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ACONSELHAMENTO CRISTÃO 2 Sumário 1 O QUE SIGNIFICA SER UM PESCADOR DE MÁGOAS ............................... 7 1.1 A suíte do pescador (Dorival Caymmi) ................................................. 7 1.2 Pescadores e pescarias na Bíblia ........................................................ 8 1.3 De pescadores de homens a pescadores de mágoas ........................ 10 1.3.1 Como João contou sua história de pescaria .......................................... 13 1.3.2 Compromisso e a comunhão ................................................................ 15 1.3.3 Como chegar a ser um pescador de mágoas? ...................................... 18 1.3.4 Técnica ou fé? ...................................................................................... 18 1.3.5 Em que situações as ferramentas de aconselhamento pastoral são usadas? .............................................................................................................. 19 1.3.6 Objetivos fundamentais do trabalho de um conselheiro ou pescador de mágoas .............................................................................................................. 20 1.4 Contribuir para melhorar o processo de comunicação entre as pessoas ........................................................................................................... 22 1.5 Mudar o comportamento..................................................................... 23 1.6 Buscar auto realização ....................................................................... 23 1.7 Dar suporte especialmente nos momentos de crise ........................... 24 1.8 Pressupostos básicos de um pescador de mágoas ........................... 24 2 COMO DESENVOLVER A ENTREVISTA DE ACONSELHAMENTO .......... 25 2.1 Como deve ser a sala de atendimento ............................................... 25 2.2 Os móveis mais adequados para a sala de atendimento ................... 25 2.3 A localização da sala de atendimento no espaço da igreja. ............... 25 2.4 A sala de atendimento e a questão do sigilo ...................................... 26 3 O Início Da Entrevista De Aconselhamento .................................................. 27 3.1 A recepção ......................................................................................... 27 3.2 As primeiras impressões são as que ficam ........................................ 28 4 Confissão E Interpretação ............................................................................. 30 4.1 O momento da confissão .................................................................... 30 4.1.1 A hora da interpretação dos dados fornecidos pelo aconselhando ........ 31 4.2 Alguns exemplos de entrevista de aconselhamento ........................... 34 3 5 AS TEORIAS DO ACONSELHAMENTO PASTORAL .................................. 38 5.1 Tópico I: Abordagem Diretiva ............................................................. 38 5.2 Em quais situações se aplica melhor o aconselhamento diretivo? ..... 38 5.3 O lugar do conselheiro no aconselhamento diretivo ........................... 39 5.3.1 Jay Adams e a confrontação noutética. ................................................. 40 5.4 Abordagem Não Diretiva .................................................................... 41 5.4.1 Na abordagem não diretiva reforça-se a condição humana de se auto conduzir .............................................................................................................. 42 5.4.2 A postura do conselheiro não diretivo ................................................... 43 5.4.3 Um olhar não diretivo sobre o encontro entre Jesus e a mulher adúltera .. .............................................................................................................. 44 5.4.4 O conselheiro não diretivo deve aprender a ouvir o silêncio .................. 45 6 Abordagem Eclética ...................................................................................... 48 7 O QUE SE EXIGE DE UM CONSELHEIRO PARA O BOM MANEJO DAS TÉCNICAS DE ACONSELHAMENTO .............................................................. 50 7.1 Ser um cristão comprometido ............................................................. 50 7.2 Ser profundamente centrado em Cristo .............................................. 51 7.3 Fazer da Igreja a sua base de operações .......................................... 53 7.4 Ser um profundo conhecedor das Sagradas Escrituras ..................... 54 7.5 Ter disponibilidade para atender pessoas .......................................... 57 7.6 Buscar informações básicas sobre o comportamento humano .......... 58 8 Aprendendo A Lidar Com A Empatia: ........................................................... 60 8.1 O que é empatia? ............................................................................... 60 8.2 O que a empatia não é ou com o que ela não pode ser confundida .. 61 8.3 A importância do papel do conselheiro ............................................... 62 9 O BOM USO DAS TÉCNICAS DE ACONSELHAMENTO PASTORAL ........ 64 9.1 Motivação ........................................................................................... 64 9.2 Motivações negativas ......................................................................... 64 9.2.1 Prazer em influenciar pessoas. ............................................................. 64 9.2.2 Sentimento de superioridade por estar na condição de ajudar os outros. . .............................................................................................................. 65 9.2.3 Compensação por fracassos pessoais .................................................. 65 4 9.2.4 Busca de auto realização e reconhecimento dos outros ....................... 65 9.2.5 Agir a partir da falsa percepção de que o outro é digno de pena, que é um miserável. ............................................................................................................ 66 9.2.6 Conselheiro narcisista ........................................................................... 67 9.3 Motivações positivas .......................................................................... 67 9.3.1 Sentimento de missão ou vocação ........................................................ 67 9.3.2 Sentir-se mobilizado pela dor do outro. ................................................. 68 9.3.3 Se sentir disponível para ajudar o outro a sair dos círculos neuróticos que o aprisionam. ....................................................................................................... 68 9.3.4 Aprendendo a arte de pescar mágoas .................................................. 69 9.3.5 O anzol do pescador de mágoas ........................................................... 69 9.3.6 O mundo foi criado pela Palavra divina ................................................. 72 9.3.7 A palavra-anzol como ferramenta terapêutica no tratamento da problemática humana ........................................................................................... 73 9.3.8 Sobre anzóis e palavras: o que se deve fazer para nos tornarmos pescadores de mágoas muito especiais. .............................................................. 74 9.3.9 Uma palavra-anzól que se torna “bem-dita” é feita de material especialmente nobre ............................................................................................ 75 9.3.10 A importância do ouvir .......................................................................... 76 10 A ESTRUTURA DA FAMÍLIA ........................................................................ 77 10.1 A estrutura da família a partir da teoria geral dos sistemas ................ 77 10.2 Algumas propriedades dos sistemas abertos ..................................... 77 10.3 Os subsistemasda família nuclear ..................................................... 81 10.4 A estrutura da família como resultado da interação ........................... 82 10.4.1 Modo de interação permeável ............................................................... 82 10.4.2 Modo de interação impermeável ........................................................... 82 10.4.3 Modo de interação semipermeável ....................................................... 82 10.5 O pescador de mágoas e os conflitos familiares ................................ 83 10.5.1 Como vive uma família funcional? ......................................................... 83 10.5.2 Como vive uma família disfuncional? .................................................... 84 10.6 Problemas de comunicação familiar ................................................... 85 10.6.1 Comunicação simétrica ......................................................................... 86 10.6.2 Comunicação complementar ................................................................. 86 5 11 O SOFRIMENTO E A MORTE ...................................................................... 88 11.1 A Tanatologia ..................................................................................... 88 11.1.1 Diante do problema da morte ................................................................ 88 11.1.2 A morte e o cuidado de si mesmo ......................................................... 88 11.2 Os diversos tipos de morte ................................................................. 88 11.2.1 A morte oportuna .................................................................................. 89 11.2.2 A morte inoportuna................................................................................ 89 11.2.3 A morte intencional ou sub-intencional .................................................. 90 11.3 Reações à morte iminente .................................................................. 91 11.3.1 Choque ou negação .............................................................................. 92 11.3.2 Raiva..................................................................................................... 92 11.3.3 Barganha .............................................................................................. 93 11.3.4 Depressão ............................................................................................ 93 11.3.5 Aceitação .............................................................................................. 93 11.4 Diante de uma pessoa em estado terminal ........................................ 94 11.4.1 O que seria uma atitude disfuncional diante da morte? ......................... 94 11.4.2 O conselheiro ou médico e o sentimento de onipotência ...................... 94 11.4.3 A principal tarefa de um conselheiro ..................................................... 94 11.5 Como poderia agir um conselheiro? ................................................... 95 11.5.1 O conselheiro e a família do paciente em estado terminal .................... 95 11.6 Atitudes com relação à morte ............................................................. 95 11.6.1 As crianças pré-escolares ..................................................................... 96 11.6.2 As crianças entre 9 e 10 anos ............................................................... 96 11.6.3 Os adolescentes ................................................................................... 96 11.6.4 Os adultos jovens ................................................................................. 97 11.6.5 Os adultos maduros .............................................................................. 97 11.6.6 Os idosos .............................................................................................. 97 11.7 Tristeza, luto e perda .......................................................................... 97 11.7.1 Tristeza x perda .................................................................................... 98 11.7.2 O que é o luto? ..................................................................................... 98 11.7.3 O que é o luto normal? .......................................................................... 99 11.7.4 John Bowlby e a hipótese dos 4 estágios do luto ................................ 100 6 11.7.5 A duração do luto ................................................................................ 100 11.7.6 Luto inibido, adiado ou negado ........................................................... 100 11.7.7 Luto antecipatório ............................................................................... 101 11.7.8 O luto e a depressão ........................................................................... 101 11.8 O luto entre crianças e adolescentes ............................................... 101 11.8.1 As fases do luto entre crianças e adolescentes ................................... 102 11.8.2 A importância do bom manejo do luto em crianças ............................. 102 11.9 O luto entre os pais .......................................................................... 102 11.9.1 Os estágios do luto parental ................................................................ 102 11.9.2 O caráter devastador da perda de um filho ......................................... 103 11.9.3 O papel do conselheiro no processo do luto........................................ 103 7 1 O QUE SIGNIFICA SER UM PESCADOR DE MÁGOAS 1.1 A suíte do pescador (Dorival Caymmi) O aconselhamento pastoral se assemelha, em alguma medida, ao trabalho de um pescador. A pessoa que sofre apresenta diante de um conselheiro, via de regra, um mar, um rio ou uma lagoa de angústias, tristezas e mágoas. Cada um segundo a sua própria medida de problemas e dificuldades. O conselheiro, então, como um pescador, lança o anzol sobre essas tristes águas. Sua missão não é pescar peixe, mas as dores, o sofrimento, as mágoas que o aconselhando traz. Frequentemente, esse momento é muito complexo. Não se trata apenas de compartilhar uma experiência de vida com alguém ou simplesmente trocar informações a respeito de uma dificuldade qualquer ou, ainda, um bate papo com uma pessoa amiga. Trata-se de um processo de ajuda em que, pela ação do Espirito Santo, um determinado conselheiro, tendo aprendido a manejar um conjunto de ferramentas fruto de um processo de treinamento, se dispõe a ajudar àqueles que, de quando em quando, estejam enfrentando um momento de dificuldades em sua vida pessoal, em seus relacionamentos, em seu trabalho e até mesmo na igreja. Para que essa ajuda se torne efetiva, é muito importante que haja um preparo prévio ou seja, é preciso saber manejar bem esse anzol espiritual, mecanismo através do qual será processada a pescaria de mágoas ou, em outras palavras, o processo do aconselhamento pastoral em si mesmo. Podemos começar esse nosso percurso, lembrando uma velha canção que, sem dúvida, nos confronta com os pescadores das terras brasileiras, suas histórias e seus sonhos. Assim se expressou a respeito Dorival Caymmi, um dos nossos mais importantes cantadores: Minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar, meu bem querer. 8 Se Deus quiser, quando eu voltar do mar, um peixe bom eu vou trazer. Meus companheiros também vão voltar e a Deus do céu vamos agradecer...1 Faz parte do preparo de um conselheiro conhecer a cultura das pessoas que, em algum momento de suas vidas, estarão buscando consolo, conforto, ou esclarecimento para que as decisões que precisam tomar ou as dores que precisam curar sejam compreendidas de modo adequado. Nesse sentido, a inesquecível canção de Caymmi traz um pouco desse elemento de brasilidade que, unido a muitos outros, nos permiteter uma compreensão a respeito dos desejos, das angústias, dos sonhos dos cidadãos de nossa terra que, em algum momento, estarão necessitando, pelas razões mais diversas, da ajuda de um bom conselheiro. 1.2 Pescadores e pescarias na Bíblia Se, de fato, o aconselhamento pastoral se assemelha a uma pescaria, podemos e devemos consultar o que as Escrituras Sagradas falam a respeito. Os relatos que aí encontramos são, indiscutivelmente, muito significativos. Mas, antes, de nos defrontarmos com os pescadores das histórias bíblicas, dois conceitos são necessários para ampliar nosso universo de compreensão. O primeiro deles é o fato. Todo fato traz em si um forte caráter pretérito. É sempre uma referência a algo que já aconteceu e que, portanto, não pode se modificar mais. É como dizem os franceses, ce qui est fait est fait, o que está feito está feito2. Entretanto, seria essa expressão válida quando se trata do ser humano? Alguns estudiosos do Direito, por exemplo, questionam quando se afirma que “contra fatos, não há argumentos”. O professor de Direito André Karam Trindade3, por exemplo, mostra que o exercício da pratica jurídica se dá sobretudo através da linguagem. Ou seja, do 1 CAYMMI, Dorival. A suíte do pescador. Disponível em https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45589/ Acesso em 30 out. 2018. 2 LACERDA, Roberto Cortes & LACERDA, Helena Rosa Cortes & ABREU, Estela dos Santos. Dicionário de Provérbios. São Paulo: Editora UNESP, 2004. P. 3 André Karam Trindade é doutor em Direito, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA) e advogado. https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45589/ https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45589/ https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45589/ https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45589/ 9 ponto de vista epistemológico, “o processo judicial não é formado de fatos, mas de enunciados linguísticos a respeito dos fatos”4. Caberia, em um processo judicial em andamento, que cada uma das partes, a promotoria de um lado e a defesa de outro, fizesse a prova dos fatos alegados. É que todo fato é conhecido por meio de um relato e é este que dá vida ao fato. Os fatos são os fatos, mas como é que são interpretados? É nesse sentido que, como defende o professor Trindade, “contra fatos, só há argumentos” e é para isso que existe o processo. Na verdade, o processo se caracteriza pelo antagonismo entre as versões oferecidas pelas partes a respeito de determinados fatos. Nesse caso, não faria muito sentido, como explica ainda o professor Trindade, a célebre expressão do mundo jurídico da mihi factum, dabo tibi ius, dê-me os fatos e eu te darei o direito. Ora, tudo isso parece abrir uma fenda na muralha aparentemente inexpugnável do fato no mundo das leis. Naturalmente, quando se pensa no ser humano é essa fenda que abre um caminho para além dos fatos, o caminho das possibilidades. A possibilidade é, portanto, o segundo conceito a ser trabalhado nessa introdução e que aponta para um dos elementos essenciais do aconselhamento pastoral como veremos a seguir. Em oposição aos fatos prontos e acabados, a possibilidade refere-se aquilo que ainda é possível, algo que pode acontecer. Indica-se aqui que uma chance ou oportunidade pode alterar o rumo dos acontecimentos. Quando nos lembramos dos encontros de Jesus com seus primeiros seguidores, verificamos que muitas pessoas daqueles tempos viviam encerrados em um mundo marcado por fatos aparentemente imutáveis. No caso dos pescadores do Mar da Galileia, é razoável dizer que as perspectivas que eles tinham diante de si de uma vida diferente daquela à qual estavam acostumados era absolutamente inexistente. O caso de Pedro é emblemático. Ele e seu irmão André viviam da pesca. Não tinham nenhum tipo de letramento. Provavelmente, para eles, o único mundo possível se resumia ao mar da Galileia e cercanias. O fato inexorável da 4 TRINDADE, André Karam. Se o Direito é linguagem, então contra fatos só há argumentos. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe- direitolinguagem-entao-fatos-argumentos. Acesso em 30 out. 2018. https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos https://www.conjur.com.br/2017-jul-15/diario-classe-direito-linguagem-entao-fatos-argumentos 10 vida indicava que nasceram pescadores e deveriam viver como pescadores até ao fim dos seus dias. É como diriam os antigos, “pau que nasce torto, morre torto” ou, “quem nasceu para ser tostão, nunca chega a ser vintém”. Mas, um dia, eles se encontraram com Jesus e na muralha do destino inevitável abriu-se a fenda de uma possibilidade de vida diferente, de um novo olhar para existência, da superação de fronteiras, de um totalmente inesperado ir além. Pedro, de um simples pescador do mar da Galileia se transformou em pregador de multidões conforme nos relata Lucas no livro Atos dos Apóstolos (2: 14-41). E quem poderia imaginar que esse mesmo pescador tão simplório fosse viver os últimos dias de sua vida em Roma, nada mais nada menos do que a capital do Império Romano e, portanto, o centro do mundo de então? E mais ainda, como um dos mais proeminentes líderes de uma religião que acabou por conquistar progressivamente quase que todo o mundo ocidental? Não há dúvida, que a experiência com Cristo abriu para Pedro todo um caminho novo de possibilidades. Na vida desse Pedro cujo nome significava “rocha”, abriu-se, de fato, uma fenda nas imposições do destino e fez surgir no horizonte de sua existência possibilidades absolutamente inimagináveis. É sobre fatos e possibilidades o objeto de interesse do aconselhamento pastoral. Quando alguém se aproxima de um conselheiro solicitando ajuda, em geral, se apresenta marcado por fatos algumas vezes tão drásticos que é como se estivesse preso atrás de uma muralha inexpugnável. Como se não houvesse mais saída, como se a vida não tivesse mais sentido. Nos ombros o peso de toneladas de culpas, sentimentos negativos incontroláveis, um desânimo profundo colorindo de cinza toda a realidade. Cabe ao conselheiro, diante desse cenário obscuro ajudar a esse que tanto sofre a abrir, a princípio, uma pequena fenda nessa melancólica muralha que faça nascer a esperança de que após o choro de toda uma noite,a alegria possa surgir ao amanhecer (cf. Salmo 30: 5). 1.3 De pescadores de homens a pescadores de mágoas 11 A relação do cristianismo nascente com o mundo das pescarias nos remete, em primeiro lugar, àquele que pode ser considerado um dos primeiros símbolos cristãos de importância. Tratava-se do peixe. É que os primeiros cristãos adotaram esse símbolo, pois ele servia como uma espécie de acrônimo, algo semelhante a uma sigla ou abreviatura do nome de alguma organização. Assemelhava-se, também, a um acróstico, “composição poética na qual o conjunto das letras iniciais (e por vezes as mediais e as finais) dos versos compõe verticalmente uma palavra ou frase”5, que simbolizava para eles uma breve confissão de sua fé: a palavra para peixe é ἰχθύς ou em letras maiúsculas ΙΧΘΥΣ, em que cada uma das letras significava caríssima expressão de fé para cada cristão daqueles tempos e para nós nos dias atuais: Ἰησοῦς Χριστός, Θεοῦ ͑Υιός, Σωτήρ, Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. Na época das grandes perseguições, exatamente por não ser um símbolo exclusivamente cristão, a figura de um peixe era usada para marcar as catacumbas, que eram “galerias subterrâneas em cujas paredes se faziam tumbas”6, onde os primeiros cristãos enterravam os seus mortos e que servia, em tempos de grande aflição por causa das perseguições, como local de reunião. Uma outra curiosidade era que esse símbolo era usado como meio de comunicação. Os cristãos tinham o hábito de marcar o lugar onde estavam com uma meia lua para baixo. Se houvesse por perto algum outro cristão que fosse desconhecido ele, ao ver aquele desenho, completava-o com uma meia lua para cima, formando o símbolo do peixe e atestando com isso, que não estavam sozinhos. Em outras palavras, um processo comunicativo com Deus era fundamental através da oração e a palavra deveria circular entre os irmãos de tal modo a fortalecer em meio a circunstâncias muito desfavoráveis os laços de união no seio da comunidade de fé. No aconselhamento pastoral, esse movimento que vai da pessoa que sofre na direção de um ouvinte devidamente habilitado gera, na mediação do Espirito Santo de Deus, uma objetiva possibilidade de uma produtiva pescaria de mágoas. 5 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 44. 6 Idem, p. 426. 12 É que quando falamos das nossas dores e angústias e nos sentimos verdadeiramente ouvidos algo de extraordinário sempre acontece. As histórias de pescarias na Bíblia apontam certamente para isso. Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas contam como Jesus andando junto ao Mar da Galileia viu dois irmãos Pedro e André lançando suas redes ao mar, pois eram pescadores. Aproximou, então, deles e lhes disse: “Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens” (Mt. 4: 19). Os fatos inexoráveis da história desses dois irmãos indicavam de modo rígido que eles seriam até ao último de seus dias pescadores de peixe no Mar da Galileia. Entretanto, no convite de Jesus abriu-se uma fenda na compacta muralha do destino apontando para o começo de uma nova história. Eles não pensaram duas vezes. Atenderam de imediato ao convite do Mestre. E como se não bastasse isso, ao verem um pouco mais adiante outros dois irmãos, os filhos de Zebedeu, Tiago e João, fizeram questão de chamá-los também. Esses quatro companheiros de pescarias, certamente sem compreenderem plenamente o que acontecia em suas vidas, estavam atravessando a porta para um novo mundo de possibilidades, ou seja, de pescadores de peixes estavam se encaminhando para se tornarem pescadores de homens. Através dessa gente tão simples, mas tão cheia de vida pelo encontro com Cristo, o mundo haveria de ser transformado. Pessoas aos poucos foram sendo agregadas à comunidade cristã dos primeiros tempos. Traziam consigo sonhos, dores, dificuldades pessoais de toda ordem. Um pouco mais tarde, o apóstolo Paulo entendeu isso muito bem. Além de serem pescadores de homens, aqueles pioneiros deveriam ser pescadores de mágoas. Pensando assim, esse que é conhecido como o Apóstolo dos Gentios, escreveu na carta aos Gálatas: “Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo” (6: 2). Mais uma vez Jesus estava no Mar da Galileia ou lago de Genesaré. Havia uma pequena multidão que o acompanhava ansiosa para ouvir suas palavras de sabedoria e salvação. Avistou, de repente, dois barcos e os pescadores que haviam acabado de desembarcar e lavavam as redes. Aproximou de um deles, Simão chamado Pedro, e pediu-lhe que afastasse o seu barco um pouquinho da praia para que, de cima dele, ensinasse à multidão. Terminado esse momento, disse a Pedro: “Faze-te ao largo, e lançai as vossas 13 redes para pescar” (Mt. 5: 4). Simão Pedro respondeu: “Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos, mas sob a tua palavra lançarei as redes” (Mt. 5: 5). O resultado foi absolutamente extraordinário. Era tanto peixe que os companheiros do outro barco foram chamados para ajudar. Aquelas duas pequenas embarcações ficaram tão cheias que quase foram a pique. Diante de tudo isso, Simão Pedro, completamente maravilhado, prostou- se aos pés de Jesus e disse: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Mt. 5: 8). Os outros também ficaram estupefatos. Jesus, então, dirigindo-se a Pedro, disse: “Não temas; doravante serás pescador de homens” (Lc. 5: 10). Abriu-se aqui, definitivamente, uma fenda na muralha do destino da vida de Pedro e seus companheiros. Um outro elemento extremamente importante a se destacar nessa narrativa de Lucas é que, após a palavra de Cristo, Pedro resolveu lançar de novo as redes ao mar. Pode-se afirmar que essa experiência é uma indicação bastante clara de que só quando tentamos mais vez diante dos obstáculos que a vida nos propõe é que se cria a possibilidade de que um milagre aconteça. Em inúmeras ocasiões, quando uma pessoa que sofre resolve buscar ajuda, muitas vezes se aproxima de um conselheiro com uma sensação de profunda impotência diante dos fatos da vida, como se não houvesse solução possível para os dramas que está enfrentando. Diante de situações assim, um processo de aconselhamento pastoral deve contribuir para que esse que sofre descubra diante de uma verdadeira muralha de impossibilidades, uma fenda aberta que a encaminhe na direção de um novo tempo de esperança e realizações. 1.3.1 Como João contou sua história de pescaria A história de pescaria contada por João se deu após à ressurreição. Como em tantas outras ocasiões, Jesus, ainda antes do sol nascer, andava pela praia do Mar da Galileia. Alguns de seus discípulos tinham ido pescar naquela madrugada. Eram eles Simão Pedro, Tomé, Natanael, João, Tiago e, ainda, outros dois. Mas, o mar não estava para peixe e aquela madrugada havia sido totalmente infrutífera. Quando a manhã já dava os primeiros sinais de sua 14 chegada, Jesus, estando em um ponto da praia em que poderia ser ouvido pelos seus discípulos, embora estes não o tivessem reconhecido, lhes perguntou: “Filhos, tendes aí alguma coisa de comer?” (Jo. 21: 5). Diante da resposta negativa de seus discípulos, Jesus bradou da praia: “Lançai a rede à direita do barco e achareis” (Jo. 21: 6). O resultado, após a interferência de Jesus, foi uma pescaria fenomenal. Nada mais, nada menos que cento e cinquenta e três grandes peixes. Então, João se dirigiu a Pedro, dizendo: “É o Senhor!” (Jo. 21: 7). Pedro, mais que depressa, vestiu suas roupas e se lançou ao mar. Os outros vieram no barco puxando a rede completamente cheia. Ao chegarem à praia, uma surpresa. Havia umas brasas sobre a areia e em cima, peixes e pão. E Jesus lhes disse: “Vinde e comei” (Jo. 21: 12). Imaginem a situação.Todos assentados em círculo em volta da fogueira comendo pão e peixe. Estavam todos ali em um momento de grande companheirismo. Jesus os havia convidado para um momento de comunhão. Eles haveriam de cumprir importante missão na expansão do evangelho. Ser companheiro, portanto, um do outro seria fundamental. A palavra companheiro se origina da expressão latina “cum panis”, ou seja, é uma referência àquela pessoa com quem partimos o pão6. Aquele que, por ser gente de nossa confiança, pode assentar-se à nossa mesa e dividir conosco ideias, projetos, vitórias, derrotas ou um simples pedaço de pão. Essa relação próxima faz da outra pessoa alguém significativo, com quem, via de regra, se estabelece uma relação de compromisso. Se uma pessoa com quem nos relacionamos nesse nível passa por alguma dificuldade, certamente, nos preocupamos. Se adoece e é hospitalizada, a visitamos. Se se alegra, nos alegramos juntos. Tudo isso sugere comunhão. Aqueles companheiros de Jesus conversavam com os assentados provavelmente em círculo. Embora aqueles tempos fossem difíceis, o Cristo que estava com eles ali era o Cristo ressurreto. Talvez, por isso mesmo, aquele momento fosse de grande leveza. Estavam alegres. Por um instante, parece que tudo estava absolutamente bem. Era como experimentar um pouco do céu na praia do Mar da Galileia. 6 Disponível em https://www.dicionarioinformal.com.br/significado/companheiro/2220/ acesso em 23/10/2018 às 17:47. https://www.dicionarioinformal.com.br/significado/companheiro/2220/ https://www.dicionarioinformal.com.br/significado/companheiro/2220/ https://www.dicionarioinformal.com.br/significado/companheiro/2220/ 15 Compromisso e comunhão. Comunhão e compromisso. Quando se fala de aconselhamento pastoral, esses dois elementos são imprescindíveis. Quando alguém que sofre busca ajuda é preciso que se constitua com quem se dispõe a ajudar, primeiramente, um vínculo de compromisso. Independente dos caminhos pelos quais uma pessoa passa, das tristezas que esteja experimentando, das angústias que invadem a sua alma, quem sofre dores que ultrapassam os limites do suportável precisa encontrar em um conselheiro pastoral o firme compromisso de quem se relaciona com alguém que é muito significativo. Em segundo lugar, é básico que na relação entre o conselheiro e o aconselhando se estabeleça profunda comunhão. A origem dessa palavra é grega, κοινωνία, koinonia 7 .Significa participação, companheirismo, compartilhamento. Os cristãos primitivos usavam esse termo para mostrar, por exemplo, como as primeiras comunidades cristãs se constituíam. No aconselhamento, cria-se sempre a possibilidade de comunhão quando a relação que se estabelece entre quem busca ajuda e quem pretende ajudar é marcada por um profundo compromisso com aquele ser humano que naquele momento específico de sua vida precisa de um ouvido, necessita uma orientação ou mesmo refazer caminhos para continuar a jornada da existência humana. 1.3.2 Compromisso e a comunhão A história de pescaria narrada pelo evangelista João, dessa vez, envolveu uma das aparições de Jesus após a ressurreição. Reforça-se aqui, sobretudo, a possibilidade de um milagre acontecer nas nossas vidas quando tentamos ainda uma vez. Após essa narrativa absolutamente inspiradora, somos confrontados com um diálogo que chama a atenção especialmente quando se pensa em termos de aconselhamento pastoral. 7 BERRY, George Ricker. Greek – English Lexicon to the New Testament. In: The Interlinear literal translation of The Greek New Testament. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House, 1976. p. 56. 16 É que na conversa entre Jesus e Pedro a partir do verso 15 entramos em contato com aquela que é considerada a mais importante ferramenta do processo de aconselhamento pastoral: a empatia. A palavra empatia se origina do alemão einfuhlung, que significa sentir a partir de dentro8. Este termo, por sua vez, origina-se do grego páthos, que quer dizer sentimento forte e profundo, semelhante ao sofrimento. Algo que se assemelha à experiência empática aparece no diálogo entre Jesus e Pedro. Quando estudamos hermenêutica aprendemos que as palavras gregas ἀγαπᾷς e φιλῶ que aparecem nesse diálogo são sinônimas e ambas expressam amor, benevolência, boa vontade, afeto. Pode ser que, segundo nos aponta o Broadman Bible Comentary, que a questão básica aqui não fosse o tipo de amor envolvido, mas a disposição de Pedro em traduzir seu amor por Cristo no ministério de cuidado pastoral9. Do mesmo modo como ele negou a Jesus 3 vezes, para cuidar do rebanho do Senhor, ele teria que reafirmar seu amor por Jesus também 3 vezes. Na medida em que essas afirmações iam acontecendo, confirmava-se a chamada de Pedro e a dos seus companheiros10. No entanto, segundo o Thayer Greek-English Lexicon of the New Testament 11 , é possível estabelecer alguma distinção entre esses dois vocábulos. De um lado, ἀγαπᾷς em virtude de sua conecção com a palavra ἀγαμαι, que significa “eu quero dizer”. É algo que se diz ao outro a partir de um amor fundado na admiração, veneração, estima. Assemelha-se ao latim diligere, significando estar gentilmente disponível ao outro, desejar o melhor para esse outro12. Por outro lado, φιλῶ denota uma inclinação provocada pelos sentidos e pela emoção. Assemelha-se ao latim amare. Por exemplo, espera-se que os seres humanos 8 CORDEIRO, Rubens Eduardo. Pescadores de mágoas. São Paulo: Rádio Trans Mundial, 2012. P. 34. 9 ALLEN, J. Clifton (Ed.). The Broadman Bible Comentary. Nashville, Tennessee: Broadman Press, 1970. P. 374 10 SHEPHERD, JR. Massey H. The Gospel According to John. In: LAYMON, Charles M. (Ed.). The Interpreter’s One Volume Commentary on the Bible. Nashville and New York: Abingdon Press, 1971. P. 727. 11 THAYER, Joseph Henry. A Greek-English Lexicon of the New Testament. New York: American Book Company, 1889, p. 653. 12 LIDELL, Henry George; SCOTT, Robert. A Greek-English léxicon. Oxford: Oxford University Press, 1996. P. 1520. 17 ἀγαπᾷ amem a Deus e não simplesmente φιλῶ no sentido de serem amigos de alguém. Observe bem o texto do João 21 a partir do verso 15: 15 Ὅτε οὖν ἠρίστησαν λέγει τῷ Σίμωνι Πέτρῳ ὁ Ἰησοῦς· Σίμων Ἰωάννου, ἀγαπᾷς με πλέον τούτων; λέγει αὐτῷ· Ναί, κύριε, σὺ οἶδας ὅτι φιλῶ σε. λέγει αὐτῷ· Βόσκε τὰ ἀρνία μου. 16 λέγει αὐτῷ πάλιν δεύτερον· Σίμων Ἰωάννου, ἀγαπᾷς με; λέγει αὐτῷ· Ναί, κύριε, σὺ οἶδας ὅτι φιλῶ σε. λέγει αὐτῷ· Ποίμαινε τὰ πρόβατά μου. 17 λέγει αὐτῷ τὸ τρίτον· Σίμων Ἰωάννου, φιλεῖς με; ἐλυπήθη ὁ Πέτρος ὅτι εἶπεν αὐτῷ τὸ τρίτον· Φιλεῖς με; καὶ εἶπεν αὐτῷ· Κύριε, πάντα σὺ οἶδας, σὺ γινώσκεις ὅτι φιλῶ σε. λέγει αὐτῷ ὁ Ἰησοῦς· Βόσκε τὰ πρόβατά μου (João 21). Jesus, nas duas perguntas iniciais que fez a Pedro, usa a expressão ἀγαπᾷς με, amas-me? Nas duas respostas que Pedro deu usou a expressão: Ναί, κύριε, σὺ οἶδας ὅτι φιλῶ σε, sim, Senhor, tu sabes que eu te amo. Jesus pergunta ainda uma vez mais, mas agora observa-se uma pequena diferença, em vez de perguntar ἀγαπᾷς με, Jesus pergunta Φιλεῖς με, amas-me? Ou como traduz Berry, “I have affection for thee”13. Há aqui a possibilidade de que Jesus estivesse questionando Pedro tendo em vista uma espiritualidade ou devoção mais elevada do que aquela que ele poderia oferecer. No entanto, não há como negar que Jesus, nas duas primeiras perguntas que faz usa a expressão: ἀγαπᾷς με. Não se pode negar, do mesmo modo, que Pedro respondeu sempre com a expressão φιλῶ σε. Isso sugere que, nesse inspirado jogo de palavras, Jesus desce ao nível do discurso de Pedro. Ao usar, na terceira pergunta, a mesma linguagem de Pedro, pelo menos a princípio, a comunicação se coloca no mesmo nível decompreensão da realidade que Pedro parecia demonstrar. Era como tentar ver o mundo a partir da ótica de Pedro. Agindo assim, Jesus acabou por praticar um inesquecível gesto de empatia. Não se tratava aqui de mostrar que o φιλῶ σε de Pedro representava uma linguagem inferior ou que Pedro fosse incapaz de alcançar o que Jesus estava dizendo, mas que Jesus optou, nesse momento solene do diálogo, por usar a linguagem que Pedro estava usando. É nisso que se pensa quando se pensa em 13 “Eu tenho afeto ou carinho por ti”. Conforme BERRY, George Ricker. The Interlinear literal translation of The Greek New Testament. Grand Rapids Michigan: Zondervan Publishing House, 1976. P. 309. http://bibliaportugues.com/texts/john/21-15.htm http://bibliaportugues.com/texts/john/21-15.htm http://bibliaportugues.com/texts/john/21-16.htm http://bibliaportugues.com/texts/john/21-16.htm http://bibliaportugues.com/texts/john/21-17.htm http://bibliaportugues.com/texts/john/21-17.htm 18 empatia. Conhecer o discurso do outro, falar como a outra fala e assim criar uma real oportunidade de conexão. Digno de nota é, também, o fato de que Jesus em nenhum momento desvalorizou Pedro por não usar a mesma expressão que Ele usava. Diante da primeira resposta de Pedro Jesus lhe diz: Βόσκε τὰ ἀρνία μου, alimenta os meus cordeirinhos. Diante da segunda resposta, Jesus disse: Ποίμαινε τὰ πρόβατά μου, pastoreia as minhas ovelhas. No terceiro questionamento, Jesus diz: Βόσκε τὰ πρόβατά μου, alimenta as minhas ovelhas. Todas essas três expressões dizem muito a respeito do aconselhamento pastoral. A ação que se pretende aqui é que de fato, o rebanho de Cristo possa ser devidamente alimentado. Isso só é possível, se o conselheiro é capaz de conhecer as necessidades do seu aconselhando, o que se faz a partir do rico aprendizado de se enxergar efetivamente esse outro que, em um dado momento de sua vida se apresenta sofrendo dores que não é capaz de manejar sozinho. No entanto, além de alimentar o rebanho é preciso pastoreá-lo. Significa ser efetivamente pastor, cuidar e amar. Em terceiro lugar, alimentar as ovelhas com o consolo e o conforto que vem do Senhor. 1.3.3 Como chegar a ser um pescador de mágoas? Para que se possa chegar à condição de um bom pescador de mágoas é de fundamental importância compreender o lugar da fé e da técnica nesse processo. O que veremos aqui é que o uso das técnicas de aconselhamento somadas à experiência de fé devem habilitar o conselheiro ou pescador de mágoas de tal maneira, que ele possa, de modo competente, assistir aos que sofrem espiritualmente, fisicamente e emocionalmente. 1.3.4 Técnica ou fé? Nem sempre é possível resolver as dificuldades da vida no plano espiritual. Por exemplo, mergulhando em uma profunda vida de oração. Essa 19 experiência é extremamente válida. A oração e a leitura da Bíblia fazem bem à alma e ao coração. Nessas horas Deus fala ao mais íntimo do nosso ser. No entanto, certos problemas que enfrentamos podem comprometer até mesmo a experiência desses tão desejados momentos de devoção e de busca espiritual. Às vezes, nossas reações, nosso comportamento, nossas maneiras de agir são impulsionadas por forças interiores tão profundos que, usando somente de decisões fundadas na razão e no bom senso e, até mesmo, na tentativa honesta de se viver uma vida de fé, não conseguimos resolver. Nesse momento é preciso recorrer à técnica “para desmascarar o inimigo oculto”14 que nos atormenta. O curso de aconselhamento pastoral nos colocará em contato com algumas dessas técnicas. Elas devem ser entendidas como ferramentas, à semelhança de uma enxada, que limpa o terreno de tal modo que ele se torne propício para receber a semente. A semente é vida, é ação de Deus em nós, é obra do Espirito Santo. As técnicas de aconselhamento à semelhança de uma pá ou de uma enxada preparam o aconselhando para que possa responder de modo saudável à chamada da fé. 1.3.5 Em que situações as ferramentas de aconselhamento pastoral são usadas? Na verdade, quando enfrentamos uma dificuldade emocional mais grave, todo o nosso ser é atingido. Uma pessoa, por exemplo, passando por uma crise depressiva é invadida por uma perda de energia que não consegue explicar, cansaço constante, sensação de tristeza profunda; às vezes, uma inexplicável lentidão para reagir diante das demandas do cotidiano; em outros momentos, uma irritabilidade completamente fora de controle. Esses e muitos outros sintomas de depressão atingem a pessoa como um todo. Como superar dificuldades como essas? 14 TOURNIER, Paul. Tecnica Psicoanalitica e Fé Religiosa. Buenos Aires: Editorial La Aurora, 1969. P. 12. 20 Cabe a um conselheiro ou pescador de mágoas assistir espiritualmente, fisicamente e emocionalmente quando alguém se apresenta tão debilitado que, naquele momento, não é capaz de dar conta da própria vida. São situações de desajuste que trazem sofrimento, que infelicitam a vida de tantos. 1.3.6 Objetivos fundamentais do trabalho de um conselheiro ou pescador de mágoas Destacaremos aqui alguns dos objetivos fundamentais que devem caracterizar o trabalho de um conselheiro pastoral ou de um pescador de mágoas. Um primeiro objetivo refere-se à busca de uma boa leitura de si mesmo e do outro que o conselheiro precisa aprender. Em segundo lugar, o processo do aconselhamento envolve uma tentativa de praticar com o aconselhando um relacionamento baseado em um processo comunicativo saudável. Em terceiro lugar, considerar que em um encontro humano mais profundo, há grande possibilidade de mudança de comportamento. Toda pessoa que sai de um processo de aconselhamento deveria sentir que, de fato, que alguma coisa mudou. Em quarto lugar, ajudar ao aconselhando a se perceber em marcha em busca da realização dos seus sonhos. E, em quinto lugar, mas não menos importante, é a prontidão que se espera de cada conselheiro em dar suporte ou apoio especialmente nos momentos de crise. Aprender a ler a si mesmo e ao outro. Daniel Goleman, autor do best seller Inteligência Emocional, intitulou a parte cinco desse seu livro Alfabetização Emocional, considerando que boa parte de nossas reações se devem a uma compreensão distorcida do que se passa à nossa volta. Esse tipo de falha perceptiva é mais comum entre pessoas com baixo limiar de controle dos seus impulsos e, portanto, mais agressivas. Elas veem "ofensa onde não há, imaginando que os colegas lhe são mais hostis do 21 que na verdade são”.15 Comportamentos assim podem ser definidos como falta de alfabetização emocional. Na pratica, essa falta de alfabetização emocional implica em uma dificuldade de lermos a nós mesmos e ao mundo que nos cerca. Nesse sentido, a história bíblica que relata o encontro entre o evangelista Felipe e o eunuco da Etiópia, que era um importante oficial encarregado de todo o tesouro da Rainha Candace, se torna, para nós, especialmente elucidativa. Um anjo do Senhor falou ao coração de Felipe para que ele se dirigisse ao caminho que descia de Jerusalém a Gaza. Ali estava um etíope que examinava as Escrituras Sagradas, lendo o profeta Isaias. Instado pelo Espirito de Deus, Felipe se aproximou e fez uma pergunta que, para o aconselhamento pastoral, é uma pergunta absolutamente emblemática: “Entendes tu o que lês?” (Atos 8: 30). Podemos pensar, a partir dessa questão, que as pessoas são como livros. Vocês já perceberam que quando lemos alguma coisa importante tendemos a sublinhar o texto? Pois algo semelhante acontece na nossa relação com as pessoas que nos cercam. Sublinhar o texto do outro significar destacar de modo especial algo positivo que esse outro tenha feito. Pode ser uma esposa,um marido, um filho, alguém próximo ou distante, ou aquela que está passando por uma situação difícil e busca o apoio de um conselheiro. Aprender esse tipo de leitura é fundamental para um pescador de mágoas, para um conselheiro que, pretenda, de fato, ser um intermediário do que Deus deseja fazer na vida dos que sofrem. Faz parte desse processo aprendermos a ler a nós mesmos. Compreender porque agimos desse modo ou de outro. Porque certas experiências nos mobilizam mais. Ter uma ideia melhor do que é que toca os nossos corações. Essa habilitação nos permite ou nos dá melhores condições para lermos de modo mais eficiente o mundo do outro. 15 GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda., 1995. P. 255. 22 1.4 Contribuir para melhorar o processo de comunicação entre as pessoas Boa parte dos problemas que enfrentamos em nossos relacionamentos surgem de uma má compreensão ou uma má percepção do que os outros estão nos comunicando. Ainda considerando a história de Felipe com o eunuco da Rainha Candace, o Espirito de Deus orientou Felipe a que se aproximasse daquele homem e o acompanhasse. Esse foi um outro momento emblemático quando se pensa em aconselhamento pastoral. Nada acontece na relação entre as pessoas se não nos aproximamos delas. Isso implica em estabelecimento de pontes e não criação de muros. Quando os muros são inexpugnáveis, quando estamos ilhados em meio às nossas dores e mágoas, é aí que nasce o perigo da tristeza, da angústia incontrolável, da solidão. É como diz um certo poema de autor desconhecido: “Há muros que só a paciência derruba e pontes que só o carinho constrói”.16 Quando nos aproximamos, cria-se a possibilidade de que algo extraordinário efetivamente aconteça. No caso do relacionamento entre Felipe e o eunuco algo assim aconteceu: “Seguindo pelo caminho, chegaram a um certo lugar onde havia água. Então o eunuco disse: eis aqui água. O que me impede de ser batizado? E Felipe respondeu: é lícito, se você crê de todo o coração. Então ele disse: creio que Jesus Cristo é o filho de Deus. Então mandou parar a carruagem, ambos desceram à água e Felipe batizou o eunuco” (Atos 8: 36-38). A experiência do aconselhamento pretende, primeiramente, lançar pontes e, assim, chegar o mais perto possível da alma daquele que sofre. É o pescador de mágoas lançando o seu anzol de tal modo a pescar as tristezas e as mágoas dos nossos aconselhados. Trata-se, também, de um extraordinário exercício que pode conduzir àquele que é ajudado a melhorar o seu processo de comunicação com os que o cercam. 16 Disponível em https://www.pensador.com/frase/MTQ0MDA3OQ/ acesso 29/102018 às 17 horas e 26 minutos. https://www.pensador.com/frase/MTQ0MDA3OQ/ https://www.pensador.com/frase/MTQ0MDA3OQ/ 23 1.5 Mudar o comportamento A pratica do aconselhamento pastoral tem como um dos seus objetivos a mudança de comportamento. Essa ideia se fundamenta em um dos mais citados ensinos do apóstolo Paulo: “Pelo que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo” (II Cor. 5 :17). Em outras palavras, podemos mudar de uma vida exclusivamente vivida segundo a carne ou que tenta resolver seus questionamentos apenas de um ponto de vista puramente humano, para uma vida que se abre para a ação de Cristo e a partir daí, não mais pensa ou age segundo a carne, mas de acordo com Espirito17. Viver, também, segundo a carne implica em ser dominado pelas emoções e pelos instintos, o que significa desregramento, descontrole, impulsividade. 1.6 Buscar auto realização O processo de aconselhamento objetiva, também, levar o aconselhando a perceber que sua vida pode melhorar sempre. É contribuir para que o que busca ajuda possa estabelecer metas para a sua existência. O modelo é a experiência de Abraão. Quando Deus o convocou, teve que deixar sua zona de conforto e, literalmente, caminhar pelo mundo. O objetivo era chegar à terra prometida das realizações que levam a pessoa a sentir cada vez mais completa na medida em que o tempo passa. É sair de si mesmo. Levantar os olhos e enxergar novas possibilidades. Foi assim que Deus falou a Abraão: “Saia da sua terra, da sua parentela, da casa de seu pai e vá para a terra que eu lhe mostrarei. Farei de você uma grande nação, e o abençoarei, e engrandecerei o seu nome. Seja uma benção! Abençoarei aqueles que o abençoarem e amaldiçoarei aquele que o 17 PRICE, James L. The second letter of Paul to the Corinthians. In: LAYMON, Charles M. (ed.) The Interpreter’s one-volume commentary on the Bible. Nashville and New York: Abingdon Press, 1971. P. 817. 24 amaldiçoar. Em você serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12: 1-3). 1.7 Dar suporte especialmente nos momentos de crise O aconselhamento pastoral representa a possibilidade de se colocar em pratica o ensino de Paulo endereçado, ainda no primeiro século de nossa era, aos irmãos da Galácia, mas que, em termos de pescaria de mágoas, mantém em sua plenitude o seu sentido original: “Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gálatas 6:2). 1.8 Pressupostos básicos de um pescador de mágoas • Levar em conta que, diante de si, se encontra um ser humano criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gênesis 1: 26,27). • Ter em mente que o mesmo Deus que criou este homem, também planejou redimi-lo através da vida e da morte do seu unigênito filho (cf. João 3: 16). • Ser capaz de refletir o amor, a misericórdia, a graça e a justiça de Deus àquele que busca ajuda. • Encaminhar aquele que busca ajuda a um relacionamento mais maduro com Cristo. 25 2 COMO DESENVOLVER A ENTREVISTA DE ACONSELHAMENTO 2.1 Como deve ser a sala de atendimento A entrevista de aconselhamento tem seu início quando o aconselhando, ou seja, a pessoa que busca ajuda chega ao local do aconselhamento. Aqui cabe uma breve consideração, mas que é bastante importante. O ideal é que a sala onde vai acontecer o aconselhamento seja bem simples. Via de regra, usa-se o gabinete pastoral. Não há problema, desde que o local seja despojado, sem enfeites – como, por exemplo, uma parede cheia de diplomas. Evita-se, assim, estímulos que poderiam tirar a atenção do aconselhando da dificuldade que está tratando com o conselheiro. 2.2 Os móveis mais adequados para a sala de atendimento Quanto aos móveis, o fundamental é que haja uma mesa e duas cadeiras, já que a entrevista deve ser tête-a-tête, ou seja, uma conversa privada entre duas pessoas. Nesse caso, não se recomenda o uso de sofá, o que poderia colocar limites sobre esse contato face a face. 2.3 A localização da sala de atendimento no espaço da igreja. A sala escolhida para o aconselhamento não deve ficar em um lugar muito escondido dentro do espaço disponível de uma Igreja. O ideal é que se situe em um lugar onde haja um certo trânsito de pessoas, para evitar qualquer tipo de suspeita a respeito do que, de fato, acontece durante o processo de 26 aconselhamento. Aqui vale a antiga expressão: “não basta ser honesto, é preciso parecer honesto”18. 2.4 A sala de atendimento e a questão do sigilo Esse tipo de atendimento exige sigilo. Nesse caso, sendo possível, seria interessante que a porta tivesse uma parte com vidro transparente, em geral a parte de cima. Qualquer pessoa que passasse em frente à sala de aconselhamento saberia o que se passa lá dentro. Isso, também, poderia ajudar no sentido de se poder manter a porta fechada para que não haja interrupção indevida desse momento. Ainda considerando a questãodo sigilo, seria importante que a sala tivesse algum tipo de isolamento acústico que pudesse impedir que o que se diz no seu interior seja ouvido do lado de fora. 18 Conta-se que a origem dessa frase foi uma grande festa que Pompéia, a esposa de Júlio César, o grande conquistador, considerado por muitos um dos maiores comandantes militares da história, resolveu dar em homenagem a uma deusa chamada Bona Dea, deusa da fertilidade e da virgindade, onde todos os convidados eram mulheres. Mas, um jovem chamado Públio Clódio Pulcro, vestido de mulher, entrou na festa, segundo alguns, com o objetivo de conquista-la. Nada aconteceu de extraordinário, a não ser um intenso disse-me-disse, o que gerou, posteriormente, o provérbio: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. (Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Pompeia. Acesso em 19/11/2018). https://pt.wikipedia.org/wiki/Pompeia https://pt.wikipedia.org/wiki/Pompeia 27 3 O Início Da Entrevista De Aconselhamento 3.1 A recepção É preciso receber a pessoa que chega em busca de ajuda de forma amistosa, mas discreta. O que se espera aqui é um aperto de mãos e nada mais. Abraços efusivos, demonstração excessiva de alegria, ou, expressão facial cansada, triste, enfastiada, são comportamentos a serem evitados. De um modo geral, buscar a ajuda de alguém em aconselhamento não é uma experiência muito fácil. Aprendemos, especialmente no meio evangélico, que a confiança em Deus e no poder da oração é suficiente para resolver todos os nossos problemas. No entanto, é sempre bom lembrar que Deus usa gente para ajudar gente. É nesse sentido que Barnabé agiu ao apresentar Paulo à comunidade cristã primitiva que reagiu – com toda razão, de modo bastante desconfiado à aproximação daquele que anteriormente os perseguia, como nos contou o evangelista Lucas: “Tendo chegado a Jerusalém, procurou juntar-se com os discípulos; todos, porém, o temiam, não acreditando que ele fosse discípulo. Mas Barnabé, tomando-o consigo, levou-o aos apóstolos; e, contou-lhes como ele vira o Senhor no caminho, e que este lhe falara, e como em Damasco pregara ousadamente em nome de Jesus”19. Se esse processo é tão difícil para a maioria das pessoas, torna-se ainda mais necessário que esse primeiro momento seja, ao mesmo tempo, formal e acolhedor, devendo ficar claro que se trata de alguma coisa bastante séria. O modo como uma pessoa é recebida para um atendimento dessa natureza precisa ser semelhante ao que Barnabé fez com Paulo na comunidade cristã primitiva: amistoso, cortês e confiável. É importante que seja assim, pois o sucesso do processo de aconselhamento depende e muito de um clima de receptividade que permita ao 19 Atos 9: 26, 27. 28 aconselhando ter a necessária condição para abrir a sua alma diante de um conselheiro. 3.2 As primeiras impressões são as que ficam Espera-se que um conselheiro esteja totalmente disponível quando chegar o momento de atender alguém. Isso é absolutamente básico para que o rapport seja estabelecido de maneira adequada, como sugere Rollo May em seu livro A Arte do Aconselhamento Psicológico20. A palavra rapport é de origem francesa, significando “trazer de volta” ou “criar uma relação”. Dentro do universo da psicologia, ela se refere a “uma técnica usada para criar uma ligação de sintonia com a outra pessoa”21, gerando uma forma agradável de relacionamento. Uma das características do rapport é o espelhamento em que o nível de atenção do conselheiro é tão grande que, em certos momentos de sua escuta, chega a imitar um pouco da linguagem corporal da outra pessoa. Por exemplo, o aconselhando coça a cabeça e o conselheiro o imita imperceptivelmente. É possível perceber os primeiros sinais de um rapport bem estabelecido já no aperto de mãos que deve sugerir ao aconselhando que está sendo recebido com simpatia e acolhimento. Essa sensação torna o ambiente mais agradável possibilitando que tanto o conselheiro como o aconselhando se sintam à vontade facilitando o processo de compartilhamento das dores e das mágoas da vida. Contribui, certamente, para um bom rapport que o conselheiro se expresse de modo natural e não, por exemplo, no caso de ser um pastor, usar uma voz um tanto empostada como se fosse pregar um sermão. O conselheiro precisa se lembrar sempre que, antes de desempenhar essa função, ele é um ser humano diante de um outro ser humano que enfrenta, como ele também em outros momentos, algum grau de dificuldade. 20 MAY, Rollo. A Arte do Aconselhamento Psicológico. Petrópolis: Vozes, 1976. P. 109. 21 Informação disponível em https://www.significados.com.br/rapport/ Acesso em19/11/2018. https://www.significados.com.br/rapport/ https://www.significados.com.br/rapport/ 29 Um outro elemento que é bastante significativo no rapport é a capacidade do conselheiro falar a linguagem do aconselhando. A língua é o canal mais usual da empatia. Em processo de aconselhamento bem conduzido a possibilidade de se incorporar um pouco da linguagem do aconselhando estabelece uma natural ponte empática tornando a entrevista mais próxima do coração, dos afetos, dos sentimentos. Quando há essa linguagem comum o processo comunicativo se torna mais fluido e contribui para que as tais primeiras impressões sejam ainda mais marcantes. 30 4 Confissão E Interpretação 4.1 O momento da confissão Superado o primeiro momento da entrevista de aconselhamento marcado, desejavelmente, por um rapport bem estabelecido, chegamos ao coração do processo. É o momento da confissão. Para que ele aconteça de modo eficiente é fundamental que o aconselhando viva uma espécie de processo catártico. Essa palavra se origina do termo grego κάϑαρσις, kátharsis, significando "purificação". Ela deriva-se do termo καϑαίρω, que significa exatamente isso, "purificar". Ela é utilizada nos mais diferentes contextos como a tragédia grega, a medicina e a psicanálise. Na medicina, por exemplo, um medicamento catártico ou que tenha uma função catártica, é aquele que possui um efeito purgante sobre o intestino, ou seja, um tipo de substância que causa uma forte evacuação intestinal, aquilo que, literalmente, é colocado para fora. Na psicanálise, Freud, tomando como referência um atendimento clínico feito por seu amigo Josep Breuer, o famoso caso Anna O., usou o termo “limpeza da chaminé”, fruto do comentário de uma de suas pacientes, querendo dizer que a cura viria pela palavra, o que passou a ser conhecido como “talking cure”. O processo se daria, na pratica, em evocar as lembranças associadas às situações traumáticas da vida, fazendo com que os perturbadores elementos inconscientes responsáveis pelo sofrimento psíquico do paciente fossem trazidos à consciência provocando uma melhora geral em seu quadro clinico. Em outras palavras, essa melhora viria através da palavra que traz para fora os conflitos que a pessoa experimenta em seu íntimo. Além de tudo isso, o sentido de catarse na tragédia grega é muito elucidativo quando se pensa em aconselhamento pastoral. Segundo Aristóteles, a tragédia provoca uma verdadeira catarse na audiência ao representar em um palco dramas que, de algum modo, todos experimentam. É como se as dores que a alma humana enfrenta fossem o grande protagonista do espetáculo. Diante da projeção dos seus próprios sofrimentos e angústias, o ser humano passa por um processo de purificação interior por meio da descarga https://en.wiktionary.org/wiki/%CE%BA%CE%AC%CE%B8%CE%B1%CF%81%CF%83%CE%B9%CF%82 https://en.wiktionary.org/wiki/%CE%BA%CE%AC%CE%B8%CE%B1%CF%81%CF%83%CE%B9%CF%82 https://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teleshttps://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teles https://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teles 31 emocional provocada pela encenação dos seus traumas. Isso tudo resulta em que, no momento da confissão, o aconselhando tenha a oportunidade de falar o mais possível de suas mágoas, de suas tristezas, daquilo que não funciona em sua vida. Trata-se aqui da afirmação de um princípio básico do processo de aconselhamento: durante o período da confissão é o aconselhando quem fala. Pode-se afirmar, nesse caso que, quase como uma regra, “se o aconselhando não falar pelo menos dois terços, há algo errado na maneira de conduzir o aconselhamento”22. Um segundo princípio, é que existe um valor catártico em si mesmo no momento da confissão. O simples fato do aconselhando poder desabafar diante de alguém que o escuta com atenção em um clima de receptividade e compreensão pode contribuir, efetivamente, para que se torne psicologicamente mais sadio. Um terceiro princípio é que um conselheiro hábil consegue dirigir a confissão do aconselhando para o problema central. A maioria dos aconselhandos tende a dar voltas ou, de certo modo, tenta adiar ao máximo ter que tratar daquilo que é mais dolorido. É que, como nos mostra Rollo May, “Existem certos processos inconscientes no indivíduo, na verdade, que o levam involuntariamente a retrair-se da área melindrosa do seu problema. Isso significa que é necessário habilidade por parte do conselheiro para perceber o problema real por trás das afirmações irrelevantes. O costume de deixar o aconselhando começar a falar por onde quiser é bom, mas o conselheiro deve então abrir o caminho para que ele fale sobre o problema real”24. 4.1.1 A hora da interpretação dos dados fornecidos pelo aconselhando A primeira coisa a se destacar aqui é que interpretar o que o aconselhando diz é um trabalho de 4 mãos. O conselheiro não é um mago ou um ser especial com dons de adivinhação. Para que ele entenda o que o outro está dizendo, necessita buscar no discurso que esse outro traz os elementos que permitirão essa compreensão. É preciso lembrar que cada pessoa é como se fosse um dicionário. A maioria dos bons dicionários de língua portuguesa, por exemplo, abordam os 22 MAY, Rollo. Op. Cit. P. 123. 24 Idem, p. 123. 32 mesmos verbetes. Se o dicionário é de boa qualidade, se é mais rico em análises, é certo que contribuirá, muito mais e melhor, para a compreensão desse mesmo verbete. É muito importante que o conselheiro consulte o dicionário da vida que o aconselhando traz na forma de questionamentos, de dúvidas e do modo de compreender a vida. O conselheiro deve se esforçar para entender da maneira mais fidedigna possível o que o seu aconselhando está comunicando. Por exemplo, se a pessoa fala ao conselheiro sobre sua relação com a água, se gostaria ou não, caso tivesse mais oportunidades, de mergulhar mais, ela poderia responder com absoluto terror, pois em sua experiência de vida, a água pode significar enorme sofrimento e angústia por ter quase se afogado em um incidente de sua infância. Por outro lado, pode representar uma lembrança extremamente agradável pelo sucesso alcançado como atleta de natação. Para se chegar na precisão do conceito água na vida de uma certa pessoa, desse dicionário vivo, é preciso levantar perguntas que ampliem essa compreensão. É por esse caminho que passa a interpretação. Ela se dá quando devolvemos ao aconselhando a compreensão que obtivemos do que ele acabou de nos dizer. Um outro elemento importante desse processo é que as afirmações que o conselheiro faz não são, de modo algum, dogmáticas. Elas são, na verdade, sugestões que serão ou não acolhidas pelos aconselhandos. O modo de avaliação elaborado pelo conselheiro parte do pressuposto de que em questões que envolvem a personalidade humana as conclusões a que chegamos são sempre hipotéticas. Nesse sentido, o conselheiro nunca diz, por exemplo, “o que você falou significa isso ou aquilo”. Ele levanta hipóteses, ou seja, “pode ser que o que você está falando signifique isso ou aquilo”. Se o aconselhando reage com indiferença a essa ponderação, é bem provável que a interpretação do conselheiro, de fato, não era a melhor. Outras reações do aconselhando podem mostrar o acerto da percepção do conselheiro. Quando o aconselhando rejeita de forma muito veemente algo que o conselheiro afirmou pode ser que, de fato, tenha tocado algum ponto importante do universo emocional do aconselhando. Nesse caso, a ação do conselheiro é retroceder um pouco mais, considerando que o aconselhando 33 ainda não tem plenas condições de tratar de uma dada dificuldade. Posteriormente, o conselheiro volta à carga a partir de um novo ângulo. Se o conselheiro estiver certo em sua interpretação, o aconselhando cessa a sua resistência, passando a admitir como certo ou verdadeiro aquilo que ouviu. Isso pode aparecer na entrevista de aconselhamento na forma de um insight. Um insight é uma espécie de intuição, uma iluminação interior que leva a pessoa a compreender o que, efetivamente, se passa com ela. Isso é fundamental para superação de suas dificuldades. “In” significa dentro ou o que é próprio da vida interior de cada um e “sight” significa visão. Portanto, é visão interior ou auto-percepção; ou, em outras palavras, o modo como percebemos a nós mesmos. É muito desejável que no processo da entrevista de aconselhamento, a partir das ponderações do conselheiro, o aconselhando chegue a essa espécie de discernimento intelectual ou a percepção interna do que causa o seu problema. O que se espera de um conselheiro não é que ele chegue a uma compreensão total a respeito da personalidade do aconselhando. O que ele precisa fazer de modo objetivo é ouvir atentamente o que esse outro que sofre tem a dizer. O conselheiro precisa, também, contribuir de toda a forma possível para que o aconselhando possa colocar “para fora” tudo aquilo que lhe trás angústia e, a partir daí, compreender algumas das causas mais profundas de suas dificuldades emocionais. A experiência de interpretar as dores e as mágoas que alguns trazem no peito deve puxar o fio das memórias do conselheiro lembrando-lhe sempre que uma das características do ser humano é a necessidade de ser amado. A ideia de amor aqui se refere à benfazeja experiência de ser considerado positivamente pelo outro. Isso inclui, como diria o Professor Franz Victor Rudio em seu livro Orientação Não-diretiva, “calor humano, acolhimento, simpatia, respeito, aceitação, etc. que surgem como expressões para satisfazer a nossa 34 necessidade de sermos amados” 23 . Diante disso, na medida em que o aconselhando relata o que na sua vida tem sido insatisfatório, o conselheiro tenta ampliar o seu universo de compreensão através de perguntas que busquem entender que sentimentos, dores ou mágoas se escondem nas palavras do discurso do aconselhando. Em situações assim, é bem provável que o aconselhando se sinta bem ao perceber que suas vivências são consideradas significativas pelo conselheiro. 4.2 Alguns exemplos de entrevista de aconselhamento O caso da menina Mariana, pode ser considerado um bom exemplo de entrevista de aconselhamento. Ela tinha 8 anos de idade e era uma menina muito viva, esperta, conversadeira, gostava muito de brincar. No entanto, estava bem diferente do que era no dia a dia. Sentia uma tristeza muito grande e, de quando em quando, se surpreendia chorando pelos cantos da casa. Seu pai, de modo algum, era indiferente à sua situação. É que a mãe de Mariana tinha falecido depois de uma dura luta contra o câncer. Eles moravam em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. A coisa chegou a um tal ponto que esse pai, que também levava no peito a dor de um coração partido,tomou uma decisão e resolveu mudar para Belo Horizonte em busca de novos ares. Chegando na capital, matriculou a filha em uma escola pública. Só que já era o mês de abril e quando Mariana chegou em sala percebeu que cada aluno tinha a sua própria carteira. Com isso, ela teve que se sentar na última fileira do fundo da sala. Após algumas semanas de aula aconteceu um fato inusitado, que resultou no encaminhamento de Mariana para uma espécie de sessão de aconselhamento. É que na hora do recreio, um certo dia, ela esperou todos os seus coleguinhas saírem da sala e fez uma verdadeira mudança na disposição das carteiras. As que estavam na última fila, ela trouxe para frente e as da frente ela levou para trás. Foi um trabalho intenso. 23 RUDIO, Franz Victor. Orientação não-diretiva: na educação, no aconselhamento, na psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1976. P. 64. 35 Quando os colegas voltaram do recreio, de imediato, perceberam a diferença. Começaram a reclamar. Mas, quem é que tinha cometido aquela transgressão tão grande? A professora ficou bastante irritada e questionou a turma para descobrir o autor do “crime”. Como sempre acontece, teve alguém que disse ter visto a menina novata mexer na arrumação da sala. Mariana foi, então, levada à temível sala da diretora. No entanto, antes de qualquer atitude disciplinadora, a diretora optou por tentar entender um pouquinho da Mariana. Como se faz em processo de aconselhamento, fez perguntas sobre a vida dela, sua história e sua família. Nesse momento, Mariana desabou. Falou da saudade que sentia de sua mãe e começou a chorar. Entre soluços, confessou que mudou as carteiras porque queria ficar mais perto da professora, porque sempre que chegava perto dela se sentia muito bem. Foi assim que a diretora-conselheira interpretou o sentimento de Mariana: “Olha Mariana, me parece que o que você está dizendo é que você gostaria de ficar perto de sua professora pois, de alguma maneira, ela faz você se lembrar dos bons momentos que você viveu com sua mãe, não é mesmo?”24 Mariana caiu em pranto. As duas se abraçaram. A interpretação da diretoria/conselheira foi entendida por Mariana e aquele caso foi devidamente esclarecido. Mariana se sentiu muito, mas muito mesmo, acolhida naquela escola. Nessa história foi possível perceber os vários passos de uma entrevista de aconselhamento. As primeiras falas são mais genéricas, como “não tenho me sentido muito bem ultimamente”, “não sei explicar a tristeza que sinto”, “não sei porque agi do modo como agi”. Cabe ao conselheiro tentar ampliar a sua compreensão a respeito do que o aconselhando está dizendo. “Você disse que não está se sentindo bem ultimamente, mas como é que isso acontece no dia a dia? Explica um pouquinho mais”. Ou, “fala um pouco mais a respeito dessa tristeza que você sente?” Ou, ainda, “o que você estava pensando quando mudou as carteiras de lugar?”. 24 CORDEIRO, Rubens Eduardo. Pescadores de mágoas: a arte pastoral de ouvir, entender e ajudar pessoas feridas. São Paulo: Rádio Trans Mundial, 2012. P. 28. 36 Em seguida, para entender melhor o contexto em que essas experiências são vividas é bom perguntar sobre a família do aconselhando, a dinâmica desse relacionamento na ótica do aconselhando, como circula o afeto nessa estrutura, do que é que se sente falta. Quando, diante desses questionamentos, o aconselhando descreve suas vivências, via de regra, elas são relatadas com certo grau de emoção que acabam por revelar as dificuldades que essa pessoa enfrenta na vida. Não só isso, quando fala sente um alivio e cria a possibilidade de uma melhor compreensão a respeito de si mesmo gerando a possibilidade de refazer a história, de superar o momento difícil, de poder seguir adiante. Um outro exemplo, é o daquela senhora, membro dedicado de uma de nossas igrejas que, depois de uma luta grande consigo mesma, resolve procurar ajuda pastoral. Ela inicia seu relato dizendo ao conselheiro que já há algum tempo vem se sentido mal. Se refere a um tipo de tristeza daquelas de cortar o coração de tão profunda. O conselheiro solicita que ela detalhe um pouco mais o que está dizendo. Ela comenta, então, que seus problemas se tornam mais evidentes quando enfrenta conflitos com os membros de sua família. O conselheiro pede que ela conte sua história familiar descrevendo, sobretudo, o relacionamento com seu marido e seus filhos. Ela relata que se marido tinha já há alguns anos um problema grave de saúde. Ele era esquizofrênico e, em função de seu problema de saúde, teve que se aposentar mais cedo. Conta que, na maioria das vezes, não pode contar com ele para ajudá-la na educação dos seus três filhos. Nesse momento, deixa transparecer um pouco de sua solidão. Compartilha, também, que seus três filhos são problemáticos e que não sabe o que fazer para lidar com cada um deles. Ao justificar o motivo de buscar ajuda na Igreja, conta ao conselheiro que é a única crente da família e que seus recursos para enfrentar aquelas dificuldades estavam completamente esgotados. O conselheiro, então, diz a ela: “Parece que até mesmo Deus abandonou a senhora”. A resposta desse conselheiro atinge em cheio o sentimento dolorido dessa senhora em se perceber completamente só. Nessa hora, ela cai em pranto convulsivo. Aos poucos, ela para de chorar. Parece se recompor. Termina por relatar que está se sentindo estranhamente melhor. Afirma que essa foi a 37 primeira vez que abriu seu coração para falar de suas dificuldades. Mais ainda, diz ao conselheiro que agora compreende que não está só e que Deus usa pessoas como aquele conselheiro para ouvir e ajudar a quem precisa. 38 5 AS TEORIAS DO ACONSELHAMENTO PASTORAL 5.1 Tópico I: Abordagem Diretiva O aconselhamento diretivo parte do pressuposto de que não se pode separar o indivíduo do meio em que vive. Para quem trabalha nessa perspectiva é indiscutível a influência do grupo social e do ambiente. São esses elementos que dão sustentação às suas emoções, ações, sentimentos e percepções. Trata-se de um tipo de abordagem do aconselhamento que se preocupa, fundamentalmente, com o impacto que as diversas ações sociais exercem sobre a vida de cada dia. O objetivo principal de um aconselhamento dessa natureza é a retirada dos obstáculos que possam estar dificultando a aprendizagem do sujeito no que se refere ao seu ajustamento ao meio em que vive. Algumas etapas são normalmente seguidas no aconselhamento diretivo. Tudo começa com o rapport, em que se cria um ambiente tal que permita ao aconselhando se sentir envolvido em um processo de busca de si mesmo. Isso implica em ajudá-lo a aprimorar as ferramentas de convivência social a ponto de encontrar as melhores respostas para as pressões cotidianas. Em seguida, o processo da entrevista de aconselhamento avança colocando mais ênfase sobre aspectos intelectuais do que emocionais. O que importa aqui não é o que levou a passou a tomar essa ou aquela atitude, mas atitude em si mesma e como resolver a questão a partir daí. Se assemelha, um pouco, a uma consulta médica, em que, após o levantamento de alguns dados, elabora-se um diagnóstico e, em seguida, um prognóstico que sinaliza como esse sujeito caminhará a seguir. 5.2 Em quais situações se aplica melhor o aconselhamento diretivo? Se aplica melhor na orientação vocacional, nas dúvidas quanto a emprego ou moradia, na resolução de questões bíblicas, nos questionamentos quanto ao melhor comportamento a ser seguido em uma dada situação. Diante de questões como essas, o conselheiro diretivo, de um modo geral, tenta convencer ao aconselhando por meio de palavras, por exemplo: “exortemo- 39 los ao
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