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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Sumário Apresentação ............................................................................................................................7 Aspectos históricos da Psicologia ............................................................................................9 As diferentes linhas do pensamento psicológico ..................................................................................... 10 O desenvolvimento humano ..................................................................................................................... 15 Atividades ................................................................................................................................................ 15 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 16 Vygotsky: vida e obra – a história de um gênio .....................................................................19 Vygotsky e a sua visão da realidade ......................................................................................................... 20 Atividades ................................................................................................................................................ 23 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 24 Bases epistemológicas: o processo de humanização .............................................................25 Atividades ................................................................................................................................................ 28 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 29 Processo de humanização: comportamento animal versus comportamento humano ............31 A cultura ................................................................................................................................................... 33 A significação ........................................................................................................................................... 34 Atividades ................................................................................................................................................ 36 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 37 A função do instrumento e do símbolo ..................................................................................39 Atividades ................................................................................................................................................ 43 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 44 A formação de conceitos elementares ....................................................................................45 Atividades ................................................................................................................................................ 48 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 49 Formação de conceitos científicos .........................................................................................51 Atividades ................................................................................................................................................ 54 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 55 Piaget 1 .................................................................................................................................. 57 Introdução ................................................................................................................................................ 57 O desenvolvimento mental segundo Piaget ............................................................................................ 58 Atividades ................................................................................................................................................ 62 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 63 Piaget 2: estágios do desenvolvimento ..................................................................................65 O que são os estágios ............................................................................................................................... 65 Atividades ................................................................................................................................................ 71 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 72 Piaget 3: o desenvolvimento da inteligência ..........................................................................73 Aprendizagem .......................................................................................................................................... 74 Texto complementar ................................................................................................................................. 76 Atividades ................................................................................................................................................ 79 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 80 Wallon e a Psicologia Genética ..............................................................................................81 Aspectos biográficos ............................................................................................................................... 81 Fundamentos epistemológicos ................................................................................................................. 82 Atividades ................................................................................................................................................ 85 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 86 Wallon e o desenvolvimento da consciência .........................................................................87 As leis reguladoras .................................................................................................................................. 87 Os estágios .............................................................................................................................................. 88 Atividades ................................................................................................................................................ 91 Dicas de estudo ........................................................................................................................................ 92 A obra de Sigmund Freud ......................................................................................................93 Biografia ................................................................................................................................................... 93 Contextualização histórica da Psicanálise ............................................................................................... 95 Texto complementar .................................................................................................................................99 Atividades .............................................................................................................................................. 100 Dicas de estudo ...................................................................................................................................... 101 Evolução dos instintos ........................................................................................................103 Fase oral ................................................................................................................................................ 104 Fase anal ................................................................................................................................................. 104 Fase fálica .............................................................................................................................................. 105 Fase de latência ..................................................................................................................................... 106 Fase genital ............................................................................................................................................ 107 A construção do aparelho psíquico ....................................................................................................... 107 Atividades .............................................................................................................................................. 108 Dicas de estudo ...................................................................................................................................... 108 Mecanismos de defesa .........................................................................................................109 Sublimação ............................................................................................................................................ 109 Negação ..................................................................................................................................................110 Projeção ..................................................................................................................................................110 Introjeção ................................................................................................................................................111 Identificação ............................................................................................................................................111 Formação reativa .....................................................................................................................................112 Isolamento ...............................................................................................................................................112 Anulação .................................................................................................................................................112 Deslocamento .........................................................................................................................................112 Idealização ..............................................................................................................................................113 Conversão ................................................................................................................................................113 Regressão ...............................................................................................................................................113 Racionalização .......................................................................................................................................113 Princípio fundamental da teoria psicanalítica ........................................................................................114 O professor e a teoria freudiana da aprendizagem ..................................................................................114 Texto complementar ................................................................................................................................117 Atividades .............................................................................................................................................. 120 Dicas de estudo ...................................................................................................................................... 121 Erik Erikson: o desenvolvimento psicossocial ...................................................................123 Formação da personalidade ................................................................................................................... 124 Crise psicossocial .................................................................................................................................. 124 Desenvolvimento contínuo .................................................................................................................... 125 Estágios psicossociais ............................................................................................................................ 125 Atividades .............................................................................................................................................. 130 Dicas de estudo ...................................................................................................................................... 131 A Psicologia Cognitiva: o processamento da informação ....................................................133 Linhas de pesquisa emprocessamento da informação ............................................................................ 135 Contribuições para os dias de hoje ........................................................................................................ 137 Atividades .............................................................................................................................................. 138 Dicas de estudo ...................................................................................................................................... 139 As inteligências múltiplas de Howard Gardner ..................................................................141 O que são as múltiplas inteligências? ..................................................................................................... 141 Critérios para existência da inteligência ................................................................................................ 142 Os tipos de inteligência de Gardner ...................................................................................................... 143 Atividades .............................................................................................................................................. 145 Dicas de estudo ...................................................................................................................................... 146 A inteligência triárquica de Robert Sternberg .....................................................................147 A inteligência e o mundo interno .......................................................................................................... 148 A inteligência e a experiência ............................................................................................................... 149 A inteligência e o mundo externo .......................................................................................................... 149 Atividades .............................................................................................................................................. 150 Dicas de estudo ......................................................................................................................................151 A importância das perspectivas psicológicas do desenvolvimento .....................................153 Atividades .............................................................................................................................................. 156 Dicas de estudo ...................................................................................................................................... 157 Referências ...........................................................................................................................159 Apresentação E ste livro foi preparado para que você acompanhe as aulas de Psicologia do Desenvolvimento e aprofunde seus conhecimentos sobre as mudanças de comportamento humano durante as mais diferentes fases da vida. Nele, você encontrará subsídios essenciais para sua prática profissional; ao longo das aulas, além de entrar em contato com o contexto histórico do surgimento dessa disciplina, conhecerá suas diferentes correntes, alguns dos principais estudiosos e as contribuições contemporâneas a esse campo. Para que você possa fixar o que aprendeu, o livro traz atividades abertas e exercícios, e também sugestões de leitura e de filmes, os quais ilustram os debates e podem ajudá-lo a perceber a aplicação dos conceitos aprendidos na prática. Aspectos históricos da Psicologia Ercília Maria de Paula* Fernando Wolff Mendonça** Embora tenha sido uma das ciências mais antigas da humanidade, a Psicologia foi considerada como pré-científica durante muitos anos, pois defendia o dualismo do corpo e da alma. Acreditava-se que os “desvios” de comportamento humano ocorriam em decorrência dos espíritos que habitavam o corpo físico. O pensamento mítico era predominante e as diferenças comportamentais eram explicadas em função dos deuses e dos fenômenos sobrenaturais. De acordo com Davidoff (1983), a preocupação da Psicologia esteve voltada, no século XIX, para o estudo do cérebro, dos nervos e dos órgãos dos sentidos. Esse período é considerado o início da Psicologia científica, que utilizava diferentes procedimentos experimentais para explicar a mente humana. Com o tempo, a Psicologia foi se expandindo em diferentes correntes e sua linguagem também foi sendo popularizada. Habitualmente, usamos o termo psicologia para as características de comportamento das pessoas que encontramos no cotidiano. É comum usarmos expressões como: – Hoje estou psicologicamente afetado. – Você percebeu como ela ficou abalada emocionalmente? – Saí da loja com produtos que não queria comprar: aquele vendedor usou de muita psicologia para me convencer. – José, eu vim falar com você porque você tem muita psicologia para ouvir as pessoas. Essa forma popular de falarmos da Psicologia não representa, de fato, o fazer do psicólogo no seu dia-a-dia. Esse psicologismo, utilizado no cotidiano por muitas pessoas, ressalta o impacto que a ciência da Psicologia vem causando, por suas ações e seu fazer junto às pessoas. Porém, distante de toda essa realidade, a Psicologia veio buscando sua identidade como trabalho científico. Muito mais que a simples observação dos fenômenos cotidianos, ela procura estabelecer um critério sistematizado para analisar os fenômenos humanos inseridos na realidade cotidiana. Sendo assim, busca se diferenciar do senso comum para se tornar efetivamente uma disciplina científica. Para tanto, vem buscando fundamentos teóricos e científicos, bem como metodológicos, que proporcionem esse posicionamento diante da sociedade contemporânea. Doutora em Educação pela UFBA. Mestra em Educação pela USP. Pedagoga pela Uni- camp. Professora do Ensino Superior. Mestre em Educação pela UFPR. Especialista em Peda- gogia Terapêutica pela Univer- sidade Tuiuti do Paraná. Fono- audiólogo pela PUCPR. Psicologia do Desenvolvimento 10 As diferentes linhas do pensamento psicológico Como decorrência dessa necessidade de se colocar socialmente como ciência, muitas correntes foram se estabelecendo na Psicologia, tentando entender como o ser humano poderia ser concebido. Mostraremos algumas delas e seus principais pressupostos. Estruturalismo Tem como seus principais representantes o psicólogo e fisiologista alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) e o psicólogo americano Edward Bradford Titchener (1867-1927). No começo do século XX, Wundt e Titchener discutiram com pensadores da época o conceito de mente e certas condições do método da introspecção científica. O objeto de estudo desta escola é a consciência mediante a introspecção e a auto-observação controlada. A mente, ou consciência imediata, não é algo substancial, mas somente processos elementares da atividade mental: sensação, sentimento e imagem. Para Davidoff (1983), a Psicologia experimental de Wundt estuda as operações mentais centrais, como atenção, intenções e metas. Os sujeitos desses estudos são treinados para descrever, da forma mais objetiva possível, suas experiências com determinados estímulos de cores, sabores e odores. Wundt interessava-se por anatomia e sua vida acadêmica era voltada para a pesquisa fisiológica sobre as percepções sensoriais. O sistema da introspecção, proposto e praticado nos laboratórios de Wundt, refletia o método que os psicólogos utilizavam para que os sujeitos das pesquisas relatassem suas experiências internas em relação aos estímulos ambientais. Esses relatos eram os julgamentos e as observações conscientes dos sujeitos sobre o tamanho, a intensidade e a duração dos estímulos. A partir desses experimentos e relatos, Wundt descrevia a maneira como a consciência humana era estruturada. Funcionalismo Seus representantes mais destacados são o pedagogo e filósofo americano John Dewey (1859-1952) e o filósofo americano William James (1842-1910). Eles incorporam a concepção do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) afirmando que a mente humana e a conduta humana são adaptativas e que o ponto central da Psicologia está na ação ou na conduta. Para Dewey e James, o que a consciência possui é menos importante do que aquilo que ela faz. Segundo esses autores, não existe produção mental que não seja acompanhada de uma modificação corporal. Além disso, eles apresentam a relação estímulo-resposta como a proposta metodológica de seu trabalho. A Psicologia Funcionalista interessa-se em compreender como ocorre o funcionamento e a adaptação da mente dos indivíduos no meio em que esses indivíduos se inserem. De acordo com Schultz (1992), o funcionalismo estuda as influências das crenças no comportamento emocional e corporal das pessoas, bem Aspectos históricos da Psicologia 11 como investiga a formação dos conceitos de acordo com as necessidades humanas. Para esta corrente, as pessoas apresentam comportamentos diferenciados em relação aos estímulos que recebem. Não existe uma única resposta aos estímulos: as respostas variam conforme os comportamentos adaptativos das pessoas. Portanto, a consciência e as sensações são mutáveis. O funcionalismo investigou a estrutura psicológica de diferentes populações – como animais, crianças, povos primitivos e deficientes – para descobrir as variações nas organizações mentais desses grupos. Gestalt Questionando o reducionismo proposto pelo estruturalismo e pelo funcionalismo, a Gestalt prega que o todo é maior que a soma de suas partes, assim buscando ser uma Psicologia integrativa de caráter globalista. Propõe que para entender o todo é preciso analisá-lo em sua configuração, analisando e integrando as suas partes constituintes. Segundo Davidoff (1983), a Gestalt surgiu como protesto contra o estruturalismo, principalmente contra a prática de reduzir experiências complexas a elementos simples. A invenção do cinema foi a demonstração de como uma série de fotografias e imagens imóveis, quando eram rapidamente apresentadas, transformavam-se em imagens contínuas. Dessa maneira, verificava-se que o filme projetado na tela esboçava o todo das partes que o compunham.O movimento aparente não podia ser compreendido, portanto, sem as análises de todos os seus componentes. A Gestalt é uma corrente muito significativa no estudo das percepções e também contribui para a compreensão dos indivíduos como parte de um campo mais amplo que inclui o organismo e o meio. Conexionistas Para o psicólogo americano Edward Lee Thorndike (1874-1949), o comportamento do sujeito é modelado pelo ambiente e segue leis que o direcionam. E esse comportamento só será efetivo se for condicionado por três princípios: lei do efeito – a aprendizagem se manterá ou não segundo as conseqüências que produz (reforçamento); lei do exercício – a importância da prática para que se mantenham as conexões nervosas e se fortaleça o aprendido; lei da disposição – se não existe disposição, não se produz comportamento aprendido, pois é a disposição que permite o comportamento. Thorndike propunha conexões entre estímulos e respostas e seus experimentos envolviam o uso de animais. Um dos seus estudos clássicos foi a experiência que realizou com um gato privado de alimentos que ficou em uma caixa fechada com vários trincos. Para sair da caixa, o animal tinha que encontrar a alavanca correta para acessar o alimento, que estava do lado de fora. Por meio da lei do exercício, com diversas tentativas de ensaio e erro (empurrar, farejar e dar patadas), o gato Psicologia do Desenvolvimento 12 conseguiu abrir a alavanca. Em outras situações – quando o animal era recolocado na caixa, acionava a alavanca e conseguia o alimento –, manifestava-se a lei do efeito. A comida era sua recompensa e funcionava como um reforço positivo. Porém, quando o gato acionava a alavanca e não encontrava o alimento, sua resposta era enfraquecida. O uso prolongado da resposta incorreta fazia com que a resposta fosse sendo extinta, pois funcionava como um reforço negativo. Portanto, para os conexionistas, um comportamento poderia tanto ser reforçado como esquecido se não fossem realizadas as conexões necessárias: se o animal não encontrasse uma maneira de alcançar o alimento desejado, não havia disposição para realizar a ação. Psicanálise Para o médico austríaco Sigmund Freud (1859-1939), pai da Psicanálise, os processos psíquicos são de natureza inconsciente e os processos conscientes não são senão atos isolados ou fracionados da vida total. Segundo Freud, determinados impulsos instintivos, que podem ser unicamente de natureza sexual, desempenham um papel entre as causas das enfermidades nervosas, psíquicas, e colaboram na gênese das mais altas criações culturais, artísticas e sociais. A Psicanálise considera que os processos mentais não ocorrem ao acaso: existem razões para os acontecimentos humanos, os sentimentos ou as ações. De acordo com Bock (2000), a Psicanálise busca o significado oculto das nossas ações, o qual é expresso por meio de gestos, palavras ou sonhos. Na educação, a Psicanálise assume um papel significativo no estudo da afetividade, dos recalques, das repressões, das projeções, das transferências e dos mecanismos de defesa vivenciados nas relações entre professores e alunos. Reflexologia O fisiologista russo Ivan Sechenov (1829-1905) e o fisiologista e psicólogo soviético Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) descobriram os mecanismos reguladores da conduta, os quais podem ser inibidos ou intensificados pelos mecanismos de estímulo e resposta. Pavlov propõe que as atividades nervosas superiores podem ser estudadas pelo procedimento do reflexo condicionado. Assim, o condicionamento é assumido como técnica fundamental, o que permite descobrir as condições para que, frente ao estímulo, haja uma resposta que não lhe pertence. Por meio de pesquisas realizadas com cães, Pavlov demonstrou como um comportamento pode ser condicionado. Em seus estudos, ele observou que, se a comida era ofertada aos cães associada ao som de uma campainha, essa ação fazia com que esses animais, com o passar do tempo, já começassem a salivar quando ouviam o sinal da campainha. Esse aspecto representava um reflexo condicionado e essa resposta só ocorria em função de uma conexão existente entre o estímulo (o som) e a resposta (a comida). O processo de condicionamento não ocorre somente com os animais, mas também no cotidiano das pessoas. Alguns exemplos (acordar ao som do despertador, Aspectos históricos da Psicologia 13 atender ao som do celular, dormir em horários determinados) representam que o organismo está condicionado a oferecer determinadas respostas em função dos estímulos gerados. Condutivismo Esta é a base de uma Psicologia eminentemente prática, sem nada de introspecção, tendo como objetivos a predição e o controle da conduta. São seus representantes os psicólogos americanos John Broadus Watson (1878- 1958), Clarck Leonard Hull (1884-1952), Edward Chace Tolman (1886-1959) e Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Este último propõe o condutivismo radical ou behaviorismo, segundo o qual toda conduta humana é completamente determinada, nunca havendo liberdade de escolha. O termo behaviorismo deriva da palavra inglesa behavior, que significa “comportamento”. Skinner, um dos principais representantes desta corrente, observava que o comportamento humano podia ser modelado. De acordo com Fadiman (1986), em um dos seus experimentos Skinner observou que se, após realizar uma ação positiva, uma criança recebia uma bala, esse ato reforçava os comportamentos positivos dessa criança. Entretanto, se essa mesma criança realizava comportamentos de birra com a mãe todas as vezes que freqüentava uma loja, com o intuito de que sua mãe comprasse brinquedos, e se essa criança fosse atendida nos seus apelos, a mãe estava reforçando comportamentos negativos de sua filha. Portanto, ao estudar os reflexos, Skinner investigava a ocorrência desses reflexos e as respostas desejadas e indesejadas. A teoria condutivista é criticada na educação por estudar formas de recompensas no processo educacional, formas de controle do comportamento e por enfatizar o ensino programado, que centraliza o processo educacional no professor. Psicologia soviética O psicólogo russo Lev Semionóvitch Vygotsky (1896-1934) estudou as capacidades humanas (como cada um é capaz, com as ajudas adequadas, de desenvolver uma habilidade) e define consciência como o autêntico objeto de estudo da Psicologia: a consciência é a função mais especializada do cérebro e se desenvolve no contexto das relações sociais. Em suas investigações sobre os processos neuropsicológicos da mente humana, Vygotsky teve a colaboração do neurologista russo Aleksandr Romanovitch Luria (1902-1977). A origem russa de Vygotsky contribuiu para que seus estudos recebessem influência do socialismo e estivessem voltados para as interações sociais e a construção coletiva do conhecimento. Para ele, o ensino não estava somente centrado no professor, mas em todos os integrantes da sala de aula. A Psicologia soviética discutia a não-universalidade de padrões de desenvolvimento. Nesta corrente, a estrutura e o funcionamento do psiquismo humano são construídos de acordo com a cultura dos indivíduos. Psicologia do Desenvolvimento 14 Psicologia humanista Propõe a clara distinção entre homens e animais: os homens têm uma natureza específica comum a outros homens e possuem uma natureza individual, que é única e sem repetição. Portanto, cada sujeito deve ser estudado como é, sem preestabelecimento de juízos ou conceitos. A Psicologia humanista se baseia em alguns princípios, como os de o homem: ser mais que uma soma de partes; ser a essência em um contexto humano; viver de forma consciente; ter condições de escolha; ser orientado para metas. Os maiores representantes desta corrente são o psicopedagogo americano Carl Rogers (1902-1987) e o psicólogo americano Abraham Maslow (1908-1970). O humanismo na educação prioriza a pessoa que aprende e a escola deve ensinar valores democráticos ao aluno, levando-o à autodireção.Assim, a aprendizagem transcende os limites cognitivos, afetivos e motores; a educação deve ter qualidade de um envolvimento pessoal e a pessoa precisa ser tratada como um todo; a avaliação reside no educando; o aluno auxilia a realizar o planejamento, a formular questões, a discutir problemas referentes ao grupo e a avaliar as conseqüências de suas escolhas; o professor precisa ser um facilitador da aprendizagem e estabelecer um clima de receptividade entre os alunos. Cognitivismo O objetivo principal desta corrente é a atividade humana de um sujeito que busca, escolhe, elabora, interpreta, transforma, armazena e reproduz a informação proveniente do meio ambiente ou do seu interior. Direcionado por um objetivo, esse sujeito planeja, programa, executa e corrige a ação em processo até o término dessa ação. O biólogo e filósofo suíço Jean Piaget (1896-1980) concebe o conhecimento como um conjunto de estruturas cognitivas que permitem à criança adaptar-se ao ambiente. E ele chama de epistemologia genética ao seu campo de estudo, sobre as origens e os estágios da inteligência e do conhecimento na criança. Os teóricos do processamento da informação estabelecem correlação entre os comportamentos humanos e os ordenadores de modelos virtuais, que processam informações mediante mecanismos de entrada, processamento e saída de informações, assim como acontece com o sistema cerebral humano. A partir disso, esses teóricos propõem um sistema de modelos de funcionamento da mente humana. Aspectos históricos da Psicologia 15 Piaget buscou nas crianças a origem do conhecimento. No início de suas pesquisas, ele realizava observação direta do comportamento de seus três filhos. Com o tempo, foi sistematizando seu método de investigação para entender a lógica infantil. Para ele, o desenvolvimento cognitivo ocorria por meio de processos constantes de desequilíbrio e equilibração. Ou seja, a cada interação do indivíduo com um objeto desconhecido, o indivíduo assimilava as estruturas desse objeto e, posteriormente, acomodava as características desse objeto ao seu pensamento. Dessa maneira, novos elementos eram incorporados à estrutura mental dos indivíduos e, em sucessivos processos de desequilíbrio e equilibração, os sujeitos construíam conhecimentos. O desenvolvimento humano A partir dessas diferentes abordagens e pontos de vista sobre o comportamento humano, buscaremos um referencial que nos permita entender como nos constituímos como sujeitos. Para tanto, partimos de algumas premissas. Em primeiro lugar, o princípio de que o ser humano não é um sujeito acabado ao nascimento: ele se constitui ao longo de seu desenvolvimento e de maneira tão peculiar e única que exige um estudo organizado para serem conhecidas as formas e as condições em que um sujeito vai se formando ao longo de sua vida. Para tanto, faz-se necessário que a Psicologia do Desenvolvimento estude, com base nos teóricos que admitem tais condições de desenvolvimento da criança, o processo de constituição de cada um. Posteriormente, deve ser claro que devemos levar em conta a condição de existência de cada um de nós a partir desse processo contínuo. Assim, teóricos que tenham essa óptica são eleitos para nosso estudo: as perspectivas psicanalítica, cognitivista e interacionista são as escolhidas para discutirmos, ao longo deste material, como se dá o comportamento humano a partir do desenvolvimento, da infância até a maturidade. E dessa forma poderemos construir um referencial teórico útil na relação que manteremos com a criança ao longo do processo de escolarização. 1. Escolha três amigos de sua sala de aula e discuta com eles as questões abaixo. São as características psicológicas humanas um atributo da espécie ou um processo de desenvolvimento gradual e aprendido? Psicologia do Desenvolvimento 16 Nas perspectivas teóricas apresentadas, quais dão prioridade ao desenvolvimento proporcionado pelo meio, quais dão prioridade ao biológico e quais propõem uma visão interativa de sujeito humano? 2. Discuta com seus amigos quais as características diferenciais entre o que pensa uma criança e o que pensa um adulto dentro do ponto de vista psicológico. 3. Das correntes psicológicas estudadas, qual defende a afirmativa de que “toda conduta humana é completamente determinada, nunca havendo liberdade de escolha”? CARPIGIANI, Berenice. Psicologia: das raízes aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. Para entender melhor a teoria psicanalítica, assistir ao filme: Freud Além da Alma (EUA, 1962), com direção de John Huston. Abordagem dos problemas vivenciados por Freud para que a Psicanálise fosse aceita como ciência e também as principais idéias da teoria freudiana. Aspectos históricos da Psicologia 17 Para entender melhor a teoria behaviorista, há dois filmes, conforme abaixo. Laranja Mecânica (Inglaterra, 1971), com direção de Stanley Kubrick. Narra a vida do líder de um grupo de jovens violentos e torturadores que é preso e, na cadeia, são realizados experimentos e apresentadas diversas formas de controle do seu comportamento e sua consciência. O Show de Truman (EUA, 1998), com direção de Peter Weir. Apresenta uma pessoa que tem sua vida transmitida para os Estados Unidos inteiro em canal de TV paga, mas não sabe o que está acontecendo, não sabe que tudo o que ocorre ao seu redor é fictício, até o dia em que descobre a farsa. O filme retrata os limites do controle do comportamento na vida humana. Psicologia do Desenvolvimento 18 Vygotsky: vida e obra – a história de um gênio P ara compreender o direcionamento da obra de Vygotsky, é necessário compreender um pouco o percurso vivido pelo homem Lev Semenovich Vygotsky, bem como o contexto histórico e social em que ele estava inserido. Dessa forma, é necessário analisar as influências recebidas da família, do clima intelectual e social da época em que viveu. Vygotsky nasceu em 5 de novembro de 1896, em Orsha, uma pequena cidade na Bielo-Rússia (alguns livros trazem a data de 17 de novembro, mas não consideraram que o antigo calendário russo trazia 12 dias de diferença em relação ao ocidental). Era descendente de uma família de origem judaica. Viveu sua infância em Gomel, na companhia dos pais e dos sete irmãos. Foi uma infância marcada por um ambiente desafiador em termos intelectuais e tranqüila quanto ao aspecto econômico: o pai era bancário e a mãe, professora formada, dedicou-se à criação dos filhos. Eles foram os principais organizadores da biblioteca pública da cidade, da qual todos os filhos e amigos eram ativos freqüentadores. Até os 15 anos, sua educação ocorreu em casa, acompanhada pelo tutor Solomon Asphiz. Desde muito jovem, ele se mostrava um estudante dedicado, um amante das artes e da literatura. Em sua casa, havia uma biblioteca onde estudava sozinho ou na companhia de amigos. Um aspecto marcante na sua formação foi o aprendizado de diferentes idiomas, o que lhe permitiu contato com textos de diversas línguas. Aos 17 anos, completou o curso secundário, recebendo medalha de ouro por seu brilhante desempenho. Por sua origem étnico-religiosa, enfrentou dificuldades para ingressar no ensino superior: a Universidade de Moscou oferecia apenas 3% das vagas para estudantes judeus. Para conseguir seu ingresso, Vygotsky participou de um sorteio. Em 1914, iniciou seus estudos no curso de Medicina, opção que, apoiada por seus pais, poderia lhe proporcionar uma vida estável, mas depois de um mês se transferiu para Direito e Literatura. Como trabalho de conclusão de curso, apresentou um estudo sobre Hamlet, de Shakespeare, obra que mais tarde se tornaria o livro Psicologia da Arte, no qual discute a influência da literatura no indivíduo. Vygotsky começou sua carreira profissional aos 21 anos, após a Revolução Russa. No período entre 1917 e 1923, ele lecionou e proferiu várias palestras sobre temas ligados à Literatura, além de fazer crítica literária.Duas características marcantes definem o estudioso nessa época: o seu retorno à medicina (mesmo já sendo renomado, freqüentou o primeiro ano com naturalidade, junto aos alunos mais novos) e sua aptidão para a leitura (seu amigo Luria o definiu como um “leitor em diagonal”, sem dizer que o que Vygotsky lia não eram novelas românticas). Seu interesse pela Psicologia surgiu de forma mais sistemática a partir do contato com crianças com problemas congênitos. Vygotsky trabalhou intensamente no início do período pós-revolucionário e, a partir de suas experiências, passou a pensar em alternativas que pudessem auxiliar no desenvolvimento dessas crianças. Ele estudava os problemas neurológicos das crianças para compreender o funcionamento psi- cológico do homem. Sua atividade acadêmica foi muito diversificada. Atuou nas áreas de Psicologia, Psicologia do Desenvolvimento 20 Pedagogia, Filosofia, Literatura e de atendimento aos portadores de necessidades especiais. Para entender o funcionamento da mente humana, iniciou suas pesqui- sas com crianças que não possuíam os padrões considerados “normais”. Vygotsky considerava que era preciso ir além dos pressupostos e dos objetivos do desenvol- vimento humano. Para ele, o desenvolvimento variava consideravelmente segun- do as tradições e as circunstâncias culturais de diferentes comunidades. Naqueles anos, seus estudos sobre os grandes pensadores da época o colocaram em contato com as mais diferentes obras do seu tempo e suas preocupações com um ideal de sociedade o faziam decisivamente mais próximo das obras de Marx e Engels. Em 1919, descobriu ser portador de tuberculose, doença que o mataria 15 anos mais tarde, mas que em momento algum lhe tirou a tenacidade e a obstinação. Em sua carreira, 1924 é um marco: a partir desse ano, Vygotsky se dedicou de forma mais sistemática ao estudo da Psicologia, tendo realizado uma palestra no 2.º Congresso Psiconeurológico e causando espanto e admiração em pesquisadores renomados que viram aquele jovem de 28 anos abordar, com clareza e de forma revolucionária, as idéias acerca do estudo do comportamento consciente humano. Depois disso, ele foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou, mudando-se para essa cidade e dando início à construção de sua obra. Foi também aos 28 anos que ele se casou, e dessa união teve duas filhas. Em 11 de junho de 1934, morreu em Moscou. A produção de Vygotsky foi vasta. Porém, como ele faleceu aos 37 anos de idade, muitos de seus textos não expressavam detalhes dos seus experimentos e pesquisas. De todo modo, a produção de Vygotsky era revolucionária para sua época pelo fato de romper com a estagnação da Psicologia e das ciências educacionais de então. É preciso destacar que as obras de Vygotsky foram ignoradas no Ocidente até 1962 por problemas políticos e pela situação de isolamento que a União Soviética apresentava em relação aos centros europeus e americanos de produção do conhecimento. Vygotsky e a sua visão da realidade A obra de Vygotsky é inovadora, contrapondo-se às visões correntes na sua época. Nas primeiras décadas do século XX, a Psicologia estava dividida em duas tendências. O grupo ligado à filosofia empirista encarava a Psicologia como ciência natural, devendo deter seu olhar na descrição das formas exteriores do comportamento. Este primeiro grupo ignorava os fenômenos complexos da atividade consciente, especificamente humana. Os empiristas defendiam que as pesquisas realizadas sobre o comportamento deveriam ser comprovadas por raciocínio dedutivo. Também enfatizavam os estudos dos comportamentos observáveis e desprivilegiavam pesquisas voltadas para o estudo de comportamentos que se manifestavam de forma subliminar, ou seja, no insconsciente humano. Para os empiristas, os comportamentos deveriam ser analisados e testados. Vygotsky: vida e obra – a história de um gênio 21 O outro grupo, fundamentado na filosofia idealista, acreditava que a vida psíquica não pode ser alvo de estudo de uma ciência objetiva, já que era manifestação do espírito. Este segundo grupo ignorava as funções mais complexas do ser humano e se detinha na descrição subjetiva de tais fenômenos (REGO, 1995). Os idealistas acreditavam que não era possível tratar o homem somente como resultado da interferência de um mundo físico e social. Eles procuravam entender o homem na sua totalidade, uma vez que o psiquismo sempre deveria ser visto na sua relação com o mundo. No 2.º Congresso Psiconeurológico, o mais importante evento de Psicologia na época, Vygotsky buscou superar essa situação usando o método dialético marxista ao apresentar palestra sobre “A metodologia da investigação reflexológica e psicológica”, na qual expôs as bases de um pensamento para além da perspectiva vigente na Psicologia, propondo uma Psicologia de caráter materialista (MOLL, 2002). A Psicologia materialista procurava entender os fenômenos e o psiquismo humano a partir da interação dos aspectos biológicos e sociais no desenvolvimento. O homem, em uma relação dialética, era ao mesmo tempo produto e produtor das relações sociais. O cérebro, para os materialistas, não era somente um órgão, mas também um sistema aberto e flexível cujo funcionamento era construído na própria história dos homens. O desenvolvimento biológico não era descontextualizado, mas pensado em uma relação direta com o desenvolvimento social. Sendo assim, a cultura transformava as pessoas, seus valores e representações. Sobre essas bases, Vygotsky pretendia construir uma nova Psicologia, uma teoria marxista do pensamento humano. Essa nova forma de pensar a construção do humano deveria incluir: A identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes a uma determinada função: a explicação detalhada da sua história ao longo do desenvolvimento, com o objetivo de esclarecer as relações entre formas simples e complexas daquilo que aparentava ser o mesmo comportamento; e, de forma importante, deveria incluir a especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento de comportamento. (COLE; SCRIBNER apud VYGOTSKY, 1984). Esse grande projeto conta com a colaboração de um grupo de pesquisadores, incluindo Alexander Romanovich Luria e Alexei Nikolaievich Leontiev, principais colaboradores de Vygotsky. Juntos, eles construíram a chamada tróica (“trinca”), da qual Vygotsky era o líder e que representava toda a efervescência da época pós-revolucionária. O grupo se encontrava com freqüência, aproximadamente seis horas de cada vez, duas vezes por semana. Durante uma década de trabalho, Vygotsky e seu grupo se dedicaram à construção de uma nova Psicologia abordando diferentes temas relacionados ao desenvolvimento humano. Houve buscas incessantes sobre a formação do homem, em todos os referenciais da época, e o grupo realizou experiências ao longo de muitas pesquisas. Com a impossibilidade de acompanhar as pesquisas mais distantes, eram enviadas expedições pela Rússia em busca de dados que pudessem ilustrar Psicologia do Desenvolvimento 22 as suas perspectivas sobre o papel da cultura na constituição do sujeito. Luria e Leontiev foram os principais pesquisadores dessas expedições, cujos resultados podiam ser estudados profundamente pelos membros do grupo de pesquisa e, após as conclusões, era Vygotsky quem se encarregava da redação final da obra. A teoria elaborada por Vygotsky ficou conhecida como teoria sócio-histórica ou teoria histórico-cultural. Para o autor, “o mundo psíquico que temos hoje não foi nem será sempre assim, pois sua caracterização está diretamente ligada ao mundo material e às formas de vida que os homens vão construindo no decorrer da história da humanidade” (BOCK, 2000, p. 86). Segundo essa visão, o homem é um ser ativo, histórico, e social e dessa forma sua ação deixa na natureza marcas e produtos que serão apropriados pelos demais integrantes do núcleo social mediante as atividades praticadas. Além disso, o uso das ferramentas transformaas pessoas e a sociedade em que elas vivem. O uso dos instrumentos é um conceito expressivo na teoria de Vygotsky, pois está associado ao trabalho e às transformações da natureza. De acordo com Oliveira (1997, p. 28), “é o trabalho que, pela ação transformadora do homem sobre a natureza, une homem e natureza e cria a cultura e história humana”. No trabalho se realizam as ações coletivas e a construção dos instrumentos. Na história da humanidade, a evolução dos instrumentos demonstra como os homens foram construindo estratégias para se adaptarem e transformarem o meio social. No processo de alimentação, por exemplo, é possível verificar como as diferentes culturas foram elaborando múltiplas maneiras de conceber a forma e a estruturação coletiva de suas refeições. Os povos ditos primitivos foram elaborando ferramentas para poderem se alimentar. As mãos em concha e os objetos da natureza eram utilizados para beber água. Estes objetos foram os instrumentos precursores da invenção das colheres. Os objetos e materiais cortantes foram sendo adaptados e se transformaram em facas. Os galhos serviam como garfos. Estas foram algumas pequenas amostras da evolução do trabalho humano. Para Oliveira (1997), os animais também utilizam instrumentos, porém, de forma rudimentar. A autora cita os exemplos dos chimpanzés, que usam varas para conseguir alimentos distantes. Todavia, os animais não produzem os instrumentos com os mesmos objetivos que os homens. A característica de preservar a função dos instrumentos e transmiti-las de geração para geração é um aspecto da cultura humana. A apropriação desses instrumentos elaborados historicamente e a internalização dos modos de agir ocorrem no convívio social. Oliveira (1990) citou o caso verídico das meninas-lobo Amala e Kamala, na década de 1920 na Índia. Abandonadas pequenas na selva, elas aprenderam a conviver com os animais. Quando foram encontradas, andavam, comiam e se comunicavam como os lobos. Durante um determinado tempo, ficaram internadas em uma instituição, mas tiveram poucos avanços nos aspectos sociais e cognitivos. Amala morreu com dois anos de idade e Kamala conseguiu sobreviver até os nove anos. Porém, Vygotsky: vida e obra – a história de um gênio 23 Kamala necessitou de seis anos para andar e, quanto à linguagem, apresentava um vocabulário bem precário. Essa situação representa a maneira como o convívio social possibilita criar condições para o aparecimento da consciência. Para Davis e Oliveira (1990), os homens, quando transformam a natureza e aprimoram seus instrumentos, estão desenvolvendo suas funções mentais superiores, como percepção, atenção, memória e raciocínio. Nesse processo, também estão formando suas personalidades. Cabe à Psicologia do Desenvolvimento, portanto, conhecer e compreender a forma de estruturação do comportamento humano e dos processos de aprendizagem. 1. Pesquise e comente com os seus colegas a influência da revolução socialista de 1917 no pensa- mento de Vygotsky. 2. Pesquise o significado da expressão homem concreto, levando em conta a teoria de Karl Marx. 3. Nas afirmativas abaixo, existe um enunciado que não corresponde à teoria materialista de Vygotsky. Marque com um X esse enunciado. a) O materialismo busca entender os fenômenos e o psiquismo humano. b) O materialismo compreende o homem como produto e produtor das relações sociais. Psicologia do Desenvolvimento 24 c) O materialismo defende que o homem relaciona-se somente com os materiais. d) O materialismo é construído na história dos homens. 4. Qual o nome atribuído à teoria de Vygotsky? a) Comportamentalista. b) Behaviorista. c) Histórico-cultural. d) Cognitivista. LEITE, Luci Banks; GALVÃO, Izabel. (Orgs.) A Educação de um Selvagem: as experiências pedagógicas com Jean Itard. São Paulo: Cortez, 2000. História de um garoto selvagem, conhecido como Victor de Aveyron, que viveu nos anos de 1801 a 1806 na França. O livro é composto por diversos artigos de pesquisadores brasileiros que enfocam as angústias, as dores e os prazeres, bem como os saberes da Psicologia e das experiências educacionais daquela época, utilizados por Jean Itard, um médico e pedagogo que desejava integrar Aveyron à sociedade. Também é mostrado o difícil processo de humanização daquele menino. Indicação de filme: O Enigma de Kaspar Hauser (Alemanha, 1975), com direção de Werner Herzog. O filme retrata a vida de Kaspar Hauser, um garoto que apareceu numa praça de Nuremberg, em maio de 1828. Era um estranho, ninguém sabia quem era ou de onde vinha. Durante muitos anos, ele ficou trancado em um porão. Não sabia andar nem falar. Tinha aproximadamente 15 ou 16 anos de idade. O filme reflete a respeito da forma como as interações sociais foram sendo construídas entre o garoto e a comunidade. Também apresenta a maneira como as pessoas procuraram inseri-lo nos processos civilizatórios daquele local. 1 René Descartes (1596-1650), filósofo e matemá- tico francês. Autor de Regras para a Direção do Espírito (1628), Discurso sobre o Mé- todo (1637) e Princípios da Filosofia (1644). Sua primei- ra preocupação foi fundar um método que permitisse o pensamento claro e distinto. Para o pensamento cartesia- no, a racionalidade do mundo físico e biológico se expressa exclusivamente em termos de causa e efeito. Bases epistemológicas: o processo de humanização A Formação Social da Mente, uma das mais conhecidas obras de Vygotsky, marca uma das principais idéias da corrente sócio-histórica elaborada por ele, que não buscava descobrir a natureza da mente como uma colcha de retalhos, mas sim, com base no pensamento e no método marxistas, “saber de que modo a ciência tem de ser elaborada para abordar os estudos da mente” (VYGOTSKY, 1998, p. 10). Assim, o materialismo histórico deriva da influência de Marx em sua obra, enquanto para o materialismo dialético ele procurou fundamentação em Engels. Sobre suas bases marxistas se assentam os princípios da sua visão acerca da construção de uma ciência psicológica: os fenômenos devem ser estudados em permanente transformação; ao transformar a natureza com a sua atividade, o homem transforma também a si mesmo; o conhecimento só pode ser construído a partir da essência dos fenômenos e não da aparência, ou seja, é preciso conhecer sua gênese; a consciência é determinada pelo modo de vida concreta dos sujeitos. Ele dirige dura crítica ao sistema cartesiano, proposto por Descartes (1649), pela incompletude de sua abrangência nas questões de Psicologia. Tinha uma admiração profunda pela obra de Spinoza (1675), que buscava uma relação monista (unificada) para o problema do corpo e da mente. Para Vygotsky, além de não possibilitar o entendimento das funções tipicamente humanas, as tendências cartesianas acabavam por gerar uma crise na Psicologia. O filósofo Descartes1 era mecanicista e considerava que o corpo é um conjunto de reflexos regido pelas leis da física e da mecânica. Para Carpigiani (2004), o pensamento cartesiano estava voltado para a separação da mente e do corpo (alma e espírito) e considerava que a única interação possível entre essas estruturas ocorria por meio da glândula pineal. De acordo com Descartes, essa glândula era localizada na base do cérebro e responsável pela memória e pelo pensamento. Todavia, embora o pensamento cartesiano enfatizasse essa característica da dualidade, não concebendo o homem como um ser único, suas afirmativas, para a época, contribuíram para as pesquisas na área da anatomia. Até aquele momento, os estudos sobre o corpo humano eram condenados pela Igreja, que afirmava que os corpos são sagrados e, portanto, intocáveis. Dessa maneira, os corpos humanos não podiam ser estudados. Descartes argumentava que os corpos dos animais eram como máquinas sem alma e, por isso, podiam ser dissecados e estudados. Nesse sentido, a separação entre corpo e mente favoreceu as pesquisas anatômicas. No entanto, o pensamento de Descartesnão considerava a influência que a mente exerce sobre o corpo. Psicologia do Desenvolvimento 26 Segundo Wertheimer (1982), o filósofo Benedito Spinoza2 descrevia de forma mais lógica e geométrica o comportamento humano. Spinoza discorreu sobre a epistemologia e a ética e propôs uma solução para o problema do corpo e da alma, desenvolvendo a perspectiva monista, que sustentava a unidade entre mente e corpo como substâncias unitárias. Na teoria sócio-histórica, Vygotsky entendia a construção da inteligência humana a partir da vertente interacionista, que conjugava o corpo com a alma. Também defendia a complementaridade dos aspectos biológicos e sociais no desenvolvimento humano. Essa teoria considera que é por meio das suas interações com outros seres humanos que o homem se constrói. Em outras palavras, o homem não nasce homem e sim com possibilidades de humanizar-se nas interações que estabelece ao longo da vida. Ao pensar assim, Vygotsky alia-se à perspectiva marxista de que o homem ao longo de sua existência tem produzido, pelo trabalho, transformações de natureza social e material. Nascidos nesse contexto, os sujeitos devem se apropriar dessas transformações para poderem participar da sociedade. Entendida como instrumentos, essa produção permitiu que o homem atuasse sobre o meio – utilizando mediadores materiais, a priori, e simbólicos, a posteriori (PINO, 2000) – para promover sua relação com o outro e com a natureza. Assim, no seu nascimento, o sujeito encontra os elementos pertinentes à sua realidade, ou seja, ele interage com a tecnologia instrumental e simbólica vigente. Pode-se tomar um exemplo da necessidade do conhecimento digital para assim participar mais intensamente das transformações que o conhecimento gera na realidade dos dias de hoje. As mediações simbólicas que o homem constrói ao longo de sua existência estão relacionadas à invenção dos signos, que são elementos da cultura humana e orientam o pensamento. Na atualidade, quando uma mãe está grávida, já existe um instrumental tecnológico desenvolvido por gerações anteriores que vão mediar as futuras interações do seu bebê com o mundo. Ao longo da evolução das espécies, os homens foram elaborando diferentes instrumentos adaptados às crianças, como brinquedos, utensílios para a alimentação, e mesmo o mobiliário infantil. Além desses instrumentos, também foram sendo construídas representações sociais. Em diferentes culturas, a cor azul está associada ao sexo masculino e a cor rosa, ao sexo feminino. Portanto, mesmo antes de nascer, a criança já está imersa em um conjunto histórico de instrumentos, representações, signos e símbolos. A partir do nascimento, essa criança vai aos poucos se familiarizando e compreendendo seus significados. Tais símbolos e representações são expressos de várias formas em função das diversidades culturais. Assim, as características tipicamente humanas não estão prontas no nascimento: desenvolvem-se no decorrer da vida. As funções psicológicas superiores do ser humano surgem da interação dos fatores biológicos, que são parte da constituição física do Homo sapiens, com fatores culturais, que evoluíram através de dezenas de milhares de anos de história humana. (LURIA, 1994, p. 60). Para Vygotsky, as funções psicológicas superiores são: 2 Baruque de Spinoza (1632-1677), também chamado Benedito de Spinoza, filósofo holandês. Grande parte de sua obra foi publicada postu- mamente: Ética (1661-1675), Tratado sobre a Reforma do Entendimento (1662) e Trata- do Político (1676-1677). Seu maior objetivo foi transmitir uma mensagem libertadora diante de todas as servidões. Sua idéia moral sobre o homem se estende para a vida em so- ciedade: a cidade existe pela reunião de todos no espírito de liberdade. Bases epistemológicas: o processo de humanização 27 a capacidade de solucionar problemas; o uso da memória; a formação de conceitos; o desenvolvimento da linguagem. Reunidos, esses aspectos compõem as características eminentemente humanas. O processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores e de novas formas de atividade mental é um processo ativo e de interações que permitem a construção de ações partilhadas e modificações nos ambientes. Isso é percebido quando comparamos a atividade humana com a atividade animal. Os animais não deterioram seu habitat, ou seja, vivem em harmonia com ele. Por sua vez, o homem, na medida em que gera trabalho (base do materialismo de Marx), transforma o meio ambiente e as próprias pessoas, modificando os sistemas sociais, naturais e individuais. Na relação entre as transformações geradas pelo trabalho e pela ação intencional do homem sobre a natureza, a criação da linguagem humana deve ser tomada com destaque. Em virtude de sua intensa atividade com a natureza e com seus semelhantes, o homem necessita manter relações de troca de bens entre estes. Associada ao processo de liberação da mão e da face (PINO, 2000), essa necessidade proporcionou, pelo gesto e pela voz, a criação de um complexo sistema de representações desenvolvido a partir dos gestos e dos sons. Esse instrumento complexo, a linguagem, possibilita a troca de informações, experiências e atividades sem a presença dos objetos e das pessoas de quem se fala. Essa função, caracterizada por Vygotsky como a principal atividade humana, distanciou-nos das formas de atividade animal, permitindo-nos a representação das ações. E a possibilidade de interagir com a mediação do signo modificou por completo a atividade humana, criando funções cognitivas de ordem superior. Para Vygotsky, a utilização da linguagem pela criança constitui um dos meios mais expressivos para a formação da consciência. As experiências históricas dos homens se encontram tanto nas produções materiais como nas formas verbais de comunicação. E é principalmente pelo uso da linguagem e dos signos que a criança interioriza o universo que está ao seu redor. Ao estudar o comportamento de crianças pequenas na fase pré-verbal, comparando-o ao comportamento dos macacos antropóides, Vygotsky constatou que, quando as crianças incorporam a fala e os signos nas suas ações, seu comportamento supera a inteligência prática dos macacos. Por meio dos processos de interiorização dos aspectos culturais, as crianças começam a controlar o ambiente e o próprio comportamento. Esses aspectos produzem novas relações sociais que constituem a base para a formação do intelecto. Embora estabeleçam comunicações entre si, os animais não conseguem elaborar signos. De acordo com Oliveira (1997), os signos são produções construídas pelos homens para a solução de seus problemas, tais como lembrar, comparar coisas, relatar, escolher e descrever ações. Da mesma forma que os instrumentos Psicologia do Desenvolvimento 28 auxiliam o homem no trabalho, os signos são instrumentos psicológicos utilizados pelos homens para auxiliar no pensamento e no desempenho de atividades. Existe uma infinidade de situações do uso dos signos para auxiliar a memória. A utilização de agendas, lista de compras, bilhetes anotados e espalhados pela casa e anotações em sala de aula são recursos que constituem a atividade prática mental de povos das sociedades letradas. Essas estratégias auxiliares da memória são aprendidas coletivamente. Porém, cada pessoa, com o passar do tempo, vai elaborando recursos internos próprios para auxiliar na sua memória e na construção do pensamento. Uma anotação de sala de aula no caderno, por exemplo, pode ser um excelente recurso para auxiliar a memorização dos conteúdos de uma disciplina, para quem escreveu o texto. Todavia, pode não ser tão funcional para um outro leitor, que não compreende os signos, representações e rascunhos do escritor. Portanto, essas estratégias externas de anotação vão sendo transformadas de acordo com as características individuais dos sujeitos em processos conhecidos como internalização. Vygotsky (1988, p. 63) caracteriza oprocesso de internalização como uma “reconstrução interna de uma operação externa”. Ou seja: a humanidade está sempre em constante movimento de recriação e de reinterpretação de conceitos e significados. Oliveira (1997) considera que a cultura é um “palco de negociações” em que os sujeitos compartilham idéias e conhecimentos e reelaboram significados. Portanto, quando os indivíduos se apropriam da cultura de seu povo, não o fazem de forma passiva e estática. As atividades externas vão sendo absorvidas internamente, ao que Vygotsky denomina processos interpsicológicos, e também vão sendo reapresentadas em processos intrapsicológicos. Dessa maneira, Vygotsky considera que o desenvolvimento ocorre do social para o individual. Nesse processo, a linguagem exerce um papel expressivo na constituição das pessoas. 1. Existem diferenças entre o estado de consciência e a consciência humana. Quais são e que fatores as determinam? Bases epistemológicas: o processo de humanização 29 2. Explique o que Vygotsky quer dizer com “formas típicas do comportamento humano”. 3. Qual afirmativa corresponde ao sistema cartesiano? a) Os fenômenos devem ser estudados em processo de transformação. b) O corpo e o pensamento devem ser estudados como elementos distintos. c) O corpo e o pensamento devem ser estudados como elementos que se integram. d) O conhecimento é construído a partir dos fenômenos sociais. 4. Quais são as funções psicológicas superiores descritas por Vygotsky? a) Capacidade de solucionar problemas, memória e linguagem. b) Instrumentos e símbolos. c) Signos e percepções. d) Representações e símbolos. MORTIMER, Eduardo Fleury; SMOLKA, Ana Luísa B. (Orgs.). Linguagem, Cultura e Cognição: reflexões para o ensino e a sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. Indicação de filme: Nell (EUA, 1994), com direção de Michael Apted. Nell, a personagem principal, é interpretada por Jodie Foster. O filme retrata a vida de uma jovem de aproximadamente 30 anos de idade que foi encontrada em uma casa abandonada após a morte de sua mãe, que era uma eremita. Nell vivia isolada do mundo moderno e reproduzia sons incompreensíveis. Havia recebido poucos estímulos para falar e também era afásica, isto é, apresentava uma patologia que afetava sua linguagem e sua comunicação. Foi encontrada por um médico que buscou integrá-la à sociedade. É interessante conferir como foi o processo de “humanização” de Nell. Psicologia do Desenvolvimento 30 Processo de humanização: comportamento animal versus comportamento humano P ara discutir as características tipicamente humanas, Vygotsky analisa o comportamento animal. A comparação entre o comportamento humano e o comportamento animal é encontrada em diferentes momentos de sua obra. Em A Formação Social da Mente, ele analisa as mais diferentes correntes psicológicas da época e critica o uso de comportamentos animais para explicar os comportamentos humanos. E, por outro lado, analisa que os fatores considerados inerentes à natureza humana também não são determinados apenas pelas características biológicas. Segundo Vygotsky, existem alguns traços característicos do comportamento humano: qualquer comportamento de um animal conserva uma ligação direta com os motivos biológicos; o comportamento humano não é determinado por estímulos imediatos; existem diferenças nas fontes do comportamento do homem e do animal. O primeiro aspecto fica claro quando percebemos que a atividade animal está relacionada a comportamentos de espécie, ou seja, comportamentos ligados ao instinto animal. Lorenz (apud PINO, 2000) fala da existência de “mecanismos inatos deslanchadores da ação” que permitem que os animais reajam de forma “sensata” aos sinais emitidos por outros animais. Esses sinais seriam ativados em situações de ameaça, fome ou perigo para a sobrevivência de si ou do grupo. Esse viés instintivo se tornou muito marcante na Psicologia, com o comportamento humano sendo atribuído a porções instintivas do cérebro humano, o que se correlaciona a condutas predeterminadas. Durante muitos anos, a psicologia acreditou que algumas reações humanas aos reflexos eram instintivas, parecidas com as dos animais. A Psicologia histórico-cultural de Vygotsky trouxe novos elementos e interpretações para esses processos. Segundo Vygotsky (1988), algumas reações humanas são instintivas, mas também podem ser culturalmente elaboradas. Alguns acontecimentos de uma vida em grupo, por exemplo, podem provocar reações emocionais diferenciadas, que variam de cultura para cultura. Assim sendo, o segundo aspecto se torna claro à medida que percebemos que as características do comportamento humano são maiores que a mera sensorialização dos estímulos ambientais: existe no comportamento humano uma elaborada forma de análise e representação dos elementos indicativos do ambiente, o que implica uma interpretação desses elementos. As relações como “cheiro de fumaça > fogo”, características do comportamento de fuga dos animais, são diferentes no comportamento humano. Existe uma reflexão contextual em que a análise de bens, valores e condição de enfrentamento está posta como prioritária na resposta do humano ao específico sinal do ambiente. Psicologia do Desenvolvimento 32 O terceiro aspecto posto na diferenciação entre o comportamento humano e o comportamento animal está relacionado às fontes do comportamento. A vida em grupo trouxe desafios de sobrevivência além do caráter natural: a busca de comida e o ritual de caça trouxeram novas formas para o comportamento humano. A necessidade de interpretar os sinais da caça e a elaboração de modos de captura e apreensão modificaram o comportamento inteligente, fazendo com que o homem criasse instrumentos que lhe permitiram modificar profundamente sua relação com o ambiente natural. Nos seus estudos sobre a evolução da atividade humana, subsidiados pela perspectiva sócio-histórica de Vygotsky e pelos fundamentos da História, da Filosofia e da Antropologia, Palangana (2000) demonstrou que a linhagem humana sofreu uma transformação significativa quando os nossos ancestrais passaram da condição de arborícolas para a de terrícolas. A alimentação semicarnívora modificou características físicas e psíquicas dos homens, bem como possibilitou a invenção da agricultura e estratégias específicas para o cultivo da terra. De acordo com a autora, A vida na terra liberou as mãos da constante tarefa de preensão e, ao mesmo tempo, obrigou os hominidas a lidar com os perigos imanentes à diferente realidade em que se encontravam. Esses fatos se completam: as mãos estão disponíveis a uma necessidade emergente, qual seja, usar instrumentos para se defender e, igualmente, para garantir o sustento. Tais condições de subsistência modificam a forma das mãos e mais, imprimem- lhes habilidades e destrezas antes inexistentes. A mão humana é um órgão de trabalho e, concomitantemente, produto dele. Mas, ela não é parte independente do resto do corpo. É, isto sim, membro de um organismo integrado e extremamente complexo. Os benefícios processados pelas mãos repercutem no corpo do qual é parte. Assim, as novas habilidades e destrezas estão nas mãos, no pensamento e no mundo. (PALANGANA, 2000, p. 21-22) A partir dessa citação, é possível verificar como o uso das mãos foi sendo aprimorado ao longo da evolução da espécie humana. A convivência coletiva entre os povos primitivos também trouxe a divisão de tarefas, a necessidade de comunicação e o aparecimento da consciência humana relacionada ao trabalho. O surgimento de uma nova forma de pensar o mundo natural, chamada por Vygotsky de inteligência prática, faz com que o ser humano desenvolva habilidades diferenciadas em relação a muitos animais, mas ao mesmo tempo essas habilidades ainda são compartilhadas por animais de comportamento mais evoluído. Nos seus estudos sobre o comportamento animal, ele relata que existe a função instrumental em animais superiores como o macaco,e cita os estudos de Kohler (1925). Esses estudos de Wolfgang Kohler foram realizados com macacos antropóides, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). De acordo com Vygotsky (1988), esses experimentos procuravam comparar os comportamentos das crianças pequenas com os dos macacos. Kohler estudou as estratégias das crianças pequenas para a apreensão dos objetos, o modo como buscavam resolver seus problemas e como faziam uso de instrumentos primitivos. Processo de humanização: comportamento animal versus comportamento humano 33 A experiência clássica realizada por Kohler era a de solicitar às crianças pequenas, de até dois anos de idade, que tirassem um anel de um bastão. Ele observou que as crianças dessa faixa etária possuíam estratégias de resolução de problemas muito próximas às dos chimpanzés: elas não eram capazes de tirar o anel do bastão deslizando-o verticalmente, mas puxavam lateralmente o bastão para arrancar o anel. Kohler considerava que as crianças pequenas apresentavam a inteligência prática. No entanto, a perspectiva das crianças era diferente da dos chimpanzés, pois as crianças desenvolviam os movimentos sistemáticos, tinham uma percepção mais aguçada, usavam as mãos de diferentes maneiras e, algumas, utilizavam a linguagem. Para Vygotsky, “o sistema de atividade da criança é determinado em cada estágio específico, tanto pelo seu grau de desenvolvimento orgânico quanto pelo grau e domínio no uso de instrumentos” (1988, p. 23). Dessa maneira, o desenvolvimento da criança depende tanto da sua maturação biológica como da sua maturação intelectual. A interação dos adultos com as crianças faz com que formas mais elaboradas de manipular os objetos, perceber as situações, memorizar eventos e buscar variadas tentativas de solucionar os problemas sejam transmitidas e compartilhadas de geração para geração. Porém, Vygotsky relata que a diferença não está apenas no desenvolvimento da inteligência prática, mas também no desenvolvimento da fala. Ele nos esclarece que, à medida que se desenvolvem na criança, essas duas funções psicológicas vão proporcionando uma forma diferente de comportamento que em nenhuma espécie animal é encontrada, ou seja, surge o que Vygotsky chama de funções psicológicas superiores, ou seja, as formas típicas de comportamento humano. Vygotsky (1988) considera que as funções psicológicas superiores envolvem o desenvolvimento humano, a capacidade do uso dos signos e o aprimoramento da memória. A transformação desses processos é resultado de uma longa sucessão de interações e eventos na história de uma pessoa. A cultura A cultura pode ser definida como o produto da ação intencional do homem, isto é, o resultado da construção que se vale da criação de instrumentos e o ato de deixar marcas e representações sobre o mundo natural. Ao conceber o homem como um ser eminentemente social, Vygotsky (1987) propõe que a formação e o desenvolvimento do psiquismo humano se dão com base em uma crescente apropriação dos modos de agir, pensar e sentir culturalmente elaborados. Para ele, o desenvolvimento caminha do social para o individual, visto que, quando nasce, a criança já está imersa em um mundo de cultura historicamente produzido, existindo, por parte do ser humano, uma paulatina apropriação do mundo que o cerca. Psicologia do Desenvolvimento 34 FERRAMENTA A função de mediação em Vygotsky SIGNO MEdiAdor E r Esquema da mediação entre um estímulo ambiental (E) e o receptor individual (R), em um processo interativo ou dialético em que operam dois instrumentos mediadores: as ferramentas psicológicas e os signos (esquema tomado de Guillermo R. Becco). Isso implica que a apropriação da cultura só é possível a partir do contato social. Assim, a criança vai tornando seu aquilo que foi construído por seu grupo cultural, atribuindo-lhe sentido a partir do que já está construído em sua história de interação. Segundo Davis (1994), a interação social só pode ser compreendida no campo das relações que se estabelecem entre os indivíduos reais e concretos em um determinado tempo histórico. A teoria histórico-cultural de Vygotsky propõe que o desenvolvimento das crianças, sua construção como sujeitos, ocorre em determinados ambientes físico-sociais historicamente elaborados. Oliveira e Paula (1995) afirmam que, nesses ambientes, os membros adultos de uma cultura (pais, avós, educadores, irmãos e amigos) se preocupam em fazer a criança participar de diferentes situações, promovendo atividades variadas, de acordo com as suas concepções de desenvolvimento infantil. O processo de apropriação desses conhecimentos pela criança não responde somente às necessidades de um organismo biológico mas também às necessidades psicossociais, que são históricas. Em Pensamento e Linguagem (1987), Vygotsky estabelece que o desenvol- vimento do psiquismo humano se dá com base em uma crescente apropriação dos modos de ação culturalmente elaborados. A significação Uma vez imersa no ambiente social e cultural, a criança busca, valendo-se de seu agir (que é a corporeidade), (PINO, 1993), expressar suas necessidades. Ao ser praticada essa atividade, o outro que está próximo à criança interpreta Processo de humanização: comportamento animal versus comportamento humano 35 a atividade como indício da demanda da criança e busca dar resposta a essa demanda. Pela interpretação da vontade da criança, o outro atribui significação a essa ação e, posteriormente, a criança construirá para si uma representação da interpretação dada pelo outro. Um dos exemplos clássicos de Vygotsky (1988) para demonstrar como as crianças começam a perceber o universo dos adultos e lhes atribuir significados é a interiorização do gesto de apontar. Ele descreve que, inicialmente, a criança utiliza o gesto como meio para conseguir algum objeto, mas o concebe apenas como um movimento. Quando a mãe interpreta o gesto da criança e realiza a ação desejada, a criança nota que o seu movimento tem um significado social. O apontar torna-se um movimento dirigido para outra pessoa e apresenta uma função específica. Para Pino (1993), essa interpretação “transforma o movimento em gesto ao atribuir ao mesmo significado”. Essa interação interpretativa se tornará modelo para a criança na medida em que, posteriormente, ela imitará a mesma relação ao imitar o comportamento adulto e utilizará os mesmos recursos para demonstrar sua compreensão da atitude do adulto. Uma criança pequena, que ainda não consegue falar, apresenta comunicações gestuais que reproduzem os significados de uma cultura. A fala e os gestos desempenham papéis importantes na formação do pensamento complexo e abstrato dos homens. Davis e Oliveira (1994) consideram que, quando as crianças crescem, elas vão interiorizando progressivamente as direções verbais fornecidas pelos adultos. Um outro exemplo de interiorização dos gestos ocorre quando uma criança bem pequena consegue reproduzir os gestos de balançar a cabeça de forma negativa e afirmativa em resposta às perguntas que lhes são feitas. Mesmo quando ainda não consegue falar, a criança consegue imitar os gestos. Em alguns momentos, é possível verificar que a criança se atrapalha. Às vezes, ela deseja um brinquedo que não está a seu alcance. Sua mãe lhe pergunta se quer o brinquedo. A criança responde que sim, mas balançando a cabeça negativamente. Com o passar do tempo, essa criança vai compreendendo os significados dos gestos e da fala e começa a agir sob sua influência. Ela internalizou as instruções e começa a modificar a sua percepção, sua memória e sua atenção, imitando e reproduzindo os significados culturais dos gestos e das palavras, de acordo com as convenções sociais. Quando o desenvolvimento da fala torna mais complexas as ações e os gestos, esses circuitos comunicativos irão permitir que se compreenda a comunicação, que é um produto histórico da sociedade. Assim, a comunicação humana existe quando sujeitos compreendemos significados que circulam entre o agir, o pensar e o falar entre grupos sociais, permitindo a transmissão de idéias e fazeres. Psicologia do Desenvolvimento 36 1. Pesquise com seus colegas as características gerais do comportamento do macaco, do orangotango e do homem. Discuta suas diferenças e o que torna o comportamento humano tão singular. 2. O que podemos entender com a frase “ao longo de seus sete primeiros anos de vida, a criança percorre todo o trajeto realizado pelo ser humano na sua jornada para tornar-se o que hoje ele é” (VYGOTSKY)? 3. Na teoria histórico-cultural, as interações assumem um papel significativo na formação do psiquismo humano. Vygotsky defendia que o processo de humanização das crianças é: a) uma apropriação solitária dos elementos da cultura. b) desenvolvido de forma individual, e depois socialmente. c) desenvolvido do social para o individual. d) uma apropriação sempre compartilhada dos elementos da cultura. Processo de humanização: comportamento animal versus comportamento humano 37 4. Vygotsky considerava que a inteligência prática da criança é determinada: a) pela maturação biológica. b) pela maturação intelectual. c) pela cultura. SOUZA, Solange Jobim. infância e Linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas: Papirus, 1994. Indicação de filme: A Guerra doFogo. (França/Canadá, 1981), com direção de Jean Jacques Annaud. Retrata a forma de dois grupos de homens pré-históricos sobreviverem no meio ambiente da época: um grupo cultuava o fogo como algo sobrenatural, e o outro dominava a tecnologia de fazer o fogo. Mostra o estágio de evolução biológica e que o homem já se locomovia como bípede e começava a aprimorar o uso das mãos. A necessidade da tecnologia do fogo levou os homens a aperfeiçoarem a comunicação. No princípio, a linguagem era gestual, mas eles descobriram que os sons também poderiam se prestar à função comunicativa. Psicologia do Desenvolvimento 38 A função do instrumento e do símbolo U m dos aspectos centrais na produção da psicologia sócio-histórica envolve as formas tipicamente humanas de atividade, que estão relacionadas a um processo criativo e transformador da realidade natural. A cultura e a criação de objetos culturais são as marcas dessa transformação. Quando a criança nasce, ela está com o seu aparelho biológico imaturo como contingência da estação do homem em pé e, conseqüentemente, com a imaturidade de seu nascimento (LEROI-GOURHAN apud PINO, 1993). Essa imaturidade a leva a uma descoordenação de movimentos característica de um cérebro em desenvolvimento. Movimentos reflexos são gradativamente substituídos por atividades voluntárias à medida que seu desenvolvimento neurológico se dá. Isso se caracteriza pelo controle do corpo da cabeça para os pés e do centro do corpo para as extremidades. No bebê, o controle da cabeça e do tronco é um momento significativo do desenvolvimento humano. Quando o bebê começa a se arrastar e consegue ir ao encontro dos brinquedos que procura, aos poucos ele vai conseguindo conter seus reflexos involuntários e começa a desenvolver o sistema de preensão com as mãos. No momento em que ele consegue se sentar, novas possibilidades interativas vão surgindo no ambiente. Essa corporeidade faz com que a criança segure firmemente os objetos, até ter condições de soltá-los, e o movimento de levá-los à boca é contingência das áreas cerebrais estimuladas, onde ela já percebe os objetos apresentados. Assim, gradativamente, ela vai construindo imagens mentais das características físicas dos objetos e percepções associadas aos sentidos, tornando-as representações elementares. Por outro lado, a cultura, sabendo e valendo-se do conhecimento dessa imaturidade, cria objetos com a intenção de estimular essas habilidades à medida que a criança domina seus movimentos corporais. Ou seja, os objetos culturais têm como principal função o estímulo às áreas cerebrais, para que elas possam se desenvolver. Interagindo com esses objetos, a criança sente e percebe suas formas, e essa atividade gera satisfação nela e no adulto que a estimula na interação da continuidade desse processo dinâmico. Os brinquedos são objetos elaborados historicamente, voltados para as características infantis, e são elementos importantes como mediadores da interação das crianças com o mundo. Mas não basta ofertar os brinquedos às crianças: também é preciso estimulá-las e chamar a sua atenção para esses objetos. Vygotsky (1988, p. 33) afirma que “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa”. Desde os primeiros dias da criança, as interações dos adultos ao seu redor têm a função de integrá-la na cultura. Entretanto, a criança também vai construindo suas interações por meio do seu desenvolvimento motor, cognitivo e social. Assim, a relação da criança com objetos culturais de estimulação vem a ser uma forma de relação dela com o outro que é estimulada ou mediada pelos instrumentos culturais – os brinquedos. Vendo Psicologia do Desenvolvimento 40 os objetos ao seu alcance, a criança busca, pela ação e pela atividade intencional, alcançar esses objetos, impelindo-se a solucionar os problemas com a imaturidade corporal, como a falta de coordenação dos pés e das pernas, buscando com as mãos e adaptando-se ao ambiente, arrastando-se e engatinhando. Nessas atividades, ela centra-se no objeto a ser atingido, fixando a sua atenção e coordenando suas ações em busca de atingir seu objetivo/objeto, com o que seus processos psicológicos elementares, do ponto de vista sócio-histórico, estão sendo construídos por sua relação com esses objetos. Assim, os objetos assumem papel importante na construção do psiquismo infantil ao permitirem à criança tanto conhecer suas próprias características como estabelecer vínculos entre o adulto e ela, fortalecendo os aspectos psicoafetivos. Portanto, os objetos e as relações são fortalecidos por desafios gradativamente mais elaborados, causando o avanço do desenvolvimento infantil. Os objetos novos apresentados crescem em complexidade e desafio aos processos cognitivos da criança. Esses instrumentos de estimulação levam a criança a construir formas mais elaboradas de atividade, e a isto chamamos inteligência prática. Oliveira (1999) descreve que os animais, principalmente os chimpanzés, possuem a inteligência prática. Eles são capazes de usar meios indiretos – como varas e paus, por exemplo – para alcançarem seus alimentos. Os animais também possuem estratégias diferenciadas para brincar com os objetos da natureza. Todavia, esse modo de funcionamento intelectual dos animais independe da linguagem. Embora emitam sons e gestos e desenvolvam ações para resolver seus problemas, os animais possuem uma linguagem pré-verbal e não conseguem operar com signos. A associação entre pensamento, linguagem e operação com signos é uma característica especificamente humana que a criança vai incorporando ao longo do seu processo de desenvolvimento. Oliveira (1999, p. 45) considera que “o surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistemas de signos é um momento crucial do desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico se transforma no sociocultural”. Cabe lembrar que, assim como essa atividade inteligente se desenvolve pela relação da criança com o objeto, a fala assume papel importante nesse processo. Para o desenvolvimento da fala até a chegada na linguagem, a criança vai participar de diferentes processos interativos, e chegará o momento em que ela irá superar os limites da corporeidade. No início do seu desenvolvimento, a criança consegue mamar e respirar ao mesmo tempo, conforme o desenvolvimento maturacional, visto que a laringe ainda não está posicionada, em decorrência da imaturidade neurológica. Com o desenvolvimento do sistema nervoso e a sustentação da cabeça, a criança passa a poder produzir sons involuntariamente. Essa postura chama a atenção do adulto, que vem ao encontroda criança para então criar um jogo de vocalizações e sorrisos que proporcionará a esta relações afetivas que a incentivarão à continuidade dos jogos posteriormente, iniciando uma comunicação entre adulto e criança, sendo que a criança, mesmo que ainda desprovida da linguagem, inicia- se num processo de interação com o outro. As pessoas que cuidam diariamente de uma criança pequena sabem identificar os sons que o bebê emite para obter o que deseja. O choro, por exemplo, A função do instrumento e do símbolo 41 é a primeira forma de comunicação humana. A mãe consegue identificar, ouvindo o choro da criança, quando ela está com cólica, fome, ou mesmo quando está indisposta. Por meio do não-verbal e dos gestos, o bebê consegue mobilizar o outro e “dizer” o que deseja para aqueles que cuidam dele. Gradativamente, as vocalizações são substituídas por imitações dirigidas pela linguagem da mãe, que estimula a criança a pronunciar sílabas e pequenas falas repetidas, como “mama” e “papa”. A aprovação e o sorriso da mãe para a criança que repete com acerto provoca jogos afetivos de aceitação. Assim, a criança passa a ser estimulada para a continuidade do jogo, pois cada vez mais é tratada como uma pessoa. Nessa fase, a imitação é um dos principais aspectos do desenvolvimento humano. Quando a criança é pequena, a imitação não é um processo mecânico. O bebê não reproduz os sons que sua mãe realiza com ele como um papagaio, mas reelabora as instruções fornecidas pela mãe. A imitação é um processo complexo. Para imitar, é preciso se colocar no lugar do outro, interiorizar os gestos, sons e significados. Newman e Holzman (2002) consideram que, na perspectiva histórico- cultural, a imitação representa um processo revolucionário, pois é fundamental para a criação de significados e para a aprendizagem. A imitação é importante porque é o meio pelo qual a criança se coloca na frente do que realmente é. Ou seja, os pais se surpreendem quando observam as crianças reproduzindo uma ação ou palavra, depois de horas ou dias do fato ocorrido. Os pais percebem que as crianças são capazes de outras ações, superiores àquelas que eles imaginam. Por isso, afirma-se que na imitação a criança está à frente do seu tempo. Nas atividades de interação imitativa, nos jogos de linguagem, a criança aprende que é um aprendiz, um falante, uma pessoa que observa, interage e constrói conhecimentos. Esse jogo se desenvolve até a chegada das primeiras palavras, e depois serão as primeiras frases ou palavras-frases. Nessas trocas, o importante é que sempre passa a existir um objeto entre a ação do adulto e a fala da criança: a linguagem da criança não surge de uma relação espontânea da mente, mas o agir, o pegar e o falar circulam nas representações entre adulto e criança. Isso é destacado por Vygotsky, que afirma que “as crianças resolvem suas atividades práticas com a ajuda da fala, assim como dos olhos e das mãos”. Vygotsky (1988) considera que, na criança pequena, o desenvolvimento da linguagem se manifesta por meio da fala egocêntrica. Nessa fase, as vocalizações da criança estão voltadas para ela mesma. Com o processo de desenvolvimento, a criança vai aprimorando a sua fala, mas descobre que ainda é incapaz de resolver um problema por si mesma, percebe que sua linguagem é precária. Dessa maneira, pede ajuda verbal aos adultos para encontrar uma solução. Segundo Vygotsky, neste período as crianças “apelam para os adultos” para buscar resolver o que não conseguem. As crianças pequenas são capazes de ações, como pegar uma cadeira e alcançar o objeto que desejam, realizar pequenas solicitações aos adultos – pedir água, por exemplo – mas ainda não conseguem usar a linguagem para pedir ajuda ou solucionar os seus problemas. Quando as crianças conseguem atingir esse momento, Psicologia do Desenvolvimento 42 considera que elas adquirem, conforme Vygotsky, a fala socializada. Porém, para que se consigam atingir essa forma de comunicação, há um longo processo. Desse modo, enquanto fala e interage com os objetos, a criança vai construindo representações entre essas funções, até que possa comunicar por si mesma o que está querendo e agindo. O momento em que ela produz a sua própria linguagem é caracterizado por Vygotsky como o mais importante na história do seu desenvolvimento cognitivo: O momento de maior significação no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem. Essa coordenação do ato com a fala leva a uma dupla função da linguagem na mente da criança, ou seja, agora, além de usar a fala como forma de comunicação, a criança também a usa como planejadora da ação: ela consegue utilizar a linguagem interior como organizadora da sua própria atividade. Cabe ressaltar que essas funções eram independentes, não se correlacionavam. Agora, ao coordenar as funções, a criança utiliza a linguagem para o planejamento das ações. E a atividade assim organizada é atributo da espécie humana. O uso da linguagem como coordenadora das ações das crianças se evidencia quando elas começam a utilizar a linguagem para auxiliar o plano da ação que desejam realizar. Vygotsky (1988) faz uma analogia para esta fase em que as crianças começam a desenhar. As crianças pequenas comentam em voz alta sobre a cor do lápis que irão utilizar, os traços que irão fazer, o que pretendem desenhar – enfim, descrevem o processo que irão realizar. No entanto, elas dão nome aos desenhos somente depois de completá-los, pois têm necessidade de ver primeiro antes de decidir o que o desenho significa. Diferentemente, as crianças maiores, antes de desenhar, já conseguem planejar e nomear o que vão fazer. Vygotsky (1988) considera que, quando a criança é pequena, a fala acompanha as suas ações. Em um estágio posterior, quando a criança cresce, a fala precede a ação. De acordo com Oliveira (1992), em fases mais avançadas do desenvolvimento da linguagem como instrumento social, a fala, que antes era utilizada para intercâmbio com as pessoas, passa a ser internalizada. Ou seja, a criança já não diz em voz alta tudo o que deseja realizar, não descreve o seu plano de ação: no processo de internalização da fala, a criança passa a utilizar a linguagem como instrumento de pensamento. A forma internalizada da linguagem é um mecanismo pelo qual as crianças começam a pensar antes de dizer, e já não dizem tudo o que pensam. Vygotsky denomina esse processo como auto-regulação. Como é possível verificar, portanto, a relação entre pensamento e fala não é linear: ela é dinâmica, funcional e dialética. Para Newman e Holzman (2002), o estudo da fala/pensamento como instrumento/resultado e os estudos dos jogos de linguagem ajudam a entender como os significados são culturalmente construídos. Assim, o jogo revolucionário de criar novos significados mostra a atividade social da linguagem e do pensamento. A função do instrumento e do símbolo 43 1. Analise e discuta com seus pares como as novas ferramentas tecnológicas (computadores, videogames, internet etc.) têm contribuído para a humanização das crianças. 2. Reúna-se com seus amigos da sala e elabore cinco exemplos de trocadilhos, jogos de linguagem, jogos de palavras que crianças inventam e com os quais invertem o significado das palavras quando estão em processo de aquisição da linguagem. 3. Segundo Vygotsky, qual o principal momento do desenvolvimento da fala no processo de aquisição da linguagem pela criança? a) A aquisição da inteligência prática. b) A aquisição do pensamento pré-verbal. c) A aquisição da abstração. d) A convergência entre a fala e a atividade prática. 4. Qual a diferença principal entre a linguagem pré-verbal humana e a linguagem dos animais? a) Os sons. b) As vocalizações. c) O uso de signos. d) A articulação sonora. Psicologiado Desenvolvimento 44 LURIA, Alexander R.; YODOVICH, F. I. Linguagem e desenvolvimento intelectual na Criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. Indicação de filme: Ninguém Segura esse Bebê (EUA, 1994), com direção de Patrick Read Johnson. A formação de conceitos elementares A apropriação da linguagem é um processo muito dinâmico, relacionado a diferentes fatores determinantes. O meio cultural, as pessoas ali inseridas, os costumes sociais e familiares, a relação com a comunidade, a escola: essa multideterminação faz com que cada criança, de modo diferenciado, vá se apropriando da linguagem à medida que participa ativamente das interações com esses segmentos. Assim, notamos que a sociedade organiza e estrutura o ambiente social e natural mediante o uso de elementos classificadores. Por exemplo, percebemos isso ao entrarmos em um supermercado: em cada corredor existe a representação de um segmento produtivo da sociedade, seus produtos e diferentes modos de produção, seus nomes relacionados ao custo e à qualidade, demonstrando como e de que diversidade vive a sociedade. Esses produtos são indexados e classificados conforme suas características de produção, suas características físicas, de utilidade e importância na cadeia social. Enquanto ser em processo de apropriação dos elementos culturais, e estando em fase de construção de um vocabulário que a permita entender usos e funções dos objetos e instrumentos sociais, a criança então quer (assim como antes queria com os objetos, na sua primeira infância) apropriar-se dos nomes e funções desses produtos. Ela está tomando consciência de que, quanto mais puder se apropriar desses referenciais, mais será tratada como um ser de participação no contexto social. Como já faz uso da linguagem como instrumento de interação entre ela e aquele que sabe do mundo exterior, a criança vai desenvolver modos de se apropriar da experiência do outro para que também ela possa conhecer o mundo. Descobrindo gradativamente a linguagem como um instrumento simbólico que lhe permite interagir, ela percebe ou toma consciência de que não precisa mais experimentar fisicamente todos os objetos para então saber seu nome e sua função: agora ela possui a linguagem que lhe permite tomar posse da experiência do outro para construir uma representação própria do mundo externo. É claro que as mãos e a experimentação ainda estão presentes e que o agir ainda é necessário, mas a palavra abriu as portas de uma possibilidade de vivenciar (seja por meio dos instrumentos sociais de comunicação, seja pela manipulação direta do objeto) a condição de construir internamente os seus próprios conceitos sobre a sociedade. Como percebemos, a sociedade definiu a criança pela linguagem e a conceituou pela ação. Isso ocorre com a criança utilizando seus próprios recursos de interação, apontando, usando o gesto como um aproximador entre o que o outro pensa e o que ela pensa. Ela pergunta para entender o que o outro representa como sendo a forma e o uso dos objetos – e assim ela mesma pode construir internamente, na sua mente, a sua representação do objeto indicado. Pino (1996) expressa essa função ao explicar o papel da mediação semiótica, ou sígnica, na construção do psiquismo infantil: ele relata uma função indexical, em que o signo está preso ao objeto e, assim, a criança aponta, mostra e pede o nome como forma de representar internamente a representação do objeto; também nos fala de uma função simbólica, em que o objeto já está internalizado e o sujeito já pode manifestar seu uso e sua função a partir desse conceito internalizado. Psicologia do Desenvolvimento 46 Vygotsky considera que o signo é uma espécie de instrumento psicológico utilizado pelo homem. É por meio do signo (palavras, desenhos, símbolos) que as pessoas representam os objetos, tornam presente o que está ausente e se recordam de fatos ocorridos. No processo de desenvolvimento da linguagem e de construção de significados, é possível observar como os homens fazem uso dos instrumentos verbais. É fácil observar crianças bem pequenas, quando começam a falar, utilizarem-se da expressão au-au para se referirem a todos os animais que encontram. Esse pensamento é considerado generalizante. Quando vai internalizando que existem diferentes raças de cachorro, por exemplo, a criança vai construindo novos significados e começa a aprender a nomear esses animais a partir das classes a que eles pertencem. Ela também compreende diversos símbolos a partir do momento em que precisa fazer uso desses símbolos. O próprio desenvolvimento da linguagem vai exigindo a elaboração de novos conceitos. Vygotsky também deixa claro que esses processos são multideterminados pelo contexto e pela significação que esses elementos tomam na cultura e na sociedade em que estão inseridos. Tomemos como exemplo as múltiplas formas de representar, pela linguagem, certas frutas (mimosa, tangerina, bergamota etc.). As diferenças lingüísticas mostram que existem formas variadas de se dizer uma mesma palavra. Essas variações estão associadas ao contexto e à cultura em que esses conceitos estão inseridos. Na concepção histórico-cultural, a utilização dos instrumentos e dos signos não se restringe à experiência pessoal de um indivíduo, pois se insere na experiência coletiva de elaboração de conceitos. Esses processos de constituição de significados e sentidos são construídos em interações, que são realizadas por trocas sígnicas entre o que detém o significado no contexto e a criança que tem de construir os seus significados. Essa interação cria um processo mediado no qual aquele que detém o conceito, o significado social da linguagem, tem de se aproximar da forma e do modo como a criança está construindo seus referenciais. E isso fica claro quando analisamos o conceito de zona de desenvolvimento próximo, com o qual Vygotsky procurou demonstrar que, para haver uma apropriação da palavra e de seu significado, o adulto, detentor dos saberes culturais, deverá se aproximar dos significados já construídos pela criança, mediando para além de onde ela está, mas de modo que ela possa alcançar se o conceito trazido estiver contextualizado com a realidade da criança: “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo no qual a criança penetra na vida intelectual daqueles que a cercam”. Vygotsky (1998) considera que o aprendizado da criança começa muito antes de ela freqüentar a escola; para ele, a criança já está aprendendo quando pergunta e assimila os nomes dos objetos. Dessa maneira, o aprendizado e o desenvolvimento estão inter-relacionados. Todavia, no período em que a criança vai para a escola, o aprendizado escolar lhe possibilita um novo desenvolvimento e um aprendizado mais sistemático. Vygotsky também defende a idéia de que o aprendizado precisa estar de acordo com o nível de desenvolvimento da criança. E propõe três níveis de desenvolvimento. A formação de conceitos elementares 47 O primeiro é denominado nível de desenvolvimento real. Não significa necessariamente a idade cronológica da pessoa: uma pessoa pode ter, cronologicamente, 20 anos de idade, mas ser imatura, ou seja, ter um desenvolvimento mental de 18. Nesse sentido, o nível de desenvolvimento real das pessoas depende das condições sociais, econômicas, biológicas e sociais. Esse nível varia de cultura para cultura. O nível de desenvolvimento real é medido por meio da forma e da capacidade da pessoa para resolver os seus problemas. O segundo é o nível de desenvolvimento potencial e representa a potencialidade da pessoa, ou seja, o que ela é capaz de fazer. Quando se associam o nível de desenvolvimento real com o nível de desenvolvimento potencial, constrói-se o que Vygotsky denomina zona de aprendizagem, ou seja, a zona de desenvolvimento próximo (ZPD) ou zona de desenvolvimento proximal. Para Vygotsky, a zona de desenvolvimento proximal é: A distância entre o nível de desenvolvimentoreal, que se costuma determinar através da solução independente de um problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (1998, p. 97). A zona de desenvolvimento proximal representa a maneira compartilhada de construção de conhecimentos. Para exemplificar: uma criança de sete anos pode não saber amarrar os cordões de seu sapato por não ter recebido orientação adequada, mas pode ser ensinada por uma criança de cinco anos que já sabe amarrar cadarços. Sendo assim, o nível de desenvolvimento real das duas crianças é diferente. Embora a criança menor tenha essa habilidade, isso não significa que a criança de sete anos não tenha potencial para desenvolver essa função. Nesse exemplo, quando a criança menor ajudou a maior a resolver o problema, criou-se a ZPD. Esse aspecto de solidariedade e compartilhamento de conhecimentos também ocorre na escola, em situações diversas: no processo de alfabetização, na tentativa de resolução de problemas matemáticos, no aprendizado de outra língua etc. Muitas vezes, crianças, adolescentes e adultos auxiliam seus pares na resolução de problemas. Portanto, o professor não é o único mediador do processo educacional e construção de conceitos. Vygotsky (1998) considera que a ZDP auxilia as pessoas a terem autonomia na resolução de seus problemas. Ele defende a idéia de que uma ação, quando realizada com assistência de um amigo no presente, pode ser realizada de forma solitária no futuro. Ou seja, as interações sociais são importantes para as pessoas, pois promovem novas ações. Para ele, é significativo que as crianças compartilhem experiências, orientem e sejam orientadas por seus pares. Influenciem e sejam influenciadas por outros. Essa “entrada na vida intelectual daqueles que a cercam” não significa que a criança irá se apropriar do conhecimento tal qual ele é concebido na mente do interlocutor, mas sim que ela irá se apropriar desse conhecimento conforme seu repertório: ao imitar o comportamento do outro, ela simplifica ou demonstra de modo interpretativo o comportamento do outro tal como ela o entende. Assim, o Psicologia do Desenvolvimento 48 outro, ao ver seu comportamento, interage e dá nova forma para a nova interpretação, pela criança, daquilo que ela pouco havia entendido, formando conceitos novos a partir dos conceitos realizados inicialmente por ela. Desse modo, a criança fala, brinca e cria um mundo baseado no modelo de mundo que os adultos vêm trazendo para ela em interações que representam uma forma do agir na sociedade, não com base em realidades distintas e irreais, mas nos comportamentos necessários para a interação social e a participação na comunidade de que ela faz parte. A criança fará uso da linguagem como um instrumento de socialização e constituição de um modo de agir cada vez mais próximo do modo de agir dos adultos colocados em sua volta. Esse processo dinâmico e não repetitivo estimula e atrai o desenvolvimento intelectual e social para a participação social. Portanto, o processo de desenvolvimento se caracteriza como o domínio do uso de instrumentos e a combinação de instrumentos e signos para realização da atividade psicológica. Quando é pequena, a criança usa os instrumentos para resolver os problemas. À medida que ela vai crescendo, as operações vão mudando. A operação das atividades começa a ser mediada pelos signos, que vão sendo internalizados. A criança vai aperfeiçoando sua linguagem, seus métodos de memorização na construção de conceitos. 1. Reúna-se com seus amigos, conceitue o que é zona de desenvolvimento proximal (ZPD) e cite três exemplos da ZPD no processo de aprendizagem das pessoas. 2. Dê exemplos para a afirmativa abaixo. Essa “entrada na vida intelectual daqueles que a cercam” não significa que a criança irá se apropriar do conhecimento tal qual ele é concebido na mente do interlocutor, mas sim que ela irá se apropriar dele conforme seu repertório: ao imitar o comportamento do outro, ela simplifica ou demonstra de modo interpretativo o comportamento do outro tal como ela o entende. A formação de conceitos elementares 49 3. O processo de aquisição da linguagem é: a) dinâmico. b) multideterminado. c) mediado simbolicamente. d) todas as alternativas anteriores. 4. No processo de aquisição de conceitos, qual dos aspectos abaixo não está relacionado com o desenvolvimento infantil? a) Imitação. b) Interpretação. c) Repetição. OLIVEIRA, Zilma de M. R. Interações Sociais e Desenvolvimento: a perspectiva sócio-histórica. Cadernos Cedes, n. 35, p. 62-77, 1995. Indicação de filme: Filhos do Paraíso (Irã, 1997), com direção de Majid Majidi. Trata-se de uma história simples, que apresenta a inocência e o poder do companheirismo entre irmãos. Apesar de ter apenas nove anos de idade, um menino pobre iraniano já trabalha para ajudar a família, mas sem abandonar a escola, na qual é um dos melhores alunos. Um dia, esse menino perde os sapatos da irmã, e pede a ela para não contar aos pais. As crianças encontram uma solução para resolver seu problema: dividem o tênis para ir à escola. O menino espera todo dia sua irmã chegar da escola para pegar o tênis e ir estudar. Ele corre todos os dias para poder chegar à escola. Até que consegue se transformar em um atleta e novas situações ocorrem em sua vida. O filme é muito belo e mostra a importância do compartilhar, da solidariedade e da maneira infantil de solucionar problemas. Psicologia do Desenvolvimento 50 Formação de conceitos científicos T emos analisado o desenvolvimento humano como sendo um processo dinâmico e complexo. Esse processo, multideterminado por diferentes fatores, leva à compreensão de um movimento social sempre em expansão e em constante produção de novos conhecimentos e necessidades. Os processos de industrialização e de desenvolvimento social impulsionaram uma nova realidade, um novo modo de vida baseado na necessidade de trabalho, na participação produtiva de todos os segmentos da família e da sociedade. Assim, a escola ganha papel fundamental na realidade do desenvolvimento infantil nos dias de hoje. Por outro lado, a criança vem se apropriando de suas relações sociais, delas tirando seus conceitos e significados, e precisando intensamente da presença do outro para aumentar seu repertório de conceitos sobre as coisas e as pessoas. Ou seja, à medida que vai ganhando autonomia com o uso da sua linguagem, a criança vai precisando de mais participação da linguagem do outro e de sua diversidade conceitual para formar o seu próprio discurso. Participando de interações com o mundo natural e com o mundo simbólico, a criança vai abstraindo dos objetos características imediatas que formam as suas representações individuais, e esses conceitos elementares são o ponto de partida para a produção de ainda mais complexos conceitos acerca da realidade circundante. Essa complexidade reside na categorização social dada por todos os participantes de uma mesma cultura no sentido de referenciar todos os instrumentos sociais produzidos nessa e nas demais sociedades como sendo aqueles necessários para a criança participar das trocas com as mais diferentes culturas e sociedades. Com a necessidade de trabalho dos sujeitos de interação e a necessidade de estruturação da sociedade, a escola surge como elemento sistematizador dessa nova fase de relações da criança com o mundo. A escola é criação social e representa um espaço em que as apropriações comuns de uma sociedade podem ser ordenadas e classificadas de acordo com a utilidade e a significação dos conceitos sociais, desde que essas apropriações tenham relevância para o desenvolvimento da criança, sendo utilizadas como ferramenta de interação da criança com o grupo social. Assim, a escola representa os saberes necessários para a participação social, constituídos a partir da realidade conceitual apropriada pelas crianças dessacomunidade e organizados de modo sistemático ou científico, o que é comprovado por meio de sua utilidade social para a participação do sujeito nos mais diferentes segmentos sociais. Não sendo uma atividade espontânea, a construção de conceitos é constituída pela troca simbólica entre o detentor de saberes socialmente relevantes e a criança, que precisa desses saberes e exige que na escola exista um ator social como mediador do conhecimento social e dos conceitos, das formas e do uso desse conhecimento pelas crianças na sociedade. Nesse processo, a criança é um sujeito ativo que deverá ser instigado a perguntar e a experimentar a diferença entre os seus conhecimentos e os conhecimentos trazidos pela escola, de modo a entender seus usos e aplicações para sua inserção em um mundo mais complexo e abrangente. Para a criança, a escola representa um espaço tanto de socialização como de construção de conhecimentos. Na escola, a criança também tem acesso a uma série de rituais e objetos que, culturalmente construídos para a aprendizagem, fazem parte do universo de sociedades letradas. Fontana e Cruz (1997, p. 65) consideram que, em nossa sociedade, Psicologia do Desenvolvimento 52 a escola é uma instituição encarregada de possibilitar o contato sistemático e intenso das crianças com a leitura e a escrita, com os sistemas de contagem e mensuração, com os conhecimentos acumulados e organizados pelas diversas disciplinas científicas, com os modos como este tipo de conhecimento é elaborado e com alguns variados instrumentos de que essas ciências se utilizam (mapas, dicionários, réguas, transferidores, máquinas de calcular etc.). Muitas vezes, a criança pequena brinca de escolinha, imita o processo escolar, antes mesmo de ter freqüentado uma sala de aula. Nessa brincadeira, ela classifica, compara e reproduz as suas representações da escola. Ela já tem domínio de determinadas informações, mas é na escola que vai ter acesso à sistematização do conhecimento. Todavia, é preciso destacar que Vygotsky diferencia escola e educação. Segundo Fontana (2000), Vygotsky não considera que a escola seja o único lugar legítimo para a transmissão/construção de conhecimentos. No entanto, o mesmo Vygotsky afirma que na escola as relações de conhecimento são intencionais e planejadas. A criança sabe que vai para a escola para aprender. O professor, por sua vez, orienta a criança; apresenta os conhecimentos de forma sistematizada; chama atenção para a diversidade de aspectos que os conceitos apresentam; ensina a criança a ler, a escrever, a utilizar- se dos instrumentos e materiais escolares e a comportar-se nesse novo ambiente. Enquanto aluno, a criança também procura incorporar esses comportamentos escolares. Ela vai interiorizando formas de agir, pensar e raciocinar de acordo com os moldes escolares. Conforme Fontana e Cruz (1997, p. 66), o professor tem um papel significativo no desenvolvimento das pessoas. Dessa maneira, quando o professor “faz junto, demonstra, fornece pistas, instrui, dá assistência, ele está interferindo no desenvolvimento proximal de seus alunos, contribuindo para a emergência de processos de elaboração e de desenvolvimento que não ocorrem espontaneamente”. Ao estudar as implicações da teoria histórico-cultural para o ensino escolar, Oliveira (1998) considera que Vygotsky possuía três idéias básicas sobre desenvolvimento e aprendizagem. A primeira é a de que na escola o conhecimento deve ser observado de maneira prospectiva. Ou seja, o desenvolvimento do aluno deve ser olhado para além do que ele é capaz de fazer. Vygotsky critica as pesquisas sobre desenvolvimento humano que consideram somente as capacidades e funções que a criança já domina ou que consegue exercer sem a ajuda de outras pessoas. Ele defende o princípio de que os professores precisam enfatizar o interesse em compreender o que é emergente no desenvolvimento do aluno e provocar esses alunos para que se adiantem no seu processo de desenvolvimento. Um segundo aspecto é que os processos de aprendizagem movimentam os processos de desenvolvimento. Vygotsky considera que a aprendizagem ocorre de “fora para dentro”, a partir das estimulações culturais que os indivíduos recebem em suas trajetórias. Oliveira (1998) cita o exemplo de pessoas que pertencem a grupos culturais ágrafos, ou seja, aqueles que não têm contato com a escrita e a leitura. Essas pessoas não vão desenvolver essas habilidades, pois, embora possuam o arsenal biológico e intelectual para exercer tais funções, se essas atividades não fizeram Formação de conceitos científicos 53 parte das práticas sociais do seu grupo, elas também não fazem parte do aprendizado e, conseqüentemente, não há desenvolvimento da leitura e da escrita. Portanto, determinadas habilidades sociais são transmitidas culturalmente e dependem da forma como cada país se preocupa em repassá-las para as novas gerações. A terceira idéia de Vygotsky para a educação, de acordo com Oliveira (1998, p. 61), está relacionada com “a importância da atuação dos outros membros do grupo social na mediação entre a cultura e o indivíduo e na promoção dos processos interpsicológicos que serão posteriomente interiorizados”. Para Vygotsky, não basta os indivíduos estarem inseridos na escola se os professores não promoverem o desenvolvimento: a mediação da cultura e das informações na escola pressupõe determinados procedimentos e intervenções para que o aluno aprenda. Outra análise da perspectiva histórico-cultural, realizada por Rego, também evidencia o significado, o papel e o impacto da escolarização na vida dos alunos. A autora constatou que: Não é qualquer escola nem qualquer prática pedagógica que proporcionará ao indivíduo a possibilidade de desenvolver funções psíquicas mais elaboradas. A perspectiva histórico- cultural aponta claramente que o impacto da escolarização dependerá da qualidade do trabalho realizado. Vygotsky evidencia que o ensino só é efetivo e eficaz quando se adianta ao desenvolvimento: a qualidade do trabalho pedagógico está, portanto, necessariamente associada à capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento proximal. (2002, p. 52). Para a autora, nas últimas décadas a escola tem apresentado uma contribuição significativa na construção da democracia e da modernidade. Em muitos países, a educação tem gerado vários estudos e movimentos de políticas públicas nesse sentido. Tais questões fazem parte das sociedades contemporâneas, que cada vez mais exigem um aperfeiçoamento da escolarização dos indivíduos. Assim se entende a escola, e o professor nessa escola, como elemento fundamental na constituição do ser humano: é ela que pode construir e constituir os modos de pensar e criar as necessidades do sujeito, é ela que nos humaniza – enquanto o professor, por sua vez, deve ter conhecimento da origem e da produção do conhecimento e de sua vinculação com o modo pelo qual a criança pensa e constrói os seus conceitos. Se tem esse conhecimento, ele poderá levar a criança a compreender as produções humanas, instigando-a a ser produtora de suas próprias necessidades, tornando-a agente de humanização. Por seu turno, a criança terá modelos de interação, pessoas que poderão fornecer a estrutura relacional e afetiva de que ela precisa para adquirir confiança e a consciência da realidade em que está inserida, bem como para utilizar os instrumentos científicos conceituais e práticos para se tornar ator nessa realidade. Fontana (2000) argumenta que, na perspectiva histórico-cultural, os concei- tos científicos apresentam uma história no curso do desenvolvimento individual. Esses conceitos não são incorporados às pessoas de forma natural: para com- preendê-los, é preciso entender como as informações são historicamente deter- minadas e construídas. Assim, para aprender determinados conceitos científicos, uma pessoa precisa possuir maturação biológica e funções superiores mediadas semioticamente. Psicologia doDesenvolvimento 54 A formação de conceitos depende da capacidade dos indivíduos para se apropriarem dos conteúdos e para objetivá-los, bem como da capacidade para unir o todo com as partes. O pensamento complexo exige associações entre objetos e informações, e a palavra passa a denominar categorias abstratas. Fontana (2000) considera que, na perspectiva histórico-cultural, o processo de elaboração de conceitos emerge de um processo de articulação e confronto de vozes sócio-historicamente definidas. 1. Discuta com seus colegas o modo como a escola vai constituindo conceitos cada vez mais elaborados acerca do mundo vivido pela criança. Como referência, utilize a seqüência abaixo. au-au → bichinho → cachorro → mamíferos 2. Analise o papel que a reestruturação de um texto tem na formação de conceitos por um aluno na escola. Formação de conceitos científicos 55 3. Vygotsky define o processo de desenvolvimento humano como sendo: a) linear. b) de maturação biológica. c) de maturação intelectual. d) complexo. 4. Para Vygotsky, a construção de conceitos na criança é um processo: a) espontâneo. b) herdado biologicamente. c) de trocas simbólicas. d) passivo. SMOLKA, Ana Luísa; GÓES, Maria Cecília Rafael (Orgs.). A Linguagem e o outro no Espaço Escolar: Vygotsky e a construção do conhecimento. Campinas: Papirus, 1993. Indicação de filme: Língua das Mariposas (Espanha, 1999), com direção de José Luis Cuerda. No interior da Espanha, um menino tem medo de freqüentar uma escola, mas quando começa a ir para as aulas ele se depara com um professor velhinho, que não usa somente os métodos tradicionais de ensino, pois também caminha pelos bosques da pequena cidade, mostrando a vida das borboletas e mariposas para os alunos. O menino vai se apaixonando pelos métodos do professor e começa a freqüentar as aulas assiduamente. Todavia, a Espanha está se encaminhando para a Guerra Civil (1936-1939) e o professor é perseguido pelo Estado. O filme é muito bonito por retratar a mediação da aprendizagem pelo professor e as ações compartilhadas entre o menino, seus amigos e seu irmão. Também mostra a incompreensão de signos novos, conceitos da linguagem e de política, elementos impenetráveis para o menino. Psicologia do Desenvolvimento 56 Piaget 1 Introdução O s estudos sobre o desenvolvimento infantil tiveram um avanço a partir das abordagens interacionistas. Anteriormente a elas, na virada do século XX, apenas os enfoques que situavam o sujeito dentro de características ambientais ou em características inatas prevaleciam nas abordagens da Psicologia. Muito se discutia sobre como abordar o comportamento humano, com sua complexidade e suas características tão peculiares. Foi tão efervescente aquele momento que vários teóricos propuseram estudar o comportamento humano de maneira própria, ou seja, buscando romper com o dualismo que opunha ambiente e corpo. Um claro exemplo dessa profusão de estudos é a diversidade dos autores: Henri Wallon (1879-1962), Sigmund Freud (1856- 1939), Lev S. Vygotsky (1896-1934) e Jean Piaget (1896-1980). Todos esses pensadores ressaltam a importância de se estudar o ser humano dentro de características peculiares a sua condição de “ser” em constante processo de transformação. Aqui iremos abordar o pensamento de Jean Piaget, um dos mais conceituados psicólogos do século XX, produtor de uma ampla pesquisa sobre o desenvolvimento humano, obra que vai muito além de uma simples abordagem sobre o desenvolvimento infantil. Piaget produziu um amplo referencial buscando explicar como nos tornamos seres humanos, sempre sendo muito fiel àquilo que se propôs. Vamos estudar sua obra a partir de três aspectos: a produção histórica de seu pensamento, buscando uma fundamentação epistemológica sobre o sujeito, dessa forma criando um profundo estudo sobre o desenvolvimento mental desde a infância até a idade adulta; a maneira como essas etapas (da infância até a idade adulta) estão estruturadas e de que forma esse desenvolvimento é construído pelo indivíduo; os principais conceitos pertinentes à teoria piagetiana e como esses conceitos levam à construção de um referencial teórico de caráter epistemológico. A epistemologia é o ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento humano, por isso é designada como teoria do conhecimento. Piaget foi um grande estudioso que procurou desvendar como o processo de conhecimento se constitui nos seres humanos. A maior parte de suas publicações esteve voltada para observação de como ocorre o desenvolvimento e a lógica infantil. Piaget considera que o indivíduo se desenvolve a partir da sua ação sobre o meio em que está inserido. Ele prioriza os fatores biológicos influenciando no desenvolvimento mental. Para ele, não se pode fazer dissociação entre crescimento mental do indivíduo, crescimento físico, maturação e sistema nervoso. Psicologia do Desenvolvimento 58 O desenvolvimento mental segundo Piaget Contextualização da obra de Piaget Todo o trabalho de Piaget é influenciado por sua própria história. É interessante notar de que maneira as situações por ele vivenciadas na sua infância e em sua adolescência tiveram um impacto significativo na forma pela qual ele abordou a teoria que foi construindo. Vamos analisar algumas dessas peculiaridades. Em seus escritos sobre Atualidades de Jean Piaget (2001), Emília Ferreiro, educadora argentina que por muitos anos teve a oportunidade de trabalhar com o pesquisador, relata o percurso de um “jovem prodígio que aos 11 anos escreve seu primeiro trabalho científico: “Un Gorrión Blanco (Pardal albino)”, onde desde cedo marca suas primeiras curiosidades sobre um mundo da biologia”. Ela também narra a contribuição de Paul Godet, zoólogo suíço que o acolheu em seu museu, sendo uma espécie de tutor para os estudos de Piaget na busca de compreender o mundo biológico. Logo após a morte de Godet, Piaget se sentiu encorajado a publicar uma série de notas sobre suas pesquisas a respeito de moluscos alpinos e sua facilidade de adaptação à altura. Essas notas acabaram por despertar o interesse de muitos biólogos, que quiseram conhecer o pesquisador e ficaram surpresos ao saberem, pelo próprio Piaget, que ele ainda não havia concluído o Ensino Médio. Mais tarde, Piaget narraria que esses estudos, por prematuros que fossem, muito contribuíram para a sua formação científica: eles lhe proporcionaram o privilégio de entrever a ciência e o que ela representa antes de sofrer as crises filosóficas da adolescência (FERREIRO, 2001, p. 105). Com uma mãe de fortes convicções religiosas e um pai historiador e cético, o adolescente Piaget decidiu dedicar-se à filosofia, preocupado em “conciliar a fé e a ciência ou razão”. Nessa fase, enquanto freqüentava cursos sobre a doutrina cristã, ele leu compulsivamente, na biblioteca de seu pai, autores como Kant1, Spencer2, Comte3 e Durkheim4, entre outros. Pela intervenção de um padrinho, muito preocupado com a formação do jovem Piaget nas ciências naturais, ele veio a conhecer Bergson5 e seu A Evolução Criadora, via de conciliação possível entre fé e razão. Outra pessoa de grande influência sobre Piaget foi Arnold Reymond, seu professor secundário de Lógica, que o iniciou na Lógica e na Filosofia Matemática, o que lhe põe em rota de colisão com o ofício filosófico. Graças aos intensos estudos dessa época, Piaget passou a buscar um campo mais relacionado com mundo natural. A partir de um trabalho intitulado “Realismo e Nominalismo nas Ciências da Vida”, ele buscou justificar a existência de uma “lógica vital”, oposta à Lógica Matemática. Esse trabalho foi criticado por seu professor ao analisar o pouco avanço em relação à lógica aristotélica e assim um novo rumo foi traçado por Piaget na busca de um estudo mais aprofundado da Lógica, da Filosofia Matemática e da Epistemologia. Ao terminar o curso médio, aos 18 anos, Piaget foi à universidade para fazer o doutorado em Biologia, especializando-se em Filosofia Biológica(FERREIRO, 2001). Nessa fase, já trazia em mente duas das idéias centrais que iriam estar presentes em todo seu trabalho posterior ou, como diz Piaget, citado por Ferreiro: 1 Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão. Suas pesquisas o conduziram à interrogação sobre os limites da razão e da sensibilidade. 2 Herbert Spencer (1820-1903), filósofo e cientista britânico. Criador de um siste- ma organicista e evolucionista de interpretação do universo. 3 Augusto Comte (1798-1857), filósofo francês. Criador do Positivismo, cor- rente de pensamento que apli- ca nas Ciências Sociais os mé- todos das Ciências Exatas. 4 Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo francês. Seguidor do Positivismo, pre- ocupou-se com a definição do que seria normal e o que seria patológico em uma sociedade. 5 Henri Bergson (1859-1941), filósofo francês. Trabalhando com uma filo- sofia espiritualista, preferia a intuição à dedução para che- gar ao conhecimento. Piaget 1 59 A primeira é que, como todo organismo possui uma estrutura permanente, que pode modificar-se sob as influências do meio, mas sem nunca se destruir enquanto estrutura de conjunto, todo conhecimento é uma assimilação de um dado exterior às estruturas do sujeito. A segunda é que os fatores normativos do pensamento correspondem biologicamente a uma necessidade de equilíbrio por auto-regulação. Assim, a lógica poderia corresponder, no sujeito, a um processo de equilibração. Com esses conceitos, o jovem Piaget busca construir todo seu repertório inicial de conhecimento, uma base científica própria que fundamente seus estudos e não esteja relacionada às formas especulativas das ciências filosóficas. Ele busca incessantemente uma “reflexão bem conduzida”. Acabando seus estudos em Biologia, Piaget foi buscar na Psicologia uma possibilidade de análise científica para uma de suas mais significativas questões: “Onde está a fronteira entre o que a reflexão permite alcançar com segurança e o que os fatos obrigam a retificar?” – ou seja, como conciliar a Epistemologia com a Ciência. Em 1919, ele foi a Paris em busca de conhecimentos, de modo a coadunar-se com as perspectivas vigentes. Estudou Psicologia Experimental e Psiquiatria, entre outras disciplinas. Porém, novamente um autor lhe despertou uma outra visão filosófica: ele estudou com León Brunschvicg6 a Filosofia crítica e racionalista da História da Ciência e a oposição desse autor ao empirismo positivista. Piaget reteve, de Brunschvicg, conhecimentos sobre a inteligência de características progressivas e a necessidade de verificação dos resultados. O caminho de Jean Piaget começou a se aproximar de seu objetivo quando ele chegou aos laboratórios de Psicologia Experimental de Binet para trabalhar na padronização de testes psicológicos. A descoberta de Piaget Essa tarefa, a padronização de testes, estava muito longe daquilo que Piaget buscava para si, mas seu espírito pesquisador e questionador o levou a descobrir alguns conceitos que lhe conduziram a um modo especial para atingir a sua ambiciosa meta de criar ligações entre o experimento e a Filosofia. Quando começou a desempenhar a tarefa proposta pelo laboratório de Binet, descobriu que, se analisasse os erros – em vez de simplesmente classificar as respostas –, ele poderia estar mais próximo de uma forma de estudar o conhecimento humano sobre as coisas. Então passou a se interessar pelos fracassos dos alunos, pelas razões de eles não atingirem êxito nas provas classificatórias. Assim, começou a formatar um modo de entrevista clínica que lhe permitia explorar os raciocínios das crianças sobre as provas de modo a entender a lógica subjacente às respostas. Com o ânimo redobrado, ele deixou de considerar os erros como déficits ou carências e passou a vê-los de maneira original, encarando-os como uma lógica própria da criança, e também buscando os processos que antecedem essas respostas. Desse modo, centrou seus estudos sobre a gênese do pensamento, seu desenvolvimento desde o nascimento, e a preocupação inabalável de não comparar as respostas a uma possível forma adulta de pensar, pois existem categorias do pensamento infantil que são peculiares às crianças e de modo algum podem ser analisadas pela forma adulta de pensar. 6 Leon Brunschvicg (1869-1944), filósofo francês. Trabalhou com temas espiri- tualistas dentro da Filosofia da Ciência. Psicologia do Desenvolvimento 60 O modelo piagetiano A obra de Piaget tem influências da Biologia, da Matemática, da Filosofia e da Física. Piaget considera que as categorias de conhecimento não são estáticas: elas mudam durante o ciclo do desenvolvimento. De acordo com Goulart (1987), pelo fato de a formação inicial de Piaget ter sido em Biologia, alguns conceitos utilizados por ele são extraídos desse campo científico. O seu conceito de desenvolvimento está baseado em um modelo de intercâmbio entre organismo e ambiente que é derivado da Biologia. Todo esse estudo só foi possível pelo modelo proposto por Piaget. Certa vez, ele afirmou: “Tive finalmente a sensação de ter encontrado uma via que conciliava a investigação epistemológica com o respeito aos fatos” (apud FERREIRO, 2001). Assim, a partir de 1921, e já no Instituto Jean-Jacques Rousseau de Genebra (organismo no qual trabalhou pelo resto dos seus dias), ele começou a estudar o pensamento lógico da criança. Seu modelo de estudo, o famoso método clínico de Piaget, baseia-se em um princípio metodológico: interrogar-se a respeito do que parece óbvio. Ao analisar o desenvolvimento da lógica ao longo dos séculos, ele percebeu que muitos postulados pareciam absurdos em determinadas épocas da sociedade e, com o passar dos anos, se tornaram plausíveis e posteriormente óbvios ou mesmo meras convenções. Um exemplo disso é o conceito de conservação de número, quantidade, massa etc. Piaget desenvolveu atividades baseadas nesses conceitos físicos e passou a argüir mediante perguntas sobre como a criança entendia os processos de transformação sobre aquela experiência. Assim, percebeu que existiam diferentes respostas para tais fenômenos. Esse método de pesquisa possibilitou a criação de um grande número de situações experimentais que pesquisariam a sucessão de pensamentos de uma criança desde a sua idade mais precoce até um processo de compreensão dos fenômenos, ao qual Piaget chamou de princípio de conservação, que para ele ocorreria em torno dos seis ou sete anos. A partir desse fenômeno do pensar, ele propõe a sucessão dos estudos para entender quando a criança chegaria a pensar de uma forma semelhante ao adulto. Desse modo, certas transformações que parecem óbvias para os adultos – como a transformação da matéria em uma atividade como manipulação de massa de modelar – para a criança que não construiu seu conceito de conservação de matéria pode vir a ser um objeto que se transforma a cada modificação que essa matéria sofre. Para Piaget, isso demonstra que há um modo de pensar da criança que se diferencia do modo adulto – e que essa busca depende da forma como se investiga o pensamento. Seu método clínico se mostrou extremamente eficaz na produção de tal processo. Assim, o modelo piagetiano se tornou, ao longo do século XX, um processo de pesquisa científica internacionalmente reconhecido para analisar as diferentes etapas do pensamento infantil. Piaget 1 61 Conceitos básicos Para o entendimento de como esse pensamento vai sendo construído pela criança ao longo de sua infância, Piaget determinou alguns conceitos. O princípio da ação da criança é um dos mais fortes deles, definindo que a noção de conservação não é ensinada pelos adultos, mas, à medida que age sobre a matéria e quanto mais assim o faz, a criança adquire antes e melhor o referido conceito. Portanto, para Piaget, a ação é a fonte do conhecimento. Para ele, quanto mais intensa é a ação da criança, maior é a sua assimilação, ou seja, do ponto de vista orgânico-biológico, a assimilação designa a incorporaçãode elementos estranhos ao organismo, de objetos exteriores, que são reelaborados – modificados em função das estruturas orgânicas que o assimilam e, em nível psicológico, um objeto externo é assimilado pelo sujeito quando é incorporado e modificado por este mesmo ato, numa modificação funcional, e não material, e este objeto fará parte dos esquemas de ação do sujeito. (FERREIRO, 2001). Por outro lado, a ação do objeto sobre o sujeito, a modificação que o sujeito experimenta em virtude do objeto, é chamada de acomodação. Assim, esse ato complexo, que é resultante desse interjogo de mecanismos de acomodação e assimilação e tem doses variáveis de um e de outro, chama-se adaptação. Segundo Ferreiro, para Piaget, uma criança não pode chegar a conhecer senão aqueles objetos que é capaz de assimilar a esquemas anteriores. Esses esquemas são, no começo do desenvolvimento, esquemas de ação elementares, que irão enriquecendo-se e tornando-se complexos à medida que o conhecimento prossegue, proporcionando assim novos instrumentos de assimilação. (FERREIRO, 2001). Piaget extraiu os termos assimilação, acomodação e adaptação da Biologia. Muitas vezes, para um leitor principiante, esses conceitos são de difícil internalização. Para exemplificá-los, é possível observar o comportamento de um bebê de cinco meses, quando ainda está no berço e leva os objetos à sua boca. Nos primeiros meses de idade, é comum ver o bebê mordendo e lambendo os dedinhos de sua mão e de seu pé. Com o tempo, vão sendo introduzidos brinquedos no berço dessa criança. Então o bebê começa a explorar esses objetos. Porém, quando esses brinquedos são introduzidos e os bebês ainda não os conhecem, é como se ocorresse, segundo a teoria piagetiana, um desequilíbrio na estrutura mental dos bebês frente a tais brinquedos. Os bebês observam com calma, puxam, lambem e mordem esses objetos, interagindo com eles para conhecê-los. Nesse processo, aos poucos, os bebês vão assimilando a estrutura, a cor, o formato, o cheiro e outros aspectos dos brinquedos. Posteriormente, vão acomodando e adaptando esses elementos na sua estrutura mental. Dessa maneira, o processo de construção de conhecimentos é um processo de desequilibrações, assimilações, acomodações e adaptações de estruturas. No processo de desenvolvimento, velhas estruturas conhecidas vão sendo modificadas diante de novas estruturas que são incorporadas. Psicologia do Desenvolvimento 62 Esse processo interativo e progressivo de construção vai se consolidando e, ao final do primeiro ano de vida, pode-se afirmar com fundamento que os objetos exteriores têm uma permanência substancial, continuam a existir ainda que o sujeito não os veja ou não atue sobre eles, criando assim a representação ou conservação do objeto permanente. Na teoria piagetiana, a construção do objeto permanente ocorre com os bebês quando eles têm a idade aproximada de seis ou oito meses e começam a observar ao seu redor o fato de que, tanto os objetos, como as pessoas, podem desaparecer e ser descobertos. Eles percebem que as pessoas podem sair de um ambiente e depois voltar, assim como os objetos podem ser escondidos. A experiência clássica de Piaget foi esconder um objeto por debaixo do lençol e observar a reação dos bebês. Quando os bebês são bem pequenos, de um a cinco meses, eles ainda não têm a noção do objeto permanente, pois não procuram os objetos. É como se eles desaparecessem em um “movimento mágico”. Quando a criança constrói a noção de objeto permanente, ela compreende que esse objeto pode desaparecer do seu campo de visão, mas continuar existindo. Essa é uma fase importante para os bebês, pois eles começam a compreender os deslocamentos, coordenar desvios e retornos de ações e associar movimentos. Assim, passamos a entender as palavras de Piaget quando ele nos diz que, “a inteligência não começa nem pelo conhecimento do eu nem pelo conhecimento das coisas enquanto tais, mas pelo conhecimento de sua interação e, orientando-se simultaneamente para os dois pólos desta interação, a inteligência organiza o mundo, organizando-se a si mesma” (apud FERREIRO, 2001). Dessa maneira, é possível compreender que as pesquisas de Piaget não visam a conhecer melhor a criança e aperfeiçoar os métodos pedagógicos ou educativos, mas compreender o homem, a formação dos mecanismos mentais para entender como se estrutura o processo de aquisição de conhecimentos. 1. Com seus colegas, pesquise sobre a experiência de Piaget com moluscos, realizada nos lagos de Genebra, e tente identificar o que são os conceitos de assimilação, adaptação, equilibração e acomodação nessa experiência. Piaget 1 63 2. No desenvolvimento infantil, busque exemplos de situações reais em que a criança tem uma compreensão do mundo diferente do adulto – por exemplo, a criança que chora quando a mãe se esconde atrás do lençol pensando que a mãe sumiu. 3. Qual a formação inicial de Piaget? a) Psicólogo. b) Biólogo. c) Filósofo. d) Matemático. 4. Qual a correta seqüência do modelo piagetiano para a construção do conhecimento? a) Desequilibração, assimilação, acomodação e adaptação. b) Assimilação, desequilibração, adaptação e acomodação. c) Adaptação, assimilação, desequilibração e acomodação. d) Acomodação, adaptação, assimilação e desequilibração. GOULART, Íris Barbosa. Piaget: experiências básicas para utilização pelo professor. Petrópolis: Vozes, 1983. Indicação de filme: Matilda (EUA, 1996), com direção de Danny DeVito. Os pais de uma menina chamada Matilda não percebem que ela é especial, que tem muitas habilidades. Excluída, ela se refugia em uma biblioteca. Os pais colocam Matilda em um colégio bastante repressor, mas ela tenta remediar a situação: usa seus poderes mágicos para acertar as contas com todos, desde a diretora megera até os colegas indesejáveis. Ela mostra também, de uma maneira fictícia e exagerada, como a lógica infantil pode ser utilizada para a resolução dos problemas das crianças. Psicologia do Desenvolvimento 64 Piaget 2: estágios do desenvolvimento U m dos pontos principais da obra de Piaget está na perspectiva construtiva do ser humano. Por seus estudos, fica claro que ele vem a conceber uma criança em constante processo de aprendizagem, construindo-se pelas interações com os objetos. Essa característica da sua obra a tornou uma das maiores contribuições para a Psicologia do Desenvolvimento, pois muitos psicólogos, a partir de Piaget, puderam ter claro que a constituição do ser humano é um processo em que as ações são construídas sucessivamente e precisam acontecer ao longo da vida da criança. Os estudos de Psicologia passaram a levar em conta o modo como a criança aprende. Assim, as pesquisas realizadas a partir do método clínico desenvolvido por Piaget para estudar as características do pensamento infantil foram aplicadas em diferentes lugares do mundo e, sempre que aplicadas em crianças dos mais diferentes continentes, essas pesquisas eram devolvidas a Piaget para que ele pudesse analisar e levantar as teses que fundamentaram seu pensamento. É preciso destacar que as pesquisas sobre desenvolvimento infantil de Piaget foram iniciadas por meio da observação de seus filhos. De acordo com Barros (1993), Piaget anotava minuciosamente o crescimento dos filhos: Jaqueline, Laurent e Lucienne. Essas observações o levaram a produzir o livro O Nascimento da Inteligência na Criança. A construção dos estágios do pensamento infantil foi produto dessa tarefa longa e meticulosamente produzida. Chegar a esses estágios foi muito mais que estabelecer etapas ou ritos de desenvolvimento de uma criança, pois a obra de Piaget tem o caráter do objetivo de sua vida: entender como nos constituímos sujeitos desde as primeiras atitudes humanas até a maturidade. O que são os estágios Piaget considera que o desenvolvimento cognitivo das pessoas obedece a uma ordem de estágios. Para ele, a natureza e as características humanas mudam com o passar do tempoe com a evolução desses diferentes estágios. A sua proposta de estudo é entender como a criança constrói conhecimentos para que as atividades de ensino sejam apropriadas aos níveis de desenvolvimento das crianças. Por isso, ele estruturou seu modelo de desenvolvimento. Para Piaget, o indivíduo tende a um equilíbrio, que está relacionado a um comportamento adaptativo em relação à natureza, que por sua vez sugere um sujeito de características biológicas inegáveis, as quais são fonte de construção da inteligência. O desenvolvimento é caracterizado por um processo de sucessivas equilibrações. O desenvolvimento psíquico começa quando nascemos e segue até a maturidade, sendo comparável ao crescimento orgânico: como este, orienta-se, essencialmente, para o equilíbrio (PIAGET, 1974, p. 13). Esse desenvolvimento, apesar de contínuo, é caracterizado por determinadas formas de pensar e agir em diferentes idades, formas que o autor denominou estágios e refletem os diferentes modos de a criança pensar ao longo de sua vida. Segundo Piaget, o desenvolvimento passa por quatro diferentes estágios: Psicologia do Desenvolvimento 66 sensório-motor; pré-operatório; operatório concreto; operatório formal. Esses estágios são sucessivos, isto é, seguem exatamente essa ordem de surgimento. O primeiro é uma preparação para o surgimento do próximo e a transição entre eles não é abrupta: enquanto o primeiro está se constituindo, já está preparando o surgimento do próximo estágio. Porém, o que marca esses estágios é o fato de cada um deles apresentar características próprias, exaustivamente pesquisadas até o seu esgotamento em diferentes partes do mundo. O estágio sensório-motor Inicia-se ao nascimento e segue ao longo dos dois primeiros anos de vida da criança. Como o próprio nome sugere, nesse período a criança terá uma inteligência prática centrada na percepção e no motor. Ela utilizará essa inteligência a partir de seus esquemas sensoriais e motores, vindos dos reflexos genéticos, procurando solucionar problemas imediatos como pegar, jogar ou chutar uma bola, por exemplo. No ponto de partida da evolução mental não existe, certamente, nenhuma diferenciação entre o eu e o mundo exterior, isto é, as impressões vividas e percebidas não são relacionadas nem à consciência pessoal sentida como um eu, nem a objetos concebidos como exteriores. São simplesmente dados em um bloco indissociado, ou como exteriores. São simplesmente um bloco indissociado, ou como que expostos sobre um mesmo plano, que não é interno nem externo, mas meio caminho entre esses dois pólos. Estes só se oporão um ao outro pouco a pouco. Ora, por causa desta indissociação primitiva, tudo que é percebido é centralizado sobre a própria atividade. O eu, no início, está no centro da realidade, por que é inconsciente de si mesmo, e à medida que se constrói como uma realidade interna ou subjetiva o mundo exterior vai se objetivando. Em outras palavras, a consciência começa por um egocentrismo inconsciente e integral, até que os progressos da inteligência sensório-motora levem à construção de um universo objetivo, onde o próprio corpo aparece como um elemento entre os outros, e ao qual se opõe a vida interior localizada neste corpo. (PIAGET, 1967). Percebemos, portanto, que nessa etapa o indivíduo está, paulatinamente, trabalhando na formação da noção do eu e na diferenciação dos objetos. Dessa forma, a criança dá inicio à construção dos esquemas sensório-motores a partir de alguns poucos reflexos hereditários. A partir da construção dos esquemas pela transformação da sua atividade sobre o meio, a criança vai construindo e organizando noções, organizando a realidade. Isso se deve em parte pela conquista da noção da permanência do objeto. Por isso, é muito importante que nesta fase a criança seja estimulada a reconhecer e interagir com diferentes objetos no seu entorno. É preciso que o bebê conviva com diferentes brinquedos, com objetos, para que possa pegar, sacudir, morder e beliscar. Geralmente, neste período as crianças gostam de executar exercícios repetitivos, o que Piaget denomina de reações circulares. O bebê bate várias vezes no móbile do berço para observar a mudança do seu Piaget 2: estágios do desenvolvimento 67 movimento. Outro aspecto que também é possível evidenciar está nas diferentes maneiras com que a criança atrai os brinquedos para si e também suas diferentes maneiras de encontrá-los. Esse processo ocorre quando ela possui a noção do objeto permanente. Nesta fase, a criança procura objetos escondidos e manifesta curiosidade em deixar objetos caírem no chão, para observar a queda. Encerrando a fase de bebê, no final dos dois anos de vida, a criança começa a desenvolver as noções de tempo, espaço e causalidade e, com o surgimento da função simbólica, passa a interagir com o meio de outra forma. O estágio pré-operatório Esse momento é marcado pelo aparecimento da linguagem oral que lhe dará possibilidades de, além de se utilizar da inteligência prática decorrente dos esquemas sensoriais e motores formados na fase anterior, iniciar a capacidade de representar uma coisa por outra, ou seja, formar esquemas simbólicos. Nesse período, o raciocínio é marcado pelo egocentrismo e possui uma lógica do particular para o particular. O pensamento será caracterizado por um misto de realidade e fantasia, o que o levará a uma visão distorcida da realidade. O egocentrismo se caracteriza basicamente por uma visão da realidade que parte do próprio eu, isto é, a criança não concebe um mundo, uma situação da qual faz parte, confunde-se com objetos e pessoas, no sentido de atribuir a eles seus pensamentos, sentimentos etc. (RAPPAPORT, 1981, p. 68). Um exemplo utilizado por Piaget para mostrar como a criança constrói conhecimentos a partir de uma lógica que envolve conceitos do particular para o particular ocorreu quando sua filha Lucienne, bem pequena, observou Jean Piaget esquentando água para rapar a barba. Ela perguntou para que o pai estava realizando aquela ação e Piaget explicou que iria se barbear. Em um outro dia, Piaget foi esquentar água novamente, mas para fazer um chá. Sua filha Lucienne lhe perguntou se ele iria fazer a barba. Nesse sentido, Piaget considerava que as crianças pensavam do particular para o particular. Outras características e exemplos também fazem parte do estágio pré-operacional. Podem ser citados vários exemplos que remetem a essa característica: “A cadeira me bateu.” “A boneca está com fome.” “O rio foi meu pai quem fez.” Os dois primeiros exemplos dizem respeito à característica denominada animismo, ou seja, atribuir vida a plantas, objetos etc. O último exemplo refere-se ao artificialismo, a característica de atribuir ao homem a criação de fenômenos naturais. O pensamento pré-operatório é dependente da percepção imediata e com isso está sujeito a erros. Para poder analisar esses processos, foram desenvolvidas provas para que Piaget pudesse avaliar as características de como esse pensamento ocorre. Para tanto, um conceito estava presente: a conservação. Para a criança, a conservação implica perceber que os objetos podem ser manipulados sem serem alterados em Psicologia do Desenvolvimento 68 suas características materiais. Depois de suas testagens, Piaget afirmou que a criança em período pré-operatório não faz processos conservativos, respondendo de modo individual, o que é marca do egocentrismo do pensamento. Foram várias as provas de conservação e podemos citar a de massa: uma massa de modelar recebe, sucessivamente, novas e diferentes formas, e então se argúi se há maior quantidade de massa nas transformações ou na massa original. As provas foram de volume e transvazamento de líquidos, peso e quantidade de matéria, como no exemplo abaixo. Pergunta-se se há maior quantidade de fichas na primeira ou na segunda fileira. Muitas vezes, conseguindo contar as fichas, a criança, ao vê-las separadas ou na ação deseparar, acaba por confundir o espaçamento com a quantidade e afirma que a inferior está maior porque está mais comprida. Essa mesma tendência aparecerá nas provas de conservação de volume, peso e massa. O egocentrismo aparece também quando se trata do aspecto social. Uma criança não entenderá que a mãe está cansada e, por isso, o passeio ao parque ficará para mais tarde, visto que a criança está disposta para isso naquele momento. Nessa fase, a criança não consegue perceber o ponto de vista do outro: o mundo gira ao redor da criança. Por isso o termo egocentrismo = ego (“eu”) + centrismo. Para Piaget, a criança egocêntrica também é pouco sociável e não consegue partilhar seus brinquedos, nem seus objetos e nem mesmo o carinho dos seus pais com outros irmãos. A linguagem terá características muito especiais, pois combinará coerência e o produto da imaginação da criança pré-operatória. Assim, a criança apresentará argumentos socialmente aceitos e, em contraponto, manifestará o egocentrismo do seu pensamento quando precisar expressar o seu mundo interior. O estágio operatório concreto Em torno do sétimo ano de vida, o estágio do operatório concreto passa a se manifestar de modo mais evidente, o que coincide (ou deve coincidir) com o início da escolarização formal. Nesse momento, o declínio do egocentrismo passa a ser mais visível. É nesta etapa que o pensamento lógico, objetivo, adquire preponderância. As noções interiorizadas vão se tornando mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O pensamento torna-se menos egocêntrico, menos centrado no sujeito. Agora a criança é Piaget 2: estágios do desenvolvimento 69 capaz de construir um conhecimento mais compatível com o mundo que a rodeia. O real e o fantástico não mais irão misturar-se em sua percepção. Além disso, o pensamento dominante é o operatório porque ele é reversível: o sujeito pode retornar, mentalmente, ao ponto de partida. (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p. 44). O declínio do egocentrismo se estende à linguagem, que se torna mais socializada, e a criança será capaz de levar em conta o ponto de vista do outro. Assim, objetos e pessoas passam a ser mais bem explorados nas interações da criança e ela buscará, com a linguagem e o uso dos objetos que ela está explorando, construir conceitos próprios a partir de sua ação exploratória. Nesse estágio, a criança já consegue classificar os objetos de acordo com a cor, a forma e o tamanho. A criança também tem a noção de inclusão de classe, compreendendo que um mesmo objeto pode pertencer a duas classes. Barros (1993) cita alguns exemplos de provas piagetianas aplicadas no período operatório concreto, que vai dos 7 aos 11 ou 12 anos de idade. Nesse período, as crianças conseguem classificar e entender que as rosas vermelhas são subespécies da classe das rosas. Também compreendem operações matemáticas que envolvem relações entre maior, menor, números crescentes, números decrescentes etc. No entanto, elas apresentam dificuldades para realizar operações aritméticas mais complexas. Por isso, esse estágio é denominado operatório, pois as crianças ainda não conseguem abstrair essas operações: nessa fase, as operações da inteligência infantil precisam ser trabalhadas a partir do concreto. O estágio operatório formal O estágio das operações formais apresenta características bem próximas daquelas que os adultos estão elaborando. Por volta dos 12 anos de idade, a criança vai se distanciando daquelas operações concretas. Se no período das operações concretas a inteligência da criança manifesta progressos notáveis, apresenta por outro lado ainda algumas limitações. Talvez a principal delas, [...] implícita no próprio nome, relaciona-se ao fato de que tanto os esquemas conceituais como as operações mentais realizadas se referem a objetos ou situações que existem concretamente na realidade. (RAPPAPORT, 1981, p. 74). Essa necessidade da presença do objeto vai sendo gradativamente substituída por hipóteses e deduções, o objeto vai sendo substituído pelo pensamento formal, simbólico, no qual o objeto é reconstruído internamente em todas as suas propriedades físicas e lógicas. Dessa forma, a criança começa a operar apenas com a imaginação e o pensamento formal, e seu pensamento assume um caráter hipotético-dedutivo. Oliveira (1994) considera que o estágio operatório formal é muito pouco estudado e, no entanto, é um dos mais importantes para a compreensão de como o jovem conquista as estruturas lógicas elementares, organiza o espaço, consegue distinguir entre diferentes pontos de vista e construir conceitos. Para Oliveira (1994), de acordo com a teoria piagetiana, o período operatório formal corresponde à faixa etária de 11/12 a 15/16 anos. Portanto, essa fase envolve crianças, pré-adolescentes e adolescentes. Nesse período, uma das características mais importantes do pensamento é a mobilidade/flexibilidade. No aspecto da linguagem, Psicologia do Desenvolvimento 70 os jovens já conseguem argumentar o que desejam e trabalhar com signos mais complexos. No que se refere ao social, a vida em grupo é um aspecto significativo, junto com o planejamento de ações coletivas. A solidariedade, a amizade, os juízos de valor e os juízos morais também se fazem presentes. Desenvolvimento moral Segundo Piaget, “toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo tem por elas”. Pensando assim, ele acredita que o desenvolvimento moral também é construído na medida em que a criança vai tomando consciência de si e dos objetos que a circundam – afinal, as regras das pessoas e dos objetos são construídas pelas interações, enquanto o exercício constante de construção e estruturação da forma de pensar permite à criança a noção de valor, assim havendo respeito pelas pessoas e objetos. No seu livro sobre o desenvolvimento do juízo moral, Piaget inicia sua pesquisa pelos jogos de regras. Como resultado, considerou que a evolução da consciência das regras pode ser dividida em três etapas, conforme abaixo. Anomia – aproximadamente até o sexto ano de vida, quando as crianças não conseguem seguir as regras coletivas por causa de seu egocentrismo e seu apego aos objetos. Heteronomia – quando há interesse em participar de atividades coletivas regradas. Essa etapa possui duas manifestações possíveis: 1) as regras são consideradas como criações de senhores ou deuses e qualquer modificação é trapaça; 2) o jogo mostra-se liberal e suas regras são modificadas ou desconsideradas. Autonomia – a consideração adulta de um jogo. A partir dessa pesquisa, Piaget levantou a hipótese de que o desenvolvimento do juízo moral seguirá as mesmas etapas, de modo que o dever moral só é possível a partir da fase da heteronomia. La Taille (1992), ao estudar o desenvolvimento do juízo moral na teoria piagetiana, considera que na fase da heteronomia, principalmente nos jogos infantis, a criança está em um processo de construção do valor moral. Quando começa a brincar coletivamente, a criança não assimila as regras como necessárias para regularizar as ações dos jogadores. E é por isso que, em alguns momentos, ela quer levar “vantagem”. Quando começam a seguir as regras com propriedade, as crianças entram na fase da autonomia. Para investigar a construção do dever moral, Piaget realizou uma pesquisa com três situações diferentes (dano moral, mentira e roubo) em que as crianças desempenharam o papel de juízes. Como resultado, temos a primeira fase de heteronomia, que se traduz pelo realismo moral, que por sua vez é caracterizado por se considerar bom todo ato de obediência à regra e pelo fato de a criança julgar pelas conseqüências e não pela intencionalidade. Esse momento é superado por volta do nono ano de vida. Piaget 2: estágios do desenvolvimento 71 La Taille (1992, p. 51) cita as provas piagetianas utilizadas para observar a evolução da moral nas crianças. Piaget utilizou um métodoque apresentava dilemas morais às crianças para que elas julgassem. O primeiro dilema era um menino que quebrava dez copos sem querer, enquanto o segundo caso era o de um menino que quebrava o copo em uma ação ilícita. As crianças eram convidadas para julgar quem era culpado e por quê. Como já afirmado anteriormente, as crianças pequenas tendem a condenar os dois meninos, pois o ato de quebrar os copos implica uma desobediência às regras: elas entendem que os dois meninos devem ser punidos. Já os adolescentes conseguem relativizar a situação e condenar somente o menino que executou a ação ilícita. Um ponto importante a ser considerado na construção da moral diz respeito às relações interindividuais, que se dividem em duas categorias: coação – imposição da forma de pensar; reciprocidade – cooperação, autonomia e construção da democracia. Para Piaget, as crianças bem pequenas podem sofrer processos de coação, assim como as pessoas que ainda não conseguem ter autonomia e elaborar pensamento crítico sobre o universo no qual estão inseridas. No processo de desenvolvimento humano, as noções de justiça, os julgamentos e a lógica da legalidade começam a ser formadas desde a infância. Todavia, é na juventude – quando as relações de cooperação, autonomia e construção de democracia se fazem presentes – que esses conceitos são aperfeiçoados. 1. Para Piaget, o desenvolvimento permite a aprendizagem ou é a aprendizagem que impulsiona o desenvolvimento? Pesquise a diferença. 2. Pesquise o que são as provas do diagnóstico operatório desenvolvidas por Piaget. 3. De acordo com Piaget, os estágios de desenvolvimento humano são: a) etapas sucessivas. b) processos independentes. Psicologia do Desenvolvimento 72 c) transições abruptas. d) rupturas com a fase anterior. 4. Qual destas características não pertence ao estágio pré-operatório? a) Animismo. b) Lógica do particular para o particular. c) Artificialismo. d) Abstração. LA TAILLE, Yves; OLIVEIRA, Marta Khol; DANTAS, Heloísa. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. Indicação de filme: A Corrente do Bem (EUA, 2000), com direção de Mimi Leder. Um menino em uma escola dos Estados Unidos é provocado por um professor a realizar um projeto inédito para a escola: uma corrente para fazer com que as pessoas pratiquem o bem aos outros sem esperarem qualquer devolução ou retorno. Cada pessoa teria que fazer o bem para três indivíduos e pedir que os outros continuassem fazendo o mesmo, ou seja, praticando o bem para outras pessoas e pedindo que elas estendessem essa corrente indefinidamente. O filme traz ainda discussões importantes sobre as dificuldades de relacionamento familiar e entendimento do pensamento dos jovens. Também é um momento de reflexão sobre a justiça e a moral. Piaget 3: o desenvolvimento da inteligência P iaget considera que o desenvolvimento da inteligência ocorre por meio da interação do sujeito com o objeto. Ele não se preocupou somente em estudar a inteligência: também estava interessado em saber qual a origem, a gênese do processo de conhecimento. A partir de suas experiências, ele concluiu que o conhecimento surge da ação do sujeito cognoscente (“aquele que conhece”) com o objeto cognoscível (“aquilo que pode ser conhecido”). Assim, para Piaget são necessários alguns fatores para o desenvolvimento da inteligência nos seres humanos. Fatores de desenvolvimento Segundo Carla Beatris Valentini (2006), na teoria psicogenética, há fatores internos do sujeito e fatores de interação do sujeito com a realidade. Existem fatores que são influenciadores do desenvolvimento e um fator que Piaget considera como dominante. Os fatores influenciadores são hereditariedade (maturação biológica), experiência física, transmissão social. O fator determinante é o processo de equilibração. Para Piaget, esses fatores são pontos específicos que proporcionam possibilidades para que a gênese da inteligência possa vir a ser formada. Para Valentini, a “hereditariedade influencia o desenvolvimento, mas é insuficiente para explicá-lo, a própria maturação está na dependência da atividade do sujeito”. Assim, o sujeito herda uma série de estruturas biológicas que o predispõem ao surgimento de certas estruturas mentais. Para Rappaport (1981, p. 55), a inteligência, não a herdamos. Herdamos um organismo que vai amadurecer em contato com o meio ambiente. Desta interação entre organismo e ambiente, resultarão determinadas estruturas cognitivas que vão funcionar de modo semelhante durante toda a vida do sujeito. A maturação biológica colabora de forma marcante para que surjam novas estruturas mentais que possibilitam uma adaptação cada vez maior ao ambiente. Piaget, no seu modelo explicativo dos processos de conhecimento, afirma que todo organismo tem invariantes funcionais. Ou seja, para funcionar, todo organismo precisa ter uma organização e se adaptar ao meio. O mesmo ocorre com o pensamento. Para o desenvolvimento da inteligência, os indivíduos precisam ter uma condição biológica (uma organização física) e uma estrutura que irá integrá-lo ao meio – o que corresponde aos processos adaptativos. A adaptação é a segunda invariante do desenvolvimento. Piaget utiliza o termo invariante porque considera que qualquer pessoa, em qualquer país, independente de sua cultura, passa por esses processos, ou seja, por esses dois aspectos por ele caracterizados como invariantes. Quanto à área social, as considerações são diferentes. Ao se referir ao ambiente, Piaget refere-se tanto ao ambiente físico quanto ao social. Os dois concorrerão no sentido de oferecer estímulos que necessitam de um processo cognitivo para a resolução. “É óbvio, então, que a riqueza ou a pobreza de estimulação tanto no plano físico como no social vão interferir no processo de desenvolvimento da inteligência.” (RAPPAPORT, 1981, p. 56). Psicologia do Desenvolvimento 74 Piaget é criticado pelos teóricos da corrente histórico-cultural por dar pouca ênfase à questão social influenciando no processo de desenvolvimento. Durante muito tempo, as formas de pensar o desenvolvimento humano na perspectiva dos piagetianos foram consideradas antagônicas em relação à perspectiva dos vygotskyanos. Para os representantes da perspectiva histórico-social, não existem comparações entre os ambientes e culturas, pois uma cultura pode promover determinadas relações que outra não promove. Portanto, não existe uma inteligência universal. A riqueza ou a pobreza dos estímulos ou das formas de construção do pensamento, de acordo com os vygotskyanos, depende da concepção de pensamento de cada país e das suas especificidades. No que se refere à experiência física das crianças na construção do conhecimento, Fontana (1997) afirma, ao analisar a perspectiva de Piaget, que a inserção de um objeto de conhecimento na vida da criança ocorre por meio de um sistema de relações que se vale da ação dos indivíduos sobre os objetos. Para Valentini (2006), a experiência física é entendida como toda a experiência que resulta das ações realizadas materialmente; se este é essencial ao desenvolvimento, também é insuficiente porque a lógica da criança não é resultante apenas dele. É necessária a coordenação interna entre as ações que a criança exerce sobre os objetos. A transmissão social diz respeito ao fator da educação que é fundamental, mas não suficiente. Para a transmissão ser possível entre o adulto e a criança ou entre o meio social e a criança a ser educada, é necessário que ela assimile o que o meio lhe quer transmitir. E essa assimilação é acionada pelas leis do desenvolvimento. O processo de equilibração é mais um dos aspectos que intervêm na construção da inteligência da criança. Rappaport nos diz que: O conceito de equilíbrio, ou melhor, do processo de equilibração é um dos que apresentam maiores dificuldades para o leitor que está iniciando seus estudos das abordagens piagetianas [...] Em linguagemsimples não passaria de um processo de organização das estruturas cognitivas num sistema coerente, interdependente que possibilita ao indivíduo um tipo ou outro de adaptação à realidade. (RAPPAPORT, 1981, p. 62). A equilibração é o fator essencial e determinante no desenvolvimento do sujeito no processo de adaptação ao meio em que vive. Para Valentini (2006), A equilibração se caracteriza por dois aspectos: equilibrar entre si os outros três fatores do desenvolvimento e equilibrar a descoberta de uma noção nova com outras já existentes nas possibilidades de entendimento da criança ou do adulto. Aprendizagem A grande pergunta que Piaget formulou foi “Como se passa de um conhecimento menos elaborado para um conhecimento mais elaborado?” Ele pesquisou e elaborou uma teoria dos mecanismos cognitivos da espécie (sujeito epistêmico) e dos indivíduos (sujeito psicológico). Entendendo ser praticamente impossível remontar aos primórdios da humanidade e compreender qual foi, efetivamente, o processo de desenvolvimento cognitivo desde o homem primitivo até os dias atuais (filogênese), ele se voltou para o desenvolvimento da espécie Piaget 3: o desenvolvimento da inteligência 75 humana, do nascimento até a idade adulta (ontogênese). E assim se explica o fato de que, para conhecer como o sujeito epistêmico (sujeito que conhece) constrói conhecimento, Piaget tenha recorrido à Psicologia como campo de pesquisa. Ao elaborar a teoria psicogenética, ele procurou mostrar quais as mudanças qualitativas pelas quais passa a criança, desde o estágio inicial de uma inteligência prática (período sensório-motor) até o pensamento formal, lógico-dedutivo, a partir da adolescência. Os processos filogenéticos de construção do conhecimento são processos herdados de outras gerações. Por exemplo, o aperfeiçoamento do uso das mãos e a própria arte de pintar um quadro foram processos elaborados ao longo da história da humanidade. Entretanto, a maneira individual como cada pessoa utiliza as mãos e aprende a pintar é considerada um processo ontogenético, ou seja, um processo de características individuais que aperfeiçoam as características coletivas (filogenéticas) transmitidas de geração para geração. Segundo Piaget, o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado desde o nascimento (inatismo), nem como resultado do simples registro de percepções e informações (empirismo): o conhecimento resulta das ações e interações do sujeito no ambiente em que vive. Todo conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada desde a infância, por meio de interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou do mundo cultural. O conhecimento resulta de uma inter-relação do sujeito que conhece com o objeto a ser conhecido. Tipos de experiência Podemos destacar tipos diferentes de experiência: A experiência física, ou seja, agir sobre os objetos propriamente ditos. Concepção clássica do que seja experiência. O sujeito age sobre o objeto e pela abstração das ações que exerce sobre os objetos descobre as propriedades físicas desse objeto, bem como as propriedades observáveis das ações realizadas materialmente. Pela experiência física, a criança descobre as propriedades físicas do objeto. (VALENTINI, 2006). Piaget admite a importância da experiência física, mas destaca a experiência lógico-matemática, que diz respeito à experiência que a pessoa conquista em sua ação sobre os objetos. Valentini acrescenta que “a experiência lógico-matemática envolve não somente as abstrações exercidas sobre os objetos, mas as abstrações das coordenações que ligam essas ações; [a experiência lógico-matemática] se relaciona com as propriedades das ações e não apenas dos objetos”. Por último, podemos acrescentar a experiência social, fator que, se contribui para exercitar e modificar os esquemas, também apresenta efeitos em última instância dependentes dos instrumentos intelectuais de que o indivíduo dispõe em cada ocasião. De acordo com Fontana (1997), a concepção piagetiana enfoca o processo de desenvolvimento como um processo de equilibração que possibilita aos indivíduos a auto-regulação. Assim, as ações físicas e sociais das crianças são elaboradas e reelaboradas a partir de todas as suas ações – tanto físicas como mentais – sobre o meio. Psicologia do Desenvolvimento 76 Pressupostos da teoria construtivista de Piaget (MULTIRIO, 2006) Segundo Piaget, o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado pelas estruturas internas do sujeito (porquanto estas resultam de uma construção contínua) nem pelas características do objeto (já que estas só são conhecidas graças à mediação dessas estruturas). Todo conhecimento é uma construção, uma interação, contendo um aspecto de elaboração novo. Em seus estudos sobre a psicogênese do conhecimento, fica claro que o conhecimento não procede [...] nem de um sujeito consciente de si mesmo, nem de objetos já constituídos do ponto de vista do sujeito e que se impropriam (sic) a ele. O conhecimento resultaria de interações que se produzem entre o sujeito e o objeto. A troca inicial entre sujeito e objeto se daria a partir da ação do sujeito. Logo, para Piaget não existe conhecimento resultante do simples registro de observações e informações, sem uma estrutura devida às atividades do próprio sujeito. Não existem, também, estruturas inatas no homem. As estruturas formam-se mediante uma organização de ações sucessivas exercidas sobre os objetos. Piaget condena veementemente as hipóteses inatistas que concebem o sujeito como estando, desde o início, munido de estruturas inatas, contradizendo Chomsky, para quem o ser humano é dotado geneticamente com a capacidade específica de aprender uma língua, sendo, portanto, a aquisição desta um processo de base biológica. Para Piaget, a linguagem é uma construção da inteligência sensório-motora, preparada passo a passo, até se concretizar no período pré-operatório, mais ou menos aos dois anos de idade. Ao analisar o desenvolvimento desde a sua gênese, Piaget o define como uma equilibração progressiva, uma passagem de um estágio de menor equilíbrio para outro. Sob este ponto de vista, o desenvolvimento mental é uma construção contínua. Em todos os níveis, a inteligência procura compreender e explicar o que se passa a sua volta, só que embora as funções do interesse sejam comuns a todos os estágios, os interesses variam de um nível para outro e as explicações assumem formas diferentes de acordo com o grau de desenvolvimento intelectual, justamente porque as estruturas progressivas ou formas de equilíbrio marcaram as diferenças de um nível de conduta para outro. Assim, em presença de um novo objeto, o bebê tende a incorporá-lo a seus esquemas de ação (agitar, esfregar, balançar, sugar) tentando compreendê-lo pelo uso. Em cada estágio, as tentativas de compreensão serão diferentes face ao grau de desenvolvimento progressivo. O conhecimento, portanto, procede da ação e, dessa forma, toda ação que se generaliza por aplicação a novos objetos gera um esquema, uma espécie de conceito prático. O que constitui conhecimento não é apenas uma simples associação entre objetos, mas a assimilação dos objetos aos esquemas do indivíduo. A assimilação cognitiva também é realidade dessa forma. É necessário um esquema que permita a assimilação do objeto de conhecimento. A estrutura de assimilação irá variar desde as formas mais simples de incorporação de sucessivas percepções e movimentos até as operações superiores. Piaget 3: o desenvolvimento da inteligência 77 A partir da assimilação dos objetos, a ação e o pensamento se acomodam a estes, reajustando- se. Há, portanto, uma adaptação quando ocorre o equilíbrio entre assimilações e acomodações. O desenvolvimento mental será sempre uma adaptação progressiva e cada vez mais precisa à realidade. Os mecanismos de assimilação/acomodação são gerais e se encontram nos diferentes níveis do pensamentocientífico. Cada estágio é responsável por determinadas construções, sendo estas contínuas: no estágio sensório-motor, anterior à linguagem, constitui-se uma lógica de ações, fecunda em descobertas. Assim, no início da vida do bebê, em seu universo primitivo não há objetos permanentes, nem há separação entre o sujeito e o objeto. Há uma indiferenciação completa entre o subjetivo e o objetivo. O sujeito não se reconhece como origem das ações, porque as ações primitivas são como um todo indissolúvel, ligando o corpo ao objeto (chupar, agarrar etc.). Só aos 18 meses, mais ou menos, nos primórdios da função simbólica e da inteligência representativa, começa a haver a descentração das ações em relação ao próprio corpo, podendo-se, então, falar de um sujeito que começa a se conhecer como fonte/origem de seus movimentos. No caso das ações primitivas, não coordenadas entre si, indiferenciadas, podem ocorrer dois tipos de assimilação: assimilação por estrutura hereditária – como por exemplo a sucção, em que o bebê tenta incorporar novos objetos a este esquema, sugando o peito, a mão, tudo que estiver ao seu alcance; assimilação reprodutora – diante de uma situação inesperada, como por exemplo a tentativa de agarrar um objeto pendurado, fazendo-o balançar no intuito de reproduzir o gesto, formam-se novos esquemas, conduzindo à assimilação recognitiva (balançar outro objeto), o que gera a assimilação generalizadora (objetos que servem para balançar). Gradativamente, o bebê realiza combinações novas pela reunião de esquemas em assimilações recíprocas (objetos que balançam e emitem sons e que, portanto, servem para olhar e ouvir). Esta descoberta o levará a novas tentativas, como a de agitar diferentes brinquedos para descobrir se também fazem barulho. Por mais modesto que seja este início, este é o modelo que se irá desenvolvendo cada vez mais: a criança constrói combinações novas, combinando abstrações separadas dos próprios objetos (como reconhecer num objeto suspenso algo para balançar) e coordena os meios para atingir tal fim. O próprio reconhecimento de que o objeto serve para balançar já implica uma abstração. Dessa forma, já no período sensório-motor, começam as coordenações e as relações de ordens, os encadeamentos de ações necessários a essas coordenações, havendo, portanto, o início de uma abstração reflexiva. A partir destas observações, Piaget assevera que a estrutura do conhecimento forma-se anteriormente ao domínio da linguagem, constituindo-se no plano da própria ação. É, portanto, no nível da inteligência prática, no período sensório-motor, que surgem as coordenações entre as ações, e os objetos começam a se diferenciar; só que haverá, ainda, uma longa evolução até que as ações se interiorizem em operações mentais. Ainda que estas construções sejam muito elementares, já se percebe, segundo Piaget, a existência dos primeiros instrumentos de interação cognitiva. Tais construções, no entanto, estão situadas no plano das ações efetivas e não refletem um sistema “conceitual”. Psicologia do Desenvolvimento 78 Com a capacidade de representação, o jogo simbólico, a imagem mental e a linguagem, enfim, com a constituição da função simbólica (capacidade de representar um significado através de um significante), a situação mudará. Às ações simples sobrepõe-se um novo tipo de ação que é internalizado: o bebê, além de poder fazer, por exemplo, um deslocamento de A para B, poderá representar esse movimento no pensamento e evocar, pelo pensamento, outros movimentos. A representação implica a função simbólica e a criança torna-se capaz de representar um significado (objeto ou acontecimento) através de um significante único e diferenciado, tornando-se capaz de evocar os significados graças aos significantes. Enquanto a inteligência sensório-motora é obrigada a seguir os acontecimentos, sem poder ultrapassá-los ou evocá-los, no nível seguinte, pré-operatório, a inteligência, graças à função simbólica, é capaz de abranger, num todo, elementos isolados, podendo também evocar o passado, representar o presente e antecipar ações futuras. Para Piaget, a inteligência é vista como um processo de sucessivas adaptações, equilibrações entre assimilações e acomodações. No começo, ela é prática, apóia-se nas percepções, movimentos e ações anteriores ao pensamento e à linguagem. Se o campo da inteligência sensório-motora aplica-se somente a ações concretas, o da inteligência representativa amplia-se, liberta-se da realidade concreta, torna possível a manipulação simbólica de algo que não está visível. No período pré-operatório (mais ou menos dos dois aos seis anos), a criança é capaz de produzir imagens mentais, de usar palavras para referir-se a objetivos e situações, de agrupar objetos de forma rudimentar. Nesta fase, as crianças usam o que Piaget chama de pensamento intuitivo, raciocinando a partir de intuições e não de uma lógica semelhante a do adulto. A linguagem, neste período, é comunicativa e egocêntrica. Comunicativa por ser usada com a intenção de transmitir algo a alguém ou de procurar informações; e egocêntrica, quando a criança fala pelo prazer de falar, numa espécie de monólogo, às vezes coletivo, sem intenção de se comunicar com os outros. Nesta fase, as crianças ainda não se atêm às regras fixadas por não poderem, ainda, conciliar seus próprios interesses e os do grupo. Os juízos de valor são feitos à base das primeiras impressões, calcados em instituições e dicotomias: certo/errado, melhor/pior. A atividade simbólica da criança é chamada por Piaget, neste período, de pré-conceitual, significando estar num período intermediário entre o símbolo imaginado e o conceito propriamente dito. O pensamento ainda não é capaz de descentração, fixando-se a criança em um ou outro aspecto de uma relação. No terceiro estágio, o do pensamento operatório concreto, mais ou menos dos 7 aos 12 anos, a criança torna-se capaz de efetuar operações mentalmente, lembrando o todo enquanto divide partes, colocando idéias em seqüência, iniciando a construção de operações reversíveis, podendo “conservar”, isto é, considerar, ao mesmo tempo, tanto o todo como vários reagrupamentos de suas partes. Com esta possibilidade de reversibilidade, a criança passa a poder explorar diferentes caminhos para resolver situações-problema, já que ela pode fazer e refazer mentalmente o caminho de ida e volta. No estágio das operações concretas, a criança é capaz de classificar, agrupar, tornar reversíveis as operações que efetua e pensar sobre um fato a partir de diferentes perspectivas. Piaget 3: o desenvolvimento da inteligência 79 Sua linguagem perde as características de egocentrismo. A criança, gradativamente, também começa a discutir a questão das regras dos jogos dentro do grupo, tentando segui-las. No estágio das operações formais, a partir de 11/12 anos, a criança inicia sua transmissão para o modo adulto de pensar, sendo capaz de pensar sobre idéias abstratas. Ao final deste período, mais ou menos aos 15 anos, a pessoa atinge sua maturidade intelectual. Nesta fase, a linguagem dá suporte ao pensamento conceitual; há possibilidade de formulação de hipóteses e preposições; o jovem caminha da anatomia inicial e da heteronomia para a autonomia no tocante às regras sociais. Se, num primeiro momento, a criança desconhece as regras (anomia), se depois as recebe de “fora para dentro” (heteronomia), neste estágio o jovem consegue caminhar para rejeitar, criticar, aceitar, refletir sobre valores e convenções sociais, culminando com a construção da autonomia. Quanto à linguagem, para Piaget, ao atingir a adolescência, ela assume papel cada vez mais importante, não só pelo que oferece de conceitos abstratos necessários à flexibilidade de pensamento, mas, também, pelo acesso ao conhecimento filosófico e científico. 1. Apresente para seus colegas alguns exemplos de atividades físicas e de atividades lógicas. 2. É melhor iniciar o estudo de matemáticapelas formas ou pelas figuras? Qual seria a opção piagetiana? 3. Qual fator Piaget considera determinante para a ocorrência do desenvolvimento? a) Hereditariedade. b) Equilibração. c) Experiência física. d) Transmissão social. Psicologia do Desenvolvimento 80 4. “Piaget considera que o desenvolvimento ocorre somente com a experiência física”. Essa afirmação é: a) correta. b) incorreta. FRANCO, Sérgio Roberto K. o Construtivismo e a Educação. 7. ed. Porto Alegre: Mediação, 1998. Indicação de filme: Mentes que Brilham (EUA, 1991), com direção de Jodie Foster. A vida de um menino que vive somente com sua mãe e é superdotado, possuindo muitas habilidades. Ele é convidado a participar das olimpíadas de matemática de seu país e é bem-sucedido. Porém, embora possua uma inteligência que vai além da capacidade de sua faixa etária, em suas funções sociais e afetivas ele é imaturo. Vale a pena conferir os percalços e as dificuldades de um menino com uma mente brilhante. Wallon e a Psicologia Genética Aspectos biográficos H enri Wallon nasceu na França, em 1879. Morou em Paris e seu percurso foi marcado por intensa atividade intelectual e política. Morreu em 1962. Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), foi médico de batalhão e durante a Segunda Guerra (1939-1945) participou da Resistência, movimento contra a invasão nazista. Sua trajetória existencial colaborou para aumentar a sua crença na necessidade de a escola assumir um papel democrático, solidário e sem preconceitos para a reconstrução de uma sociedade mais justa e humana. Sua trajetória acadêmica demonstra uma sólida formação em Filosofia, Medicina e Psiquiatria e um forte interesse pela Psicologia, que na época não existia enquanto curso universitário. A militância política de Wallon esteve relacionada com a tradição liberal e republicana de sua família. De acordo com Zazzo (1978), o avô de Henri Wallon era um historiador que, por um longo período, foi um deputado católico liberal francês que lutou pela abolição da escravatura e auxiliou a elaborar a Constituição Francesa. O pai de Wallon, também republicano, muito discutia e debatia com o filho as questões políticas da França. Em função dessa influência familiar, Henri Wallon cursou a Escola Normal Superior. Quando era estudante, já era preocupado com as questões políticas e a coisa pública. Em 1903, aos 24 anos de idade, tornou-se professor de Filosofia. Durante o seu processo de formação acadêmica, Wallon também se interessou pelo estudo da Medicina. Segundo Dantas (1983), após ministrar aulas de Filosofia, Henri Wallon passou a se interessar pelos valores socialistas, optando pela Medicina para buscar entender a organização biológica do homem. Nessa opção, procurou unir a Medicina com a Psicologia, a Neurologia, a Filosofia e também a Educação. Wallon formou-se em Medicina em 1908 e até 1931 atuou como médico em hospitais psiquiátricos, nos quais se dedicou ao atendimento de crianças com deficiências neurológicas e distúrbios do comportamento. Em 1925, fundou um laboratório destinado ao atendimento de crianças ditas “anormais”. Ainda em 1925, publicou sua tese de doutorado, intitulada A criança turbulenta, dando início a um ciclo de grande produtividade. É preciso destacar que em 1908, quando se formou em Medicina, Wallon foi preso por dez dias pelo governo francês por contestar a violência do estado contra plantadores de uvas que estavam na miséria e sofriam fortes represálias em suas reivindicações. De acordo com Dantas (1983), Wallon apoiou o movimento dos trabalhadores e, junto com outros democratas e socialistas, foi para a prisão. Wallon também foi enviado à guerra para cuidar dos feridos. Essa vivência, aliada à experiência com crianças, fez com que elaborasse as relações entre os componentes psíquicos e orgânicos do desenvolvimento. Almeida (1999) fez uma observação sobre as pesquisas de Wallon com um soldado, vítima de guerra, que teve um episódio de medo e fuga durante um bombardeio. Quando o soldado voltou para casa, instalou-se o trauma de guerra e esse veterano passou a apresentar crises de pânico. Após Psicologia do Desenvolvimento 82 estudar esse caso, em 1934 Wallon escreveu o livro As Origens do Caráter na Criança, no qual abordou a evolução do comportamento emocional nas pessoas desde os primeiros reflexos do recém-nascido até a fase adulta. Ele analisou o paradoxo das emoções, antagonismos, aspectos do psiquismo, e as relações da emoção entre o corpo e a mente. Wallon também foi eleito deputado no Parlamento francês. Na década de 1940, a França enfrentava muitos problemas com as suas colônias e procurava reconstruir sua economia. Esse foi um período de instabilidade política no qual Wallon realizou a maior parte de sua produção acadêmica. Galvão (1995) considera que Wallon viveu em uma época de muita turbulência política, o que marcou profundamente suas obras. As duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) e o avanço do fascismo fizeram com que ele refletisse sobre a influência do meio no comportamento das pessoas, sobre a questão dos conflitos, do movimento, das contradições e a formação das emoções. Zazzo (apud GALVÃO, 1995, p. 17) afirma que Wallon foi “um homem da contradição num mundo de contradições, numa sociedade, num universo com conflitos cada vez mais agudos, cada vez mais explosivos”. As obras de Wallon apresentam uma linguagem do materialismo histórico, uma mescla de análises políticas com linguagem médica para a interpretação das relações sociais e emocionais dos sujeitos. Por isso, muitas de suas obras não são de fácil compreensão. Segundo Almeida (1999), Wallon foi chamado de organicista no início de sua carreira. Todavia, com o tempo, a sociedade científica foi reconhecendo que a sua produção acadêmica fundamenta-se no materialismo dialético, que busca a complementariedade dos aspectos biológicos e culturais no processo de desenvolvimento. Wallon concebia o homem como um ser “biologicamente social”. Wallon escreveu diversos artigos voltados para a formação do professor e a análise das interações em sala de aula. Segundo Galvão (1995), de 1937 a 1962 ele trabalhou com os professores do ensino primário, e entre 1946 e 1962 participou do Grupo Francês da Educação Nova. Ele discutia o desenvolvimento na perspectiva médica, filosófica e psicológica. Assim, seus interesses voltavam-se também para a Educação. Após a Segunda Guerra Mundial, como integrante de uma comissão nomeada pelo Ministério da Educação Nacional Francês, Wallon redigiu, juntamente com o físico Langevin, o Projeto Langevin-Wallon, cujas idéias também estão expostas no livro Psicologia e Pedagogia. O projeto apresenta uma proposta de reforma de todo o sistema educacional francês no pós-guerra e suas idéias são tão avançadas que ele foi apenas parcialmente realizado. O Plano Langevin-Wallon propunha uma formação integral para as professoras que desejassem atuar no magistério e lhes previa bolsas de estudo. A idéia era democratizar a educação para favorecer ao máximo as potencialidades dos sujeitos e investir na educação. Mas o plano não chegou a ser concretizado. Fundamentos epistemológicos Wallon assumiu os pressupostos do materialismo dialético. Wallon e a Psicologia Genética 83 E a influência do materialismo nas obras de Wallon se faz presente na interação dos fatores de natureza orgânica com os fatores sociais no desenvolvimento dos indivíduos. Segundo Galvão (1995), Wallon procura superar dicotomias e dualismos. No materialismo histórico, busca-se a explicação dos fenômenos a partir dos vários aspectos que o compõem. Para ele, as mudanças e transformações históricas são fruto de ações sociais humanas desenvolvidas por diferentes culturas em diversos períodos. Para exemplificar, Wallon considera que um determinado grupo social pode modificar estruturas biológicas em função da sua cultura: as mulheres africanas que têm seus pescoços alongados pelo uso de colares, ou indígenasque têm os lóbulos das orelhas ampliados pelo uso de brincos largos. Para algumas culturas, essas ações podem ser incompreensíveis; para outras, fazem parte do seu universo. Esses aspectos ajudam a compor as culturas humanas e suas contradições. Para Wallon, o estudo dessa realidade movediça e contraditória que é o homem e seu psiquismo beneficia-se enormemente do recurso ao materialismo dialético, perspectiva filosófica especialmente capaz de captar a realidade em suas permanentes mudanças e transformações (GALVÃO, 1995, p. 31). A partir dessa fundamentação, Henri Wallon elaborou seu próprio método: a análise genética, trabalho multidimensional que consiste em uma série de compa- rações entre diferentes realidades para esclarecer o processo de desenvolvimento. Nessas comparações, o fenômeno é analisado em suas várias dimensões – orgâni- cas, biológicas, sociais –, bem como as relações entre esses vários fatores. Ao tratarem da obra de Wallon, Marroney e Almeida (2002) nos apontam alguns pressupostos que embasam a teoria, conforme abaixo. A pessoa está continuamente em processo. Há um movimento contínuo de mudanças ao longo da vida de cada sujeito e o resultado dessas mudanças pode ser observado externamente, sendo que internamente existe um jogo de forças entre os conjuntos motor, afetivo e cognitivo. Em cada instante desse processo, a pessoa é uma totalidade resultante da integração dos conjuntos motor, afetivo e cognitivo. Dentro dessa perspectiva, não há possibilidade de se pensar a pessoa de forma parcelar, pois ela é sempre uma totalidade e só pode ser pensada a partir dessa integração. Com essa rede de relações entre esses conjuntos (cognitivo, afetivo e motor) e entre eles e seus fatores determinantes (o orgânico e o social), temos como resultado a pessoa individual, única. As existências individuais e sociais estão marcadas pelas situações históricas concretas em que acontecem. A concepção é a de um desenvolvimento em aberto, em processo, ou seja, sempre em movimento – o que não elimina regressões e conflitos. Na passagem de um estágio para outro, ocorrem crises advindas das atividades já adquiridas com as novas solicitações do meio. Estabelece-se um conflito cuja solução significa a passagem para um novo estágio. Psicologia do Desenvolvimento 84 Para explorar os diferentes conceitos de Wallon, é preciso considerar como eles são construídos em sua teoria. A noção de que o homem está em um contínuo processo de desenvolvimento se relaciona com análises de como a criança se desenvolve nos seus aspectos físicos, sociais, motores e emocionais. Para Wallon, a criança já é um ser social quando nasce. A sobrevivência do bebê está associada aos cuidados dos adultos para com ele, e esses cuidados não são exercidos de uma forma mecânica. Os próprios bebês, segundo Wallon, já negociam – por meio de choro, sorrisos e gestos – como querem que os adultos os tratem. Os adultos, por sua vez, vão interpretando essas ações e direcionando seus cuidados com as crianças. No que se refere ao desenvolvimento motor, Wallon dá grande destaque ao processo de maturação biológica e a como os adultos estimulam socialmente o desenvolvimento da motricidade dos bebês. Um de seus conceitos clássicos é que, no bebê, o desenvolvimento motor é céfalo-caudal e próximo-distal. Isso significa afirmar que, quando consegue equilibrar o seu pescoço, arrastar-se e depois se sentar, o bebê vai conseguir grandes avanços físicos. A maturação cerebral e os estímulos ambientais são processos que ajudam o bebê a se sentar. Em um outro momento, quando o bebê consegue segurar os objetos, o desenvolvimento é próximo-distal porque se traduz no equilíbrio do tronco para as mãos. Esses aspectos podem ser facilmente observados em bebês de quatro meses, por exemplo. Existem mães que não colocam os bebês de bruços, para que comecem a equilibrar o pescoço. Como eles ficam a maior parte do tempo deitados de barriga para cima, muitos ficam carecas na parte traseira da cabeça e demoram mais para desenvolver a parte motora. Por isso, Wallon considera que o desenvolvimento motor dos indivíduos também depende dos estímulos sociais que eles recebem. Por isso considera o homem como um ser biológico e social. No que diz respeito à integralidade das pessoas, por serem compostas dos aspectos motores, afetivos e cognitivos, Wallon se preocupou com a gênese da sua formação. Ele considera que a evolução psicológica das pessoas ocorre em processos de integração e diferenciação, de modo que as pessoas ora se identificam com seus pares, ora se diferenciam. Por exemplo, até completarem um ano, as crianças ainda se encontram muito misturadas com as mães, em um processo simbiótico. Com o tempo, elas vão aprendendo a se diferenciar. Quanto à emoção, Wallon a considera possuidora de um papel expressivo no desenvolvimento humano. Ele observa as características visíveis da emoção e afirma que, independentemente de cultura, a emoção é acompanhada de reações orgânicas, batimentos cardíacos e uma série de outras manifestações. Entretanto, ela é contagiosa, representa as manifestações culturais e expressivas de cada povo. Assim, Wallon considera as emoções como processos coletivos. Para ele, as pessoas choram ou sorriem em relação a alguém ou alguma coisa. Wallon também afirma que as emoções orientam o pensamento humano. Ao analisar a perspectiva walloniana, Dantas (1990) defende a idéia de que “a razão nasce da emoção e vive da sua morte”. Ou seja, quando estão envolvidos emocionalmente com uma situação, os indivíduos não conseguem raciocinar; todavia, quando se distanciam do fato, conseguem resolver o problema. Mas Dantas (1990) também adverte que a razão e a emoção caminham juntas. Em Wallon e a Psicologia Genética 85 determinados momentos do processo de desenvolvimento humano, ora predomina a emoção, ora predomina a razão. Mas elas convivem em um processo dialético. Elas se complementam. Quanto à concepção de o desenvolvimento ser um processo em aberto, Wallon defende que a criança está em constante processo de transformação, assim como o meio social. Galvão (1995, p. 40) afirma que “o meio não é uma entidade estática e homogênea, mas transforma-se com a criança.” No que se refere às questões dos conflitos, para a teoria walloniana eles não atrapalham o desenvolvimento, pois são constitutivos desse processo. Galvão (1995, p. 42) descreve que “Wallon vê os conflitos como propulsores do desenvolvimento, isto é, como fatores dinamogênicos. Essa concepção quanto ao significado dos conflitos repercute na atitude de Wallon diante do estudo do desenvolvimento infantil, fazendo-o dirigir aos momentos de crise maior atenção.” As crises também são consideradas importantes para as pessoas crescerem e se desenvolverem. Sobre os estágios de desenvolvimento, Wallon defende a idéia de que eles são descontínuos e assistemáticos: o desenvolvimento não é linear. Às vezes, uma pessoa pode se desenvolver bem em uma área e não em outra. Como pode também, em momentos de crise, regredir no seu desenvolvimento. Portanto, Wallon percebe o desenvolvimento como um processo de alternâncias e predominâncias cognitivas e emocionais. 1. Assim como Vygotsky, Wallon utilizou uma perspectiva dialética para compreender o sujeito humano. Quais as semelhanças e diferenças entre esses teóricos? Discuta em grupo. 2. Wallon produziu um grande plano educacional para a França, chamado Plano Longevin-Wallon. Pesquise as características desse plano e sua contribuição para a escola moderna. Psicologia do Desenvolvimento 86 3. Dentre os aspectos citados, qual é o pressuposto materialista assumido por Wallon? a) Dicotomia. b) Dualismo. c) Contradição. d) Linearidade. 4. Qual das afirmativas abaixo, acerca do desenvolvimento, é incorreta na perspectiva walloniana? a) É um processo aberto. b) Não elimina regressões. c) É homogêneo. d) É assistemático. WEREBE, Maria José Garcia;NADEL-BRULFERT, Jacqueline. Henri Wallon. São Paulo: Ática, 1986. Indicação de filme: Jardim Secreto (EUA, 1993), com direção de Agnieszka Holland. A interação de três crianças e como elas constroem e compartilham suas emoções. Em uma grande casa de campo, elas se encontram aos cuidados de uma severa governanta. A menina Mary é órfã e rebelde. Seu primo Colin é um garoto mimado e cheio de manias. Dickon é um menino gentil e atencioso. Juntos, eles transformam um jardim abandonado em esconderijo. O jardim secreto é um lugar fantástico, onde não existem nem tristeza nem arrependimento... Existem amizade e o compartilhar da vida. Wallon e o desenvolvimento da consciência S egundo Wallon, quando se trata de desenvolvimento da criança, uma questão central a ser trabalhada é a da consciência. Para ele, o melhor caminho para o estudo seria buscar sua origem, de modo que buscou explorar as origens biológicas da consciência. Da análise de suas observações, comparando semelhanças e diferenças entre o desenvolvimento de crianças normais e patológicas, entre crianças e adultos, ele foi extraindo os princípios reguladores desse processo e identificando seus vários estágios (MAHONEY; ALMEIDA, 2002). Em sua obra, fica clara a posição de não dicotomizar o sujeito, e sua teoria indica para fatores orgânicos e sociais como responsáveis pelas possibilidades e limites de cada estágio do desenvolvimento. Para Wallon, o desenvolvimento psíquico não ocorre como uma mera justaposição de estágios, mas como um processo assistemático que envolve oscilações, ritmos variados, alterações marcadas por conflitos e instabilidades. Na perspectiva walloniana, existem algumas leis que regulam esse desenvolvimento. As leis reguladoras Alternância de direções opostas em cada estágio – o movimento predominante ou é para dentro (para o conhecimento de si mesmo) ou é para fora (para o conhecimento do mundo). Alternância na predominância de conjuntos diferentes em cada estágio – ora temos o motor, ora temos o afetivo em predominância, sendo que um está sempre nutrindo o outro. Analisando as duas leis, temos que, quando a direção é para si mesmo (centrípeta), o predomínio é do afetivo; quando é para o mundo exterior (centrífuga), predomina o cognitivo. E tanto o cognitivo como o afetivo têm sempre como suporte a atividade motora. Wallon considera que o princípio de alternância funcional imprime o ritmo geral do desenvolvimento. Ou seja, cada estágio é marcado por alternâncias e predominâncias. Cada etapa vai depender dos recursos que a criança possui para interagir e das necessidades dos indivíduos. Dessa maneira, existe no comportamento do bebê o predomínio da emoção, que é o instrumento privilegiado de interação do bebê com o mundo. Wallon defende que na etapa do desenvolvimento iniciada no primeiro ano de vida, quando o bebê começa a utilizar a inteligência prática para resolver os seus problemas, há o predomínio da cognição. Portanto, ao longo do processo de desenvolvimento, os aspectos emocionais e cognitivos se alternam. Isso não significa que eles trabalhem de forma isolada, pois ora predominam as ações emocionais no desenvolvimento, ora as cognitivas. As pessoas também se desenvolvem ora voltadas para si (ações centrípetas) e ora voltadas para o mundo externo (ações centrífugas). Psicologia do Desenvolvimento 88 A integração funcional nos aponta a relação entre os estágios como uma regulação entre conjuntos funcionais hierarquizados. Segundo Mahoney e Almeida (2002, p. 14-15) todos os conjuntos funcionais, em suas várias configurações, revelam-se inicialmente de forma sincrética, isto é, o motor, o afetivo e o cognitivo reagem como um todo diferenciado aos estímulos internos e externos. Neste sentido, desenvolver-se é ser capaz de responder com reações cada vez mais especificas a situações cada vez mais variadas. Os estágios Galvão (1996, p. 43) afirma que, para Wallon, “cada fase tem um colorido próprio, uma unidade solidária, que é dada pelo predomínio de um tipo de atividade”. Dessa maneira, o desenvolvimento humano se caracteriza por um processo dinâmico que segue um conjunto de determinações provenientes do próprio sujeito e do seu meio. Estágio impulsivo emocional (0 a 1 ano) A criança inicia sua vida imersa num mundo social e dele recebe o significado e as respostas a suas necessidades. É-lhes indispensável uma assistência a todos os instantes. É um ser cujas reações têm todas as necessidades a ser completadas, compensadas. Incapaz de algo por si só, é manipulando outrem, e é nos movimentos do outro que tomarão forma as primeiras atitudes. (WALLON, 1975, p. 153). Esse estágio é dividido em dois momentos: impulsividade motora (0 a 3 meses), com predomínio da necessidade de exploração do próprio corpo; emocional (3 a 12 meses), quando já é possível reconhecer padrões emocionais diferenciados para a alegria, para o medo etc., e ocorre o início do processo de discriminação da forma de comunicação pelo próprio corpo. Nos primeiros meses de vida, na fase da impulsividade, o bebê é guiado por funções fisiológicas: respiração, alimentação e sono. É uma fase em que ele necessita de muita ajuda do adulto e vive momentos de espera que se refletem no próprio corpo: apresenta espasmos, gritos e choro, e também apresenta descargas musculares. O bebê agita os braços e pernas no berço e observa seus movimentos. E mostra, por meio dos seus movimentos, seu estado de desconforto e alegria. Por isso, essa é denominada fase da impulsividade. É preciso destacar que o bebê não é capaz de diferenciar-se no ambiente. Ele tem uma relação simbiótica muito forte com a mãe. No segundo período dessa fase, considerada a etapa emocional, segundo Dantas (1992), o bebê realiza com a mãe o diálogo tônico. A criança responde diferentemente às carícias da mãe ou do seu cuidador. A criança também se acomoda no colo da mãe de uma maneira especial, como se formasse um diálogo Wallon e o desenvolvimento da consciência 89 corporal com a mãe. Seus gestos e expressões mobilizam o outro. Por meio do desenvolvimento da afetividade, ela vai experimentando o universo ao seu redor. Estágio sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos) As principais características desse estágio são o andar e o falar. Antes de andar, as ações da criança estavam limitadas pelo espaço próximo, mas, com a marcha, ela mesma pode medir a distância, ampliando sua liberdade de exploração do meio físico, ir e vir por si mesma. Enfim, é um momento de reconhecimento espacial dos objetos e de si mesma, e de maior diversidade de relações com o meio. A linguagem constitui-se em outro fator importante. Com a linguagem aparece a possi- bilidade de objetivação dos desejos. A permanência e a objetivação da palavra permitem à criança separar-se de suas motivações momentâneas, prolongar na lembrança uma ex- periência, antecipar, combinar, calcular, imaginar, sonhar. (WALLON apud MAHONEY; ALMEIDA, 2002). Essa fase é de descoberta e exploração do mundo externo. A criança interessa- se em repetir movimentos, ver e rever suas ações. Sente prazer em manipular os objetos. É um momento em que ela amplia suas sensibilidades táteis, visuais e auditivas. Há um processo de mielinização1 do córtex cerebral e a criança começa a aprimorar a coordenação da cabeça com os olhos e a mão. A imitação também assume um significado importante nesse período. Estágio do personalismo (3 a 6 anos) É marcado pela construção da própria subjetividade por meio das atividades de oposição (expulsão do outro) e, ao mesmo tempo, de sedução (assimilação do outro), como também de imitação. “Neste estágio, a tarefa central é a formação da personalidade. A construção da consciência de si, que se dá por meio das interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas, definindo o retorno da predominância das relações afetivas” (GALVÃO, 1998, p. 45). A consciência de si, realizada nesse estágio, já pressupõe uma diminuiçãodo sincretismo da pessoa, uma demarcação do eu e do outro, condição que permitirá novas conquistas no próximo estágio, particularmente no plano da inteligência. Esse estágio é caracterizado por Wallon como a fase da “crise do eu”. É a fase da birra da criança de três anos quando quer se auto-afirmar. Esse período foi considerado por Wallon (1995, p. 267) “como o responsável por uma brusca reviravolta nos modos de agir da criança nas relações com o ambiente”. Nesta fase personalista, a busca pela consciência de si se manifesta por meio da conquista do eu psíquico, da independência e da diferenciação com o outro. A criança de três anos se opõe ao outro para demarcar a sua personalidade, seus gostos e desejos. A recusa e a oposição são momentos de afirmação para a criança. Nesta fase, os conflitos revelam a necessidade de a criança adquirir sua independência. Todavia, esta fase é considerada também a “idade da graça”: a criança troca palavras, conquista a simpatia dos seus pares e faz gestos graciosos. Wallon estudava, portanto, as contradições presentes no desenvolvimento humano. 1 Mielinização é a evolução funcional, a maturação orgânica que ocorre no desen- volvimento humano, propor- cionando o aperfeiçoamento do sistema nervoso central e tornando possível o surgi- mento e o aprimoramento de diversas capacidades, como andar, falar, ler. Na prática, é um progressivo revestimento das fibras motoras por uma substância que isola as fibras nervosas, o que facilita a con- dução do impulso nervoso. Psicologia do Desenvolvimento 90 Estágio categorial (6 a 11 anos) Existe uma diferenciação nítida entre o eu e o outro, o que permite à criança uma organização mental do mundo físico: agora ela é capaz de organizar o mundo físico em categorias (seriação, classificação etc.). Este estágio traz importantes avanços no plano da inteligência em decorrência da consolidação simbólica e da diferenciação da personalidade realizada no estágio anterior. No estágio categorial, existe predominância do aspecto cognitivo. Dantas (1990) considera que, nesta fase, a criança busca a superação do sincretismo do pensamento. Ou seja, ela procura entender, no plano intelectual, o que é obscuro, confuso e sem distinções. Neste período, os progressos obtidos na cognição também se fazem presentes nos aspectos biológicos e sociais. Com o início da escolarização, a criança já não se volta somente para as relações familiares, mas também para as relações estabelecidas na escola. A linguagem assume um significado expressivo para elaboração de categorias do pensamento. A criança é capaz de lembrar de imagens e símbolos a partir de situações concretas. Estágio da puberdade e da adolescência (11 anos em diante) Apresenta-se pela capacidade de domínio de categorias abstratas, com a dimensão temporal tomando espaço, possibilitando uma mais abrangente análise de sua autonomia e de sua dependência. Segundo Wallon, questões metafísicas, de tonalidade intensamente subjetiva, que não parecem poder encontrar resposta no mundo da experiência, [...] com a puberdade e seus instintos de absorção, de perpetuidade, de reprodução, a noção de lei se torna acessível à mente. (apud MAHONEY; ALMEIDA, 2002) Esse estágio também é marcado por atividades de auto-afirmação, bem como de confronto com os valores dos adultos e apoio dos grupos de iguais. No inicio da adolescência, a oposição ao outro aparece freqüentemente ligada à dependência do outro [...] ao mesmo tempo em que deseja tornar-se independente do adulto, o jovem necessita de sua orientação para as escolhas que deve realizar, em um jogo de alternância que se faz necessário a fim de continuar a construção de sua pessoa, de sua identidade. (PEREIRA, 2006). O adolescente manifesta seu desejo de autonomia e procura resolver os seus problemas por meio de uma lógica argumentativa, ou seja, por meio da linguagem. É preciso destacar que o período da puberdade também traz para o adolescente modificações orgânicas que vão influenciar no seu comportamento e na sua maneira de lidar com o mundo. Wallon considera que na fase da puberdade o jovem volta- se mais para si mesmo, em função do seu “eu corporal”. As alterações no plano fisiológico influenciam o plano psíquico e trazem ambivalência de sentimentos. O adolescente questiona sua vida, sua origem, seus valores e seu destino. Wallon e o desenvolvimento da consciência 91 1. Releia as leis reguladoras e exemplifique de que forma elas se dão na relação entre mãe e filho nos primeiros seis meses de vida. 2. Forme grupos com outros alunos e dê exemplos de cada uma das fases expostas por Wallon. 3. Em que estágio walloniano existe a “crise do eu”? a) Impulsivo. b) Sensório motor e projetivo. c) Personalismo. d) Categorial. 4. Para Wallon, quais são as leis reguladoras do desenvolvimento? a) De alternâncias e predominâncias. b) De integrações e desintegrações. c) De construções e descontruções. d) De impulsos e reflexos. Psicologia do Desenvolvimento 92 GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes, 1998. Indicação de filme: O Coralista (França/Suíça, 2004), com direção de Christophe Barratier. Na década de 1940, Clément Mathieu, um professor de música, foi trabalhar em um internato de reeducação de menores. O sistema de educação era muito repressivo e o diretor só queria manter a autoridade sobre os alunos mais difíceis. O professor sente uma íntima revolta diante dos métodos do diretor e se contagia com as emoções vividas pelas crianças. Com seus esforços, descobre que a música motiva e atrai o interesse dos alunos. Ele se entrega à tarefa de familiarizar os alunos com o canto e vai transformando as vidas daquelas crianças para sempre. A obra de Sigmund Freud Biografia A Psicanálise é um ramo da Psicologia reconhecido por todo o mundo. Ela foi elaborada por Freud e, embora as suas idéias tenham gerado muitas polêmicas na sua época (1856-1939) e continuem gerando discussões na atualidade, não se pode negar o impacto dos conceitos da Psicanálise na história da civilização. A noção de inconsciente da teoria psicanalítica rompeu com os moldes e interpretações do comportamento humano propostos pela Psicologia empirista, que defendia que as reações humanas precisavam ser medidas e quantificadas. Os aspectos ocultos e inconscientes das ações humanas eram desprezados pelos empiristas. Para entender o pensamento de Freud, faz-se necessário conhecer a sua história, sua composição familiar, as influências da religião judaica e o modo como ele concebia as relações humanas. Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856, no seio de uma típica família de comerciantes europeus (pai, mãe e irmãos), na cidade rural de Freiberg (hoje Pribor, na República Checa), cerca de 240 quilômetros distante de Viena, então capital do Império Austro-Húngaro. As atividades mercantis de seu pai e seu avô em boa parte da Europa Central e do Leste Europeu fizeram com que, desde cedo, o jovem Sigmund entrasse em contato com diferentes povos, culturas e sociedades. Em outubro de 1859, após passar um breve período em Leipzig (hoje na Alemanha), e em busca de melhores condições para os negócios, a família de Freud muda-se para Viena – cidade que, na época, disputava com Paris o posto de “capital mundial”. É também em Viena que o pai da Psicanálise viveu por quase toda a sua vida, e de onde só saiu em 1938, um ano antes de morrer, sob ameaça das forças nazistas que já aportavam nesse centro cosmopolita. Primogênito do terceiro casamento de seu pai, do qual resultaram também seis irmãs e um irmão (este dez anos mais novo que ele), Freud denominava seu ambiente doméstico como um “livro” cuja capa era composta por ele e seu irmão, a resguardar as irmãs no interior. A diferença de idade entre seu pai e sua mãe (ele com 40 anos, ela com 21) e a constituição familiar patriarcal influenciaram desde cedo seu pensamento, o que é refletidoposteriormente nas principais questões de sua obra e também em sua singular personalidade. Outra influência marcante foi uma babá católica que cuidou de Freud durante a infância. Apesar de ser muito comum ele freqüentar a missa com a ela, nunca foi um seguidor dessa religião e manteve, ao longo de sua vida, costumes judeus herdados do convívio familiar. Uma das principais controvérsias sobre a obra de Freud está justamente no fato de ele ter utilizado o dialeto alemão falado na Áustria para escrever suas idéias, o que permite diferentes interpretações sobre termos recorrentes utilizados em seus livros. Vale lembrar também que, em Viena, tanto no campo das ciências quanto no das artes, os principais expoentes de cada ramo conviviam e divulgavam suas idéias. Freud não esteve imune a estas influências, nem ao contato direto com os principais pensadores, cientistas e artistas da época. Desde a infância, Freud manifestou gosto pelos estudos e pela literatura. Primeiro aluno de sua classe durante sete anos, graduou-se com louvor no Gymnasium. Iniciou seus estudos em Medicina Psicologia do Desenvolvimento 94 na Universidade de Viena em 1873, de onde saiu apenas em 1881. Nestes oito anos, dedicou-se a pesquisar todos os temas que o interessavam, desde a biologia e anatomia até as artes, com especial atenção para os estudos em filosofia – e isso prolongou sua estadia em um dos principais circuitos acadêmicos da Europa. É importante destacar que os judeus eram perseguidos na Áustria e existia um clima anti-semita. A opção de estudar não era fácil para os judeus, visto que eram discriminados nas universidades. Mas, mesmo assim, Freud continuou investindo na sua formação. Em 1882, logo após formar-se, Freud trabalhou no Hospital Geral de Viena, quando exerceu diferentes funções em vários departamentos. Trabalhou na área da fisiologia e da neuropatologia e, após demonstrar-se um excelente neurologista, foi designado professor de neuropatologia. Entretanto, devido a motivos financeiros, Freud voltou a dedicar-se à clínica, período em que se confronta com os primeiros casos de histeria, doença ainda pouco estudada e de muitas ocorrências. Mesmo com esse “desvio” em sua rota de pesquisador, o cientista considerava como fundamental o período em que esteve obrigado a transitar por diferentes áreas da Medicina. Depois de 41 anos de atividade médica, meu autoconhecimento me diz que nunca fui realmente um médico no sentido próprio. Tornei-me médico ao ser compelido a me desviar de meu propósito original; e o triunfo de minha vida consiste em eu ter, depois de uma longa e tortuosa jornada, encontrado o caminho de volta para minha trajetória inicial. [...] Em nenhum momento sentia uma inclinação especial pela carreira de médico [...] e era movido, antes, por uma espécie de curiosidade dirigida para o gênero humano do que para os objetos naturais. De acordo com Appignanesi (1979), o estudo da histeria, naquela época, era ainda uma incógnita. A palavra histeria é derivada do grego hystera, que significa “colo” ou “útero”. Os cientistas acreditavam que somente as mulheres mostravam os sintomas histéricos, pois consideravam que essa patologia estava associada à irritação dos órgãos sexuais femininos. Esse conceito de histeria fazia com que as mulheres que apresentassem essa doença fossem tratadas como bruxas. Freud questionou essa concepção e afirmou que a histeria também é uma patologia masculina. Ao longo de sua trajetória profissional, Freud deixou a cidade de Viena poucas vezes. A primeira delas foi entre outubro de 1885 e março de l886, quando estagiou em Paris com o médico Jean-Martin Charcot, o “pai da neurologia moderna”. É nessa época que Sigmund faz suas primeiras descobertas sobre a histeria, quando percebe que esta doença nervosa poderia ser causada e anulada, bem como também poderia ser dissociada de condições neurológicas com o auxílio da hipnose. Entre 1889 e 1890, Freud retorna à França, desta vez na cidade de Nancy, onde aperfeiçoa suas técnicas de hipnotismo com os pesquisadores Ambroise Leibault e Hippolyte Bernheim. Em 1886, Freud abre seu primeiro consultório. Neste mesmo ano se casou com Marta Bernays, com quem teve seis filhos. Apenas Anna, sua filha mais nova, seguiria seus passos na Psicanálise. Após 1891, Freud muda-se para o famoso endereço em Bergasse 19, 9.º Distrito de Viena, local de onde só sairia pouco antes de irromper a Segunda Guerra Mundial. A obra de Sigmund Freud 95 É preciso considerar que alguns fatos ocorridos no início do século XX abalaram a vida de Freud. Em 1920, morreu Sophie, sua filha predileta, e logo depois foi a vez de seu neto, filho de Sophie. Freud chegou a interromper seu trabalho por um determinado tempo. Em 1923, foi diagnosticado câncer no seu maxilar superior, o que o levou a várias cirurgias. Todavia, apesar desses fatores, Freud realizou muitas produções científicas que foram divulgadas em vários países. Contextualização histórica da Psicanálise A investigação freudiana Um dos principais fenômenos que inquietariam as pesquisas de Freud eram os lapsos de memória. “Qual poderia ser a causa de os pacientes esquecerem tantos fatos de sua vida interior e exterior...?”, perguntava-se. Isto o levou a elaborar uma técnica investigativa que trouxesse segurança à análise das mentes das pessoas que consultavam com ele. O método psicanalítico de investigação se propõe a evidenciar a significação inconsciente das ações, palavras e produções imaginárias (delírios, fantasias, sonhos) de um indivíduo. É baseado principalmente nas associações livres – técnica legitimada por Freud. Entretanto, a Psicanálise é um processo terapêutico que abrange ainda produções intelectuais que não dispõem das associações livres, sendo caracterizada pela interpretação controlada do desejo, da transferência e da resistência. A Psicanálise utiliza uma compilação de conceitos psicológicos e psicopatológicos para estruturar as informações obtidas pela técnica psicanalítica de investigação e de tratamento. Os processos psíquicos inconscientes e conceitos como resistência, recalcamento, sexualidade e complexo de Édipo são os pontos fundamentais do corpo teórico da Psicanálise. Na interpretação psicanalítica, os processos psíquicos inconscientes representam os conteúdos que não estão presentes na consciência e são reprimidos e recalcados. Ou seja, são aqueles aspectos que os indivíduos não conseguem revelar. O estudo do inconsciente foi um grande marco da teoria psicanalítica. As fontes do sofrimento As pesquisas de Freud indicam, inicialmente, três fatores que originam aquilo que classificamos como sofrimento ou infelicidade. A primeira é a primazia da natureza sobre a condição humana: os humanos não podem domesticá-la completamente. Em segundo lugar está a debilidade de nossos próprios organismos, origem de sofrimento que, direta ou indiretamente, articula-se ao primeiro fator. Psicologia do Desenvolvimento 96 Freud não considera nenhum desses dois motivos como o mais penoso, já que os reconhecemos sem sermos paralisados por isso. Na verdade, estes fatores acabam por apontar um norte para nossas atividades ao longo da existência. A maior dificuldade está relacionada à terceira dessas fontes de sofrimento: “a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade”. É penoso aos seres humanos reconhecer essa última fonte, disse Freud – o que faz desse fator um tormento adicional –, porque somos incapazes de admitir que as regras estabelecidas pela civilização não sejam capazes de proteger ou beneficiar os indivíduos que a constituem. Freud acrescenta que isso abre a suspeição de que, na mente humana, há também uma porção de índole insubordinável, uma parcela de natureza não exterior, mas sim integrante de nossa compleição psíquica. A Psicanálise foi uma maneira encontrada por Freud para atender às pessoasem sofrimento e encontrar as possíveis causas das angústias humanas. De acordo com Bock (2002), a Psicanálise, como método de investigação, centra-se na análise do discurso, na fala dos sujeitos. Essa ciência também busca nos significados ocultos, nas expressões “não ditas”, nos sonhos e delírios, nas associações livres e nos atos falhos, aspectos que revelem dados importantes para a compreensão do comportamento humano. A construção do eu Um dos estudos fundamentais da Psicanálise centra-se sobre a investigação da sexualidade. Antes de Freud, costumava-se classificar o início da vida sexual a partir da adolescência, sendo as manifestações de sexualidade em crianças vistas como indícios incomuns de precocidade excepcional e depravação. Entretanto, a Psicanálise revelou toda uma gama de fatores que indicava o princípio das funções sexuais no início da vida extra-uterina e lançou um questionamento perturbador: como todos estes indícios podem ser desprezados pela ciência? As comprovações iniciais da sexualidade em crianças foram obtidas por meio do exame analítico de adultos, e estavam impregnadas de todas as desconfianças e incertezas que podiam ser creditadas a uma análise tão tardia. Em 1908, Freud deu início à observação das próprias crianças, com a análise direta de seus comportamentos. Por esse método obteve as confirmações que necessitava para concretizar essa nova compreensão. Vale lembrar que Freud afirmava que a sexualidade não estava relacionada apenas aos órgãos genitais. A sexualidade, para Freud, estendia-se a diversas partes do corpo. Segundo Kupfer (1989), Freud estudava as experiências sexuais vividas pela criança no seu corpo. Ou seja, a amamentação, por exemplo, era entendida como uma experiência sexual da criança, uma experiência geradora de prazer. Mas esse aspecto não estava relacionado com a noção de sexualidade adulta. Em muitos aspectos, a sexualidade apresentou um quadro diferente nas crianças, exibindo várias características daquilo que, nos adultos, era classificado como perversão. Era, portanto, fundamental ampliar a idéia de sexualidade, A obra de Sigmund Freud 97 abrangendo mais que o impulso no sentido da união dos dois sexos no ato sexual, ou da estimulação de sensações agradáveis específicas nos órgãos genitais. A mudança nesse conceito foi, porém, retribuída pela capacidade de compreender a vida sexual infantil em sua totalidade. O instinto sexual, materialização daquilo que, na vida mental, classifica-se como libido, é formado de impulsos nos quais podem novamente se desdobrar e que só gradualmente se unem em organizações bem definidas. As origens desses impulsos são os órgãos do corpo e, em especial, zonas erógenas particularmente proeminentes. Entretanto, a libido recebe estímulos de qualquer processo funcional relevante do corpo. Inicialmente, os impulsos individuais buscam pela satisfação alheios uns dos outros, mas, ao longo do desenvolvimento, mostram-se cada vez mais convergentes e intensificados. A primeira fase (pré-genital) de organização a ser diferenciada é a oral, na qual a zona oral realiza o papel principal. Ela é seguida pela fase anal-sádica, em que a zona anal e o instinto componente do sadismo são particularmente destacados. A fase terceira e final da organização é aquela em que a maioria desses impulsos converge para o primado das zonas genitais. No processo de desenvolvimento da sexualidade e da afetividade as zonas erógenas vão sendo construídas ao longo da história de cada pessoa. Para exemplificar, a primeira área de prazer do ser humano é a boca. É por meio dela que o bebê sacia sua fome e tem sua fonte de prazer. A boca também é um importante meio utilizado pelo bebê para conhecer o mundo. É por ela que ele morde, agarra, experimenta os objetos. Por isso, esta primeira fase do desenvolvimento é denominada fase oral. Em um segundo momento do desenvolvimento humano, quando o bebê tem de um a dois anos de idade, ele descobre novas maneiras de ver o mundo e começa a desviar os seus interesses da boca, voltando-se para outras partes do corpo. Nesse período, a criança começa a controlar os esfíncteres (fezes e urina) e direciona a sua atenção para o funcionamento anal. A criança brinca com as fezes, pois ainda não sabe distingui-las de uma massinha ou argila. Inicialmente, essas ações podem parecer sádicas, mas a criança não sabe como agir. Sua atenção é despertada por sensações de prazer e desprazer que ela experimenta quando defeca ou retém as fezes. Noções de nojo, repressões e cuidados serão fornecidos pelos adultos, que culturalmente transmitem os conhecimentos necessários para que a criança possa aprender a se cuidar futuramente. Outro aspecto que também acaba sendo fonte de curiosidade para as crianças de três a quatro anos é a descoberta da diferença entre os sexos. As crianças querem saber as razões das diferenças e também como vieram ao mundo. Quais as suas origens? Essas perguntas acabam sendo constrangedoras para muitos pais, para explicarem como geraram seus filhos. Todavia, Freud já considerava importante a educação sexual das crianças para que elas não elaborassem conceitos fantasiosos e mentirosos sobre a sexualidade. A próxima etapa, de três a sete anos de idade, é considerada a fase fálica, na qual as crianças vão se interessar pelo falo (pênis) e se acentuam as discussões sobre as diferenças anatômicas. Também aparece a identificação dos filhos com os pais do mesmo sexo. Posteriormente, de 7 a 12 anos, é a chamada fase de Psicologia do Desenvolvimento 98 latência, na qual os meninos e as meninas se interessam mais por brincar em grupos separados por sexo. Nesse período, não priorizam ou não estão muito atentos às questões da sexualidade. Todavia, com o início da puberdade, de 12 a 16 anos, inicia-se a fase genital, em função das questões hormonais, havendo um retorno do interesse pela sexualidade. A vida mental Freud considerava que a personalidade e o aparelho psíquico eram compostos por algumas partes que eram responsáveis pela consciência e também por ações inconscientes dos homens. Primeira teoria do aparelho psíquico De acordo com Freud, o aparelho psíquico é formado por três sistemas: inconsciente, pré-consciente e consciente. O sistema consciente tem o objetivo de assimilar informações das excitações originárias do exterior e do interior, e que permanecem inscritas qualitativamente de acordo com o prazer e/ou desprazer proporcionado, entretanto não acumula esses registros como um arquivo. Dessa maneira, a maioria das funções perceptivo-cognitivo-motoras do ego (percepção, pensamento, juízo crítico, atividade motora etc.) são trabalhadas no sistema consciente, embora o sistema consciente funcione diretamente relacionado ao sistema inconsciente, ao qual está em oposição quase sempre. O sistema pré-consciente é compreendido como ligado com o consciente e opera como uma espécie de peneira a permitir o que pode, ou não, passar para o consciente. Ainda funciona como uma espécie de coleção de registros, sediando a imprescindível função de conter as representações de palavra. O sistema inconsciente se refere à porção mais obsoleta do aparelho psíquico. Existem pulsões, herdadas geneticamente, que são adicionadas das respectivas energias e protofantasias, como Freud classificava as fantasias atávicas existentes, também denominadas de “fantasias primitivas, primárias ou originais”. As pulsões estão reprimidas sob a forma de repressão primária ou de repressão secundária. Funcionalmente, o sistema inconsciente trabalha segundo as leis do processo primário e, além das pulsões do id, há também muitas funções do ego, assim como do superego. Podemos resumir do seguinte modo as características essenciais do inconsciente como sistema: seus “conteúdos” são “representantes” das pulsões; esses “conteúdos” são regidos pelos mecanismos específicos do processo primário, principalmente a condensação e o deslocamento;A obra de Sigmund Freud 99 fortemente investidos pela energia pulsional, eles procuram retornar à consciência e à ação, mas só podem ter acesso ao sistema pré-consciente nas formações de compromisso depois de terem sido submetidos às deformações da censura; são, mais especialmente, desejos da infância que conhecem uma fixação no inconsciente. É preciso esclarecer que Freud estudou a função dos instintos ou pulsões na vida humana. Os instintos são fatores que promovem e impulsionam a dinâmica da personalidade dos homens. São as forças biológicas que liberam a energia mental. Freud considerava que existem os instintos de vida, as pulsões de vida (eros), e os instintos ou pulsões de morte (thanatos), que são uma força destrutiva. As pessoas são regidas por esses dois instintos e pulsões. Nas pessoas com depressão grave, há predomínio do instinto de morte, da pulsão de morte. Por isso, é preciso compreender as razões das patologias, os mecanismos inconscientes que levam os indivíduos a apresentarem determinadas energias pulsionais. Sobre o inconsciente (HERRMANN, 1984, p. 33-36) Que significa haver o inconsciente? Em primeiro lugar [...] uma certa forma de descobrir os sentidos, típica interpretação psicanalítica. Ou seja, tendo descoberto uma espécie de ordem nas emoções das pessoas, os psicanalistas afirmam que há um lugar hipotético donde elas provêm. É como se supuséssemos que existe um lugar na mente das pessoas que funciona à semelhança da interpretação que fazemos; só que ao contrário: lá cifra o que aqui deciframos. Veja os sonhos, por exemplo. Dormindo, produzimos estranhas histórias, que parecem fazer sentido, sem que saibamos qual. Chegamos a pensar que nos anunciam o futuro, simplesmente porque parecem anunciar algo, querem comunicar algum sentido. Freud, tratando dos sonhos, partia do princpío [de] que eles diziam algo e com bastante sentido. Não, porém, o futuro. Decidiu interpretá-los. Sua técnica interpretativa era mais ou menos assim. Tomava as várias partes de um sonho, seu ou alheio, e fazia com que o sonhador associasse idéias e lembranças de cada uma delas. Foi possível assim descobrir que os sonhos diziam respeito, em parte, aos acontecimentos do dia anterior, embora se relacionassem também com os medos infantis do sujeito. Igualmente ele descobriu algumas das regras da lógica das emoções que produz os sonhos. Vejamos as mais conhecidas. Com freqüência, uma figura aparece nos sonhos, uma pessoa, uma situação, representa várias figuras fundidas, significa isso e aquilo ao mesmo tempo. Chama-se este processo de condensação, e ele explica o porquê de qualquer interpretação ser sempre muito mais extensa do que o sonho interpretado. Outro processo, chamado de deslocamento, é o de dar o sonho uma importância emocional maior a certos elementos que, quando da interpretação, se revelarão secundários, negando-se àqueles que se mostrarão realmente importantes. Um detalhezinho do sonho aparece, na interpretação, como elo fundamental. Digamos que o sonho, como um estudante desatento, coloca erradamente acento tônico (emocional, é claro), criando um drama diverso do que deveria narrar; como se dissesse Ésquilo por esquilo... Um terceiro processo de formação de sonho consiste em que tudo é representado por meio dos símbolos e, um quarto, reside na forma final do sonho que, ao contrário da interpretação, não é uma história contada por palavras, porém uma cena visual. [...] Psicologia do Desenvolvimento 100 Do conjunto de associações que partem do sonho, o intérprete retira um sentido que lhe parece razoável. Para Freud, e para nós, todo sonho é a tentativa da realização de um desejo. [...] Será tudo apenas um brinquedo, uma charada que se inventa para resolver? Não por certo [...]. Apenas você deve compreender que o inconsciente psicanalítico não é uma coisa embutida no fundo da cabeça dos homens, uma fonte de motivos que explicam o que de outra forma ficaria pouco razoável – como o medo de baratas ou a necessidade de autopunição. Inconsciente é o nome que se dá a um sistema lógico que, por necessidade teórica, supomos que opere na mente das pessoas, sem no entanto afirmar que, em si mesmo, seja assim ou assado. Dele só sabemos a interpretação. 1. Leia o texto abaixo. “Freud, tratando dos sonhos, partia do princípio que eles diziam algo e com bastante sentido. Não, porém, o futuro. Decidiu interpretá-los. Sua técnica interpretativa era mais ou menos assim. Tomava as várias partes de um sonho, seu ou alheio, e fazia com que o sonhador associasse idéias e lembranças de cada uma delas. Foi possível assim descobrir que os sonhos diziam respeito, em parte, aos acontecimentos do dia anterior, embora se relacionassem também com os modos infantis do sujeito”. – Você já teve sonhos que tiveram relações com acontecimentos recentes ou de sua infância conforme dito por Freud? – Troque informações com o seu colega e veja se ele também já os vivenciou e se eles também têm relações com aspectos presentes ou passados. 2. Realize uma pesquisa sobre o ponto de vista psicanalítico do sonho e o ponto de vista da medicina; compare-os e dê seu ponto de vista para seu grupo. 3. Qual destes conceitos não corresponde à Psicanálise? a) Inconsciente. b) Hipnose. c) Associação livre. d) Cognição. A obra de Sigmund Freud 101 4. Quais os elementos que compõem a primeira teoria do aparelho psíquico desenvolvida por Freud? a) Id, ego, superego. b) Inconsciente, pré-consciente, consciente. c) Sonhos, delírios, fantasias. d) Imaginação, pensamento. KUPFER, Maria Cristina. Freud e a Educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 1989. Indicação de filme: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (França, 2001), com direção de Jean- Pierre Jeunet. A história começa com a desatenção dos pais em relação a Amélie, retratando os desafetos dos pais e as implicações desse processo na constituição da afetividade da menina. Ela cresce e vai morar sozinha. Um certo dia, encontra em seu apartamento uma caixinha que, contendo diversos brinquedos, foi escondida por um garoto que morou ali há várias décadas. Sem ter muitos propósitos na vida, a moça resolve devolver o objeto para seu dono e, sentindo-se recompensada pela reação dele, decide solucionar os problemas de todas as pessoas com quem convive. No entanto, suas estratégias jamais se aproximam do óbvio e, com isso, ela bola planos complicadíssimos que muitas vezes (mas não sempre) funcionam melhor do que uma conversa franca. O filme é muito singelo e retrata de forma irônica as coisas simples e os problemas da vida. Psicologia do Desenvolvimento 102 Evolução dos instintos A noção de instinto de Freud está relacionada com a idéia de defesa, alívio das tensões e satisfação das necessidades humanas. De acordo com Fadiman e Frager (1986), o termo instinto, quando utilizado por Freud, não está na mesma concepção empregada para os instintos animais. Para a interpretação psicanalítica, no homem os instintos estão associados a desejos físicos e mentais. Freud considera que o homem possui dois instintos básicos que representam forças opostas. De um lado, está o instinto sexual e, de outro, o da agressividade, o instinto destrutivo. De certa forma, para sobreviver, o homem precisa da união desses dois pólos. Ou seja, o homem precisa ser regido pelo princípio da vida, do prazer, mas também precisa se direcionar pelo princípio da realidade, pois não é possível se orientar somente pelo princípio do prazer, nem tampouco apenas pelo princípio da realidade. Na vida, são necessários momentos de fantasia, mas também de enfrentamento dos problemas e situações. As pulsões de vida e de morte alternam-se no processo de desenvolvimento humano e também podem se repetir: ora as pessoas estão felizes, ora tristes. Existem processos de êxtase e descontentamento com a vida que se alternam e se repetem. Para Schultz (1992), Freud classifica os instintos da vida como os da fome e os da energia sexual.Eles estão voltados para a autopreservação e sobrevivência da espécie. Os instintos da morte estão voltados para a destruição e facilmente podem ser notados em condutas masoquistas, no suicídio, em reações de ódio e agressão. Os instintos de conservação não podem ser protelados por muito tempo. Os instintos sexuais podem ser adiados e concomitantemente a sua energia transformada em benefício de outras atividades. De acordo com Fadiman e Frager (1986), Freud considera que os instintos são os canais por meio dos quais a energia pode fluir. No caso dos instintos de conservação e preservação da vida, a sexualidade é uma maneira de liberar os instintos. Porém, quando as relações sexuais não ocorrem, as pessoas podem sublimar o ato sexual e satisfazer suas necessidades em outras atividades que lhes dão prazer. Por isso Freud considera que a libido é a energia aproveitável dos instintos da vida. Quanto à energia do instinto de morte ou agressão, Fadiman e Frager (1986) explicam que Freud não atribuiu um nome a essa energia. No entanto, ele considera que ela segue as mesmas leis da energia sexual. Ou seja, quando um indivíduo não consegue agredir uma pessoa que deseja, pode canalizar sua energia agressiva para outra coisa ou pessoa. Freud afirma que a energia sexual, a libido, é a grande promotora das ações dos indivíduos. A libido pode estar a serviço de funções não necessariamente sexuais. Um indivíduo pode realizar bem o seu trabalho movido por seu amor por esse trabalho, o que pode ser uma forma de libido. Como também, quando está com a libido baixa, pode não querer se envolver com muitas atividades ou com uma pessoa. Em Psicanálise, o termo sexual não significa “genital”. Esse qualificativo, genital, deve ser utilizado somente para certas manifestações da sexualidade do sujeito. O prazer gerado por via da excitação ritmada de qualquer zona corporal deve ser, portanto, qualificado como sexual, mesmo quando não está associado à relação sexual. Psicologia do Desenvolvimento 104 Fase oral Nome dado à fase de organização libidinal que se estende desde o nascimento até o desmame. Essa fase poderia ser chamada também de fase bucal, posto que está sob a primazia da zona erógena bucal. A necessidade fisiológica de chupar surge nas primeiras horas de vida. Apesar de saciado, durante o sono o bebê permanece a sugar os lábios. O prazer da sucção é auto-erótico e independe das necessidades alimentares. O sujeito não tem noção de um mundo exterior diferenciado dele. Gradativamente, a criança identifica-se com sua mãe e se desenvolve armazenando passivamente as palavras, os sons, as imagens, as sensações. Essa é a fase oral em sua primeira forma passiva. As primeiras palavras são uma conquista que exige esforço, recompensado pela alegria e as carícias do meio familiar. Paralelamente, aparece a dentição, com sofrimentos que exigem ser aliviados pelo ato de morder. A criança encontra-se, agora, com um período oral mais avançado, ativo, e morde tudo que lhe vem à boca: objetos, seio (se ainda é lactente). De acordo com Barros (1993), para a concepção psicanalítica, a passagem segura pela fase oral tem conseqüências muito importantes na vida dos indivíduos: Se as necessidades forem satisfeitas, a pessoa crescerá de maneira psicologicamente saudável, se não o forem, seu ego está imperfeito. Por exemplo, se as necessidades orais forem frustradas durante este período, por desmame prematuro, por afastamento rigoroso de todos os objetos para sugar (inclusive o polegar), o ego poderá ser incapaz de superar os desejos orais frustrados. Alguns psicanalistas atribuem o alcoolismo, por exemplo, às frustrações na fase oral. (BARROS, 1993, p. 82). Freud também considera que pessoas que fumam ou roem unhas e aquelas que têm obsessão por comer são fixadas na fase oral: elas utilizam a boca para aliviar suas ansiedades e tensões. Fase anal Para o sujeito de um a três anos de idade, a maior parte dos relacionamentos com os adultos está circunscrita pela alimentação e a aprendizagem do asseio esfincteriano. No segundo ano de vida, sem destronar a zona erógena bucal, a maior importância está na zona anal. O sujeito atinge um maior desenvolvimento neuromuscular: a libido que provocava a sucção lúdica da fase oral provoca agora a retenção lúdica das fezes e da urina. Parece ser esta a primeira descoberta do prazer auto-erótico, que é um dos componentes normais da sexualidade. Os cuidados higiênicos que se seguem à excreção são proporcionados pela mãe. Portanto, a atuação materna determina a atmosfera agradável ou não no uso do banheiro pela criança. Após a fase de brincar com seus excrementos, a criança brincará com a sujeira, brincará na lama, na água e em vários outros locais. Esse deslocamento Evolução dos instintos 105 inconsciente, a atitude mais ou menos severa dos hábitos de asseio, em geral, favorecerá ou dificultará o desenvolvimento sadio da criança. Na fase anal, a criança teme de forma acentuada a rejeição dos pais se não conseguir controlar os esfíncteres. Muitos pais exageram e reprimem a criança por não conseguir ter autonomia para usar o banheiro. Em alguns casos, a ansiedade das crianças é tanta, para não desagradarem os pais e não serem repreendidas, que elas não conseguem executar essa tarefa. Dessa maneira, nessa fase é comum encontrar crianças com intestino preso, ou urinando na cama. Esses são alguns mecanismos que mostram que o psiquismo influencia no controle ou descontrole de questões biológicas. Para Barros (1993), as conseqüências futuras para uma criança que se fixa na fase anal traz dificuldades de desprendimento material que prejudicam o ego da pessoa adulta: Psicanalistas atribuem a avareza, a exagerada preocupação com a limpeza e a meticulosidade (no adulto) às frustrações ocorridas na fase anal. Esses traços constituem a personalidade anal. A avareza é o prazer pelo acúmulo e guarda de bens, poderia ter-se originado do prazer que a criança experimentou em reter as fezes. (BARROS, 1993. p. 83). Barros (1993) também adverte que, segundo a interpretação psicanalítica, a preocupação excessiva com limpeza e ordem na vida adulta pode ser reflexo das exigências dos pais quando os filhos eram crianças. Fase fálica A partir da fase oral, no bebê, assistimos ao despertar da zona erógena fálica – o pênis no menino e o clitóris na menina. A causa fortuita será, provavelmente, a excitação natural da micção, somada aos contatos repetidos decorrentes da assepsia e de outros cuidados higiênicos. Todas as mães conhecem os jogos manuais dos bebês. Essas manifestações da criança se prolongam, apesar dos ‘‘tapinhas nas mãos’’ que ela recebe quando o adulto é mais severo. No entanto, geralmente essa masturbação primária é muito pouco acentuada e cessa espontaneamente, só reaparecendo no decorrer do terceiro ano. Os pais e professores ficam preocupados quando a criança começa a se tocar, começa a conhecer e explorar seu próprio corpo. Eles tendem ou a reprimir as atitudes das crianças ou a ignorar. É muito difícil encontrar pais e professores preparados para orientar a criança e compreender que essas características fazem parte do processo de desenvolvimento. Antes do terceiro ano, começa a curiosidade sexual, em pleno período sádico-anal. Essa curiosidade visa primeiramente a saber de onde vêm os bebês. Tal interesse pode ser despertado por diferentes razões: novo nascimento na família, identificação com companheiros de brincadeiras, descontentes ou satisfeitos com a chegada de um irmão ou irmã. Os “por quês?” aflitos e insistentes das crianças de quatro anos, que mal escutam as respostas do adulto, só aparecem após as primeiras reações às perguntas Psicologia do Desenvolvimento 106 diretamente sexuais feitas aos adultos e da noção de “proibido” que as crianças extraem das respostas obtidas. Nessa fase, ocorre o período que Freud denominou complexo de Édipo nos meninos e complexo de Electra nas meninas.Freud gostava muito de utilizar os mitos para composição de sua teoria. Neste caso, ele utilizou personagens da tragédia grega para apresentar a sua teoria. Complexo e castração de Édipo No decorrer da fase anal, sucedem-se vários processos e ocorrências. Desses eventos, destaca-se o complexo de Édipo, pois em torno dele se dá a estruturação da personalidade do indivíduo. Acontece entre os dois e os cinco anos de idade. Nele, a mãe é o objeto de desejo do menino e o pai é o rival que impede seu acesso ao objeto desejado. Nesse período, o menino busca competir com o pai para conseguir o amor da mãe. Ele fica muito envolvido com ela, têm ciúmes da mãe, e procura imitar algumas características do pai. É solícito com a mãe, tenta resolver os problemas e ajudá-la. Ele procura então se assemelhar ao pai para ter a mãe, escolhendo-o como modelo de comportamento, passando a internalizar as regras e as normas sociais representadas e impostas pela autoridade paterna. Posteriormente, por medo do pai, desiste da mãe, isto é, a mãe é trocada pela riqueza do mundo social e cultural e o garoto pode, então, participar do mundo social, pois tem suas regras básicas internalizadas por meio da identificação com o pai. Esse processo também ocorre com as meninas, sendo invertidas as figuras de desejo e de identificação. Para a teoria freudiana, o medo do pai manifesta-se por meio do medo e da angústia da castração. Ou seja, Freud considera que o menino, ao tentar se assemelhar ao pai, começa a temer que, por ciúme, o pai lhe retire os órgãos sexuais. Dessa maneira, ele se sente culpado e retorna ao seu estado de origem. Segundo Freud, a passagem do menino pelo complexo de Édipo e da menina pelo complexo de Electra são momentos importantes na vida das crianças, pois tanto os meninos como as meninas precisam se identificar com os pais para adquirir os seus padrões e valores. Fase de latência A fase de latência é empregada na aquisição dos conhecimentos necessários à luta pela vida, iniciando um aspecto mais racional dessa luta. Progressivamente, as faculdades de sublimação entram em jogo. Tendo em vista a repressão do interesse sexual, evidencia-se o aspecto cultural da fase de latência: as crianças se interessam por atividades culturais, por lazer e atividades escolares; são ativas nessas áreas, mas em relação à sexualidade ficam passivas. Evolução dos instintos 107 O valor e a importância das sublimações da fase de latência são muito grandes. Não só porque é nessa época que se esboçam as características sociais do indivíduo, mas igualmente porque o modo como a criança utiliza esse período faz com que ela fixe ou não, exagere ou elimine os componentes arcaicos e os componentes perversos da sexualidade. Na fase de latência, que corresponde ao período de 7 a 12 anos de idade, a criança reprime os seus impulsos e se volta mais para as questões escolares e de socialização com seus amigos da escola. Nessa fase, aparecem barreiras mentais que impedem que a criança manifeste sua libido. Ela tem vergonha de mostrar suas emoções e os impulsos sexuais são sublimados para outras atividades, e sente prazer em brincar com os colegas, em realizar atividades escolares, esportivas, de lazer e artísticas. Fase genital Essa fase depende do desenvolvimento saudável da fase anterior – a da latência. Com o aparecimento da ejaculação no rapaz, bem como do f luxo menstrual e do desenvolvimento mamário da menina, a puberdade proporciona elementos que faltam para a compreensão do papel do homem e da mulher na reprodução. Nessa fase, dos 12 aos 16 anos de idade, os adolescentes começam a se conscientizar de suas identidades sexuais. Há um retorno à energia sexual e aos órgãos sexuais. Os adolescentes procuram se relacionar uns com os outros e procuram satisfazer suas necessidades eróticas e interpessoais. A construção do aparelho psíquico Segunda teoria do aparelho psíquico De acordo com Bock (2002), Sigmund Freud remodelou a teoria do aparelho psíquico entre 1920 e 1923, por meio dos conceitos de id, ego e superego. Nas suas primeiras obras, ele considerava que o aparelho psíquico é constituído do consciente, inconsciente e pré-consciente. Anos mais tarde, acrescentou os conceitos de id, ego e superego. Para Freud, o id é a parte mais primitiva do ser humano, sendo formado pelos instintos sexuais e agressivos. Para Fadiman e Frager (1986), as leis lógicas do pensamento não se aplicam ao id. Ele é o reservatório de energia da personalidade e os seus conteúdos são quase todos inconscientes. Além disso, o id também é regido pelo princípio do prazer. Para Freud (apud SCHULTZ, 1992, p. 344), o id é “um caos, um caldeirão repleto de fervilhantes excitações e não conhece juízos de valor, nem o bem, nem o mal, nenhuma moralidade.” Psicologia do Desenvolvimento 108 O ego serve de mediador entre o id e o meio exterior. Para Bock (2002), o ego proporciona o equilíbrio entre as exigências do id e as exigências da realidade, do ego e do superego. Essa estrutura do aparelho psíquico é regida pelo princípio da realidade. O ego representa o eu, a racionalidade, e ajuda as pessoas a pensarem, ajuda-as a não agirem pelos impulsos do id. O superego é a parte controladora do pensamento. Ele se desenvolve desde a infância, quando os pais repreendem as ações dos filhos, e é formado pelas restrições morais. Para Bock (2002, p. 77), o superego representa “a moral e os ideais que são funções do superego. O conteúdo do superego refere-se às exigências sociais e culturais.” É no superego que aparece o sentimento de culpa quando a pessoa faz algo errado ou fica se punindo, mesmo que o ato incorreto não tenha ocorrido. O superego é constituído pelos julgamentos que estão presentes na mentalidade dos indivíduos e são formados por meio de valores morais e sociais transmitidos pela cultura. Freud chamava atenção para o papel do estado, da família e da igreja como formadores do superego na personalidade das pessoas. Como existem conflitos intermitentes no desenvolvimento humano, as pessoas têm que conciliar os desejos do id, atender às demandas do ego e lidar com a perfeição e o controle do superego. 1. Na perspectiva psicanalítica, o instinto de preservação da vida está associado a qual característica humana? a) Afetividade. b) Emoção. c) Sexualidade. d) Solidariedade. 2. A preocupação exagerada com limpeza pertence à fixação em qual etapa do desenvolvimento? a) Oral. b) Fálica. c) Genital. d) Anal. GAY, Peter. Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Indicação de filme: A Máfia no Divã (EUA, 1999), com direção de Harold Ramis. Após entrar em crise, um poderoso chefão da máfia nova-iorquina decide procurar a ajuda de um psiquiatra. É uma comédia que retrata conceitos da Psicanálise, principalmente o complexo de Édipo. Mecanismos de defesa O termo defesa foi usado por Sigmund Freud em 1894, em As Psiconeuroses de Defesa, mas foi em 1926, em Inibição, Sintoma e Ansiedade, que ele adquiriu seu verdadeiro grau de importância, levando Anna Freud a descrever uma variedade de mecanismos de defesa com base em exemplos concretos. No sentido que hoje lhe é atribuído pela comunidade psicanalítica, a palavra defesa exprime uma série de operações efetuadas pelo ego diante dos perigos que procedem do id, do superego e da realidade externa. Para evitar a angústia provocada pelas situações de perigo e ameaça a sua constância, o ego lança mão dos mecanismos de defesa. Portanto, as defesas nada mais são do que operações efetuadas pelo ego visando a reduzir ou suprimir os estímulos externos ou internos que o invadem e lhe causam desprazer. As estruturas defensivas não são exclusivas da patologia: elas fazem parte, normalmente, do ajustamento, da adaptação e do equilíbrio da personalidade, enquanto a patologia está na quantidade de defesa utilizada, na sua rigidez etc. Cada estrutura terá tipos específicos de defesa e os mecanismosde defesa são mobilizados pela parte inconsciente do ego. Sublimação Otto Fenichel, autor de teroria psicanalítica das neuroses, considera a sublimação como a defesa bem-sucedida, pois ela é o processo por meio do qual a energia originalmente dirigida para propósitos sexuais é direcionada para novas finalidades, com freqüência para metas artísticas, intelectuais ou culturais. Freud utiliza o conceito de sublimação para explicar as atividades humanas sem qualquer relação aparente com a sexualidade, mas que encontrariam o seu elemento propulsor na força da pulsão sexual. Para ele, a sublimação é responsável pela civilização, já que é resultante de pulsões subjacentes que encontraram vias aceitáveis para o que é reprimido. A sublimação é um processo de deslocamento, é um meio no qual se formam canais alternativos que os indivíduos utilizam para desviar idéias que os perturbam. Para exemplificar podemos citar o caso de um pianista que se interessa por uma mulher que não corresponde ao seu amor. Para sublimar, ele toca piano constantemente, como uma maneira de desviar sua atenção, sublimando sua paixão. Às vezes, as pessoas também realizam o processo de sublimação por meio de ações que, para elas, são inconscientes. A sublimação se caracteriza por apresentar uma inibição do objeto e uma dessexualização. O indivíduo que sublima nada sabe sobre sua própria pulsão sexual. Exemplos de sublimação O indivíduo que tem pulsões agressivas e se torna um médico. Um orador que expressa sublimadamente suas pulsões sexuais orais. Um indivíduo que tem pulsões exibicionistas e se torna modelo fotográfico. Psicologia do Desenvolvimento 110 Negação Negação é o processo por meio do qual o indivíduo desconsidera uma parte da realidade externa ou interna, desagradável ou indesejável, seja por meio de uma fantasia de satisfação de desejos, seja pelo comportamento. É a tentativa de não aceitar na realidade um fato que perturba o ego. O adulto tem a tendência de fantasiar que certos acontecimentos não são assim, que na verdade não aconteceram. Por exemplo, um rapaz que não seja popular entre as garotas pode convocar uma fantasia de que é um grande sedutor. Porém, toda negação da realidade traz um prejuízo à vida, empobrece o viver. A negação é o mecanismo herdeiro do recalque, já que geralmente o aparelho psíquico permite a entrada parcial no espaço consciente daquilo que foi previamente reprimido. Embora apareça nos quadros neuróticos e psicóticos, a negação é um mecanismo básico nas perversões. O pervertido é a pessoa cujo prazer sexual está bloqueado pela idéia da castração e por meio do ato perverso ela tenta provar que não existe a castração. Fadiman e Frager (1986) consideram que a negação é um mecanismo de defesa no qual os indivíduos recordam de fatos de forma incorreta, de maneira diferente da qual foram realizados. Ou seja, esses indivíduos negam suas ações. Projeção Projeção é “o ato de atribuir a uma outra pessoa, animal ou objeto as qualidades, sentimentos ou intenções que se originaram em si próprios” (FADIMAN; FRAGER, 1986, p. 22). É o mecanismo de defesa por meio do qual os aspectos da personalidade de um indivíduo são deslocados de dentro dele para o meio externo. A projeção está ligada a um mecanismo de defesa primário fundamentalmente definido pela ação de expelir, de expulsar alguma coisa desagradável, desprazerosa, mas que foi anteriormente introjetada: o que se projeta é aquilo que já foi introjetado. Somente o que foi engolido pode ser vomitado. Tem a projeção o efeito de colocar no lado de fora (fora do ego) alguma coisa julgada indesejável, mas que surgiu no lado de dentro: o perigo é então externalizado. Mediante a externalização, a projeção é um meio de autodefesa contra o interno. Embora a projeção esteja presente nos quadros neuróticos e psicóticos, constituindo-se na base para os delírios de perseguição do paranóico, a projeção, como atividade defensiva, está presente no cotidiano das pessoas ditas normais. A projeção ocorre quando uma pessoa se projeta na outra. Ou seja: ela atribui qualidades e distorções desejáveis e indesejáveis em outra pessoa. Às vezes, um indivíduo se identifica com um ídolo e quer assumir todas as características dele. Outro mecanismo de defesa em que o indivíduo se utiliza da projeção se dá quando ele não gosta de uma pessoa e encontra com outra que possui traços fisionômicos Mecanismos de defesa 111 parecidos com os da primeira. O indivíduo passa a agredir essa segunda pessoa, pois internalizou o fato de que tal pessoa não lhe faz bem. Dessa maneira, ela generaliza comportamentos negativos e não se dá conta de que as pessoas são diferentes. Introjeção Introjeção “é o processo que consiste na assimilação, por parte do sujeito, de atributos ou qualidades de um determinado objeto do mundo exterior”. Na criança em desenvolvimento, esse mecanismo enriquece o ego, já que a identificação é realizada por meio da introjeção. Tudo que agrada, que é prazeroso, é introjetado. No adulto, a introjeção cria verdadeiros espaços internos e o relacionamento do sujeito vincula-se à fantasia, em prejuízo de um contato mais intenso com a realidade exterior. Assim, se as características totais ou parciais do objeto perdido tomarem conta do sujeito e este se comportar na totalidade como se fosse o objeto perdido, aí teremos a identificação introjetiva. Identificação Identificação é “o processo psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa”. É por meio do fenômeno da identificação que se dá a humanização do sujeito, isto é, seu crescimento afetivo, intelectual, social e espiritual. A identificação deve ser diferenciada do mecanismo da introjeção, já que este é apenas o protótipo da identificação. Pode-se falar em vários tipos de identificação na Psicanálise. Identificação primária – aquela que ocorre na fase indiferenciada do recém-nascido, quando ele é dependente e está “amalgamado” com a mãe. O único diferencial é que o sujeito sente prazer ou desprazer, e será por meio desse parâmetro de prazer e desprazer que o ego e os objetos começarão a ser construídos. Identificação secundária – ocorre ao longo da vida, a partir da fase de reconhecimento do outro. Quando a criança chega à “idade do Édipo”, pela primeira vez na história seus desejos são negados (proibição do incesto). A identificação secundária constituirá, portanto, o superego. Identificação introjetiva – resultado da introjeção do objeto no ego, com o qual passa a se identificar totalmente ou parcialmente. Pode-se ainda falar de outros tipos de identificação, tais como identificação histérica, total, parcial etc., além da identificação projetiva. Psicologia do Desenvolvimento 112 Formação reativa Formação reativa é o mecanismo no qual o indivíduo exibe comportamentos, sentimentos e atitudes contrários àquilo que inconscientemente se rejeita, isto é, conscientemente o indivíduo apresenta uma atitude que, oposta ao desejo reprimido, constitui uma reação contra ele. Esse mecanismo de defesa é muito comum em pais que rejeitam os filhos: socialmente, os pais apresentam um comportamento de superprotetores e, todavia, eles reprimem os filhos, não assumem que não gostam desses filhos ou os excluem. Isolamento O isolamento consiste em separar um pensamento ou comportamento de tal modo que se acham rompidas as suas conexões com outros pensamentos ou com o resto da existência do indivíduo. É a tentativa de se distanciar das experiências ameaçadoras. Por exemplo, um pensamento ameaçador é literalmente separado dos pensamentos que o precederam e dos que o seguem por um breve período. Uma situação típica na prática terapêutica é a dificuldade dos pacientes em associar livremente suas idéias, de modo a não entrarem em contato com algo perturbador. O isolamento também é um mecanismo de defesa noqual as pessoas evitam os contatos sociais, os eventos e encontros em que precisam mostrar suas qualidades ou defeitos. Anulação A anulação consiste no aparecimento de ações cuja finalidade é contestar ou desfazer um dano que, inconscientemente, o indivíduo imagina que pode ser causado por seus desejos, sejam desejos sexuais ou hostis. Um exemplo clássico é o da pessoa que vai verificar se a torneira do gás está fechada: primeiramente ela abre a torneira para depois fechá-la novamente. Deslocamento O deslocamento consiste em transferir as características ou atributos de um determinado objeto para outro objeto que se encontra articulado ao primeiro por um elemento comum: ocorre apenas a mudança de objeto, já que o ato é o mesmo. É medida defensiva comum no cotidiano de qualquer pessoa, sem que disso a pessoa tome consciência. O exemplo clássico é o do funcionário massacrado pelo chefe e que, ao chegar em casa, dirige toda sua agressividade contida sobre a mulher e os filhos. De certo modo, a pessoa até tem consciência da tensão a que está submetida, mas não se dá conta da causa original, do porquê de sua agressão à família. Mecanismos de defesa 113 Idealização Idealização é um mecanismo no qual o indivíduo atribui a outro indivíduo qualidades de perfeição, vendo o outro de um modo ideal, atribuindo ao outro qualidades de perfeição que o outro não possui, porque perceber que o outro tem defeitos será doloroso para ele. Conversão A conversão consiste em uma transposição de um conflito psíquico e uma tentativa de resolução desse conflito por meio de expressões somáticas. Assim, o choro copioso e os risos imotivados também são conversões que precisam ter seu diagnóstico diferencial feito com as expressões emocionais normais. Toda conversão explicitada por meio da musculatura voluntária tem um significado simbólico. Regressão A regressão representa o retorno a níveis anteriores do desenvolvimento sempre que o indivíduo se depara com uma frustração. Esse mecanismo de defesa é ativado toda vez que o indivíduo se depara com um conflito que não consegue resolver, retornando para antigas formas de organização da conduta, geralmente àquelas em que o conflito poderia ter sido resolvido. Logo, a regressão é o ressurgimento de modalidades de funcionamento mental que caracterizam a atividade da psique do indivíduo durante as fases primitivas do seu desenvolvimento. Racionalização Racionalização é o processo pelo qual o indivíduo procura apresentar uma explicação coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude, uma ação, uma idéia, um sentimento etc., de cujos motivos verdadeiros não se apercebe. Pode ser a racionalização de um sintoma, de um delírio, de uma compulsão defensiva, de uma formação reativa, resultando em uma sistematização lógica. Em geral, não se costuma classificar a racionalização como mecanismo de defesa: apesar de sua manifestação defensiva, ela não é diretamente dirigida contra a satisfação pulsional, antes vem disfarçar secundariamente os diversos elementos do conflito psíquico. Uma forma peculiar de racionalização é a intelectualização, pela qual, com muita teorização, muitos conhecimentos e especulações, tenta-se entender ou negar um conflito sem propor ou aceitar mudanças. Algumas pessoas utilizam a racionalização como mecanismo de defesa para não enfrentarem seus sentimentos: elas objetivam seus problemas, racionalizam sobre eles e não se deixam levar pela subjetividade. Psicologia do Desenvolvimento 114 Princípio fundamental da teoria psicanalítica A pressuposição de existirem processos mentais inconscientes, o reconhecimento da teoria da resistência e da repressão, a apreciação da importância da sexualidade e do complexo de Édipo constituem o principal tema da Psicanálise e os fundamentos de sua teoria. Aquele que não possa aceitá-los a todos não deve considerar-se a si mesmo como psicanalista. O professor e a teoria freudiana da aprendizagem Educação Como sabemos, Freud viveu em um momento em que a sociedade cultivava valores morais muito rígidos. Ele estudava os comportamentos mentais de diferentes pacientes que estavam sofrendo de transtornos decorrentes de conflitos mentais oriundos, segundo o ponto de vista de Freud, de um processo de castração e de inibição da sexualidade, ou pulsão de libido. Enquanto tratava dessas pessoas, para ele ficava evidente que as frustrações desenvolvidas por tais pessoas estavam relacionadas aos valores gerados por uma educação conservadora e moralizante que castrava a felicidade de as pessoas usufruírem suas necessidades. Para Freud, a educação é transmissora de moral e de valores sociais que incutem a noção de pecado e de vergonha, confrontando-se com as pulsões de libido e prazer do indivíduo. Ele acreditava que os conceitos psicanalíticos podem ter condições de atenuar os rigores sociais e morais, uma vez que a Psicanálise trabalha e estuda os aspectos da sexualidade humana e os princípios da satisfação nesse processo. Assim, para Freud, a educação deveria ser fonte de prazer, de satisfação, e não de castração ou recalque. Na sua definição, o conceito de recalque está relacionado às neuroses ligadas aos distúrbios da sexualidade resultantes de práticas sociais impingidas pela moral. Esse conceito foi redefinido quando se definiu que no mesmo conceito de prazer existe um conceito de desprazer, porque uma vida inteiramente dominada por impulsos seria impossível e até mesmo mortal, para que o indivíduo sobreviva em grupo, ou utilize o seu eu para mediar as relações entre o social e o individual. A educação poderia exercitar esse conflito, deveria mediar e estimular as relações entre o prazer e o recalcamento desse prazer pela moral. Educando Para Freud, o educando é um ser que precisa ser trabalhado para que reprima suas pulsões relacionadas à sexualidade, de modo que elas possam vir a ser modeladas para os fins sociais que representam. Ou seja, toda criança nasce com pulsões de natureza perversa para o exibicionismo, a curiosidade sexual, a Mecanismos de defesa 115 manipulação genital, os prazeres da sucção, a defecação etc. Essas pulsões de natureza biológica se manifestam na criança desde o desenvolvimento das fases de estruturação de sua psique. E cada um desses aspectos que se manifestam na criança é chamado por Freud de pulsão parcial, ou seja, as pulsões oral, anal, da sucção, do olhar etc. Para a criança, essas pulsões representam um ato livre, sem nenhum interesse pela idéia de relação, ou seja, ainda não são dirigidas a um objeto de desejo. Assim sendo, podem ser dirigidas ou direcionadas para um objeto de desejo que poderá estar vinculado a questões de utilidade social e não apenas sexual. Esse processo de dirigir a pulsão a outros focos que não sexuais é chamado de sublimação, e é por meio dela que se pode levar o indivíduo a direcionar sua libido a objetos socialmente estabelecidos, tais como a educação. Dessa maneira, a Psicanálise vê o indivíduo da educação como um ser movido por suas pulsões libidinais desde o nascimento, e esse indivíduo vai manifestar essas pulsões ao longo de seu desenvolvimento, sendo que elas podem ser canalizadas pelo ato educativo para focos distantes da libido sexual. O ato de educar Partimos do princípio de que as pulsões sexuais parciais e de caráter perverso podem ser sublimadas, ou seja, as manifestações pulsionais da criança podem ser dirigidas para objetos de origem não sexual. Olhando dessa forma, podemos supor que Freud concebia a educação como um meio de moralizar a sociedade e, portanto, o professor assumiria o papel de extrair (ou questionar) atitudes negativas ou perversas de cada sujeito/aluno. Quando estudamos a proposta freudiana de educação, vemos que ele não fala de repressão, mas de canalizar pulsões para valores sociais superiores, para bens culturais de produção socialmente útéis. Dessa forma, não há uma repressão,mas uma perversão desses impulsos, um direcionamento, pois – segundo Freud – sem perversão não há sublimação, e sem sublimação não haveria cultura. Ele manifesta esse ponto de vista quando analisa que a busca da supressão das pulsões deve estar gerando efeitos danosos à personalidade infantil, incitando comportamentos neuróticos. Quando assim enfatiza, Sigmund Freud estimula educadores a refletirem sobre o ato educativo repressor, instiga-os a pensarem uma educação desafiadora e prazerosa, direcionando (ou em termos freudianos, canalizando) as pulsões parciais dos sujeitos de aprendizagem para valores socialmente superiores e culturais. Uma pergunta que também intrigava Freud estava relacionada a por que a humanidade se caracterizava por uma educação sempre repressora, de caráter neurotizante. Podemos perceber que, em seus escritos, essa educação produtora de pessoas caracteristicamente neuróticas representava um papel político de dominação dos governantes sobre a população, ou seja, os grupos que estão no poder fazem da educação instrumento neurotizante e repressor da psique humana, de forma a poder dominar camadas populacionais. Dessa forma, o educador de Freud é aquele que constantemente busca para seu educando o equilíbrio entre o prazer individual e as necessidades sociais, ou Psicologia do Desenvolvimento 116 seja, ele busca o ato educativo de proporcionar satisfação individual das pulsões parciais do sujeito, mas ao mesmo tempo deve ser instrumento de sublimação por canalizar essas pulsões para objetos culturais. O dom de transmitir e aprender Um dos pontos fundamentais na relação entre o educador e educando está no conceito de transferência. Em seus escritos, Freud mencionava que muitas coisas vivenciadas ao longo de um dia eram transferidas para os sonhos, à noite. E que os sonhos iriam atuar sobre esses restos diurnos criando para eles representações e significados individuais que estariam relacionados às pulsões parciais e às repressões e canalizações sociais vivenciadas. Freud também passou a perceber, enquanto atendia pessoas em análise, que o psicanalista funcionava de certa forma como um produtor de significações no momento em que atuava analisando seu paciente. Percebia que em muitas situações assumia um papel diferente daquele do analista, representando uma imagem criada pelo analisado, que transferia para Freud o papel de uma outra pessoa a quem ele, analisado, inconscientemente atribuía o papel de repressor. Com isso, Freud chegou à conclusão de que a transferência é uma manifestação inconsciente do sujeito, e serve para a análise desse mesmo inconsciente quando trabalhado pelo analista, ou uma pessoa para qual a transferência seja dirigida. Abordada dessa maneira, a relação entre ensino e aprendizagem – ou a relação entre professor e aluno – pode estar relacionada a um processo de transferência quando uma série de acontecimentos psíquicos ganha vida novamente, ou se revive na relação entre o professor e o aluno. Assim, o professor pode ser a figura para a qual o aluno transfere seus interesses ou pulsões parciais. Na medida em que essa relação se estabelece, existe uma transferência de significações entre esses sujeitos. Uma vez acontecendo essa transferência entre professor e aluno, e levando em conta o princípio da ressignificação desses sonhos na busca de sua realização, como diria Freud, podemos perceber que na transferência ocorrida na relação entre aluno e professor podem estar presentes os significados trazidos pelo professor, e os do aluno. E em uma relação de transferência entre o ato de ensinar e o de aprender pode haver uma troca de significados e a satisfação dirigida à sublimação dos desejos de ambos – daquele que ensina e daquele que aprende. Instalada a relação de transferência, também fica estabelecida uma relação de troca de significados e se definem importâncias para essas trocas. Uma vez que o professor assume o papel de direcionar as pulsões sexuais parciais do aluno, este sublima naquilo que vem a ser a ação do professor sobre as suas necessidades. Dessa forma, o professor passa a assumir uma relação de poder sobre o aluno, e a fala do professor deixa de ser objetiva, assumindo um papel especial no inconsciente do aluno, em uma relação de significado diferenciado. Mecanismos de defesa 117 Muitas vezes, percebemos o papel que cada professor pode exercer sobre o aluno. Em nosso cotidiano, quando vemos o domínio dos professores e o fascínio que os alunos têm pelos professores, evidenciamos o papel dessa transferência no percurso intelectual de cada um. Vemos como o professor foi investido pelo desejo daquele aluno, exercendo forte influência – uma influência de poder sobre a formação do caráter do aluno. A influência se torna tão representativa e o poder sobre o aluno se torna tão desejável ao professor que, a partir do momento em que essa relação se estabelece, é papel do professor saber abdicar desse poder. Ele deve abdicar porque, na medida em que assume essa força, ele tende a querer ser dominador, sendo que ele mesmo está sendo dominado por seus desejos de poder e de manipular o psiquismo e o caráter do outro, evitando que a formação seja do próprio aprendiz. Quando o professor assim age, a relação de transferência se desfaz e, dessa forma, o desejo do aluno também se desfaz, criando-se um paradigma de relação difícil de ser superado pois, não abdicando de seu poder, o professor faz com que o seu sujeito seja um sujeito não pensante, mas moldado pela doutrina do professor. Por outro lado, se sucumbir ao poder emanado pelo aluno, o professor não poderá canalizar as pulsões parciais desse aluno para os valores culturais, assim se tornando alvo e submisso ao poder do aluno. Quando faz dessa forma, ele abdica do seu prazer de ser, renuncia a seu próprio desejo. Levando em conta todos esses aspectos, Sigmund Freud via uma impossibilidade no ato de educar, exatamente em virtude desse conflitante jogo de desejos e abdicações. Com essa abordagem, podemos querer justificar atitudes que muitas vezes tomamos em relação ao sucesso ou ao fracasso do processo de ensino e aprendizagem. Porém, o que devemos ter claro é que, nesse conflito de poder, a sucumbência de um ou de outro lado levará ao completo fracasso da formação individual e social: não pode haver dominado ou dominador, mas essa tensão conflitante é necessária para a tomada da consciência, para a formação de cada um no âmbito de uma rede de relações em que se sustenta a sociedade. E a subjetividade do professor? Um enfoque psicanalítico sobre o tema, seus desdobramentos e vicissitudes (SANTOS, 2002) O título deste trabalho inicia-se com uma pergunta, certamente não posta de forma gratuita, pois a idéia é justamente, a partir do estabelecimento de um recorte específico, refletir sobre a importância desse aspecto no ato educativo. Quando pensamos em escola – ou em educação, de maneira genérica – usualmente imaginamos uma cena [em que] dois personagens ocupam lugares demarcados e fortemente alicerçados no imaginário coletivo; alguém no lugar de aluno e, por extensão, alguém no lugar de professor. E todo aquele que cultive algum interesse em pesquisar sobre as múltiplas facetas dos fenômenos ligados ao cotidiano escolar – tais como os clássicos “problemas de aprendizagem”, “(in)disciplina”, “(des)motivação”, “fracasso escolar” e tantos outros – via de regra encontrará como objeto de investigação o aluno, ou a relação entre o professor e o aluno, ou ainda os efeitos da positividade institucional na atuação do professor e no desempenho do aluno, mas estranhamente Psicologia do Desenvolvimento 118 pouco encontrará sobre o professor, especialmente na condição de sujeito singular, para além do papel social, atravessado por sua condição subjetiva. Mas, e essa subjetividade do professor, como opera dentro do ato educativo? Deveríamos nos aventurar nesse terreno? Apesar da delicadeza do tema, não nosfurtaremos ao desafio, pois a pesquisa nesse campo ainda dá seus primeiros passos, como bem nos mostra Filloux. Se estamos [...] adentrando nesse terreno – com o propósito de não formular hipóteses amparadas por um referencial psicológico, pedagógico ou sociológico, mas sim psicanalítico – devemos por conseqüência privilegiar um aspecto inicial; de que a hipótese do inconsciente balize nossas investigações. Portanto, se estamos pensando na subjetividade do professor, devemos delimitar que estamos tratando de algo da ordem do inconsciente do professor no ato pedagógico, no laço social com o aluno, de sua relação com o saber e, claro, das influências que alguns de seus professores exerceram quando este professor em questão ocupava o lugar de aluno. Parece razoável supor que essas influências tenham deixado marcas – algumas que podem ser facilmente notadas, outras nem tanto – pois o processo identificatório é sempre bastante complexo, como as descobertas freudianas já nos demonstraram. Além da identificação, Kupfer aponta para um outro fenômeno de extrema importância, o da transferência, compreendida também a partir das experiências clínicas de Freud no trabalho analítico com seus pacientes. Como se daria essa operação psíquica da transferência no ato educativo? Para essa autora, Freud estava certo ao afirmar que a criança transfere ao professor, de uma maneira singular, algo da relação com os pais, numa reedição bastante peculiar. Porém, e na via inversa? Poderíamos pensar a transferência do professor em relação ao aluno? Essa mudança no vértice da investigação do fenômeno pode abrir um interessante campo de pesquisa para questões que têm interrogado alguns pesquisadores da intersecção entre Psicanálise e Educação. Um exemplo disso nos é trazido por Diniz, que, pensando nas relações do sujeito com a cultura, afirma – e se pergunta – que “de acordo com a Psicanálise, encontramos uma forma para lidar com esses mal-estares, qual seja: a saída pela neurose, aqui nomeada como histeria, que tem como característica fundamental manter o desejo insatisfeito. Por esse viés, talvez possamos entender por que no magistério, em que há um número maciço de mulheres, prevalece o discurso da queixa. A “queixa das professoras poderia ser entendida como constituinte do ser-mulher, dada a condição de seu desejo insatisfeito?” No que essa articulação poderia contribuir ao debate que estamos propondo, pois não se trata de fazer uma leitura viesada da afirmação acima, com um ar insuspeito de discordância e/ou reducionismo, como se a única solução possível fosse então excluir as professoras/histéricas do cotidiano escolar, depois então os professores/obsessivos e assim sucessivamente, pois certamente as escolas ficariam às moscas. Afinal, a Psicanálise tem algo a dizer sobre os laços sociais e, no caso desse laço em particular, do professor e do aluno, não interessa catalogar as estruturas neuróticas de cada professor, mas talvez lançar alguma luz nessa questão, abrindo espaço para problematizações acerca de como cada sujeito, com suas possibilidades subjetivas, pode se autorizar e se responsabilizar pelos frutos de seu discurso e de seu posicionamento frente ao outro, às variáveis do ato pedagógico e do dia-a-dia institucional. É sempre bom lembrar que, afinal, o trabalho a ser desenvolvido nessas instituições escolares é da ordem do coletivo, o que demanda esforços de cada participante para essa viabilização. Então, como pensar nessa questão sem resvalar para uma psicopatologização barata da subjetividade do professor? Esse alerta é fundamental, pois quando nos aventuramos a pensar sobre Mecanismos de defesa 119 algo da cultura, através das descobertas e da grade conceitual da Psicanálise, corremos o risco de caricaturar e estereotipar pessoas e situações. Feito o alerta, abrimos espaço para uma reflexão necessária quando se pensa em Psicanálise e Educação; não estamos falando da aplicabilidade da Psicanálise na Educação, intenção criticada por Cunha, Lajonquière e Souza, pois esses autores pontuam que corremos o risco de atuar a partir de uma perspectiva que atenda aos objetivos de um “pragmatismo pedagógico” [no qual] o que importa é um esperado sucesso da empreitada pedagógica, agora com o auxílio do saber psicanalítico na tarefa de adaptar os desviantes, quer sejam alunos ou professores, e pior ainda, por meio de seus respectivos inconscientes! Sobre essa temática [,] sugerimos uma consulta cuidadosa a um outro trabalho de Leandro de Lajonquière, que cunhou [uma expressão] bastante interessante: o “discurso (psico) pedagógico hegemônico”, que trata justamente dos riscos desse fundamentalismo pedagógico. Kupfer, ainda na questão da transferência, alerta que o professor, investido de poder pelo aluno, justamente por ser colocado num lugar especial em termos psíquicos, deve refletir sobre essa dinâmica e atuar a partir de uma perspectiva que não suprima a singularidade de cada aluno, em outras palavras não ceda à tentação de moldá-lo aos seus ideais e desejos pessoais. E nesse ponto a autora corrobora nossa posição, quando afirma que “o professor também é um sujeito marcado pelo seu próprio desejo inconsciente. Aliás, é exatamente esse desejo que o impulsiona para a função de mestre. Por isso, o jogo todo é muito complicado. Só o desejo do professor justifica que ele esteja ali. Mas, estando ali, ele precisa renunciar a esse desejo”. E renunciamos facilmente ao nosso desejo inconsciente, a possibilidade de obtermos prazer? Não nos parece uma missão tão simples, especialmente quando pensamos nas questões narcísicas que envolvem o sujeito, que depende de um outro (suposto ou real) para afirmar sua existência, trocando em miúdos: o aluno representa para o professor muito mais que um espelho, que pode refletir beleza, sabedoria, (im)potência, além de um sem-número de ilusões que o ser humano aprecia cultivar. O aluno afirma a existência do professor! Alunos sem um professor encarnado podem se tornar, eventualmente, autodidatas, mas e um professor sem alunos, ainda seria um professor? Aceitar ocupar o lugar de mestre proporciona situações, sensações, experiências e ganhos que nos possibilitam entender as razões pelas quais os professores raramente mudam de profissão, mesmo que massacrados pelas condições atuais do exercício desse ofício. Batista nos ajuda nessa inquietação, quando afirma que, “apesar da supressão dos castigos físicos na escola e os tão propalados direitos da criança, há a imagem inconsciente do professor como torturador, carcereiro, verdugo, daquele que tem poder sobre seres fragilizados por sua faixa etária ou por sua ignorância. Perante a escassez estrutural de nossas escolas, o professor não consegue ir muito além de um guardador de crianças”. Mas, mesmo assim, não faltam professores! Ora, então chegamos a um ponto crucial; aquele que deseja ocupar o lugar de professor deve, então, admitir a possibilidade de que isso implica uma relação pautada pela ética – e aqui a Psicanálise tem muito a oferecer – com o outro, não apenas com ganhos e satisfações narcísicas, como nos conto de fadas, [em que] os laços se caracterizam pela ilusão dos pares sempre “viverem felizes para sempre”. Não! Viver em grupo requer um certo quantum de esforço, e os eventuais descompassos, desconfortos, desprazeres e frustrações deveriam ser encarados como vicissitudes – palavra tão cara aos psicanalistas – e não como distúrbios, transtornos ou similares. Psicologia do Desenvolvimento 120 Sob essa óptica, afirmamos e evidenciamos que a subjetividade do sujeito que ocupa o lugar de professor deveria ser cuidadosamente considerada nos planos de formação de professores, nas investigações sobre as demandas das escolas quando das polêmicas queixas escolares e em outros momentos específicos. Lisondo reitera que “a função do educador é fundamental para construir a subjetividade humana. Ele precisa ser um sujeito pensante com uma identidade estruturadapara poder alfabetizar emocionalmente aos bebês e crianças pequenas, para ser um modelo de identificação para os adolescentes e jovens”. Estamos falando claramente da responsabilidade do professor frente à subjetividade de seus alunos[.] Villani lista algumas sugestões para a reflexão do professor que se interroga, e aqui destacamos uma delas: “Finalmente uma última recomendação, a mais evidente, mas mesmo assim não fácil de ser posta em prática, consiste em não resistir ao afastamento dos alunos, ou seja, em não boicotar as tentativas, mesmo que grosseiras, de os alunos produzirem algo de próprio. Se quisermos resumir isso num mote para o professor, podemos dizer: não faça chantagem, não use o poder que lhe advém de sua função (e da transferência) para manter os alunos presos a sua pessoa ou a seu saber.” E, mais ainda, propomos um novo ângulo de investigação para uma velha questão, esmiuçada visceralmente na pena de Patto. Sabe-se que o fracasso escolar de um grande número de alunos de escolas públicas deve-se a mecanismos institucionais, relações de poder assimétricas, além de um olhar muitas vezes implacável sobre a clientela, esperando pouco e, não raro, com ares de discriminação. Pois bem, estamos falando de um problema social, além de todo o aspecto político-ideológico que permeia essa problemática, mas como se imbricaria a subjetividade de cada sujeito/professor nessa questão, pois é preciso apostar na responsabilidade individual de cada professor, inclusive considerando-o como um possível agente de mudança frente ao cenário comumente encontrado nas escolas públicas. Por fim, além dessas reflexões, oferecemos aqui uma questão para os interessados nesse tema: como podemos pensar sobre a subjetividade do professor, ou ainda tocá-lo nesse aspecto, sem resvalar para um trabalho clínico mal situado e fora de propósito? Talvez a resposta a essa questão esteja além de teorizações confortáveis frente ao computador, mas em oposição a isso, nos envolvermos cada vez mais com professores, entrar nas escolas, aprofundar as pesquisas na idéia de Kupfer sobre o “trabalho psicanaliticamente orientado”, que aposta na possibilidade de oferecer ao “sujeito” que habita o professor um canal e uma certa “escuta”. Freud abriu inúmeras portas para os futuros pesquisadores, e se nos vemos como tais, qual posição tomar frente a essa porta, ainda entreaberta e desafiadora. Recuar? 1. Analise com seu grupo de aula que mecanismos de defesa vocês apresentam com maior incidência e por quê. Mecanismos de defesa 121 2. Analise a frase “para Freud, a educação deveria ser fonte de prazer, de satisfação, e não de castração ou recalque”. Como seria possível fazer isso nos dias de hoje e no que a Psicanálise pode contribuir? 3. Qual a principal característica da sublimação? a) Dessexualização. b) Anulação. c) Objetividade. d) Reação. 4. Como se caracteriza o mecanismo de defesa da racionalização? a) Subjetivismo. b) Objetividade. c) Negação. d) Regressão. FADIMAN, James; FRAGER, Robert. Teorias da Personalidade. São Paulo: Habra, 1986. Indicação de filme: Mulher Solteira Procura (EUA, 1992), com direção de Barbet Schroeder. Uma mulher briga com o namorado e procura pessoas para dividir as despesas e o apartamento. Ela aceita uma inquilina que lhe dá muito trabalho e coloca a vida de todos em risco. O filme mostra o mecanismo de defesa de projeção que a inquilina (que possui um quadro de neurose grave) apresenta para resolver seus problemas. Psicologia do Desenvolvimento 122 Erik Erikson: o desenvolvimento psicossocial E rik Erikson (1902-1989) nasceu em Frankfurt, na Alemanha, em uma família judia. Seu pai era desconhecido e ele recebeu o nome de seu padrasto, mas cedo saiu pelo mundo, em busca de sua identidade. Fez seus estudos na Sociedade Psicanalítica de Viena, na Áustria, sendo analisado por Anna Freud, filha de Sigmund Freud. Erikson estudou principalmente Antropologia, atuou junto a tribos indígenas e se tornou um notável professor de Desenvolvimento Humano na Universidade de Harvard, postulando que é muito importante dispor de uma teoria do desenvolvimento humano que busque aproximar os fenômenos, descobrindo desde onde e até aonde eles se desenvolvem. Suas idéias sobre o desenvolvimento humano e o desenvolvimento da identidade em etapas constituem um aporte de essencial valor. De acordo com Schultz (1992), os conceitos de crise de identidade defendidos por Erickson foram provenientes do desconhecimento do seu pai biológico e dos preconceitos que sofreu na vida pelo fato de ser judeu. O tema central do desenvolvimento da personalidade proposto por Erikson é a busca da identidade do ego. Ele dividiu o desenvolvimento humano em oito estágios que apresentam crises e conflitos para serem superados. Erikson ficou conhecido como criador de novos conceitos – como o ciclo da vida, a identidade e a crise da identidade – que têm facilitado a compreensão da psique humana e de sua relação com a sociedade e a cultura. Seu enfoque das múltiplas inf luências supera o reducionismo das teses clássicas da Psicanálise freudiana sem rechaçar seus pressupostos teóricos básicos. Além disso, Erikson proporcionou um insuperável aporte para a compreensão das etapas infantis do desenvolvimento e dos aspectos psicossociais envolvidos nessa relatividade que define as identidades individual e social. Sua proposta é basicamente uma teoria da Psicologia do eu, diferentemente de Freud, que se centrou no inconsciente e no ego. Erikson atribui uma grande importância ao eu e a seu poder dentro da dinâmica da personalidade. Parte desse eu é capaz tanto de operar independentemente do ego e do superego como de promover a saúde mental. Fatores psicossociais estão presentes e exercem um papel importante no desenvolvimento humano. Freud considerava que os traumas da vida adulta têm origem na infância. Erikson defendia a idéia de que em determinados momentos da vida a pessoa pode apresentar crises que podem ser superadas em outros estágios. Ao analisar a teoria de Erikson, Schultz (1992, p. 382) afirma que: Erikson acreditava que podemos influenciar e dirigir conscientemente nosso desenvolvimento em cada estágio. Isso contrasta com a concepção freudiana de que somos produto das experiências infantis e incapazes de mudar mais tarde. Embora reconhecesse que as influências infantis são importantes e podem ser até traumáticas, Erikson afirmava que os eventos de estágios ulteriores podem se contrapor às experiências infantis negativas e superá-las, contribuindo para a nossa meta última: o estabelecimento de uma identidade de ego positiva. Para Erikson, nas mais diversas culturas – tanto ocidentais como orientais – existe um ciclo de desenvolvimento comum. Os desajustes na personalidade humana estão relacionados aos eventos sociais de cada fase do desenvolvimento. Psicologia do Desenvolvimento 124 Formação da personalidade Em todos os momentos, a existência de um ser humano depende de três processos de organização que devem se complementar, independentemente da ordem em que se apresentam: o processo biológico da organização hierárquica dos sistemas de órgãos que constituem o corpo (soma); processo psíquico, que organiza a experiência individual por meio da síntese do ego (psique); o processo comunal da organização cultural da interdependência das pessoas (etos). A identidade, segundo Erikson, é um sentir-se vivo e ativo, é ser um mesmo, é a tensão ativa, confiante e vigorosa de sustentar a si mesmo. A identidade é uma afirmação que manifesta a identidade pessoal e cultural. Esses dois níveis, pessoal e cultural, interagem durante o desenvolvimento e se integram para alcançar uma unidade quando se atinge o desenvolvimento biológico. Expondo essa concepção, esse autor escreveu várias obras sobre o desenvolvimento psicossocial de um ponto de vista evolutivo, conjugando as forças biológicas e psicológicas em um processo que está imbricado tanto nonúcleo do indivíduo quanto no núcleo de sua cultura. Em uma personalidade sadia, a gênese da identidade é apresentada de modo gradual por meio de etapas complexas que levam a uma crescente diferenciação e a uma plenitude da pessoa, obedecendo a um plano fundamental ordenado pelo aparecimento de partes da personalidade, as quais surgem em momentos oportunos (ritualizações que orientam a adaptação humana) até que se forme um conjunto integrado e em funcionamento. Na realidade, todo interjogo do psicológico com o social, referente ao desenvolvimento individual e ao histórico, e para o qual a formação da identidade tem uma significação primordial, poderia ser conceituado como uma categoria de relatividade psicossocial. Isso pode ser definido como uma realidade que não somente nos rodeia, mas também está dentro de nós. Crise psicossocial Erikson concebeu o desenvolvimento da personalidade considerando as atitudes psicossociais originadas na resolução de conflitos básicos de cada fase: cada sujeito, dentro de seu processo de configuração da identidade, passará por crises para a efetivação de escolhas dentro do mundo e, com essas escolhas, definirá sua identidade como pessoa, como ser ideológico, como profissional. Cada uma dessas crises implicará trazer à tona os prós e os contras que caracterizam qualquer opção, bem como atualizará a energia, a vitalidade e a coragem necessárias para enfrentar a conquista dos objetivos que foram definidos. Erik Erikson: o desenvolvimento psicossocial 125 Por conseqüência, essas crises irão gerar impactos sobre os lugares com os quais o sujeito interage, produzindo o que Erikson chama de síndrome da ambivalência dual, ou seja, cada conf lito será vivido a dois. É pela superação desses conf litos que o sujeito avançará na construção de sua identidade, permitindo que seu ambiente social e cultural aprenda a respeitar e a ser respeitado. Sendo assim, cada crise psicossocial estabelece um “sentido de” ou “um sentimento de” como uma aquisição interior firme, que marca uma etapa ou aquisição ou seu reverso patológico. Abrigamos em nós um sentimento consciente: a confiança, a autonomia etc. Desenvolvimento contínuo Erikson partiu das fases da evolução da libido de Freud e as socializou, fazendo cada uma delas corresponder a uma aquisição que o indivíduo deve realizar em sua interação com o mundo. A essas aquisições ele chamou ciclo vital. Ele viu na adolescência o momento crítico de integração das etapas anteriores (permanecendo a idéia de Freud de que os momentos infantis estão ligados à sexualidade ou a organizações afetivas parciais), mas procurou demonstrar que esse momento, que fornece a primeira concepção correta de unidade de personalidade e capacidade de percepção correta do mundo e dela própria, remete o indivíduo a outras etapas de integração individual e nas relações sociais. O desenvolvimento do indivíduo vai se construindo continuamente na medida em que esse indivíduo enfrenta suas crises psicossociais e vai reelaborando sua personalidade, criando uma nova personalidade que é produto da sua intersecção com o mundo. Estágios psicossociais FrEUd EriKSoN (R A PP A PO RT , 2 00 3)Etapa Modalidade Crise psicossocial Fase oral Oral-sensorial confiança básica X desconfiança Fase anal Locomotora-genital autonomia X vergonha e dúvida Fase fálica Locomotora-genital iniciativa X culpa Período de latência Latência indústria X inferioridade Fase genital Adolescência identidade X confusão de papéis Idade adulta jovem intimidade X isolamento Maturidade integridade do ego X desesperança Psicologia do Desenvolvimento 126 Na etapa oral-sensorial, a modalidade básica de comportamento é a incorporação, ou seja, a tomada de posse da atenção e da experiência do outro. A atitude psicossocial básica a aprender é saber se é possível confiar no mundo (representado pela figura materna). As mães ensinam a confiança de maneira diferente, fornecendo uma visão cultural do universo. A correspondência entre as necessidades e a satisfação obtida é baseada na confiança. Porém, aprender a desconfiar também é importante: é necessário saber diferenciar as situações sociais em que é possível ou não é possível confiar, pois a desconfiança é uma forma de prontidão para o perigo. O desafio das relações está vinculado a se fornecer uma dose adequada de desconfiança e de confiança, preparando o indivíduo para as relações sociais por meio de doses de frustrações e de satisfação: pouca frustração – imagem distorcida, configuração falsa do mundo, otimismo exagerado e pouco preparo para enfrentar o futuro; muita frustração – excesso de desconfiança, inibição e perda de oportunidades de desenvolvimento da personalidade e da auto-estima. Segundo Lindahl (1988), a perspectiva psicológica de Erikson considera que existem oito idades do homem. A primeira idade é a da etapa oral-sensorial do primeiro ano de vida. Neste período, o bebê pequeno apresenta um conflito entre a confiança básica e a desconfiança. Ou seja, nos primeiros contatos sociais, a criança tem uma expectativa de que os cuidados que recebe se repitam de forma linear e rotineira, como acontecia no útero materno. Se eles forem inconsistentes, sem continuidade, negativos ou inadequados, a criança passará a sentir o mundo com medo e suspeita. Também existe o comportamento ambíguo: se em um determinado momento a criança é amada por quem a cuida e é maltratada em outro momento, as pessoas em sua volta não vão ser confiáveis. A criança não vai se sentir amorável e seus futuros relacionamentos vão estar repletos de inseguranças, rejeição e medo. Ela poderá se transformar em uma pessoa desconfiada e revoltada, centrada na satisfação das próprias necessidades e desesperançada quanto a sua participação social. De acordo com Lindahl (1988), a segunda idade corresponde ao período de dois a três anos de idade, também considerado a fase locomotora-genital. Nesta fase, a criança começa a querer ser independente. Ela passa a ter consciência do seu “eu” como alguém separado das coisas e pessoas e quer fazer suas escolhas, quer se auto-afirmar. É a fase da birra, da desobediência, do querer ficar acordada até cair de cansaço, morder os outros etc. É a necessidade de afirmação de sua autonomia. Os pais e educadores precisam promover essa autonomia, mas reconhecendo os limites das crianças. Nesse sentido, há a necessidade de controle externo pelo adulto, mas ele não deve realizar esse controle de forma altamente repressiva ou com comportamentos de superproteção, para não gerar sentimentos de vergonha e dúvida nas crianças. Quando são expostas ao ridículo ou à vergonha por não saberem se controlar nem tomar decisões, elas podem ter dúvidas sobre suas capacidades de se autodirigirem e se tornam inseguras. Erik Erikson: o desenvolvimento psicossocial 127 Em um primeiro momento, a fase locomotora-genital já define que pelo controle muscular o indivíduo passa a exercer maior domínio sobre o ambiente e desenvolve a capacidade de realizar o que quer. O desenvolvimento social depende da resolução do conflito entre autonomia e vergonha. A criança que aprendeu a confiar na mãe, no mundo e em si, tem que testar a confiança e coloca a sua vontade contra a vontade dos outros. Assim, ela passa a confrontar suas possibilidades e seus fracassos com as possibilidades e os fracassos dos demais. A boa adaptação psicossocial depende de uma certa dose de vergonha ou dúvida, porém é necessária uma prevalência da autonomia. Ensinar a desenvolver as proporções adequadas de autonomia e vergonha ou dúvida em função da cultura, antepondo obstáculos e valores culturais às manifestações de independência, é o grande desafio: dúvida exagerada – inibição, inadaptação; ausência de vergonha ou dúvida – a autonomia é ineficaz pela rejeição social que provoca. O segundo momento da fase locomotora-genital, a idade de brincar, é caracterizado por um comportamento repletode fantasias de invasão de espaços e exploração do desconhecido. O desenvolvimento da personalidade envolve um equilíbrio entre a iniciativa, a busca de objetos de satisfação e a culpa, que é conseqüência de sentimentos de onipotência, rivalidade, competição e ciúmes que acompanham o desejo de obter a qualquer custo os fins procurados. A conduta social básica é tirar vantagem, querer ser grande e identificar-se com pessoas respeitadas e valorizadas. O medo de retribuição das fantasias onipotentes cria formas de controlar as iniciativas. Para tal momento, devem ser estimuladas iniciativas que não impliquem prejuízos ao próprio indivíduo ou aos demais. Conforme afirma Lindahl (1988), a faixa etária de quatro a cinco anos é considerada a terceira idade, do senso de iniciativa versus culpa, e corresponde à fase fálica. Os desafios e protestos cedem lugar à necessidade de planejar e realizar tarefas por si mesmo. A criança que resolveu bem a fase anterior se torna mais amorosa, menos agressiva, mais calma e segura de si. Ela já tem algumas habilidades que permitem resolver sozinha alguns problemas. Nesta fase, ela compete com os irmãos e colegas da escola para ser o primeiro e resolver o que lhe é proposto. É a fase dos porquês. Ela tem muita vontade de aprender e tem iniciativas. Quer ser gente grande. Todavia, um conflito básico se instala: se quer ter livre iniciativa, ela deve se submeter às regras sociais para ser aceita. Cabe aos pais e educadores encorajarem as crianças a resolverem os seus problemas no cotidiano, fazendo com que assumam pequenas responsabilidades. Limites firmes e bem estabelecidos também devem ser expressos para o que é aceitável e não-aceitável. Esses limites podem ajudar a criança a se controlar e evitar sentimentos de culpa quando quebra regras sociais em iniciativas indesejáveis. É importante que a criança seja estimulada a falar e que não seja ridicularizada para não gerar sentimentos de culpa. Os contatos com as crianças devem se centrar em aspectos positivos e valorizar o que as crianças sabem fazer, e não os seus fracassos. Condições desfavoráveis ocorrem quando a criança é tratada como se fosse indesejável. Ela pode passar a se controlar para evitar o sentimento de culpa, pois se sente culpada Psicologia do Desenvolvimento 128 quando não é capaz de satisfazer as expectativas dos adultos e nem de controlar os chamados “comportamentos indesejáveis”. A percepção de ser indesejável também pode provocar sentimentos de agressão e vingança que assustam a própria criança e fazem com que ela se sinta mais culpada. Com o tempo, quando descobre que seus companheiros também cometem erros, ela pode vir a ter ressentimento dos amigos, passando a ter comportamentos autoritários, moralistas e intolerantes. A chamada fase de latência está marcada por interesses dirigidos para as relações interpessoais fora do lar: começa a tarefa de ajustar outras pessoas, manejando os impulsos eróticos e agressivos. O indivíduo necessita pertencer a um grupo de iguais, ser aceito, sentir-se responsável, ser capaz de realizar feitos que recebam a aprovação de seu grupo e confiram status. Nesse período, aprende-se a ser líder, auxiliar na liderança, ser seguidor, rebelde ou alienado. Nesse momento, o conflito psicossocial se dá entre a produtividade do indivíduo e a inferioridade frente aos outros. Os pais e orientadores devem ter capacidade de orientação e aprovação, pois assim podem contribuir para a construção de uma personalidade mais produtiva. A criança deve ser estimulada a desenvolver coisas que gosta e tarefas pelas quais demonstre interesse, deve ter tempo livre para brincar, deve ter oportunidades de experimentar e aprender diversas formas de participação social, estar em contato com diversas profissões, compreender que não pode esperar tudo de sua família e desenvolver habilidades para se ajustar às normas do mundo instrumental. Para Lindhal (1988), a fase de latência compreende a faixa etária de seis a sete anos e configura a quarta idade. É caracterizada pelo senso de realização versus senso de inferioridade. Nesses anos, em quase todas as culturas, as crianças ingressam na escola básica. É um ritual de passagem para a criança. É a fase em que a criança quer ganhar um reconhecimento social por meio de sua capacidade de se preparar para o mundo adulto (escrita). A criança quer se tornar competente nas habilidades que a sua cultura determina para esta fase. Na cultura brasileira, essa etapa é muito importante, pois se espera que a criança ingresse na escola e tenha sucesso. A escola é um fator essencial para ela ser bem-sucedida. A criança deve ganhar reconhecimento por sua competência e sua capacidade de ler e aprender. Para crianças que cresceram em culturas conflitantes com a escolar, nesta fase pode surgir o sentimento de inferioridade, muitas vezes imposto pelos professores. As crianças precisam ter reconhecimento nas atividades que conseguem fazer. O sucesso escolar é muito importante nesta fase. Outro aspecto que muitas vezes é desenvolvido em algumas escolas é o sentimento de inferioridade da criança quando seus esforços não são valorizados e apreciados pelos colegas e professores. Maus hábitos e sentimentos de inutilidade começam a cercar a criança, que pode passar a fazer as tarefas pela metade, não cumprindo o que é proposto, passando a não acreditar em si mesma. Para Erikson, a chegada da adolescência traz as maiores crises de identidade para o desenvolvimento do indivíduo e nela o confronto entre o mundo interno e o mundo externo dá margem a situações em que as crises poderiam levar o sujeito a desenvolver transtornos. Nesta fase, ocorre a integração da personalidade, cristalizando uma identidade pessoal, pois existe a necessidade Erik Erikson: o desenvolvimento psicossocial 129 de ser reconhecido como adulto e o desejo de permanecer criança. Para integrar o mundo dos adultos, o adolescente precisa solucionar o problema vocacional, buscando um fazer social; precisa emancipar-se de sua família, trazendo para si as responsabilidades individuais; precisa desenvolver relações satisfatórias com o sexo oposto; e precisa conquistar a sua própria identidade. Nesse momento, vive- se o conflito psicossocial de estar independente ou dependente dos outros, ou seja, assumir o seu papel de indivíduo ou aceitar os papéis colocados pelos demais. Associado a isto, o desenvolvimento corporal e sensorial leva o sujeito a ter sua auto-estima afetada, aumentando os conflitos para assumir sua posição social ou aceitar a pressão social que lhe indique o que deve ser. Isso faz com o adolescente se sinta irritadiço, nervoso ou mal-humorado, mostrando de maneira sempre imprevisível as suas manifestações emocionais. O papel dos outros na relação com o adolescente é o de paciência e compreensão, abrindo para discussões e despindo-se de preconceitos para horizontalizar o diálogo com ele. De acordo com Lindhal (1988), a entrada na adolescência, o período de 12 a 18 anos, corresponde à quinta idade, a fase genital. As crianças passam por uma transformação social, biológica e psicológica (puberdade). Elas são marcadas por transformações externas e internas. O crescimento físico das crianças leva os adultos a tratá-las como diferentes. Como a criança também passa por um crescimento cognitivo significativo, nesta fase ela começa a questionar os adultos. O adolescente faz muitas comparações entre a imagem que tem de si mesmo e a imagem que os colegas constroem para ele e também questiona sobre quem ele é e seus desejos. É a fase da identidade do ego. O meio familiar influencia decisivamente na formação do adolescente e também nos conflitos desta fase. Os adolescentes que freqüentam as escolas de elite convivem com o academicismo (vestibular) e os adolescentes que freqüentam as escolas de classes populares são pouco trabalhados para uma preparação para o Ensino Superior. Muitas vezes, os jovens dasclasses populares são forçados a trabalhar desde cedo. Os jovens da elite, ora são poupados da vida adulta e ora são inseridos nesse mundo (comandam empregados, manuseiam grandes quantidades de dinheiro, usam carros sem autorização legal, cometem infrações...). Nesse ambiente de contradições, a criança e o adolescente constroem as suas identidades. Se forem bem-sucedidos, trabalharão bem sua identidade, mas, se fracassarem, apresentarão confusão de papéis. Os adolescentes tentam assumir papéis de adultos. O educador pode auxiliar na formação do ego desse adolescente evitando rotular a sua personalidade quando ele tem atitudes inadequadas. O educador precisa discutir as conseqüências com o adolescente para que esse adolescente tenha um desenvolvimento sadio. A sexta idade corresponde ao período de 18 a 30 anos, fase da idade adulta. Caracteriza-se pela intimidade versus o senso de isolamento. De acordo com Barros (1993), nesse período o jovem já tem sua identidade formada e busca fundir a sua identidade com os outros. Está preparado para a intimidade e começa a pensar em relações mais duradouras com seu parceiro. Temendo perder sua identidade em relações amorosas, o jovem pode distanciar-se e isolar-se. Psicologia do Desenvolvimento 130 A sétima idade corresponde à faixa etária de 30 a 60 anos. Erikson considera que esta é a etapa da geratividade versus o senso de estagnação. É a idade em que os adultos precisam sentir que são úteis para a sociedade. Quando isso não ocorre, eles têm um sentimento de infecundidade e estagnação. A oitava idade caracteriza-se como acima dos 60 anos. Nessa fase, predomina o senso de integridade versus o senso de desespero. É a fase da idade adulta ou velhice. O adulto quer que suas crises anteriores sejam resolvidas. Neste período, quando as pessoas não se sentem integradas, têm sentimentos de angústia e desespero. Elas temem a morte e o abandono. Mas, se têm um histórico de integridade e se sentem aceitos, são felizes. O trabalho de formação da identidade não termina na adolescência. O sucesso na juventude gera o sentimento de vinculação, já o fracasso leva ao isolamento emocional. Uma vida bem resolvida nas fases anteriores leva o indivíduo a um processo de paternidade e maternidade responsáveis e ao trabalho criador. Já o fracasso leva o indivíduo a se voltar para si mesmo, separando-se da comunidade, e vem o desespero de que o tempo já passou. Para Erikson, a identidade depende de uma constante reorganização durante o processo de desenvolvimento. A formação da identidade está associada a identificações passadas que são selecionadas, sintetizadas e integradas pelo ego, resultando em uma posição psicossocial diferenciada. Para ser coerente no seu funcionamento e ter um sentido de unidade, a personalidade precisa descartar as identificações inconsistentes com o padrão de identidade. A conquista da identidade depende também do reconhecimento pelos outros, o que ajuda a encontrar um lugar seguro na sociedade. Ela é a capacidade do indivíduo para se colocar em oposição e conseguir o reconhecimento dessa oposição pelos outros. A integração da personalidade permite fazer valer sua identidade na participação efetiva na vida comunitária. 1. Discuta com os seus colegas o que devemos entender sobre o comportamento do adolescente moderno: uma crise psicológica determinada biologicamente ou um confronto entre conceitos sociais e individuais? Erik Erikson: o desenvolvimento psicossocial 131 2. Discuta com seu grupo as diferenças entre os enfoques psicanalíticos de Erik Erikson e de Sigmund Freud. 3. Para Erikson, a fase da confiança básica versus desconfiança corresponde a qual fase no estágio psicossocial? a) Fálica. b) Anal. c) Oral. d) Latência. 4. A fase correspondente à integridade versus a desesperança corresponde a qual fase no estágio psicossocial? a) Anal. b) Oral. c) Adolescência. d) Maturidade. LINDAHL, Neuza Zapponi. Personalidade humana e cultura: aplicações educacionais da teoria de Erik Erikson. revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, 69 (163): 492-509, set./dez. 1988. Indicação de filme: Abril Despedaçado (Brasil-Suíça-França/2001), com direção de Walter Salles. A vida de duas famílias rivais que, no interior do Nordeste, matam seus vizinhos por várias gerações. A história transcorre no Brasil de 1910. Nesse período, Tonho, um jovem de 20 anos, passa a receber apoio do pai para se vingar da morte de seu irmão mais velho, assassinado pela família rival. O filme apresenta a aridez nordestina e a subserviência e a hierarquia existentes entre pais e filhos. O pai é extremamente severo e rígido com os filhos, o que os faz se sentirem inferiores. Diante disso, os irmãos Tonho e Pacu, de sete anos, são muito amigos e unidos. Eles sempre falam e agem com seu pai com respeito e medo. É possível perceber o que o sentimento de desprezo do pai provocava nos filhos. Psicologia do Desenvolvimento 132 Outro aspecto interessante é o encantamento de Pacu ao receber um livro de uma circense. A leitura é sua fuga diante de um mundo cruel. Ele adora ver as imagens do livro, pois nunca havia ido à escola. O final é trágico, mas mostra como o universo humano é repleto de diferentes personalidades, assim como das implicações dessas pessoas na vida dos indivíduos. O filme é muito bonito e gera muitas reflexões sobre a identidade e a existência humana. A Psicologia Cognitiva: o processamento da informação O surgimento da Psicologia Cognitiva ocorreu em função das diferentes visões da ciência ao longo do século XX, visto que a coleta de dados objetivos e o seu estudo sistemático ainda era uma questão recorrente. A perspectiva behaviorista, que estuda os fenômenos comportamentais do ser, tentava fazer com que a Psicologia se enquadrasse nessa concepção de ciência, o que não foi bem-sucedido por causa das características complexas da mente humana. Assim, a Psicologia Cognitiva surgiu como um reconhecimento de que o estudo científico é bem mais complexo que o proposto e que a abordagem da mente humana requer um estudo muito mais complexo do que o então realizado. Para Schultz, durante décadas as produções e livros sobre Psicologia na vertente behaviorista não discutiam o papel da consciência na mente humana. Segundo o autor, “tinha-se a impressão de que a Psicologia ‘perdera a consciência’ para sempre.” (1992, p. 401). O behaviorismo se preocupava com o estudo do comportamento. Os mais recentes estudos de Psicologia (entre eles, os da Psicologia Cognitiva) preocupam-se não somente com o comportamento mas também com os processos mentais que formam a consciência. O surgimento dos computadores acabou por impulsionar os estudos da Psicologia Cognitiva na medida em que ofertou algumas semelhanças entre o funcionamento de um computador e o da mente humana. Atualmente, muitos esforços têm sido realizados para explorar essa metáfora do computador de uma forma mais complexa. De acordo com Schultz (1992), a analogia entre o computador e a mente humana feita pela Psicologia Cognitiva é uma maneira para explicar os fenômenos cognitivos. São analisados alguns elementos comuns no que diz respeito aos modos de operacionalização do computador e da inteligência humana: a capacidade de armazenamento de memória, a quantidade, o processamento e a manipulação de informações, a estruturação de linguagens e símbolos. Oliveira (2001) apresenta uma interessante discussão sobre as críticas que, na atualidade, são feitas à Psicologia Cognitiva, considerada como um processo de robotização do homem. O autor argumenta que a tecnologia tem levado o homem a se computadorizar e modificar seu comportamento em função das transformações sociais e tecnológicas. Dessa maneira, a Psicologia Cognitiva não compara os homens com as máquinas, mas procura analisar a maneira como o comportamento humano é modificado a partir das suas interações com as máquinas. Com o abandono do paradigma behavioristapela Psicologia Cognitiva, ela pôde buscar uma abordagem própria e significativamente diferente das que estavam sendo veiculadas: os psicólogos cognitivos abraçaram o arcabouço do processamento da informação, que diferia bastante do que Psicologia do Desenvolvimento 134 era proposto. Esse arcabouço forneceu uma gama de idéias que ajudariam significativamente na construção das teorias sobre a cognição humana. Eysenck e Kaene (1996, p. 14) apresentam as suas características básicas: as pessoas são consideradas seres autônomos e intencionais que interagem com o mundo externo; a mente por meio da qual elas interagem com o mundo é um sistema de processamento de símbolos que, por fim, terão relação com o mundo externo; a meta da pesquisa psicológica é a de especificar os processos simbólicos e as representações subjacentes ao desempenho de todas as tarefas cognitivas; os processos cognitivos levam tempo e, sendo assim, as suposições sobre os tempos das reações podem ser feitas ao se presumir que certos processos ocorrem em seqüência e/ou possuem alguma complexidade identificável; a mente é um processador de capacidade limitada e suas limitações são tanto estruturais como de recursos; o sistema simbólico depende de um substrato neurológico, mas não está inteiramente limitado a ele. A Psicologia Cognitiva avança em seus pressupostos ao tomar o sujeito como um sujeito/indivíduo, isto é, o sujeito possui uma faculdade mental independente, sendo constituído de uma intencionalidade que marca a autonomia de cada um. Esse avanço rompe com as colocações marcadas pelo behaviorismo sobre a mente humana e o papel do meio sobre ela. Da mesma forma, tomar como pressuposto que a mente assume um papel de interação com os sistemas simbólicos sociais também leva a um novo ponto de abordagem, pois o princípio inatista que ela poderia estar assumindo passa a ter uma conotação interacional ao se admitir que a mente interage com os símbolos culturais. Outro aspecto importante está relacionado com os processos subjacentes ao desempenho cognitivo, isto é, a Psicologia Cognitiva procura analisar de forma científica cada processo informacional presente nas tarefas que executamos de modo autônomo. Ao se admitir que cada tarefa cognitiva se desenvolve em tempo próprio, é reforçada a postura de que as tarefas são construídas e aumentam em grau de dificuldade a cada momento de execução. A Psicologia Cognitiva também tem sido utilizada na educação. Boruchovitch (1999) analisou criticamente, na perspectiva da Psicologia Cognitiva e da teoria do processo de informação, a relação entre as estratégias de aprendizagem e o desempenho escolar dos alunos. O que a autora verificou foi que os professores tanto podem ajudar os alunos na realização das tarefas em sala de aula, para se obter melhor desempenho, como podem levar esses alunos a refletirem sobre o processo de aprendizagem. Para os alunos, também se faz necessário o ensino de estratégias para que eles possam aprender. Dessa maneira, A Psicologia Cognitiva: o processamento da informação 135 os estudos de Psicologia Cognitiva têm se voltado para a identificação de estratégias de aprendizagem espontâneas utilizadas pelos alunos ou como conseqüência de treinamentos sistemáticos, a compreensão dos processos cognitivos utilizados por alunos bem-sucedidos e a análise de fatores que impedem os alunos de se envolverem com estratégias de aprendizagem. Para a Psicologia Cognitiva e a teoria da informação, a aquisição do conhecimento na escola está voltada para que os alunos pensem além dos fatos que lhes são apresentados, ou seja, que eles pensem sobre como estruturam o seu pensamento. Boruchovitch (1999) denomina esse conceito de metacognição. Nesse sentido, os alunos precisam conhecer e observar como pensam, planejam, monitoram os seus processos de aprendizagem e elaboram estratégias para aprender. Finalmente, o paradigma do processamento da informação assume para si a dependência dos processos mentais do substrato neurológico, ou seja, do cérebro, mas relata com clareza que esse substrato é apenas parte desse todo chamado mente humana, mesmo com as limitações no processamento das informações mentais. Linhas de pesquisa em processamento da informação Esse novo arcabouço científico alargou o horizonte de estudo das ciências cognitivas, assumindo um papel mais amplo e diversificado no entendimento daquilo que podemos chamar de função mental, e assim a Psicologia Cognitiva desenvolveu uma diversidade de estudos e fez surgir diferentes tipos de pesquisadores que, embora fiéis ao arcabouço teórico, buscaram diferentes procedimentos de estudo para atender a uma diversificada gama de análises do comportamento humano. Desse modo, surgiram três grandes agrupamentos de pesquisadores. O primeiro grupo é o dos psicólogos cognitivos experimentais, que, fundamentados na tradição experimental da Psicologia Cognitiva da criação de situações experimentais, científicas e controladas, investigam os processos subjacentes mediante observação e controle das variáveis estudadas, mas não realizam nenhuma modelagem computadorizada. O segundo grupo, o dos cientistas cognitivos, constrói modelos computacionais e levam a sério a correlação metafórica entre o processamento da informação computacional e os modelos mentais realizados nas tarefas cognitivas. Seus estudos são muitas vezes divulgados usando a expressão inteligência artificial ou inteligência virtual: os modelos mentais são colocados em computadores que, com alto poder de processamento, simulam e replicam as situações cognitivas. Em decorrência do estudo desses modelos hipotéticos, em que o fluxo de informações percorridas pelo cérebro é mapeado e são criados esquemas arquitetônicos para as informações distribuídas nesse fluxo, os estudiosos podem determinar o início e o fim de uma tarefa cognitiva. No modelo abaixo, temos um exemplo do esquema de linguagem, da palavra ouvida para a fala (EYSENCK; KAENE, 1996, p. 296). Psicologia do Desenvolvimento 136 Palavra ouvida Fala Rota 3 Rota 2 Rota 1 Rota 1 Sistema de análise auditivo (extrai fonemas ou outros sons) Léxico de input auditivo (reconhece palavras familiares faladas) Sistema semântico (contém o significado das palavras) Nível do fonema (fornece sons da fala distintos) Léxico de output da fala (armazena formas articuladas das palavras) Os neuropsicólogos cognitivos constituem o terceiro grupo de cientistas cognitivos e também utilizam o arcabouço teórico do processamento da informação. Argumentam que as investigações de pessoas portadoras de déficit cognitivo apresentam características únicas para o entendimento das funções mentais das pessoas “normais”. Esse procedimento tem permeado uma considerável gama de construções teóricas, visto que, se um cérebro funcional é acometido de uma afecção, os estudos resultantes da imagem cerebral das baterias cognitivas de estudo podem descrever os padrões alterados e fornecer o mapeamento cognitivo da função mental perdida mediante a comparação de dados. Assim, o estudo das funções mentais deve partir de algumas suposições: a primeira é a de que os sujeitos estudados podem ser classificados a partir de síndromes, que são um conjunto estável de sinais e sintomas neurológicos que possuem características intercorrentes de manifestação; a segunda suposição é a de que o sistema cognitivo é modular, ou seja, ele exibe a modularidade, que representa uma diversidade de módulos mentais ou processadores cognitivos de relativa independência, isto é, que mantenham uma atividade própria. Assim, a lesão cerebral produziria dano em um desses módulos, permitindo o estudo da sua influência na função cognitiva e a relação dela com outras funções ou outros módulos; o terceiro aspecto privilegiado é conhecido como isomorfismo, denotando um relacionamento significativo entre a organização do cérebro físico e a organização da mente.Para a Psicologia Cognitiva, um dos mais importantes conceitos, na vertente dos neuropsicólogos, é a capacidade de modularidade ou plasticidade do cérebro. Ao estudar a plasticidade cerebral em crianças deficientes, Del Masso e Broens (2001) constataram que a Psicologia Cognitiva contribuiu para que A Psicologia Cognitiva: o processamento da informação 137 fossem superadas as concepções tradicionais de deficiência como algo estático e sem possibilidade de reversão. A plasticidade cerebral é um conceito que traz informações novas sobre as capacidades do cérebro para se adaptar, readaptar e compensar estruturas que foram perdidas em função de acidentes ou lesões. Para Del Masso e Broens (2001), quando o deficiente consegue compensar as estruturas do seu cérebro e se adaptar a situações, ele apresenta um desenvolvimento psíquico particular. Segundo as autoras, o sentimento de inferioridade gerado pela deficiência pode acabar, paradoxalmente, funcionando como força propulsora de mudança. Assim, em muitos casos, o deficiente tenta, por diferentes caminhos, superar a deficiência fazendo com que ela não seja uma fraqueza, mas uma força para provocar mudanças. (2001, p. 330). Essa capacidade de rever processos e se ajustar é denominada plasticidade cerebral. Esse conceito traz uma visão holística do indivíduo, uma visão na qual o seu defeito é suprido por rearranjos neurológicos construídos pelo próprio indivíduo para enfrentar suas dificuldades. Para exemplificar, na atualidade é possível citar inúmeros casos de pacientes que, embora tenham sofrido sérias lesões cerebrais, têm conseguido se recuperar. Muitos em função do tratamento baseado na Psicologia Cognitiva. Contribuições para os dias de hoje Diariamente, notícias da mídia afirmam que cientistas têm encontrado áreas mentais e cerebrais responsáveis pelas mais diferentes funções e tarefas cognitivas na vida das pessoas. Esses estudos são resultado de novas conquistas utilizando as técnicas das ciências cognitivas, dos processos de inteligência artificial, das possibilidades de reabilitação de pessoas com lesão cerebral. E o estudo da mente de pessoas com altas habilidades tem permitido compreender ainda mais as potencialidades da mente humana. Também no campo educacional esses estudos têm possibilitado saber, de maneira mais clara, como a criança aprende, ou seja, como ela processa as informações vindas do meio externo e como o seu cérebro se comporta diante de atividades que são importantes para o desenvolvimento infantil. Dessa forma, a didática do professor pode e deve ser melhorada como forma de aproveitar o desempenho cognitivo das crianças estudantes. Outra questão importante retomada por esses estudos é a alta capacidade plástica, ou seja, a maleabilidade do cérebro para compensar determinados déficits cognitivos pela utilização de módulos mentais subjacentes àqueles que estão disfuncionais. Também é ressaltada a importância de se ensinar à criança desafiando o seu cérebro, possibilitando novas ligações cerebrais e estimulando essas capacidades, diminuindo consideravelmente os estigmas da exclusão escolar e social a partir dos quais os alunos com dificuldades eram vistos. Dentre esses novos pesquisadores da Psicologoa Cognitiva, existem dois mais divulgados e estudados no Brasil: Howard Gardner, que desenvolve Psicologia do Desenvolvimento 138 interessante trabalho sobre as formas da inteligência e sua contribuição para o desenvolvimento mental da criança, e Robert Sternberg, que propõe uma inteligência triádica, baseada em três processos mentais integrados que levam a criança a melhorar sua capacidade de compreender os elementos culturais e simbólicos trazidos pela interação. 1. Qual a diferença entre cognição e raciocínio? Pesquise e discuta as diferenças. 2. Revise com seus colegas quais as características gerais do cérebro humano e as principais funções mentais por ele executadas. 3. Marque qual destas afirmativas está incorreta. Na Psicologia Cognitiva, a) a mente é um sistema de processamento de símbolos. b) as pessoas são dependentes umas das outras. c) os processos cognitivos são complexos. d) a mente humana é um processador de capacidade limitada. 4. O que significa plasticidade cerebral? a) O processamento de informações. b) O armazenamento de memória. A Psicologia Cognitiva: o processamento da informação 139 c) A capacidade do cérebro para compensar lesões. d) A quantidade de informações recebidas no cérebro. EYSENCK, Michael W.; KEANE, Mark T. Psicologia Cognitiva: um manual introdutório. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. Indicação de filme: Inteligência Artificial (EUA, 2001), com direção de Steven Spielberg. Os avanços da ciência e as implicações da tecnologia para os seres humanos, a história de um menino-robô com sentimentos. David é uma criança-robô de 11 anos adotada por um casal na esperança de suprir a perda do filho real. O filme apresenta diversas questões e dramas que aparecem em função das interações e projeções dos pais com essa criança que possui uma inteligência artificial. Psicologia do Desenvolvimento 140 As inteligências múltiplas de Howard Gardner A pluralidade dos estudos acerca da relação entre cérebro e mente, realizados nos últimos anos, vem causando um profundo impacto nas formas de conceber a inteligência humana. Essas mudanças passam por uma revisão conceitual em que Howard Gardner surge como um expoente ao considerar a inteligência um processo plural, ou seja, algo mais que uma unidade de inteligência, encarando-a como múltipla. Os estudos de Gardner (1994/1995) foram decisivos para a substituição do paradigma unidimensional pelo multidimensional, afirmando-se que “as múltiplas faculdades humanas são independentes em graus significativos” (GARDNER, 1995, p. 29). A teoria das inteligências múltiplas foi desenvolvida como uma explicação da cognição humana e, além de reconhecer as diversas e independentes facetas que a compõem, preconiza a interdependência entre duas ou mais delas. Isso se explica pelo fato de que cada uma das formas de inteligência pode ser canalizada para outros fins, isto é, os símbolos vinculados àquela forma de conhecimento podem migrar para outras formas, denotando as características de independência e interdependência anteriormente salientadas. Gardner reafirma essas duas características marcantes ao se dizer “convencido de que todas as inteligências têm igual direito à prioridade” (1995, p. 15). Howard Gardner é bastante influenciado pelas obras de Noam Chomski1 e Jerri Fodor2 , teóricos que vêm propor novas leituras para a ciência cognitiva americana, sobrepondo às antigas idéias comportamentalistas de Skinner3 as condições de existência de uma mente caracterizada pelo inatismo (ou seja, por aptidões básicas do cérebro) e pela modularidade (a mente como um conjunto de módulos de processamento cognitivo autônomos, porém interdependentes). Gardner também recebe influências das idéias de Jean Piaget sobre considerar a inteligência uma construção da criança. Porém, discorda na medida em que Piaget considera a inteligência como única. A partir dessa idéia, Gardner construiu suas idéias sobre a multiplicidade da inteligência humana. O que são as múltiplas inteligências? Com seus estudos, Gardner busca propor que a mente humana não é o local da existência de uma inteligência, mas sim de múltiplas. É importante salientar que ele não trata de capacidades múltiplas que em conjunto constituem a inteligência, mas do fato de cada inteligência ser um sistema distinto e de as inteligências serem independentes umas em relação às outras: cada uma é um sistema que funciona individualmente, porém esse sistema interage com outros, produzindo o que se considera um desempenho inteligente. 1 Avram Noam Chomsky (1928), lingüista ameri- cano. Em Linguagem e pen- samento (1968), mostra como suas concepções sintáticas se integram na teoria geral da Psicologia do conhecimentoe da filosofia da linguagem. 2 Jerry A. Fodor (1935), fi-lósofo cognitivista ame- ricano. Apresenta uma sínte- se da nova filosofia da mente. Embora adote os conceitos básicos do cartesianismo, não adere ao seu dualismo. 3 Burrhus Frederic Skin-ner (1904-1990), psicólo- go americano. Considerando que apenas o comportamento pode ser estudado, propôs que o comportamento pode ser explicado por estímulos de reforço e que a ação pla- nejada do reforçamento pode obter o condicionamento. Psicologia do Desenvolvimento 142 Critérios para existência da inteligência Para considerar a existência de uma inteligência, Gardner chama atenção para a existência de critérios que visam a especificar a sua ocorrência. Assim, aponta a existência de pelo menos oito características. A primeira dessas características está relacionada ao isolamento de determinada capacidade por dano cerebral, esse dano acabando por gerar uma perda em determinada habilidade ou capacidade de funcionamento inteligente. Dessa forma, se uma lesão acomete, por exemplo, uma área de linguagem no cérebro do indivíduo, esse indivíduo deverá, necessariamente, apresentar algum déficit na execução de tarefas lingüísticas. Uma segunda característica do comportamento da inteligência estudada por Gardner está no fato de haver pessoas com muitas habilidades para determinado comportamento inteligente. Assim, pessoas como Ayrton Senna ou Wolfgang Amadeus Mozart, entre tantas que demonstraram um talento especial na execução de tarefas cognitivas, justificam a existência de uma inteligência específica. A terceira característica está no fato de uma pessoa apresentar uma atividade operacional ou um conjunto dessas atividades essenciais para a realização de um tipo específico de comportamento inteligente, o que pode ser exemplificado por pessoas que detectam relações de cores e tonalidades em quadros de pintores e suas correlações. A quarta característica se dá quando existe uma história clara que, levando ao desenvolvimento de um sujeito de iniciante a mestre, vem acompanhada por uma discrepância no desempenho do sujeito, tornado-o um expert, algo como perceber uma súbita aprendizagem de um determinado conhecimento, levando o aprendiz a um nível de compreensão muito avançado. A quinta característica está relacionada a uma história evolutiva em que, com possibilidades concretas, os acréscimos de inteligência podem estar associados ao processo de adaptação do sujeito ao ambiente. Assim, se o sujeito apresenta uma interação fácil e rápida às mais diferentes situações ambientais, ele pode estar evidenciando sua inteligência. A sexta característica é vinculada ao desempenho do sujeito em atividades experimentais de pesquisa. Se o sujeito apresenta diferenças de desempenho em tarefas distintas, ele estará manifestando a sua inteligência nos aspectos específicos à inteligência que ele apresenta, o que demonstra a existência dessa inteligência. Ou seja, se ele revela dificuldades em realizar tarefas lingüísticas, mas facilidade em tarefas visoespaciais, e ao realizar diferentes tarefas visoespaciais demonstra uma desenvoltura mais específica, isso justifica a existência desse tipo de inteligência. A sétima característica está em que muitas vezes essa inteligência se manifesta em provas de psicometria propriamente dita, ou seja, em testes de capacidades específicas para cada inteligência. Se dão suporte às ações do sujeito, esses testes justificam a existência da inteligência. As inteligências múltiplas de Howard Gardner 143 A oitava característica está relacionada a quanto essa inteligência é suscetível aos sistemas simbólicos, tais como as línguas ou as matemáticas, ou quanto ela se manifesta em espaços socialmente planejados para tal, como palcos, arenas, salas específicas em ambientes próprios. Assim, em uma sala de cirurgia, um profissional pode demonstrar toda sua inteligência ao manejar instrumentos pelo bem do paciente. Por essas descrições, pelas quais Gardner demonstra o que considera a inteligência, vemos a sua concepção modular em relação ao funcionamento da mente humana. Ao acreditar na independência das funções e na possibilidade de isolamento das funções, ele crê nesse tipo de conhecimento. Os tipos de inteligência de Gardner Lingüística – Quando falamos em uma inteligência lingüística, estamos nos referindo à sensibilidade especial para a linguagem, que permite escolher precisamente a palavra certa ou o caráter da expressão e captar novos significados com facilidade. Ela é usada para ler um livro, redigir trabalhos, escrever poemas ou romances, bem como na compreensão das palavras faladas. Musical – A inteligência musical denota uma sensibilidade para entender conceitos como altura e entonação, que permitem detectar e produzir estruturas musicais. Ela manifesta-se ao cantar uma canção, compor músicas das mais diferentes variações de ritmo e melodia, tocar um determinado instrumento musical, ou mesmo ao se avaliar os tipos e formas de peças musicais já compostas. Lógico-matemática – Quando encontramos a capacidade para se engajar em raciocínios abstratos e manipular símbolos em geral, estamos frente à inteligência lógico-matemática, com a qual temos condições de resolver problemas matemáticos, controlar valores, resolver problemas de lógica e de álgebra. Espacial – A espacialidade também é considerada uma inteligência, pois com ela percebemos relações entre objetos, transformamos mentalmente o que vemos e recriamos imagens visuais de memória. Com ela, vamos de um lugar para o outro, temos facilidade na leitura de mapas e arrumamos determinados ambientes com muitos materiais. Os decoradores apresentam e manifestam essa inteligência quando organizam espaços mentalmente e os redefinem sem mesmo modificá-los. Corporal-cinestésica – A inteligência corporal-cinestésica denota uma capacidade para representar idéias em movimento e é característica dos grandes dançarinos e mímicos, também estando presente em praticantes de esportes coletivos ou individuais. Os famosos “craques” são os grandes exemplos dessa inteligência. Psicologia do Desenvolvimento 144 Social ou interpessoal – A inteligência social ou interpessoal revela um sujeito capaz de entender os motivos, os sentimentos e os comportamentos de outras pessoas. Ela se manifesta nas relações sociais, quando buscamos entender os sentimentos e as emoções das pessoas que estão em torno de nós. Intrapessoal ou pessoal – Finalmente, a inteligência intrapessoal, ou pessoal, é aquela pela qual manifestamos uma capacidade de introspecção, de entendimento de nós mesmos, de nossos sentimentos e de nossas emoções para poder compreender os outros. Ela é utilizada para a nossa própria compreensão e é base para nossas análises existenciais. Com ela, estabelecemos o conhecimento de nós mesmos, de nossa personalidade e de como podemos modificar nossa própria conduta. A teoria das inteligências múltiplas de Gardner (1995) trouxe questionamentos significativos sobre o conceito de inteligência e dos próprios testes de quociente de inteligência (QI). Durante muitos anos, a Psicologia utilizou diferentes versões de testes aplicados às várias idades e a contextos culturais diversos, mas a maioria deles estava centrada nos conhecimentos da razão e da lógica. Gardner defende que: O problema está menos na tecnologia da testagem do que nas maneiras pelas quais habitualmente pensamos sobre o intelecto e em nossas concepções arraigadas de inteligência. Apenas quando expandimos e reformulamos nossa concepção do que conta como intelecto humano seremos capazes de projetar meios mais adequados para avaliá-lo e meios eficazes de educá-lo. (1995, p. 4). Gardner (1995) também argumenta que os processos educacionais podem ser mobilizados para satisfazer as novas necessidades do mundo em transformação. Dessa maneira, ele afirma a idéia de que os programas de educação propostos pelos políticos precisamter clareza de suas metas, entender quais são as habilidades instituintes dos alunos e projetar diferentes modos de avaliação do desempenho desses alunos. Para ele, as diferentes culturas apresentam “misturas características de inteligências” (1995, p. 293). Sendo assim, nos projetos educacionais, é preciso delinear as configurações dessas inteligências de acordo com cada cultura e propor mecanismos para que outras inteligências, que não são exploradas em determinados ambientes culturais, sejam desenvolvidas. O autor também considera que as potencialidades e os fracassos intelectuais dos indivíduos podem ser analisados desde muito cedo no processo de desenvolvimento humano – desde a primeira infância. Para Gardner (1995), se os indivíduos conhecerem suas forças e fraquezas intelectuais quando ainda são crianças, terão melhores condições para identificar suas preferências. Mas reconhece que, pela plasticidade neural e funcional, as preferências e os talentos também podem ser modificados. Outro aspecto que Gardner (1995) evidencia em relação à aplicabilidade de sua teoria na educação é que, no processo de planejamento educacional, os professores ficam em dúvida se precisam trabalhar as inteligências específicas dos alunos, as múltiplas inteligências, ou ambas as modalidades de inteligência. As inteligências múltiplas de Howard Gardner 145 Conclui que os professores precisam buscar meios para desenvolver várias inteligências nos alunos. Entretanto, no planejamento educacional devem ser previstos meios para ajudar os alunos a atingirem uma competência, uma habilidade ou um papel desejado. Para ele, alunos talentosos devem ser orientados para aperfeiçoar seus talentos. Para alunos que apresentam dificuldades na escola, ou mesmo patologias que lhes atrapalham o aprendizado, devem ser desenvolvidos mecanismos e adaptações que os auxiliem a adquirir habilidades. Nesse processo, é preciso identificar as propensões biológicas e psicológicas dos seres humanos, os seus universos culturais, e trabalhar essa diversidade. 1. Você pode estabelecer a relação entre uma pessoa da atualidade que possui um grau de inteligência destacado em cada uma das múltiplas inteligências listadas por Gardner? 2. Discuta que papel o ambiente social pode vir a ter no desenvolvimento das inteligências múltiplas ou se elas são apenas atributos biológicos. 3. Quando uma pessoa tem facilidade para relacionar objetos e para transformá-los mentalmente, recriando imagens visuais de memória, ela possui o predomínio da inteligência: a) lingüística. b) musical. c) lógico-matemática. d) espacial. 4. A capacidade de representar idéias em movimento corresponde à inteligência: a) musical. b) corporal-cinestésica. c) espacial. d) lógico-matemática. Psicologia do Desenvolvimento 146 GARDNER, Howard. Estruturas da Mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994. Indicação de filme: O Pianista (França, 2002), com direção de Roman Polanski. Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Wladyslaw Szpilman, um famoso pianista judeu-polonês, vê sua família ser deportada e consegue se salvar: um policial tira o músico do comboio da morte. Mas o pianista é enclausurado junto com outros milhares de judeus no Gueto de Varsóvia. Durante anos, ele passa por muitos sofrimentos, humilhações e lutas impossíveis em uma Varsóvia dominada pelos nazistas. Doente, solitário e faminto, ele deve sua vida a um outro oficial alemão, o católico Wilm Hosenfeld, que tem uma pronunciada paixão pela música. Abalado pelos crimes nazistas, Hosenfeld decide ajudar Szpilman a sobreviver. O filme mostra o talento e a inteligência musical, que consegue se sobrepor em uma pessoa, mesmo diante da tentativa de destruição da sua integridade física e moral. A inteligência triárquica de Robert Sternberg D e forma diferente em relação a Howard Gardner, que enfatiza que a inteligência é composta de módulos independentes, Robert Sternberg elabora uma proposta de inteligência em que esses processos atuam juntos. Embora tenha proposições sobre a inteligência diferentes daquelas de Gardner, Sternberg é um psicólogo da mesma linha: é um cognitivista e suas preocupações estão voltadas para a análise de como as pessoas constroem conhecimentos, como memorizam, como estruturam a linguagem, como exploram sua criatividade. Também se dedica a analisar como as pessoas tomam decisões para a resolução de problemas. Para Gardner (1995, p. 18), a Psicologia do Processamento de Informações ainda é uma área recente. Sternberg introduziu uma vida nova nesse campo de estudos quando “tentou identificar as operações envolvidas na solução de itens padrão de testes de inteligência”. Nesse processo, Sternberg buscou conhecer a maneira como o homem processa informações por meio das características biológicas e das características sociais da inteligência. Krebs (2005) argumenta que, nos últimos anos, as teorias do desenvolvimento do homem vêm buscando, cada vez mais, explicar as interações humanas e os múltiplos contextos interacionais. Dessa maneira, se no início dos estudos sobre Psicologia os pesquisadores centravam seus conhecimentos na observação dos comportamentos herdados geneticamente, na atualidade a ênfase dos estudos psicológicos vai além da dicotomia entre inato e adquirido, buscando conhecer as diferentes variáveis que influenciam o comportamento humano e a construção da inteligência. Coll e Onrubia (1996) consideram que Sternberg e seus colaboradores conseguiram elaborar uma teoria mais completa e coerente sobre os componentes da informação utilizados na execução de tarefas. Eles analisaram um grande número de tarefas de raciocínio dedutivo (silogismos) e indutivo (analogias) e estudaram como essas funções intervêm no cumprimento de tarefas. Basicamente, eles estudaram quais estratégias os estudantes utilizavam para realizar as tarefas e processar as informações recebidas. A teoria triárquica de Sternberg exalta o fato de a inteligência ser governada por três princípios. No princípio analítico estão funcionais as habilidades de analisar, comparar, julgar e contrastar. Aqui tentamos resolver problemas conhecidos usando estratégias que manipulam os elementos de um problema ou a relação entre eles. No princípio criativo se manifestam as capacidades para criar, inventar, descobrir, imaginar e supor. Aqui tentamos resolver novos tipos de problemas, que nos exigem ponderar sobre o problema e seus elementos de uma nova maneira. No princípio prático, as habilidades conquistadas são executadas. Aqui buscamos resolver os problemas que aplicam o que sabemos aos contextos cotidianos. Psicologia do Desenvolvimento 148 O esquema proposto por Sternberg pode ser representado pela figura abaixo: Aplicar; usar; utilizar (S TE R N BE RG , 2 00 0, p . 4 16 ) Prático Analítico Criativo Analisar Comparar Avaliar Criar Inventar Planejar Sternberg procura relacionar a inteligência com diferentes aspectos do mundo interno da pessoa, com as experiências que ela tem e com o mundo externo com o qual ela interage. Aguilar (2006) relata que Sternberg propôs para a teoria da inteligência um modelo expandido que, além das habilidades cognitivas, também dá importância significativa às experiências de vida do indivíduo, suas habilidades de adaptação. Esse modelo tem três componentes principais: processos cognitivos, que incluem, por exemplo, as habilidades de resolução de problemas, os processos metacognitivos (planejamento, coordenação e avaliação do próprio desempenho na execução de tarefas) e também a aquisição de conhecimentos; rapidez da aprendizagem – o comportamento diz-se inteligente quando uma pessoa aplica processos cognitivos a situações novas de forma automática; capacidade de adaptação ao próprio ambiente social e cultural, o que inclui não só a mudança de si mesmo, mas também a mudança do ambiente para atender às necessidades do indivíduo,ou até a troca de ambiente. Para Krebs (2005), os três tipos de inteligência propostos por Sternberg (prática, analítica e criativa) fornecem uma idéia mais clara das entradas e saídas dos dados processados no nosso sistema cérebro-mente de recepção de informações. Cabe então analisarmos como esses componentes podem ser entendidos. A inteligência e o mundo interno Aqui Sternberg enfatiza o processamento da informação executado pela inteligência durante a resolução de um determinado problema. A inteligência triárquica de Robert Sternberg 149 Para tornar este texto mais claro, vamos analisar uma situação. Vamos supor que no seu trabalho você foi solicitado a produzir um relatório de suas atividades. Assim, você estaria usando uma inteligência executiva – metacomponentes – para decidir o assunto, planejar o trabalho, monitorar a sua escrita e avaliar quando você já o concluiu. Você usaria componentes de aquisição de conhecimento para incorporar, no seu texto, elementos teóricos ou conhecimentos, ilustrações, com os quais você também estaria aprendendo. E, a partir disso, você usaria componentes de desempenho para executar o texto do relatório pedido. Como você percebe, essas tarefas da inteligência são interdependentes, e todas necessárias para a realização da tarefa solicitada. Porém, não podemos deixar de considerar que seu relatório pode mudar gradativamente ao longo da tarefa, à medida que você busca novos elementos e pesquisa novos conhecimentos para incorporá-los em seu trabalho. Assim sendo, entendemos que o mundo interno exerce inf luência na resolução de problemas na medida em que podemos utilizar as três capacidades propostas. A inteligência e a experiência Ao analisarmos o papel das experiências sobre a inteligência, notamos que elas também se relacionam com as características triárquicas do processamento da informação. Quando realizamos uma experiência, vários fatores constituem possibilidade de êxito ou fracasso. Sabemos que quando executamos uma tarefa rotineira, como se vestir, é solicitada pouca atividade intelectual, visto que se trata uma rotina praticamente automatizada por nós. Porém, se é uma tarefa inédita, a nossa inteligência é desafiada em diferentes sentidos e as três funções da inteligência são estimuladas a participar de modo mais ativo do que nas tarefas automatizadas. Outro aspecto que ressalta é que, se essa mesma tarefa assumir um desafio sem precedentes, pouco ou quase nada poderemos realizar, visto que não teremos experiência para realizá-la. Um exemplo dessa situação estaria exemplificado em você chegar a um novo país e procurar assistir a uma aula de literatura local, no idioma local. Ora, sem nenhuma experiência na produção simbólica local, você estaria impossibilitado de participar dessa situação e sua inteligência em nada poderia ajudá-lo. A inteligência e o mundo externo Quando estamos nos relacionando com o mundo externo, nossa inteligência nos ajuda a estabelecer relações com os ambientes na medida em que nos adaptamos aos ambientes, ou conseguimos moldar os ambientes de forma a gerar um novo ambiente, ou há necessidade de buscarmos outros ambientes. Psicologia do Desenvolvimento 150 Assim, se está assumindo um novo emprego, você usará sua capacidade adaptativa para ser bem-sucedido nessa nova jornada. Você tentará imaginar as regras desse novo espaço, as implícitas e as explícitas, e tentará usar essas regras em seu benefício. Você também terá oportunidade de moldar o ambiente na medida em que escolhe as pessoas e serviços com os quais pretende se relacionar, visando a um novo espaço profissional, ou um ambiente de trabalho agradável. Do mesmo modo, se ao tentar essas atividades percebe que não consegue sucesso nas relações com as pessoas e na sua relação com o ambiente, você poderá mudar de ambiente, buscando um local onde possa estar mais integrado. Como percebemos, podemos utilizar as três dimensões da inteligência nas mais diferentes situações-problema que enfrentamos na vida. Uma questão bastante oportuna que a inteligência triárquica nos mostra é que não precisamos ser competentes nas suas três formas: cada qual poderá ter uma capacidade preponderando sobre as outras. E também todos temos a possibilidade de avaliar e determinar nossas fraquezas e nossas virtudes, e por isso saberemos nos adaptar aos mais diferentes tipos de situações-problema. Dessa forma, ao tomarmos pé dessa construção de inteligência, podemos estar equilibrando nossas virtudes e nossas fraquezas. Se estivermos no papel de educadores, essa proposta teórica de inteligência é uma ferramenta útil no trato com os nossos alunos, visto que podemos analisar as potencialidades e as fraquezas desses alunos e dimensionar os desafios e as tarefas cognitivas que eles podem enfrentar. Se nos preocupamos com isto, estaremos estimulando a inteligência de nossos alunos e equilibrando as condições de sua participação na sociedade com o uso de seu potencial cognitivo. Na educação, é muito importante que os professores se conscientizem de que o ato de educar não envolve somente transmissão de conhecimentos, mas também está voltado para a promoção do desenvolvimento dos processos psicológicos que envolvem os conhecimentos. Por isso, faz-se necessário que os professores conheçam a forma como se constitui a inteligência dos seus alunos e desenvolvam estratégias de aprendizagem eficazes para o aprimoramento do ensino. 1. Reúna seus amigos da sala e elabore uma atividade para crianças de 1.ª série abrangendo os princípios da teoria triárquica de Sternberg. A inteligência triárquica de Robert Sternberg 151 2. Pesquise o que significa metacognição. 3. Robert Sternberg é representante de qual corrente psicológica? a) Histórico-cultural. b) Cognitivista. c) Behaviorista. d) Humanista. 4. Segundo Sternberg, qual componente da inteligência está sendo utilizado quando você planeja um trabalho? a) Metacomponente. b) Componente de desempenho. c) Componente de aquisição do conhecimento. d) Componente de idealização. STERNBERG, Robert. Capacidades Cognitivas Humanas: uma abordagem de processamento de informações. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. Indicação de filme: Melhor é Impossível (EUA, 1997), com direção de James L. Brook. O personagem principal, interpretado por Jack Nicholson, sofre de transtorno obsessivo compulsivo (TOC). O filme retrata como uma patologia pode interferir na organização cerebral e nas atitudes das pessoas que apresentam essa doença. A lógica e os processos de raciocínio e processamento de informações não são os mesmos realizados pelas pessoas consideradas “normais”. Vale a pena assistir e analisar como o portador de TOC utiliza seu raciocínio prático, analítico e criativo. Psicologia do Desenvolvimento 152 A importância das perspectivas psicológicas do desenvolvimento M uitas vezes, ficamos nos perguntando por que tantas pessoas com formações tão diferenciadas pesquisaram o desenvolvimento infantil. Por que tantos olhares? A criança não é a mesma? Sabemos que desde o começo das civilizações e da produção de um conhecimento organizado se busca entender a nossa gênese e responder a perguntas sobre a nossa essência. Ao longo dos séculos, as dúvidas continuaram a ser suscitadas e por isso mesmo percebemos que até hoje elas ainda são diversas e complexas. No final do século passado, surgiram possibilidades de descobrir mais sobre o desenvolvimento humano à medida que a tecnologia nos auxiliou na descoberta de quem é o homem, proporcionando um melhor estudo do cérebro humano, então tido como caixa-preta. Mas mesmo esses avanços e os mais diligentes estudos ainda deixam em aberto algumas questões sobre o comportamento humano. O seu caráter biológico ainda é nebuloso e sua ação sobre o mundo, criando cultura e materialidade, ainda intriga os psicólogos pela origem de tal criatividade. Afinal, onde ela habita? Nas profundezas de um cérebro, nas asas daimaginação da mente ou é simplesmente um comportamento social? Pelos estudos realizados, podemos perceber que necessitamos contribuir nessa construção – e nossa contribuição se dá na proporção em que, com a nossa prática, pensamos e buscamos visualizar uma ação comprometida com a formação de sujeitos capazes de participar melhor da sociedade. Como educadores, temos o dever de buscar sentido no nosso fazer, procurando identificação com as linhas de pensamento acerca do desenvolvimento infantil. É importante que a nossa identificação e nossa atividade fundamentada em uma teoria contribuam para um desenvolvimento humano necessário para a realidade de hoje. Assim, se o nosso trabalho busca nos aspectos funcionalistas das relações o ponto de partida para o entendimento de como a criança se constitui, devemos ter claro o papel dos fatores emocionais como parte integrante dessa constituição. O profundo conhecimento desses fatores e o intenso controle sobre comportamento infantil farão parte de muitas de nossas atitudes. Por outro lado, devemos saber que muitas teorias estão fundamentadas em seu caráter organicista, ou seja, os fatores corporais e neurológicos são os determinantes do comportamento humano. Essa visão inatista contribui de muitas formas para o entendimento de disfunções cognitivas que, muitas vezes, manifestam-se no comportamento infantil alterado. Mas também entendemos como claro o fato de que esses comportamentos não são necessariamente o único motivo de as crianças apresentarem dificuldades em suas vidas. Assim, a busca de fatores de interação do meio com o sujeito é necessária para podermos entender quem é a criança com a qual trabalhamos. Compreender as bases de seu desenvolvimento biológico, cognitivo e social é necessário para podermos atuar de modo concreto e eficaz no processo Psicologia do Desenvolvimento 154 educativo. As perspectivas interacionistas crescem de relevância à medida que buscam essa integração de fatores. Porém, percebemos diferentes modos de entender o interacionismo. As características enfatizadas nos estudos piagetianos, em que o desenvolvimento biopsicológico organiza a atividade infantil e o pensamento do sujeito sobre o mundo físico, são construídas por ações assimiladas e acomodadas em suas estruturas mentais. Ficam claras as construções dos estágios do pensamento infantil enquanto a criança cresce e compreende sua forma de se relacionar com o mundo físico e lógico. No sociointeracionismo vygotskyano, é fundamental o papel da interação social, em que os instrumentos sociais e culturais (como a linguagem) produzem formas de pensar típicas dos seres humanos. Cada sujeito aprende e se desenvolve de acordo com as interações culturais que realiza, apropriando-se dessas experiências como conhecimento, o qual lhe permitirá uma participação mais ativa e produtiva na sociedade. As idéias de Henri Wallon também nos trazem interessantes questões relacionadas às interações afetivas e cognitivas construídas nas trocas sociais. Ele ressalta a importância do ato motor e dos afetos como forma de constituir um comportamento humano dinâmico e afetivo. Essas contribuições da Psicologia do Desenvolvimento muito nos auxiliam na tarefa de educar. Sabemos que, a cada dia, as crianças tendem a estar cada vez mais cedo junto a instituições de caráter educativo, visto que as condições de vida social se tornam cada vez mais complexas. Logo, ensinar requer um conhecimento sobre quem é a criança, como ela se constitui e como ela aprende. Para o educador infantil ou do Ensino Fundamental, torna-se essencial conhecer os processos constitutivos da condição humana. Dessa maneira, se pretendemos aperfeiçoar nossos conhecimentos sobre a criança com quem trabalhamos, devemos buscar um referencial teórico que nos dê o subsídio necessário para essa ação. Conhecer as formas de desenvolvimento infantil, e crer que essa forma de desenvolvimento constitui o sujeito que queremos, implica acreditar que, ao passar pela escola, esse sujeito terá a sua autonomia e a sua identidade construídas de forma a se tornar cidadão. O professor que assim pensa e se compromete com esse fazer com certeza cumpre seu papel social de construir uma sociedade mais justa. E não podemos nos esquecer de que, do mesmo modo que precisa compreender os fundamentos teóricos da Psicologia para conhecer o pensamento dos seus alunos, o professor também precisa compreender as múltiplas dimensões que envolvem o ato educativo. Dessa forma, é preciso lembrar que a Psicologia e a Educação são ciências relacionadas com outras áreas do conhecimento, como a Filosofia, a História, a Biologia, a Neurologia e a Antropologia, dentre outras. Nesse sentido, pensar o desenvolvimento humano implica pensar nas relações com essas diferentes ciências, nas condições de produção do conhecimento e nas influências desses diferentes saberes nas instituições escolares. A importância das perspectivas psicológicas do desenvolvimento 155 Durante muito tempo, predominou um enfoque excludente nas escolas brasileiras e na formação dos profissionais de Educação. De acordo com Oliveira, Souza e Rego (2002, p. 9), “os pressupostos psicológicos amplamente disseminados se apoiavam na idéia de existência de uma natureza humana universal, não submetida a qualquer tipo de influência do contexto social e cultural”. Portanto, a Educação e a Psicologia trabalhavam com um conceito homogêneo de criança. Aqueles alunos que não correspondiam aos padrões universais de desenvolvimento e não possuíam os dons, talentos e aptidões exigidos pela escola eram excluídos. É preciso destacar também que, durante décadas, a Educação e a Psicologia atribuíam o fracasso escolar das crianças de classes populares às condições de pobreza e marginalização. Essas análises não questionavam o papel da escola nas causas da evasão escolar e das desigualdades sociais. Com a democratização das escolas no Brasil, na década de 1960, começaram a aparecer novos olhares em relação à criança e ao seu desenvolvimento. Mas nesse período ainda predominava a idéia de medicalização e psicologização das crianças que apresentavam problemas com a aprendizagem. Ou seja, existiam explicações preconceituosas para o comportamento das crianças diferentes, que não conseguiam se adaptar à escola. Muitas dessas crianças foram consideradas especiais, sendo medicadas. Muitas delas não possuíam problemas neurológicos, nem mesmo dificuldades acadêmicas. Elas tinham dificuldades de relacionamento e dificuldades sociais, advindas das situações de risco nas quais viviam. Os estudos mais recentes, mais especificamente da perspectiva histórico- cultural, têm procurado alterar concepções tradicionais da Psicologia. Dessa maneira, o fato de pensarmos em uma escola inclusiva, que atenda a uma diversidade de crianças (deficientes físicos, especiais, em situação de risco, afrodescendentes, indígenas) já demonstra que alguns paradigmas começam a se modificar. Na contemporaneidade, a Psicologia da Educação defende o conceito de escola para todos, uma escola que respeite diferentes modos de pensar, diferentes valores, culturas, idéias e ritmos do desenvolvimento. Aquino (1998) considera que existem, para a escola atual, novos impasses e novas exigências de cunho institucional, ideológico, de caráter legal e teórico. Para esse autor, aos protagonistas escolares cabe realizar ações concretas para a modificação das estruturas. Aquino (1998, p. 138) também defende o papel da escola na formação da cidadania das pessoas. Para ele, [...] sem escola não há cidadania sustentável, nem há desenvolvimento possível. Em suma: não há transformação nem social, nem humana. Uma pessoa sem escolaridade é, sem dúvida, meio cidadão, é meia pessoa, em certo sentido. Ou melhor, ela permanece embotada, aprisionada no presente, vivendo à sombra (ou mesmo à mercê) daqueles que têm seus direitos garantidos. Dessa maneira, a escolarização é um processomuito importante para a autonomia das pessoas. Entretanto, não se pode desconsiderar a importância da qualidade da educação e de seus princípios. Bock (2003) faz pertinentes críticas à estruturação de algumas escolas da atualidade. Para a autora, as escolas que Psicologia do Desenvolvimento 156 não têm claro os seus objetivos e métodos de ensino enclausuram os alunos, reproduzem saberes dissociados do cotidiano desses alunos e não os preparam para a vida. Oliveira, Souza e Rego (2002) consideram que é preciso buscar novas formas e perspectivas de diálogo entre os paradigmas psicológicos e suas aplicações nas instituições escolares. O conhecimento de diferentes correntes psicológicas é de suma importância para o professor, para que possa compreender melhor a sua prática, refletir sobre ela e utilizar seus conhecimentos com os alunos. 1. Discuta com os seus colegas como a Psicologia do Desenvolvimento pode ajudar a melhorar seu desempenho enquanto professor. 2. Crie uma lista de sugestões que podem ser relevantes para a melhoria do processo educativo levando em consideração a Psicologia do Desenvolvimento. 3. Nas respostas abaixo, existe uma afirmativa que não corresponde às características da teoria piagetiana. Qual é? a) O conhecimento se constrói por meio das interações com o objeto. b) A estrutura de construção do conhecimento é de assimilação e acomodação. c) O processo de desenvolvimento é decorrência de desequilibrações. A importância das perspectivas psicológicas do desenvolvimento 157 d) A cultura tem um papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo. 4. Qual das afirmativas abaixo não é corresponde à teoria de Wallon? a) As emoções possuem um papel fundamental no desenvolvimento. b) O desenvolvimento humano ocorre por meio de trocas afetivas e cognitivas. c) No desenvolvimento humano, o aspecto biológico é prioritário. d) O ato motor constitui o comportamento humano e auxilia no desenvolvimento. OLIVEIRA, Marta K; SOUZA, Denise T. R.; REGO, Teresa Cristina (Orgs.). Psicologia, Educação e as Temáticas da Vida Contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002. Indicação de filme: Sociedade dos Poetas Mortos (EUA, 1989), com direção de Peter Weir. Um professor que consegue modificar as estruturas rígidas e preconceituosas de uma escola americana na década de 1950. O filme também apresenta a modificação do comportamento dos alunos em função das atitudes positivas do professor. Psicologia do Desenvolvimento 158 Referências AGUILAR, Luis. inteligência: uma perspectiva. Disponível em: <http://alunos.di.ubi.pt:16080/~a14676/ psicologia/inteligencia.pdf#search=’%2Ainteligencia%20triarquica%2A>. Acesso em 25 abr. 2006. ALMEIDA, Ana Rita Silva. A Emoção na Sala de Aula. Campinas: Papirus, 1999. ANTUNES, Celso. As inteligências Múltiplas e seus Contributos. São Paulo: Edições Asa, 1998. APPIGNANESI, Richard. Conheça Freud. São Paulo: Proposta Editorial, 1979. AQUINO, Julio Groppa (Org.). diferenças e Preconceito na Escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998. BARROS, Célia Silva G. Pontos de Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Ática, 1993. BOCK, Ana Maria Mercês (Org.) Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002. BODEN, Margareth. As idéias de Piaget. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1983. BORUCHOVITCH, Evely. Estratégias de Aprendizagem e Desempenho Escolar: considerações para a prática educacional. 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