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Kamilla Galiza / APG / 5ª p Objetivos • Revisar as estruturas do ombro • Identificar a etiologia e os fatores de risco das le- sões mecânicas do ombro (LMO) • Analisar a fisiopatologia e as MC das LMO • Discorrer sobre o DX e o TTO das LMO Introdução As lesões do manguito rotador constituem uma causa fre- quente de dor no ombro em pessoas de todas as idades. Essa condição patológica representa um espectro de do- enças, que varia de uma tendinite aguda reversível até uma lesão maciça envolvendo todos os seus componen- tes. Anatomia funcional Figura 1. Manguito rotador do ombro. 1 = tendão do músculo subescapular; 2 = Tendão do supraespinal: 3 = tendão do in- fraespinal; 4 = tendão do redondo menor. O manguito rotador (MR) é formado por quatro músculos que se originam na escápula e se inserem nos tubérculos do úmero (supra-espinhoso, intraespinhoso, redondo menor e subescapular). Seus tendões tornam-se conflu- entes entre si e a cápsula articular quando se aproximam de suas inserções. O MR trabalha como unidade combi- nada para estabilizar a cabeça do úmero na cavidade gle- nóide; o adjetivo rotador poderia perfeitamente ser substi- tuído por compressor, provavelmente o componente mais importante entre as suas múltiplas funções. Ele comprime a cabeça umeral contra a glenóide, aumentando a esta- bilidade, resistindo ao deslizamento e à translação da mesma (nos sentidos ântero-posterior e ínfero-superior), permitindo ainda alguma rotação em torno dos seus três maiores eixos (ântero-posterior, médio-lateral e diáfiso- umeral), isoladamente ou em conjunto. Nas amplitudes médias de movimento, todos os estabilizadores estáticos da articulação glenoumeral estão relaxados e, nesta situ- ação, a estabilidade articular é quase que exclusivamente garantida pelo MR. O efeito compressivo exercido pelo MR é relativamente in- dependente da posição em que se encontra a articulação, embora nos movimentos de deslizamento e translação sua função se alterne. Em abdução e rotação neutra, o in- fraespinhoso é depressor da cabeça umeral, mas em ab- dução e rotação externa, ele se torna elevador. O infraes- pinhoso, juntamente com o redondo menor, são os únicos rotadores externos. O subescapular é depressor mais efetivo em rotação ex- terna. Tem pouco efeito na translação ântero-posterior em abdução e rotação externa, sendo importante rotador in- terno nos últimos graus desse movimento. O supra-espi- nhoso é importante estabilizador e compressor da cabeça umeral e está ativo em qualquer movimento envolvendo a elevação do membro superior. A eletroneuromiografia dinâmica mostrou que os múscu- los do MR e o deltoide são ativos em todo arco de flexo- abdução, parecendo que os primeiros agem para contra- por-se às forças de cisalhamento geradas pelo músculo deltoide. Esse efeito combinado da ação sinérgica do MR gera um efeito compressivo da cabeça umeral contra a glenóide. O MR também se beneficia das ações de outros músculos no desempenho de suas funções, ou por sinergia ou pela criação de um ambiente biomecânico mais ade- quado. A função do deltoide demonstra claramente esse fenômeno. No início da elevação, com o membro superior em adução, a sua contração produz uma força de cisa- lhamento em direção cranial. O deltoide anterolateral, pela direção de suas fibras contornando o tubérculo maior, cria uma força que se opõe à primeira e aumenta o efeito compressivo e a estabilidade glenoumeral. A criação de melhor ambiente biomecânico é exemplificada pela ação dos estabilizadores da escápula, que permitem a sua ro- tação superior no plano coronal durante a elevação do membro superior e previnem contato anormal do tubér- culo maior e do manguito rotador com o arco coracoacro- mial. lesões Kamilla Galiza / APG / 5ª p Etiologia e fatores de risco O desenvolvimento de lesões aos tendões que circundam o MR se dá principalmente após os 30 anos, em decorrên- cia de causas intrínsecas (processos degenerativos, alte- rações metabólicas e vasculares) ou extrínsecas (traumas agudos ou de repetição). Desse modo, destacam-se como fatores de risco a idade > 50 anos e a prática de esportes com rotação contínua do ombro, como vôlei e natação, e atividades repetitivas, a exemplo de pintar e limpar janelas. A conformação anatômica do acrômio também afeta a susceptibilidade de um indivíduo a tendinites. Em estrutu- ras planas (tipo 1), há um maior espaço para movimenta- ção dessa articulação, ao passo que nas apresentações de tipos II e III a angulação é menor, favorecendo o des- gaste das estruturas adjacentes. Com a instalação da lesão do MR, esta se estratifica em três etapas distintas, a saber: Fase 1: presente em indivíduos com menos de 25 anos, cursa com edema, hemorragia e inflamação; Fase 2: se estendendo entre os 25 e 40 anos, tem como característica a presença de fibrose e tendinite/bursite, podendo ou não haver lesões parciais; Fase 3: representa a ruptura do tendão (parcial ou com- pleta), associada à artrose acrômio-clavicular, sendo ob- servada em > 40 anos. Classificação As lesões podem ser classificadas de diversas maneiras: • Em relação à espessura (parciais ou não transfixan- tes e completas ou transfixantes): • Tamanho da lesão quando completa (pequena, < 1cm; média, de 1 a 3cm; grande, de 3 a 5cm; e maciça, de mais de 5cm) • Ao grau de retração do coto tendinoso em relação à cabeça umeral (distais ou periinsercionais, interme- diárias e proximais) • A cronologia (agudas, crônicas e crônicas agudiza- das); • À etiologia (traumáticas, microtraumáticas, degene- rativas, associadas às instabilidades, etc). As lesões parciais podem ser classificadas de acordo: • Localização (bursal, articular e intratendinosa) • Espessura e o seu tamanho (grau l = 25% ou até 3mm; grau II = 50% ou de 3 a 6mm; e grau III = 50% ou > 6mm). Neer classificou as lesões do manguito rotador em três es- tágios: I: edema e hemorragia, idade típica < 25 anos: II: fibrose e tendinite, idade típica entre 25 e 40 anos; III: osteófitos e ruptura tendinosa, idade típica > 40 anos. Fisiopatologia Na patogênese das lesões do MR a literatura define duas diferentes causas: • Intrínseca • Extrínseca ou traumática. Intrínseca: A primeira considera que a causa primária seria um processo degenerativo relacionado ao envelheci- mento natural dos tendões (entesopatia), devido a mu- danças na vascularização do manguito ou outras altera- ções metabólicas associadas com a idade. Segundo Neer, Codman, pensava que processos degenerativos em asso- ciação com trauma eram responsáveis pela ruptura do manguito. Sua teoria continua recebendo o suporte da- queles que consideram a lesão degenerativa como come- çando pelo lado articular dos tendões. Foi observado um suprimento vascular esparso na inserção do supra-espi- nhoso, correspondente a sua parte articular e uma rica vascularização no lado bursal. Autópsias em cadáveres demonstraram que a maioria das lesões ocorria no lado articular, sugerindo que as mudan- ças degenerativas e o suprimento vascular insuficiente eram fatores patogênicos importantes, havendo evidên- cias claras de preexistirem mudanças degenerativas rela- cionadas à idade como consequência de microtrauma. Portanto, todos esses indicativos nos levam a crer que a doença do manguito seja uma tendinopatia intrínseca causada por avascularidade, idade ou sobrecarga de uso. Para Nirschl et al, 90 a 95% das anormalidades do manguito são secundárias a trauma, sobrecarga em tensão ou excesso de uso. Em 1972, Neer descreveu que o atrito anormal entre o arco coracoacromial e os tendões seria a causa da lesão que ele denominou de síndrome do impacto subacromial. Em adição, fricção e atrito na superfície do acrômio poderiam agravar as mudanças degenerativas do manguito, condu- zindo a uma lesão completa. Bigliani et al descreveram ti- pos morfológicos de acrômio (planos, curvos e ganchosos) eque as lesões eram iniciadas pelo impacto subacromial: na presença de acrômios curvos e ganchosos, a predispo- sição seria maior. As alterações do manquito são devidas a fatores intrínsecos, como lesão degenerativa intrasubs- tancial ou tendinose, causada por vascularidade, idade ou sobrecarga excêntrica. Isso levaria à falência de suas fi- bras e, consequentemente, a diminuição funcional. Esta fa- cilitaria a ascensão da cabeça umeral, levando-a ao im- pacto secundário na região subacromial. Como a cabeça Kamilla Galiza / APG / 5ª p umeral fica contida no arco coracoacromial, resultaria também, em decorrência, modificação estrutural secun- dária no formato do acrômio. Extrínseco: A literatura atual vem mostrando que os fatores extrínsecos, como o esporão acromial, têm papel secun- dário na lesão do manguito rotador e que sua etiologia, na verdade, é multifatorial. Recentemente, descreveram-se lesões intra-articulares secundárias ao impacto interno principalmente em jovens atletas arremessadores. A inte- ração repetitiva entre a superfície interna do manguito e a glenóide póstero-superior seria o fator responsável por tal lesão. Walch et al e Paley et al, descreveram a ocorrência de contato entre a superfície interna do manguito e a borda póstero-superior da glenóide quando o braço se encontra em abdução/rotação externa e extensão. Eles concluíram que as mudanças observadas no manguito e labrum eram resultado de um impacto interno. O estudo original de Walch et al incluiu jogadores de vôlei e tênis e mostrou que 76% dos pacientes tinham lesões ar- ticulares e 71%, esgarçamento do labrum póstero-superior. Estudos em cadáver e clínicos - durante artroscopia em vivo - demonstraram que o contato entre o manguito e a glenóide póstero-superior poderia ser fisiológico. No en- tanto, com as atividades atléticas esse contato fisiológico poderia ser mais intenso e frequente, levando com o tempo ao desenvolvimento de impacto e dor. Mais recen- temente, tem-se tentado demonstrar que o impacto in- terno não é condição exclusiva de atletas arremessadores, mas que ocorre também na população em geral, durante o movimento de flexão provocada pelas atividades força- das de vida diária e não apenas em abdução/rotação ex- terna/extensão. Essa seria mais uma contribuição para a patogênese da doença do manguito rotador. Manifestações clínicas A dor é o principal sintoma. Habitualmente, ela se localiza na região anterolateral do ombro e face lateral do braço e sua intensidade é variável. A maioria dos pacientes se queixa de dor noturna e dificuldade ou incapacidade de deitar-se sobre o lado afetado, sendo este um aspecto muito característico e constante da doença do manguito rotador. Uma anamnese minuciosa é fundamental. O tempo de evolução dos sintomas e suas características, o tipo de ocupação profissional ou de prática esportiva, a história de um ou mais eventos traumáticos e tratamentos prévios (fisioterapia, infiltrações, etc.), a dominância, a idade e o sexo são informações valiosas. No exame físico são pesquisadas assimetrias das cinturas escapulares, atrofias das fossas supra e infraespinhais, cicatrizes e de- formidades da coluna cervicotorácica. A mensuração das amplitudes ativas e passivas dos ombros é imprescindível para a diferenciação com outras lesões (capsulite adesiva, artrose glenoumeral, etc.). A presença de crepitações à rotação passiva do ombro, muitas vezes dolorosa, é também bastante sugestiva e ca- racterística. Os sinais de irritação do manguito rotador po- dem ser demonstrados por diversas manobras: as de Neer, Hawkins e Yocum para o impacto anterossuperior e as de Speed (palm-up test), Yergason e O'Brien para o bíceps e a âncora do bíceps. Um arco doloroso de 60ª a 120º de ab- dução no plano da escápula é também um sinal irritativo. Algumas manobras permitem avaliar componentes espe- cíficos do manguito rotador: o teste de Jobe para o supra- espinhoso, os testes de Gerber (lift-off e o belly-press) e o aumento da rotação externa em abdução para o subes- capular e o teste de Patte para o infra-espinhoso e o re- dondo menor. Os sinais da cancela (incapacidade de se manter a rota- ção externa máxima ativa em adução) e o "hornblow sign" - sinal do chifre caído - que é a incapacidade de se manter a rotação externa máxima ativa em abdução de 90º - de- monstram lesões dos rotadores externos e estão geral- mente presentes em lesões maciças crônicas irreparáveis. O teste de Neer (injeção de 10ml de lidocaína a 1% na bursa subacromial) é uma ferramenta valiosa na diferenciação entre bursites e lesões do supra-espinhoso Diagnóstico O exame físico se inicia com a inspeção estática, onde possíveis atrofias musculares podem ser detectadas, es- pecialmente do SE e do IE nas roturas crônicas. Na inspe- ção dinâmica, é importante observar tanto a amplitude de movimento como o movimento escapulotorácico. O arco de movimento pode estar diminuído globalmente, quando estiver presente o componente doloroso (síndrome do im- pacto) ou existir capsulite adesiva secundária. Alterações geram desequilíbrios biomecânicos no ombro, propici- ando sobrecarga aos músculos do MR e eventualmente desencadeando roturas secundárias. Nas lesões do MR, os testes de impacto de Neer, Hawkins-Kennedy e Yocum apresentam positividade variável, em decorrência da pre- sença ou não do fator extrínseco que pode estar presente na patogenia da doença. Figura 2. Teste de Yocum Kamilla Galiza / APG / 5ª p Exames de imagem Dentre os exames de imagem, a radiografia deve ser rea- lizada em incidências anteroposterior e axilar, em rotações e inclinações variadas. Os achados mais comuns são es- porão subacromial e diminuição desse espaço. A ultrassonografia é um exame comparativo (ombro são e doente), porém limitado a lesões < 1 cm (parciais) e com caráter operador-dependente. A ressonância magnética, por fim, é um método de boa acurácia, revelando alterações ainda em estágios iniciais, além de comprometimentos ósseos e afecções muscula- res associados. Sua principal desvantagem recai sobre ser um método invasivo e menos disponível (maior custo). A artropatia do manguito rotador surge em indivíduos com mais de 70 anos que apresentaram lesões antigas aos tendões do MR, gradualmente levando ao desgaste da ca- beça do úmero. Diagnóstico diferencial Como diagnósticos destacam-se a já citada diferenciais, artrose (glenoumeral e acromioclavicular) e a tendinite calcária. Nessa forma de tendinite há deposição de cálcio sobre o tendão supraespinal, em decorrência da metapla- sia de fibroblastos ou da baixa tensão de oxigênios nos te- cidos. Apesar de autolimitada, essa forma de tendinite conta com dor de longa evolução com períodos de me- lhora, mas que também pode aparecer subitamente, sem histórico prévio de trauma. Tratamento Na fase aguda da síndrome do impacto, com ausência de ruptura (ou em lesões parciais), o manejo se inicia com medidas farmacológicas, como: • Uso de anti-inflamatórios orais (ex.: Celecoxibe 400mg por até 10 dias); • Analgésicos simples (ex.: Dipirona 1g); • Relaxantes musculares (Ciclopenzaprina5-10mg). A infiltração subacromial com anestésicos ou corticoides também é bastante comum, com benefícios a curto prazo, ainda que possa induzir o desenvolvimento de artropatia do tendão e necrose deste. Outras estratégias conserva- doras que podem ser empregadas são a crioterapia e a acupuntura, com papel importante no controle da dor e recuperação funcional. Observa-se que, nesse primeiro momento, o objetivo terapêutico é a diminuição da dor e da inflamação. Assim, a reabilitação física é orientada para a reorientação postural e proteção articular de forma a ampliar o espaço abaixo do acrômio. A realização de alongamentos e exercícios isométricos de recuperação da amplitude de movimento, sejam eles pas- sivos ou ativos, são pontos chave nessa etapa. No estágiointermediário do tratamento da síndrome do túnel do carpo, o foco se direciona ao progresso do fortalecimento muscular, melhorando o grau de mobilidade, estabilidade e flexibilidade do manguito rotador. O paciente só deve "avançar" frente a regressão da inflamação e boa tolerân- cia à etapa anterior. Em caso de persistência dos sintomas após 3 meses de tratamento conservador, é indicado a abordagem artros- cópica (cirúrgica) com remoção de osteófitos e da bursa inflamada, com consequente descompressão do espaço subacromial. As principais complicações da síndrome do impacto são decorrentes da cronificação por condutas inadequadas, marcadas principalmente por perda signifi- cativa da mobilidade, espessamento articular, fraqueza, dor crônica e, em atletas, prejuízos ao desempenho espor- tivo. Tendinopatia O termo tendinopatia é bem aceito para caracterizar a le- são tendínea, uma vez que o diagnóstico preciso do tipo de lesão tendínea é difícil de se obter clinicamente. Prova- velmente ambos os processos, inflamatórios e degenera- tivos, ocorrem na evolução da tendinopatia. Fatores que podem causar estresse excessivo no tendão • Acúmulo de gordura corporal Kamilla Galiza / APG / 5ª p • Alterações biomecânicas (no esporte ou em ativida- des gerais) • Superfícies de treinamento esportivas inadequadas • Erros de treinamento esportivo • Transição de treinamento esportivo – mudanças de equipamentos, de superfície, incorporação de novas técnicas, mudança de volume/intensidade do treina- mento, etc. • Pouca flexibilidade • Alterações anatômicas e de alinhamento • Alterações de força muscular Fatores que podem diminuir a capacidade de adapta- ção tecidual do tendão • Uso de fármaco corticosteroide (causa atrofia do tendão e afeta a cicatrização) • Idade avançada – se tornam mais enfraquecidos, mais rígidos e menos produtivos, como resultado de alterações vasculares, celulares e relacionadas ao colágeno • Disfunções sistêmicas que afetam a síntese proteica (Disfunções tireoidianas) • Baixo aporte nutricional Referencias ANDRADE, Ronaldo Percopi de; CORREA FILHO, Mário Roberto Chaves; QUEIROZ, Bruno de Castro. Lesões do manguito ro- tador. Rev. bras. ortop, p. 621-636, 2004. SIMONS, Stephen M.; KRUSE, David. Rotator cuff tendinopa- thy. UpToDate, v. 20202018, 2009.
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