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Unidade 1 Introdução ao Estudo da Personalidade Psicologia da Personalidade Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria DENIZE MASCARENHAS AUTORIA Denize Bezerra Mascarenhas Sou formada em Psicologia e em Enfermagem, com Mestrado na área de Saúde do Adulto e alguns Cursos de Especialização (Psicologia Positiva, Dependência Química e Neuropsicologia). Tenho experiência técnico-profissional de mais de 30 anos na área de saúde mental e psiquiatria. Trabalhei como profissional de saúde pelo Ministério da Saúde na assistência a portadores de transtorno mental em hospitais psiquiátricos e CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) na cidade do Rio de Janeiro. Tenho experiência profissional na docência do ensino superior, atuando como professora substituta em universidades públicas como UFRJ e UERJ e como professora contratada em universidades privadas como UNISUAM e Universidade Estácio de Sá (UNESA) nos Cursos de Graduação de Psicologia, Enfermagem e Direito. Também pela UNESA, tive a oportunidade de ser autora de capítulo de livro didático e de ser revisora de livro didático. Atualmente atuo como Psicóloga Clínica em Avaliação Psicológica e Aplicação de Testes Psicológicos. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Introdução às teorias da personalidade ............................................12 Iniciando o estudo da personalidade ............................................................................... 12 Evolução histórica do conceito de personalidade ................................................. 13 O que é personalidade? ............................................................................................................ 16 Teoria Psicodinâmica (Freud) ............................................................... 24 Formação da personalidade humana: onde começa? ........................................24 Determinantes genéticos versus determinantes ambientais .........................27 A genética ..........................................................................................................................27 Tipos de temperamento .........................................................................................29 O desenvolvimento da personalidade infantil ....................................... 30 O desenvolvimento da personalidade na adolescência................ 30 O ambiente ...................................................................................................................... 30 Os aspectos ambientais e genéticos na formação da personalidade ...............................................................................................35 Iniciando o estudo da personalidade ...............................................................................35 Níveis de consciência: primeira tópica do aparelho psíquico ........................37 Estrutura da personalidade .................................................................................................... 39 Desenvolvimento da personalidade ................................................................................. 41 Etapas do desenvolvimento da personalidade .................................... 41 Avaliação da personalidade humana................................................. 47 Entendendo a avaliação psicológica ................................................................................47 Competências para a avaliação psicológica .............................................................. 49 Testagem psicológica na avaliação psicológica ......................................................52 Testagem psicológica na avaliação da personalidade ....................52 Principais testes na avaliação da personalidade ..................................53 9 UNIDADE 01 Psicologia da Personalidade 10 INTRODUÇÃO O estudo da Psicologia da Personalidade é uma área que ainda levanta muitos questionamentos. O que é personalidade? Herdamos nossa personalidade ou ela é formada a partir das vivências no meio ambiente em que estamos? Como começou o interesse pelo estudo da personalidade humana? Como entendemos personalidade hoje? Podemos mudar nossa personalidade? Estas respostas são o alvo do nosso trabalho. Estudaremos as principais teorias de personalidade vão ajudar a compreender melhor o funcionamento do ser humano, objeto de cuidado do psicólogo. Desse modo, entender o processo de formação da personalidade sob o olhar de autores de várias abordagens e correntes da psicologia vai permitir aumentar o universo de conhecimento e, por consequência, facilitar o seu desempenho didático como aluno e seu desempenho profissional como psicólogo. Então, lançamos o desafio de convidar você a se dedicar ao conteúdo desta disciplina. Mergulhe no universo da Psicologia da Personalidade! Bons estudos! Psicologia da Personalidade 11 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vinda (o). Nosso propósito é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Compreender os aspectos teóricos das teorias da personalidade; 2. Associar a evolução histórica do conceito de personalidade com a compreensão do conceito atual; 3. Correlacionar os aspectos ambientais e genéticos na formação da personalidade; 4. Entender a Teoria Psicodinâmica de Freud. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Psicologia da Personalidade 12 Introdução às teorias da personalidade OBJETIVO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender como os estudos iniciais sobre a personalidade foram importantes e fundamentais para o entendimento do conceito de personalidade que estudamos nos dias atuais. Estudar sobre a personalidade é fundamental para o exercício da Psicologia, uma vez que entender o comportamento da pessoa e como ela lida com suas dificuldades são as bases dessa profissão. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Vamos lá. Avante! Iniciando o estudo da personalidade Começaremos a percorrer os caminhos da Psicologia da Personalidade estudando neste capítulo, um pouco do início do pensamento e dos estudos sobre a personalidade. Os primeiros pensadores das questões da alma, foram os filósofos. Eles questionavam e queriam entender como o ser humano funcionava. Queriam entender as diferentes formas de comportamento que aspessoas tinham diante das mesmas situações. Por isso, criaram teorias que acabaram dando origem ao que conhecemos atualmente como comportamento e personalidade, além de outras facetas da vida do ser humano. Neste capítulo, como já dissemos antes, vamos percorrer os caminhos do entendimento de personalidade, começando pelos filósofos da Grécia Antiga. Venha conosco para aprender um pouquinho mais sobre a personalidade humana. Psicologia da Personalidade 13 REFLITA: Por que as pessoas são como são? Por que irmãos, filhos dos mesmos pais, criados com os mesmos princípios, têm comportamentos diferentes diante das mesmas situações? Por que algumas pessoas conseguem ser bem- sucedidas em áreas que outras são completos fracassos? Por que podemos prever o comportamento de pessoas que conhecemos muito bem quando elas estão diante de determinados acontecimentos? Por que algumas pessoas são mais emotivas ou mais racionais que outras? Talvez a resposta mais comum para tantas perguntas como essas seja: porque as pessoas têm personalidades diferentes e tais diferenças determinam comportamentos e atitudes diferentes diante dos mesmos eventos. Essas diferenças fazem as pessoas serem únicas. Sob essa ótica, a personalidade é um tema de estudos há muitos anos. O interesse em entender o comportamento humano e, principalmente, de descrevê-lo ou de tentar prevê-lo, está presente nas diversas culturas ao longo da história. Neste breve passeio pela história do estudo da personalidade, veremos de que forma o assunto levantou o interesse de estudiosos e pensadores. Evolução histórica do conceito de personalidade Os primeiros estudos foram baseados no interesse pelas características individuais das pessoas e foi um filósofo da Grécia Clássica, chamado Teofrasto (372-287 a.C.), quem escreveu um trabalho chamado O Carácter, no qual classificou as pessoas em trinta tipos morais a partir de teorias dominantes na natureza. Nesse mesmo período, Platão (427-347 a.C.), um dos mais conhecidos e importantes filósofos da Grécia Antiga, escreveu um livro intitulado A República, em que reconhecia características individuais das pessoas como constantes e estáveis, o que fazia com que desempenhassem Psicologia da Personalidade 14 melhor as atividades para as quais eram aptas. Para ele, a alma era dividida em três partes: racional, apetitiva (em que estavam centrados sentimentos de desejos e ganância) e espiritual-afetiva. Veremos mais adiante, durante o estudo desta unidade, que a ideia de características constantes e estáveis para personalidade, descritas por Platão no século IV a.C., estão presentes nos conceitos de personalidade que se discute atualmente. VOCÊ SABIA? Foi Aristóteles (384-322 a.C.), um dos discípulos de Platão, quem descreveu pela primeira vez sentimentos de desejo, raiva, medo, coragem, alegria ódio e pesar. Hipócrates (460-377 a.C.), um médico grego, conhecido como o “pai da medicina ocidental”, descreveu a teoria dos humores para explicar os diferentes tipos de personalidades das pessoas. Para ele, o corpo humano continha quatro humores essenciais: fleuma, bile amarela, bile negra e sangue. Esses diferentes humores eram secretados por diferentes órgãos do corpo, com quantidades diferentes e que variavam de acordo com a estação do ano. Logo, para o cérebro conseguir funcionar em normalidade, deveria haver um equilíbrio entre os humores. Assim, o excesso de fleuma causaria uma forma de demência, o excesso de bile amarela causaria raiva maníaca e o excesso de bile negra causaria a melancolia. Muitos anos depois, nos séculos II e III, Galeno (129-217 d.C.) cria a teoria dos temperamentos para explicar as diferenças entre as pessoas. Os quatro temperamentos seriam: sanguíneo, fleumático ou linfático, colérico ou bilioso e melancólico (COLOM, 2008 apud RODRIGUES; DINIZ, 2019). Essa teoria foi influenciada pela teoria dos humores de Hipócrates e pode ser considerada a primeira tentativa de explicar diferentes temperamentos e personalidades dos seres humanos. Psicologia da Personalidade 15 É Immanuel Kant (1724-1804) quem aprimora as características dos temperamentos de Galeno. Segundo Kant, a pessoa com o tipo de temperamento sanguíneo tem características dominantes da força, rapidez e emoções superficiais; já na pessoa melancólica, as emoções intensas e vagarosidade das ações são dominantes; o temperamento colérico, por sua vez, tem rapidez e impetuosidade no agir e, por fim, o temperamento fleumático tem ausência de reações emocionais e vagarosidade no agir. Dos séculos XIII ao XIX, correntes filosóficas defendidas por Comte, Kierkegaard, Locke e Nietzsche, entre outros, foram fundamentais para o desenvolvimento de estudos da personalidade (HALL, LINDZEY, & CAMPBELL, 2007). No século XIX, Charles Darwin, com seus estudos sobre evolução, escreve duas obras importantes: A origem do homem (1871) e A expressão das emoções no homem e nos animais (1873). Darwin falava de comportamentos humanos que eram adaptativos ao ambiente na tentativa de sobreviver frente às diversidades. As diferenças nas maneiras de sobrevivência eram individuais, isto é, cada pessoa tinha uma característica diferente diante de uma situação específica. E essa constatação levou Francis Galton, primo de Darwin, a entender que as características individuais eram baseadas em condições genéticas e ambientais. No próximo capítulo desta Unidade, falaremos mais sobre características genéticas e ambientais na formação da personalidade. Os estudos de Galton foram tão importantes que levaram Wundt (1832-1920) a criar o primeiro laboratório de psicologia, impulsionando a criação da Psicologia como ciência independente. Como vocês se recordam, a psicologia iniciada por Wundt era baseada na filosofia e na fisiologia experimental, e os experimentos eram provenientes das análises de estímulo-resposta. Logo, o estudo da personalidade não era o foco inicial. No entanto, temos o começo de uma área importante da ciência em que a psicologia se enquadra. Psicologia da Personalidade 16 Nessa época, Sigmund Freud (1856-1939) começa a desenvolver a psicanálise e essa nova abordagem abre caminhos científicos para os estudos da personalidade (RODRIGUES; DINIZ, 2019). Depois de Freud, baseados em seus estudos ou contrapondo-se a eles, vários outros pensadores e estudiosos começaram a descrever a personalidade humana. Veremos nesta disciplina alguns dos mais importantes estudiosos do assunto. O que é personalidade? A palavra personalidade é usada em contextos diversos pelo senso comum. Algumas vezes, diz-se que alguém tem uma personalidade fácil porque ela é amável, agradável, boa companhia. Uma outra pessoa pode ser descrita com personalidade difícil porque é indiferente, hostil, agressiva. Ainda pode-se dizer que alguém tem uma personalidade extrovertida, introvertida, agressiva, submissa, tímida ou temerosa (HALL, LINDZEY e CAMPBELL, 2006). No entanto, diferente do senso comum, a ciência define personalidade a partir da integração de aspectos como habilidades, atitudes, crenças, emoções, desejos, modos de comportamento e até os aspectos físicos, que quando se englobam conferem a singularidade da pessoa. A palavra personalidade é originada do latim persona e se refere a uma máscara de teatro usada pelos atores. Como essa, na figura abaixo, ainda hoje usada como brincadeira no Carnaval de Veneza, na Itália. Psicologia da Personalidade 17 Figura 1 - Máscara de Veneza Fonte: Freepik. Evidentemente, não é esse o aspecto considerado para a definição de personalidade na psicologia. Dessa forma, temos como definição de personalidade: Personalidade: Conjunto relativamente estável e previsível dos traços emocionais e comportamentais que caracterizam as pessoas em condições normais, no seu dia a dia, ao longo das etapas da vida (LARAIA; STUART,2001). No estudo da personalidade, a preocupação é procurar entender como os diferentes aspectos do funcionamento de uma pessoa estão entrelaçados. É buscar entender a pessoa à luz do seu todo organizado. Assim, Pervin e Jonh (2008, p. 23) dizem que: “a personalidade representa aquelas características da pessoa que explicam padrões consistentes de sentimentos, pensamentos e comportamentos”. Podemos perceber que, nas duas definições, os padrões consistentes de comportamento, emoção e pensamento estão presentes na personalidade de uma pessoa. Tais características individuais, identificam o quanto todas as pessoas são únicas, diferentes umas das outras (DINIZ; RODRIGUES, 2019). Psicologia da Personalidade 18 Segundo Feist, Feist e Roberts (2015), a partir do entendimento de que a personalidade é um padrão de características únicas e de traços relativamente permanentes, precisamos ainda identificar um e outro. Assim, os autores descrevem as características da personalidade como as qualidades da pessoa identificadas pelos atributos como temperamento, psiquê e inteligência. Os traços de personalidade são as identificações pessoais de comportamento: a consistência de um comportamento ao longo do tempo e a estabilidade do comportamento em situações das mais diversas. São as características e os traços de personalidade que trazem a individualidade às pessoas. Além disso, vários autores concordam que o desenvolvimento da personalidade está relacionado a situações ambientais externas, como a cultura e as experiências de vida, bem como pelos aspectos internos, que seriam os fatores biológicos, hereditários e as necessidades daquela pessoa durante a vida. Portanto, a personalidade é considerada uma organização dinâmica dos traços do interior do eu, formada a partir de genes herdados e das vivências as quais uma pessoa experimenta. REFLITA: As percepções que as pessoas têm das situações da vida são individuais e são elas que fazem com que cada pessoa seja única. Logo, mesmo com carga genética contribuindo para a formação da personalidade, o estar no mundo faz com que os aspectos ambientais também influenciem na personalidade. Sobre esse assunto, nos deteremos melhor no próximo capítulo. No entanto, é importante destacar que associado aos estudos de personalidade e do consequente comportamento de uma pessoa, os estudiosos também passaram a descrever os transtornos de Psicologia da Personalidade 19 personalidade. Isto é, padrões de comportamento dissociados de um comportamento cultural esperado. O conceito do que seria um transtorno de personalidade é do século XIX, quando Phillippe Pinel (1754-1826) descreveu um quadro de manie sans délire (mania sem delírio), caracterizado por prejuízo das funções afetivas, instabilidade emocional e tendência dissocial, sem a perda da função intelectual e cognitiva. Outros estudos vieram depois de Pinel: como a teoria de doença mental de dos psiquiatras franceses Benedict-Augustin Morel (1809-1873) e Valentin Magnan (1835-1916), que abordava a hereditariedade como fator do desenvolvimento de doenças mentais e ainda a descrição de dez tipos de personalidades psicopáticas de Kurt Schneider, em 1923: hipertímicos, depressivos, ansiosos e obsessivos, fanáticos, necessitados de valorização, lábeis de humor, explosivos, frios de sentimentos, abúlicos e astênicos. Atualmente temos, para a categorização dos transtornos mentais, onde se encontram descritos também os transtornos de personalidade, o Código Internacional de Doenças, na sua décima edição (CID 10) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua quinta edição (DSM 5). IMPORTANTE: A décima primeira edição do Código Internacional de Doenças, CID 11, foi lançada oficialmente em maio de 2019 e tem a previsão de entrar em vigor em janeiro de 2022. Os transtornos de personalidade são condições caracterizadas por padrões persistentes de vivência íntima ou comportamento inflexível, desajustado das expectativas culturais da pessoa, estável ao longo do tempo e que causam sofrimento ou prejuízo, principalmente para a sociedade (BALLONE, 2021). Psicologia da Personalidade 20 O DSM 5 divide os tipos de transtorno de personalidade em três grupos (A, B, C), com base em características semelhantes, conforme quadro a seguir. Quadro 1 - Classificação dos transtornos de personalidade, segundo o DSM 5 Fonte: Elaborado pela autora (2021). VOCÊ SABIA? Podem ocorrer alterações de personalidade decorrentes de lesões e disfunções do SNC (sistema nervoso central). O caso mais conhecido é do americano Phineas Gage (1823- 1886), que após um acidente com grave dano encefálico, mudou seu comportamento e sua personalidade. A neurociência tem importante contribuição no estudo das mudanças de personalidade das pessoas com alterações no SNC, acometidas por algum evento adquirido. O caso mais famoso e que despertou as pesquisas mais aprofundadas é o de Phineas Gage, que relatamos acima. Esse americano que trabalhava na construção de trilhos para uma rodovia em Vermont, teve seu cérebro perfurado por uma barra de ferro depois da explosão de pólvora. A barra, com um metro e meio de comprimento atravessou sua cabeça, passando pela bochecha esquerda, olho esquerdo e pelo lobo pré-frontal do cérebro. Phineas sobreviveu ao acidente e não teve qualquer sequela motora. No entanto, todos os Psicologia da Personalidade 21 que conviviam com ele relataram mudança de seu comportamento, visto que passou a ser um homem irresponsável e hostil, diferente do comportamento de antes do acidente. Seu caso é considerado uma das primeiras evidências de que lesões nos lobos frontais são capazes de alterar emoções, interações sociais e personalidade dos indivíduos. Segundo Cabral (2019), Lezak e Col (2012), há dez grupos de situações clínicas que podem levar à alteração de personalidade: • Lesões traumáticas no cérebro: lesões causadas por forças externas, perfurantes ou não. • Doenças cérebro vasculares: disfunções do sistema circulatório na região encefálica. • Doenças vasculares e degenerativas. • Toxologia: álcool e drogas neurotóxicas. • Infecções: HIV, hepatite C, por exemplo. • Tumores cerebrais. • Privação de oxigênio. • Doenças metabólicas e endócrinas: como as alterações de tireoide. • Deficiências nutricionais. • Intervenções farmacológicas. Balone (2008) considera que as mudanças de comportamento provenientes de alguma condição adquirida, como as que listamos anteriormente, são, na verdade, alterações da personalidade (ainda que algumas destas alterações possam ser permanentes a partir do evento causador) e não transtornos de personalidade. Para esse autor, e vários outros, os transtornos de personalidade são condições que aparecem na infância ou adolescência, por influência de diversos fatores constitucionais, sociais ou pessoais e continuam pela vida adulta. São, de forma geral, acompanhados de sofrimento e comprometimento do desempenho social e cognitivo da pessoa, constituindo o que se considera uma personalidade não normal, que será indefinidamente persistente. Psicologia da Personalidade 22 No entanto, não necessariamente, todas as pessoas diagnosticadas com transtorno de personalidade estarão fadadas a serem pessoas imutáveis, ainda que não haja cura para o transtorno. O conhecimento e entendimento do transtorno, o esforço cognitivo, a capacidade de juízo crítico são fatores que proporcionam o aprendizado para disciplinar pulsões, readaptar esquemas de pensamento sobre si e o outro e o manejo do modo de agir para a melhora da qualidade de vida do indivíduo e das pessoas que o cercam. Este é o papel do psicólogo: ajudar as pessoas a encontrar caminhos para a melhora de suas vidas, independentemente do tipo de personalidade que tenham. Para isto, todo conhecimento sobre o tema é indispensável.Psicologia da Personalidade 23 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que o interesse pelo estudo da personalidade humana iniciou ainda na Grécia Antiga, quando filósofos e fisiologistas (médicos) daquela época começaram a querer entender o comportamento das pessoas. Buscaram descrever de forma objetiva, com os conhecimentos que possuíam, como alterações corporais poderiam alterar o comportamento. Para isso, precisavam determinar o que seria um comportamento “normal” do “não normal”, e, dessa forma, desde àquela época, alguns comportamentos eram tidos como patológicos. Atualmente o conceito de personalidade é mais abrangente, uma vez que o comportamento humano pode ser avaliado de forma mais efetiva, passando pelo entendimento do homem no seu meio, com suas características pessoais e suas vivências singulares. Vimos também que as categorizações dos transtornos de personalidade são respaldadas em dois manuais: CID 10 e DSM 5, e que algumas alterações de personalidade são explicadas pela contribuição da neurociência. O psicólogo, com seus conhecimentos científicos, proporciona condições para que a pessoa encontre seu caminho na vida, utilizando os próprios recursos de sua personalidade para efetivar sua inserção saudável no mundo. Psicologia da Personalidade 24 Teoria Psicodinâmica (Freud) OBJETIVO: Ao término deste capítulo você será capaz de compreender como os autores entendem a formação da personalidade. A apreensão desses conceitos é de fundamental importância para a prática da psicologia. Você verá que os aspectos genéticos e ambientais são fundamentais para a formação da personalidade humana e vai poder identificar os fatores mais importantes desse processo. E então? Vamos começar este estudo? Formação da personalidade humana: onde começa? De que maneira a personalidade humana é formada? Existem fatores importantes na formação da personalidade? Quais seriam os fatores mais determinantes para o desenvolvimento da personalidade? Essas são perguntas que sempre estiveram presentes entre pessoas leigas e também, entre os pesquisadores. Ter estas respostas talvez explicasse, ou justificasse, alguns comportamentos das pessoas, não é mesmo? A tentativa de encontrar as respostas para a formação da personalidade não é uma prática dos nossos tempos. Já de muito ouvimos expressões como: “filho de peixe, peixinho é”, isto é, o destino de uma pessoa está traçado pela sua herança genética, nada se pode fazer para mudar essa realidade, ou ainda “pau que nasce torto, morre torto”, indicando que não há como pensar em mudar o rumo da vida, se nasceu para ser torto, o jeito é aceitar e pronto. Mas será que é assim mesmo? Será que a mesma genética que determina a cor dos olhos, o tipo de pele, a estatura alta ou baixa, a tendência a desenvolver uma doença metabólica também determina a personalidade, isto é, a forma como a pessoa vê o mundo, o seu temperamento, sua afetividade? É genético, pronto e acabou? Psicologia da Personalidade 25 Ou não? Será que o meio ambiente, o lugar onde se vive, é que tem influência sobre a formação da personalidade? As teorias ideológicas que sustentavam a força exclusiva do meio para a formação da personalidade, sustentavam a ideia de que as pessoas seriam iguais quanto às potencialidades. Entendiam que alguém se destacaria como músico, pintor, matemático, jogador de futebol etc., de acordo com as oportunidades que o meio lhe oferecesse. Isto é, as diferenças individuais apareceriam exclusivamente pela influência ambiental e não pelo desenvolvimento de uma capacidade inata ou da personalidade. REFLITA: Se todos tivessem as mesmas oportunidades, todos poderiam ser Chopin, Mozart, Einstein, Pelé, Maradona, Messi, Neymar, Elvis Presley, Michael Jackson, Chico Buarque, Lady Gaga, Elis Regina ou Whitney Houston já que, baseado na teoria, todas as pessoas que viveram na mesma época que eles teriam a mesma potencialidade de cada um desses ilustres e talentosos personagens. O que essas teorias têm de correto, afinal? Será que uma elimina a outra? Se confirmar-se que a herança genética é quem determina a forma de viver no mundo, então seria correto afirmar que todo filho de pais bem- sucedidos também será bem-sucedido? E, pior, todo filho de criminoso será criminoso? Se, na verdade, é o meio quem forma a personalidade e o consequente comportamento, toda criança criada em ambiente saudável será honesta e toda aquela que viver em ambiente desfavorável será desonesta? Podemos afirmar tais pontos de vista com certeza? O que você acha? Pense nos exemplos que temos na nossa sociedade e lembrem quantos filhos de pessoas chamadas “pessoas de bem” desenvolvem atitudes ilícitas e desonestas e quantos jovens que vivem em condições desfavoráveis são pessoas honestas, batalhadoras e bem-sucedidas. Psicologia da Personalidade 26 Então, podemos eliminar a genética na formação da personalidade? Podemos eliminar o meio e a maneira onde se vive a experiência da infância e a adolescência na formação da personalidade? Parece que a resposta é clara: o ser humano forma a sua personalidade a partir dos genes herdados e da forma como consegue experimentar a vida no meio em que vive. Não pode ser considerado exclusivamente herança genética e nem exclusivamente ambiente. Não pode ser considerado exclusivamente herança genética porque sua carga hereditária não é um monte de genes que o programaram para agir sempre desta ou daquela maneira, como os pais. Tão pouco é exclusivamente ambiente, como se fosse o produto de reflexos condicionados pela cultura e hábitos de onde vive, agindo sempre igual a todo mundo, sem ter sentimentos ou livre arbítrio. Lembram da definição de personalidade que discutimos no capítulo um? Dissemos, naquele capítulo, que personalidade é a organização dos traços no interior do eu, formados a partir da carga genética e das experiências de vida da pessoa, provenientes da maneira como ela vê e vive as situações do ambiente. Percebam os aspectos genéticos e sociais como entrelaçados na formação da personalidade, destacando que as percepções individuais das situações vivenciadas é que moldam o sujeito como um ser único, subjetivo. Outro aspecto importante na avaliação da expressão da personalidade de uma pessoa é a condição em que ela se apresenta em um momento específico da sua vida. Balone (2008), entende que a conjugação entre a herança genética e a influência ambiental é o resultado daquilo que a pessoa trouxe para a vida e daquilo que a vida lhe deu. Portanto, para o autor, a personalidade é composta dos elementos constitucionais e ambientais. Psicologia da Personalidade 27 IMPORTANTE: Devemos, como psicólogos, entender o comportamento de uma pessoa pela sua forma de ver as situações da vida. Na maioria das vezes, a pessoa toma as atitudes que consegue e não as atitudes que seriam esperadas em uma determinada situação. São atitudes que refletem suas condições emocionais, resultado da concepção de si mesmo, estabelecida pelas vivências subjetivas que experimentou. Determinantes genéticos versus determinantes ambientais A genética Como já discutimos anteriormente, os determinantes genéticos e os determinantes ambientais interagem entre si na formação da personalidade humana. Na verdade, não há genes sem ambiente e nem ambiente sem genes. São interações contínuas. O que queremos estudar é como tais interações (genética e ambiental) contribuem para o desenvolvimento da personalidade. Segundo Pervin e John (2015), a hereditariedade determina as possibilidades de desenvolvimento de uma característica, mas são as situações do ambiente que determinarão seu resultado como positivo ou não.Então, mesmo que alguma pessoa tenha talento para ser um atleta ou um músico, ela vai precisar que o ambiente determine a forma de desenvolver tal talento. Psicologia da Personalidade 28 REFLITA: A genética proporciona talentos que uma determinada cultura pode ou não recompensar e cultivar. Assim, podemos pensar que o Brasil tem muitos meninos que jogam futebol como Neymar, mas nunca foram descobertos e, dessa forma, não são conhecidos. Eles continuam a jogar nos campos de várzeas escondidos pelo Brasil, mas nunca são vistos por um olheiro e não terão oportunidade de desenvolver seus talentos. Já dissemos que os fatores genéticos têm papel importante na formação e determinação da personalidade, especialmente nas características que tornam a pessoa única. Assim, mesmo diante de gêmeos idênticos, teremos duas pessoas diferentes, únicas. Segundo Kagan (1994 apud PERVIN e JOHN, 2015), os fatores genéticos são mais importantes em características como inteligência e temperamento e menos importantes em valores, crenças e ideias. Citam como exemplo os comportamentos de atividade (ser menos ativo – preferir ler um livro que sair de casa ou mais ativo – preferir atividades de aventura a ler um livro), e de medo (ter mais cautela ou ser destemido). Tais características podem ser percebidas na idade infantil e se prolongar até a idade adulta, indicando ser uma característica genética, já que independe do meio em que se vive. Vamos refletir sobre outra definição de personalidade: A personalidade pode ser entendida como o ‘jeito de ser’ de cada um. Ela envolve mais do que simplesmente o comportamento observável, devendo incluir a identificação de um padrão característico e relativamente estável de pensar, sentir e se relacionar. A visão do mundo que cada um constrói ao longo da vida e que se constitui do temperamento (transmitido geneticamente) acrescido das experiências ambientais – tanto as positivas quanto as negativas – é pessoal e intransferível. (WELLAUSEN; OLIVEIRA, 2016, p. 274) Psicologia da Personalidade 29 Entendemos, pela descrição do autor, que o temperamento é a característica da personalidade herdada geneticamente, que identifica a especificidade e intensidade individual dos afetos psíquicos, do humor e da motivação. É considerado uma disposição inata e particular da pessoa na reação aos estímulos ambientais e já pode ser percebido na infância. É, em suma, a maneira interna de ser e agir de uma pessoa, sua tendência de ver o mundo, seus interesses, habilidades e valores. É o estilo de vida geneticamente determinado. Tipos de temperamento São descritos quatro tipos de temperamentos: sanguíneo, fleumático, colérico e melancólico. Já vimos essas descrições no capítulo um – é a divisão proposta por Hipócrates, cerca de 400 anos a.C. e é ainda objeto de estudo de profissionais da psicologia, neurociência e filosofia. Os principais traços dos temperamentos são demonstrados no quadro a seguir: Quadro 2 - Traços dos temperamentos Fonte: Elaborado pela autora (2021). Psicologia da Personalidade 30 O desenvolvimento da personalidade infantil A personalidade infantil é influenciada pelos valores, crenças e normas que as crianças começam a adquirir nas suas relações com as figuras de autoridade: pais, professores, irmãos mais velhos, avós. É nesta etapa da vida que se desenvolvem os vínculos afetivos e de apego. O temperamento, que começa a se manifestar na idade infantil, é fortalecido a partir da relação do indivíduo com o meio em que vive, o que vai influenciar na formação de sua personalidade e determinar os padrões de comportamento que as crianças vão desenvolver. O desenvolvimento da personalidade na adolescência As mudanças físicas ocasionadas pela puberdade influenciam muito o desenvolvimento da personalidade na adolescência. A autoestima, a segurança, a confiança, a socialização e a sexualidade são desenvolvidas nessa etapa da vida. Os adolescentes estão buscando descobrirem quem são, o que querem, suas preferências sexuais, a expectativa para a vida. Essas experiências podem torná-los inseguros e desconfiados, o que, por conseguinte, pode levar a um sentimento de baixa autoestima. O desenvolvimento da personalidade pode ser influenciado pelas experiências que forem desagradáveis e trouxerem insegurança. O ambiente Os aspectos ambientais são determinados pela cultura e seus padrões institucionalizados de comportamento, crenças e rituais. Tais padrões sociais têm influência sobre as atitudes das pessoas, que terão características de personalidade em comum com seus pares. Psicologia da Personalidade 31 VOCÊ SABIA? A comemoração do dia de finados no Brasil, dia 02 de novembro, é uma homenagem das famílias aos familiares falecidos com visita aos cemitérios, sempre numa atmosfera triste. Já no México, a comemoração do dia dos mortos dura 3 dias (de 31 de outubro a 2 de novembro), e é considerado um dia de festa, quando os mexicanos se fantasiam com máscaras e celebram nas ruas. Essa é uma das diferenças que a cultura traz para o comportamento e a formação da personalidade entre os brasileiros e os mexicanos. Figura 2 - Dia dos Mortos no México Fonte: Freepik Esse é apenas um exemplo de como a cultura interfere no modo de vivermos as experiências da vida. Certamente iríamos estranhar uma comemoração festiva em um dia que é tão triste para a cultura brasileira, se estivéssemos no México a passeio ou para morar. Tendo isso em vista, a maneira de satisfazer necessidades, a maneira de relacionamento com outras pessoas, o que é considerado triste ou engraçado, o jeito de encarar a vida e a morte, o que é saudável Psicologia da Personalidade 32 ou insalubre serão vivenciados igualmente entre os membros de uma comunidade (CROSS e MARKUS, 1999 apud PERVIN e JOHN, 2015). Outro aspecto relevante no contexto ambiental para a formação da personalidade é a classe social. Para autores como Collins et al. (2000), os fatores referentes à classe social, determinam o status, os papéis sociais, seus deveres e privilégios. Tais elementos vivenciados em cada classe social, independentemente de ser alta ou baixa, operária ou empresária, determinam como a pessoa se vê e vê o outro, como ganham e gastam dinheiro, como definem situações sociais e como respondem a elas. A vida em família também é parte fundamental e a mais importante, no desenvolvimento da personalidade. Os padrões de comportamento parental: pais amorosos ou hostis, superprotetores ou irresponsáveis, possessivos ou conscientes da necessidade de proporcionar autonomia, afetam o padrão de comportamento dos filhos, principalmente se os pais não conseguirem ser modelos de identificação que transmitam segurança e coerência. REFLITA: Por que crianças da mesma família são tão diferentes? Reagem de forma diferente diante das mesmas situações? A resposta a essas perguntas está justamente nas formas de se perceber o mundo de maneira singular. Irmãos passam por situações e vivências diferentes entre eles fora de casa, em contato com outras pessoas. Estudar em escolas diferentes ou em classes diferentes, com amigos diferentes, com professores diferentes são fatores que permitem que irmãos tenham visão de mundo diferenciada entre eles. Isso nos leva a um outro grupo importante na formação da personalidade: os pares. As experiências das crianças entre seus pares não são as mesmas experiências que compartilham com os irmãos em família. As regras dos grupos de pares são diferentes até entre diferentes pares, e certamente diferentes das regras familiares. Não é, necessariamente, uma questão de serem regras melhores ou piores, são regras diferentes, Psicologia da Personalidade 33 que somadas à solidificação dos laços parentais, desenvolvem, de forma mais duradoura, a personalidade daquela criança/adolescente (PERVIN e JOHN, 2015). SAIBAMAIS: Para que a interação entre genética e ambiente seja entendida de forma clara, sugerimos que você assista um documentário chamado Three Identical Strangers. É a história de três irmãos, Robert, David e Eddy, separados aos seis meses de vida na maternidade e adotados por famílias diferentes. Dois deles se encontraram aos 19 anos na Universidade de Sullivan, Nova York, em 1980. O outro irmão (David) percebeu a semelhança entre eles quando viu suas fotos em jornais e descobriu que eles eram trigêmeos idênticos. Mesmo crescendo em ambientes completamente diferentes, eles possuíam gostos parecidos (cigarros, prática de lutas, mesmo gosto por mulheres etc.). Mas, apresentavam muitas diferenças também, que só foram notadas com o passar do tempo. E essas diferenças foram determinadas pelo convívio com famílias diferentes, amigos diferentes e ambientes diferentes. Você pode assistir ao trailer desse documentário clicando aqui. Psicologia da Personalidade https://www.youtube.com/watch?v=h6yNaReDcfE 34 RESUMINDO: Como foi estudar este capítulo? Ficou claro para você o conceito de personalidade e sua formação a partir da infância, atrelada aos aspectos genéticos e ambientais? Foi possível discutir que tanto os atributos herdados como as condições ambientais são fatores indissociáveis para que a personalidade de uma pessoa seja construída. Por isso, não é possível mais considerar que apenas a herança genética determine quem somos. Temos que ter o conhecimento e a consciência de que temos oportunidade de direcionarmos nossos esforços para melhorar sempre os aspectos de nossa personalidade a partir da nossa inserção no ambiente em que vivemos. Assim como não podemos nos deixar levar por aspectos culturais que podem ser mudados se não forem saudáveis. Logo, é de extrema importância que o psicólogo observe essas diferentes circunstâncias na avaliação de um cliente. Para entender se uma pessoa age de maneira funcional ou de maneira disfuncional, é necessário entender o contexto em que ela passou os primeiros anos de formação da sua personalidade e como ela consegue ver o mundo à sua volta. Apesar de sabermos que algumas das características importantes da personalidade são estáveis, temos que auxiliar as pessoas que precisam de ajuda terapêutica a estabelecer de forma saudável sua inserção no mundo. Nosso próximo capítulo abordará a visão psicanalista da personalidade. Não perca! Até lá! Psicologia da Personalidade 35 Os aspectos ambientais e genéticos na formação da personalidade OBJETIVO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender como os estudos da personalidade foram descritos por Sigmund Freud. Considerado o pai da Psicanálise, Freud foi o primeiro estudioso do inconsciente, contrapondo- se aos estudos do consciente vigentes à época. Neste capítulo vamos estudar como Freud descreve a formação da personalidade através do desenvolvimento infantil e iremos aprender sobre a forma que o inconsciente funciona na visão psicanalítica. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Vamos lá. Bons estudos! Iniciando o estudo da personalidade Em meados do século XIX, especificamente no ano de 1879, na cidade de Leipzig, Alemanha, a Psicologia começa seus passos iniciais como disciplina científica. É a partir da criação do que foi considerado o primeiro laboratório que Wilhelm Wundt começa a abrir espaço para a Psicologia como ciência independente. Seu objetivo era realizar investigações experimentais dos fenômenos da consciência no humano adulto considerado normal. Na visão de Wundt, a consciência era constituída por elementos estruturais relacionados diretamente aos órgãos dos sentidos. EXEMPLO: as sensações de cor estariam relacionadas com mudanças fotoquímicas na retina, os sons relacionados com o ouvido interno, as experiências mais complexas seriam uma reunião de sensações, imagens e sentimentos elementares. Em virtude disso, a Psicologia passou a ser entendida, e considerada, uma química mental, uma vez que buscava descobrir os elementos básicos da consciência e entender como eles eram compostos. Psicologia da Personalidade 36 Vários estudiosos daquela época se levantaram com objeções a esse tipo de Psicologia, e Sigmund Freud foi um deles. Freud acreditava que os estudos da consciência eram tão superficiais como a própria consciência, uma vez que defendia o conceito de que ela era a parte menor dos problemas. Para ele, os estudos deveriam ser realizados no inconsciente, a parte maior e mais profunda da mente humana. Freud defendia a ideia de que a mente seria como um iceberg, o consciente seria a pequena parte aparente e o inconsciente, a maior parte, a que ficava submersa, escondida. E era lá, escondido, submerso, que estariam os impulsos, as paixões, as ideias, os sentimentos reprimidos, as forças vitais, que, não visíveis, exerceriam o controle dos pensamentos e das ações das pessoas. Por isso, para ele, o estudo apenas do que era consciente não faria entender o comportamento humano (HALL, LINDZEY, CAMPBELL, 2008). VOCÊ SABIA? Freud não foi o primeiro a entender a importância do inconsciente, mas foi o primeiro a querer estudar a consequência do que existia no inconsciente que repercutia na vida quotidiana, na qualidade de vida, na saúde mental das pessoas. Para proceder aos estudos do inconsciente, Freud criou o método de associação livre e começou a construir suas teorias sobre personalidade. O conceito de inconsciente trouxe a ideia de que existem aspectos do funcionamento das pessoas das quais elas não estão inteiramente conscientes e, ainda, que parte, ou grande parte, do comportamento delas é determinado por forças inconscientes. Assim, as influências do inconsciente precisavam ser estudadas para entender alguns comportamentos não saudáveis que as pessoas apresentavam em sua vivência (PERVIN e JONH, 2015). Psicologia da Personalidade 37 Níveis de consciência: primeira tópica do aparelho psíquico Na teoria psicanalítica criada por Freud, a vida psíquica é descrita a partir do quanto estamos conscientes dos fenômenos à nossa volta. Ele entende que o aparelho psíquico pode ser descrito em consciente, pré-consciente e inconsciente. A esta primeira formulação do aparelho psíquico deu-se o nome de Primeira Tópica. • Consciente: é o nível mais visível dos pensamentos, pode-se acessá-lo por meio de um exercício de reflexão. Logo, a parte consciente da mente engloba os desejos e ideias mais explícitas. A pessoa percebe os fenômenos à sua volta de maneira mais consistente, mais claramente. • Pré-consciente: extrato da mente humana considerado a ponte entre os pensamentos diretos e os impulsos mais subconscientes. Os pensamentos são um pouco mais difíceis de acessar, mas estão disponíveis se a pessoa prestar atenção a eles, se quiser se ocupar deles. A terapia psicanalítica busca levar os conteúdos do inconsciente ao pré-consciente para poder acessá-los. • Inconsciente: é o desconhecido inacessível da mente humana, ou seja, não se sabe, com certeza, o que ocorre nesse nível da mente. Freud defendeu a necessidade de trabalhar o inconsciente porque entendia a influência marcante dele na personalidade. O inconsciente é, para Freud, o nível da consciência que engloba as experiências vividas, os traumas pessoais e os impulsos animais. Na figura abaixo, vemos, de forma didática, o modo como Freud entendia o funcionamento do aparelho psíquico: Psicologia da Personalidade 38 Figura 3 - Iceberg Fonte: Freepik IMPORTANTE: Freud dizia que o consciente era a ponta do iceberg que era aparente. Na parte mergulhada do iceberg estavam o pré- consciente, logo abaixo da linha d’água e o inconsciente na parte mais profunda do iceberg. Ele considerou que os pensamentos e as percepções estão à nível do consciente. No pré-consciente podemos encontrar as memórias armazenadas que são de conhecimentoda pessoa. No inconsciente estão o instinto, os medos e os motivos egoístas das pessoas A teoria da psicanalista de Freud buscava explicar todo o funcionamento do ser humano, passando pelos comportamentos que eram visíveis até aqueles que estavam mais reprimidos, como as emoções, os traumas e transtornos psicológicos. Para estudar o inconsciente, ele cria o método da associação livre, o qual, através da fala, a pessoa expressa suas ideias, suas memórias traumáticas e os desejos mais escondidos. Além da associação livre, Freud analisava os sonhos, os atos falhos, as psicoses, as neuroses, as obras de arte e os rituais da pessoa na tentativa de compreender o inconsciente. Psicologia da Personalidade 39 Na sua visão, no inconsciente, a qualidade da vida psíquica era abundante, porque no inconsciente nada era impossível. Considerava o inconsciente alógico (coisas opostas tinham o mesmo significado), atemporal (situações ocorridas em tempos diferentes podiam estar presentes ao mesmo tempo) e sem limites quanto ao espaço (não existem distâncias ou tamanhos no espaço do inconsciente) (PERVIN; JONH, 2015). Estrutura da personalidade Em 1923, Freud desenvolveu um modelo estrutural que se referia aos diferentes aspectos do funcionamento da pessoa. Entende que a personalidade era constituída por três grandes sistemas: id, ego e superego, e que o comportamento é a consequência da interação entre eles (PERVIN e JONH, 2015; HALL, LINDZEY e CAMPBELL, 2008). a. ID: é o sistema original da personalidade, pois dele se originam o ego e o superego. Consiste no que é psicológico, herdado e está presente desde o nascimento, incluindo os instintos. b. Para Freud, o “id” é a verdadeira realidade psíquica, é o reservatório da energia psíquica da pessoa. O id não tolera frustações, e por isso, opera pelo princípio do prazer, pela gratificação imediata, busca sempre evitar a dor. Representa a fonte da energia das pulsões de vida e morte e das pulsões sexuais e agressivas. Busca liberação da excitação, da tensão e da energia. O id não tem razão, lógica, valores, moral ou ética. É exigente, pulsional, cego, irracional, antissocial e egoísta. O id não considera a realidade e busca satisfação seja pela ação ou pela imaginação. c. EGO: enquanto o id funciona pelo princípio do prazer, o “ego” opera segundo o princípio da realidade, de acordo com o mundo objetivo, real. Adia a gratificação das pulsões até que possa haver o mínimo de dor e de consequências negativas. Os desejos do id são satisfeitos pelo ego de acordo com a realidade. d. É o ego quem separa o desejo da fantasia, tolera tensões e frustrações e expressa o desenvolvimento de habilidades cognitivas e perceptivas, conseguindo perceber mais do que está à volta e pensar de forma mais complexa. Psicologia da Personalidade 40 e. Pode-se afirmar que o ego é o executivo da personalidade, uma vez que seleciona como vai responder aos instintos e de que maneira os desejos do id podem ser contemplados. O ego é a parte organizada do id, trabalha para atender ao id e depende do id. Não existe ego se não houver id. O ego mantém a vida e assegura que a espécie se reproduza. f. Superego: representa o ideal mais que o real, quer a perfeição mais que o prazer. Funciona como um árbitro dos padrões morais, decidindo o que é certo ou errado, lembrando das punições que se espera de quem viola as regras e gerando culpa. g. O “superego” é o responsável pelo controle do comportamento baseado em regras sociais e reforça os pensamentos de recompensa quando se age da forma socialmente esperada. As principais funções do superego são: a. Inibir os impulsos do id (especialmente os impulsos mais condenados pela sociedade: os sexuais e os agressivos). b. Convencer o ego a substituir as decisões realistas pelas decisões moralistas. c. Buscar a perfeição. O id, o ego e o superego não devem ser pensados como “inimigos” que se opõem no funcionamento da personalidade. Eles, na verdade, fazem parte dos processos psicológicos que fortificam a personalidade, e trabalham como uma equipe, cujo líder é o ego. Se fizermos uma analogia entre as duas tópicas do aparelho psíquico propostos por Freud, veremos que o id está completamente no inconsciente, e que o ego e o superego estão parcialmente no inconsciente e parcialmente no consciente. IMPORTANTE: Pode-se dizer que o id é o componente biológico da personalidade, o ego é o componente psicológico e o superego é o componente social. Psicologia da Personalidade 41 Desenvolvimento da personalidade Freud foi um dos primeiros teóricos a estudar o desenvolvimento da personalidade. Entendia como papel fundamental os primeiros anos de vida do bebê e suas experiências infantis para a formação da estrutura básica de caráter. Considerava que, aos cinco anos de idade, a personalidade já estaria formada e os anos subsequentes seriam apenas para elaborar a estrutura básica da personalidade. Em seus estudos, descreveu que a personalidade se desenvolve a partir de quatro fontes de tensão: processos de crescimento fisiológico, frustrações, conflitos e ameaças. A criança, diante de tais tensões, é impulsionada a aprender como reduzi-las e esse aprendizado leva ao desenvolvimento da personalidade. Etapas do desenvolvimento da personalidade Freud procurou descrever a personalidade a partir do desenvolvimento psicológico e sexual. Segundo sua teoria, o comportamento é influenciado pela busca do prazer durante a fase infantil, a partir do uso dezonas erógenas do corpo diferentes em cada etapa evolutiva. Para ele, se a criança passa por gratificação demasiada ou alguma frustração em uma das etapas, a consequência para o desenvolvimento da personalidade será verificada na idade adulta. As etapas do desenvolvimento da personalidade são descritas em cinco fases: 1. Fase oral (de 0 a 1 ano) Esta primeira etapa do desenvolvimento da personalidade começa ao nascimento e vai até o primeiro ano de vida. A zona erógena é a boca. O prazer é obtido na sucção (relacionada inicialmente à amamentação), em chupar (o dedo, por exemplo), morder objetos e comer. A evolução saudável dessa etapa está relacionada a experiências agradáveis e seguras oferecidas pelas pessoas responsáveis pelo cuidado da criança. Psicologia da Personalidade 42 Entretanto, uma experiência traumática, como cessar a amamentação antes do previsto ou amamentar tempo demais pode provocar fixação nessa fase. Para a Psicanálise, os resultados dessa fixação podem ser vícios em drogas (como tabaco), roer unhas, ingesta excessiva de comida e ainda uma personalidade agressiva e reativa. Figura 4 - Fase oral Fonte: Freepik 2. Fase anal (1-3 anos) Esta fase vai de um ano de idade até três ou quatro anos de idade. A zona erógena é o ânus e é caracterizada com o prazer de controle dos esfíncteres (controle de reter e expulsar fezes e urina). Se a evolução natural não for seguida, as crianças podem apresentar grande retenção de fezes ocasionando constipação e o consequente desenvolvimento de um caráter teimoso ou retraído. Ou ainda, as crianças podem ter um comportamento de rebeldia e expulsar as fezes em situações inoportunas e desenvolver um caráter mais destrutivo ou relaxado. Psicologia da Personalidade 43 Figura 5 - Fase anal Fonte: Freepik. 3. Fase Fálica (3-6 anos) Início aos 3 anos até aos 6 anos. Alguns autores referem que esta fase pode durar até aos 7 anos. A zona erógena são os órgãos sexuais (pênis ou falo nos meninos e clitóris nas meninas). O prazer está relacionado ao exibicionismo dos órgãos genitais, o interesse pelos seus órgãos genitais e pelos órgãos genitais de outras crianças. A curiosidade das diferenças entre meninos e meninas é presente nas crianças nessa fase, especialmente se a criança tem um irmão de sexo diferente do seu. VOCÊ SABIA? Esta é a fase em que osmeninos e as meninas ficam procurando ver a diferença entre os seus órgãos sexuais e os de outras crianças. Não há cunho sexual, mas a descoberta das diferenças entre eles. No início dessa fase existe um grande interesse autoerótico e o começo dos primeiros atos masturbatórios. Com o passar do tempo, o foco de interesse é nos pais e se percebe o desenvolvimento do Complexo de Édipo. Psicologia da Personalidade 44 O Complexo de Édipo tem como característica a busca de satisfação no progenitor do sexo oposto, podendo também surgir interesse pelo progenitor do mesmo sexo, na tentativa de superar uma rivalidade. É comum que as crianças busquem contato corporal, carícias e mesmo que tenham fantasias sobre o que os adultos fazem. Com o aparecimento do Complexo de Édipo, os meninos iniciam uma hostilidade em relação ao pai, entendido como um rival, porque rouba sua mãe, alvo de seu interesse sexual. O menino espera ser castigado com a castração por conta deste comportamento. As fantasias de castigo não satisfeitas podem desenvolver sintomas neuróticos na personalidade. Nessa fase do Complexo de Édipo, o menino se identifica com o pai e quer imitá-lo e, por consequência, a rivalidade desaparece, assim como o interesse pelo falo. As meninas assim como os meninos, mostram amor pela mãe. Para Freud, ao descobrirem a ausência de pênis, elas imaginam que foram mutiladas e culpam a mãe. Com isso, decidem que o pai será o seu objeto de amor devido ao desejo de ter o pênis. 4. Fase de latência (dos 7 anos até a adolescência) Fase em que os impulsos sexuais ficam amortecidos, o que identifica uma superação temporal dos instintos sexuais. Não há uma área erógena específica. Freud acreditava que a pulsão sexual era adormecida para que ocorresse uma aprendizagem do ambiente pela criança. Figura 6 - Fase de latência Fonte: Freepik. Psicologia da Personalidade 45 5. Fase genital (puberdade e maturidade) Identificada pelas alterações físicas, psíquicas e emocionais marcantes na adolescência. A zona erógena é novamente os órgãos sexuais, mas desta vez voltada para a própria sexualidade, pelos interesses sexuais e de satisfação. A capacidade de expressar sexualidade em função dos vínculos que faz está presente. É o momento da organização e maturidade sexual, quando a identidade sexual é reafirmada. É nesta fase que se constroem aspectos como amabilidade, afetuosidade, receptividade, segurança, capacidade de compreensão, apreciação de bem-estar, comportamento colaborativo etc. Figura 7 - Fase genital Fonte: Freepik. Psicologia da Personalidade 46 RESUMINDO: Neste capítulo vimos como Freud iniciou seus estudos sobre a formação da personalidade. Dentro do seu enfoque psicanalítico, demonstrou a importância da avaliação do inconsciente enquanto campo para a consolidação da personalidade. Também estudamos as duas tópicas do aparelho psíquico desenvolvidas pela corrente psicanalítica para explicar a estruturação da personalidade. Em sua primeira tópica, Freud traz os conceitos de consciente, pré-consciente e inconsciente como elementos de tratamento para as dificuldades emocionais desenvolvidas pelas pessoas. Especialmente, baseou seus estudos do inconsciente na crítica de que o que está na consciência é somente a ponta de um iceberg. Desse modo, o desafio é ajudar as pessoas na descoberta do que existe no grande iceberg que está submerso. Na sua segunda tópica, apresenta os conceitos de id, ego e superego, além de discutir sobre como esses elementos do aparelho psíquico são importantes na construção de uma personalidade saudável. Por fim, abordamos neste capítulo, as cinco fases de desenvolvimento da personalidade a partir das etapas da infância. Freud considerou que viver de forma saudável cada uma das fases permite o desenvolvimento de uma personalidade saudável. Em contrapartida, problemas em quaisquer das fases, podem trazer como consequência comportamentos doentios. Foi um capítulo com muitas informações, não é mesmo? Espero que vocês tenham aproveitado bem! Estamos nos encaminhando para o último capítulo desta unidade. Aguardo vocês para o próximo desafio. Até lá. Psicologia da Personalidade 47 Avaliação da personalidade humana OBJETIVO: Ao término deste capítulo, você será capaz de entender como os estudos sobre a avaliação psicológica abrem oportunidades para que o psicólogo faça intervenções mais seguras. Especificamente, a avaliação da personalidade ajuda no entendimento de comportamentos que podem ser considerados disfuncionais ou inadequados. A avaliação da personalidade pode ser realizada por intermédio de uma anamnese bem orientada e, também, com o uso de testes psicológicos autorizados para uso do psicólogo. Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Entendendo a avaliação psicológica Vamos começar este tópico do capítulo com a definição de avaliação psicológica pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP): IMPORTANTE: Avaliação psicológica é definida pelo Conselho Federal de Psicologia, na Resolução nº 007/2003, como um processo técnico científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos. Vários autores complementam esse conceito quando afirmam que a avaliação psicológica exige dos psicólogos habilidades e conhecimentos específicos, uma vez que se trata de uma atividade profissional complexa, com objetivos definidos. Constitui um processo de investigação amplo, que começa a partir do primeiro contato entre o psicólogo e o cliente. O profissional se propõe a conhecer as demandas do cliente e traçar a tomada de estratégias terapêuticas a fim de ajudar no seu tratamento. Psicologia da Personalidade 48 Falando de maneira mais específica, a avaliação psicológica refere- se à coleta de dados e sua interpretação, utilizando procedimentos técnicos confiáveis e reconhecidos pela ciência psicológica no sentido de permitir ao psicólogo ampla investigação sobre o caso. A anamnese inicial é um instrumento de avaliação psicológica, por exemplo. O principal objetivo da avaliação psicológica é verificar características psicológicas do cliente e o psicólogo é o único profissional habilitado por lei para realizar esse procedimento, conforme determinação do Conselho Federal de Psicologia (CFP 007/2003). Na avaliação psicológica, o psicólogo busca questões do funcionamento psíquico do cliente naquele momento específico de sua vida, avaliando as capacidades, as habilidades, as características da personalidade, os comportamentos, os conflitos da pessoa. Não seria nem necessário dizer que não há julgamentos morais e nem o estabelecimento do conceito de certo ou errado por parte do profissional numa avaliação psicológica. Por isso, o uso das técnicas psicológicas é imprescindível. O Conselho Federal de Psicologia (2013) enfatiza que o psicólogo pode realizar a avaliação psicológica de forma individual, isto é, com uma só pessoa ou em grupos com várias pessoas. Importante ressaltar que no caso da realização da avaliação em grupos, deve ser observado o número de pessoas adequado numa sala, de forma que não haja superlotação. A avaliação é sempre dinâmica e deve ser sempre planejada cuidadosamente pelo psicólogo. É uma importante fonte de informações sobre os fenômenos psicológicos que pode ajudar outras áreas do conhecimento, como saúde, educação, trabalho, concursos públicos, porte de armas, trânsito etc. O planejamento cuidadoso a que se refere o Conselho Federal de Psicologia, inclui alguns procedimentos que o psicólogo precisa seguir para uma avaliação efetiva. Entre elas, pode-se destacar: • Identificar os objetivos da avaliação; • Levantar as particularidades da pessoa ou o grupo que será avaliado; Psicologia da Personalidade 49 • Escolha dos instrumentos e/ou das estratégias mais adequadas para realizar a avaliação que atendamaos objetivos; • Depois da escolha dos instrumentos, a coleta das informações pode ser realizada através de entrevistas, dinâmicas, observação, testes psicométricos ou projetivos e ainda uma combinação de algumas dessas estratégias. IMPORTANTE: Na realidade, o ideal é que seja mesmo feita a integração de mais de uma estratégia de avaliação, para que o profissional possa refinar sua avaliação de forma a atingir os objetivos propostas na avaliação. Competências para a avaliação psicológica Um psicólogo precisa estar preparado tecnicamente para proceder à uma avaliação psicológica eficaz. O Conselho Federal de Psicologia entende que algumas competências são importantes para uma avaliação fundamentada tecnicamente, tais como: • Conhecer a legislação referente ao processo de avaliação psicológica brasileira. • Conhecer as resoluções do CFP sobre o assunto. • Conhecer o Código de Ética Profissional do Psicólogo. • Conhecer os fundamentos básicos da Psicologia. • Conhecer os principais construtos para proceder a avaliação, dentre os quais se destaca: desenvolvimento, inteligência, memória, atenção, emoção, personalidade etc. • Ter conhecimento de psicopatologia para proceder à identificação de problemas de saúde mental e realizar diagnósticos. • Ter conhecimento de psicometria para a avaliação de validade, precisão e normas dos testes. Psicologia da Personalidade 50 • Ser capaz de escolher os testes de acordo com os objetivos e propósitos de cada teste para cada construto. • Ter domínio dos procedimentos da aplicação e interpretação dos testes. • Ter domínio das técnicas escolhidas para a avaliação. • Ter condições de planejar e avaliar as técnicas escolhidas para atingir os objetivos, público-alvo e contexto da avaliação. • Ter conhecimento das técnicas da elaboração de documentos psicológicos para a descrição dos resultados da avaliação. • Ter competência para comunicar os resultados da avaliação na entrevista devolutiva. Os resultados decorrentes de uma avaliação psicológica têm impacto sobre as pessoas envolvidas, seus familiares e a sociedade. IMPORTANTE: Entendendo esses conceitos, devemos nos alertar para o fato de que realizar avaliação psicológica, seja por meio de entrevistas psicológicas ou aplicação de testes psicológicos e/ou no uso de ambas as estratégias, é de uma responsabilidade sem precedentes na vida na pessoa que está sendo avaliada. Portanto, a preocupação com a eficácia desse procedimento técnico por parte do psicólogo deve seguir princípios de contexto ético: • O psicólogo deve atuar responsavelmente de forma ética e técnica. • Deve buscar aprimoramento profissional de forma que contribua para o desenvolvimento da Psicologia como ciência. • No caso de aplicação de testes, deve aplicar apenas os que têm parecer favorável do Conselho Federal de Psicologia e que estão listados no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satespi). Psicologia da Personalidade 51 • Deve usar apenas os instrumentos de avaliação psicológica para os quais esteja qualificado. • Deve realizar a avaliação psicológica em ambientes adequados, que assegurem a qualidade, o conforto do avaliando e o sigilo das informações obtidas. • Deve ter o cuidado de guardar os resultados das avaliações realizadas em arquivos seguros e de acesso restrito. • Só deve disponibilizar as informações resultantes das avaliações psicológicas a quem tem o direito de conhecê-las. • Não comercializar os testes, não os divulgar ou ensinar aos profissionais que não são psicólogos. A avaliação psicológica é, mediante isso, um processo de investigação que orienta o olhar do psicólogo para a condição psíquica de uma pessoa. Essa avaliação pode ser realizada de forma qualitativa (quando as entrevistas ou dinâmicas de grupo ou os testes projetivos são usadas como forma de avaliação) ou quantitativas (quando são usados testes psicométricos). VOCÊ SABIA? O psicodiagnóstico é um tipo de avaliação psicológica utilizado para auxiliar na complementação de avaliações de outros profissionais: psicopedagogos, fonoaudiólogos, psiquiatras, neurologistas. É uma avaliação clínica e detecta o potencial e os déficits do funcionamento psicológico da pessoa. Importante destacar que a avaliação psicológica deve ser adaptada às faixas etárias das pessoas que são alvo da investigação. Algumas vezes, nos casos de crianças, adolescentes ou idosos que apresentam algum grau de dificuldade de expressão, a família deverá ser entrevistada também. A entrevista devolutiva deve ser realizada com as pessoas envolvidas na avaliação. Psicologia da Personalidade 52 Testagem psicológica na avaliação psicológica A testagem psicológica pode ser considerada uma etapa da avaliação psicológica e implica a aplicação de testes psicológicos. Testes psicológicos, também chamados de testes psicométricos, e são entendidos como uma avaliação sistemática que mensura processos psicológicos como emoções, afetos, inteligência, motivação, personalidade, psicomotricidade, atenção, memória e percepção. Os testes psicológicos também podem ser projetivos. São testes considerados livres, cuja a pessoa que está sendo testada recebe um estímulo (imagem ou frase, por exemplo), que leva à criação de uma resposta consciente ou inconsciente. IMPORTANTE: O Conselho Federal de Psicologia determina que a utilização dos testes psicológicos é permitida somente a psicólogos, uma vez que é necessário conhecimentos e habilidades exclusivas da formação desses profissionais. Os testes psicológicos são aplicados nos seguintes contextos: Psicologia Clínica, Psicologia da Saúde e/ou Hospitalar, Psicologia Escolar e Educacional, Neuropsicologia, Psicologia Forense, Psicologia do Trabalho e das Organizações, Psicologia do Esporte, Social/Comunitária, Psicologia do Trânsito, orientação e ou aconselhamento profissional. Testagem psicológica na avaliação da personalidade Dentro do escopo da avaliação psicológica, encontramos os testes psicométricos e projetivos para avaliação da personalidade. Os testes de personalidade têm a finalidade de revelar traços inatos e adquiridos da personalidade do indivíduo, os quais podem ou não ser conhecidos pela pessoa e que identificam o caráter e o temperamento. Eles avaliam e medem as características psicológicas de uma pessoa e seu comportamento em diferentes ocasiões. Os testes de Psicologia da Personalidade 53 personalidade podem ser utilizados com finalidade de ajuda diagnóstica de determinados estados mentais e para verificar as habilidades e limitações de pessoas em relação a certas atividades como dirigir, pilotar, usar uma arma, assumir um cargo específico em concurso público, entre outras situações. VOCÊ SABIA? O Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) foi desenvolvido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) para avaliar a qualidade técnico-científica dos instrumentos psicológicos para uso dos psicólogos, verificando os requisitos técnicos dos mesmos e sua validação para aplicação. A escolha do teste ou da bateria de testes que será aplicado é da escolha do psicólogo e isso dependerá dos principais objetivos da avaliação. O artigo 11º da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 002/2003, diz que: “as condições de uso dos instrumentos devem ser consideradas apenas para os contextos e propósitos para os quais os estudos empíricos indicaram resultados favoráveis”. Isso significa que o psicólogo deve seguir os critérios de verificar se o teste (ou os testes) estão aprovados no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi) e avaliar o contexto e a finalidade da aplicação. Principais testes na avaliação da personalidade Para a avaliação da personalidade, alguns testes são utilizados de forma mais recorrente. Abaixo a descrição de alguns deles: 1. BFP: Bateria Fatorial de Personalidade Aplicação pode ser realizadaindividualmente ou em grupos. O público-alvo são adultos brasileiros de todas as regiões do país que tenham grau de instrução a partir do ensino médio. Psicologia da Personalidade 54 IMPORTANTE: A BFP tem 126 itens e foi desenvolvida no Brasil, levando em conta a língua falada no país, nossos valores culturais, nossas diversidades regionais e as especificidades dos quadros clínicos na nossa realidade. Por isso, A BFP é diferenciada de outros instrumentos para a avaliação da personalidade desenvolvidos em outros países e adaptados para o Brasil. Não há tempo determinado para a aplicação. Apesar do tempo livre, a maior parte dos sujeitos em avaliação leva aproximadamente 30 minutos para sua realização. A correção pelo psicólogo pode ser manual ou informatizada. No caso da correção informatizada, o acesso é gratuito a partir da compra do teste em lojas credenciadas. A Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) foi criada a partir do modelo dos Cinco Fatores (CGF), que será estudado no capítulo 4 da Unidade 3 do nosso curso. A BFP analisa cinco dimensões: Extroversão, Realização, Neuroticismo, Socialização e Abertura a novas experiências e traz a análise de subescalas em cada uma dessas dimensões. No quadro abaixo, destacamos as dimensões e as subescalas analisadas no teste: Psicologia da Personalidade 55 Quadro 3 - Dimensões da BFP e suas subescalas Fonte: Elaborado pela autora (2021). A indicação para a aplicação da BFP é diversa, podendo ser usada para: • Processos de seleção de pessoal e avaliação de planos de carreira nos contextos da Psicologia do Trabalho e Psicologia Organizacional. • Avaliação para autorização de porte de arma no contexto da área de Segurança. • Avaliação para Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no contexto da área do Trânsito. • Avaliações Clínicas e Psicodiagnóstico. • Orientação Profissional. • Psicologia Forense. • Psicologia Escolar e Educacional. • Avaliação Neuropsicológica. • Pesquisa. Psicologia da Personalidade 56 2. Entrevista Diagnóstica para Transtorno de Personalidade (E-TRAP) O E-TRAP é uma entrevista semiestruturada e semiadaptativa para ajudar aos profissionais de saúde mental na investigação de padrões mal adaptativos de comportamento, pensamento e expressão emocional. É o primeiro instrumento com esses objetivos desenvolvido no Brasil. A entrevista auxilia, portanto, no diagnóstico de Transtornos de Personalidade (esquizotípica, esquizoide, paranoide, antissocial, narcisista, borderline, histriônica, evitativa, dependente e obsessivo-compulsiva), dentro dos modelos diagnósticos, que já discutimos nesta Unidade. É fundamental que os profissionais dominem os critérios diagnósticos do DSM-5, assim como saibam as características de cada transtorno. É voltado para o público adulto a partir de 18 anos. Sua aplicação é sempre individual e de forma informatizada, por isso, podem ser usados computadores ou tablets com conexão à internet, mas a recomendação é que a aplicação seja presencial e não remota. IMPORTANTE: Em necessidades excepcionais, cuja aplicação seja remota, o psicólogo deve usar recursos audiovisuais para acompanhar a aplicação. Não há tempo limite para a aplicação, mas, em geral não excede duas horas. Pode ser usado no contexto clínico, forense ou em qualquer situação em que seja necessário diagnosticar presença ou ausência de Transtornos da personalidade. 3. Inventário Fatorial de Personalidade (IFP) O IFP é composto por 100 afirmativas e tem como objetivo traçar o perfil da personalidade do indivíduo com base em 13 fatores: assistência, intracepção, afago, autonomia, deferência, afiliação, dominância, desempenho, exibição, agressão, ordem, persistência e mudança. Psicologia da Personalidade 57 Esses fatores foram criados a partir da teoria das necessidades ou motivos psicológicos de Henry Murray e são agrupados no resultado do teste em: necessidades afetivas, necessidades de organização e necessidades de controle e oposição. Voltado para população de 14 a 86 anos de idade, com grau de instrução a partir do ensino fundamental de todos os estados brasileiros. Tem aplicação individual ou coletiva, também sem limite de tempo, mas em geral, são gastos 20 minutos na aplicação. A correção é manual ou informatizada. A aplicação é voltada para os seguintes contextos: avaliação clínica, orientação profissional e de carreira, organizacional e outros em que se faz necessária a avaliação da personalidade. 4. Palográfico Avalia a personalidade por meio do comportamento expressivo, quando o avaliando realiza traços verticais em uma folha de papel padronizada pelo teste. É realizado em duas partes: uma parte de treino e outra parte do teste propriamente. Sua aplicação pode ser individual ou coletiva. De forma muito simples e rápida (7 minutos e meio), porém, a avaliação qualitativa/ quantitativa e sua interpretação exigem um certo grau de preparação e experiência do Psicólogo com a técnica. É aplicado na população entre 18 e 60 anos de idade, a partir do ensino fundamental e fornece informações sobre a inibição, elação, depressão, temperamento, organização, humor, impulsividade, produtividade, ritmo, a qualidade do rendimento no trabalho e a propensão à fadiga, dentre outras características. 5. QUATI – Questionário de Avaliação Tipológica Avalia a personalidade humana a partir das escolhas situacionais propostas em um questionário de fácil compreensão e avaliação simples e objetiva. É composto por seis propostas de situações cotidianas, cada uma com aproximadamente quinze pares de afirmações, de modo que Psicologia da Personalidade 58 a pessoa escolhe as que mais se aproximam de seu comportamento e anota na folha apropriada. A aplicação, individual ou coletiva, é dirigida à população brasileira a partir da 8ª série do ensino fundamental ao nível superior. É baseado na teoria Junguiana e em sua tipologia (que iremos conhecer em nosso curso) e procura estilos cognitivos e de comportamento individual. Não há limite de tempo, mas, em média, é realizado em 45 minutos. Os resultados avaliam Atitude Consciente: Introversão (I) e Extroversão (E); as Funções de Percepção: Intuição (In) e a Sensação (Ss); e as Funções de Julgamento: Pensamento (Ps) e Sentimento (St), que veremos com mais detalhes em capítulo de outra unidade deste curso. O QUATI é utilizado nos contextos de organização de grupos de trabalho, na detecção e solução de conflito nas organizações, no treinamento empresarial e remanejamento de pessoal, na criação de programas de ensino-aprendizagem, na orientação de pais e professores, em aconselhamento familiar e na orientação vocacional. 6. HTP – House, Tree, Person (Casa, Árvore, Pessoa) É uma técnica projetiva de desenho da Casa – Árvore – Pessoa. Tem como objetivo fornecer informações sobre elementos da personalidade e áreas de conflito que pessoa vive sua individualidade e em relação aos outros e ao ambiente do lar. Recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que os testes psicológicos podem ser comercializados para qualquer pessoa, e não só para psicólogos com inscrição no Conselho Regional de Psicologia, mas a aplicação continua sendo atividade restrita aos psicólogos. A aplicação é sempre individual para pessoas acima de 8 anos de idade. Tem tempo de aplicação livre, mas, em geral leva entre 30 e 90 minutos. Estes são os testes mais comuns para a avaliação da personalidade, que relembramos, devem ser aplicados apenas pelos psicólogos. Psicologia da Personalidade 59 RESUMINDO: Neste capítulo vimos a importância da avaliação psicológica como instrumento de trabalho exclusivo do psicólogo, que deve ter conhecimentos técnicos e científicos para realizar uma avaliação de qualidade. Dentro da atividade de avaliação psicológica se encontram os testes psicológicos, como vimos, de aplicação exclusiva
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