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3FEBRE REUMÁTICA 1. DEFINIÇÃO A febre reumática (FR) consiste numa doença autoimune aguda de caráter sistêmico que se manifesta como uma sequela tardia não supura- tiva de uma infecção respiratória das vias aéreas superiores causada pelo Streptococcus pyogenes, ou seja, um estreptococo beta-hemolítico do grupo A (EBGA). SE LIGA! As principais infecções es- treptocócicas beta hemolíticos do grupo A são faringoamigdalite e impetigo. No entanto, somente a primeira está asso- ciada com o surgimento de FR. Esse comprometimento pode afetar o funcionamento das articulações, da pele e tecido subcutâneo, do sistema nervoso central e do coração, sen- do esse último passível de sofrer um processo de cronificação, lesionan- do de forma permanente estruturas cardíacas, como suas válvulas (prin- cipalmente a esquerda). As demais sequelas são de caráter transitório. Figura 1. Esquema da febre reumática como sequela de uma faringoamigdalite por conta de um estreptococo beta-he- molítico do grupo A e suas principais manifestações clínicas. FONTE: http://anugrahasiddhavarmavaidyasala.com/Rheu- matic%20fever.html 4FEBRE REUMÁTICA 2. EPIDEMIOLOGIA A FR afeta principalmente crianças e jovens adultos. Isso ocorre por conta da altíssima incidência de faringoa- migdalite estreptocócica em indivídu- os de 5 a 18 anos, mundialmente. Ela é predominante entre 5 a 15 anos, sendo rara em indivíduos após 18 anos. Vale ressaltar que a incidência, em cada país, varia de acordo com a pi- râmide etária do país, condições so- cioeconômicas e de fatores ambien- tais. Essa doença é muito comum em países jovens, subdesenvolvidos/em desenvolvimento, com alto índices de desnutrição e pobreza. Por exemplo, no Brasil, foi estimado cerca de 10 milhões de casos de fa- ringoamigdalite estreptocócicas, com um total de 30.000 novos casos de FR, em que, aproximadamente, me- tade desses casos evoluem para uma cardite reumática. Dessa forma, mes- mo havendo uma expressiva diminui- ção da incidência de FR em países industrializados, em países em de- senvolvimento, como o nosso, essa doença possui um caráter endêmico. 3. PATOGÊNESE E FISIOPATOLOGIA Como já foi dito, para haver a FR, a in- fecção estreptocócica beta-hemolítica deve ser faríngea, ou seja, não é con- siderados outros sítios de infecções desses patógenos. Figura 2. 5FEBRE REUMÁTICA SAIBA MAIS! Diferente da febre reumática, a glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE) consiste numa sequela após uma infecção estreptocócica beta-hemolítico do grupo A após uma IVAS, como faringoamigdalite, ou piodermite, como impetigo. Ela ocorre por conta da deposição de imunocomplexos nos glomérulos renais, levando a um quadro de inflamação (síndrome nefrítica). É mais comum em crianças de 6 a 10 anos, predomínio de sexo masculino 2:1. Figura 3. Representação da patogenia da GNPE. FONTE: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/ S0085253815558158#f0015 Para o diagnóstico dessa etiologia, deve-se definir se a glomerulonefrite é ou não pós-estrep- tocócica, através da anamnese, indagando, geralmente ao responsável, sobre a existência ou não de uma infecção estreptocócica prévia, como faringite ou piodermite, a partir de seu perí- odo de latência (tempo desde o desparecimento da última infecção até a mais recente): Para faringoamigdalite: Sintomas presentes após 1 a 2 semanas; Para piodermite: Sintomas presentes após 2 a 4 semanas; Já com os achados em mãos, eles devem ser validados por exames laboratoriais: ASLO (anti-estreptolisina O): Mais sensível para os casos de faringoamigdalite; Anti-DNAse B: Mais sensível para os casos de piodermite. Os pacientes com GNPE, geralmente, cursam com hipocomplementemia, que é a diminui- ção transitória nos níveis de C3 e CH50, com níveis normais ou pouco diminuídos de C4, sendo que tal processo é usado como diagnóstico diferencial (imunofluorescência positiva para fator C3 do complemento). Portanto, se o paciente teve consumo de complemento ou se suas frações de C3 e CH50 diminuíram e se normalizaram após dois meses, deve-se suspeitar de uma GNPE. Se não, buscar outras possíveis etiologias através de biópsia renal. 6FEBRE REUMÁTICA Da mesma forma que a GNPE, a FR não é uma doença inflamatória em si, mas sim uma reação autoimune con- sequente de uma doença inflamatória. Essa reação decorre por conta de um mimetismo molecular, que consiste na semelhança química e estrutural entre alguns componentes patogêni- cos e do tecido acometimento. Nesse caso, o cardíaco. Isso ocorre quando os anticorpos pro- duzidos contra certos antígenos es- treptocócicos, por exemplo, a proteína M da parede celular desses seres, in- duzem uma reação cruzada com as células do tecido cardíaco, principal- mente os cardiomiócitos. Essa respos- ta depende da ação de linfócitos T e B, além da produção local de citocinas, causando lesões inflamatórias au- toimunes. Caso se exacerbem, essas lesões podem se tornar irreversíveis Figura 4. Ativação do sistema imune contra tecido cardíaco por mimetismo molecular. FONTE: https://repositorio. uniceub.br/jspui/bitstream/235/11652/1/21352046.pdf Dessa forma, os mecanismos fi- siopatológicos da febre reumática consistem na resposta inflamatória autoimune do corpo em relação aos estreptococos do grupo A. Temos como exemplos: • Efeitos tóxicos dos metabólitos e produtos estreptocócicos, como as estreptolisina O e S; • Ação autoimune de complexos an- tígeno-anticorpo ou superantígenos 7FEBRE REUMÁTICA estreptocócicos, induzida pela simi- laridade do tecido conjuntivo com o antígeno da bactéria – mimetismo molecular. Faringoamigdalite prévia (Streptococcus pyogenes) Formação de linfócitos T e B específicos FLUXOGRAMA DA PATOGÊNESE E FISIOPATOLOGIA Eliminação do estreptococo Mimetismo molecular Anticorpos atacando tecidos do próprio organismo Metabólitos e produtos estreptocócicos Efeitos tóxicos Reação cruzada Febre reumática 2 a 3 semanas a infecção EX: Estreptolisinas O e S EX: cardiomiócitos (mimetismo com proteína N) 4. QUADRO CLÍNICO As principais manifestações clínicas decorrentes da Febre Reumática po- dem ser subdivididas nas seguintes categorias: • Sintomas constitucionais: Repre- sentado principalmente pela febre. Pode haver anorexia e mal-estar, mas não são específicos para FR. • Sinais e sintomas cardíacos: Cardi- te é a apresentação mais incidente. É bem comum a existência de sopros, por contado acometimento crônico das valvas (principalmente a esquer- da). Pode existir pericardite e insufi- ciência cardíaca, sendo essa última resultante da possível lesão valvar; • Sinais na pele: Marcado princi- palmente pelo eritema marginado serpiginoso e de nódulos subcutâ- neos próximos as articulações; • Sinais articulares: Principalmente pela poliartrite, podendo haver ou não artralgia; • Sinal neurológico: Marcado pela coreia de Sydenham. 8FEBRE REUMÁTICA O surgimento desse quadro sintoma- tológico ocorre após um período de latência, antecedido pela infecção estreptocócica, gerando em torno de 2 a 4 semanas, em média 19 dias. Dentre os sintomas principais – che- gando a ser considerados sinais de alarmes para a FR ao ponto de partici- parem dos “critérios maiores” para seu diagnóstico – temos: Artrite Comum em 75% dos pacientes com FR, é caracterizada pelo processo inflamatório das articulações, sen- do acompanhado por inchaço, calor, eritema, limitação significativo dos movimentos e macicez à pressão. Ela também tem caráter migratório – ou seja, aparece em uma ou algu- mas articulações, desaparece, mas então aparece em outras, aparenta- do assim passar de uma articulação para outra –, poliarticular – por isso também é chamado de poliartrite – e assimétrica. As articulações maiores das extremi- dades são geralmente comprometi- das - com mais frequência os joelhos e Coréia Movimentos involuntários de extremidades e face (afetando fala) Febre Com histórico de garganta inflamada CarditeInflamação de todo o coração, principalmente valva mitral Dor abdominal Ocorre em alguns casos Eritema marginado Lesão eritematosas que iniciam no tronco e se espalham perifericamente Nódulos subcutâneos Pequenos, não doloroso, frequentemente próximos em articulaçõesPoliartrite Doloroso, articulações (cotovelo, joelho, tornozelo, punhos) Figura 5. Principais sinais e sintomas da febre reumática. FONTE: https://www.pinterest.es/ pin/473581717060118466/ 9FEBRE REUMÁTICA tornozelos, mas também os punhos e cotovelos. Os quadris e as pequenas ar- ticulações das mãos e dos pés são afeta- dos ocasionalmente. Se ocorrer compro- metimento das articulações vertebrais, deve-se suspeitar de outras doenças. Cardite É a segunda maior manifestação clíni- ca, afetando de 50 a 60% dos doentes. Seu início é de caráter brando, poden- do até ser subclínico. No entanto, com o decorrer do desenvolvimento da FR, os episódios de cardite se tornam mais intenso, tendo um teor cumula- tivo, se tornando progressivamente mais fatal. Sendo assim, a ocorrên- cia desse sintoma é um determinante para o mal prognóstico a longo prazo da doença, aumenta a morti-morbi- dade da febre reumática. A FR pode afetar todos os folhetos cardíacos podem ser afetados: endo- cárdio, miocárdio e pericárdio. O pri- meiro é SEMPRE acometido na cardi- te, sendo chamado de “valvulite”, ao passo que os demais folhetos podem ou não serem lesados. Portanto, caso haja lesões de um desses folhetos SEM a presença de “valvulite”, pode- mos afastar a hipótese de FR e levar outras possibilidades em conta. Quando os três folhetos são lesiona- dos, podemos considerar um quadro de pancardite reumática exsudati- va. No exame físico Na maioria das cardites em pacientes com FR, o paciente apresenta univer- salmente valvulite mitral, podendo ou não ter uma lesão na valva aórtica associada. Caso o acometimento seja apenas no aórtico OU em qualquer outra valva do coração direto, pode- mos descartar a FR. Valva tricúspide Valva bicúspide (mitral) Valva Pulmonar Valva Aórtica Anterior Posterior 1º 2º 3º Figura 6.. Ordem de acometimento das valvas na car- dite da febre reumática. FONTE: OpenStax College SE LIGA! Geralmente, uma valvulite aguda é característica de insuficiência valvar. No entanto, a valvulite da febre reumática, mesmo sendo uma lesão aguda, costuma resultar numa esteno- se mitral ou dupla lesão (quando há tanto estenose e insuficiência) em sua fase crônica. Como ocorre essa dupla lesão? As cús- pides ficam espessadas, perdem a sua mobilidade normal e sofrem retração. Por isso, é comum haver dupla lesão (caracterizada por estenose e insuficiên- cia). Uma pode predominar em relação à outra, dependendo se há mais retração (insuficiência) ou perda da mobilidade (estenose). 10FEBRE REUMÁTICA CONCEITO! A estenose valvar consiste num curso progressivo caracterizado pela obs- trução à pasagem do fluxo sanguíneo devido ao espessamento dos folhetos da valva. Por conta desse espessamento, a valva tem dificuldade na abertura e no fechamento. Esse lesão pode ocorrer por conta de uma calcificação e/ou de fibrose. Já a insuficiência valvar consiste na incapacidade das valvas atuarem durante o bombe- amento do coração, seja por conta de um prolapso (incapacidade das valvas em impedir o retorno de sangue), em que as válvulas não conseguem se fechar apropriadamente, facili- tando uma regurgitação, ou por conta de uma lesão ou falha funcional. Pode ser causado por doença de degeneração, isquemia, infecciosa, trauma, etc. Valva mitral normal fechada Aurícula esquerda Cordoalhas tendinosas Ventrículo esquerdo Prolapso de valva mitral Músculos papilares Figura 7. Espessamento dos folhetos da valva mitral obstrui o fluxo do sangue oxigenado para circulação sistêmica. FONTE: https://www.mayoclinic.org/dise- ases-conditions/aortic-stenosis/ symptoms-causes/syc-20353139 Figura 8. Comparação entre um coração normal e um lesado, apresentando um prolapso da mitral, característico de pacientes com insuficiência dessa valva. FONTE: http://varimed.ugr.es/index. php?op=viewconcepto&idconcepto=1098 11FEBRE REUMÁTICA A principal complicação que essas valvite encontrada no exame físico cardiovascular é a presença de so- pros cardíacos. O sopro mais comum é o de insuficiência/regurgitação mitral, caracterizado por ser um so- pro holossistólico, se irradiando para dorso ou axila. Em caso de estenose mitral, encon- tramos um sopro diastólico em foco mitral, com o som em ruflar – se as- semelhando a um bater de assas. Também chamado de sopro de Ca- rey-Coombs, ocorre por conta de um turbilhonamento de sangue atra- vés dos folhetos mitrais inflamados e muito edemaciados. Por fim, menos comum, temos um sopro protodiastólico aspirativo e bem audível em foco aórtico acessó- rio, sendo resultado de uma insufici- ência aórtica. Eritema marginado Tal sintoma se manifesta por erite- mas com bordas nítidas, com centro claros, contornos arredondados ou ir- regulares e de difícil diagnóstico em pessoas com tons de pele mais escu- ros. Dessa forma, o eritema também é conhecido como um “rash” eritema- toso maculopapular. Ele pode estar associado a cardite, mas não neces- sariamente a sua forma grave. Essas lesões de pele têm caráter múltiplo, indolor, não pruriginosa, po- dendo se juntar com as adjacentes, formando manchas com formatos serpiginoso. São localizadas nas regi- ões do tronco, abdome, face interna dos membros superiores e inferio- res, com exceção da face (diferente de qual outra doença reumatológica: isso, lúpus eritematoso sistêmico). Figura 9. Eritema marginado como uma erupção serpiginosa em tronco e MSD de um paciente com FR. FONTE: msd- manuals.com/pt/profissional/pediatria/miscelânea-de-infecções-bacterianas-em-lactentes-e-crianças/febre-reumática 12FEBRE REUMÁTICA A temporariedade dessa manifesta- ção clínica consiste, geralmente, no início da doença, podendo persistir ou se tornar recorrente durante meses. Nódulos subcutâneos O padrão apresentado por esses nódulos subcutâneos da FR compartilha seme- lhanças com os nódulos de outras pato- logias reumatológicas, como a artrite reu- matoide e o lúpus eritematoso sistêmico. Ou seja, são múltiplos nódulos arredon- dados, variando de 0,5 a 2 cm, firmes, móveis, indolores, recoberto por epider- me e sem sinais flogísticos. Geralmente acompanha quadro de cardite grave. Já em relação a sua localização, são en- contrados sobre proeminências e ten- dões extensores, ou seja, cotovelos, pu- nhos, joelhos, tornozelos, região occipital, tendão de Aquiles e coluna vertebral. A investigação desses nódulos no pacien- tes é feito principalmente na palpação, por conta da dificuldade em encontrá-lo somente por meio da inspeção. Figura 10. Presença de nódulos subcutâne- os nas proeminências da coluna vertebral e dos arcos costais. FONTE: https://www.portalped. com.br/especialidades-da-pediatria/cardiologia/ febre-reumatica-novos-criterios-para-diagnostico/ Por fim, em relação ao tempo, esses nódulos possuem aparecimento tar- dio, geralmente 1 a 2 semanas após as outras manifestações. Coreia de Sydenham Por fim, a última principal manifestação clínica principal em pacientes com FR é a coreia de Sydenham, que ocorre em cerca de 10 a 30% das crianças infec- tadas, se instalando após alguns meses (1 a 6 meses), ou seja, quando houve regressão dos demais sintomas “maio- res”. Geralmente, costuma durar entre 3 e 4 meses, embora possa se prolon- gar até 2 anos de forma “flutuante” em 20-30% das crianças afetadas. Essa desordem neurológica é carac- terizada por bruscos movimentos rá- pidos involuntários e descoordena- dos, aparecendo durante o sono e se acentuando em situações de estresse e esforço físico. Esses movimentos fre- quentes estão presentes nos músculos faciais, na língua e nas extremidades. Portanto, o paciente pode, por conta desses movimentos, apresentar disar- tria, disgrafia (dificuldade na escrita).Figura 11. Movimentos involuntários característicos na coreia de Sydenham (coreia reumática). FONTE: http:// pt.nextews.com/cd8a181d/ 13FEBRE REUMÁTICA A fisiopatologia dessa manifesta- ção consiste na ação autoimune de anticorpos que se ligam a neurônios dos núcleos da base, principalmente os núcleos caudado e o subtalâmico, interferindo no circuito motor do pa- ciente, que apresentará esses movi- mentos involuntários Os núcleos da base consistem num aglomerado de corpos neuronais localizados profundamente na por- ção basilar do encéfalo. Essas estru- turas possuem múltiplas ligações di- retas com o tálamo e córtex cerebral, formando um circuito que influencia no comportamento motor e cogni- tivo, modulando o movimento do organismo. Mas como isso ocorre? Vejam o es- quema abaixo ESQUEMA DO CIRCUITO MOTOR VIA DIRETA VIA INDIRETA LEGENDA: SETA PRETA: ESTIMULA SETA VERMELHA: INIBE Córtex cerebral Globo pálido interno TálamoCorpo estriado Globo pálido externo Núcleo subtalâmicoSubstância negra 14FEBRE REUMÁTICA O planejamento do movimento se ini- cia no córtex (áreas motoras de asso- ciação), enviando sinais aferentes para o corpo estriado ( junção do caudado com o putâmen), que, nesse circuito, atua como inibidor. De lá, a depender da vontade de iniciar ou cessar um movimento, o impulso elétrico percor- re duas vias, respectivamente: • Via direta: Ela que inicia o movi- mento. O corpo estriado inibe o globo pálido interno, o qual tam- bém tinha função de inibir o tála- mo. Tálamo livre, a informação para iniciar o movimento volta para o córtex cerebral, nas áreas moto- ras primárias. • Via indireta: Ela que cessa o mo- vimento. O estriado inibe o globo pálido externo, cujo sua função no circuito é inibir o núcleo subtalâmi- co. Assim, por não estar inibido, o núcleo subtalâmico consegue esti- mular o globo pálido interno. Como já foi dito, esse núcleo inibe o tála- mo, “desligando” os estímulos que realizam o movimento lá no córtex, o cessando. Bom lembrarmos que a substância negra age como elemento subsidiário do circuito motor, ou seja, ele atua no circuito de forma indireta. Dessa for- ma, ela pode: estimular os receptores dopaminérgicos D1, que estimula a via direta e aumenta a cinesia do mo- vimento; ou inibir os receptores do- paminérgicos D2, que estimula a via indireta, cessando acinesia. 15FEBRE REUMÁTICA FLUXOGRAMA DE MANIFESTAÇÕES CLINICAS • Músculos da face, língua e extremidades “Valvulite” • Tronco, abdome, face interna dos MMSS e MMII Sintomas principais Artrite Eritema marginado Nódulos subcutâneos Cardite Movimentos involuntários, rápidos e bruscos Coreia de Sydenham Falta de coordenação Localização Disartria Disgrafia Migratório Articulações maiores Poliarticular Assimetrica Presença de sopros Folhetos acometidos Endocárdio Miocárdio Pericárdio Tipos de lesão valvar Estenose mitral Dupla lesão Sopro holossistólico Sopro de Carey- Coombs Sopro protodiastólico Rash maculopapular Aspecto serpiginoso Bordas nítidas, centros claros Localização Arredondados, entre 0,5 a 2 cm Sem inflamação Firmes, móveis e indolores Localização 16FEBRE REUMÁTICA 5. EXAMES LABORATORIAIS Reagentes da fase aguda Os primeiros exames a serem reali- zados consistem na procura de mar- cadores inflamatórios que aumentam durante o início da febre reumática. O PCR é o primeiro marcador a se elevar, nas primeiras 24h, mas tem seus níveis normalizados rapidamen- te, sendo o primeiro a reduzir. Já a VHS é o segundo marcador que tem seus índices séricos aumentados, se normalizando antes do fim da FR. Tanto ela como o PCR diminuem por conta do uso de fármacos anti-infla- matórios, geralmente administrados antes da realização dos exames. Por fim, a concentração de muco- proteína sérica (glicoproteínas sinte- tizadas no fígado) é o exame reagente mais específico dentre os outros dois, sendo o padrão ouro da fase aguda, pois VHS e PCR normalizam com fim das atividades inflamatórias e ces- sam com o uso de anti-inflamatórios. Testes imunológicos A investigação da infecção estrepto- cócica é feita através da dosagem de anticorpos produzidos por conta da interação com o patógeno. Dessa for- ma, podemos pesquisar a presença de anticorpos: antiestreptolisina O, anti-DNAse B e anti-hialuronidase. A pesquisa do anticorpo antiestrep- tolisina O (ASLO) é o principal tes- te feito no diagnóstico de infecções estreptocócicas e pós-estreptocóci- cas, sendo encontrado em 80% dos pacientes com FR. Seus níveis séri- cos aumentam de forma considerável após uma semana da faringoamigdali- te, mesmo período em o paciente pos- sa manifestar inflamação articular e cardite, atingindo seu pico entre a 4ª e a 6ª semana. No Brasil, consideramos uma ASLO alta quando ela ultrapas- sa, em título, 333 unidades Todd (nos EUA são referenciados apenas 250!!), podendo persistir mesmo por meses (1-6 meses) após o fim da atividade reumática OU 1 ano após a infecção. Portanto, recomenda-se a realização de 2 dosagens de ASLO, com inter- valo de 15 dias, para compararmos a flutuação de seus níveis séricos. Mesmo sendo o padrão-ouro, a ASLO não é o melhor teste. Os níveis de an- ticorpo anti-DNAse B se mantém elevados por mais tempo que essa última, sendo preferível, nas sedes brasileiras de saúde pública, apenas o teste de ASLO, por ser menos dis- pendioso que o da anti-DNAse B. É importante temos em mente que o ideal é realizarmos os três testes si- nergicamente, para haja uma maxi- mização da sensibilidade dos testes imunológicos, ou seja: • Apenas a ASLO: Sensibilidade de 80%; 17FEBRE REUMÁTICA • ASLO + antiDNAse-B: Sensibili- dade de 90%; • ASLO + antiDNAse-B + anti-hialu- ronidase: Sensibilidade de 95%. REAGENTES DA FASE AGUDA Primeiro a se elevar e a reduzir FLUXOGRAMA DOS EXAMES LABORATORIAIS PCR VHS Mucoproteína Segundo a se elevar e a reduzir Mais específico por seus níveis NÃO diminuírem após atividade inflamatória e uso de anti-inflamatório, diferente do PCR e VHS 80% de sensibilidade TESTES IMUNOLÓGICOS 90% de sensibilidade 95% de sensibilidade ASLO Anti-DNAse-B Anti-hialuronidase+ + Mantém os níveis séricos aumentados por mais tempo Padrão-ouro > 333 u Todd (título) Se eleva após 1 semana Esses exames, mesmo sendo ines- pecíficos, eles dão suporte ao diag- nóstico do processo inflamatório e da infecção prévia!! 6. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de FR é clínico, não exi- bindo manifestação sintomatológica ou exame laboratorial específicos que sejam patognomônicos. Dessa forma, ele é pautado através da identificação de um conjunto de critérios, os Critérios de Jones, que continuam sendo o “padrão-ouro” para o diagnóstico de FR. Esses cri- térios foram divididos em maiores e menores a partir da especificidade 18FEBRE REUMÁTICA da manifestação, e não em relação a sua frequência. Assim, a probabilidade do paciente ter adquirido o primeiro surto de FR é alta quando, além de evidências de infecção por estreptococos do gru- po A (titulação de ASLO, cultura positiva de orofaringe, positividade em testes rápidos de detecção de antígenos estreptocócicos), o pa- ciente apresenta: • Pelo menos 2 critérios maiores; • OU 1 critério maior + 2 critérios menores. CRITÉRIOS MAIORES CRITÉRIOS MENORES Cardite (clínica ou subclínica) Febre (≥ a 38,5°C) Poliartrite (mono em população de risco alto/ moderado) ↑ VHS (≥ 60 mm na 1h) e/ou ↑ PCR (≥ 3 mg/ dL) Coreia de Sydenham Intervalo PR prolonga- do no ECG Eritemas marginados Poliartralgia (mono em população de risco alto/ moderado) Nódulos subcutâneos + Evidência de infecção pelo estreptococo do grupo A por meio de cultura de orofaringe, teste rápido para EBGA, elevação dos títulos de anticorpos (ASLO) Tabela 1. Critérios de jones SAIBA MAIS! Em 2004, a OMS modificou os critérios de Jones para incluir o diagnóstico de FR de forma diferencial em pacientes com cardiopatia reumática crônica com sintomasmais inespecíficos de FR, com coreia de Sydenham isolada (é extremamente rara sua etiologia que não seja reumática), OU cardite indolente (nas quais as manifestações clínicas são pouco expressivas com uma evolução prolongada do caso). No caso de coreia, cardite indolente e lesões valva- res, não é necessário a evidência de infecção por EBGA. CATEGORIAS DIAGNÓSTICAS CRITÉRIOS 1º episódio de FR 2 critérios maiores ou 1 maior e 2 menores mais a evidência de infecção estreptocócica anterior Recorrência de FR em paciente sem CRC estabelecida 2 critérios maiores ou 1 maior e 2 menores mais a evidência de infecção estreptocócica anterior Recorrência de FR em paciente com CRC estabelecida 2 critérios menores mais a evidência de infecção estreptocócica anterior Coreia de Sydenham ou Cardite reumática de início insidioso Não é exigida a presença de outra manifestação maior ou evidência de infecção estreptocócica anterior Lesões valvares crônicas da CRC: diagnóstico inicial de estenose mitral pura, ou dupla lesão de mitral e/ ou doença na valva aórtica, com características de envolvimento reumático Não é exigida a presença de outra manifestação maior ou evidência de infecção estreptocócica anterior Tabela 2. Dos critérios da OMS (2004) para febre reumática 19FEBRE REUMÁTICA 7. TRATAMENTO O tratamento da FR é feito tanto pela erradicação do Streptococcus pyogenes, como na diminuição das manifestações clínicas apresentadas pelo paciente, diminuindo os índices de morbidade dele. Dessa forma: • Tratamento antibiótico: Seu obje- tivo principal consiste em impedir a disseminação do agente patógeno além de impedir uma possível reci- diva no paciente com FR. Portanto, atua como uma profilaxia. ◊ É feita com o uso de penicilina G benzantina, IM (1.200.000 U para crianças com mais de 20 kg e 600.000 U para aque- las até 20 kg) em dose única; ◊ Além dela, podemos adminis- trar ao paciente OU penicili- na V oral (250 mg, 3x/dia em crianças; 500 mg, 3x/dia em adultos), OU amoxicilina VO (25 mg/kg, 2x/dia, nas crian- ças; 500 mg 2x/dia em adul- tos), OU ampicilina VO (100 mg/kg/dia) durante 10 dias; ◊ Em pacientes alérgicos à peni- cilina e derivados, é preconiza- do o uso de eritromicina VO (40 mg/kg/dia, 8/8h ou 12/12h) durante 10 dias OU azitromi- cina VO (20mg/kg/dia, uma vez ao dia) durante 3 dias. ◊ NÃO é recomendado o uso de antibióticos como tetraciclinas (as EBGA possuem alta pre- valência de resistência), sul- fonamidas (não erradicam o agente) e cloranfenicol (são fármacos com alta toxicidade). • Tratamento dos sintomas maiores: ◊ Artrite: ◊ Uso de AINES VO, por aproxi- madamente 7-10 dias, como ácido acetilsalicílico (80- 100mg/kg/dia), OU naproxe- no (10-20mg/kg/dia), ibupro- feno (30-40mg/kg/dia) OU cetoprofeno (1,5mg/kg/dia). ◊ Cardite: ◊ É preconizado administrar prednisona VO (1 a 2 mg/kg/ dia), com dose máxima de 60 mg/dia. Pode ser optado usar uma dose plena, fracionada em duas ou três tomadas di- árias, durante 15 dias. Após a administração inicial, reduzir 20-25% da dose, por semana; ◊ Em caso conjunto de artrite e cardite, deve-se optar pelo cor- ticoide (CO) ao invés do AINES. ◊ Coreia: Uso de haloperidol VO (1 mg, 2x/dia). Aumen- tar 0,5 mg a cada 3 dias até encontrar uma boa resposta (melhora de ¾ do movimento) ou até a dose máxima de 5 mg/ dia. Tem duração de 3 meses. 20FEBRE REUMÁTICA Tratamento antibiótico FLUXOGRAMA DO TRATAMENTO ESPECÍFICO Padrão Em caso de alergia a penicilina 1,2 M U p/ crianças > 20 kg 0,6 M p/ crianças até 20 kg Penicilina G benzatina IM Penicilina V oral Amoxicilina VO Ampicilina VO 250 mg, 3x/dia em crianças (10 d) 500 mg, 3x/dia em adultos (10 d) 25 mg/kg, 2x/dia em crianças (10 d) 500 mg, 2x/dia em adultos (10 d) 100 mg/kg/dia (10 d) OU OU OU Eritromicina VO Azitromicina VO OU 40 mg/kg/dia, 8/8h ou 12/12h durante 10 dias 100 mg/kg/dia durante 10 dias Tratamento dos sintomas maiores Artrite Cardite Coreia 80-100 mg/kg/dia AAS Naproxeno Ibuprofeno Cetoprofeno 10-20 mg/kg/dia 30-40 mg/kg/dia 1,5 mg/kg/dia OU OU OU Prednisona 1 a 2 mg/kg/dia (1, 2 ou 3 tomadas) por 15 dias. Dose máxima = 60 mg/dia. Reduzir 20-25% da dose por semana. CARDITE + ARTRITE = usar CO e não AINES Haloperidol 1 mg, 2x/dia. Aumentar 0,5 mg a cada 3 dias. Dose máxima = 5 mg/dia 21FEBRE REUMÁTICA Além dessas, também devemos en- trar com medidas mais gerais, como: monitorização do paciente, adminis- tração de fluidos e internação hospi- talar para os casos de cardite mode- rada ou grave, artrite incapacitante e coreia grave. Por fim, pode ser necessário trata- mento cirúrgico na cardite refratária ao tratamento clínico padrão, como ocorre em pacientes com lesões de valva mitral com ruptura de cordas tendíneas ou perfuração das cúspi- des. Embora ela tenha risco eleva- do, é a única medida eficiente nesse patamar. 22FEBRE REUMÁTICA MAPA MENTAL Tratamento dos sintomas Sinais e sintomas Quadro clínico Critérios de Jones Patogênese EtiologiasTratamento Bastante variávelPeríodo de latência de 2 a 4 semanas Febre Prostação Poliartritemigratória Coreia Artralgia Eritema marginado Sopros cardíacos Nódulos subcutâneos Brasil tem população de alto risco Raro após 18 anos Predominante entre 5-18 anos Faringoamigdalite prévia (EBGA) Ação tóxicas de produtos metabólicos estreptocócicos Reação autoimune (reação cruzada por mimetismo molecular) Critérios maiores Artrite Cardite Eritema marginado Nódulos subcutâneos Coreia Critérios menores Febre Artralgia PCR e VHS elevados Intervalo PR prolongado Tratamento cirúrgico Medidas gerais Antibioti- coterapia Monitorização dos dados vitais, hidratação, internação Atua de forma profilática Melhora o quadro clínico do paciente Caso o tratamento clínico não surta efeito (ex.: lesão da valva mitral por rompimento das cordas tendíneas ou perfuração das cúspides 23FEBRE REUMÁTICA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Longo, DL et al. Harrison’s Principles of Internal Medicine. 19th ed. New York: McGraw-Hill, 2015. GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew. Cecil Medicina. 24ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. Lopes, AC et al. Tratado de Clínica Médica. 3a ed. São Paulo: Roca, 2016. Kliegman, RM et al. Nelson Textbook of Pediatrics. 20th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016. Guidelines for the diagnosis of rheumatic fever. Jones Criteria, 2015 update. Special Writing Group of the Committee on Rheumatic Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease of the Council on Cardiovascular Disease in the Young of the American Heart Association, 2015. American College of Cardiology Foundation, American Heart Association. Methodology Ma- nual for ACCF/AHA Guideline Writing Committees: methodologies and policies from the ACCF/AHA task force on practice guidelines. 2009 Burns, DAR.; Campos Jr, D. Tratado de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 3ª ed. São Paulo: Manole, 2014. 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