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Hanseníase 1. Epidemiologia Após a introdução e implementação do tratamento poliquimioterápico (PQT) para a hanseníase na década de 1980, verificou-se importante declínio da prevalência global: de aproximadamente 5 milhões de enfermos em 1982, para menos de um milhão em 1991. Mais de 25 milhões de doentes foram considerados curados com a PQT desde a sua introdução. O sucesso da PQT estimulou a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1991, a recomendar a eliminação da hanseníase, em nível global, até o ano 2000. A meta da eliminação foi definida como redução da prevalência para menos de um doente por 10.000 habitantes (1/10.000). Sem nenhuma evidência robusta, postulou-se que quando se atingisse essa meta, a transmissão seria muito reduzida e, com o tempo, a enfermidade desapareceria naturalmente. Graças ao empenho dos responsáveis pelos programas de controle da doença em todos os países endêmicos, a meta global da eliminação foi atingida no ano 2000. Entretanto, no início de 2014, 102 países registraram casos novos de hanseníase, com número preocupante em áreas previamente endêmicas. O Brasil é um dos poucos países que não atingiram a meta da eliminação e registra, até o momento, mais de 30.000 casos por ano. A meta de eliminação leva em conta apenas a prevalência, ou seja, o número de casos registrados em tratamento. Epidemiologicamente, esses dados devem ser interpretados com cautela, pois não estão relacionados à redução da transmissão do M. leprae, mas referem-se à redução do tempo de tratamento e consequentemente da prevalência. Em relação à incidência (número de casos diagnosticados por ano), verificou-se redução progressiva – de 775.000 em 2001 para 215.656 casos novos no mundo, em 2013. Em muitos países, inclusive o Brasil, chamam atenção os casos novos entre crianças e enfermos recém- diagnosticados apresentando deformidades. Os dados de 2013 demonstram que, entre os novos casos, 13.289 apresentavam grau 2 de incapacidade no momento do diagnóstico, o que reflete a baixa capacidade dos sistemas de saúde para detectar a doença precocemente; 9,2% dos casos acometeram crianças, o que também indica a transmissão importante da doença. Atualmente, os indicadores utilizados para monitoramento da endemia são: número de casos novos, taxa de detecção de casos novos, taxa de conclusão do tratamento e casos novos com grau 2 de incapacidade instalada, no momento do diagnóstico. Esses indicadores, juntamente com a taxa de detecção em menores de 15 anos, refletem melhor o quadro epidemiológico da doença. 2. Etiologia A hanseníase é uma doença crônica, infectocontagiosa, cujo agente etiológico é o Mycobacterium leprae, um bacilo álcool- ácido resistente, fracamente gram-positivo, que infecta os nervos periféricos e, mais especificamente, as células de Schwann. A doença acomete principalmente os nervos superficiais da pele e troncos nervosos periféricos (localizados na face, pescoço, terço médio do braço e abaixo do cotovelo e dos joelhos), mas também pode afetar os olhos e órgãos internos (mucosas, testículos, ossos, baço, fígado, etc.). Se não tratada na forma inicial, a doença quase sempre evolui, torna-se transmissível e pode atingir pessoas de qualquer sexo ou idade, inclusive crianças e idosos. Essa evolução ocorre, em geral, de forma lenta e progressiva, podendo levar a incapacidades físicas. Nas imagens abaixo, é possível observar a lenta evolução natural da doença, desde a fase inicial até a forma disseminada, em uma paciente diagnosticada antes da era dos antibióticos e da utilização da Poliquimioterapia (PQT-OMS). 3. Virulência Alta. Isto porque, mesmo raramente levando a óbito é altamente descapacitante em todas as esferas, pois atinge o indivíduo fisicamente, deformando-o, incapacitando-o e desfigurando-o; psicologicamente por reduzir-lhe a autoestima e autoimagem; e socialmente por poder afastá-lo do convívio e das atividades laborativas. Destaque-se que a virulência da doença é tida como alta por seu caráter incapacitaste, a 67 virulência do bacilo de Hansen mesmo é muito baixa, não é ele quem produz a incapacidade, e sim a reação imunológica individual. A infectividade, capacidade do micro organismo de penetrar no susceptível, alojar-se, multiplicar-se e produzir infecção, é presumidamente menor que a dos patógenos causadores de quadros agudos. Embora admita-se a possibilidade de infecção subclínica, significando a existência de um número maior de infectados que de doentes. Quanto a patogenicidade, ou potencial de gerar quadro clínico evidente, acredita-se ser baixa. Aceita-se atualmente a presença de infectados, sem evidências da doença, o que remete à hipótese de portadores sãos. Contudo, a participação do portador sadio na cadeia de Tutoria – Cenário 2 transmissão da hanseníase é descartada. Entende-se que mesmo os casos manifestos, se paucibacilares não disseminam bacilo. Porém convém lembrar que a cronicidade da doença favorece a permanência de indivíduos infectantes por períodos extensos, sujeitando os sadios a exposições sucessivas aumentando, assim, o risco destes contrairemna, elevando o número de infectados com possibilidade de desenvolver a doença e realimentar a cadeia de transmissão. Isto esclarece porque as políticas de controle atuais preconizam o diagnóstico e tratamento precoces, especialmente dos casos bacilíferos. Seu poder imunogênico, ou seja: a capacidade de uma primeira infecção produzir efeito protetor frente a uma segunda, como normalmente ocorre nas chamadas moléstias comuns à infância, é desconhecido. A dificuldade em determiná-lo decorre do fato de manifestar-se principalmente na fase adulta, ser de longa evolução e por não haverem critérios nítidos de cura. Estes elementos prejudicam a avaliação de ser a manifestação subseqüente reinfecção ou recidiva e limitam o conhecimento do caráter protetor conferido pela primeira. Transmissão A transmissão ocorre quando uma pessoa com hanseníase, na forma infectante da doença, sem tratamento, elimina o bacilo para o meio exterior, infectando outras pessoas suscetíveis, ou seja, com maior probabilidade de adoecer. A forma de eliminação do bacilo pelo doente são as vias aéreas superiores (por meio do espirro ou tosse), e não pelos objetos utilizados pelo paciente. Também é necessário um contato próximo e prolongado. Os doentes com poucos bacilos – paucibacilares (PB) – não são considerados importantes fontes de transmissão da doença, devido à baixa carga bacilar. Já as pessoas com muitos bacilos – multibacilares (MB) – constituem o grupo contagiante, mantendo-se como fonte de infecção enquanto o tratamento específico não for iniciado. A hanseníase apresenta longo período de incubação, ou seja, o tempo em que os sinais e sintomas se manifestam desde a infecção. Geralmente, esse período dura em média de dois a sete anos; porém, há referências a períodos inferiores a dois e superiores a dez anos. O diagnóstico precoce, o tratamento oportuno e a investigação de contatos que convivem ou conviveram, residem ou residiram, de forma prolongada, com caso novo diagnosticado de hanseníase são as principais formas de prevenção. Transmissão e evolução O contágio ocorre principalmente de indivíduo para indivíduo. As vias de eliminação dos bacilos são especialmente as aéreas superiores (principal) e as áreas da pele e/ou mucosas erosadas. Os bacilos também podem ser eliminados na urina, nas fezes, no suor, no leite materno, nas secreções vaginais e no esperma. O aparecimento da doença na pessoa infectada pelo bacilo, e suas diferentes manifestações clínicas, dependem dentre outros fatores, da relação parasita / hospedeiro e pode ocorrer após um longo período de incubação. Quando a pessoa doente inicia o tratamento quimioterápico, ela deixa de ser transmissora da doença, pois as primeiras doses da medicação matam os bacilos, torna-os incapazes de infectar outras pessoas.Quando o bacilo de Hansen penetra no organismo humano, ocorre estimulo do sistema imunecelular e a infecção pode evoluir de várias maneiras: 1. Há uma resistência natural que abortará a infecção; 2. A infecção evolui para manifestação subclínica, que pode regredir espontaneamente, ou para a forma de hanseníase indeterminada (MHI); 3. A hanseníase indeterminada também pode ser abortada espontaneamente pela contínua estimulação da imunidade celular com destruição dos bacilos, ou poderá evoluir para: - Hanseníase tuberculoide polar (paucibacilar) - quando o doente tem alto grau de resistência (reação de Mitsuda positiva), haverá boa resposta imunecelular. Não ocorre multiplicação dos bacilos que, na grande maioria, serão eliminados. Surgirá granuloma tuberculoide e a pesquisa anti-PGL-1 mostrará títulos baixos similares aos da população sem a doença. - Hanseníase virchowiana (lepromatosa) polar (multibacilar) - quando o doente não tem resistência (reação de Mitsuda negativa), os bacilos se multiplicarão livremente nos macrófagos (granulomas macrofágicos) e se disseminarão pela grande maioria dos tecidos, caracterizando a forma grave e contagiante da moléstia (hanseníase virchowiana lepromatosa polar). Essa forma apresenta níveis elevados de anticorpos específicos para o glicolipídeo fenólico 1 (anti-PGL-1). - Quando o grau de resistência imunecelular for intermediário entre a forma tuberculoide polar e a lepromatosa polar, há evolução para o grupo dimorfo ou borderline (multibacilar), que pode apresentar manifestações muito semelhantes à forma tuberculoide (DT) ou à virchowiana (DV) ou equidistantes entre os dois polos (DO). Nesses doentes, a reação de Mitsuda pode ser fracamente positiva ou negativa e a imunidade celular será tanto maior quanto mais próximo estiver do polo tuberculoide. Imunologia A resposta de imunidade desenvolvida pelo hospedeiro contra o Mycobaterium leprae é fator determinante de vários desfechos: desenvolvimento ou não da doença, forma clínica no espectro e aparecimento das reações hansênicas. O M. leprae é agente intracelular de multiplicação lenta e baixa patogenicidade, com pouca variabilidade genética, o que ressalta a importância dos fatores de resistência do hospedeiro desencadeados pela resposta imune, na evolução e apresentação espectral da hanseníase. Historicamente, Rotberg especulava o “fator N” que seria responsável pela resistência contra o bacilo, presente em 90 a 95% dos indivíduos adultos. Pelo fato de o M. leprae ser parasita intracelular, a resposta da imunidade celular resulta em ativação macrofágica e destruição bacilar, enquanto os mecanismos de imunidade humoral não conferem proteção. O êxito de uma resposta imune eficaz contra o M. leprae é igual à destruição bacilar, com mínimo dano tecidual. Para tanto, é fundamental o desenvolvimento rápido e equilibrado dos mecanismos de imunidade inata na fase precoce da infecção. Imunidade inata Esta primeira linha de defesa contra a infecção pelo bacilo de Hansen se dá com atuação rápida, mas nem sempre suficiente para a destruição total do patógeno. Ocorre, então, interação com a resposta imune adaptativa, cuja atuação específica, via linfócitos T e B, amplifica e complementa as ações da imunidade imediata. A resposta de imunidade inata envolve diversos elementos celulares, com destaque para as células apresentadoras de antígeno, tais como os macrófagos e as células dendríticas. O reconhecimento do M. leprae por células do sistema imune inato se realiza pela expressão em suas membranas de receptores de reconhecimento padrão (PRR, do inglês pattern recognition receptors), sendo bem conhecidos os Toll-like receptors (TLR). A ligação dos TLR localizados na superfície celular com moléculas do bacilo – em especial o TLR1, 2, 4 e 6 – inicia uma cadeia de eventos intracelulares regulados pelo fator transcripcional NFkB, permitindo a ativação de genes de quimiocinas e citocinas que interferem diretamente com a resposta imune, atraindo e ativando outras células como linfócitos T e B. Assim, faz-se a conexão com a resposta de imunidade adaptativa, podendo ser desencadeada resposta protetora ou inflamatória por meio de elementos da imunidade inata, num mecanismo de interação e retroalimentação. Um exemplo é a produção de IL-12 após ativação do TLR2/1 por lipoproteínas do M. leprae, induzindo ao estímulo de células Th1 com resposta de imunidade celular, o que permite ativação macrofágica e destruição do bacilo. Também participam da resposta imune inata TLR de localização intracelular como TLR3 e 9, que podem reconhecer porções de RNA e DNA do M. leprae. Outro tipo de PRR localizados no citoplasma, os NOD (do inglês nucleotidebinding oligomerization domain) reconhecem componentes da parede da micobactéria, ativando proteínas do inflamassoma, com indução de IL-1β e IL-18. Os macrófagos participam ativamente na defesa contra as micobactérias e, no caso da hanseníase, podem se tornar o principal hospedeiro do M. leprae. A fagocitose é mediada por receptores do complemento (CR1, CR3, CR4), sendo fundamental para o desenvolvimento de mecanismos digestivos no fagossomo que permitem o processamento e apresentação dos antígenos para indução de imunidade adaptativa. Além disso, a fusão dos fagossomos com os lisossomos promove a destruição do bacilo. Portanto, a sobrevivência do M. leprae no interior do macrófago depende do desenvolvimento de mecanismos que impeçam a fusão fagossomo-lisossomo, o que certamente ocorre no polo lepromatoso. A função macrofágica é regulada pela imunidade inata, por meio de citocinas como a IL-15, que estimula mecanismos antimicrobianos associados a vitamina D. As células dendríticas são importantes na interação entre imunidade inata e adaptativa, ao apresentar antígenos proteicos aos linfócitos T CD4+ e CD8+, via MHC classe II e classe I, respectivamente. Também, antígenos lipídicos e glicolipídicos são apresentados via CD1, com ativação de células T e produção de IFN-γ ou estímulo de atividade citolítica, mecanismo importante na resposta imune contra microrganismos que apresentam grande quantidade de lipídeos na sua parede celular, como é o caso do M. leprae. Imunidade adquirida Após a apresentação antigênica, e na dependência de quimiocinas e citocinas produzidas por células da imunidade inata, os linfócitos CD4+ e CD8+ respondem com proliferação, diferenciação e produção de diversas citocinas de ações distintas, como exemplo clássico: as do tipo Th1, como IFN-γ, associada a estímulo da imunidade celular; Th2, como IL-4, indutora de imunidade humoral; Th17 como IL-17, vinculada à resposta inflamatória. O complexo espectro clínico da hanseníase descrito na classificação de Ridley- Jopling se associa a padrões diferentes de resposta imune, fazendo dessa doença um modelo de estudo para entendimento dos mecanismos imunes associados aos desfechos clínicos. Assim, no polo tuberculoide há predomínio da resposta Th1, com predominância de células T CD4+ no infiltrado granulomatoso, onde não se consegue detectar a presença do bacilo e se encontra produção tecidual de linfotoxina α/β, IL-12p70, IL-18, GM-CSF, IL-2, e IFN-γ. A resposta imune humoral é fraca, muitas vezes não sendo possível detectar anticorpos específicos contra os antígenos do bacilo. No outro extremo, o polo lepromatoso, existe predomínio de células CD8+ e macrófagos contendo grande quantidade de bacilos no infiltrado celular, além de células T regulatórias. As células Treg (CD4+FoxP3+CD25+, e CD8+FoxP3+CD25+) também estão aumentadas no sangue periférico dos pacientes LL, sugerindo papel importante ao inibir a resposta Th1 e facilitar a disseminação do M. leprae. As células Treg atuam, entre outros mecanismos, mediante a produção de TGF-β, encontrado em lesões LL e ausente nas lesões tuberculoides, contribuindo para a supressão da atividade Th1 pela inibição da produção de IFN-γ.A maior resposta Th2 no polo LL também se caracteriza pela produção de IL-4 e IL-5; por exemplo, com aumento da imunidade humoral e depressão da resposta de imunidade celular. A consequência desse processo: esses pacientes não apresentam proliferação de linfócitos T frente a antígenos micobacterianos, e essa anergia persistirá mesmo após o tratamento específico e cura. A ausência de imunidade celular específica levará os pacientes LL e BL a produzirem altos títulos de anticorpos contra o M. leprae, podendo ocorrer também geração de autoanticorpos. Essa resposta humoral exacerbada não se associa com ativação macrofágica, não sendo, portanto, protetora e pode estar associada à patogênese da reação tipo 2. Recentemente, documentou-se que a expressão dos interferons é variável, de acordo com a forma clínica da hanseníase, havendo elevada expressão tecidual de IFN-γ e baixa expressão do perfil IFN-β no polo TT; ocorre o contrário no polo LL. A via IFN-β prevalente na forma lepromatosa induz produção de IL-10 enquanto a via IFN-γ induz ativação de genes, que, por meio da participação da vitamina D, se associam à produção de peptídeos antimicrobianos (catelicidina e a defensina-β2). No entanto, essa dicotomia Th1/Th2 descrita nos extremos do espectro não é encontrada em muitos pacientes, já que as formas borderline se caracterizam por resposta imune instável e grande heterogeneidade funcional. A compreensão da complexa rede de resposta imune implicada na proteção contra o M. leprae e patogênese da hanseníase necessita de mais estudos. Imunopatogênese das reações hansênicas. As reações hansênicas tem origem em fenômenos de instabilidade e hiper-reatividade imunológica, como resposta à presença de antígenos do bacilo na pele e nervos periféricos. A reação tipo 1 (RT1) ou reação reversa (RR) é consequente ao mecanismo de hipersensibilidade tardia a antígenos do M. leprae, sendo mais comum em pacientes borderline, durante a poliquimioterapia. Na RR, a imunidade celular contra o bacilo está aumentada, promovendo mecanismos de destruição bacteriana e intensa inflamação tecidual que pode produzir danos irreversíveis, principalmente nos nervos periféricos. Durante a RT1, as lesões cutâneas apresentam aumento da quantidade de células de Langerhans, aumento da expressão de HLA-DR pelos queratinócitos e infiltração de células T na epiderme. Na derme, o denso infiltrado celular é composto principalmente por monócitos e células CD4+, com edema associado ao granuloma. Existe mudança no perfil de produção de citocinas, que passa de Th2 para Th1 nos pacientes multibacilares, possibilitando apresentarem resposta positiva ao teste de Mitsuda. A resposta de imunidade inata tem participação direta nos eventos da RT1 pelo aumento da expressão da defensina humana tipo 3 (hBD3) na lesão cutânea e também da maior produção de CXCL-10, quimiocina que atrai células Th1 para os locais de reações de hipersensibilidade tardia, induzindo produção de IFN-γ. A elevação plasmática de CXCL-10 e também de IL-6, documentada em pacientes com RT1, sugere aplicabilidade futura como marcadores séricos dessa reação. Nas lesões de RR, observa-se maior expressão de RNA mensageiro para IL-1α, IL-2, IL-6, TNF-α e IFN-γ, com diminuição de IL-4, IL-5 e IL-10. Essa resposta Th1 e inflamatória exacerbada se reflete no aumento dos níveis séricos de TNF-α, receptor solúvel de IL-2 e moléculas de adesão. Nesse ambiente, rico em citocinas inflamatórias, tais como IFN-γ e TNF-α, existe infiltração do granuloma por células CD4+, enquanto células CD8+ se colocam na periferia. Algumas dessas células podem apresentar atividade citotóxica e promover lise de macrófagos ou células de Schwann, com eliminação do bacilo e possibilidade de destruição tecidual, principalmente nos nervos periféricos. Também, as células de Schwann apresentam antígenos micobacterianos para células CD4+ e CD8+, amplificando a resposta citotóxica em resposta à presença de IL-6, em associação com IL-2 ou IFN-γ. Ocorre, ainda, maior expressão tecidual de TNF-α nos nervos periféricos do que na pele em pacientes com RT1; essa citocina também está associada com as lesões teciduais dos nervos periféricos. Finalmente, a maior presença de células FoxP3 na lesão de RT1 em comparação com a lesão de RT2 sugere que as células T regulatórias possam também estar envolvidas na patogênese da RT1, talvez como resposta de homeostase, na tentativa de diminuir a inflamação tecidual. A reação tipo 2 (RT2) ou eritema nodoso hansênico é caracterizada por reação inflamatória sistêmica, em pacientes LL e BL, muitas vezes precipitada pelo início da poliquimioterapia. A lesão cutânea do eritema nodoso hansênico se caracteriza por denso e profundo infiltrado inflamatório, podendo ocorrer vasculite. O infiltrado é composto principalmente de polimorfonucleares e linfócitos, com predominância de células CD4+. A RT2 tem patogenia complexa e obscura. Embora o dano tecidual e em nervos periféricos possa estar associado à deposição de imunocomplexos e hiperatividade Th2, existe também aumento transitório da resposta de imunidade celular contra o M. leprae. A maior expressão de citocinas Th2, tais como IL-4, IL-5 e IL-10, entre outras, aumenta a produção de anticorpos contra o bacilo em pacientes BL e LL, com carga antigênica elevada, levando à formação de imunocomplexos, ativação de complemento, atração de granulócitos e inflamação, com lesão tecidual. Também tem sido aventada a possível produção de autoanticorpos contra antígenos cutâneos e neurais. No entanto, a presença de imunocomplexos nas lesões de eritema nodoso hansênico necessita de maior comprovação. Durante a fase aguda do eritema nodoso hansênico, os pacientes desenvolvem aumento local progressivo de RNAm para IL-6, IL-8 e IL-10, enquanto a expressão de RNAm para IL-4 e IL-5 se mantém persistente. Os níveis de TNF- α e IL-1α se encontram elevados no soro e lesões desses pacientes. Além disso, a infiltração maciça de neutrófilos nas lesões agudas de eritema nodoso hansênico contribui para a produção elevada de TNF-α e IL-8, ampliando o processo inflamatório tecidual. A participação do TNF-α na RT2 tem sido documentada de várias maneiras: a melhora clínica dos pacientes, após uso de talidomida ou pentoxifilina, drogas que inibem a produção dessa citocina; ocorre de modo paralelo, a involução das manifestações clínicas e a diminuição dos níveis séricos e do RNAm tecidual para TNF-α. Assim como se observa na RT1, o TNF-α também participa do dano em nervos periféricos de pacientes com eritema nodoso hansênico. Embora na reação tipo 2 haja intensa produção de citocinas Th2, tem se documentado também maior produção de IL-12 (citocina que amplifica a via Th1) e IFN-γ in situ, e no sangue periférico. O IFN-γ pode aumentar a produção de TNF-α e assim contribuir para alimentar o circuito inflamatório. Finalmente, o envolvimento da via Th17 na RT2 tem sido aventado pela documentação da diminuição na expressão de componentes inflamatórios desta via, em lesões de eritema nodoso hansênico, após uso de talidomida. A exemplo da RT1, a busca por marcadores séricos com aplicabilidade clínica na RT2 demonstrou que IL-6, IL-7 e PD- GF-BB estão elevados no soro de pacientes com RT2, abrindo a possibilidade de uso prático para detecção pré- clínica dessa reação ou auxiliando no controle da resposta terapêutica. Ainda há muito a elucidar com relação aos mecanismos imunológicos envolvidos na patogênese das reações hansênicas. A melhor compreensão da complexa rede de interação imunológica e inflamatória que ocasiona a RT1 e RT2 é essencial para esclarecer as etapas e agentes mais importantes e, assim, identificar os principais alvos de intervenção terapêutica no futuro. 6. Classificação O diagnóstico de caso de hanseníase é essencialmente clínico e epidemiológico, realizado por meio da anamnese, exame geral e dermatoneurólogico paraidentificar lesões ou áreas de pele com alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos, com alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas. Para os casos diagnosticados, deve-se utilizar a classificação operacional de caso de hanseníase, visando definir o esquema de tratamento com poliquimioterapia, que se baseia no número de lesões cutâneas de acordo com os seguintes critérios: Paucibacilar (PB) – casos com até cinco lesões de pele. Multibacilar (MB) – casos com mais de cinco lesões de pele. A classificação operacional deve ser feita pelos critérios clínicos (história clínica e epidemiológica e exame dermatoneurológico). Quando disponível a baciloscopia, o seu resultado positivo classifica o caso como MB, porém o resultado negativo não exclui o diagnóstico clínico da hanseníase e também não classifica obrigatoriamente o doente como PB. Para os serviços especializados, ambulatorial e/ou hospitalar devem ser referenciados os casos suspeitos de comprometimento neural sem lesão cutânea, por serem de diagnóstico e/ou classificação mais difícil. Recomenda-se que nesses serviços de saúde os indivíduos sejam novamente submetidos ao exame dermatoneurólogico e a exames complementares que incluem a baciloscopia, a histopatologia (cutânea ou de nervo periférico sensitivo), os eletrofisiológicos e, se necessário, sejam submetidos a outros exames mais complexos para identificar o comprometimento cutâneo ou neural discreto, à avaliação por ortopedista, ao neurologista e a outros especialistas para diagnóstico diferencial de outras neuropatias periféricas. Dessa forma, os casos que apresentarem mais de um nervo comprometido, desde que devidamente documentado pela perda ou diminuição de sensibilidade nos respectivos territórios, a unidade de referência deverá tratar como MB, independentemente da situação de envolvimento cutâneo. Paucibacilares (PB) - doentes com baciloscopia negativa, abrangendo todos os tuberculoides e indeterminados; Multibacilares (MB) - com baciloscopia positiva, dos quais fazem parte todos os lepromatosos ou virchowianos e dimorfos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde para fins operacionais de tratamento, os doentes são classificados em paucibacilares (PB – presença de até cinco lesões de pele com baciloscopia de raspado intradérmico negativo, quando disponível) ou multibacilares (MB – presença de seis ou mais lesões de pele OU baciloscopia de raspado intradérmico positiva). O Brasil também utiliza essa classificação. Entretanto, alguns pacientes não apresentam lesões facilmente visíveis na pele, e podem ter lesões apenas nos nervos (hanseníase primariamente neural), ou as lesões podem se tornar visíveis somente após iniciado o tratamento. Assim, para melhor compreensão e facilidade para o diagnóstico, neste guia utilizamos a classificação de Madri (1953): hanseníase indeterminada (PB), tuberculóide (PB), dimorfa (MB) e virchowiana (MB). CLASSIFICAÇÃO E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Para fins de diagnóstico, a Organização Mundial de Saúde1 adota a seguinte definição de caso de hanseníase: “Toda pessoa que apresenta uma ou mais das características abaixo mencionadas e que necessite de tratamento poliquimioterápico: • Lesão ou lesões hipopigmentadas ou eritematosas, com alteração evidente da sensibilidade. • Acometimento de nervos periféricos, bem evidente, com aumento de volume e/ou espessamento, com alteração da sensibilidade na área correspondente. • Esfregaço cutâneo positivo para BAAR.” A hanseníase possui largo espectro de apresentações clínicas, cujo diagnóstico baseia-se principalmente na presença de lesões de pele, perda de sensibilidade e espessamento neural. As variadas formas clínicas de apresentação são determinadas por diferentes níveis de resposta imune celular ao M. leprae. Classicamente, a hanseníase apresenta dois polos: tuberculoide e lepromatoso ou virchowiano. Essas formas polares tendem a ser imunologicamente estáveis. Entre essas duas formas polares, existe um grupo de pacientes, imunologicamente instáveis, denominados borderline. Esse grupo borderline, ainda hoje, é denominado, erroneamente, como “dimorfos”, ou seja, doentes que têm as duas formas polares – tuberculoide e virchowiano. Na realidade, o termo borderline refere-se a grupos de doentes que não se enquadram nas formas polares e que podem, ao longo do tempo, caminhar para uma ou outra destas. Em português, a melhor designação para esses pacientes seria interpolar. A classificação de Ridley e Jopling é a mais aceita em todo o mundo. De acordo com essa classificação, durante a sua evolução, os enfermos apresentam quadros clínicos, baciloscópicos, histopatológicos e imunológicos variáveis. São mantidas as formas polares, tuberculoide (T) e virchowiano (V). Entre esses polos temos pacientes mais próximos da forma T – denominados borderline tuberculoide (BT); doentes que se situam no meio do espectro – borderline- borderline (BB); e pacientes próximos do polo virchowiano – borderline virchowiano (BV) A escola latino-americana de hansenologia admite que todas as formas clínicas de hanseníase se iniciam com manchas hipocrômicas ou manifestações neurais, mal definidas – são denominados indeterminados (I). Para a escola inglesa, os indeterminados não são relevantes para a classificação. Existem casos de hanseníase sem manifestações cutâneas, que se apresentam apenas com acometimento de nervos periféricos e sintomas nas áreas correspondentes – são conhecidos como formas neurais de hanseníase. Para simplificar e operacionalizar o tratamento na rede de atenção primária à saúde, a OMS recomenda classificar os pacientes, em dois grupos: paucibacilares (PB) e multibacilares (MB). São PB todos os pacientes que apresentarem até cinco lesões de pele e MB todos com mais de cinco lesões de pele. Formas clínicas hanseníase indeterminada Na maioria dos pacientes, as lesões iniciais de hanseníase são caracterizadas por manchas hipocrômicas (FIGURA 39.2). A boa iluminação é essencial para o exame adequado do paciente. Característica importante dessa apresentação é a alteração da sensibilidade térmica na área, quando avaliada pelo teste do tubo de ensaio com água quente ou fria. As sensibilidades dolorosa e tátil estão normais. O número de lesões depende da imunidade celular, geneticamente determinada, específica para M. leprae. Quanto maior a resistência ao M. leprae, menor será o número de machas e/ou nervos envolvidos. Um excelente método diagnóstico nessa forma clínica é a prova da histamina. A aplicação de uma gota de solução milesimal de histamina na pele normal, seguida de escarificação com agulha estéril, provoca o surgimento, em segundos ou minutos, da tríplice reação de Lewis (FIGURA 39.3). Na pele comprometida pela hanseníase, não ocorrerá a fase secundária, que depende da integridade dos filetes nervosos A queda de pelos no interior da mancha e a alteração franca da sensibilidade dolorosa ou tátil indica transformação para hanseníase tuberculoide A principal indicação do teste da histamina é o diagnóstico diferencial da forma indeterminada com outras doenças que se manifestam com manchas hipocrômicas (eczemátide, hipocromia residual e outras); é útil também na impossibilidade do teste de sensibilidade (crianças, simuladores). Sem tratamento, os casos com pequeno número de lesões evoluem para hanseníase tuberculoide, hanseníase borderline tuberculoide ou cura espontânea. Os doentes com numerosas ou incontáveis lesões evoluem para as formas borderline ou virchowiana. O diagnóstico da hanseníase indeterminada pode ser difícil, dependendo, particularmente, da experiência do profissional de saúde, condições emocionais do paciente ao responder aos testes de sensibilidade, disponibilidade de laboratório (baciloscopia, histopatologia). Na realidade, é pequeno o número de hanseníase indeterminada corretamente diagnosticados.Em geral, a baciloscopia é negativa na hanseníase indeterminada; se positiva indica evolução para formas multibacilares. Na histopatologia, observa-se infiltrado inflamatório pouco específico, constituído por linfócitos e, às vezes, histiócitos, em torno de vasos superficiais e profundos, podendo acometer os anexos cutâneos, em especial os filetes neurais e a musculatura piloeretora, com raros bacilos. Grande número de bacilos indica evolução para MB. A presença das características histológicas descritas anteriormente, mesmo sem bacilos, possibilita a emissão de laudo de compatibilidade, que deve ser correlacionado clinicamente (FIGURA 39.5). Fazem parte do diagnóstico diferencial da hanseníase indeterminada: pitiríase versicolor, eczemátide, micose fungoide, dermatite seborreica, hipocromia macular progressiva, nevo hipocromico, vitiligo e outras enfermidades que se apresentem com hipocromia. Hanseníase tuberculoide Em geral, na hanseníase tuberculoide observa-se poucas lesões; são pequenas, com aspecto em placa e bordas bem definidas em relação à pele normal. Na fase inicial da evolução de hanseníase indeterminada para hanseníase tuberculoide pode-se observar lesões papulosas sobre as máculas hipocrômicas. Pode haver aumento do tamanho das lesões e regressão central, com cicatrização. Na pele branca, há eritema e hipocromia; na escura, pode ser hipocrômica ou cor de cobre Alguns casos de hanseníase tuberculoide podem apresentar somente lesão macular, com graus variáveis de atrofia. Como ocorre na maioria dos casos de hanseníase tuberculoide, verifica-se alteração da sensibilidade térmica, dolorosa e tátil. Existem doentes de hanseníase tuberculoide com áreas bem definidas que apresentam alteração completa da sensibilidade, sem lesões cutâneas ou acometimento de troncos nervosos periféricos. Um tipo particular de hanseníase tuberculoide é observado em crianças, a hanseníase tuberculoide da infância, também conhecida como nodular infantil. Clinicamente, pode haver lesão nodular ou pequenas placas. É comum a cura espontânea dessa forma de hanseníase tuberculoide É importante lembrar que nos casos hanseníase tuberculoide, localizados na face, mesmo em lesões com longa evolução, a sensibilidade pode estar normal – a rica inervação sensorial compensa as alterações que ocorrem nas terminações neurais da lesão. A sudorese pode estar diminuída ou ausente na hanseníase tuberculoide; é frequente a queda de pelos nos casos com longa evolução. Em todas as formas clínicas de hanseníase, exceto na hanseníase indeterminada, existe a possibilidade de espessamento dos nervos periféricos, tais como: ulnar, mediano, radial, fibular (ciático poplíteo externo) e tibial posterior. A neurite pode ser a primeira manifestação da doença A baciloscopia da hanseníase tuberculoide é negativa. Na histopatologia, evidencia-se a presença de granulomas, localizados em torno de vasos, anexos cutâneos e filetes nervosos, constituídos de células epitelioides bem diferenciadas, células gigantes tipo Langhans e linfócitos, esses dispostos em nítida orla ao redor dos granulomas, e representam o grau máximo de resposta imunológica aos bacilos. Os granulomas, quando superficiais, entram em contato íntimo com a epiderme. A pesquisa de bacilos é quase sempre negativa. A distribuição do infiltrado nos anexos cutâneos e nos filetes nervosos possibilitam o diagnóstico de compatibilidade com hanseníase; o diagnóstico final deve ser correlacionado com o quadro clínico. No diagnóstico diferencial estão incluídos a dermatofitose, granuloma anular, granuloma facial, sífilis secundária, sarcoidose, lúpus eritematoso crônico, psoríase, esclerodermia em placa, dermatite seborreica, pitiríase rósea de Gilbert, tuberculose cutânea e outras enfermidades que se manifestem clinicamente com placas. Hanseníase virchowiana Os pacientes de hanseníase virchowiana são anérgicos, não desenvolvem imunidade celular para o M. leprae. É comum surgir a partir da forma indeterminada, nos pacientes que apresentam grande número de lesões, simetricamente distribuídas, que adquirem aspecto eritematoso e, progressivamente, infiltram-se, ocupando extensas áreas do tegumento. A hanseníase virchowiana pode, também, surgir a partir da evolução de pacientes com hanseníase borderline-borderline e hanseníase borderline virchowiana. Alguns pacientes apresentam-se com quadros típicos de hanseníase virchowiana, sem histórico ou evidencia clínica de lesões hipocrômicas prévias. Sem tratamento, áreas aparentemente normais do tegumento também se infiltram e toda (ou quase) a superfície cutânea é envolvida por intensa infiltração; em muitos casos pode haver desaparecimento dos sulcos normais da pele. Nas áreas infiltradas, verifica-se a queda progressiva dos pelos. A queda dos pelos, inicialmente da parte externa das sobrancelhas, ocasiona o aspecto clínico sugestivo de hanseníase virchowiana, denominado madarose. Os cílios também caem nos casos de hanseníase virchowiana com muita infiltração. A infiltração progressiva e intensa da face produz o aspecto clínico clássico da hanseníase virchowiana, denominado fácies leonina (FIGURA 39.17). Infiltração das mãos e pés são comuns nos casos mais avançados. Ictiose adquirida é frequente nos membros inferiores. Lentamente, as áreas infiltradas são recobertas por lesões papulosas e nodulares, isoladas ou confluentes, aumentando de tamanho com o tempo. Áreas mais quentes do corpo, tais como as axilas, virilhas, períneo e couro cabeludo, em geral, são poupadas ou pouco envolvidas. Com a progressão da doença, os troncos nervosos periféricos também podem infiltrar-se e aumentar de volume. A consequência será a diminuição da sensibilidade nas mãos, pés e outras áreas comprometidas. Dependendo do grau de comprometimento neural, podem surgir incapacidades. Na hanseníase virchowiana, o infiltrado celular dos nervos não é tão agressivo quanto o que se observa nos casos de hanseníase borderline; portanto, as deformidades ocorrem com menor intensidade e depois de muito tempo de evolução, sem tratamento. Existe um grupo de pacientes VV caracterizados por lesões nodulares, com as bordas bem definidas e superfície lisa, brilhante. Esses casos são denominados hanseníase histoide de Wade. Essa variedade clínica tem sido frequentemente encontrada em doentes com resistência medicamentosa, particularmente à dapsona. A designação histoide é consequente ao aspecto histopatológico das lesões, que lembram o dermatofibroma. Outro subgrupo da hanseníase virchowiana é a hanseníase de Lúcio-Latapi- Alvarado. Caracteriza-se por infiltração difusa, com aspecto brilhante de todo o tegumento cutâneo, dando o aspecto conhecido como “lepra bonita”. Tem-se a impressão que a pele está saudável. O fenômeno de Lúcio, caracterizado por vasculite e necrose é frequente nesses casos; são observadas ulcerações, de tamanhos variáveis, disseminadas (FIGURAS 39.19 E 39.20). Lesões nodulares e placas não são comuns nesses casos. A hanseníase de Lúcio-Latapi é diagnosticada com maior frequência no México. Em todas as variedades clínicas da hanseníase virchowiana, pode haver acometimento mucoso do trato respiratório superior, ocasionando coriza, exsudato seropurulento e epistaxe. Em casos graves, pode ocorrer envolvimento e destruição óssea da pirâmide nasal, com deformidade permanente do nariz. Os olhos também podem ser acometidos em casos com diagnóstico tardio, ocorrendo anestesia da córnea, uveíte, glaucoma e cegueira. Fígado, baço, suprarrenais e medula óssea também podem ser envolvidos na hanseníase virchowiana. Os ossos da face, mãos, pés e outros ossos também podem ser envolvidos, contribuindo para o desenvolvimento de incapacidades. Nos pacientes VV, a baciloscopia é fortemente positiva. A histopatologia evidencia infiltrado composto de macrófagos vacuolizados, contendo numerosos bacilos – células de Virchow;também são encontradas globias. O processo inflamatório é mais difuso, ocupando toda a extensão da derme e, por vezes, o tecido celular subcutâneo. Os histiócitos apresentam-se multivacuolados, sendo frequente a presença de plasmócitos (FIGURAS 39.21 A 39.23). Nas fases mais avançadas, podem ser observados grandes vacúolos, globias e células gigantes, tipo corpo estranho. Na hanseníase virchowiana, não há infiltrado na zona subepidérmica (zona Grenz) e as bainhas de muitos filetes nervosos adquirem o aspecto denominado “em casca de cebola”. O diagnóstico diferencial se faz com lues secundária, linfomas/leucemias cutâneas, xantoma eruptivo, farmacodermia, eritema nodoso, leishmaniose anérgica, doença de Jorge Lobo, lúpus eritematoso sistêmico, neurofibromatose e outros quadros dermatológicos. Hanseníase borderline De acordo com a classificação de Ridley e Jopling, a maioria dos casos de hanseníase pertence ao grupo borderline. Nessas formas, o acometimento de troncos nervos periféricos é múltiplo e mais grave. Quanto maior for o número de lesões cutâneas, maior será a chance de os troncos nervosos periféricos serem acometidos e, consequentemente, o desenvolvimento de paralisias e incapacidades. A instabilidade é característica deste grupo: com tratamento, tendem a evoluir em direção ao polo T; sem tratamento, pioram, progressivamente, em direção a hanseníase virchowiana. Os pacientes de hanseníase borderline, com frequência, apresentam quadros reacionais, denominados tipo1; as lesões reacionais caracterizam-se pelo aumento da infiltração, intensificação do eritema e, dependendo da gravidade, amolecimento e ulceração; é comum o comprometimento neural. HANSENIASE BORDERLINE TUBERCULOIDE As lesões cutâneas (10-20, ou mais) são caracterizadas por placas, de tamanhos, cores e formas variáveis, muitas vezes similares às observadas na hanseníase tuberculoide (FIGURA 39.24). Também são classificados como hanseníase borderline tuberculoide, pacientes com grandes placas e digitações a partir das bordas ou pequenas lesões periféricas; as lesões com longa evolução apresentam cicatriz central e bordas elevadas, bem evidentes (FIGURA 39.25). A coloração é variável – as lesões podem ser hipocrômicas, eritematosas ou eritêmatohipocrômicas. Pequenos nervos ou troncos nervosos periféricos podem ser envolvidos, particularmente aqueles que estão nas proximidades das placas. É comum a hanseníase borderline tuberculoide apresentar-se com placas eritematosas, amolecidas, com tendência a ulceração. São pacientes com reação tipo 1. A função neural pode ser comprometida rapidamente, ocasionando incapacidades físicas. Alguns pacientes podem apresentar somente manchas hipocrômicas, as vezes com aspecto atrófico e alteração bem definida da sensibilidade. Esses casos são denominados “borderline tuberculoide macular”. A baciloscopia é variável: negativa ou positiva, com índice baciloscópico (IB) até 2. No exame histopatológico, evidencia-se infiltrado inflamatório constituído de células epitelioides e linfócitos, similares ao que se encontra na hanseníase tuberculoide, porém os granulomas não tocam a epiderme, existindo faixa de colágeno preservado na derme papilar, separando o infiltrado inflamatório da epiderme, denominada faixa de Unna ou zona Grenz. Há menor quantidade de linfócitos, que se dispõem difusamente no granuloma; também há menor número de células de Langhans. Nesses casos, podem ser encontrados bacilos em pequeno número. No diagnóstico diferencial da hanseníase borderline tuberculoide, entram as doenças relacionadas no diagnóstico diferencial da hanseníase tuberculoide. Hanseníase borderline-borderline O aspecto clássico dessa variedade clínica é a presença de placas apresentando centro aparentemente poupado (geralmente hipocrômico) e bordas internas relativamente bem definidas; as bordas externas são mal definidas, difusas, invadindo a pele normal. Esse conjunto de manifestações clínicas é denominado “aspecto em queijo suíço”. Em geral, a coloração é eritematoferruginosa. Máculas, pápulas e infiltrações também podem estar presentes. A distribuição das lesões, em geral, é simétrica. O acometimento neural é variável nesses doentes. Pode ser grave durante os quadros reacionais tipo 1, comuns nesses enfermos. A hanseníase borderline-borderline típica é pouco frequente, sendo considerada a mais instável dentro do espectro. Em pouco tempo, dependendo de o doente estar sendo tratado ou não, evolui em direção aos polos T ou V. A baciloscopia, quase sempre, é fortemente positiva com o IB variando de 2 a 4. A histopatologia consiste em infiltrado inflamatório linfo-histiocitário, com bacilos facilmente detectados, visíveis no interior de histiócitos vacuolizados; não há globias. Embora possam ser encontradas células epitelioides, granulomas bem formados são raros e apresentam pouca coroa linfocitária ao seu redor. Hanseníase borderline virchowiana Idêntico ao que se observa nas outras formas clínicas, a hanseníase borderline virchowiana inicia-se com múltiplas manchas hipocrômicas, apresentando distribuição simétrica. Com o tempo, as máculas aumentam de tamanho, tornam-se eritematosas e infiltram-se. As margens dessas lesões são irregulares e invadem a pele normal. Progressivamente, extensas áreas tornam-se eritematosas e infiltradas. Placas, pápulas e nódulos são frequentes nos casos com longa evolução, simulando a hanseníase virchowiana. Nervos periféricos aumentados são encontrados na maioria dos hanseníase borderline virchowiana. Reações do tipo 1 e 2 são frequentes nessa forma clínica. Sem tratamento, os casos de hanseníase borderline virchowiana podem tornar- se indistinguíveis dos HVV. Com o tratamento, podem melhorar a imunidade para o M. leprae e apresentarem lesões reacionais similares aos BT. A baciloscopia é fortemente positiva e na histopatologia são observados histiócitos vacuolizados contendo grande número de bacilos. As globias não são frequentes; quando encontradas, são pequenas e em número reduzido. O infiltrado tende a ser mais nodular e se observam pequenos grupos de células de aparência epitelioide entre os histiócitos espumosos e linfócitos. O infiltrado disseca o filete nervoso em lâminas concêntricas, produzindo o aspecto em “casca de cebola”. Para o diagnostico diferencial da hanseníase borderline- borderline e hanseníase borderline virchowiana, consideram- se as condições do diagnóstico diferencial da hanseníase virchowiana. Sinais e Sintomas Neurológicos As lesões são decorrentes de processos inflamatórios dos nervos periféricos (neurites) e podem ser causados tanto pela ação do bacilo nos nervos como pela reação do organismo ao bacilo ou por ambas. Elas manifestam-se através de: Dor e espessamento dos nervos periféricos; Perda de sensibilidade nas áreas inervadas por esses nervos, principalmente nos olhos, mãos e pés; Perda de força nos músculos inervados por esses nervos principalmente nas pálpebras e nos membros superiores e inferiores. A neurite, geralmente, manifesta-se através de um processo agudo, acompanhado de dor intensa e edema, podendo torna-se crônica e passar a evidenciar esse comprometimento. Há perda de sensibilidade (primeira sensibilidade a ser alterada é a térmica, seguida pela dolorosa e. finalmente, a tátil), causando dormência e há perda da força muscular, causando paralisia nas áreas inervadas pelos nervos comprometidos. Quando o acometimento neural não é tratado pode provocar incapacidades e deformidades pela alteração de sensibilidade nas áreas inervadas pelos nervos comprometidos. Sinal de Tinel - Quando o local do nervo é percutido, o doente tem sensação de choque que se irradia para o território correspondente a esse nervo. As manifestações neurológicas têm algumas características próprias nas diferentes formas da doença: Nos tuberculoides, as lesões neurais são mais precoces, intensamenteagressivas e assimétricas e, muitas vezes, mononeurais. Os granulomas tuberculoides destroem as fibras nervosas, e pode ocorrer necrose caseosa no interior dos nervos afetados, que formam verdadeiras tumorações que chegam mesmo a fistulizar para a pele. Essa necrose caseosa do nervo é impropriamente chamada de "abscesso de nervo". Nos virchowianos, as lesões são extensas, simétricas e pouco intensas. Quando não ocorrem intercorrências agudas (reações), as fibras nervosas são lentamente comprimidas pelo infiltrado histiocitário com bacilos, e é por isso que as lesões clínicas se manifestarão tardiamente. Nos dimorfos, o comprometimento neurológico, em geral, é extenso e intenso, já que eles possuem algum grau de imunidade celular. Nesses casos, há destruição de nervos pelos granulomas de maneira generalizada. Diagnóstico clínico O roteiro de diagnóstico clínico constitui-se das seguintes atividades: Anamnese - obtenção da história clínica e epidemiológica; Avaliação dermatológica - identificação de lesões de pele com alteração de sensibilidade; Avaliação neurológica - identificação de neurites, incapacidades e deformidades; Diagnóstico dos estados reacionais; Diagnóstico diferencial; Classificação do grau de incapacidade física. Anamnese - As pessoas que têm hanseníase, geralmente, queixam-se de manchas dormentes na pele, dores, câimbras, formigamento, dormência e fraqueza nas mãos e pés. A investigação epidemiológica é muito importante para se descobrir a origem da doença e para o diagnóstico precoce de novos casos de hanseníase. Avaliação dermatológica – Devem ser realizadas as seguintes pesquisas de sensibilidade nas lesões de pele: térmica, dolorosa, e tátil, que se complementam. Avaliação neurológica - Inspeção dos olhos, nariz, membros superiores e inferiores; Palpação dos troncos nervosos periféricos (Este procedimento visa verificar se há espessamento dos nervos que inervam os membros superiores e inferiores, visando prevenir lesões neurais e incapacidades); Avaliação da força muscular (A avaliação da força muscular tem o objetivo de verificar se existe comprometimento funcional dos músculos inervados pelos nervos que passam pela face, membros superiores e inferiores). Diagnóstico laboratorial – baciloscopia é o exame microscópico onde se observa o Mycobacterium leprae, diretamente nos esfregaços de raspados intradérmicos das lesões hansênicas ou de outros locais de coleta selecionados: lóbulos auriculares e/ou cotovelos, e lesão quando houver. Observação: Por nem sempre evidenciar o Mycobacterium leprae nas lesões hansênicas ou em outros locais de coleta, a baciloscopia negativa não afasta o diagnóstico da hanseníase. Diagnóstico diferencial – As principais doenças de pele que fazem diagnóstico diferencial com hanseníase, são: Pitiríase Versicolor (pano branco) - micose superficial que acomete a pele, e é causada pelo fungo Ptirosporum ovale. Sua lesão muda de cor quando exposta ao sol ou calor (versicolor). Ao exame dermatológico há descamação furfurácea (lembrando farinha fina). Sensibilidade preservada. Eczemátide - doença comum de causa desconhecida, ainda é associada à dermatite seborreica, parasitoses intestinais, falta de vitamina A, e alguns processos alérgicos (asma, rinite, etc). No local da lesão, a pele fica parecida com pele de pato (pele anserina: são as pápulas foliculares que acometem cada folículo piloso). Sensibilidade preservada. Tinha do corpo - micose superficial, com lesão hipocrômica ou eritematosa, de bordos elevados. Pode acometer várias partes do tegumento e é pruriginosa. Sensibilidade preservada. Vitiligo - doença de causa desconhecida, com lesões acrômicas. Sensibilidade preservada. As lesões neurológicas da hanseníase podem ser confundidas, entre outras, com as de: Observação: Para o grupo de doenças que se assemelham com a hanseníase indeterminada e tuberculoide, a regra é na observação da sensibilidade (lesões da hanseníase não apresentam sensibilidade conservada). Para os grupos de doenças que se assemelham à hanseníase do tipo virchowiano ou dimorfo, regra é a observação da presença ou não dos bacilos, já que, nestes casos, a sensibilidade não auxiliará na diagnose. Síndrome do túnel do carpo; Neuralgia parestésica; Neuropatia alcoólica; Neuropatia diabética; Lesões por esforços repetitivos (LER). Diagnose complementar – Provas Clínicas: Pesquisa de sensibilidade; Teste da histamina: A técnica consiste em colocar uma gota de solução milesimal de c loridrato de histamina (1:1.000) na pele normal e perfurá-la com uma agulha, sem sangrar, por meio da gota. Resposta: após 20 segundos, aparece um pequeno eritema pela ação direta da histamina sobre os pequenos vasos da pele; após 20 a 40 segundos, halo eritematoso, maior, chamado de eritema reflexo secundário. Ocorre em virtude do estímulo das terminações nervosas dos vasos pela h istamina que, por meio de um reflexo antidrômico, provoca a vasodilatação; após 1 a 3 minutos, no local da puntura, surge pápula urticada em decorrência de transudação de líquido do interior de vasos. As três fases caracterizam a tríplice reação de Lewis em pele normal. Na mácula da hanseníase, não há o eritema reflexo secundário por comprometimento das terminações nervosas. Há o pequeno eritema no local da puntura e a pápula. É a reação de histamina incompleta. A prova deve ser feita na área suspeita e em pele normal circunvizinha; Teste de pilocarpina: Essa prova pode ser sensibilizada pincelando-se. inicialmente, a pele com tintura de iodo, injetando-se, a seguir, a pilocarpina e pulverizando-se a região com amido. Na área onde houver sudorese, nota-se aparecimento de vários pontos azul-escuros que correspondem à reação do amido com o iodo, favorecida pela umidade do suor. Na lesão de hanseníase não ocorrerá o suor. Reação de Mitsuda: O teste de Mitsuda é uma reação que avalia a integridade dessa imunidade celular, específica de um indivíduo, ao bacilo de Hansen. A intensidade da reação positiva, conforme o tamanho do nódulo, é classificada, consoante à OMS, em: Positiva + 3 a 5 mm; Positiva ++ 5 a 10 mm; Positiva+++ acima de 10 mm. Exames laboratoriais Bacterioscopia – quando tiver suspeita de forma multibacilar; Índices bacilares – acompanhamento em doentes multibacilares; Exames histopatológicos – para a diagnose; Reação em cadeia da polimerase (PCR) – Possibilita detectar o Mycobacterium leprae; Exames sorológicos – Na hanseníase virchowiana há, em geral, hipergamaglobulinemia com predomfnio de lgG. Em surtos reacionais, podem surgir anticorpos antilipídeos responsáveis por falsas reações positivas na sífilis. A especificidade da reação é de 98% e a sensibilidade de 80 a 90% em pacientes multibacilares, e de 30 a 60% em paucibacilares. Essa reação tem grande importância para a possível aplicação na diagnose, investigação de infecção subclínica, controle da infecção multibacilar e detecção de recidivas. Tratamento O tratamento integral de um caso de hanseníase compreende o tratamento quimioterápico específico - a poliquimioterapia (PQT), seu acompanhamento, com vistas a identificar e tratar as possíveis intercorrências e complicações da doença e a prevenção e o tratamento das incapacidades físicas. Há necessidade de um esforço organizado de toda a rede básica de saúde no sentido de fornecer tratamento quimioterápico a todas as pessoas diagnosticadas com hanseníase. O indivíduo, após ter o diagnóstico, deve, periodicamente, ser visto pela equipe de saúde para avaliação e para receber a medicação. O tratamento específico da pessoa com hanseníase, indicado pelo Ministério da Saúde, é a poliquimioterapia padronizada pela Organização Mundial de Saúde, conhecida como PQT, devendo ser realizado nas unidades de saúde. A PQT mata o bacilo tornando-o inviável, evita a evolução da doença, prevenindoas incapacidades e deformidades causadas por ela, levando à cura. O bacilo morto é incapaz de infectar outras pessoas, rompendo a cadeia epidemiológica da doença. Assim sendo, logo no início do tratamento, a transmissão da doença é interrompida, e, sendo realizado de forma completa e correta, garante a cura da doença. A poliquimioterapia é constituída pelo conjunto dos seguintes medicamentos: rifampicina, dapsona e clofazimina, com administração associada. Essa associação evita a resistência medicamentosa do bacilo que ocorre com frequência quando se utiliza apenas um medicamento, impossibilitando a cura da doença. É administrada através de esquema-padrão, de acordo com a classificação operacional do doente em Pauci ou Multibacilar. A informação sobre a classificação do doente é fundamental para se selecionar o esquema de tratamento adequado ao seu caso. Para crianças com hanseníase, a dose dos medicamentos do esquema-padrão é ajustada, de acordo com a sua idade. Já no caso de pessoas com intolerância a um dos medicamentos do esquema-padrão, são indicados esquemas alternativos. A alta por cura é dada após a administração do número de doses preconizadas pelo esquema terapêutico. Esquema Paucibacilar Neste caso é utilizada uma combinação da rifampicina e dapsona, acondicionados numa cartela. Duração do tratamento: 6 doses mensais supervisionadas de rifampicina. Critério de alta: 6 doses supervisionadas em até 9 meses. Esquema Multibacilar Aqui é utilizada uma combinação da rifampicina, dapsona e de clofazimina, acondicionados numa cartela. Duração do tratamento: 12 doses mensais supervisionadas de rifampicina; Critério de alta: 12 doses supervisionadas em até 18 meses.
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