Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
APG – SOI III Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/3º Período 1 APG 29 – Deu branco 1) COMPREENDER ETIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA, FATORES DE RISCO, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E ESTIGMA DA HANSENÍASE A hanseníase (doença de Hansen) é uma infecção crônica pelo Mycobacterium leprae, uma bactéria álcool-acidorresistente de crescimento lento, pele e nervos periféricos. O Brasil é o segundo país no mundo com mais casos de Hanseníase. A Hanseníase por si só não constitui uma causa de morte, porém a debilidade associada à doença contribui para o agravamento da pobreza e para a probabilidade de morte por desnutrição e outras infecções. Apesar da baixa transmissibilidade de M. leprae e da capacidade de cura da hanseníase por meio de terapia com múltiplos fármacos, ela continua sendo uma doença estigmatizada, que pode representar um desafio para o diagnóstico e a terapia. É uma doença de notificação compulsória. ETIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO Como já dito, o agente etiológico é o Mycobacterium leprae que dispõe de uma parede celular rica em ácido micólico e uma única membrana. Agente intracelular obrigatório, com afinidade (tropismo) por células cutâneas e células do sistema nervoso periférico (infecta os nervos periféricos = Células de Schwann); Também denominada de Bacilo de Hansen, de multiplicação lenta de 12 a 16 dias, média de 15 dias; Não consegue ser cultivada in vitro; Fracamente gram-positivo = BAAR. É uma doença que atinge pessoas de todas as idades, ambos os sexos, e raramente em crianças. Fatores de risco: Condições socioeconômicas desfavoráveis= aglomerados de pessoas! Convivência com um caso multibacilar; Suscetibilidade genética; No Brasil, mais frequente em negros e pardos. Acredita-se que a transmissão de M. leprae ocorra comumente por via respiratória, visto que as secreções nasais dos indivíduos com hanseníase multibacilar podem conter 107 bacilos viáveis por mililitro. Sendo o homem a única fonte de infecção!!! IMUNOLOGIA O Mycobacterium leprae possui uma alta infectividade, mas apresenta baixa virulência e patogenicidade. Seu período de incubação, após invadir o organismo, dura cerca de 2 a 5 anos. Primeiramente, tem-se o doente bacilífero sem tratamento que está transmitindo e infectando pessoas saudáveis, porém a maioria (90% possuem mecanismos imunológicos muito consolidados e conseguem combater essa bactéria) não adoecem e apenas 10% desenvolvem a doença após parasitar os macrófagos. Após a infecção, o bacilo é fagocitado pelos macrófagos e dissemina-se pelo sangue, porém ele replica, primariamente, nos tecidos relativamente frios da pele e das extremidades. Ele prolifera melhor em 32° a 34 °C, a temperatura da pele humana. Como o M. tuberculosis, o M. leprae não secreta toxinas, e a sua virulência é baseada nas propriedades da sua parede celular, a qual é semelhante o suficiente à do M. tuberculosis, de modo que a imunização com BCG confere alguma proteção contra a infecção pelo M. leprae. A clínica da doença varia dentro de um espectro contínuo entre dois polos: um com pequena quantidade de bacilos e outro com grande quantidade, em que a resposta dos linfócitos T auxiliares ao M. leprae determina se um indivíduo possui hanseníase tuberculoide ou lepromatosa. As lesões “tuberculoides” têm linfócitos abundantes, granulomas bem formados e poucas bactérias (↓índice baciloscópico), por isso, esta forma de hanseníase é também chamada de PAUCIBACILAR. *teste de Mitsuda positivo Exibe poucas (menos de cinco) lesões secas e descamativas que não possuem sensação. As pessoas com lepra tuberculoide possuem uma resposta TH1 (imunidade celular) associada com a produção de IL-2 que ativa receptores dos linfócitos CD4+, estimulando a formação de clones celulares, responsáveis pela manutenção da produção de citocinas e IFN- γ e IFN- γ que age sobre macrófagos estimulando a fagocitose e os mecanismos de ativação celular. Como com o M. tuberculosis, o IFN-γ funciona na mobilização de uma resposta efetiva dos macrófagos do hospedeiro e, por isso, a carga microbiana é baixa. A resposta celular (TH1) é a que vai ativar o macrófago (IL-2 e IFN-γ) e destrói o bacilo, isso significa que é nessa reação que vai desenvolver a cura na grande maioria dos pacientes (90%). Caso não consiga a cura, tem-se a forma paucibacilar (poucos bacilos = forma mais leve). APG – SOI III Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/3º Período 2 Por outro lado, as lesões “lepromatosas” (forma mais severa) possuem poucos linfócitos, granulomas malformados ou ausentes e grande número de bactérias (↑índice baciloscópico), sendo também chamada de MULTIBACILAR. *teste de Mitsuda negativo Se caracteriza pela presença de múltiplas lesões (cinco ou mais, até centenas) = nódulos e espessamento simétrico da pele. A invasão disseminada da micobactéria nas células de Schwann e nos macrófagos endoneurais e perineurais danifica o sistema nervoso periférico. A lepra lepromatosa/virchowiana está associada com uma fraca resposta TH1 e, em alguns casos, com um aumento relativo na resposta TH2 (imunidade humoral) que vai ativar os linfócitos B e anticorpos pra ele. = produção de citocinas supressoras da ação macrofágica (IL-4 e IL-10). Terá uma multiplicação intracelular dos bacilos em macrófagos. O principal determinante da resposta imune diferencial a M. leprae não está totalmente elucidado, porém evidências substanciais indicam que polimorfismos genéticos do hospedeiro contribuem para a probabilidade de hanseníase paucibacilar versus multibacilar. Entre esses extremos polares, existem formas intermediárias que representam um continuum dos achados histopatológicos e bacteriológicos, denominadas borderline tuberculoide, borderline/dimorfa e borderline virchowiana. PATOGENIA DA LESÃO NERVOSA A lesão de nervos periféricos, que representa a consequência mais importante por M. leprae, é observada em todas as formas de hanseníase e constitui a base das complicações da infecção. O bacilo invade as células de Schwann, as células gliais dos nervos periféricos, que formam uma unidade funcional com os axônios dos nervos periféricos e são rodeadas por lamininia-2, uma proteína da matriz extracelular neuroespecífica. O domínio G da laminina-2 é capaz de se ligar simultaneamente ao M. leprae e ao receptor da laminina da célula de Schwann, o alfadistroglicano. Após a sua ligação e internalização pelas células de Schwann, M. leprae pode causar desmielinização direta dos nervos periféricos na ausência de uma resposta imune, aparentemente por meio de sinalização por intermédio de ErbB2 e Erk1/2. A desmielinização mediada por M. leprae ocorre sem morte nem toxicidade celular precoce, embora as células de Schwann e neurônios possam morrer por apoptose mais tarde, após a infecção. Além do dano direto aos nervos periféricos pelo bacilo, a resposta imune na hanseníase também contribui para a lesão dos nervos. As citocinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral (TNF)-α, a IL-1B, a IL-17 e a IFN-γ, são particularmente proeminentes nas lesões durante as reações reversas, quando ocorre lesão nervosa irreversível. Como essas moléculas podem contribuir para a lesão tecidual inflamatória e induzir apoptose das células de Schwann in vitro, é provável que esses mediadores possam desempenhar um papel ativo na lesão nervosa. Ainda não foi estabelecido se esses mecanismos de lesão nervosa ocorrem na hanseníase tuberculoide crônica, porém observa-se a presença de citocinas semelhantes e linfócitos T nas lesões tuberculoides. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Classicamente,as lesões cutâneas da hanseníase são hipopigmentadas, hipoestésicas ou anestésicas e não pruriginosas. Pode haver dano aos nervos periféricos pela infecção direta por M. leprae ou pela resposta imune à infecção, o resultado consiste em perda da sensibilidade e da função motora. As principais manifestações da infecção por M. leprae comprometem a pele e os nervos periféricos, sendo determinadas pela polaridade da doença: PAUBACILAR (TUBERCULOIDE): é caracterizada pela presença <5 lesões na pele, as quais consistem em máculas hipopigmentadas ou eritematosas com bordas eritematosas elevadas e um centro atrófico. Em geral, as lesões cutâneas na hanseníase tuberculoide são hipoestésicas ou anestésicas; Quando há lesões múltiplas, sua distribuição é simétrica; Dessa forma, será uma situação que não vai ser controlada, que vai inibir o macrófago, deixando o meio propício para a proliferação da micobactéria = forma multibacilar (forma mais grave da doença). APG – SOI III Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/3º Período 3 As lesões podem ser grandes e são mais comuns na face, no tronco ou nas extremidades, presumivelmente em virtude da preferência da micobactéria por temperaturas baixas. O comprometimento nervoso na hanseníase tuberculoide é manifestado sob a forma de aumento ou dor à palpação (ou ambos) dos nervos periféricos (ulnar, fibular superficial ou auricular maior) correspondentes à região das lesões da pele. A hanseníase tuberculoide é uma forma estável, que não se converte em formas borderline ou virchowiana. MULTIBACILAR (LEPROMATOSA/VIRCHOWIANA): caracteriza-se por múltiplas lesões na pele, que são menores que as observadas na hanseníase tuberculoide. Mesmo que os locais das lesões na pele sejam semelhantes àqueles da hanseníase tuberculoide, as lesões múltiplas aqui são simetricamente distribuídas. As máculas virchowianas podem ter bordas pouco definidas e não exibir perda de sensibilidade; Além das máculas, as lesões cutâneas virchowianas podem ser nódulos ou placas, ou elas podem infiltrar difusamente a pele, especialmente na face (o que causa a perda das sobrancelhas e a “fácies leonina” = preconceito). O comprometimento nervoso na hanseníase virchowiana caracteriza-se por sua simetria e exibe uma distribuição em meia e luva não relacionada com a localização das lesões cutâneas. De início, pode se manifestar como perda da sensibilidade à temperatura, seguida de perda da sensibilidade ao toque leve, dor e pressão profunda. Pode ter disestesia (sensação dolorosa de queimação, formigamento ou dor). Complicações motoras, incluindo fraqueza muscular e atrofia dos músculos das mãos, pés e face, desenvolvem-se na ausência de quimioterapia eficaz contra hanseníase. O comprometimento do nervo facial pode resultar em exposição corneana, ulceração e cegueira. Pacientes com hanseníase virchowiana também podem apresentar rinorreia (corrimento excessivo de muco nasal) em consequência do comprometimento da mucosa nasal e eliminar grandes números de M. leprae nas secreções nasais. À semelhança da hanseníase tuberculoide, a hanseníase virchowiana é estável, e não ocorre conversão em outras formas. O típico paciente que está suscetível a infecções oportunistas: câncer e AIDS. FORMAS BORDELINE (LIMÍTROFES) DE HANSENÍASE As formas borderline são instáveis e progridem para a forma virchowiana com o passar do tempo, a não ser que seja instituído um tratamento efetivo. A hanseníase tuberculoide borderline (limítrofe) caracteriza- se por lesões cutâneas semelhantes às da hanseníase tuberculoide, porém, são mais numerosas, podem ser acompanhadas de lesões satélites em torno de lesões grandes e permanecem assimétricas. O comprometimento nervoso na hanseníase borderline manifesta-se por espessamento ou hipersensibilidade à palpação de nervos locais, porém as lesões cutâneas mantêm a sensibilidade A hanseníase virchowiana borderline caracteriza-se por numerosas máculas pequenas e simétricas, pápulas, placas e nódulos, porém sem a infiltração cutânea difusa observada na hanseníase virchowiana totalmente manifesta. ESTADOS REACIONAIS Os estados reacionais são intercorrências agudas que podem ocorrer na hanseníase, por manifestação do sistema imunológico do paciente, podendo surgir antes, durante ou depois do tratamento poliquimioterápico. As reações podem ser de dois tipos: Reação do tipo 1 ou Reação Reversa, comum em paucibacilares por conta de uma hipersensibilidade do tipo tardia. Caracteriza-se por exacerbação de lesões preexistentes, por meio de hiperestesia, eritema, edema e posterior descamação = vai ocorrer de novo as lesões que já estavam melhorando. APG – SOI III Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/3º Período 4 Edema em mãos/pés: “mão em garra”, “pé caído”, por conta do déficit neurológico. Reação Tipo 2, também chamada de eritema nodoso hansênico (ENH) ocorre nas formas Virchowiana e Dimorfa-Virchowiana (multibacilar), com maior frequência após o início do tratamento (aproximadamente após 6 meses), já que o paciente continua evocando a resposta humoral para o bacilo, com isso terá deposição de imunocomplexos, que vão circular por todo o organismo, depositando em vários locais resultando em um processo inflamatório. Caracteriza-se por lesões novas de distribuição simétrica, como nódulos eritematosos dolorosos, que podem ulcerar (fenômeno de lúcio = pode ser considerado 3º tipo de estado reacional) e evoluir com necrose de arteríolas e acometer todo o tegumento, com invasão maciça de bacilo (prevenir o contato). O quadro clínico típico é a neurite aguda, febre, mialgia, náuseas e artralgia. DIAGNÓSTICO O diagnóstico deve ser considerado em todo paciente com manifestações cutâneas e de nervos periféricos, particularmente indivíduos que viveram em países onde a hanseníase é endêmica. É importante classificar a doença em tuberculoide, virchowiana ou em uma das formas borderline específicas, visto que a classificação correta é necessária para selecionar a terapia ideal e antecipar possíveis estados reacionais. Como o bacilo não pode ser cultivado in vitro e, não tem nenhum teste sorológico confiável ou outro biomarcador diagnóstico, o diagnóstico e a classificação dependem da combinação de: Exame físico: O exame precisa incluir uma avaliação e documentação do número, da localização e das características das lesões cutâneas. A classificação acurada da hanseníase depende da distribuição simétrica das lesões e da presença de lesões hipoestésicas ou anestésicas. Deve incluir também: aumento e hipersensibilidade à palpação de nervos periféricos; presença de déficits sensitivos (temperatura e dor) e ulcerações cutâneas; e natureza e distribuição de déficits motores, atrofia e contraturas musculares. As alterações de sensibilidade, nas lesões de pele, têm uma sequência específica de alterações: térmica -> dolorosa -> tátil. Esfregaços e biopsias de pele: nos países em desenvolvimento, a classificação da hanseníase multibacilar ou paucibacilar é realizada pela combinação dos achados do exame clínico e contagens de bactérias em esfregaços com coloração álcool-acidorresistente de linfa cutânea de lesões e da pele de áreas frias do corpo, como lóbulos das orelhas. Nos países desenvolvidos, são habitualmente realizadas biopsias de pele, em vez de esfregaços de linfa cutânea. PAUBACILAR: na coloração pela hematoxilina e eosina caracteriza-se por granulomas com células gigantes, agregados de macrófagos epiteloides que não são vacuolados nem espumosos, e linfócitos na periferia. A coloração álcool-acidorresistente revela bacilos raros ou indetectáveisna hanseníase tuberculoide. MULTIBACILAR: mostram granulomas pouco organizados, sem células gigantes nem linfócitos, os macrófagos são espumosos e repletos de lipídios. A coloração álcool-acidorresistente das lesões da hanseníase virchowiana revela quantidades abundantes de bacilos, que habitualmente aparecem em grandes aglomerados (“globos”). APG – SOI III Emilly Lorena Queiroz Amaral – Medicina/3º Período 5 BORDERLINE: exibem granulomas menos organizados, com menor número de células gigantes e linfócitos, porém com mais macrófagos espumosos e bacilos álcool- acidorresistentes, à medida que o espectro varia de borderline tuberculoide para borderline virchowiana. TRATAMENTO É uma doença curável: poliquimioterapia (cura a hanseníase, interrompe a transmissão e previne as deformidades). Duração de 6 a 9 meses (paubacilar) e 12 a 18 meses (multibacilar). Os agentes antimicrobianos de primeira linha para a hanseníase têm sido a dapsona e a rifampicina (bactericida). A clofazimina, a minociclina, certas fluoroquinolonas e a claritromicina também são úteis em contextos específicos, incluindo intolerância ou resistência a fármacos. A dapsona (baixo custo), é bem tolerada, apresenta meia-vida sérica longa (cerca de 28 horas) e é segura pra grávidas. Indivíduos com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenadse podem desenvolver hemólise grave quando tratados com ela. A rifampicina, que é o fármaco mais bactericida contra M. leprae, é bem absorvida após administração oral e tem meia- vida sérica de cerca de 3 horas. Nunca deve ser utilizada como monoterapia, em decorrência de possível desenvolvimento de resistência com mutações pontuais isoladas em seu alvo, a RNA polimerase II. Os efeitos adversos da rifampicina incluem exantema maculopapular, hepatotoxicidade, síndrome semelhante à influenza (mais frequente com terapia intermitente) e pigmentação alaranjada das lágrimas, urina, saliva e suor. A clofazimina é esteticamente inaceitável para pacientes de pele clara, pois provoca uma pigmentação negro-avermelhada da pele, que se acumula principalmente nas áreas das lesões o que torna o diagnóstico óbvio entre os membros da comunidade trazendo todo o estigma do paciente com hanseníase. Apresenta meia-vida muito longa (cerca de 70 dias) e parece ter atividade anti-inflamatória, bem como atividade bacteriostática direta. Em virtude de sua atividade anti-inflamatória, a clofazimina é útil no tratamento dos estados reacionais do tipo I. Paucibacilar: Multibacilar: REFERÊNCIAS GOLDMAN, Lee. Goldman-Cecil Medicina. 26. ed. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2022. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul; ASTER, Jon. Robbins & Cotran Patologia - Bases Patológicas das Doenças. 9. ed. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2016.
Compartilhar