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Pró-Reitoria de EaD e CCDD 1 Cinema e Videodocumentário Aula 02 Prof. Tom Lisboa Pró-Reitoria de EaD e CCDD 2 Conversa Inicial Bem-vindos à Rota 2 da nossa disciplina de Cinema e videodocumentário. Vimos na Rota 1 o caso de Georges Méliès, cuja genialidade artística não foi suficiente para manter a continuidade de sua produção depois de 1913. Conforme o cinema foi se popularizando, aquela forma mais artesanal de fazer filmes foi se perdendo e tomando o seu lugar uma postura mais agressiva em relação ao mercado. Por ser uma forma de arte que encareceu exponencialmente, aprender a manter equilíbrio entre habilidades criativas e financeiras foi fundamental. Em primeiro lugar, foi necessário investimento constante em novas tecnologias. Nesta evolução, tivemos o advento do som e, com ele, mais despesas: os estúdios precisaram ser readaptados, novos equipamentos criados e as salas de cinema reformadas. Lembrem-se de que a rede exibidora era de quase 9.000 salas em 1910. O custo dessa reforma realmente era algo que não podia ser ignorado. Além disso, cada vez mais o número de pessoas para fazer um filme ia aumentando. Da próxima vez que você for ao cinema, fique um pouco mais para prestar atenção aos créditos finais. São uns bons 5 minutos aparecendo nomes de pessoas que ajudaram na produção daquele filme. Do diretor, ao roteirista, passando pelos atores e seus assistentes, todos precisam ser remunerados. Nesta parte do curso, vamos falar desta evolução técnica e financeira que o cinema passou, que vai dos filmes mudos até o aparecimento do som e que corre em paralelo com a consolidação dos estúdios norte-americanos. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 3 Contextualizando Esta parte do nosso curso vai de 1912 até 1929, aproximadamente. Ela abrange um período de grande transformação na história do cinema, que inicia com a consolidação do formato do longa-metragem na era muda, passando pelo advento do cinema sonoro, em 1927, e a entrega dos primeiros prêmios de mérito da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, os Oscars, em 1929. Todas estas mudanças foram centralizadas nos Estados Unidos e tiveram início durante a Primeira Guerra Mundial. Foi durante a guerra que tomou conta da Europa que surgiram os primeiros estúdios de cinema norte-americanos, que vão propor um modo de fazer cinema com controle de gastos, maximização de lucros e organização nos moldes industriais, como na linha de montagem de uma fábrica. Com a instauração da narrativa clássica hollywoodiana, foi industrializado até o modo de contar uma história. Numa jogada de mestre, foi criado até um prêmio que visava convencer o mundo que a "excelência cinematográfica" era a que Hollywood produzia. Mas, a pergunta que fica é a seguinte: pensava-se em arte? Se fosse para dar prejuízo, a arte poderia ficar em segundo plano. No entanto, faziam-se tantos filmes que, no meio daquela quantidade toda, algumas obras de arte acabavam surgindo. Dizem que na indústria, a qualidade surge da quantidade. Não foi diferente nestes polos de produção cinematográfica, que hoje chamamos de estúdios de Hollywood. Sua constituição e principais influências serão analisadas a partir de agora. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 4 Tema 1: A organização da indústria do cinema norte-americano A maioria dos estúdios de Hollywood surgiu entre 1908 e 1918. Muitos deles, como vamos ver, existem até hoje, tais como a Universal, a Paramount ou a United Artists. Só que antes de apresentá-los, é necessário fazer duas breves contextualizações históricas. A primeira diz respeito à origem dos estúdios. Antes de serem fundados, efetivamente, o que existia era um movimento de reação ao monopólio do mercado cinematográfico imposto por Thomas Edison (sim, o mesmo que inventou o cinestoscópio). Este grupo que se rebelou ficou conhecido como os "independentes". A arma de Edison era os tribunais e o objetivo a ser atingido, nada modesto por sinal, era monopolizar o cinema mundial. Através de uma agressiva estratégia de registro de patentes, ele praticamente obrigava todos os concorrentes a pagar direitos autorais pelo uso de seus inventos (alguns até de questionáveis). A semente dos novos estúdios foi plantada a partir deste contra-ataque ao monopólio. Lá por 1910, Thomas Edison controlava 5.281 das 9.480 salas de exibição instaladas nos Estados Unidos. A reação dos "independentes" foi buscar na justiça apoio legal à quebra deste monopólio (que acabaram conseguindo em 1915), melhorando a qualidade das instalações das outras 4.199 salas restantes e aprimorando os filmes em relação aos que eram feitos pelo grupo de Thomas Edison. Como o grupo de Thomas Edison não queria ficar atrás, eles também melhoravam seus filmes e instalações, e assim por diante. O cinema evoluiu muito por causa disso e, como vimos na Rota 1, chegar ao formato do longa- -metragem foi uma das consequências deste processo. No entanto, nesta queda de braço, os "independentes" levaram a melhor e, por volta de 1917, Thomas Edison se retirou da atividade cinematográfica. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 5 O segundo aspecto histórico também é uma luta, só que sem celuloide. O início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, vai alterar a hegemonia da Europa no cenário cinematográfico. Por ser o local onde as batalhas serão travadas, França, Itália, Alemanha e tantos outros países verão suas produções decaírem a um nível mínimo. Até o final da guerra, em 1918, veremos que os estúdios que começaram a ser fundados em 1908 já estarão estabelecidos e abastecendo regularmente o mercado mundial. Estavam lançadas as bases de uma soberania que não foi ultrapassada até hoje. Feita esta apresentação, vamos conhecer um pouco da história de cada um destes estúdios. Universal Nascido na Alemanha, Carl Laemmle comprou a primeira de suas salas de cinema em 1906 e, pouco mais tarde, descontente com a qualidade dos títulos disponíveis, fundou sua própria distribuidora. Em 1909, entra no ramo da produção, ao fundar a Independent Motion Picture (IMP), que vai ter papel de importância ao confrontar o truste montado por Thomas Edison. Sua principal estratégia para atrair talentos para sua empresa era apelar para a publicidade e, claro, para a vaidade de seus contratados. Foi pioneiro no investimento de valores altíssimos na promoção de seus atores e atrizes, uma estratégia que ficou conhecida como Star System. O caso de Florence Lawrence, uma de suas mais famosas estrelas, marcou época. Um dia ele plantou uma fofoca anônima dizendo que Florence havia morrido, só para causar comoção. Dias depois, ele a fez ressurgir só para contradizer os "boatos maldosos" e divulgar seu novo filme. Em 1912, ele assume a recém-criada Universal Film Manufacturing Company, e injeta neste empreendimento muito do seu tino comercial e ousadia. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 6 O "retorno" de Florence Lawrence. Fonte: <lonelybrand.com/>. Paramount Em 1916, após sucessivas fusões, o nome original da empresa ficou muito grande, e a Razão Social Famous Players-Lasky Corporation cedeu espaço a outra opção mais curta. O nome Paramount pertencia a uma empresa de distribuição do próprio grupo, e acabou sendo utilizado por uma questão de marketing. A Paramount era presidida por Adolph Zuckor, húngaro naturalizado norte-americano, que chegou aos Estados Unidos com 15 anos, em 1888. Depois de trabalhar até como faxineiro, sua primeira ligação com cinema foi como tesoureiro de uma pequena rede de exibição. Por volta de 1912, Zuckor já era proprietário da Famous Players (o complemento Lasky Corporation apareceria apenas em 1916, quando iniciou sua parceria com Jesse L. Lasky). Pró-Reitoria de EaD e CCDD 7 Esta empresa se especializou em adaptarespetáculos da Broadway, às vezes com o mesmo elenco, para as telas do cinema. Apesar dos problemas de transposição da linguagem teatral para a filmada, estas produções trouxeram um novo status ao cinema e atraíram tanto estrelas renomadas quanto um público mais elitizado. Fox Foi fundada por outro húngaro, Wilheim Fried, rebatizado como William Fox quando chegou à América, em 1879, com menos de um ano de idade. Depois de trabalhar vários anos como alfaiate, resolveu mudar de ramo e investir no showbusiness. Depois que já possuía uma distribuidora e algumas salas de cinema, quis também produzir seus próprios filmes. Administrada com competência, muito do sucesso da empresa era devido a duas estrelas cujas identidades foram forjadas pelo Star System da época: Theda Bara e o caubói Tom Mix. Para se ter uma ideia, a imagem de Theda Bara era vendida como uma mulher de poderes místicos, nascida em pleno calor do deserto do Saara, filha de um artista francês com sua amante egípcia, e seu olhar tinha o poder de hipnotizar as pessoas. Na realidade, a atriz era filha de um alfaiate e nascida em Cincinnati. O mundo de ilusão do cinema, desde então, já era maior que o que cabia nas telas de projeção. United Artists Como o próprio no indica, esta empresa era formada por uma reunião de artistas que tinham um objetivo em comum: o controle de suas carreiras à margem das imposições comerciais dos estúdios. Seus fundadores já eram estrelas da época, tais como Charlie Chaplin, Douglas Fairbanks, Mary Pickford e D. W. Griffith. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 8 Donos de fortunas pessoais consideráveis e grande prestígio profissional, este grupo produziu bons filmes para eles próprios e outros colegas igualmente famosos, tais como Rodolfo Valentino, Buster Keaton e Gloria Swanson. A United Artists obteve bons lucros, mas entrou em declínio com o advento do filme falado. Só que ela existe até hoje. Em 2011, por exemplo, Tom Cruise era um de seus acionários. Fundadores da United Artists. Fonte: <www.papodecinema.com.br/>. Após a criação dos estúdios, estavam lançadas as bases do que se chama "indústria do cinema". Durante a cerimônia do Oscar, esta expressão "indústria do cinema" é ouvida várias vezes, e possibilita várias interpretações, mas, de modo geral, fala de um tipo de cinema tecnicamente bem feito e que conta boas histórias, de preferência com final edificante e fáceis de serem consumidas. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 9 Como qualquer indústria, fez filmes em série, seguindo fórmulas padronizadas e com foco no mercado. O grande diferencial desta indústria é que boa parte de seus empregados é composta de artistas, um tipo de profissional que segue regras, mas, se necessário for, cria boas saídas para burlá-las. Por isso, apesar de calculista e metódica, a "indústria do cinema" nos deixou, além de um sem número de obras descartáveis e supérfluas, uma boa quantidade de obras, que não temos dúvidas em classificar como arte. Tema 2: A criação da "narrativa clássica hollywoodiana" Se é possível dizer que a indústria padroniza seus produtos, isso tem pelo menos uma vantagem didática: padrão é algo que pode ser facilmente identificado. Foi o que David Bordwell, Janet Staiger e Kristin Thompson propuseram, selecionando e assistindo 100 filmes produzidos entre 1910 e 1960, na intenção de tentar decifrar a fórmula que a indústria do cinema norte-americano havia instaurado. O resultado deste estudo foi publicado com a designação de narrativa clássica hollywoodiana. Por ser um estilo que foi disseminado pela indústria que domina o mercado cinematográfico global desde a década de 1910, ela educou pessoas de todas as nações a apreciarem os filmes por ela produzidos. Aliás, essa narrativa clássica virou um paradigma até para os cineastas: aderir ou não aderir ao padrão vigente? Como veremos na Rota 3, o neorrealismo italiano, a nouvelle vague francesa e o cinema-novo brasileiro foram tentativas de romper a hegemonia norte-americana, propondo novas maneiras de fazer cinema. Sempre que você assistiu a um filme e sentiu algum desconforto ou achou "difícil de entender", pode ter certeza que ele não seguia a linha clássica. Na ocasião, você talvez nem tivesse ouvido falar deste tipo de narrativa. Agora, da próxima Pró-Reitoria de EaD e CCDD 10 vez que isso acontecer, você estará apto a fazer esta análise. Vamos falar de alguns de seus elementos. Narrativa No cinema clássico de Hollywood, há uma clara divisão entre começo, meio e fim da história, ou seja, ela se desenvolve de modo linear. De modo geral, o roteiro tem uma estrutura quase imutável: estabilidade, quebra da estabilidade, luta, eliminação do problema, retorno à estabilidade. Se você quiser rever alguns filmes de Harry Potter ou Star Wars, vai perceber que esta estrutura se encaixa perfeitamente. Outra característica do roteiro é que ele traz geralmente duas linhas de ação que são exploradas ao mesmo tempo: o romance entre um casal e um pano de fundo, que pode ser uma guerra, um país distante ou até mesmo um ambiente de trabalho. Desde E o vento levou..., que retratava o romance de Scarlett O´Hara e Rhett Butler durante a Guerra Civil Americana, até Titanic e O Paciente Inglês, não faltam exemplos para ilustrar este item. Já o final feliz é desejado, mas não obrigatório. No entanto, o final tem que ser claro e conclusivo, sem margem para dúvidas. Sabe aqueles filmes que acabam do nada e a gente olha para o lado, esperando que alguém nos explique o que aconteceu? Pois é, não é um filme clássico. Por fim, o diretor Raoul Walsh costumava dizer que “só existe uma maneira de fazer uma cena: a que mostra à plateia o que vai acontecer a seguir”. Isso se chama princípio da causalidade, onde são criados, propositalmente, "ganchos" entre uma cena e outra. Desse modo, nunca ficaremos perdidos na história. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 11 E o vento levou... um exemplo de narrativa clássica. Fonte: <cometoverhollywood.com>. Edição Mais adiante nesta Rota, nós vamos retomar o item edição com mais detalhes. No momento, vale a pena dizer que a edição ou a concatenação entre uma cena e outra tem que ser "invisível", quase imperceptível. Ela precisa ser tão fluída quanto a narrativa. O motivo é muito simples: um corte muito brusco tira nossa atenção da história e o "encanto se desfaz". Aliás, junto com a edição há uma série de outras preocupações quando uma cena é concatenada com outra. Os erros de continuidade são os mais conhecidos: em uma cena, o copo está cheio, na seguinte, vazio; um anel que estava na mão direita, agora aparece na esquerda, e assim por diante. Nestes filmes clássicos, tudo tem que parecer o mais verdadeiro possível, de modo que possamos embarcar sem restrições no mundo de fantasia que nos é apresentado. Chamamos isso de suspensão da descrença. Se for bem feito, podemos até acreditar que um homem pode voar. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 12 Um erro de continuidade. Fonte: <brightside.me/>. Personagens Principalmente focada na trajetória do herói ou da heroína, que não precisa necessariamente ter capa ou espada, o protagonista dos filmes clássicos precisa ser alguém com que o espectador possa se identificar. Quase sempre representando o lado do bem, ele vai combater tudo aquilo que o ameaça e, por isso, considerado mal. Não existem personagens ambíguos. Outro fator importante é a empatia com a plateia porque vão ser as ações do ator principal que vão justificar o desenrolar da história. Se o mocinho mata alguém, "foi para seu bem", se ele destrói algo, "foi para defender sua honra". Todo tipo de crueldade é permitido aos bons. Quantas vezes, numa cena de luta, a gente não pensa "mata logo esse bandido!!!" só para que nosso herói sobreviva. Esse tipo depensamento é o clássico dos clássicos. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 13 Naturalismo Além da edição e da continuidade, outras variáveis precisam sem bem administradas para que nossa atenção não se desvie da história que está sendo apresentada. A questão da reconstituição de época através de figurinos, da direção de arte e da maquiagem é uma delas. Até hoje, percebemos essa preocupação quando vemos o making of de uma superprodução. Podemos acompanhar o esmero na pesquisa do que se vestia, como eram construídas as casas, tudo para tornar a ilusão o mais real possível. Do mesmo modo, os atores farão laboratórios, aprenderão a cavalgar ou lutar com espadas, treinarão os sotaques mais diversos, engordarão ou emagrecerão para ficar igual à pessoa que estão representando, e assim por diante. A isso se chama naturalismo. O filme fica tão natural que nem parece artificial. Há quem assista filmes como Gladiador e acredite se tratar de um documentário, tamanho é o preciosismo da produção. Fonte: <acrediteounao.com/>. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 14 David Bordwell, Janet Staiger e Kristin Thompson colocaram em papel estas e outras observações sobre o que seria a narrativa clássica hollywoodiana e chamaram nossa atenção para detalhes que, antes, víamos, mas não percebíamos, de fato. Sempre que leio ou ouço entrevistas de pessoas ligadas à indústria do cinema, ouço a mesma frase: Hollywood precisa de novas histórias. O motivo é simples: a narrativa, que é a estrutura, o esqueleto, eles já definiram como vai ser. Tendo a forma definida, basta apenas abastecê-la com novos conteúdos. Da próxima vez que você for ao cinema assistir a um filme comercial, destes que ficam em cartaz em quase todas as salas de cinema da cidade, procure perceber se eles usam elementos da narrativa clássica hollywoodiana. Com certeza você vai ver este filme com novos olhos. Tema 3: O aparecimento do cinema falado Na Rota 1 eu comentei que o advento do longa-metragem foi algo gradual. Os produtores iam testando a paciência do público e vendo quanto tempo de projeção a plateia conseguia suportar. Com o som foi a mesma coisa. Depois que o cinema mudo estava estabelecido e o som aparecia como a próxima grande novidade, sua introdução não foi imediata. A indústria até gosta de novidades, mas observa sempre com muita cautela rupturas radicais como esta. A história do cinema falado foi mais ou menos assim. No dia 6 de outubro de 1927, a Warner lançou, em Nova York, seu mais recente filme, O Cantor de Jazz (The Jazz Singer). A partir desta data, iniciou-se uma revolução que modificou toda a indústria cinematográfica. A plateia vibrou quando ouviu o ator Al Jolson dizer a emblemática primeira fala do cinema: “Espere, vocês ainda não ouviram nada!”. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 15 Entrada de cinema que exibia O Cantor de Jazz. Fonte: <http://johnedwinmason.typepad.com/>. Desde o começo, sempre existiu som no cinema. Mesmo os filmes mudos tinham acompanhamento musical ou muita gente conversando durante a projeção. Há até uma frase famosa que diz que "a plateia falante dos filmes mudos foi substituída pela plateia silenciosa dos filmes falados". Mas, o que faltava mesmo naquele momento era a voz humana em perfeita sincronia com a imagem da tela. Muitos experimentos foram feitos antes de 1927, inclusive pelos Irmãos Lumière e Thomas Edison, só que todas as soluções eram muito complicadas e não tinham aplicação comercial. Por algum tempo, a Europa liderou estas pesquisas, e se não tivesse sido a Primeira Guerra Mundial, o filme falado como forma de entretenimento poderia ter sido uma invenção europeia. A principal motivação da Warner nesta iniciativa pioneira era a crise financeira por que estava passando. Ao contrário de seus concorrentes, o estúdio não tinha investido em salas de exibição próprias, e seus filmes acabavam sendo exibidos em circuitos pequenos, gerando dificuldades de fluxo de caixa. Sendo assim, a Warner comprou a Vitagraph Company e sua Pró-Reitoria de EaD e CCDD 16 pequena rede de 34 cinemas e utilizando aparelhagem da Western Eletric, que há alguns anos vinha pesquisando o assunto, iniciou a introdução do som. Sam sempre foi o mais visionário dos quatro irmãos Warner. Inicialmente, Harry, Albert e Jack tinham sua atenção voltada apenas para a música. Em sua autobiografia, Jack Warner recorda o momento em que Sam tentava convencer os irmãos a investir não apenas no aspecto musical, mas também em diálogos que pudessem ser ouvidos pelos espectadores. Sam disse: “Lembre-se de os atores podem falar também”. Ao que Harry responde: “Para que diabos alguém quer ouvir um ator falar?” No dia da estreia de O Cantor de Jazz, a plateia aplaudiu o filme constantemente, principalmente nas partes faladas. O sucesso do filme foi assunto da imprensa por dias. Entre os muitos artigos escritos, um em particular chamava a atenção para o fato de que: “O cantor de Jazz é a mostra definitiva de que os filmes falados vieram para ficar. Todos em Hollywood podem se rebelar, mas devem estar cientes de que nada vai alterar este fato. E se eu fosse um ator com uma voz esganiçada estaria preocupado”. Essa profecia se concretizou. Atores e atrizes com vozes pouco agradáveis tiveram suas carreiras interrompidas do dia para a noite. Em outros casos, eram atores estrangeiros que mal dominavam o inglês ou tinham um sotaque muito acentuado. Uma das poucas atrizes que fizeram com sucesso a transição para os filmes falados, mesmo mantendo seu sotaque original, foi a sueca Greta Garbo. Quem assistir ao filme Cantando na Chuva vai poder entender um pouco mais sobre esta fase de transição na indústria, desde a transformação dos estúdios até os problemas com a classe artística. No entanto, apesar do promissor sucesso do som, Hollywood não estava exatamente satisfeita. Primeiro, as grandes companhias que possuíam redes de cinemas teriam despesas imensas para adaptá-los ao som. Segundo, os Pró-Reitoria de EaD e CCDD 17 estúdios em que eram feitos, os filmes mudos teriam que ser remodelados. Em um filme mudo podia-se andar tranquilamente pelo set, mesmo quando estavam filmando, e pessoas podiam rir e conversar à vontade. Atores como Fritz Feld tinham à sua disposição até um quarteto de violinos, piano e cello tocando La Marseillaise para fazê-lo chorar. Com som, o esquema viria a ser outro: sem música, sem visitantes e com portas fechadas. Era um tempo em que se usava muita luz, iluminação para quatro ou cinco câmeras ao mesmo tempo e, mesmo assim, ventiladores não eram permitidos por causa do barulho. Havia ainda outro pesadelo: o que fazer com os filmes mudos ainda não lançados? E que futuro eles teriam se o público começasse a exigir o som? Por fim, e talvez mais importante do que tudo que foi dito, existia a perda do lucrativo mercado estrangeiro. O filme mudo era universal, sem nacionalidade. E um filme falado só poderia ser exibido em lugares em que se compreendesse a língua do país de origem. A ideia da legenda veio depois. Com o passar do tempo, estes receios foram vencidos pelos fatos. Em novembro de 1927, a Warner anunciou que suas novas produções seriam compostas de 26 filmes mudos e 12 falados. Em janeiro de 1928, a mesma empresa colocou um anúncio de página inteira na revista Variety, dizendo que os filmes falados estavam levando um milhão de pessoas ao cinema por semana. Em julho de 1928, a Warner lança o primeiro filme falado do começo ao fim: As Luzes de Nova Iorque. O sucesso é um divisor de águas e outros estúdios começaram a fazer o mesmo. A partir de então, estava completa a revolução iniciada em 6 de outubro de 1927, com O Cantor de Jazz. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 18 Cartaz de Luzes de Nova Iorque. Fonte: <http://www.moviepostershop.com/>.Tema 4: Elementos da linguagem cinematográfica (imagem e som) Agora que os filmes estão mais longos, tecnicamente mais bem feitos e possuem até som, podemos nos dedicar ao estudo de alguns elementos da linguagem cinematográfica. Já estamos longe do tipo de cinema feito por Georges Méliès, que era uma espécie de teatro filmado. Entre Viagem à Lua e o aparecimento do som, foram apenas 25 anos, mas a evolução, no que diz respeito à linguagem, foi astronômica. Assim como a literatura trabalha com elementos semânticos e sintáticos para se expressar, o cinema, por ser uma forma de arte audiovisual, vai articular som e imagem para construir suas obras. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 19 Vimos que a narrativa clássica hollywoodiana foca atenção na história e o resto é para ser transparente ou quase invisível, tais como o corte, a montagem, a continuidade da cena. Por ser o padrão narrativo que se instaurou mundialmente, ele causou um vício em suas plateias: o de prestar atenção apenas ao que se ouve. Tudo precisa ser dito e explicado em palavras. Só que em alguns casos, para compreender bem o que o diretor de certo filme quer dizer, é preciso observar com igual atenção aquilo que se ouve e o que se vê. A partir de agora vamos estudar alguns elementos visuais e sonoros do cinema. Isso vai ajudar você, na próxima vez que for ao cinema, a prestar mais atenção nestes detalhes. Plano, tomada e plano sequência Plano é uma unidade do filme delimitada entre um corte e outro. De modo geral, o filme é uma montagem sucessiva de planos de várias durações. É interessante perceber como a duração de um plano pode gerar sensações distintas no espectador. Planos mais longos tendem a ser mais monótonos. Uma sucessão de planos curtos geralmente aumenta o ritmo do filme e causa excitação. Quando observamos a cena do chuveiro, de Psicose, de Alfred Hitchcock, na hora em que a personagem é esfaqueada, um momento de grande tensão, quase não conseguimos contar a quantidade de planos existentes. É necessário fazermos uma diferenciação entre plano e tomada. Plano é a tomada que foi escolhida para entrar no filme. Tomada são as várias tentativas de filmar algo: tomada1, tomada2, tomada3. Destas, apenas a melhor tomada será utilizada para ser um plano. No filme A Noite Americana, de François Truffaut, podemos ver este momento em que várias tomadas (ou takes) são feitos, na tentativa de chegar em um resultado satisfatório. Por fim, vale a pena ressaltar que há filmes feitos em um plano apenas, sem corte. É o que chamamos de plano-sequência. Não existe Pró-Reitoria de EaD e CCDD 20 duração certa para a denominação de plano-sequência, mas a partir de 1 minuto de duração já podemos usar este termo. Filmes como A Arca Russa (RUS/2002), de Alexander Sokurov, e Victoria (ALE/2015), de Sebastian Schipper, são planos-sequência de mais de 1:30h. Para realizá-los é preciso um planejamento impressionante porque nada pode dar errado. Se der, é preciso começar a filmagem do princípio. No entanto, a cena chamada Plano secuencia en Kill Bill, vol.1, de Kill Bill, bem mais curta, também é um plano-sequência. Pesquise no Youtube e repare como a câmera parece estar sobrevoando o espaço enquanto enquadra a personagem de Uma Thurman. Narrativa e diegese Em relação à história que é contada, precisamos fazer uma distinção importante: narrativa e diegese. Narrativa é a história propriamente dita, com seus personagens e ações. A diegese, em alguns momentos se confunde com a narrativa e, em outros, a extrapola. Fica mais fácil explicar dando exemplos. Se em uma cena um personagem canta uma música, ela faz parte da diegese da narrativa. Quando ouvimos uma música tocando em uma cena romântica, mas não vemos quem a executa, ela está fora da diegese (extradiegética), ou seja, ela pertence ao filme, mas os personagens não a "escutam", só a plateia do cinema. Do mesmo modo, a diegese serve para dar coerência à narrativa porque antecipa uma série de conhecimentos. Em uma narrativa que se passa em 1700, por exemplo, não podemos ver um personagem indo ao cinema porque ele foi inventado apenas em 1895. Do mesmo modo, uma diegese pode ser criada, como nos filmes do Super- Homem. Entendemos que naquele universo ficcional um homem pode voar e não questionamos isso. Mas, se em um documentário sobre a situação nos hospitais brasileiros os pacientes começarem a sair voando pela janela, será, no mínimo, preocupante. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 21 Plongèe, contra-plongèe, campo, contracampo, câmera subjetiva Em francês plongèe significa mergulho. No cinema plongèe e contra-plongèe traduzem esta situação em posicionamentos de câmera. Plongèe filma de cima para baixo, e contra-plongèe, de baixo para cima. Os efeitos gerados por essa distorção da imagem, capaz de achatar ou aumentar o personagem, são diversos. O campo é o espaço que a câmera está focalizando em determinada cena. O contracampo é uma sucessão de planos que mostram ora um, ora o outro interlocutor de uma conversa. Em um filme clássico, se em uma cena dois personagens vão iniciar um diálogo, primeiro há um plano aberto para o espectador saber onde os personagens estão. Depois, como o espaço já foi "compreendido" pela plateia, o diretor passa para uma sucessão de contracampos para que possamos ver melhor os rostos dos atores e suas reações. Por fim, câmera subjetiva é quando a câmera está posicionada nos olhos do personagem. Nós vemos as coisas pelos olhos dele. Em O escafandro e a borboleta (FRA/2008), de Julian Schnabel, temos uma interessante câmera subjetiva. No filme, o personagem, por causa de uma doença, consegue se comunicar usando apenas um olho. Várias vezes somos colocados "dentro do corpo deste personagem" para sentirmos as dificuldades que ele passa. A nomenclatura para os enquadramentos varia muito de uma publicação para outra. Aqui, vamos dividir o assunto em seis itens, que vai do geral ao mais específico: plano geral, plano de conjunto, plano médio, plano americano, primeiro plano, plano de detalhe. De qualquer modo, caso você encontre um termo desconhecido no futuro, certamente ele será um meio termo entre as opções listadas a seguir. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 22 Plano geral (PG) – muito usados nos grandes filmes épicos, este tipo de plano mostra vastas paisagens, panorâmicas de uma cidade ou cenas de multidões em um protesto. Não se vê nada específico. É utilizado muito para apresentar um local ou uma situação de modo generalizado. Plano de conjunto (PC) – mostra um grupo de pessoas, e o espaço em que elas estão inseridas é razoavelmente claro. Em vez de uma multidão indistinta, já é possível saber quais personagens estão na cena. Plano Médio (PM) – mostra pelo menos um dos personagens ocupando a tela com o corpo inteiro, ou seja, com a cabeça encostando na parte de cima e os pés quase tocando a parte de baixo. Plano Americano (PA) – é o plano em que os atores aparecem com meio corpo. O corte pode ser tanto da cintura para cima quanto logo acima dos joelhos. Os personagens enquadrados deste modo possuem destaque em relação aos demais. Primeiro Plano (PP) – ou close-up, mostra o personagem em um enquadramento onde apenas o rosto do ator é focalizado. Por questões técnicas da câmera, sempre que se faz um primeiro plano o fundo fica desfocado, ou seja, nossa atenção se volta apenas para as expressões e reações do personagem. O primeiro plano é muito utilizado em cenas de muita emoção ou ansiedade para que possamos nos envolver com a dramaticidade de uma situação. Plano de detalhe (PD) – serve para mostrar detalhes de um objeto, uma parte específica do rosto. Em alguns casos, revela uma ação invisível aos olhos de outro personagem, tais como o momento em que o mocinho começa a se desamarrar para fugir e o bandidoainda não percebeu. O som também pode ser um elemento expressivo da linguagem cinematográfica. Não apenas os diálogos e a música servem para nos conduzir pela história que está sendo contada. Há o caso de um filme, Ama-me esta noite (1932, EUA), de Rouben Mamoulian, que é através do som que temos ideia da passagem do Pró-Reitoria de EaD e CCDD 23 tempo. Para mostrar a cidade de Paris "despertando" para um novo dia, o diretor faz a primeira cena em silêncio. Logo a seguir, ouve-se alguém caminhando, depois alguém varrendo a calçada, carros andando na rua e os sons vão se somando até formarem uma orquestra de ruídos. Ao final, temos certeza que a cidade está "acordada". Há ainda o caso em que o som tem uma função metafórica. No final de Blow up (ING/ITA), de Michelangelo Antonioni, o protagonista assiste a uma partida de tênis com um bola e raquetes invisíveis. Os atores apenas simulam estarem jogando. Depois de uma suposta tacada para fora da quadra, eles pedem para o ator principal ir buscá-la. Ele entra na brincadeira, vai atrás dela e a devolve. Ao continuar observando o jogo da bola invisível, somos surpreendidos com o som da bola batendo repetidamente no chão, como numa partida de verdade. A questão da visibilidade/invisibilidade, da verdade/ficção, são temas recorrentes no filme e o diretor representa genialmente este embate usando um artifício sonoro. Agora que já foram explicados alguns elementos da linguagem cinematográfica, tente ficar atento aos próximos filmes que assistir. Perceba os cortes, como a concatenação dos planos pode ir criando o ritmo do filme, se a música está sendo bem utilizada, as angulações e muitas outras coisas mais. Se assistir a um filme já era divertido, percebendo estes detalhes o prazer será ainda maior. Tema 5: A expansão do cinema norte-americano no mundo Iniciamos esta rota falando da organização da indústria do cinema norte- -americano e de como isto foi fundamental para inverter os polos de influência da Europa para os Estados Unidos. Após o término da Primeira Guerra Mundial, quando a maioria dos estúdios norte-americanos já estava fundada, estabeleceu-se uma espécie de acordo tácito: seremos concorrentes apenas em Pró-Reitoria de EaD e CCDD 24 nosso país e agiremos unidos fora de nossas fronteiras. Para se ter uma ideia, esta ocupação foi tão agressiva que, em 1925, os filmes feitos nos Estados Unidos ocupavam 95% do tempo de projeção na Inglaterra, 70% na França e 68% na Itália. Por volta de 1923, houve ainda outra ação que desestabilizou a produção europeia. Já devastada financeiramente pela guerra, Hollywood começou a contratar os principais talentos criativos de países como Alemanha, França, Suécia e Itália. Conhecida como "brain drain", ou drenagem de cérebros, acabaram sendo atraídos para a indústria profissionais como o húngaro Michael Curtiz (que dirigiu Casablanca), o alemão Emil Jannings (que foi o primeiro ator a receber um Oscar) e a sueca Greta Garbo. O advento do cinema falado trouxe uma série de reformas, tanto nos estúdios de filmagem quanto nas salas de projeção. Trouxe ainda uma vantagem competitiva para os Estados Unidos que, com capital para poder investir no mercado externo, bancou a reforma de muitas salas, exigindo em troca prioridade na exibição de seus filmes. Sem dinheiro, sem os profissionais mais importantes, com a produção de filmes reduzida e ainda devendo dinheiro para a indústria, restava aos europeus aceitar certas imposições financeiras nem que fosse para que as salas de cinema continuassem ativas e vendendo ingressos de cinema. A narrativa clássica acabou deixando de ser hollywoodiana para se estabelecer como um padrão mundial que vai chegar até mesmo aos programas de televisão na década de 1950. As próprias novelas brasileiras seguem essa fórmula clássica: roteiros lineares, personagens carismáticos, histórias que pareçam reais, clara distinção entre o bem e o mal e mensagens edificantes. As tentativas de mudar este padrão normalmente resultam em fracasso comercial. Só que esse domínio comercial não estaria completo se ele não viesse acompanhado por algum tipo de reconhecimento que não fosse relacionado apenas a dinheiro. No final da década de 1920, a indústria toma duas iniciativas Pró-Reitoria de EaD e CCDD 25 que iriam dar esta tão almejada credibilidade: em 1927, ela cria a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e, em 1929, surgem os prêmios de mérito, mais tarde conhecidos como Oscar, que vão fazer com que a suposta “excelência cinematográfica” surja no seio da própria indústria. Para isso, bastou um simples artifício (mas que é chamado de regra pela Academia): “Para entrar na disputa, um filme deve ser de longa-metragem, com duração acima de 40 minutos. Deverá ser exibido publicamente em 35mm, 70mm ou em formato digital em uma sala comercial da cidade de Los Angeles antes da meia-noite de 31 de dezembro.” Num mercado altamente protecionista que encontrou um público avesso a legendas e ao experimentalismo estrangeiro, a competição inicia, todos os anos, com os norte-americanos como francos favoritos. Pode-se afirmar, então, que, a partir de 1929, os veículos de comunicação de massa que cobriam a cerimônia de premiação começaram a ensinar ao público o que é a “arte cinematográfica”, a partir dos filmes feitos pela própria indústria. Veremos, por exemplo, a exaltação do tipo de atuação que descrevemos quando falamos de narrativa clássica. De tradição naturalista, o cinema hollywoodiano adotou como modelo um tipo de interpretação técnica e objetiva, onde o ator se transforma em alguém ou transforma seu corpo para caracterizar um personagem. Já em 1930, George Arliss recebe o prêmio de melhor ator ao personificar o Primeiro-Ministro do Reino Unido Benjamin Disraeli. Em 1932, Charles Laughton venceu com Henrique VIII. Paul Muni é premiado, em 1936, por dar vida a Louis Pasteur e, no ano seguinte, foi indicado por sua interpretação de Emile Zola. De Benjamin Disraeli até Virginia Woolf, de Nicole Kidman, passando pela Rainha Elizabeth, de Helen Mirren, ou ainda o ditador Idi Amim, de Forest Whitaker, a cantora Edith Piaf, de Marion Cottilard e o ativista Gandhi, de Ben Kingsley, Pró-Reitoria de EaD e CCDD 26 valorizar repetidamente este mimetismo como sendo a excelência é, no mínimo, simplificar algo que pode ser mais complexo e interessante. Há quem pense de diferente? Claro que sim. O ator italiano Marcello Mastroianni uma vez afirmou: “Eu não entendo porque os americanos precisam sofrer tanto para viver um personagem. Eu apenas chego lá e atuo. É muito divertido. Não há sofrimento nisso”. O papel do Oscar não foi apenas simbólico. Ele foi estratégico porque permitiu que a dominação do mercado mundial de cinema pela indústria norte-americana fosse, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa. Quem assiste às cerimônias do Oscar vai poder perceber, de agora em diante, que ela não só premia filmes no formato clássico, mas o próprio programa segue esta estrutura. Quando sintonizamos nossas TVs para assistir a esta cerimônia, buscamos encontrar na vida real o mesmo clima de sonho dos filmes de Hollywood que povoam nosso imaginário. Mais do que mérito artístico, o que se procura é justiça (em 2016, um dos grandes debates é que, pelo segundo ano consecutivo, nenhum negro foi indicado nas categorias de atuação) e a vitória de um herói que nos inspire a continuar acreditando que a felicidade se conquista com glamour, sucesso e capas de revista. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 27 Fundadores da Academia. Fonte: <www.oscars.org/>. Cerimônia de entrega do primeiro oscar, em 1929. Fonte: <www.oscars.org/>. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 28 Nossas mentes já estão tão colonizadas com a "excelência cinematográfica" do Oscar que somos capazesde ir ao cinema e afirmar quase com certeza "este filme ou ator tem cara que vai ganhar um Oscar". Hollywood nos habita. Síntese Encerramos esta parte da nossa disciplina cerca de 35 anos depois da invenção do cinema, lá por volta de 1930. Foi tempo suficiente para o cinema sair de um modo de produção artesanal e chegar à produção em série, pasteurizada, dos estúdios de Hollywood. Vimos que houve uma inversão nos polos de produção cinematográfica. Apesar de ter sido inventado na França, os quatro anos da Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, levaram os Estados Unidos a serem protagonistas do mercado mundial e deixou o resto do mundo, especialmente a Europa, no papel de coadjuvantes. As mudanças que vemos em 1930 não param por aí. O público mudou, as salas de cinema ficaram maiores e melhores e já existiam profissionais que se especializaram nesta nova forma de arte. Agora, podemos pensar em uma atuação cinematográfica diferente da teatral; um diretor que vai pensar em sua obra como uma concatenação de planos, e não mais dirigindo uma cena no palco. Hollywood chegou até mesmo a criar o primeiro prêmio para reconhecer os talentos da emergente classe cinematográfica: o Oscar. A principal mudança que vemos aqui é em relação à linguagem. Essencialmente audiovisual, o cinema aprendeu a articular a relação entre som e imagem para contar suas histórias. É bem verdade que a indústria norte-americana padronizou o modo de contar estas histórias em escala mundial. No entanto, outros países estavam prontos para uma ofensiva, criando movimentos que mostravam ao público que havia outras formas de pensar o cinema. Pró-Reitoria de EaD e CCDD 29 Os movimentos que tentarão fazer frente ao que foi imposto por Hollywood são o tema da Rota 3. Referências COUTO, Paloma R. D. A narrativa clássica hollywoodiana no contexto contemporâneo: análise de Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/9o-encontro- 2013/artigos/gt-historia-da-midia-audiovisual-e-visual/a-narrativa-classica- hollywoodiana-no-contexto-contemporaneo-analise-de-harry-potter-e-as- reliquias-da-morte-parte-ii>. LISBOA, Tom. Entre a estatueta do Oscar e o Oscar da estatueta. 2004. R7. Glossário de termos cinematográficos. Disponível em: <http://entretenimento.r7.com/cinema/glossario/glossario-1.html>. SABADIN, Celso. Vocês ainda não ouviram nada: a barulhenta história do cinema mudo. São Paulo: Lemos editorial, 2000. SANTIAGO JUNIOR, Francisco das C. F. David Bordwell: sobre a narrativa cinematográfica. Disponível em: <http://docplayer.com.br/4449023-David- bordwell-sobre-a-narrativa-cinematografica.html>.
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