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MEDICINA DA FAMÍLIA E COMUNIDADE Professora Luciane Vasconcelos Geovana Sanches INTRODUÇÃO A medicina tradicional tem como proposta principal a avaliação do paciente do ponto de vista do adoecimento. A medicina da família e comunidade, por sua vez, visa avaliar o paciente no ponto de vista holístico, verificando, por exemplo, quais os fatores desencadeantes para determinada doença e em qual contexto social o indivíduo está envolvido. Além disso, não há foco apenas no paciente, verificando também todos os membros de sua família. São “médicos que cuidam de gente”, observando todos em sua integralidade. Não se trabalham apenas as patologias, mas sim a abordagem ao paciente. OBJETIVOS DA MFC • Atuar prioritariamente no âmbito da atenção primária à saúde, a partir de uma abordagem biopsicossocial do processo saúde-adoecimento. • Desenvolver ações integradas de promoção, proteção e recuperação da saúde no nível individual e no coletivo. • Priorizar a prática médica centrada na pessoa, na relação médico-paciente, com foco na família e orientada para a comunidade, privilegiando o primeiro contato, o vínculo, a continuidade e a integridade do cuidado na atenção à saúde. BREVE HISTÓRICO 1976 Primeiros programas de Residência Médica em Medicina Geral Comunitária (MGC) no país. 1978 Conferência Internacional de Cuidados Primários em Saúde (Alma Ata - Cazaquistão), que reforça com o slogan "saúde para todos" a necessidade de os países reformularem seus sistemas de saúde. Criação de vários outros programas de residência médica. 1979 Primeiro Residência Multiprofissional em Saúde Comunitária, área hoje mais conhecida como Saúde da Família. 1986 O CFM reconhece a Medicina Geral Comunitária como especialidade médica e a Socie- -dade Brasileira de Medicina Geral Comunitária como sua representante. 1990 Origem o SUS, pelas leis 8.080 e 8.142, criando condições para implantar diretrizes como descentralização, municipalização, distritalização, participação popular e apoio ao desenvolvimento da Atenção Primária em Saúde (APS). Anteriormente a 1990 havia o INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social), a partir do qual apenas contribuintes tinham acesso ao serviço público de saúde. 1994 O Ministério da Saúde, gestão Henrique Santillo, governo Itamar Franco cria o Programa de Saúde da Família (PSF). Reorganização da atenção em saúde para uma substituição do modelo tradicional, tendo início a construção de um modelo de assistência com base na promoção e proteção da saúde, no diagnóstico precoce e na recuperação dos agravos à saúde, de acordo com as diretrizes e os princípios do SUS. 2004 Primeiro concurso para Título de Especialista em Medicina da Família e Comunidade (TEMFC) por proficiência. CARACTERÍSTICAS DO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA Desde sua criação, o PSF (atualmente Estratégia Saúde da Família) vem se expandindo em todo o país.De acordo com o Ministério da Saúde, existem mais de 34 mil equipes de saúde da família cadastradas no Brasil. A APS não deve ser vista como algo simples e fácil, pois é uma área que requer habilidades e competências especializadas e complexas. Busca atendimento integral à saúde, no qual o personagem central é o indivíduo, levando- se em consideração o ambiente, os costumes e a realidade no qual está inserido. FUNÇÃO DO MÉDICO DE FAMÍLIA • Coordenar os cuidados de saúde prestados a determinado indivíduo, família e comunidade, referenciando, sempre que necessário, para outros especialistas ou outros níveis e setores do sistema, mas sem perda de vínculo. • Desenvolver, planejar, executar e avaliar, integrada à equipe de saúde, programas integrais de atenção, objetivando dar respostas adequadas às necessidades de saúde de uma população, tendo por base metodologias apropriadas de investigação, com ênfase na utilização do método epidemiológico. • Estimular a resiliência, participação e autonomia dos indivíduos, das famílias e da comunidade. • Desenvolver novas tecnologias em Atenção Primária à Saúde. • Desenvolver habilidades no campo da metodologia pedagógica e a capacidade de auto aprendizagem. • Encaminhar paciente, quando necessário, a centros de referência focal. o Segue cabendo a ele, no entanto, a coordenação da atenção médica à pessoa em todos os níveis. Abordagem centrada na pessoa Raras são as pessoas que não tenham qualquer história de insatisfação em relação aos profissionais da saúde. Dificuldades • Falhas de comunicação com o profissional • Paradigmas o Assistencialista centrado na dor/ doença. Não necessariamente o paciente doente está adoecido o Crença na cura mágica pelo acesso aos equipamentos de última geração do hospital o Fé na histórica figura do médico, que teria o poder quase divino de salvar vidas • Uso da tecnologia inadequada (pesadas em detrimento das leves) • Recursos muito caros COMUNICAÇÃO • O que é uma boa comunicação? • Do que precisamos para nos comunicar melhor? • Que aspectos da minha forma de comunicar podem ser transformados para melhor minha clínica? Axiomas básicos da comunicação • Não é possível não se comunicar • Toda comunicação tem um aspecto de conteúdo e um aspecto relacional • A natureza da relação depende de sequências de comunicação prévias estabelecidas pelos comunicantes • Os seres humanos se comunicam tanto digital como analogicamente • Todos os intercâmbios comunicativos são simétricos ou complementares, e se baseiam na igualdade ou na diferença REGISTRO CLÍNICO ORIENTADO POR PROBLEMAS (RCOP) INTRODUÇÃO No processo de adoecimento, é importante identificar não apenas qual a doença, mas também o que é o adoecimento. Para tal, é importante constituir a lista de problemas, na qual levantam-se as queixas agudas e crônicas do paciente. Com isso, quando ele vem à outra consulta, verificamos com facilidade quais as afecções apresentadas pelo paciente, determinando qual a melhor forma para ajudá-lo, assim como as intervenções a curto e a longo prazo. GESTÃO DO PROCESSO CLÍNICO INDIVIDUAL E FAMILIAR: ASPECTOS GERAIS DA CONSULTA CLÍNICA Estrutura A estrutura diz respeito aos elementos arquitetónicos e de mobiliário da unidade, às disposições de cadeiras, mesas e outros dispositivos do consultório e à organização da sala de espera e do acolhimento. Além disso, envolve o modo de chamar os pacientes, aos tempos previstos e as regras de agendamento e marcação de consultas e de renovação de receituários. A estrutura do ambiente afeta os pacientes e também ao médico, sendo que o conforto e o acolhimento já se iniciam na estrutura física do local. A organização do local é muito importante e a tecnologia também. Todavia, não adianta ter a mais alta tecnologia caso não tenham profissionais que saibam utilizá-las. Processos Os processos dizem respeito a comunicação profissional-pessoa, entre os médicos e os pacientes e entre os médicos e os demais trabalhadores da equipe multiprofissional. Envolve estratégias de condução da consulta (estrutura versus desorganizada, linear e não linear, grau de diretividade); os processos de envolvimento e vínculo; a participação e negociação com a pessoa que está sendo cuidada; e os modelos de registros clínicos. Resultados Os resultados são representados pelos critérios e indicadores de sucesso de uma consulta. Com relação a pessoa que esta sendo cuidada • Satisfação quanto à atenção prestada; • Compreensão das explicações e do plano acordado; • Melhoria da condição de saúde e de qualidade de vida Com relação ao ponto de vista do profissional • Adesão ao tratamento e ao plano proposto; • Controle de variáveis e fatores de risco; • Diminuição do númerode episódios das condições clínicas agudas; • Redução das exacerbações, agudizações ou descompensações das condições crônicas; • Evitação de desfechos clínicos indesejados; • Tempo vivido sem incapacidade. Devemos deixar muito claro quais são as obrigações de cada uma das partes, de forma que caso não o tratamento não funcione, a culpa não recairá apenas sobre o médico. MÉTODO CENTRADO NA PESSOA O método base do atendimento médico consiste em avaliar queixas e sintomas do paciente através da anamnese, exame clínico e exames complementares. A partir disso, faz-se o diagnóstico e o tratamento. Ao pensarmos no método centrado na pessoa, junto as queixas e sintomas devem ser avaliados também os sentimentos, as ideias, funções e as expectativas do paciente. A partir disso, deve ser realizada a lista de problemas do paciente e de acordo com ela, definir pactos com o paciente a curto e a longo prazo. REGISTRO CLÍNICO ORIENTADO POR PROBLEMAS (RCOP) Os registros ajudam a garantir a continuidade e a longitudinalidade do cuidado, auxiliam na comunicação e tomada de decisão em equipe e permitem um arquivo de dados-base das pessoas e famílias em seguimento, fornecendo eventualmente também dados para investigação científica ou prova para diligências legais. Componentes • Base de dados da pessoa • Lista de problemas • Notas de evolução clínica • Ficha de acompanhamento o Não é obrigatório, de forma que não é utilizada em alguns serviços. Base de dados da pessoa As bases de dados da pessoa são dados obtidos na história clínica e de vida, no exame físico e nos resultados de exames complementares, registrados geralmente na primeira ou nas primeiras consultas. Os antecedentes pessoais e familiares, o problema de saúde atual e as informações prévias daquela pessoa, trazidas por ela mesma ou enviada por outros serviços, devem ser inseridos aqui. O tipo, formato, grau de profundidade e a quantidade de dados e informações que constituirão a base de dados da pessoa serão definidos pela própria ESF, a qual poderá elaborar um formulário-padrão para obtenção dessas informações. Lista de problemas A lista de problemas é um resumo útil dos problemas de saúde da pessoa. Ela deve ser dinâmica, sendo os problemas enumerados pela ordem de aparecimento ao longo do tempo. O que é um problema clínico? • Weed: “problema clínico é tudo aquilo que requeira um diagnóstico e manejo posterior, ou aquilo que interfira com a qualidade de vida, de acordo com a percepção da própria pessoa.” • Rakel: “problema clínico é qualquer problema fisiológico, psicológico ou social que seja de interesse do profissional e/ou da pessoa que está sendo cuidada.” Como definimos o problema? A WONCA (Organização Mundial de Médicos de Família) desenvolveu um sistema de classificação de problemas próprios da APS, o qual é denominado “Classificação Internacional da Atenção Primária” (CIAP 2) e pode ser utilizado por profissionais de todas as áreas. A CIAP evidencia os motivos de procura do cidadão (sofrimento ou enfermidade) ao serviço de saúde, mesmo que não sejam doenças objetivamente evidenciadas por qualquer tipo de exame (clínico, sangue ou imagem). Permite conhecer melhor a demanda dos pacientes. É diferente do CID, mas tem alguns aspectos semelhantes. Notas de evolução clínica As notas de evolução clínica se referem a quanto o paciente está evoluindo nas consultas, devendo ser claras e bem organizadas. A estrutura das notas de evolução no RCOP é formada por quatro partes, conhecidas resumidamente como “SOAP” – que corresponde a um acrômio para “subjetivo”, “objetivo”, “avaliação” e “plano”. Subjetivo A primeira parte de qualquer consulta sempre será uma entrevista clínica, com roteiros e formatos diferentes, de acordo com a profissão ou a especialidade médica. Essa entrevista deve ser transcrita de acordo com a subjetividade do paciente. A entrevista clínica deve incluir os motivos de consulta trazidos pelo paciente, mas também aqueles que não são trazidos pelo paciente e são de fundamental importância de serem discutidos, como o tabagismo. Devem ser registradas todas as impressões gerais que temos de forma subjetiva, mas que não foram narradas pelo paciente. Ou seja, fatos subjetivos, mas do nosso ponto de vista, e não do paciente. Exemplo: “paciente vem acompanhada do marido que interferiu em vários momentos da consulta”. Objetivo Após a coleta de dados, entram no objetivo todas as informações que podem de alguma forma serem mensuradas pelo profissional. Ele serve apenas para apoiar o raciocínio clínico, a partir dos motivos de consulta do paciente, e possíveis suspeitas diagnósticas. Divide-se em exame físico e resultado de exames complementares. Avaliação A avaliação de refere a concretização das hipóteses e dos diagnósticos. Incluem-se aqui a lista de problemas e as hipóteses diagnósticas. Todo motivo de consulta deve ter um problema correspondente (mesmo que esse motivo ainda não tenha um diagnostico, ou o motivo em si já seja um problema). O problema pode ser tanto um sinal, sintoma (ainda sem diagnóstico), síndromes, etc., quanto um diagnóstico definido. Plano Após a elaboração da lista de problemas e das hipóteses diagnósticas, inicia-se a proposta terapêutica. Para cada problema da lista, deve-se realizar uma proposta, mesmo que seja uma escuta. Incluem-se aqui: • Solicitação de exames • Encaminhamentos • Atestados • Orientações • Medicamentos • Observações: registra-se aqui tudo o que for pertinente do plano terapêutico, indiretamente relacionada às partes anteriores e percepções subjetivas do médico referente à conduta. Fichas de acompanhamento As fichas de acompanhamento são formulários separados da lista de problemas e das notas clínicas. Refere-se ao registro da evolução dos resultados dos exames físicos e complementares, dos dados de crescimento e desenvolvimento, hábitos de vida, exames preventivos e medicações prescritas. PRONTUÁRIO FAMILIAR O prontuário familiar diz respeito a união dos prontuários individuais da família em um mesmo ambiente (arquivados juntos). É um instrumento de registro das informações provenientes do processo de atenção às famílias do território. Consiste em uma capa de arquivo externa, contendo informações selecionadas sobre a família, bem como os prontuários individuais de cada um de seus membros. São arquivados e identificados pelo nome do responsável por aquela família, pelo informante principal, pelo sobrenome (quando único) ou, mais frequentemente, por um sistema numérico adotado pela equipe. Conteúdo O primeiro item no prontuário familiar é o formulário de registro da família, contendo dados demográficos e socioeconômicos. Na ESF, em geral, se utiliza a ficha A (SIAB) como formulário de registro das famílias. Incluem-se ainda o sistema de registro das visitas e a lista de problemas da família.
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