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ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL (AIJ) Dr. Victor L.S. Marques Pediatria I 2022.2 INTRODUÇÃO Conceitos iniciais: · Trata-se de uma doença inflamatória crônica · Etiologia desconhecida Epidemiologia: · É a doença articular mais frequente da infância · Incidência de 2-20 casos para cada 100 mil crianças · Prevalência de 16 a 150 casos para cada 100 mil crianças · Mais comum no sexo feminino, 2:1 · Acomete, normalmente, menores de 16 anos, com maior frequência entre 1 e 3 anos · O diagnóstico de AIJ é feito até os 16 anos, a partir dessa idade já passa a ser denominada Artrite Reumatóide, que é a doença no adulto. MANIFESTAÇÕES ARTICULARES Artralgia: dor articular difusa, sem alterações no exame físico · É uma dor articular referida pelo paciente mas ao exame físico não são encontradas alterações → sintoma. Artrite: é a dor associada a alterações que podem ser diagnosticadas clinicamente ou através de exame de imagem. · Derrame articular evidenciado em USG dá diagnóstico de artrite independente do quadro · Presença de 02 ou mais dos seguintes sinais clínicos: · Limitação do movimento · Dor à palpação · Dor à movimentação · Calor local CLASSIFICAÇÃO DA ARTRITE Quanto à articulação envolvida: · Monoarticular: envolve uma única articulação · Etiologia geralmente infecciosa ou traumática · Oligoarticular ou Pauciarticular: envolve de duas a quatro articulações · Ocorre na Púrpura de Henoch Schonlein (PHS) → vasculite por depósito de IgA · Poliarticular: envolve a partir de cinco articulações · Etiologias mais comuns: febre reumática, lúpus eritematoso sistêmico juvenil e artrite idiopática juvenil Quanto à duração: · Aguda: envolvimento < 06 semanas · Geralmente por trauma, febre reumática, LESI, PHS ou infecção · Crônica: envolvimento > 06 semanas · Principais etiologias: AIJ e espondiloartropatias juvenis CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS (ILAR - 2004) Consideramos AIJ quando: · Idade de início < 16 anos · Acometimento > 6 semanas (artrite crônica) · Acompanhamento, em alguns casos específicos, por pelo menos 06 meses · Exclusão de outras causas Subtipos de AIJ: · Artrite sistêmica · Artrite poliarticular com FR negativo · Artrite poliarticular com FR positivo · Artrite oligoarticular · Artrite relacionada a entesite · Artrite psoriásica · Artrite indiferenciada Artrite Sistêmica (10-30%): artrite associada a febre de, no mínimo, 02 semanas, sendo diária em pelo menos 03 dias e acompanhada de um ou mais dos seguintes sinais: · Exantema evanescente · Linfadenopatia generalizada (geralmente em região cervical anterior) · Alargamento do fígado ou baço · Serosite (pleurite e/ou pericardite) Artrite Poliarticular com FR Negativo (20-30%): artrite em 05 ou mais articulações durante os primeiros 06 meses de doença com fator reumatóide (FR) IgM ausente. · Para determinar que trata-se de um FR negativo, precisamos ter no mínimo duas dosagens de FR fração IgM → colhemos em um primeiro momento (“momento 0”) e colhemos novamente após três meses (“momento 3”), em ambos os momentos o resultado precisa estar negativo para considerarmos AIJ poliarticular com FR negativo. · Atenção! Caso tenhamos: momento 0 = negativo e momento 3 = positivo, precisamos colher uma contra-prova após mais 3 meses, o que chamamos de momento 6, sendo que o resultado determina a AIJ. Artrite Poliarticular com FR Positivo (5-10%): artrite em 05 ou mais articulações durante os 6 primeiros meses de doença com FR IgM presente em pelo menos 2 ocasiões com, no mínimo, 03 meses de intervalo. · São casos mais raros e muito semelhantes à artrite reumatóide, então evoluem com mais deformidade articular.. · Aqui também se aplica a necessidade de pelo menos duas amostras com resultado positivo e intervalo de 03 meses entre elas para confirmação da doença. Artrite Oligoarticular (40-50%): acometimento de até quatro articulações durante os 06 primeiros meses da doença. Decorridos os seis meses, pode ser classificada como oligo persistente ou oligo estendida. · Oligo persistente: fica contida à 04 articulações, nunca mais do que isso. · Oligo estendida: começa acometendo 04 articulações e, depois de 06 meses, passa a acometer mais articulações. · Atenção! Caso inicie como artrite oligoarticular com acometimento de 04 articulações e, após seis meses, haja o acometimento de > 6 articulações, nós NÃO vamos reclassificar como AIJ poliarticular e sim como AIJ oligo estendida, porque abriu o quadro como oligoarticular. Artrite Relacionada à Entesite (1-7%): entesite é a inflamação da êntese, ou seja, do ponto de inserção do músculo ao osso. · Para o diagnóstico, pode ocorrer: · Artrite associada à entesite OU · Artrite ou entesite com 02 ou mais das seguintes características: · Dor em articulação sacroilíaca e/ou dor inflamatória em coluna lombossacral · Presença de HLA-B27 · Uveíte anterior aguda associada à dor, vermelhidão e fotofobia · Início de artrite em menino após os 6 anos de idade · História de espondilite anquilosante (acometimento das articulações da coluna vertebral e grandes articulações), artrite relacionada a entesite, sacroileíte com doença inflamatória intestinal, síndrome de Reiter (artrite reativa) ou uveíte anterior aguda em parente de primeiro grau. · Pontos de ênteses: · Inserção de fáscia plantar nas cabeças do 1° ao 5° metatarsiano, na base do 5° metatarso e no calcâneo · Inserção do tendão de Aquiles no calcâneo · Inserção do quadríceps na patela e inserção do ligamento patelar na patela e na tuberosidade da tíbia Artrite Psoriásica (2-15%): coexistência de artrite e psoríase ou artrite com, no mínimo, 02 das seguintes características: · Dactilite ou dedos em salsicha (edema de flexores) · Onicólise ou nail pitting (sulcos nas unhas) · História familiar de psoríase em parente de primeiro grau Artrite Indiferenciada (2-23%): não preenche critério para nenhuma categoria OU se encaixa em duas ou mais categorias concomitantemente. Por exemplo paciente com psoríase e acometimento de 05 articulações, ou seja, artrite psoriásica + artrite poliarticular associadas. Obs: para fins de classificação, não existe o acometimento monoarticular, quando somente uma articulação é acometida, ela vai se enquadrar na oligoarticular. EXAMES COMPLEMENTARES Exames Laboratoriais: · Hemograma · Pode haver anemia, leucocitose, leucopenia e/ou plaquetose → inflamação · Provas de fase aguda: PCR e VHS · O VHS é melhor para investigação de doenças crônicas e o PCR é melhor para investigação de doenças infecciosas e agudas. · Fator Antinuclear (FAN) · É importante para diferenciação diagnóstica (pensar em Lúpus) · Se o FAN vem positivo, o paciente tem maior chance de desenvolver alterações oculares (uveíte), devemos orientar acompanhamento com um oftalmologista. · Fator reumatóide · Coagulograma · Na AIJ pode ocorrer a “síndrome de ativação macrofágica” → os macrófagos se ativam na medula óssea e fagocitam qualquer célula, o que vai causar anemia, queda de fibrinogênio, sangramentos, aumento de TGO e TGP, etc. Constitui uma emergência reumatológica e precisa ser realizada pulsoterapia com corticoide. · Função renal e hepática: TGO, TGP, ureia e creatinina · Importante tanto para diagnóstico quanto para acompanhamento do tratamento, isto é, para sabermos se a doença está levando a alterações nesses sistemas ou para saber se o medicamento está fazendo isso · Os medicamentos utilizados no tratamento são nefro e hepatotóxicos. · Análise do líquido sinovial (bioquímica, bacterioscopia, cultura e celularidade) · Principalmente na artrite monoarticular, para fazer diagnóstico diferencial de AIJ com outras doenças infecciosas ou de origem traumática. Exames de Imagem: · Radiografia: é o mais utilizado, porque é mais barato e mais disponível. Os achados se modificam de acordo com a fase da doença. · Fase Inicial: aumento das partes moles, alargamento do espaço articular, osteoporose periarticular e neoformação óssea. · Fases Tardias: discrepância no crescimento ósseo, redução do espaço articular, erosões, anquilose e osteoporosegeneralizada · Ultrassonografia: mais usada para identificar presença de líquido na articulação e como guia para punção de alívio · Ressonância Magnética: é o exame mais preciso para avaliação osteoarticular, porém é caro e não está disponível em todos os serviços, então não é tão utilizado. TRATAMENTO É multiprofissional, envolvendo profissionais da fisioterapia, terapia ocupacional, odontopediatria, oftalmologia, ortopedia, psicologia e assistência social. Tratamento Medicamentoso: é individualizado. Como o curso da doença é imprevisível, pode ser que entre em remissão facilmente somente com o uso de AINES ou corticóides, porém também pode ocorrer de ficar em atividade e torna-se de difícil controle, sendo necessário o uso de imunobiológicos. · AINES: são indicados na fase aguda da doença para melhorar os sintomas. · Inibidores de COX-1 e COX-2: Naproxeno, Ibuprofeno e AAS · Inibidores de COX-1 e COX-2: Indometacina, Diclofenaco, Nimesulida · Inibidores de COX-2: Meloxicam e Celecoxibe (não são usados na pediatria) · Corticóides: o uso deve ser por período limitado. · Via Oral: Prednisona, Prednisolona · Endovenoso: pulsoterapia com metilprednisolona · Intra-articular: Triancinolona → utilizamos em até duas articulações envolvidas. · Drogas Antirreumáticas Modificadoras da Doença (DMARDs): Metotrexate, Cloroquina, Hidroxicloroquina, Sulfadiazina e D-penicilamina · Imunossupressores: Ciclosporina, Azatioprina, Ciclofosfamida, Leflunomide, Micofenolato e Mofetil · Agentes Biológicos: Anti-TNFα (Etanercepte [Enbrel®], Infliximab [Remicade®], Adalimumabe [Humira®]) e anti-IL1R (Anakinra [Kineret®]) · Agem no mecanismo da doença, inibindo as interleucinas envolvidas no processo inflamatório, sendo as principais a IL-1, a IL-6 e o TNF-α · Modulador da co-estimulação: CTLA4lg (Abatacepte) · Outros: Gamaglobulina e Talidomida *Obs: imunobiológico somente a partir dos 06 anos de idade. CASO CLÍNICO NSF, masculino, 3 anos e oito meses, com história de dor em articulações das interfalangianas proximais das mãos, joelhos e tornozelos, associada a febre irregular, de início aos treze meses de idade. Negou surgimento de lesões cutâneas, aftas orais e outros sinais e sintomas. Ao exame físico nessa 1ª consulta: limitação e dor à palpação em IFP do 4◦ quirodáctilo de ambas as mãos, joelhos e tornozelos. · Exames complementares: Fator antinúcleo (FAN) e Fator reumatoide (FR) não reagentes. Paciente não aderiu ao tratamento por problemas socioeconômicos, com abandono do segmento médico, retornando ao serviço com doença em atividade clínica, após 1 ano com febre irregular e artrite em articulações metatarsofalangianas, joelhos e tornozelos. Ao exame hoje: marcha claudicante, limitação e dor a movimentação em punhos, cotovelos e joelhos. Hipóteses Diagnósticas: · Artrite idiopática juvenil → porque ele tem limitação do movimento e dor à palpação, de início há mais de 06 semanas e antes dos 16 anos. · Subtipo: poliarticular com FR negativo → ele tem acometimento de 6 articulações com FR negativo. · Não trata-se de AIJ sistêmica porque embora ele tenha artrite e febre, não tem história de exantema, linfadenopatia, serosite ou alargamento do fígado ou baço. Exames Complementares: · Laboratoriais: hemograma, coagulograma, VHS e PCR, FAN e FR, TGO e TGP, , ureia e creatinina · Imagem: RX das articulações envolvidas (punhos, cotovelos e joelhos) → são esperados achados de AIJ fase tardia. · No caso desse paciente, o acometimento é bilateral, mas é importante lembrar que mesmo nos casos onde o acometimento é monoarticular, a gente precisa pedir RX dos dois lados, porque assim o lado não acometido vai servir como parâmetro para avaliação do lado acometido. Tratamento: · Tratamento não-medicamentoso com: fisioterapeuta, dentista, psicólogo, assistente social e oftalmologista. · Tratamento medicamentoso: AINE (ibuprofeno ou naproxeno) e corticóide (período curto e desmame rápido) para tratamento da fase aguda e Metotrexate. · Se após 03 meses não houver resultado conforme o esperado, introduzir imunobiológico (anti-TNF = etanercept ®) · Manter o tratamento medicamentoso por 1 ano e meio a 2 anos, desde que sem atividade clínica e sem alterações laboratoriais. A partir desse período, iniciamos o desmame.. · O desmame é muito importante, porque a retirada abrupta aumenta a chance de reativação da doença. * Obs: em uma questão, se vamos contabilizar o número de articulações acometidas, vamos dar preferência ao exame físico, somente caso a descrição do exame físico não esteja no enunciado vamos considerar a história clínica.
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