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História da Alimentação e da Gastronomia Conceitos: a história e a gastronomia Alimentar-se é algo tão instintivo quanto nossa respiração. A gente nasce sabendo que precisa comer para conseguir passar algumas horas em plena disposição física e mental. O corpo, inclusive, manda sinais para alertar sobre isso: sabemos que precisamos de alimentos quando nosso estômago “ronca”. Assim, é natural ao ser humano, desde os primórdios, sair em busca de comida, seja pelos hábitos mais antigos e primitivos de caçar ou procurar alimentos na natureza, ou com modos que, ao longo da história, foram se desenvolvendo, como a agricultura e a pecuária. Para além da alimentação se desenvolve a gastronomia, uma arte. A origem etimológica da palavra remete ao grego, gastros, que significa estômago, e nomia, leis. Tornou-se uma arte tão requisitada e concorrida que hoje temos até outros adjetivos, mais comerciais, para algo que já é relacionado à comida, como gourmet. O início da gastronomia, tal como a conhecemos, pode ser associado ao casamento de Henri II, rei da França, e da italiana Catarina de Médici, responsável por trazer refinamento às refeições medievais. Catarina instaurou o uso de guardanapos, ensinou a lavar as mãos, escolher a música ambiente e também o uso de garfos, esculpidos em metais de boa qualidade. Conta-se que Catarina introduziu diferentes doces e esculturas feitos com açúcar, que antes eram com mel. Além disso, macarons, sorvetes, profiteroles e bolos confeitados tiveram todos um toque seu. Assim, ela tem sua contribuição para que a gastronomia começasse a virar uma arte na França. Grandes chefs passaram a ser contratados por famílias de nobres e ricos para eventos, para apresentarem seus pratos de forma magistral. Um dos mais famosos é Vatel, famoso chef francês do século XVII e mente criativa de banquetes tão grandiosos que eram como espetáculos. Reinou absoluto nesse campo até seu suicídio, causado por um atraso da entrega de peixes para um jantar que estava orquestrando. A pintura O suicídio de Vatel, creditada a Edóuard François Zier, é uma das obras que retrata esse momento. A gastronomia e a alimentação, ao longo da história, foram marcadas pela evolução das técnicas. Antigamente, por exemplo, não existiam aparelhos de liquidificador ou mesmo sous-vide. Hoje, com o impacto da gastronomia na vida social e econômica, também cresce todo um mercado de turismo focado na comercialização de iguarias, em diversas partes do mundo. Afinal, sabe-se que a gastronomia carrega a história de um povo, de uma civilização. Comer um prato típico regional é provar sua história, cultura e conhecimentos adquiridos por antepassados. O mercado da gastronomia é, logo, um dos que mais movimentam as principais cidades do mundo. Afinal, todo mundo come! E muitos comem inspirados e influenciados por chefs e estudiosos da área que são também formadores de opinião, críticos e especialistas – alguns, inclusive, celebridades. Agora que já conceituamos gastronomia e vimos a que aspectos da alimentação ela está relacionada, vamos voltar um pouco no tempo para falar do ato de se alimentar propriamente dito, contextualizando-o com diversos momentos da história. A alimentação na pré-história Precisamos definir, antes de tudo, de qual período da pré-história iremos falar aqui, pois a pré-história engloba um período de 2,5 milhões de anos ou mais. Começaremos falando de 40 mil anos atrás, quando os homens já eram idênticos ao que somos hoje, anatomicamente falando. Nesse período, chamado de Paleolítico Superior, nossos ancestrais já caçavam, faziam colheitas e ferramentas, além de terem atividades definidas para as mulheres, os homens e as crianças – já viviam, portanto, em um sistema próprio. Também nesse tempo começavam a domesticar animais, por ficar mais escassa a caça e a colheita (o aumento populacional dos homens estava sendo numeroso) e a pensar em plantio, criando bases sociais. A função dos homens era a caça, e a das mulheres, a colheita de frutos, o cuidado com as crianças e outras tarefas que exigiam menor esforço físico. A escassez da caça contribuiu para que os frutos começassem a ser grande parte da dieta. Eles faziam fogueiras coletivas através da fricção de galhos e pedras. A carne era partilhada, e as peles, utilizadas como proteção térmica ou nas moradias. As peças de caça eram feitas de madeira, ossos e pedras. Há 15 mil anos, no período Paleolítico, conhecido como Idade da Pedra Lascada, a alimentação ainda tinha por base frutas, legumes, raízes e carnes, como coelho, cervos, mamutes, porcos e outros animais. A grande descoberta foi a agricultura, ao perceberem que sementes germinavam – isso foi o que os fez deixarem de ser nômades e virarem sedentários. CURIOSIDADE Segundo o autor Roberto Navarro no texto "Como o homem caçava e se alimentava na pré- história?", publicado na revista Superinteressante em 18 de abril de 2011 e atualizado em julho de 2018, a habilidade de obtenção da carne e as formas de dilacerá-la foram evoluindo, sendo no final divididas em três etapas: rasgando a carne com pedras; manuseando-as e abrindo os ossos para aproveitar o tutano; e, na fase mais carnívora, os hominídeos do Paleolítico já retalhavam-na em pedaços, deixando carcaças intactas e usando as presas de outros animais como ferramentas de manuseio. As antigas civilizações e seus hábitos alimentares As civilizações da Babilônia, Índia e China são as mais antigas do mundo, e suas influências na nossa sociedade têm um valor inestimável – sua relevância é tão grande que são temas de estudos até os dias atuais. No campo de estudo da nossa área, é possível, por meio da investigação dessa civilizações, entender alguns de nossos hábitos culinários e culturais, de forma geral. Vamos começar falando daquela que foi uma das maiores civilizações do mundo: a Mesopotâmia, conhecida principalmente por seus banquetes praticamente surreais; a seguir, passaremos pela Índia, onde o místico e o cético caminham lado a lado; depois, trataremos dos chineses, historicamente conhecidos como uma sociedade de grandes inventores. MESOPOTÂMIA Localizada entre dois rios muito importantes, o que deu origem também ao seu nome (meso = meio e potamo = água ou rio), a Mesopotâmia desfrutava de terras férteis, clima agradável e fartura de vegetação. A quantidade de água era grande responsável por isso. Esses dois rios, Tigre e Eufrates, estão atualmente compreendidos nos territórios conhecidos como Iraque, Kuwait, Síria e Irã. Os babilônios, assírios, sumérios e acadianos dominaram a região desde o começo da história escrita até a queda do império da Babilônia (3100 a.C. a 539 a.C.). Na Mesopotâmia surgiram muitos elementos relevantes para nossa sociedade em questão de alimentação, e o azeite é uma delas, o que se deve às particulares condições climáticas da região, cujo verão se caracteriza por ser seco e quente, e o inverno, chuvoso e frio. O império babilônico foi um dos maiores da época, com enormes palácios, onde eram realizados banquetes e reuniões importantes. Tais banquetes eram organizados para se formar alianças, tomar decisões, comemorar inaugurações de templos, vitórias em batalhas e estreitar relações com estrangeiros que iam sempre realizar negócios de várias naturezas. O banquete era visto como algo que fazia parte de um ritual e também como agrado àqueles que estavam dispostos a discussão. Muitos deles eram tão grandes que eram praticamente uma festa e, quando ordenado pelo rei, ainda se prestavam homenagens religiosas aos deuses da época. CURIOSIDADE Um exemplo de banquete no período babilônico que traduz a majestade e o poder de um rei é o banquete de inauguração de um palácio construído entre os anos 883–859 a.C. pelo rei Assurnasírpal II. A festa, que durou dez dias, juntou todo povoado, algo em torno de 70 mil pessoas. A lista de convidados do palácio real tinha uma farturacomposta por mais de mil bovinos, 20 mil aves, 15 mil ovinos, mais de 10 mil peixes e milhares de litros de vinho e cerveja. A tradição em realizar banquetes se prolongou até o declínio do império, em torno de 539 a.C. Nesses banquetes, os reis eram os primeiros a serem servidos, e eles podiam oferecer, em forma de agrado, seu prato para algum visitante, antes mesmo de comerem. Os criados passavam, antes e depois das refeições, jarros de água para os convidados lavarem as mãos (na época ainda não existiam talheres como os atuais) e frascos de óleos perfumados, geralmente com cedro e zimbro, para higiene. O cardápio consistia em carnes grelhadas e guisados, muitas frutas e legumes, além de pães e bolos adoçados com mel. As bebidas servidas eram vinhos e cervejas feitas com cevada e tâmaras. Tudo era acompanhado de performances de artistas da época. Porém, não há registros de participações de mulheres ou outros membros da família real, visto que eram banquetes estritamente de negócios. Ao final do banquete, eram realizadas trocas de presentes, como ferramentas de metal e vestes de luxo. Caso o número de convidados passasse o limite suportado pelo local, os jantares eram realizados nos jardins. Em paralelo aos banquetes reais, ocorria um banquete em homenagem aos deuses, com os mesmos preparos e disposição. Eram servidos para estátuas religiosas, como uma espécie de oferendas a elas, por sacerdotes dos templos, e não criados. Nesse período, cada profissional da cozinha já havia sua função e nome, como cervejeiros e padeiros. As tavernas, gerenciadas por mulheres, eram locais de interação e integração entre visitantes e moradores da região. O cardápio consistia em carnes grelhadas, sopas, pães e cerveja. Logo, podemos constatar que os banquetes eram claramente para o rei demonstrar seu poder e sua influência, enquanto para os súditos a alimentação era questão de sobrevivência. Muitas iguarias hoje conhecidas da cozinha iraquiana tem suas bases ancoradas nos hábitos alimentares mesopotâmicos. A seguir, apresentamos o modo de preparo do bamieh (Figura 2), famoso doce iraquiano. A receita foi adaptada do portal Gshow, conforme publicada em 25 de junho de 2018. Receita de bamieh // Ingredientes: 1 copo de farinha de trigo; 3 colheres (sopa) de manteiga; 2 ovos; 1/4 colher (sopa) de açafrão; 1 copo de açúcar; 1 colher (sopa) de água de rosas; Óleo vegetal; Água. // Modo de preparo: Dissolva o açafrão em água fervente. Deixe-o durante 30 minutos e reserve; Em uma panela, coloque um copo de açúcar, acrescente 1/2 copo de água e mexa até formar uma calda grossa. Depois, acrescente uma colher de água de rosas e uma colher da mistura do açafrão reservado à panela e misture bem. Ferva por três minutos. Reserve; Em outra panela, coloque um copo de água, adicione 2 colheres de açúcar, 3 colheres de manteiga e aqueça até que ela derreta, obtendo uma mistura homogênea; Adicione um copo de farinha de trigo e mexa em fogo brando até obter uma massa. Retire do fogo e deixe esfriar; Adicione 2 ovos à massa e mexa; Coloque a massa em um saco de confeiteiro e escolha um bico decorativo com o formato da sua preferência, e faça "quiabinhos"; Frite os "quiabinhos" em óleo, passe-os fritos na calda e deixe-os descansar por cinco minutos; Em seguida, coloque-os em uma peneira para escorrer e sirva. ÍNDIA A gastronomia indiana é reconhecida mundialmente pelo amplo uso de ervas e especiarias, dispostos como na Figura 3. Embora muitos achem que seja uma culinária exclusivamente vegetariana, devido à ausência de carne bovina, existem muitos pratos com carne de frango, cordeiros e peixes. A carne de boi não é consumida, pois lá a vaca é considerada um animal sagrado e não é tocada. O vegetarianismo, por sua vez, foi inserido na cultura indiana por questões primordialmente religiosas. Entre os anos 1500 e 500 a.C., animais considerados sagrados eram sacrificados por monges e servidos aos deuses. A consolidação do budismo e do jainismo na região, que consta da mesma época, pregava, em oposição, o fim de tais procedimentos e do consumo de carnes. Muitos monges continuaram consumindo ainda carne de cordeiro. Com a chegada de muçulmanos no século XVI, temperos passaram a ser adicionados a manteigas e iogurtes, e começaram a misturar arroz com carne. Comer um doce após a refeição se tornou um hábito, amplamente influenciado pela colonização árabe. O que marca também a culinária e a gastronomia indianas, além de sua diversidade, é sua habilidade em recepcionar. São conhecidos como excelente anfitriões e tratam os convidados de forma especial e sempre com muita fartura. Esse é outro hábito árabe adquirido: os antigos hindus comiam sozinhos; já os árabes esticavam um tecido branco e colocavam muitas comidas, para todos se servirem com as mãos, em um gesto coletivo de alimentação. O que marca também a culinária e a gastronomia indianas, além de sua diversidade, é sua habilidade em recepcionar. São conhecidos como excelente anfitriões e tratam os convidados de forma especial e sempre com muita fartura. Esse é outro hábito árabe adquirido: os antigos hindus comiam sozinhos; já os árabes esticavam um tecido branco e colocavam muitas comidas, para todos se servirem com as mãos, em um gesto coletivo de alimentação. O chai, tipicamente indiano e muito tradicional, é a bebida mais consumida. Cada família tem sua receita, mas a base consiste em leite, ervas e especiarias. Com base na Ayurveda, medicina tradicional e milenar, eles tratam os alimentos como remédios para nosso corpo e alma. Isso faz todo o sentido, ainda mais considerando sua história alimentar. Baseada em textos antigos, a Ayurveda prega que alimentos são medicamentos e devem ser utilizados no tratamento de problemas de saúde. Temos como exemplo pimentas, como a capsaicina, que pode auxiliar no combate ao surgimento de células cancerígenas, ou a cúrcuma, que ajuda a prevenir algumas doenças e é anti-inflamatória. Como em muitos outros lugares do mundo, a comida na Índia é herança cultural, histórica, geográfica e religiosa. E ao longo desse país tão grande, as diferentes culinárias, comuns a cada região, se destacam, como veremos a seguir. Conhecida como a mais picante e condimentada culinária da Índia, a cozinha do estado de Andra Pradexe recebe influência muçulmana, mongol e é rica em aromas e sabores. São utilizados condimentos como frutas desidratadas, amêndoas e castanhas. O cordeiro é a carne vermelha mais consumida. Além disso, costuma-se preparar picles com limão, diferente dos europeus, que utilizam vinagre e os deixam conservando em óleo de gergelim. O grão mais consumido é o arroz. Uma grande contribuição da gastronomia da região de Bengala são os doces elaborados com leite queimado e pedaços de coalho. Alguns exemplos são a rasgulla (bolinhas de coalhada seca e doce) e gulab jamuns (bolinhos revestidos de caramelo). Para além dos doces, a gastronomia de Bengala contempla também peixes, preparados de acordo com receitas variadas – em sua maioria, cozidos em molhos com bastante pimenta ou servidos com algum molho à base de iogurte. O óleo de coco também é muito empregado. Já os condimentos são diferentes dos comumente utilizados no interior da Índia: uma mistura com sementes de cebola, pó de cominho, erva-doce, sementes de feno-grego e de mostarda, que recebe o nome de panch phoron, é o tempero mais comum. No norte indiano, na região da Caxemira, utiliza-se bastante carne de cordeiro, peixes, cabrito e frango, temperadas de forma geral com pimentas da Caxemira e açafrão, o que deixa os pratos com um tom bem avermelhado. Além disso, é comum a presença de diversos vegetais e sementes, tais como nabos, raiz de lótus, ervilhas, batatas, lentilhas e espinafres. A culinária do estado de Goa é provavelmente a mais famosa. Tem origem na cozinha portuguesa, o que seexplica pelo fato de a Índia ter sido posse de Portugal por muitos anos. A carne de porco é preparada com pimentas; os peixes, com arroz e temperados com curry; e muitos frutos do mar, preparados com coco. Seus pratos são simples e apimentados, de forma geral. Um ingrediente local geralmente utilizado é o kokum, fruta vermelho-escura com sabor azedo. Os tamarindos também fazem parte do cardápio. O preparo de vegetais e derivados de leite é especialização da cozinha de Guzerate. O prato típico é o khichdi, uma mistura de arroz com lentilhas servida com molho curry e elaborado com iogurte, folhas de louro, pimentas, gengibre, cebolas e picles. A fartura de frutas secas, como o damasco, é refletida em doces como pudins, caldas, temperos e alguns petiscos. As refeições são seguidas por porções de frutas típicas de clima frio, como morango, ameixas e maçã. A culinária do Maharashtra é caracterizada pela fartura de carnes e condimentos. O arroz e o coco são os ingredientes mais utilizados, bem como castanhas-de-caju e amendoins, inseridos em saladas junto a vegetais cozidos, e o óleo de amendoim. O povo mongol muçulmano ocupou a Índia por um bom tempo e deixou sua história gravada de forma consistente. Sua característica é a sofisticação, manifesta nos preparos com molhos, temperos complexos (curry) e diversas carnes ao molho de doces e gengibre. Um dos hábitos que os muçulmanos deixaram para a Índia foi a refeição em grupo; uma refeição normalmente para um convidado é composta de três a quatro pratos de carnes e vegetais, outro à base de arroz, pães de origem indiana (chapati ou paratha) e uma salada fria acompanhada de molho de iogurte. A culinária do Punjab é caracterizada pelos pratos mais robustos ausente de elementos caros e exóticos, sendo considerada uma cozinha mais simples. Para assar os alimentos, usa-se o tandoor, um forno de barro aquecido com carvão vegetal, e consome-se muitas carnes marinadas, peixes, galinhas e naans (pães produzidos com leite, iogurte, manteiga e ovos). Pode ser considerada uma cozinha com origens relacionadas aos mongóis, por misturar carnes com alimentos lácteos. Queijo fresco paneer e manteiga são amplamente consumidos. No Rajastão, a culinária é historicamente resultado de uma cozinha imperial, por ser à base de carnes de caça que a realeza costumava capturar. Esta tradição é ainda atual, e nas festas locais as carnes de caças são ainda grandes atrações. A cozinha vegetariana também se faz presente, e muitos preparos se dão pelo uso de manteiga ghee. São tradicionalmente reconhecidos por seus aromas. A seguir, adaptada do Paladar Estão, conforme preparada por Ajay Bhagwansingh Kaintura, dispomos a receita do curry (Figura 4), que, como foi possível observar, é um tempero muito popular em diversas regiões do país. // Ingredientes: 2 colheres (sopa) de sementes de cominho; 2 colheres (sopa) de sementes de cardamomo; 2 colheres (sopa) de sementes de coentro; 1/4 xícara de cúrcuma em pó; 2 colheres (sopa) de folha de curry; 1 colher (sopa) de sementes de mostarda secas; 1/4 colher (sopa) de assafétida. // Modo de preparo: Torre todos os ingredientes no forno em forma antiaderente; Em seguida, moa-os no liquidificador ou processador; Guardo o pó resultante em um pote bem fechado. Use para aromatizar suas receitas. O chai, outra bebida, já comentada, muito tradicional do país, pode ser encontrada em mais de 3 mil variações, visto que cada família aplica sua receita. O que temos aqui é uma delas, adaptada do site Panelinha, como preparada pela chef Rita Lobo. // Ingredientes: 120 mL de água; ½ xícara (chá) de leite; 2 sachês de chá preto; 6 grãos de pimenta-do-reino moídas; 2 paus de canela; 4 bagas de cardamomo; 4 cravos-da-índia; ½ colher de sementes de erva-doce; ½ colher de açúcar mascavo. // Modo de preparo: Corte as pontas e abra as bagas de cardamomo; Transfira as sementes para uma panela pequena e junte todos os ingredientes, exceto o chá preto; Misture tudo e leve ao fogo médio; Assim que ferver, desligue o fogo e adicione os sachês de chá preto; Tampe a panela e deixe em infusão por aproximadamente cinco minutos; Coe o chá, transfira para uma chaleira e sirva. CHINA Os chefes de cozinha e os pratos mais famosos chineses surgiram amplamente entre 1368 e 1644, durante a dinastia Ming. Foi desenvolvido nesse período o famoso pato de Beijing, um pato laqueado (Figura 6), fervido e assado em forno específico, cortado em tiras finas e servido com molho agridoce. O prato costuma ser servido com um pão. As refeições mais elaboradas eram exclusividade dos nobres, sendo servidos banquetes para acordos comerciais e celebrações religiosas, como pedidos e oferendas para os deuses, principalmente se queriam uma colheita farta. Famosos também por iguarias como insetos, cachorro e cobras, eles mantinham esse cardápio para sobreviver a períodos de guerra e fome que assolaram o país. Além disso, uma grande qualidade dessa cultura é o contraste. Influenciado por yin yang e pela cultura taoísta, em toda refeição você encontrará quentes e frios, doces e salgados, e assim por diante. A procura pelo equilíbrio é marcante. Também se inspiram nos elementos da natureza como forma de balancear as refeições, por exemplo, fogo (amargo), madeira (azedo), terra (doce), água (salgado) e metal (picante) – A preocupação com o que colocamos em nosso corpo, aqui, é notável. Como na Índia, eles acreditam que a cura vem da alimentação. Na região norte chinesa, temos uma das mais famosas culinárias, preparada com bastante vinagre e óleos, que consiste em muitas massas e frituras. Por ser uma área longe do mar, a carne se faz mais presente; na região sul, temos a presença do melaço; ao lado leste, há adição de molho de soja aos temperos doces e muita carne de porco; e no lado oeste, por ser de difícil acesso, os habitantes preferiram uma culinária com a presença de carnes secas e vegetais conservados em aguardente. Compartilha-se refeições e normalmente são cozidos pratos de vários tipos e sabores diferentes, para agradar a todos que estão sentados ao redor. Eles realmente se preocupam se haverá comida para todos os tipos de gostos e restrições. Por exemplo, se houver alguém com intolerância a glúten, haverá provavelmente um prato sem glúten, com tofu, um dos principais ingredientes dos estilos característicos da diversa cozinha típica chinesa. Outros ingredientes comuns são arroz, soja, lótus, trigo, cogumelos, peixes e frutos do mar e carne bovina e suína. A seguir, apresentamos a receita de arroz chop suey (Figura 7), uma das mais tradicionais da cozinha chinesa, adaptada da receita de Rita Lobo para a matéria “Arroz frito da Rita Lobo”, publicada por Patrícia Ferraz no Paladar Estadão. Receita de chop suey // Ingredientes: 3 xícaras (chá) de arroz branco cozido; 1 cebola; ½ cenoura; ¼ de xícara (chá) de salsinha e cebolinha picadas; 2 colheres (sopa) de azeite; 3 ovos; ½ colher (sopa) de óleo. // Modo de preparo: Fatie a cebola em tiras; Leve ao fogo baixo uma panela wok (ou frigideira grande antiaderente), regue com duas colheres (sopa) de azeite e junte a cebola; Tempere com uma pitada de sal e deixe cozinhar por cerca de 15 minutos, mexendo de vez em quando, até dourar; Passe a cenoura pela parte grossa do ralador; Pique fino a salsinha e corte a cebolinha em fatias médias; Transfira as cebolas douradas para uma tigela com o arroz cozido; Em fogo médio, regue com mais um fio de azeite e acrescente a cenoura; Refogue por dois minutos e junte a salsinha e a cebolinha; Desligue o fogo, junte ao arroz e misture bem; Passe um papel-toalha para limpar a panela wok; Leve a panela ao fogo baixo e regue com um fio de azeite; Junte os ovos e mexa rapidamente com uma colher; Quando começar a cozinhar, junte oarroz e misture vigorosamente; Aumente o fogo, tempere com sal e pimenta-do-reino e misture bem, por um minuto ou até aquecer bem o arroz; Sirva a seguir. O Antigo Egito e seus hábitos alimentares Os egípcios são uma grande civilização de muito mais de 3 mil anos, que ainda desperta muita curiosidade e fascínio. Como outras civilizações estudadas, também vemos aqui uma ligação da alimentação com a história, medicina e gastronomia, até os dias de hoje. O alimento era tão valorizado que em algumas tumbas haviam símbolos representando banquetes em frente aos mortos. Manter o estoque de alimentos era uma forma de faraós controlarem o Estado e manter a ordem. A atividade agrícola era intensa, e mesmo que a civilização fosse encontrada no meio de um deserto, o rio Nilo proporciona ainda terras férteis, abundância de água e peixes, grãos e facilidade no transporte. O método de processamento era o que atualmente cachamamos de rústico, mas na época foi muito inovador, feito com pilão e moinhos; as farinhas eram então processadas e armazenadas; depois, eram acrescentados água, levedo e sal, e o pão estava pronto, bem similar a muitos que comemos ainda hoje. No Antigo Egito, preparava-se bolos muito similares aos da atualidade. Eram discos cortados no meio, recheados com frutas secas ou frescas, meles e marmeladas. A cerveja era outro produto muito consumido e produzido. Até hoje popular no Sudão e no Egito atual, ela é feita à base de trigo, pão e cevada mal cozidos, que ficam fermentando em jarros de cerâmica. Seu surgimento será comentado com mais detalhes adiante. A plantação era farta, com alimentos como abacate e alho-poró, entre outras frutas e legumes, o que lhes conferiu uma dieta rica em nutrientes e variedades. Para a produção de vinhos, usava-se frutas como tâmaras e figos, rotulados de acordo com ano e procedência. Nota-se, logo, a organização em estocar e produzir insumos. O método de conservação longa dos alimentos surgiu na época da energia elétrica. Não precisavam se preocupar muito com estoques grandes, pois havia fartura de ingredientes naturais. O que faziam bastante era retirar água dos alimentos, como carnes secas e laticínios (proveniente de cabras, ovelhas e vacas), além da salga do peixe. Essas técnicas se tornaram tão populares que foram utilizadas na época do Brasil Colônia, criando a nossa carne de sol e o charque. Outra técnica utilizada, e que inspirou os franceses, foi o confit: a carne é mantida dentro da gordura após um longo período de cocção. Esse método retira a água e a deixa com uma validade mais longa, além de manter sua suculência e sabor. Nas três refeições diárias, o mel estava sempre presente. Adoçante natural, ganhou popularidade de forma rápida. Os egípcios comiam sentados em esteiras, e somente os mais abastados tiveram, depois de longo período, acesso a cadeiras e mesas de apoio. Almoçar era o ato de refeição mais importante do dia, com um prato principal, acompanhamentos e vários molhos e saladas. O kebab, um prato que se popularizou também no Egito, é feito à base de carne de carneiro ou frango fatiada, marinada e grelhada. Uma variação é a kafta, praticamente o mesmo prato, porém com carne moída. São servidos normalmente com arroz, alguma massa ou saladas. Já o shawarma é um lanche que se tornou popular em mercados abertos e feiras, e consiste em carne de cordeiro fatiada finamente, acompanhada de salada e tahine, enrolados no pão sírio. Para os vegetarianos, um preparo vegetariano que pode agradar é o falafel (Figura 8), feito com grão-de-bico e muitas ervas. As sobremesas egípcias compreendem principalmente pudins e doces de massa ou frutas frescas. Em relação às bebidas, o chá, muito importante culturalmente, é servido extremamente adocicado, ao menos que você peça o contrário. Por fim, o café, servido em estilo turco, é bem forte. A seguir, apresentamos uma receita de falafel, adaptada do Paladar Estadão, conforme preparada por Claudia Roden e Yottam Ottolenghi, com dicas de Ariel Rosenthal e Tobias Kracochanski. Receita de falafel // Ingredientes: 500 g de grão-de-bico seco; 2 dentes de alho pequenos; 1 cebola picada; 1 ramo de salsa picada; 1 ramo de coentro picado; 2 colheres (sopa) de cominho em pó; 1/2 colher (chá) de páprica; 2 colheres (chá) de sal; 1 colher (chá) de fermento em pó. // Modo de preparo: Drene os grãos-de-bico e seque-os bem com papel-toalha, para que ele não se desfaça quando for fritar; Coloque o grão-de-bico no processador e processe até obter uma pasta; Coloque a cebola, o alho e processe; Coloque as folhas e processe; Adicione todos os ingredientes restantes; Em uma fritadeira, leve o óleo para aquecer. Faça bolinhas e, apenas com o óleo bem quente, comece a fritar. Sirva imediatamente; Também é possível assá-los no forno: preaqueça o forno a 180 ºC e, em uma forma untada com óleo, faça bolinhas um pouco mais achatadas, e asse por cerca de 20 ou 25 minutos. Vire-as no meio da cocção. A HISTÓRIA DA CERVEJA Há 10 mil anos, o ser humano desenvolveu o processo de fermentação. Surgiam, então, em mínima escala, uma das primeiras bebidas alcoólicas do mundo; a cerveja. Ela começou a ser produzida por padeiros, graças aos tipos de ingredientes usados: grãos de cereais e leveduras. A cevada ficava de molho até germinar e, depois, moída grosseiramente. Eram moldadas em bolos, aos quais a levedura era acrescentada. Esses bolos, depois de parcialmente assados, eram desfeitos e colocados em jarras com água; deixavam então fermentar. Há vestígios históricos de que a arte da cervejaria nasceu na Mesopotâmia, onde o grão da cevada cresce em estado selvagem. Um dos primeiros registros de fabricação da cerveja tem mais de 6 mil anos e leva aos sumérios, povo da Mesopotâmia. Por volta do século III a.C., os sumérios já se contentavam com uma bebida fermentada à base de cereais. Os egípcios logo desenvolveram a arte de ter a própria cerveja e levaram a tradição até o milênio seguinte, inserindo a bebida à sua dieta diária. Sua importância para eles era refletida no nível hierárquico do funcionário encarregado de sua qualidade, controle e criação de hieróglifos para descrever seu processo. Existem alguns povos, que habitam ao longo do rio nilo, que ainda fabricam cerveja em um estilo bem próximo ao que era antigamente. A cerveja produzida naquele período era escura, bem forte e substituía a água, muitas vezes. A base do produto, mesmo com suas derivações, que é a cevada fermentada, era a mesma. A popularização definitiva da cerveja se deu com o crescimento do Império Romano, que a levou para todos os lugares onde ainda era desconhecida. A Júlio César também é dada a apresentação da cerveja aos britânicos. Quando ele chegou à Bretanha, eles estavam acostumados a leites e licores de mel, bebidas doces. Foi também graças aos romanos que a cerveja chegou aos copos dos franceses. Já na Idade Média, os conventos tomaram para si tal fabricação, que era uma atividade tradicionalmente familiar. Aos poucos, conforme cresciam as cidades, começaram a surgir artesãos mestres cervejeiros, trabalhando para grandes senhores, abadias e mosteiros. Com o grande aumento do consumo dessa bebida, os artesãos locais começaram também a produzir sua própria cerveja, mas em casa. As cervejarias ou tabernas eram espaços onde assuntos importantes eram discutidos e negócios eram fechados. A partir do século XII, pequenas fábricas surgiram, com técnicas cada vez melhores. Os cervejeiros já haviam percebido que a qualidade da água é muito importante na qualidade da cerveja; portanto o local da fábrica escolhido era próximo de fontes de água consideradas muito boas. Com a invenção de alguns instrumentos científicos, como o termômetro, e também com a melhoria de novas técnicas, a cerveja que consumimos hoje é uma evolução de todas as descobertas.Além disso, a cerveja pode ser usada para a preparação das mais diversas receitas, como a carne moída com molho de cerveja (Figura 9), disposta a seguir, adaptada do site Panelinha, como preparada pela chef Rita Lobo. Receita de carne moída com molho de cerveja // Ingredientes: 1 kg de carne magra moída; 350 mL de cerveja preta; 1 pimentão vermelho grande; 1 cebola; 3 dentes de alhos picados; ¼ de xícara (chá) de farinha de trigo; 2 colheres (sopa) de extrato de tomate; 120 mL de água; 3 colheres (sopa) de azeite; 1 folha de louro; Cebolinha fatiada a gosto; Sal e pimenta-do-reino moída a gosto. // Modo de preparo: Leve a água ao fogo baixo para ferver; Descasque e pique finos a cebola e o alho; lave, seque e corte o pimentão ao meio; descarte as sementes e corte cada metade em cubos pequenos; Leve uma panela grande ao fogo médio. Quando aquecer, regue com um fio de azeite e acrescente a carne, espalhando-a bem no fundo da panela para dourar melhor; Polvilhe com a farinha de trigo e deixe dourar, mexendo de vez em quando com a espátula para soltar os pedaços de carne (se sua panela for pequena, doure a carne em duas etapas); Transfira a carne cozida para uma tigela e mantenha a panela em fogo médio; regue com o azeite restante, junte a cebola e o pimentão, tempere com uma pitada de sal e refogue por cerca de três minutos; Acrescente o alho e o louro e mexa por mais um minuto para perfumar; Adicione o extrato de tomate e misture. Regue com a cerveja preta aos poucos, raspando bem o fundo da panela; junte a água fervente, tempere com sal e pimenta e deixe cozinhar até ferver; Volte a carne dourada para a panela e misture bem; abaixe o fogo e deixe cozinhar por mais 10 minutos até o molho ficar mais grosso, e o álcool irá evaporar. Enquanto isso, lave, seque e fatie fino a parte verde da cebolinha; Desligue o fogo, misture a cebolinha fatiada e sirva a seguir; O SAL O sal, um dos ingredientes mais conhecidos do mundo, está presente em quase todas as cozinhas. No passado, era tão valioso que provocava conflitos visando ao controle de sua produção; Foi inclusive usado com meio de pagamento – e desse contexto decorre a palavra “salário”. Sua importância se deve a uma de suas qualidades: ele é um dos melhores e mais eficazes conservante de alimentos, vide preparos com peixes e carnes vermelhas. O sal, ao absorver a água dos alimentos, impede a proliferação de bactérias e, por consequência, garante sua longevidade. A invenção da geladeira, no século XIX, e de outros meios de conservação deixaram o sal um pouco de lado, tornando-o um ingrediente mais popular e barato. Mesmo assim, nunca deixou de ser importante, sendo relevante até mesmo para o funcionamento de nosso organismo. O sal dá um toque especial para qualquer preparo, por isso esteve em muitos registros da humanidade, desde o início da civilização. Desde a Idade Média, os europeus acumularam riquezas com esse tempero. A seguir, apresentamos a receita para o sal de ervas (Figura 10), adaptada do portal do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Tal preparação traz diversos benefícios à saúde, e só ajuda a reforçar a importância do sal para nosso organismo. Atenção para a validade dessa receita, que é de três semanas. Sal não é somente aquele pó branco que usamos usualmente no dia a dia. Existem muitas variedades, entre eles: o popular sal do Himalaia, rosa e com grãos um pouco maiores que o refinado branco; sais pretos, de regiões vulcânicas, como o Havaí; e o famoso sal grosso, que usamos no churrasco brasileiro. Receita de sal de ervas // Ingredientes: 2 colheres de sopa de alecrim; 2 colheres de sopa de salsinha seca; 2 colheres de sopa de manjericão; 2 colheres de sopa de orégano; ½ colher de sal. // Modo de preparo: Adicione todos os ingredientes no liquidificador e bata até que fiquem misturados e mais finos; Conserve em um recipiente de vidro tampado e em local seco e arejado; Use na mesma quantidade que você usaria o sal para temperar os alimentos. A EVOLUÇÃO DA APICULTURA Dizem que a história da apicultura se iniciou com os egípcios, há mais de 4 mil anos, quando colocavam abelhas em pequenos potes de barro e os deixavam perto da residência do produtor. Era parecido com a caça ao mel, na qual destruíam colmeias e matavam o enxame para sua retirada. Antigamente, apenas se extraía o mel das colmeias, que ficavam geralmente em locais de não muito fácil acesso, o que tornava a coleta de grande risco. Como não se sabia separar o mel do favo, muitas vezes a abelha, o pólen e a cera eram ingeridos junto. Por causa desse tipo de coleta, era comum as colmeias morrerem, e os caçadores terem de procurar outras. As abelhas eram sagradas para várias civilizações. Além de importância para a economia, eram consideradas um símbolo de poder. Por causa disso, muitos produtores já não queriam ter de matar esses animais para a coleta do mel, então métodos foram desenvolvidos para isso. Essa simples descoberta foi uma das grandes portas de entrada para o desenvolvimento da apicultura de forma racional e consciente. A seguir, uma das variadas receitas com o ingrediente, wrap de salmão com queijo e mel (Figura 11), é adaptada do portal UOL, conforme preparada por Meza Bar. // Ingredientes: 150 g de filé de salmão; 1/2 colher de sopa de sal grosso; 2 colheres de chá de açúcar cristal; 1/5 maço de endro; 20 g de cebola roxa; 1 pão folha; Alface roxa e crespa a gosto; 20 g de queijo feta; 1/2 xícara de chá de azeite extra virgem; 1 colher de chá de mel; 1 colher de sopa de cream cheese; Cebolinha a gosto. // Modo de preparo: Marine o salmão com sal grosso, açúcar, azeite, endro e cebola fatiada na mandolina (tipo de fatiador regulável) Deixe de molho por pelo menos 8 horas No pão folha, coloque o salmão cortado como sashimi fino, apenas em uma das metades do pão Disponha a salada (folhas de alface rasgadas) por cima e corte em cubos cebola, jasmim e endro da marinada Grelhe o queijo feta, corte bem e misture-o com o mel e cream cheese Use essa pasta na outra metade do pão ao enrolar o sanduíche Salpique a cebolinha a gosto Agora é a hora de sintetizar tudo o que aprendemos nessa unidade. Vamos lá?! SINTETIZANDO Nessa unidade, vimos princípios acerca da história da alimentação e da gastronomia, que caminham juntas à história do ser humano. Seus lados social, político, religioso e econômico são evidenciados e compactuados em eventos nos quais, geralmente, existiam banquetes riquíssimos e fartura de comida. Ter bastante comida para oferecer era questão de status social e político. Estudamos os hábitos alimentares de algumas antigas civilizações, cujas formas e protocolos de alimentação geralmente refletiam a estrutura organizacional da sociedade e outros aspectos culturais. Com base nisso, passamos pela Mesopotâmia, cujos banquetes reforçavam o papel de cada grupo dentro da hierarquia social; estudamos panoramicamente a Índia, com grande atenção para as particularidades de cada região; e concluímos observando como isso se configura na China, e seu equilíbrio espiritual que, por muito tempo, também baseou as preparações de suas refeições. Por fim, vimos o Egito, comentando principalmente o que constituía suas refeições e os principais pratos e ingredientes que ali se popularizaram e, a partir daí, revisitamos a história da cerveja, a importância histórica e biológica do sal e passamos brevemente pela evolução no processo de apicultura. A Grécia Antiga e seus costumes alimentares A Grécia Antiga foi o berço do conhecimento ocidental e influenciou diretamente várias civilizações, em contextos sociais, políticos, econômicos e culturais. O termo “gastronomia” surgiu na Grécia, palavra relacionada aos relatos e conceitos sobre a cultura da alimentação.Entretanto, a utilização do termo ficou latente durante longo período, sendo retomado na Idade Contemporânea. A relação dos gregos com a alimentação estava atrelada à mitologia, onde muitos deuses do Olimpo são representados através dos hábitos alimentares da época. São inúmeras as contribuições no ramo da gastronomia oriundas dessa rica civilização. Os gregos foram responsáveis por organizar as relações profissionais na cozinha, segmentando a produção conforme o domínio de cada profissional com sua tarefa. Também desenvolveram utensílios para cada função culinária específica. As reuniões intelectuais e filosóficas na Grécia Antiga ocorriam acompanhadas de refeições e bebidas, surgindo assim o conceito dos banquetes. As refeições também poderiam possuir caráter religioso e envolviam entretenimento. HÁBITOS ALIMENTARES NA GRÉCIA ANTIGA A dieta dos povos que habitavam o mar Mediterrâneo era simples, e eles usufruíam dos ingredientes que podiam extrair de suas terras. Desse modo, suas técnicas gastronômicas foram se desenvolvendo para o total aproveitamento do que possuíam e estava à disposição. CONTEXTUALIZANDO O mar Mediterrâneo uniu povos de três continentes: sul da Europa, norte da África e Oriente Médio, na Ásia. Suas relações comerciais e conquistas territoriais resultaram em grande troca cultural entre essas civilizações. Podemos perceber na gastronomia desta região dietas similares e com influências entre uma civilização e outra, com alguns alimentos em comum, como o óleo de oliva, o trigo e o vinho. Segundo Flandrin e Montanari (2018), os hábitos alimentares na Grécia Antiga observavam a qualidade dos alimentos e suas características nutricionais. Conforme os princípios relatados nos textos do médico Hipócrates, datados do final do século V a.C., as doenças deveriam ser combatidas através das qualidades intrínsecas dos alimentos. Portanto, acreditavam que os alimentos possuíam propriedades medicinais, e por isso careceriam ser de conhecimento médico para promover a manutenção da saúde. A base da alimentação cotidiana consistia em cereais. Com a cevada se fazia a mazza, onde o cereal era pré-cozido, torrado e moído, formando uma farinha. À essa farinha de cevada acrescia-se um líquido, que poderia ser água, leite, óleo ou mel e condimentos, que eram amassados formando uma massa compacta, que poderia ser conservada. Essa técnica ainda é utilizada em vários países mediterrâneos, forma em que a maioria dos cereais ainda é consumida. Com essa farinha de cevada era produzida também a bebida sagrada de Elêusis, o cycéon, e com adição de menta se tornava uma bebida campestre refrescante. Os camponeses também produziam um cozido de cevada chamado ptisiane, recomendado em muitos tratamentos médicos para baixar a febre. Muito consumido desde a pré-história, o trigo também fazia parte da alimentação grega, mas não substituiu a cevada. O trigo era utilizado para a preparação de bolos e pães levedados. Os pães e bolos geralmente eram assados em fornos de barro de tamanho pequeno. Além do trigo e da cevada, outros cereais como o milhete e leguminosas complementavam a alimentação. Havia diversidade de grãos (como gergelim e papoula) e favas (como lentilha, ervilha e grão-de-bico) com grande valor nutricional. Os animais de origem suína, bovina e ovina eram criados e consumidos principalmente em sacrifícios, momento apropriado para o consumo de carnes, onde era utilizado até o sangue dos animais nas preparações. As cabras e os carneiros se adaptaram aos relevos montanhosos da região e, além da carne, forneciam leite para a fabricação de queijos, como o tradicional feta. Os queijos possuem papel de destaque na alimentação grega, consumidos em forma de bolos ou acompanhados de mel e cereais. As caças, como javalis, cervos e lebres, eram marinados em cebola e ervas. As aves mais apreciadas eram pato, ganso, pombo e perdiz. Peixes, moluscos e crustáceos eram consumidos em abundância, preparados das formas mais variadas: assados, ensopados, secos ou até mesmo frescos, em óleo de oliva e sal. As hortaliças são referência de saúde por Hipócrates, que destacou a importância do consumo de alho e da cebola na culinária grega. Também citou o alho-poró, o rábano, o agrião e o nabo, além de condimentos como o tomilho, o manjericão e o poejo. O etnos era um cozido de leguminosas esmagadas e o lékithos era constituído por uma mistura de grãos moídos. As azeitonas também faziam parte da alimentação e eram utilizadas na extração dos azeites, que poderiam ser de azeitonas verdes ou pretas. As frutas consumidas eram secas ou frescas, podendo ser silvestres ou cultivadas. Entre elas estavam figos, uvas, melões, peras, maçãs, marmelos, romãs, nêsperas e amêndoas. A principal fonte de gordura utilizada no preparo dos alimentos era o óleo de oliva, embora a gordura de origem animal também fosse aproveitada. Antes do século V a.C., as técnicas de preparo dos alimentos eram cozer ou assar em brasa. Depois desse período, existem relatos de frituras em gordura ou azeite. O vinho era a bebida mais consumida na Grécia Antiga, podendo ser tomado puro, diluído em água ou empregado em receitas culinárias. Acredita-se que, por conta do alto teor alcoólico, os vinhos mais apreciados eram os tintos fortes e envelhecidos. Os gregos já praticavam a degustação dos vinhos, onde contemplavam seu aspecto, aroma e sabor, classificando entre macios, suaves, secos, leves ou espessos. Os thasos eram vinhos licorosos, com fermentação lenta e maturação longa. Eram conservados em ânforas vedadas com rolhas, o que permitia uma excelente condição de envelhecimento e conservação, conforme demonstra a Figura 1. Os camponeses apresentavam uma alimentação diferente em relação à alimentação das cidades. Alimentos à base de leite, queijo, frutas, leguminosas e hortaliças eram apreciados nas vilas e nos campos. Nas cidades, onde foram desenvolvidos equipamentos que facilitariam a moagem, o amassamento e o cozimento dos grãos, a base da alimentação era constituída por cereais, como a cevada para a mazza e o trigo para os pães. Com o domínio do mar, também introduziram o consumo de peixes e crustáceos. Camponeses e escravos consumiam uma bebida fabricada a partir do bagaço das uvas, a zurrapa, enquanto os vinhos eram as bebidas das cidades. Os gregos valorizavam muito a qualidade dos alimentos consumidos, e para isso era importante a seleção dos ingredientes frescos e de suas combinações, além das técnicas de cocção que buscavam agradar ao paladar. Segundo Chaves e Freixa (2017), o movimento vegetariano surgiu na Grécia Antiga com o filósofo e matemático Pitágoras, no século VI a.C. Saúde física humana, responsabilidade ecológica, defesa dos animais e veneração religiosa eram os argumentos defendidos para a escolha da dieta. Os adeptos desta alimentação eram chamados de “pitagóricos”. Conheceremos os procedimentos para a elaboração da jortósupa me yaurti, uma sopa de legumes e iogurte baseada na constituição da alimentação camponesa na Antiga Grécia, período em que azeitonas, rabanetes, queijos e outros produtos vegetais compunham o prato principal de uma refeição, principalmente em períodos de escassez. A jortósupa me yaurti pode ser preparada com quaisquer outros legumes, inclusive com talos de aipo e brócolis. A receita foi adaptada do volume Grécia, do livro Cozinha país a país, de Ignacio Medina (2006). Receita de jortósupa me yaurti // Rendimento: 6 porções // Ingredientes: 50 g de ervilhas descascadas; 2 cenouras; 1 cebola; 1 alho-poró; 1,5 l de caldo de legumes; 2 gemas; 250 g de iogurte grego; 20 g de hortelã; Zestes de 1 limão; Pimenta-do-reino; Sal. // Modo de preparo: Lave os legumes, descasque-os e corte-os em pedaços pequenos; Em uma panela, aqueça o caldo de legumes e acrescente as cenouras e as cebolas cortadas em cubos. Deixe ferverpor cinco minutos; Adicione o alho-poró e as ervilhas ao caldo, cozinhando por mais 10 minutos em fogo brando; Reserve 100 ml deste caldo do cozimento dos legumes; Bata as gemas com o iogurte e dissolva-os no caldo reservado, quando amornar; Retire a sopa do fogo e acrescente lentamente o iogurte batido com as gemas, mexendo sempre; Coloque um pouco das zestes de limão e de hortelã picada no fundo de cada prato e sirva a sopa. PROFISSIONALIZAÇÃO DA COZINHA E SEUS UTENSÍLIOS A cozinha grega passou por grande evolução a partir do século V a.C. com o desenvolvimento das técnicas de preparação dos alimentos. Ocorreu uma segmentação das atividades e, conforme a necessidade de melhoria do sabor e apresentação das iguarias, surgiu a especialização de profissionais de cozinha. Chaves e Freixa (2017) afirmam que os primeiros padeiros, também conhecidos como mageiros, apareceram no século V a.C., onde faziam a moagem do trigo, o cozimento e a venda dos pães. Os padeiros desenvolveram massas diversificadas, acrescentando óleo de oliva e mel, frutas secas, sementes aromáticas, ervas ou passas à massa de farinha de trigo. A panificação foi mais desenvolvida na Grécia que no Egito e no Oriente Médio, e o Império Romano foi influenciado por estas técnicas de panificação, mantendo os padeiros de origem grega. Os pães e bolos eram assados em fornos diversos. Em cada tipo de forno poderia ser preparado diferentes pães. Os fornos de estufa eram chamados clibanos e os pães eram assados em suas paredes internas. No mesmo período, surgem em Atenas os cozinheiros especializados, que se ocupavam desde a qualidade das mercadorias até a utilização de grande variedade de ingredientes nas elaborações. O vinagre era muito apreciado nos pratos e o uso deste ingrediente se tornou uma característica deles. Os cozinheiros eram escravos de nobres que obtinham destaque entre os demais. Depois de anos de dedicação ao ofício, poderiam se tornar mestres em sua arte, sendo libertados e promovidos a archimageiro, uma espécie de chef de cozinha, mantendo uma equipe sob seu comando. Como cada preparação culinária deveria ser feita em seu utensílio específico, surgiram diversos tipos de panelas, conforme sua finalidade. As lopas eram panelas de ferro fundido utilizadas para cozimento de peixes. A tagenon era uma espécie de frigideira funda para realizar frituras. Geralmente, os utensílios de cozinha eram leves e fáceis de transportar. Eram produzidos em cerâmicas, como ânforas e algumas panelas. Também existiam objetos de bronze, ferro fundido e até de metais preciosos. Os ceramistas realizavam a pintura em suas peças, representando a vida cotidiana, as festividades e os deuses gregos. Atualmente são reconhecidas como obras de arte de grande valor, conforme demonstra a Figura 2. Devido à instituição dos grandes banquetes e do symposion, surgiram profissões relacionadas à recepção e serviço de alimentos e bebidas nestes sofisticados eventos. Na organização e comando das atividades estavam o triclinarca, com função similar à de um maître, e o nomenclator, como mestre de cerimônias. O arconte era o profissional responsável pela seleção e serviço dos vinhos, além da escolha dos copos, semelhante à função do sommelier, atualmente. Além disso, estes eventos abriram espaço para expressões artísticas e culturais, com a presença de músicos, cantores, dançarinos e acrobatas. REFEIÇÕES NA GRÉCIA ANTIGA As refeições gregas representavam verdadeiros rituais, pois além de alimento para o corpo, os banquetes eram símbolo de civilidade, mantendo integração social e política. Os banquetes também representam a ligação entre os homens e as divindades, que provinham os alimentos. Em seu cotidiano, os gregos realizavam três refeições principais, o akratismon (desjejum), o ariston (almoço) e o deiphon (ao final do dia). A principal bebida que acompanhava as refeições era o vinho, muitas vezes diluído em água. No akratismon eram consumidos pedaços de pão umedecidos em vinho puro. Os banquetes eram refeições compartilhadas, quando surgia a ocasião para que as pessoas da sociedade pudessem se reunir, como nos funerais e nas núpcias. Para Flandrin e Montanari (2018), os banquetes gregos marcam o início das relações comunitárias de um povo, constituindo ainda sua identidade política. Era comum a organização de banquetes públicos, que reuniam a maioria da comunidade cívica, para publicação de regulamentos estabelecidos. Escravos, mulheres e crianças não eram convidados a participar destes encontros. Os gregos acreditavam que os deuses estavam reunidos no Olimpo em festa permanente, sentados em banquetes, cercados de alimentos e bebidas. O banquete dos homens seria sinal de comunicação com o mundo dos deuses, através do sacrifício de animais e consagração de alimentos. Em todos os lares da elite deveria haver uma sala reservada para banquetes e simpósios, com mobília adequada para esta finalidade, onde a presença de mulheres não era permitida. O hábito do symposion, instituído por volta de 485 a.C., tinha como objetivo discussões intelectuais e transmissão de conhecimento, e, principalmente, a apresentação de refeições fartas e saborosas. O symposion, símbolo da hospitalidade grega, era dividido em duas partes: a primeira era dedicada à alimentação e a segunda à discussão de temas diversos e apreciação de vinhos. As refeições ocorriam em salas denominadas triclinium. Durante a refeição, os servos dispunham sobre a mesa toda a comida preparada, em porções, e os convidados se serviam à vontade. As refeições eram consumidas com as mãos, reclinados em leitos retangulares dispostos em torno da mesa. O anfitrião deveria se posicionar no centro, mantendo o convidado de honra em seu lado direito, e do seu lado esquerdo o de segundo grau de importância, dando início às regras de cerimonial e protocolo (FLANDRIN; MONTANARI, 2018). Na segunda parte do symposion, durantes as discussões e poesias, eram servidas frutas secas e frescas, azeitonas e nozes, além de muito vinho. Neste momento, Dionísio era homenageado, derramando-se um pouco de vinho para a divindade. Também invocavam Zeus e celebravam Apolo e outras deidades em função de suas intenções. O vinho representava a principal especialidade dos encontros, sendo o momento mais aguardado aquele em que se bebe coletivamente. Raramente era consumido puro, o arconte era responsável pelo serviço do vinho e administrava a dosagem de água para diluir a bebida. Os pratos à base de aves eram os mais apreciados nos banquetes, com serviço de faisões, perdizes, codornas, gansos, patos e galinhas. O chef que preparava o banquete de um simpósio recebia grande reconhecimento. A estrutura dos banquetes e do symposion serviu de modelo e inspirou outras civilizações antigas no serviço das refeições, nas assembleias, no entretenimento e em qualquer evento que envolvesse o agrupamento de pessoas de uma sociedade. Roma Antiga e sua contribuição no processo histórico da alimentação A gastronomia na Roma Antiga é semelhante à de outras civilizações mediterrâneas, apresentando principalmente traços da culinária grega. No início de sua formação, em 753 a.C., Roma situava-se na península Itálica e suas principais atividades eram a agricultura e a criação de animais, frutos de suas terras férteis. O desenvolvimento do Império Romano se deu a partir do século V a.C., quando iniciou sua expansão, conquistando territórios em toda a extensão mediterrânea, incluindo as terras pertencentes à Grécia e ao Egito. Os romanos almejavam a expansão territorial, enquanto a Grécia levantava questões políticas, filosóficas e intelectuais. Os romanos assimilaram muitos assuntos do âmbito de conhecimento grego, inclusive na gastronomia. À medida que o Império Romano se expandia, iguarias e outros insumos eram trazidos para Roma. Mercados públicos espalhados por todo o território favoreciam a trocade alimentos. Em seu apogeu, sua culinária foi considerada a primeira cozinha internacional na Europa. Entretanto, as extravagâncias e os excessos cometidos pelos romanos precipitaram a derrocada desse grande Império. As técnicas de preparação dos alimentos foram desenvolvidas com a utilização de instrumentos e equipamentos mais sofisticados. A valorização dos cozinheiros e as estruturas das refeições servidas nos banquetes formam parte do legado deixado pela gastronomia romana. HÁBITOS ALIMENTARES NA ROMA ANTIGA A Roma Antiga era essencialmente agrária. Acreditavam que quanto mais simples a refeição, mais saudável seria, e os alimentos frescos eram os de melhor qualidade. Verduras e hortaliças formavam a base da alimentação camponesa. Havia abundância de legumes, favas, lentilhas, feijões, couves, rábanos e ervas de todos os tipos, e a alface era consumida por todas as classes. Também consumiam muitas frutas, como uvas, figos e ameixas. Em quase todas as habitações romanas havia uma horta, mesmo nas cidades. Os produtos obtidos da terra cultivada eram denominados fruges. Os animais criados em rebanho eram conhecidos por pecudes. Os romanos acreditavam que os alimentos consumidos poderiam produzir saúde ou degenerar o corpo. Os fruges geralmente representavam vida, continuavam vivos mesmo quando colhidos, então quando consumidos seriam transformados em sangue, ossos e músculos. Os pecudes eram animais dotados de vida que já estariam em deterioração, e quando abatidos, sua carne seria rapidamente corrompida. No corpo humano, essa carne continuaria a apodrecer no ventre e sairia de forma pútrida, sem acrescentar nenhum benefício a quem a consumiu. A única carne animal que poderia ser conservada em gordura e sal era a carne de porco, animal menos nocivo à saúde. Mangolini (2015) nos conta que o pulmentum – guisado de cereais acompanhado de pão, que saciava os menos abastados – era uma especialidade camponesa e tornara-se a base da alimentação diária. Foi originado da receita dos puls, papa feita de diversos cereais acrescidos de farinha de grão-de-bico, queijo, mel e ovos. As polentas foram inspiradas nessa técnica culinária. As plantações de oliveiras eram essenciais para se extrair o óleo das azeitonas, bem como as parreiras eram fundamentais para a produção dos vinhos. Os cereais eram cultivados principalmente para a extração de farinhas para pães. Os pães eram produzidos somente nas casas de aristocratas pelos padeiros gregos que dominavam esta técnica. Portanto, os pães se tornaram objeto de desejo dos mais pobres, que não possuíam fornos em casa. EXPLICANDO No auge do Império Romano, no século I, a solução encontrada pelos imperadores para manter a ordem diante da população carente que se revoltava foi oferecer pão e espetáculos ao ar livre, chamados de circo. Dessa forma, ficou instituída a famosa política do “pão e circo”. Flandrin e Montanari (2018) afirmam que os romanos já reconheciam que as proteínas tinham fundamental importância para a saúde, porém levavam o nome de obsonium. O ovo era a fonte de proteína consumida habitualmente, porém o obsonium mais desejado era a carne, sendo as mais comuns as de porco, cordeiro, cabrito e galinha. O gado bovino era muito raro. Entretanto, o consumo de carne de animais domesticados ocorria somente quando eram sacrificados em rituais, uma vez que não era permitido que estes animais fossem apenas abatidos, cortados e preparados na refeição. Já os animais selvagens e os peixes poderiam ser caçados ou pescados e não se exigia o ritual do sacrifício. Toda refeição festiva romana deveria servir carnes. A cena era o banquete em que as carnes eram servidas, significava “local de partilha”. Também eram dispostos alimentos extraídos da terra. O queijo feito com leite de cabra era um importante obsonium consumido nos desjejuns e nas refeições no meio do dia, tanto na cidade quanto no campo. O sal foi uma das bases para o fortalecimento do Império Romano. O domínio dos mares do Mediterrâneo possibilitou aos romanos o controle de mais de 60 salinas. O sal era utilizado como tempero e conservante, complemento fundamental para a alimentação de todas as classes sociais, inclusive de animais. O termo “salada” surgiu da necessidade de se acrescentar sal para reduzir o amargor de algumas verduras, prato que consta nas refeições do mundo todo. Os romanos tomavam três refeições principais, como os gregos. O jentaculum era o desjejum, onde consumiam um pedaço de pão embebido em vinho ou mel, também poderia ter azeitonas e queijo. O prandium ou cibus meridianus era a refeição próxima ao meio-dia, e a cena era a ceia que ocorria à noite, sendo a principal refeição do dia, onde eram servidos pratos elaborados com diversas carnes, leguminosas, vegetais e frutas. No prandium eram consumidos apenas alimentos necessários para a nutrição do corpo durante o dia, não era obrigatório e podia ser feito solitariamente. As cenas ocorriam em companhia da família ou de amigos, em um momento de lazer. Os homens poderiam fazer as refeições deitados, as mulheres deveriam permanecer sentadas, sempre em local coberto. Cada sala de jantar abrigava em torno de 12 pessoas e poderiam ter várias salas no local. Sempre era um momento de confraternização festiva, porém sem o luxo dos gregos. Os alimentos servidos na cena deveriam agradar ao paladar e aos prazeres da gula. As carnes sacrificadas eram as iguarias mais apreciadas, e mesmo sendo indigestas ao corpo, eram consumidas por prazer. Pães, cogumelos e legumes como aspargos eram oferecidos em abundância. Nos banquetes, os vinhos eram consumidos, porém não possuíam caráter religioso. As tavernas romanas recebiam os viajantes e homens humildes, e eram lugares de confraternização popular que serviam bebidas, principalmente o vinho, e refeições como guisados, carnes e peixes salgados. TÉCNICAS DE PREPARO DOS ALIMENTOS NA ROMA ANTIGA O desenvolvimento das técnicas de preparo de alimentos ocorreu juntamente com a valorização das profissões relacionadas à alimentação. Conforme o profissional se especializava em determinada área da cozinha, era capaz de desenvolver as técnicas necessárias para que conseguisse resultados satisfatórios no preparo de suas iguarias. Com isso, criaram também utensílios para uso em funções específicas. As funções de padeiro e de cozinheiro tinham cada vez mais importância na sociedade. Muitos cozinheiros passaram de escravos para personalidades respeitadas. A cozinha era organizada conforme uma hierarquia, onde a função do cozinheiro chefe era controlar o fogão. O cozinheiro assistente era responsável por moer o trigo e preparar as massas e recheios. O pistor era responsável por selecionar os ingredientes, realizar as compras e armazená-las. O proegustador era responsável por provar os pratos preparados, de forma a garantir que não estivessem envenenados. Os romanos se preocupavam em criar receitas que agradassem ao paladar. Costumavam preparar pratos com molhos elaborados acompanhados de muitos temperos. Apreciavam os sabores agridoces e isso estava presente nas combinações dos ingredientes dos pratos, como as carnes que eram cozidas e adoçadas com mel. Todos os alimentos passavam por alguma forma de cocção antes de serem consumidos. Costumavam realizar preparações assadas, cozidas, ensopadas e algumas vezes recheadas. Os diferentes tipos de cozimento exigiam o uso de recipientes adequados, como caldeirões para cozidos, frigideiras com borda fina para fritura em óleo e travessas de cerâmica para assados em forno. Os romanos desenvolveram as técnicas de charcutaria, originadas quando necessitavam conservar a carne de porco em gordura e sal. Estas carnes apresentavam maior durabilidade e eram as mais apropriadas para uma digestão eficaz. Para preparar os alimentos assados, existiam os fornos coletivos que estavam espalhados pela cidade para usoda população mais pobre que não possuía fornos ou fogões em casa devido ao espaço restrito. Os fornos geralmente eram construídos em tijolos e barro, com abertura para a lenha ou carvão. Nas casas dos aristocratas existia uma pequena cozinha, onde era possível preparar seus alimentos, inclusive assados. Para levar os alimentos à mesa, utilizavam utensílios de cerâmica de diversas formas e tamanhos. Os romanos utilizavam uma espátula feita de madeira e marfim, o cocheare, que servia para pegar alimentos de consistência líquida, como uma colher. Existem relatos da gastronomia da Roma Antiga no famoso manuscrito de Apício, que provavelmente foi conselheiro do imperador Nero. O De re coquinaria é uma coletânea de mais de 400 receitas, considerado o livro de receitas mais antigo da Europa. Revela as técnicas para a elaboração de molhos concentrados, muito utilizados em sua época, e reduções à base de vinho. Também descreve formas de conservação de carnes e peixes, inclusive os procedimentos para a preparação do patê de fígado de ganso. BANQUETES ROMANOS Os banquetes romanos ofereciam grande fartura de alimentos, com preparações elaboradas e exóticas. Porém, não ostentavam tanta luxuosidade, como na Grécia. Os banquetes recebiam o nome de convivium. Os convivia ocorriam nos mesmos horários da cena, começando por volta das cinco horas de tarde, se prolongando até o anoitecer. Eram eventos festivos, com o propósito de confraternização ou reunião social. Uma das ocasiões festivas era o Ano-Novo, comemorado conforme o calendário egípcio, por volta do século I a.C. Chaves e Freixa (2017) explicam que o cardápio de um convivium era organizado em três serviços, originando a estrutura das refeições com serviços em várias etapas, conforme a estrutura dos alimentos. Primeiramente, o gustatio servia algumas entradas, como ovos, azeitonas, saladas, pães e vinhos. O segundo serviço era o mensae primae, a cena propriamente dita, composta por uma carne de sacrifício macia e suculenta, geralmente de porco, e carnes de caça, aves e peixes ao molho, sendo pratos mais consistentes. As ostras eram oferecidas como iguarias mais sofisticadas. Ao final, era servido o mensae secundae, onde eram servidas frutas frescas, secas ou em conservas, doces e bolos. Para concluir o banquete, também poderiam oferecer mariscos e pequenos pássaros. Era servido um molho agridoce de peixe e mel que acompanhava quase todos os pratos, denominado garum. Também havia variações de molhos espessados com amêndoas, pinhões, avelãs, ovos cozidos ou pães. As omeletes eram servidas ao final das refeições, originalmente preparadas com mel. As bebidas dessas ocasiões eram o vinho e o hidromel. Os vinhos romanos eram predominantemente brancos, menos encorpados que o dos gregos, entretanto raramente eram diluídos em água. O hidromel é uma bebida fermentada à base de água e mel, considerada a mais antiga bebida alcóolica do mundo. No auge do Império Romano, a elite servia alimentos cada vez mais exóticos e inusitados nos banquetes, como trombas de elefante, carne de girafa, patas de ganso, cabeça de papagaio e ratos selvagens. A alimentação em excesso tornou- se compulsiva, e em algumas casas foram criados “vomitórios” para que os convidados pudessem se aliviar e voltar a comer mais durante os banquetes. Um convivium bem-sucedido criava o prazer alimentar e reforçava os laços entre os convidados e os anfitriões. A receita de lombo de porco ao molho de vinho que veremos a seguir é uma preparação tradicional italiana, bastante sofisticada e servida como prato principal. O molho de vinho remete às reduções à base de vinho que acompanhavam as iguarias nos banquetes romanos. A receita do filetto di maiale con salsa al vino foi adaptada do portal de gastronomia Giallo Zafferano. Receita de filetto di maiale con salsa al vino // Rendimento: 4 porções // Ingredientes para o lombo: 460 g de lombo de porco; 50 g de manteiga; 1 ramo de alecrim; 1 ramo de sálvia; Azeite de oliva extravirgem; Pimenta-do-reino; Sal. // Ingredientes para o molho de vinho tinto: 250 ml de vinho tinto seco; 25 g de manteiga; 1 ramo de alecrim; Zestes de 1 limão; 1 cebola roxa; Pimenta-do-reino; Sal. // Modo de preparo do molho de vinho tinto: Pique finamente a cebola roxa; Em uma panela, coloque o vinho, adicione a cebola, o alecrim, as zestes de limão e o sal. Deixe reduzir por aproximadamente cinco minutos, em fogo baixo; Adicione a manteiga e emulsione bem; Retire do fogo e reserve. // Modo de preparo do lombo de porco: Corte o lombo em fatias, obtendo quatro filés. Tempere-os com sal; Em uma frigideira sauteuse, coloque o azeite e a manteiga, aromatizando-os com a sálvia e o alecrim. Aqueça-os até que a manteiga se dissolva; Doure os filés em fogo alto, virando-os no azeite até que todas as partes estejam douradas. Adicione grãos de pimenta-do-reino; Passe a redução do molho de vinho tinto por uma peneira; Coloque os filés de lombo sobre o prato, e sobre eles o molho de vinho tinto; Como acompanhamento, sirva polenta ou purê de batatas. Hábitos alimentares na Idade Média O berço da gastronomia ocidental teve sua base constituída na Antiguidade Clássica, por meio do relacionamento entre os povos que habitavam a região mediterrânea. As concepções atuais da gastronomia, tanto orientais quanto ocidentais, estão pautadas nas experiências alimentares dessa época. No ano de 476, tem início a Idade Média, marcada pela queda do Império Romano. Durante este longo período, muitos hábitos da herança greco-romana ficaram esquecidos na Europa, como o requinte à mesa, o desenvolvimento das técnicas de cozinha e os grandes banquetes. A partir do século V, com a desagregação e queda do Império, a sociedade era basicamente agrícola, com uma economia voltada para a subsistência. A religiosidade caracterizada pela Igreja Católica ditou os costumes da época. O período compreendido pela Idade Média durou até o ano de 1453, quando os turcos tomaram a cidade de Constantinopla. A maior cultura gastronômica medieval se concentrou nos mosteiros, enquanto o restante da Europa mantinha uma alimentação rústica. Os hábitos alimentares eram caracterizados por diferenças entre os alimentos consumidos pelos camponeses, formados pelos servos, e pelos senhores feudais, classe social dominante. O clero, representado pela Igreja Católica, detinha poder, influenciando a cultura e o conhecimento e, consequentemente, a gastronomia. A partir do desenvolvimento das cidades e do comércio com o Oriente, principalmente com os povos árabes e bizantinos, a sofisticação e o requinte foram retomados no final da Idade Média. A INFLUÊNCIA DO CLERO NA ALIMENTAÇÃO NA IDADE MÉDIA Durante a Idade Média, os mosteiros foram fundamentais para a preservação do conhecimento clássico da gastronomia. Durante longo período, os sacerdotes eram os únicos letrados, portanto, os monges tinham como função a tradução e transcrição de manuscritos. Também eram responsáveis pelo cultivo de hortas e pomares e pela criação de animais. Ao clero, também cabia a função social de oferecer hospedagem e refeições aos peregrinos e nobres em suas viagens, pois por muito tempo os conventos foram os principais meios de hospedagem na Europa. Os alimentos servidos não eram requintados, mas preparados e servidos pela caridade, nas pequenas cozinhas dos conventos. A Igreja Católica ditava as normas alimentares de toda a sociedade. Conforme o estabelecimento de datas dos rituais cristãos, todos deveriam se abster de muitos alimentos, além da prática do jejum. O alimento mais apreciado era a carne, que não poderia ser consumida durante o período da quaresma, na semana santa e em outras datas estabelecidas. Durante os períodos de abstenção de carne, a substituição era feita com peixe, especialmente o salmão, o bacalhau, a truta e o arenque.Aumentava o consumo de queijos, ovos e frutas secas. As gorduras de origem animal também não poderiam ser utilizadas, assim, o azeite de oliva era empregado em todas as preparações. As técnicas gastronômicas foram desenvolvidas nos monastérios, onde os frades cozinheiros produziam seus receituários. Chaves e Freixa (2018) afirmam que existem registros de que a clássica receita do faisão à Alcântara, prato muito sofisticado com recheio de foie gras e trufas cozidas no vinho, já fazia parte da alimentação espanhola. Em todas as classes sociais, era comum o consumo de muitas variedades de sopas. Nos mosteiros e conventos eram preparadas sopas de peixe, toucinho, abóbora, espinafre, beterraba, amêndoas e até vinho. Os monges tinham uma alimentação farta, com exceção dos dias em que praticavam o jejum. Em datas festivas, como o Ano-Novo, consumiam pratos de arroz com leite e amêndoas, pão ralado com ovos batidos, peixe fresco, queijo e pastéis com mel. Os pães eram produzidos somente nos monastérios e nos castelos, uma vez que os modelos de padarias romanas não existiam mais. Os senhores feudais cobravam de seus servos para assar seus pães nos fornos dos castelos. As mais significativas contribuições da Igreja para a alimentação estão no segmento da criação de bebidas e aperfeiçoamento das técnicas de fabricação e maturação dos queijos. Alguns queijos nasceram e foram apurados em abadias medievais, como muitos queijos franceses. Os cuidados na formulação, as leveduras utilizadas na fermentação do leite, a maturação e a conservação de queijos tradicionais fazem parte de processos empregados até hoje por freiras em conventos. Os monges eram mestres na elaboração de bebidas, especialmente os licores, sendo que a combinação de ervas e especiarias em suas receitas se mantém em sigilo. Originalmente, essas preparações deveriam apresentar propriedades curativas. Também cultivavam maçãs para a produção de sidra, além do malte para a fabricação de cervejas. Houve um período em que o monge Arnold, da ordem beneditina, incentivava o consumo de cerveja para evitar as moléstias causadas pela contaminação da água. Refinaram o processo de fabricação da cerveja, quando a água deveria ser esterilizada, e usavam como matéria-prima o malte, o centeio e a cevada, além de leveduras e ervas aromatizantes. Neste período, o lúpulo foi incorporado à produção da cerveja, conferindo a característica de amargor à bebida. Nos mosteiros, grande parte do terreno era destinada ao cultivo das vinhas e da produção do vinho. O vinho era consumido nas missas e nos rituais católicos, além de ter grande poder nutritivo. Acreditava-se que o vinho também tinha propriedades digestivas, por isso era a principal bebida a acompanhar as refeições. Até o final da Idade Média, a viticultura já era praticada em quase todas as propriedades, que estavam equipadas para a produção de vinho em pequena escala. CONTINUE HÁBITOS ALIMENTARES DOS CAMPONESES Chaves e Freixa (2017) relatam que a cozinha camponesa era rudimentar, baseada nos alimentos provenientes da terra. A principal técnica de preparo era o cozimento de legumes, cereais e vegetais, que formavam ensopados e sopas, posicionando um caldeirão sobre brasas no chão. As sopas costumavam ser acompanhadas de pão, e a origem da palavra “ensopado” significa “caldo que se come com pão”. Entretanto, os pães dos camponeses eram muito diferentes dos preparados pela nobreza e pelo clero. Como não possuíam fornos, os servos assavam seus pães em placas de terracota. A massa era feita com cereais, como cevada, centeio e espelta, caso não houvesse boa colheita, utilizavam farinha de leguminosas. Esses pães endureciam rapidamente, originando o hábito de mergulhá-los em vinho, água ou caldo para que pudessem ser consumidos mais facilmente. As sopas constituíam a principal refeição dos vassalos. Tinham como matéria-prima os vegetais e legumes que pudessem cultivar ou que estivessem disponíveis na estação. Utilizavam a banha de porco no preparo e raramente acrescentavam alguma carne de caça ou carne salgada para encorpar o prato. Eram criados porcos, carneiros, ovelhas e cabras nos campos. A carne mais consumida era a de porco, enquanto os outros animais eram preservados para a extração do leite (usado na fabricação de queijos) e da lã. A carne de porco era consumida fresca durante o inverno e salgada, em produtos da charcutaria, durante o verão, pois poderiam ser conservadas por mais tempo. Em alguns locais, eram criados gansos e galinhas, também servidos como alimento. HÁBITOS ALIMENTARES NA SOCIEDADE FEUDAL A nobreza na Idade Média não ostentava luxo, mesmo nos castelos que eram habitação dos senhores feudais. A diferença entre as classes sociais era percebida através da alimentação, onde a abundância de comida estava sempre presente na mesa dos mais abastados. A carne era a iguaria mais nobre e cobiçada no período medieval. Habitualmente, a carne de porco era a mais consumida, também pela nobreza. Em festividades, eram servidas carnes de caça, como javalis e aves. Os senhores feudais proibiam os camponeses de caçarem animais selvagens quando percebiam o risco de extinção desses animais. Dessa forma, a carne selvagem expressava o domínio e poder das classes favorecidas. As técnicas de cocção também eram simples, pois não existiam muitos recursos culinários. Nos castelos, havia cozinheiros que cortavam as carnes de caça e as assavam em espetos sobre a brasa em lareiras, sendo que deveriam ser girados manualmente para que a carne fosse assada igualmente. As aves eram colocadas inteiras nos espetos, preparadas através do mesmo método. Ao final da Idade Média, o fogão surgiu como o principal equipamento, construído com tijolos e situado no centro da cozinha. Na mesma época, por volta do século XIII, a função do cozinheiro foi retomada como um profissional especializado. Dessa forma, técnicas de preparo que estavam em desuso foram reintegradas à gastronomia, como as frituras, os grelhados e o cozimento de forma lenta. Também foi retomado o hábito de se utilizar utensílios específicos conforme a técnica de preparo, como caçarolas, frigideiras e grelhas. Flandrin e Montanari (2018) relatam que a preparação de molhos também ressurgiu, elaborados com grande variedade de ervas, especiarias e condimentos. Quanto mais ingredientes raros presentes nos pratos, mais nobre seria um alimento. O comércio com o Oriente trouxe novos sabores e aromas e acrescentava luxuosidade à mesa, realçando o sabor de alimentos já conhecidos no Ocidente. A elite apreciava os molhos agridoces, muito condimentados e com forte sabor. Assim, utilizavam como matéria-prima para os molhos o vinagre, o suco de limão e o vinho, conferindo acidez; o açúcar (considerado especiaria na época), conferindo doçura; e condimentos em excesso, como pimenta-do-reino, cardamomo, cravo, canela, açafrão e gengibre. O verjus era um molho ácido composto por vegetais, como brotos de feijão ou folhas de parreira, suco de limão ou de laranja e maçã, aromatizado com hortelã, romã ou água de rosas. Ainda continha grande variedade de especiarias e condimentos, como pimenta, gengibre, canela, cravo, vinagre, mostarda, alho e açúcar. A alimentação em abundância era sinônimo de poder e status na Idade Média, o serviço e a apresentação da fartura eram mais significativos do que o sabor dos pratos. Os banquetes medievais da nobreza tinham como objetivo formar alianças políticas e comerciais, e poderiam se estender por dias seguidos. A partir do século VIII, a sofisticação e o luxo foram retomados pelo imperador Carlos Magno, que apresentava grande variedade de pratos e ordens no serviço da alimentação em seus banquetes, onde ocorriam espetáculos teatrais para entreter os convidados, que nesse período já tomavam as refeições sentados. Os pratos eram dispostos sobre as mesas dos banquetes e os comensais se serviam com as mãos ou com uma faca
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