinto
uma energia confusa correr por meu corpo, ele está perto e me olha
tanto e é bonito e gentil.
— Vou chegar bem tarde. Não se preocupe com o jantar. –
Nick me dá as costas e some em direção ao elevador.
Noite de sexta-feira, ele é rico, bonito e solteiro, claro que
não vem jantar. Vai sair com alguma mulher linda e ter uma noite
incrível. Uma mulher bem elegante e alta.
Guardo tudo, arrumo a casa correndo e depois sigo para a
associação. Vou de metrô, vinte minutos e estou na frente da
associação, é um prédio bem cuidado, uma senhora me recebe com um
sorriso largo.
— Bom dia. Meu nome é Annie, eu vim me oferecer para
ajudar. Tenho muitas horas livres todos os dias.
— Bom dia, Annie. Bem-vinda. Como soube de nós?
— Ni... O Senhor Stefanos trabalha aqui.
— Ah! Sim. Isso não existiria mais sem ele. Se ele te
indicou é muito bem-vinda. Sou Naomi, cuido das escalas.
Ela me mostra tudo, no local tem salas para crianças
estudarem, com gente que ajuda com os deveres e reforço escolar.
Dentista, médico, advogados, são três deles, Nick e mais dois. Então
chegamos a um jardim e vejo cinco idosos, uma delas numa cadeira de
rodas.
— Eles vivem aqui. Não era para ter ninguém interno, mas
essas pessoas viveram a vida toda no bairro e acabaram abandonadas.
Reformamos um lado da associação e durante o dia eles tomam sol,
conversam, não é um trabalho muito desejado, as pessoas preferem as
crianças, de noite ficam dois enfermeiros cuidando deles.
— Posso escolher?
— Prefere as crianças. – Ela diz tentando sair e continuo
parada ali.
— Não. Eu posso ficar com eles. Ler, fazer companhia.
Ajudar no que for preciso, vou gostar muito.
— Certo Annie. Podemos tentar. Quando pode começar?
— Agora. Posso vir todos os dias. Menos nos fins de
semana. Eu não sei bem como vai funcionar minha vida nos fins de
semana ainda.
— Então, mais uma vez. Bem-vinda e bom trabalho. Vá
conhece-los.
Sorrio, me sinto bem importante fazendo isso, da até
vontade de chorar quando encaro aqueles olhos tristes e meio perdidos.
Me sento ao lado de uma senhora. Mil coisas passam por minha
cabeça. Podia ser eu. Talvez um dia seja, eu não tenho ninguém e se
envelhecer talvez eu termine a vida contando com a bondade de
estranhos.
Capítulo 5
Nick
 
Não posso e não quero ficar assim todo envolvido, que coisa
mais sem noção, não sou como os outros. É só me comportar como o
velho Nick de sempre e tudo fica bem. Simples assim.
— Bom dia. – Simon invade minha sala e desvio os olhos
da tela do computador. – Agenda pronta. Quer dar uma olhada?
— Pode ser. – Me arrumo na cadeira e ele me mostra a tela
do tablet. – Viaja na próxima semana. Domingo que vem tem o jogo
dos Jets, sei que não vai perder de jeito nenhum. Por isso marquei sua
partida para depois.
— Nunca. É claro que vamos.
— Certo. Essa semana trabalhamos na papelada que vai
levar, domingo vai ao jogo, segunda fecha suas atividades na
associação, viaja na terça para Palermo, toma cuidado com a máfia.
— Isso é com o Ulisses. Os caras estão presos. – Nós dois
rimos. Que aventura se enfiou aquele meu irmão.
— Fica uma semana, depois direto para Turquia.
— Mais uma semana. – Resmungo olhando a planilha. –
Tudo isso de reunião?
— Fazer o que? Da Turquia vai estar mais perto e segue
para Kirus, separei a semana toda para eles como me pediu.
— Certo. Três semanas fora.
— O que significa que vamos trabalhar dobrado essa semana
para dar conta de preparar tudo.
— Ok.
— O que vai fazer esse fim de semana?
— Trabalhar, eu acho.
— Vou ver minha família. Não vou estar aqui. Pode viver
sem mim? – Simon me pergunta de modo tranquilo.
— Pode apostar. Vamos sair hoje à noite? Um bar quem
sabe?
— Finalmente! Boa ideia. Eu ia de qualquer modo. – Tem
tempo que não saio e ando precisando ficar longe daquela garota e tudo
que ela me provoca.
— Ótimo, agora tenho que trabalhar.
— Tem uma reunião depois do almoço.
O dia corre longo e não pensar em Annie é bem trabalhoso,
pego o telefone meia dúzia de vezes para ligar na associação e saber se
foi mesmo, devolvo na mesa sem ligar nenhuma vez. Não quero saber.
Não quero pensar. Não consigo evitar.
— Pronto? – Simon surge mais uma vez, ergo o olhar. –
Você ainda vai acabar doente de tanto trabalho, já desistiu?
— Não. Só me esqueci. Que horas são?
— Oito e meia. Já fui até meu apartamento e me arrumei um
pouco para competir com você.
Acabo por rir, eu nunca teria notado, está de terno como
sempre. Desligo o computador e pego minha pasta.
— Onde vamos? Veio de carro?
— Vim e não vou te dar carona, depois sai com uma mulher
e me larga lá. Quantas vezes já fez isso?
— Você parece uma garota reclamona! – Aperto o botão do
elevador. – Também já fez isso.
— Eu sei. Me segue com seu carro. Tomei a liberdade de
marcar com umas amigas.
— Boa ideia. – É isso mesmo que preciso, assim tiro ela e
o passado da cabeça.
— Boa ideia? Está doente? Nick você anda muito esquisito
essa semana.
Finjo não ouvir, com Simon é sempre um bom método.
Dirijo atrás dele pelas ruas de Nova York e chegamos a um bar
elegante, ele adora isso, se estivesse com meus irmãos nos sentaríamos
num bar simples com pouco barulho e cerveja gelada.
Simon escolhe uma mesa para ser visto, ele sempre me
diverte com esse jeito de ser. A garçonete se aproxima sorrindo.
— Queremos Uísques.
— Ele quer, para mim água. – Olho para Simon. – Veio
dirigindo, não devia beber.
— É isso moça, um uísque e uma água. – A garçonete se
afasta. – Você me envergonha as vezes. Vai ficar bebendo água?
— Quero chegar vivo em

Continue navegando