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História da Alimentação e da Gastronomia Conceitos: a história e a gastronomia Alimentar-se é algo tão instintivo quanto nossa respiração. A gente nasce sabendo que precisa comer para conseguir passar algumas horas em plena disposição física e mental. O corpo, inclusive, manda sinais para alertar sobre isso: sabemos que precisamos de alimentos quando nosso estômago “ronca”. Assim, é natural ao ser humano, desde os primórdios, sair em busca de comida, seja pelos hábitos mais antigos e primitivos de caçar ou procurar alimentos na natureza, ou com modos que, ao longo da história, foram se desenvolvendo, como a agricultura e a pecuária. Para além da alimentação se desenvolve a gastronomia, uma arte. A origem etimológica da palavra remete ao grego, gastros, que significa estômago, e nomia, leis. Tornou-se uma arte tão requisitada e concorrida que hoje temos até outros adjetivos, mais comerciais, para algo que já é relacionado à comida, como gourmet. O início da gastronomia, tal como a conhecemos, pode ser associado ao casamento de Henri II, rei da França, e da italiana Catarina de Médici, responsável por trazer refinamento às refeições medievais. Catarina instaurou o uso de guardanapos, ensinou a lavar as mãos, escolher a música ambiente e também o uso de garfos, esculpidos em metais de boa qualidade. Conta-se que Catarina introduziu diferentes doces e esculturas feitos com açúcar, que antes eram com mel. Além disso, macarons, sorvetes, profiteroles e bolos confeitados tiveram todos um toque seu. Assim, ela tem sua contribuição para que a gastronomia começasse a virar uma arte na França. Grandes chefs passaram a ser contratados por famílias de nobres e ricos para eventos, para apresentarem seus pratos de forma magistral. Um dos mais famosos é Vatel, famoso chef francês do século XVII e mente criativa de banquetes tão grandiosos que eram como espetáculos. Reinou absoluto nesse campo até seu suicídio, causado por um atraso da entrega de peixes para um jantar que estava orquestrando. A pintura O suicídio de Vatel, creditada a Edóuard François Zier, é uma das obras que retrata esse momento. A gastronomia e a alimentação, ao longo da história, foram marcadas pela evolução das técnicas. Antigamente, por exemplo, não existiam aparelhos de liquidificador ou mesmo sous-vide. Hoje, com o impacto da gastronomia na vida social e econômica, também cresce todo um mercado de turismo focado na comercialização de iguarias, em diversas partes do mundo. Afinal, sabe-se que a gastronomia carrega a história de um povo, de uma civilização. Comer um prato típico regional é provar sua história, cultura e conhecimentos adquiridos por antepassados. O mercado da gastronomia é, logo, um dos que mais movimentam as principais cidades do mundo. Afinal, todo mundo come! E muitos comem inspirados e influenciados por chefs e estudiosos da área que são também formadores de opinião, críticos e especialistas – alguns, inclusive, celebridades. Agora que já conceituamos gastronomia e vimos a que aspectos da alimentação ela está relacionada, vamos voltar um pouco no tempo para falar do ato de se alimentar propriamente dito, contextualizando-o com diversos momentos da história. A alimentação na pré-história Precisamos definir, antes de tudo, de qual período da pré-história iremos falar aqui, pois a pré-história engloba um período de 2,5 milhões de anos ou mais. Começaremos falando de 40 mil anos atrás, quando os homens já eram idênticos ao que somos hoje, anatomicamente falando. Nesse período, chamado de Paleolítico Superior, nossos ancestrais já caçavam, faziam colheitas e ferramentas, além de terem atividades definidas para as mulheres, os homens e as crianças – já viviam, portanto, em um sistema próprio. Também nesse tempo começavam a domesticar animais, por ficar mais escassa a caça e a colheita (o aumento populacional dos homens estava sendo numeroso) e a pensar em plantio, criando bases sociais. A função dos homens era a caça, e a das mulheres, a colheita de frutos, o cuidado com as crianças e outras tarefas que exigiam menor esforço físico. A escassez da caça contribuiu para que os frutos começassem a ser grande parte da dieta. Eles faziam fogueiras coletivas através da fricção de galhos e pedras. A carne era partilhada, e as peles, utilizadas como proteção térmica ou nas moradias. As peças de caça eram feitas de madeira, ossos e pedras. Há 15 mil anos, no período Paleolítico, conhecido como Idade da Pedra Lascada, a alimentação ainda tinha por base frutas, legumes, raízes e carnes, como coelho, cervos, mamutes, porcos e outros animais. A grande descoberta foi a agricultura, ao perceberem que sementes germinavam – isso foi o que os fez deixarem de ser nômades e virarem sedentários. CURIOSIDADE Segundo o autor Roberto Navarro no texto "Como o homem caçava e se alimentava na pré- história?", publicado na revista Superinteressante em 18 de abril de 2011 e atualizado em julho de 2018, a habilidade de obtenção da carne e as formas de dilacerá-la foram evoluindo, sendo no final divididas em três etapas: rasgando a carne com pedras; manuseando-as e abrindo os ossos para aproveitar o tutano; e, na fase mais carnívora, os hominídeos do Paleolítico já retalhavam-na em pedaços, deixando carcaças intactas e usando as presas de outros animais como ferramentas de manuseio. As antigas civilizações e seus hábitos alimentares As civilizações da Babilônia, Índia e China são as mais antigas do mundo, e suas influências na nossa sociedade têm um valor inestimável – sua relevância é tão grande que são temas de estudos até os dias atuais. No campo de estudo da nossa área, é possível, por meio da investigação dessa civilizações, entender alguns de nossos hábitos culinários e culturais, de forma geral. Vamos começar falando daquela que foi uma das maiores civilizações do mundo: a Mesopotâmia, conhecida principalmente por seus banquetes praticamente surreais; a seguir, passaremos pela Índia, onde o místico e o cético caminham lado a lado; depois, trataremos dos chineses, historicamente conhecidos como uma sociedade de grandes inventores. MESOPOTÂMIA Localizada entre dois rios muito importantes, o que deu origem também ao seu nome (meso = meio e potamo = água ou rio), a Mesopotâmia desfrutava de terras férteis, clima agradável e fartura de vegetação. A quantidade de água era grande responsável por isso. Esses dois rios, Tigre e Eufrates, estão atualmente compreendidos nos territórios conhecidos como Iraque, Kuwait, Síria e Irã. Os babilônios, assírios, sumérios e acadianos dominaram a região desde o começo da história escrita até a queda do império da Babilônia (3100 a.C. a 539 a.C.). Na Mesopotâmia surgiram muitos elementos relevantes para nossa sociedade em questão de alimentação, e o azeite é uma delas, o que se deve às particulares condições climáticas da região, cujo verão se caracteriza por ser seco e quente, e o inverno, chuvoso e frio. O império babilônico foi um dos maiores da época, com enormes palácios, onde eram realizados banquetes e reuniões importantes. Tais banquetes eram organizados para se formar alianças, tomar decisões, comemorar inaugurações de templos, vitórias em batalhas e estreitar relações com estrangeiros que iam sempre realizar negócios de várias naturezas. O banquete era visto como algo que fazia parte de um ritual e também como agrado àqueles que estavam dispostos a discussão. Muitos deles eram tão grandes que eram praticamente uma festa e, quando ordenado pelo rei, ainda se prestavam homenagens religiosas aos deuses da época. CURIOSIDADE Um exemplo de banquete no período babilônico que traduz a majestade e o poder de um rei é o banquete de inauguração de um palácio construído entre os anos 883–859 a.C. pelo rei Assurnasírpal II. A festa, que durou dez dias, juntou todo povoado, algo em torno de 70 mil pessoas. A lista de convidados do palácio real tinha uma farturacomposta por mais de mil bovinos, 20 mil aves, 15 mil ovinos, mais de 10 mil peixes e milhares de litros de vinho e cerveja. A tradição em realizar banquetes se prolongou até o declínio do império, em torno de 539 a.C. Nesses banquetes, os reis eram os primeiros a serem servidos, e eles podiam oferecer, em forma de agrado, seu prato para algum visitante, antes mesmo de comerem. Os criados passavam, antes e depois das refeições, jarros de água para os convidados lavarem as mãos (na época ainda não existiam talheres como os atuais) e frascos de óleos perfumados, geralmente com cedro e zimbro, para higiene. O cardápio consistia em carnes grelhadas e guisados, muitas frutas e legumes, além de pães e bolos adoçados com mel. As bebidas servidas eram vinhos e cervejas feitas com cevada e tâmaras. Tudo era acompanhado de performances de artistas da época. Porém, não há registros de participações de mulheres ou outros membros da família real, visto que eram banquetes estritamente de negócios. Ao final do banquete, eram realizadas trocas de presentes, como ferramentas de metal e vestes de luxo. Caso o número de convidados passasse o limite suportado pelo local, os jantares eram realizados nos jardins. Em paralelo aos banquetes reais, ocorria um banquete em homenagem aos deuses, com os mesmos preparos e disposição. Eram servidos para estátuas religiosas, como uma espécie de oferendas a elas, por sacerdotes dos templos, e não criados. Nesse período, cada profissional da cozinha já havia sua função e nome, como cervejeiros e padeiros. As tavernas, gerenciadas por mulheres, eram locais de interação e integração entre visitantes e moradores da região. O cardápio consistia em carnes grelhadas, sopas, pães e cerveja. Logo, podemos constatar que os banquetes eram claramente para o rei demonstrar seu poder e sua influência, enquanto para os súditos a alimentação era questão de sobrevivência. Muitas iguarias hoje conhecidas da cozinha iraquiana tem suas bases ancoradas nos hábitos alimentares mesopotâmicos. A seguir, apresentamos o modo de preparo do bamieh (Figura 2), famoso doce iraquiano. A receita foi adaptada do portal Gshow, conforme publicada em 25 de junho de 2018. Receita de bamieh // Ingredientes: 1 copo de farinha de trigo; 3 colheres (sopa) de manteiga; 2 ovos; 1/4 colher (sopa) de açafrão; 1 copo de açúcar; 1 colher (sopa) de água de rosas; Óleo vegetal; Água. // Modo de preparo: Dissolva o açafrão em água fervente. Deixe-o durante 30 minutos e reserve; Em uma panela, coloque um copo de açúcar, acrescente 1/2 copo de água e mexa até formar uma calda grossa. Depois, acrescente uma colher de água de rosas e uma colher da mistura do açafrão reservado à panela e misture bem. Ferva por três minutos. Reserve; Em outra panela, coloque um copo de água, adicione 2 colheres de açúcar, 3 colheres de manteiga e aqueça até que ela derreta, obtendo uma mistura homogênea; Adicione um copo de farinha de trigo e mexa em fogo brando até obter uma massa. Retire do fogo e deixe esfriar; Adicione 2 ovos à massa e mexa; Coloque a massa em um saco de confeiteiro e escolha um bico decorativo com o formato da sua preferência, e faça "quiabinhos"; Frite os "quiabinhos" em óleo, passe-os fritos na calda e deixe-os descansar por cinco minutos; Em seguida, coloque-os em uma peneira para escorrer e sirva. ÍNDIA A gastronomia indiana é reconhecida mundialmente pelo amplo uso de ervas e especiarias, dispostos como na Figura 3. Embora muitos achem que seja uma culinária exclusivamente vegetariana, devido à ausência de carne bovina, existem muitos pratos com carne de frango, cordeiros e peixes. A carne de boi não é consumida, pois lá a vaca é considerada um animal sagrado e não é tocada. O vegetarianismo, por sua vez, foi inserido na cultura indiana por questões primordialmente religiosas. Entre os anos 1500 e 500 a.C., animais considerados sagrados eram sacrificados por monges e servidos aos deuses. A consolidação do budismo e do jainismo na região, que consta da mesma época, pregava, em oposição, o fim de tais procedimentos e do consumo de carnes. Muitos monges continuaram consumindo ainda carne de cordeiro. Com a chegada de muçulmanos no século XVI, temperos passaram a ser adicionados a manteigas e iogurtes, e começaram a misturar arroz com carne. Comer um doce após a refeição se tornou um hábito, amplamente influenciado pela colonização árabe. O que marca também a culinária e a gastronomia indianas, além de sua diversidade, é sua habilidade em recepcionar. São conhecidos como excelente anfitriões e tratam os convidados de forma especial e sempre com muita fartura. Esse é outro hábito árabe adquirido: os antigos hindus comiam sozinhos; já os árabes esticavam um tecido branco e colocavam muitas comidas, para todos se servirem com as mãos, em um gesto coletivo de alimentação. O que marca também a culinária e a gastronomia indianas, além de sua diversidade, é sua habilidade em recepcionar. São conhecidos como excelente anfitriões e tratam os convidados de forma especial e sempre com muita fartura. Esse é outro hábito árabe adquirido: os antigos hindus comiam sozinhos; já os árabes esticavam um tecido branco e colocavam muitas comidas, para todos se servirem com as mãos, em um gesto coletivo de alimentação. O chai, tipicamente indiano e muito tradicional, é a bebida mais consumida. Cada família tem sua receita, mas a base consiste em leite, ervas e especiarias. Com base na Ayurveda, medicina tradicional e milenar, eles tratam os alimentos como remédios para nosso corpo e alma. Isso faz todo o sentido, ainda mais considerando sua história alimentar. Baseada em textos antigos, a Ayurveda prega que alimentos são medicamentos e devem ser utilizados no tratamento de problemas de saúde. Temos como exemplo pimentas, como a capsaicina, que pode auxiliar no combate ao surgimento de células cancerígenas, ou a cúrcuma, que ajuda a prevenir algumas doenças e é anti-inflamatória. Como em muitos outros lugares do mundo, a comida na Índia é herança cultural, histórica, geográfica e religiosa. E ao longo desse país tão grande, as diferentes culinárias, comuns a cada região, se destacam, como veremos a seguir. Conhecida como a mais picante e condimentada culinária da Índia, a cozinha do estado de Andra Pradexe recebe influência muçulmana, mongol e é rica em aromas e sabores. São utilizados condimentos como frutas desidratadas, amêndoas e castanhas. O cordeiro é a carne vermelha mais consumida. Além disso, costuma-se preparar picles com limão, diferente dos europeus, que utilizam vinagre e os deixam conservando em óleo de gergelim. O grão mais consumido é o arroz. Uma grande contribuição da gastronomia da região de Bengala são os doces elaborados com leite queimado e pedaços de coalho. Alguns exemplos são a rasgulla (bolinhas de coalhada seca e doce) e gulab jamuns (bolinhos revestidos de caramelo). Para além dos doces, a gastronomia de Bengala contempla também peixes, preparados de acordo com receitas variadas – em sua maioria, cozidos em molhos com bastante pimenta ou servidos com algum molho à base de iogurte. O óleo de coco também é muito empregado. Já os condimentos são diferentes dos comumente utilizados no interior da Índia: uma mistura com sementes de cebola, pó de cominho, erva-doce, sementes de feno-grego e de mostarda, que recebe o nome de panch phoron, é o tempero mais comum. No norte indiano, na região da Caxemira, utiliza-se bastante carne de cordeiro, peixes, cabrito e frango, temperadas de forma geral com pimentas da Caxemira e açafrão, o que deixa os pratos com um tom bem avermelhado. Além disso, é comum a presença de diversos vegetais e sementes, tais como nabos, raiz de lótus, ervilhas, batatas, lentilhas e espinafres. A culinária do estado de Goa é provavelmente a mais famosa. Tem origem na cozinha portuguesa, o que seexplica pelo fato de a Índia ter sido posse de Portugal por muitos anos. A carne de porco é preparada com pimentas; os peixes, com arroz e temperados com curry; e muitos frutos do mar, preparados com coco. Seus pratos são simples e apimentados, de forma geral. Um ingrediente local geralmente utilizado é o kokum, fruta vermelho-escura com sabor azedo. Os tamarindos também fazem parte do cardápio. O preparo de vegetais e derivados de leite é especialização da cozinha de Guzerate. O prato típico é o khichdi, uma mistura de arroz com lentilhas servida com molho curry e elaborado com iogurte, folhas de louro, pimentas, gengibre, cebolas e picles. A fartura de frutas secas, como o damasco, é refletida em doces como pudins, caldas, temperos e alguns petiscos. As refeições são seguidas por porções de frutas típicas de clima frio, como morango, ameixas e maçã. A culinária do Maharashtra é caracterizada pela fartura de carnes e condimentos. O arroz e o coco são os ingredientes mais utilizados, bem como castanhas-de-caju e amendoins, inseridos em saladas junto a vegetais cozidos, e o óleo de amendoim. O povo mongol muçulmano ocupou a Índia por um bom tempo e deixou sua história gravada de forma consistente. Sua característica é a sofisticação, manifesta nos preparos com molhos, temperos complexos (curry) e diversas carnes ao molho de doces e gengibre. Um dos hábitos que os muçulmanos deixaram para a Índia foi a refeição em grupo; uma refeição normalmente para um convidado é composta de três a quatro pratos de carnes e vegetais, outro à base de arroz, pães de origem indiana (chapati ou paratha) e uma salada fria acompanhada de molho de iogurte. A culinária do Punjab é caracterizada pelos pratos mais robustos ausente de elementos caros e exóticos, sendo considerada uma cozinha mais simples. Para assar os alimentos, usa-se o tandoor, um forno de barro aquecido com carvão vegetal, e consome-se muitas carnes marinadas, peixes, galinhas e naans (pães produzidos com leite, iogurte, manteiga e ovos). Pode ser considerada uma cozinha com origens relacionadas aos mongóis, por misturar carnes com alimentos lácteos. Queijo fresco paneer e manteiga são amplamente consumidos. No Rajastão, a culinária é historicamente resultado de uma cozinha imperial, por ser à base de carnes de caça que a realeza costumava capturar. Esta tradição é ainda atual, e nas festas locais as carnes de caças são ainda grandes atrações. A cozinha vegetariana também se faz presente, e muitos preparos se dão pelo uso de manteiga ghee. São tradicionalmente reconhecidos por seus aromas. A seguir, adaptada do Paladar Estão, conforme preparada por Ajay Bhagwansingh Kaintura, dispomos a receita do curry (Figura 4), que, como foi possível observar, é um tempero muito popular em diversas regiões do país. // Ingredientes: 2 colheres (sopa) de sementes de cominho; 2 colheres (sopa) de sementes de cardamomo; 2 colheres (sopa) de sementes de coentro; 1/4 xícara de cúrcuma em pó; 2 colheres (sopa) de folha de curry; 1 colher (sopa) de sementes de mostarda secas; 1/4 colher (sopa) de assafétida. // Modo de preparo: Torre todos os ingredientes no forno em forma antiaderente; Em seguida, moa-os no liquidificador ou processador; Guardo o pó resultante em um pote bem fechado. Use para aromatizar suas receitas. O chai, outra bebida, já comentada, muito tradicional do país, pode ser encontrada em mais de 3 mil variações, visto que cada família aplica sua receita. O que temos aqui é uma delas, adaptada do site Panelinha, como preparada pela chef Rita Lobo. // Ingredientes: 120 mL de água; ½ xícara (chá) de leite; 2 sachês de chá preto; 6 grãos de pimenta-do-reino moídas; 2 paus de canela; 4 bagas de cardamomo; 4 cravos-da-índia; ½ colher de sementes de erva-doce; ½ colher de açúcar mascavo. // Modo de preparo: Corte as pontas e abra as bagas de cardamomo; Transfira as sementes para uma panela pequena e junte todos os ingredientes, exceto o chá preto; Misture tudo e leve ao fogo médio; Assim que ferver, desligue o fogo e adicione os sachês de chá preto; Tampe a panela e deixe em infusão por aproximadamente cinco minutos; Coe o chá, transfira para uma chaleira e sirva. CHINA Os chefes de cozinha e os pratos mais famosos chineses surgiram amplamente entre 1368 e 1644, durante a dinastia Ming. Foi desenvolvido nesse período o famoso pato de Beijing, um pato laqueado (Figura 6), fervido e assado em forno específico, cortado em tiras finas e servido com molho agridoce. O prato costuma ser servido com um pão. As refeições mais elaboradas eram exclusividade dos nobres, sendo servidos banquetes para acordos comerciais e celebrações religiosas, como pedidos e oferendas para os deuses, principalmente se queriam uma colheita farta. Famosos também por iguarias como insetos, cachorro e cobras, eles mantinham esse cardápio para sobreviver a períodos de guerra e fome que assolaram o país. Além disso, uma grande qualidade dessa cultura é o contraste. Influenciado por yin yang e pela cultura taoísta, em toda refeição você encontrará quentes e frios, doces e salgados, e assim por diante. A procura pelo equilíbrio é marcante. Também se inspiram nos elementos da natureza como forma de balancear as refeições, por exemplo, fogo (amargo), madeira (azedo), terra (doce), água (salgado) e metal (picante) – A preocupação com o que colocamos em nosso corpo, aqui, é notável. Como na Índia, eles acreditam que a cura vem da alimentação. Na região norte chinesa, temos uma das mais famosas culinárias, preparada com bastante vinagre e óleos, que consiste em muitas massas e frituras. Por ser uma área longe do mar, a carne se faz mais presente; na região sul, temos a presença do melaço; ao lado leste, há adição de molho de soja aos temperos doces e muita carne de porco; e no lado oeste, por ser de difícil acesso, os habitantes preferiram uma culinária com a presença de carnes secas e vegetais conservados em aguardente. Compartilha-se refeições e normalmente são cozidos pratos de vários tipos e sabores diferentes, para agradar a todos que estão sentados ao redor. Eles realmente se preocupam se haverá comida para todos os tipos de gostos e restrições. Por exemplo, se houver alguém com intolerância a glúten, haverá provavelmente um prato sem glúten, com tofu, um dos principais ingredientes dos estilos característicos da diversa cozinha típica chinesa. Outros ingredientes comuns são arroz, soja, lótus, trigo, cogumelos, peixes e frutos do mar e carne bovina e suína. A seguir, apresentamos a receita de arroz chop suey (Figura 7), uma das mais tradicionais da cozinha chinesa, adaptada da receita de Rita Lobo para a matéria “Arroz frito da Rita Lobo”, publicada por Patrícia Ferraz no Paladar Estadão. Receita de chop suey // Ingredientes: 3 xícaras (chá) de arroz branco cozido; 1 cebola; ½ cenoura; ¼ de xícara (chá) de salsinha e cebolinha picadas; 2 colheres (sopa) de azeite; 3 ovos; ½ colher (sopa) de óleo. // Modo de preparo: Fatie a cebola em tiras; Leve ao fogo baixo uma panela wok (ou frigideira grande antiaderente), regue com duas colheres (sopa) de azeite e junte a cebola; Tempere com uma pitada de sal e deixe cozinhar por cerca de 15 minutos, mexendo de vez em quando, até dourar; Passe a cenoura pela parte grossa do ralador; Pique fino a salsinha e corte a cebolinha em fatias médias; Transfira as cebolas douradas para uma tigela com o arroz cozido; Em fogo médio, regue com mais um fio de azeite e acrescente a cenoura; Refogue por dois minutos e junte a salsinha e a cebolinha; Desligue o fogo, junte ao arroz e misture bem; Passe um papel-toalha para limpar a panela wok; Leve a panela ao fogo baixo e regue com um fio de azeite; Junte os ovos e mexa rapidamente com uma colher; Quando começar a cozinhar, junte oarroz e misture vigorosamente; Aumente o fogo, tempere com sal e pimenta-do-reino e misture bem, por um minuto ou até aquecer bem o arroz; Sirva a seguir. O Antigo Egito e seus hábitos alimentares Os egípcios são uma grande civilização de muito mais de 3 mil anos, que ainda desperta muita curiosidade e fascínio. Como outras civilizações estudadas, também vemos aqui uma ligação da alimentação com a história, medicina e gastronomia, até os dias de hoje. O alimento era tão valorizado que em algumas tumbas haviam símbolos representando banquetes em frente aos mortos. Manter o estoque de alimentos era uma forma de faraós controlarem o Estado e manter a ordem. A atividade agrícola era intensa, e mesmo que a civilização fosse encontrada no meio de um deserto, o rio Nilo proporciona ainda terras férteis, abundância de água e peixes, grãos e facilidade no transporte. O método de processamento era o que atualmente cachamamos de rústico, mas na época foi muito inovador, feito com pilão e moinhos; as farinhas eram então processadas e armazenadas; depois, eram acrescentados água, levedo e sal, e o pão estava pronto, bem similar a muitos que comemos ainda hoje. No Antigo Egito, preparava-se bolos muito similares aos da atualidade. Eram discos cortados no meio, recheados com frutas secas ou frescas, meles e marmeladas. A cerveja era outro produto muito consumido e produzido. Até hoje popular no Sudão e no Egito atual, ela é feita à base de trigo, pão e cevada mal cozidos, que ficam fermentando em jarros de cerâmica. Seu surgimento será comentado com mais detalhes adiante. A plantação era farta, com alimentos como abacate e alho-poró, entre outras frutas e legumes, o que lhes conferiu uma dieta rica em nutrientes e variedades. Para a produção de vinhos, usava-se frutas como tâmaras e figos, rotulados de acordo com ano e procedência. Nota-se, logo, a organização em estocar e produzir insumos. O método de conservação longa dos alimentos surgiu na época da energia elétrica. Não precisavam se preocupar muito com estoques grandes, pois havia fartura de ingredientes naturais. O que faziam bastante era retirar água dos alimentos, como carnes secas e laticínios (proveniente de cabras, ovelhas e vacas), além da salga do peixe. Essas técnicas se tornaram tão populares que foram utilizadas na época do Brasil Colônia, criando a nossa carne de sol e o charque. Outra técnica utilizada, e que inspirou os franceses, foi o confit: a carne é mantida dentro da gordura após um longo período de cocção. Esse método retira a água e a deixa com uma validade mais longa, além de manter sua suculência e sabor. Nas três refeições diárias, o mel estava sempre presente. Adoçante natural, ganhou popularidade de forma rápida. Os egípcios comiam sentados em esteiras, e somente os mais abastados tiveram, depois de longo período, acesso a cadeiras e mesas de apoio. Almoçar era o ato de refeição mais importante do dia, com um prato principal, acompanhamentos e vários molhos e saladas. O kebab, um prato que se popularizou também no Egito, é feito à base de carne de carneiro ou frango fatiada, marinada e grelhada. Uma variação é a kafta, praticamente o mesmo prato, porém com carne moída. São servidos normalmente com arroz, alguma massa ou saladas. Já o shawarma é um lanche que se tornou popular em mercados abertos e feiras, e consiste em carne de cordeiro fatiada finamente, acompanhada de salada e tahine, enrolados no pão sírio. Para os vegetarianos, um preparo vegetariano que pode agradar é o falafel (Figura 8), feito com grão-de-bico e muitas ervas. As sobremesas egípcias compreendem principalmente pudins e doces de massa ou frutas frescas. Em relação às bebidas, o chá, muito importante culturalmente, é servido extremamente adocicado, ao menos que você peça o contrário. Por fim, o café, servido em estilo turco, é bem forte. A seguir, apresentamos uma receita de falafel, adaptada do Paladar Estadão, conforme preparada por Claudia Roden e Yottam Ottolenghi, com dicas de Ariel Rosenthal e Tobias Kracochanski. Receita de falafel // Ingredientes: 500 g de grão-de-bico seco; 2 dentes de alho pequenos; 1 cebola picada; 1 ramo de salsa picada; 1 ramo de coentro picado; 2 colheres (sopa) de cominho em pó; 1/2 colher (chá) de páprica; 2 colheres (chá) de sal; 1 colher (chá) de fermento em pó. // Modo de preparo: Drene os grãos-de-bico e seque-os bem com papel-toalha, para que ele não se desfaça quando for fritar; Coloque o grão-de-bico no processador e processe até obter uma pasta; Coloque a cebola, o alho e processe; Coloque as folhas e processe; Adicione todos os ingredientes restantes; Em uma fritadeira, leve o óleo para aquecer. Faça bolinhas e, apenas com o óleo bem quente, comece a fritar. Sirva imediatamente; Também é possível assá-los no forno: preaqueça o forno a 180 ºC e, em uma forma untada com óleo, faça bolinhas um pouco mais achatadas, e asse por cerca de 20 ou 25 minutos. Vire-as no meio da cocção. A HISTÓRIA DA CERVEJA Há 10 mil anos, o ser humano desenvolveu o processo de fermentação. Surgiam, então, em mínima escala, uma das primeiras bebidas alcoólicas do mundo; a cerveja. Ela começou a ser produzida por padeiros, graças aos tipos de ingredientes usados: grãos de cereais e leveduras. A cevada ficava de molho até germinar e, depois, moída grosseiramente. Eram moldadas em bolos, aos quais a levedura era acrescentada. Esses bolos, depois de parcialmente assados, eram desfeitos e colocados em jarras com água; deixavam então fermentar. Há vestígios históricos de que a arte da cervejaria nasceu na Mesopotâmia, onde o grão da cevada cresce em estado selvagem. Um dos primeiros registros de fabricação da cerveja tem mais de 6 mil anos e leva aos sumérios, povo da Mesopotâmia. Por volta do século III a.C., os sumérios já se contentavam com uma bebida fermentada à base de cereais. Os egípcios logo desenvolveram a arte de ter a própria cerveja e levaram a tradição até o milênio seguinte, inserindo a bebida à sua dieta diária. Sua importância para eles era refletida no nível hierárquico do funcionário encarregado de sua qualidade, controle e criação de hieróglifos para descrever seu processo. Existem alguns povos, que habitam ao longo do rio nilo, que ainda fabricam cerveja em um estilo bem próximo ao que era antigamente. A cerveja produzida naquele período era escura, bem forte e substituía a água, muitas vezes. A base do produto, mesmo com suas derivações, que é a cevada fermentada, era a mesma. A popularização definitiva da cerveja se deu com o crescimento do Império Romano, que a levou para todos os lugares onde ainda era desconhecida. A Júlio César também é dada a apresentação da cerveja aos britânicos. Quando ele chegou à Bretanha, eles estavam acostumados a leites e licores de mel, bebidas doces. Foi também graças aos romanos que a cerveja chegou aos copos dos franceses. Já na Idade Média, os conventos tomaram para si tal fabricação, que era uma atividade tradicionalmente familiar. Aos poucos, conforme cresciam as cidades, começaram a surgir artesãos mestres cervejeiros, trabalhando para grandes senhores, abadias e mosteiros. Com o grande aumento do consumo dessa bebida, os artesãos locais começaram também a produzir sua própria cerveja, mas em casa. As cervejarias ou tabernas eram espaços onde assuntos importantes eram discutidos e negócios eram fechados. A partir do século XII, pequenas fábricas surgiram, com técnicas cada vez melhores. Os cervejeiros já haviam percebido que a qualidade da água é muito importante na qualidade da cerveja; portanto o local da fábrica escolhido era próximo de fontes de água consideradas muito boas. Com a invenção de alguns instrumentos científicos, como o termômetro, e também com a melhoria de novas técnicas, a cerveja que consumimos hoje é uma evolução de todas as descobertas.Além disso, a cerveja pode ser usada para a preparação das mais diversas receitas, como a carne moída com molho de cerveja (Figura 9), disposta a seguir, adaptada do site Panelinha, como preparada pela chef Rita Lobo. Receita de carne moída com molho de cerveja // Ingredientes: 1 kg de carne magra moída; 350 mL de cerveja preta; 1 pimentão vermelho grande; 1 cebola; 3 dentes de alhos picados; ¼ de xícara (chá) de farinha de trigo; 2 colheres (sopa) de extrato de tomate; 120 mL de água; 3 colheres (sopa) de azeite; 1 folha de louro; Cebolinha fatiada a gosto; Sal e pimenta-do-reino moída a gosto. // Modo de preparo: Leve a água ao fogo baixo para ferver; Descasque e pique finos a cebola e o alho; lave, seque e corte o pimentão ao meio; descarte as sementes e corte cada metade em cubos pequenos; Leve uma panela grande ao fogo médio. Quando aquecer, regue com um fio de azeite e acrescente a carne, espalhando-a bem no fundo da panela para dourar melhor; Polvilhe com a farinha de trigo e deixe dourar, mexendo de vez em quando com a espátula para soltar os pedaços de carne (se sua panela for pequena, doure a carne em duas etapas); Transfira a carne cozida para uma tigela e mantenha a panela em fogo médio; regue com o azeite restante, junte a cebola e o pimentão, tempere com uma pitada de sal e refogue por cerca de três minutos; Acrescente o alho e o louro e mexa por mais um minuto para perfumar; Adicione o extrato de tomate e misture. Regue com a cerveja preta aos poucos, raspando bem o fundo da panela; junte a água fervente, tempere com sal e pimenta e deixe cozinhar até ferver; Volte a carne dourada para a panela e misture bem; abaixe o fogo e deixe cozinhar por mais 10 minutos até o molho ficar mais grosso, e o álcool irá evaporar. Enquanto isso, lave, seque e fatie fino a parte verde da cebolinha; Desligue o fogo, misture a cebolinha fatiada e sirva a seguir; O SAL O sal, um dos ingredientes mais conhecidos do mundo, está presente em quase todas as cozinhas. No passado, era tão valioso que provocava conflitos visando ao controle de sua produção; Foi inclusive usado com meio de pagamento – e desse contexto decorre a palavra “salário”. Sua importância se deve a uma de suas qualidades: ele é um dos melhores e mais eficazes conservante de alimentos, vide preparos com peixes e carnes vermelhas. O sal, ao absorver a água dos alimentos, impede a proliferação de bactérias e, por consequência, garante sua longevidade. A invenção da geladeira, no século XIX, e de outros meios de conservação deixaram o sal um pouco de lado, tornando-o um ingrediente mais popular e barato. Mesmo assim, nunca deixou de ser importante, sendo relevante até mesmo para o funcionamento de nosso organismo. O sal dá um toque especial para qualquer preparo, por isso esteve em muitos registros da humanidade, desde o início da civilização. Desde a Idade Média, os europeus acumularam riquezas com esse tempero. A seguir, apresentamos a receita para o sal de ervas (Figura 10), adaptada do portal do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Tal preparação traz diversos benefícios à saúde, e só ajuda a reforçar a importância do sal para nosso organismo. Atenção para a validade dessa receita, que é de três semanas. Sal não é somente aquele pó branco que usamos usualmente no dia a dia. Existem muitas variedades, entre eles: o popular sal do Himalaia, rosa e com grãos um pouco maiores que o refinado branco; sais pretos, de regiões vulcânicas, como o Havaí; e o famoso sal grosso, que usamos no churrasco brasileiro. Receita de sal de ervas // Ingredientes: 2 colheres de sopa de alecrim; 2 colheres de sopa de salsinha seca; 2 colheres de sopa de manjericão; 2 colheres de sopa de orégano; ½ colher de sal. // Modo de preparo: Adicione todos os ingredientes no liquidificador e bata até que fiquem misturados e mais finos; Conserve em um recipiente de vidro tampado e em local seco e arejado; Use na mesma quantidade que você usaria o sal para temperar os alimentos. A EVOLUÇÃO DA APICULTURA Dizem que a história da apicultura se iniciou com os egípcios, há mais de 4 mil anos, quando colocavam abelhas em pequenos potes de barro e os deixavam perto da residência do produtor. Era parecido com a caça ao mel, na qual destruíam colmeias e matavam o enxame para sua retirada. Antigamente, apenas se extraía o mel das colmeias, que ficavam geralmente em locais de não muito fácil acesso, o que tornava a coleta de grande risco. Como não se sabia separar o mel do favo, muitas vezes a abelha, o pólen e a cera eram ingeridos junto. Por causa desse tipo de coleta, era comum as colmeias morrerem, e os caçadores terem de procurar outras. As abelhas eram sagradas para várias civilizações. Além de importância para a economia, eram consideradas um símbolo de poder. Por causa disso, muitos produtores já não queriam ter de matar esses animais para a coleta do mel, então métodos foram desenvolvidos para isso. Essa simples descoberta foi uma das grandes portas de entrada para o desenvolvimento da apicultura de forma racional e consciente. A seguir, uma das variadas receitas com o ingrediente, wrap de salmão com queijo e mel (Figura 11), é adaptada do portal UOL, conforme preparada por Meza Bar. // Ingredientes: 150 g de filé de salmão; 1/2 colher de sopa de sal grosso; 2 colheres de chá de açúcar cristal; 1/5 maço de endro; 20 g de cebola roxa; 1 pão folha; Alface roxa e crespa a gosto; 20 g de queijo feta; 1/2 xícara de chá de azeite extra virgem; 1 colher de chá de mel; 1 colher de sopa de cream cheese; Cebolinha a gosto. // Modo de preparo: Marine o salmão com sal grosso, açúcar, azeite, endro e cebola fatiada na mandolina (tipo de fatiador regulável) Deixe de molho por pelo menos 8 horas No pão folha, coloque o salmão cortado como sashimi fino, apenas em uma das metades do pão Disponha a salada (folhas de alface rasgadas) por cima e corte em cubos cebola, jasmim e endro da marinada Grelhe o queijo feta, corte bem e misture-o com o mel e cream cheese Use essa pasta na outra metade do pão ao enrolar o sanduíche Salpique a cebolinha a gosto Agora é a hora de sintetizar tudo o que aprendemos nessa unidade. Vamos lá?! SINTETIZANDO Nessa unidade, vimos princípios acerca da história da alimentação e da gastronomia, que caminham juntas à história do ser humano. Seus lados social, político, religioso e econômico são evidenciados e compactuados em eventos nos quais, geralmente, existiam banquetes riquíssimos e fartura de comida. Ter bastante comida para oferecer era questão de status social e político. Estudamos os hábitos alimentares de algumas antigas civilizações, cujas formas e protocolos de alimentação geralmente refletiam a estrutura organizacional da sociedade e outros aspectos culturais. Com base nisso, passamos pela Mesopotâmia, cujos banquetes reforçavam o papel de cada grupo dentro da hierarquia social; estudamos panoramicamente a Índia, com grande atenção para as particularidades de cada região; e concluímos observando como isso se configura na China, e seu equilíbrio espiritual que, por muito tempo, também baseou as preparações de suas refeições. Por fim, vimos o Egito, comentando principalmente o que constituía suas refeições e os principais pratos e ingredientes que ali se popularizaram e, a partir daí, revisitamos a história da cerveja, a importância histórica e biológica do sal e passamos brevemente pela evolução no processo de apicultura. A Grécia Antiga e seus costumes alimentares A Grécia Antiga foi o berço do conhecimento ocidental e influenciou diretamente várias civilizações, em contextos sociais, políticos, econômicos e culturais. O termo “gastronomia” surgiu na Grécia, palavra relacionada aos relatos e conceitos sobre a cultura da alimentação.Entretanto, a utilização do termo ficou latente durante longo período, sendo retomado na Idade Contemporânea. A relação dos gregos com a alimentação estava atrelada à mitologia, onde muitos deuses do Olimpo são representados através dos hábitos alimentares da época. São inúmeras as contribuições no ramo da gastronomia oriundas dessa rica civilização. Os gregos foram responsáveis por organizar as relações profissionais na cozinha, segmentando a produção conforme o domínio de cada profissional com sua tarefa. Também desenvolveram utensílios para cada função culinária específica. As reuniões intelectuais e filosóficas na Grécia Antiga ocorriam acompanhadas de refeições e bebidas, surgindo assim o conceito dos banquetes. As refeições também poderiam possuir caráter religioso e envolviam entretenimento. HÁBITOS ALIMENTARES NA GRÉCIA ANTIGA A dieta dos povos que habitavam o mar Mediterrâneo era simples, e eles usufruíam dos ingredientes que podiam extrair de suas terras. Desse modo, suas técnicas gastronômicas foram se desenvolvendo para o total aproveitamento do que possuíam e estava à disposição. CONTEXTUALIZANDO O mar Mediterrâneo uniu povos de três continentes: sul da Europa, norte da África e Oriente Médio, na Ásia. Suas relações comerciais e conquistas territoriais resultaram em grande troca cultural entre essas civilizações. Podemos perceber na gastronomia desta região dietas similares e com influências entre uma civilização e outra, com alguns alimentos em comum, como o óleo de oliva, o trigo e o vinho. Segundo Flandrin e Montanari (2018), os hábitos alimentares na Grécia Antiga observavam a qualidade dos alimentos e suas características nutricionais. Conforme os princípios relatados nos textos do médico Hipócrates, datados do final do século V a.C., as doenças deveriam ser combatidas através das qualidades intrínsecas dos alimentos. Portanto, acreditavam que os alimentos possuíam propriedades medicinais, e por isso careceriam ser de conhecimento médico para promover a manutenção da saúde. A base da alimentação cotidiana consistia em cereais. Com a cevada se fazia a mazza, onde o cereal era pré-cozido, torrado e moído, formando uma farinha. À essa farinha de cevada acrescia-se um líquido, que poderia ser água, leite, óleo ou mel e condimentos, que eram amassados formando uma massa compacta, que poderia ser conservada. Essa técnica ainda é utilizada em vários países mediterrâneos, forma em que a maioria dos cereais ainda é consumida. Com essa farinha de cevada era produzida também a bebida sagrada de Elêusis, o cycéon, e com adição de menta se tornava uma bebida campestre refrescante. Os camponeses também produziam um cozido de cevada chamado ptisiane, recomendado em muitos tratamentos médicos para baixar a febre. Muito consumido desde a pré-história, o trigo também fazia parte da alimentação grega, mas não substituiu a cevada. O trigo era utilizado para a preparação de bolos e pães levedados. Os pães e bolos geralmente eram assados em fornos de barro de tamanho pequeno. Além do trigo e da cevada, outros cereais como o milhete e leguminosas complementavam a alimentação. Havia diversidade de grãos (como gergelim e papoula) e favas (como lentilha, ervilha e grão-de-bico) com grande valor nutricional. Os animais de origem suína, bovina e ovina eram criados e consumidos principalmente em sacrifícios, momento apropriado para o consumo de carnes, onde era utilizado até o sangue dos animais nas preparações. As cabras e os carneiros se adaptaram aos relevos montanhosos da região e, além da carne, forneciam leite para a fabricação de queijos, como o tradicional feta. Os queijos possuem papel de destaque na alimentação grega, consumidos em forma de bolos ou acompanhados de mel e cereais. As caças, como javalis, cervos e lebres, eram marinados em cebola e ervas. As aves mais apreciadas eram pato, ganso, pombo e perdiz. Peixes, moluscos e crustáceos eram consumidos em abundância, preparados das formas mais variadas: assados, ensopados, secos ou até mesmo frescos, em óleo de oliva e sal. As hortaliças são referência de saúde por Hipócrates, que destacou a importância do consumo de alho e da cebola na culinária grega. Também citou o alho-poró, o rábano, o agrião e o nabo, além de condimentos como o tomilho, o manjericão e o poejo. O etnos era um cozido de leguminosas esmagadas e o lékithos era constituído por uma mistura de grãos moídos. As azeitonas também faziam parte da alimentação e eram utilizadas na extração dos azeites, que poderiam ser de azeitonas verdes ou pretas. As frutas consumidas eram secas ou frescas, podendo ser silvestres ou cultivadas. Entre elas estavam figos, uvas, melões, peras, maçãs, marmelos, romãs, nêsperas e amêndoas. A principal fonte de gordura utilizada no preparo dos alimentos era o óleo de oliva, embora a gordura de origem animal também fosse aproveitada. Antes do século V a.C., as técnicas de preparo dos alimentos eram cozer ou assar em brasa. Depois desse período, existem relatos de frituras em gordura ou azeite. O vinho era a bebida mais consumida na Grécia Antiga, podendo ser tomado puro, diluído em água ou empregado em receitas culinárias. Acredita-se que, por conta do alto teor alcoólico, os vinhos mais apreciados eram os tintos fortes e envelhecidos. Os gregos já praticavam a degustação dos vinhos, onde contemplavam seu aspecto, aroma e sabor, classificando entre macios, suaves, secos, leves ou espessos. Os thasos eram vinhos licorosos, com fermentação lenta e maturação longa. Eram conservados em ânforas vedadas com rolhas, o que permitia uma excelente condição de envelhecimento e conservação, conforme demonstra a Figura 1. Os camponeses apresentavam uma alimentação diferente em relação à alimentação das cidades. Alimentos à base de leite, queijo, frutas, leguminosas e hortaliças eram apreciados nas vilas e nos campos. Nas cidades, onde foram desenvolvidos equipamentos que facilitariam a moagem, o amassamento e o cozimento dos grãos, a base da alimentação era constituída por cereais, como a cevada para a mazza e o trigo para os pães. Com o domínio do mar, também introduziram o consumo de peixes e crustáceos. Camponeses e escravos consumiam uma bebida fabricada a partir do bagaço das uvas, a zurrapa, enquanto os vinhos eram as bebidas das cidades. Os gregos valorizavam muito a qualidade dos alimentos consumidos, e para isso era importante a seleção dos ingredientes frescos e de suas combinações, além das técnicas de cocção que buscavam agradar ao paladar. Segundo Chaves e Freixa (2017), o movimento vegetariano surgiu na Grécia Antiga com o filósofo e matemático Pitágoras, no século VI a.C. Saúde física humana, responsabilidade ecológica, defesa dos animais e veneração religiosa eram os argumentos defendidos para a escolha da dieta. Os adeptos desta alimentação eram chamados de “pitagóricos”. Conheceremos os procedimentos para a elaboração da jortósupa me yaurti, uma sopa de legumes e iogurte baseada na constituição da alimentação camponesa na Antiga Grécia, período em que azeitonas, rabanetes, queijos e outros produtos vegetais compunham o prato principal de uma refeição, principalmente em períodos de escassez. A jortósupa me yaurti pode ser preparada com quaisquer outros legumes, inclusive com talos de aipo e brócolis. A receita foi adaptada do volume Grécia, do livro Cozinha país a país, de Ignacio Medina (2006). Receita de jortósupa me yaurti // Rendimento: 6 porções // Ingredientes: 50 g de ervilhas descascadas; 2 cenouras; 1 cebola; 1 alho-poró; 1,5 l de caldo de legumes; 2 gemas; 250 g de iogurte grego; 20 g de hortelã; Zestes de 1 limão; Pimenta-do-reino; Sal. // Modo de preparo: Lave os legumes, descasque-os e corte-os em pedaços pequenos; Em uma panela, aqueça o caldo de legumes e acrescente as cenouras e as cebolas cortadas em cubos. Deixe ferverpor cinco minutos; Adicione o alho-poró e as ervilhas ao caldo, cozinhando por mais 10 minutos em fogo brando; Reserve 100 ml deste caldo do cozimento dos legumes; Bata as gemas com o iogurte e dissolva-os no caldo reservado, quando amornar; Retire a sopa do fogo e acrescente lentamente o iogurte batido com as gemas, mexendo sempre; Coloque um pouco das zestes de limão e de hortelã picada no fundo de cada prato e sirva a sopa. PROFISSIONALIZAÇÃO DA COZINHA E SEUS UTENSÍLIOS A cozinha grega passou por grande evolução a partir do século V a.C. com o desenvolvimento das técnicas de preparação dos alimentos. Ocorreu uma segmentação das atividades e, conforme a necessidade de melhoria do sabor e apresentação das iguarias, surgiu a especialização de profissionais de cozinha. Chaves e Freixa (2017) afirmam que os primeiros padeiros, também conhecidos como mageiros, apareceram no século V a.C., onde faziam a moagem do trigo, o cozimento e a venda dos pães. Os padeiros desenvolveram massas diversificadas, acrescentando óleo de oliva e mel, frutas secas, sementes aromáticas, ervas ou passas à massa de farinha de trigo. A panificação foi mais desenvolvida na Grécia que no Egito e no Oriente Médio, e o Império Romano foi influenciado por estas técnicas de panificação, mantendo os padeiros de origem grega. Os pães e bolos eram assados em fornos diversos. Em cada tipo de forno poderia ser preparado diferentes pães. Os fornos de estufa eram chamados clibanos e os pães eram assados em suas paredes internas. No mesmo período, surgem em Atenas os cozinheiros especializados, que se ocupavam desde a qualidade das mercadorias até a utilização de grande variedade de ingredientes nas elaborações. O vinagre era muito apreciado nos pratos e o uso deste ingrediente se tornou uma característica deles. Os cozinheiros eram escravos de nobres que obtinham destaque entre os demais. Depois de anos de dedicação ao ofício, poderiam se tornar mestres em sua arte, sendo libertados e promovidos a archimageiro, uma espécie de chef de cozinha, mantendo uma equipe sob seu comando. Como cada preparação culinária deveria ser feita em seu utensílio específico, surgiram diversos tipos de panelas, conforme sua finalidade. As lopas eram panelas de ferro fundido utilizadas para cozimento de peixes. A tagenon era uma espécie de frigideira funda para realizar frituras. Geralmente, os utensílios de cozinha eram leves e fáceis de transportar. Eram produzidos em cerâmicas, como ânforas e algumas panelas. Também existiam objetos de bronze, ferro fundido e até de metais preciosos. Os ceramistas realizavam a pintura em suas peças, representando a vida cotidiana, as festividades e os deuses gregos. Atualmente são reconhecidas como obras de arte de grande valor, conforme demonstra a Figura 2. Devido à instituição dos grandes banquetes e do symposion, surgiram profissões relacionadas à recepção e serviço de alimentos e bebidas nestes sofisticados eventos. Na organização e comando das atividades estavam o triclinarca, com função similar à de um maître, e o nomenclator, como mestre de cerimônias. O arconte era o profissional responsável pela seleção e serviço dos vinhos, além da escolha dos copos, semelhante à função do sommelier, atualmente. Além disso, estes eventos abriram espaço para expressões artísticas e culturais, com a presença de músicos, cantores, dançarinos e acrobatas. REFEIÇÕES NA GRÉCIA ANTIGA As refeições gregas representavam verdadeiros rituais, pois além de alimento para o corpo, os banquetes eram símbolo de civilidade, mantendo integração social e política. Os banquetes também representam a ligação entre os homens e as divindades, que provinham os alimentos. Em seu cotidiano, os gregos realizavam três refeições principais, o akratismon (desjejum), o ariston (almoço) e o deiphon (ao final do dia). A principal bebida que acompanhava as refeições era o vinho, muitas vezes diluído em água. No akratismon eram consumidos pedaços de pão umedecidos em vinho puro. Os banquetes eram refeições compartilhadas, quando surgia a ocasião para que as pessoas da sociedade pudessem se reunir, como nos funerais e nas núpcias. Para Flandrin e Montanari (2018), os banquetes gregos marcam o início das relações comunitárias de um povo, constituindo ainda sua identidade política. Era comum a organização de banquetes públicos, que reuniam a maioria da comunidade cívica, para publicação de regulamentos estabelecidos. Escravos, mulheres e crianças não eram convidados a participar destes encontros. Os gregos acreditavam que os deuses estavam reunidos no Olimpo em festa permanente, sentados em banquetes, cercados de alimentos e bebidas. O banquete dos homens seria sinal de comunicação com o mundo dos deuses, através do sacrifício de animais e consagração de alimentos. Em todos os lares da elite deveria haver uma sala reservada para banquetes e simpósios, com mobília adequada para esta finalidade, onde a presença de mulheres não era permitida. O hábito do symposion, instituído por volta de 485 a.C., tinha como objetivo discussões intelectuais e transmissão de conhecimento, e, principalmente, a apresentação de refeições fartas e saborosas. O symposion, símbolo da hospitalidade grega, era dividido em duas partes: a primeira era dedicada à alimentação e a segunda à discussão de temas diversos e apreciação de vinhos. As refeições ocorriam em salas denominadas triclinium. Durante a refeição, os servos dispunham sobre a mesa toda a comida preparada, em porções, e os convidados se serviam à vontade. As refeições eram consumidas com as mãos, reclinados em leitos retangulares dispostos em torno da mesa. O anfitrião deveria se posicionar no centro, mantendo o convidado de honra em seu lado direito, e do seu lado esquerdo o de segundo grau de importância, dando início às regras de cerimonial e protocolo (FLANDRIN; MONTANARI, 2018). Na segunda parte do symposion, durantes as discussões e poesias, eram servidas frutas secas e frescas, azeitonas e nozes, além de muito vinho. Neste momento, Dionísio era homenageado, derramando-se um pouco de vinho para a divindade. Também invocavam Zeus e celebravam Apolo e outras deidades em função de suas intenções. O vinho representava a principal especialidade dos encontros, sendo o momento mais aguardado aquele em que se bebe coletivamente. Raramente era consumido puro, o arconte era responsável pelo serviço do vinho e administrava a dosagem de água para diluir a bebida. Os pratos à base de aves eram os mais apreciados nos banquetes, com serviço de faisões, perdizes, codornas, gansos, patos e galinhas. O chef que preparava o banquete de um simpósio recebia grande reconhecimento. A estrutura dos banquetes e do symposion serviu de modelo e inspirou outras civilizações antigas no serviço das refeições, nas assembleias, no entretenimento e em qualquer evento que envolvesse o agrupamento de pessoas de uma sociedade. Roma Antiga e sua contribuição no processo histórico da alimentação A gastronomia na Roma Antiga é semelhante à de outras civilizações mediterrâneas, apresentando principalmente traços da culinária grega. No início de sua formação, em 753 a.C., Roma situava-se na península Itálica e suas principais atividades eram a agricultura e a criação de animais, frutos de suas terras férteis. O desenvolvimento do Império Romano se deu a partir do século V a.C., quando iniciou sua expansão, conquistando territórios em toda a extensão mediterrânea, incluindo as terras pertencentes à Grécia e ao Egito. Os romanos almejavam a expansão territorial, enquanto a Grécia levantava questões políticas, filosóficas e intelectuais. Os romanos assimilaram muitos assuntos do âmbito de conhecimento grego, inclusive na gastronomia. À medida que o Império Romano se expandia, iguarias e outros insumos eram trazidos para Roma. Mercados públicos espalhados por todo o território favoreciam a trocade alimentos. Em seu apogeu, sua culinária foi considerada a primeira cozinha internacional na Europa. Entretanto, as extravagâncias e os excessos cometidos pelos romanos precipitaram a derrocada desse grande Império. As técnicas de preparação dos alimentos foram desenvolvidas com a utilização de instrumentos e equipamentos mais sofisticados. A valorização dos cozinheiros e as estruturas das refeições servidas nos banquetes formam parte do legado deixado pela gastronomia romana. HÁBITOS ALIMENTARES NA ROMA ANTIGA A Roma Antiga era essencialmente agrária. Acreditavam que quanto mais simples a refeição, mais saudável seria, e os alimentos frescos eram os de melhor qualidade. Verduras e hortaliças formavam a base da alimentação camponesa. Havia abundância de legumes, favas, lentilhas, feijões, couves, rábanos e ervas de todos os tipos, e a alface era consumida por todas as classes. Também consumiam muitas frutas, como uvas, figos e ameixas. Em quase todas as habitações romanas havia uma horta, mesmo nas cidades. Os produtos obtidos da terra cultivada eram denominados fruges. Os animais criados em rebanho eram conhecidos por pecudes. Os romanos acreditavam que os alimentos consumidos poderiam produzir saúde ou degenerar o corpo. Os fruges geralmente representavam vida, continuavam vivos mesmo quando colhidos, então quando consumidos seriam transformados em sangue, ossos e músculos. Os pecudes eram animais dotados de vida que já estariam em deterioração, e quando abatidos, sua carne seria rapidamente corrompida. No corpo humano, essa carne continuaria a apodrecer no ventre e sairia de forma pútrida, sem acrescentar nenhum benefício a quem a consumiu. A única carne animal que poderia ser conservada em gordura e sal era a carne de porco, animal menos nocivo à saúde. Mangolini (2015) nos conta que o pulmentum – guisado de cereais acompanhado de pão, que saciava os menos abastados – era uma especialidade camponesa e tornara-se a base da alimentação diária. Foi originado da receita dos puls, papa feita de diversos cereais acrescidos de farinha de grão-de-bico, queijo, mel e ovos. As polentas foram inspiradas nessa técnica culinária. As plantações de oliveiras eram essenciais para se extrair o óleo das azeitonas, bem como as parreiras eram fundamentais para a produção dos vinhos. Os cereais eram cultivados principalmente para a extração de farinhas para pães. Os pães eram produzidos somente nas casas de aristocratas pelos padeiros gregos que dominavam esta técnica. Portanto, os pães se tornaram objeto de desejo dos mais pobres, que não possuíam fornos em casa. EXPLICANDO No auge do Império Romano, no século I, a solução encontrada pelos imperadores para manter a ordem diante da população carente que se revoltava foi oferecer pão e espetáculos ao ar livre, chamados de circo. Dessa forma, ficou instituída a famosa política do “pão e circo”. Flandrin e Montanari (2018) afirmam que os romanos já reconheciam que as proteínas tinham fundamental importância para a saúde, porém levavam o nome de obsonium. O ovo era a fonte de proteína consumida habitualmente, porém o obsonium mais desejado era a carne, sendo as mais comuns as de porco, cordeiro, cabrito e galinha. O gado bovino era muito raro. Entretanto, o consumo de carne de animais domesticados ocorria somente quando eram sacrificados em rituais, uma vez que não era permitido que estes animais fossem apenas abatidos, cortados e preparados na refeição. Já os animais selvagens e os peixes poderiam ser caçados ou pescados e não se exigia o ritual do sacrifício. Toda refeição festiva romana deveria servir carnes. A cena era o banquete em que as carnes eram servidas, significava “local de partilha”. Também eram dispostos alimentos extraídos da terra. O queijo feito com leite de cabra era um importante obsonium consumido nos desjejuns e nas refeições no meio do dia, tanto na cidade quanto no campo. O sal foi uma das bases para o fortalecimento do Império Romano. O domínio dos mares do Mediterrâneo possibilitou aos romanos o controle de mais de 60 salinas. O sal era utilizado como tempero e conservante, complemento fundamental para a alimentação de todas as classes sociais, inclusive de animais. O termo “salada” surgiu da necessidade de se acrescentar sal para reduzir o amargor de algumas verduras, prato que consta nas refeições do mundo todo. Os romanos tomavam três refeições principais, como os gregos. O jentaculum era o desjejum, onde consumiam um pedaço de pão embebido em vinho ou mel, também poderia ter azeitonas e queijo. O prandium ou cibus meridianus era a refeição próxima ao meio-dia, e a cena era a ceia que ocorria à noite, sendo a principal refeição do dia, onde eram servidos pratos elaborados com diversas carnes, leguminosas, vegetais e frutas. No prandium eram consumidos apenas alimentos necessários para a nutrição do corpo durante o dia, não era obrigatório e podia ser feito solitariamente. As cenas ocorriam em companhia da família ou de amigos, em um momento de lazer. Os homens poderiam fazer as refeições deitados, as mulheres deveriam permanecer sentadas, sempre em local coberto. Cada sala de jantar abrigava em torno de 12 pessoas e poderiam ter várias salas no local. Sempre era um momento de confraternização festiva, porém sem o luxo dos gregos. Os alimentos servidos na cena deveriam agradar ao paladar e aos prazeres da gula. As carnes sacrificadas eram as iguarias mais apreciadas, e mesmo sendo indigestas ao corpo, eram consumidas por prazer. Pães, cogumelos e legumes como aspargos eram oferecidos em abundância. Nos banquetes, os vinhos eram consumidos, porém não possuíam caráter religioso. As tavernas romanas recebiam os viajantes e homens humildes, e eram lugares de confraternização popular que serviam bebidas, principalmente o vinho, e refeições como guisados, carnes e peixes salgados. TÉCNICAS DE PREPARO DOS ALIMENTOS NA ROMA ANTIGA O desenvolvimento das técnicas de preparo de alimentos ocorreu juntamente com a valorização das profissões relacionadas à alimentação. Conforme o profissional se especializava em determinada área da cozinha, era capaz de desenvolver as técnicas necessárias para que conseguisse resultados satisfatórios no preparo de suas iguarias. Com isso, criaram também utensílios para uso em funções específicas. As funções de padeiro e de cozinheiro tinham cada vez mais importância na sociedade. Muitos cozinheiros passaram de escravos para personalidades respeitadas. A cozinha era organizada conforme uma hierarquia, onde a função do cozinheiro chefe era controlar o fogão. O cozinheiro assistente era responsável por moer o trigo e preparar as massas e recheios. O pistor era responsável por selecionar os ingredientes, realizar as compras e armazená-las. O proegustador era responsável por provar os pratos preparados, de forma a garantir que não estivessem envenenados. Os romanos se preocupavam em criar receitas que agradassem ao paladar. Costumavam preparar pratos com molhos elaborados acompanhados de muitos temperos. Apreciavam os sabores agridoces e isso estava presente nas combinações dos ingredientes dos pratos, como as carnes que eram cozidas e adoçadas com mel. Todos os alimentos passavam por alguma forma de cocção antes de serem consumidos. Costumavam realizar preparações assadas, cozidas, ensopadas e algumas vezes recheadas. Os diferentes tipos de cozimento exigiam o uso de recipientes adequados, como caldeirões para cozidos, frigideiras com borda fina para fritura em óleo e travessas de cerâmica para assados em forno. Os romanos desenvolveram as técnicas de charcutaria, originadas quando necessitavam conservar a carne de porco em gordura e sal. Estas carnes apresentavam maior durabilidade e eram as mais apropriadas para uma digestão eficaz. Para preparar os alimentos assados, existiam os fornos coletivos que estavam espalhados pela cidade para usoda população mais pobre que não possuía fornos ou fogões em casa devido ao espaço restrito. Os fornos geralmente eram construídos em tijolos e barro, com abertura para a lenha ou carvão. Nas casas dos aristocratas existia uma pequena cozinha, onde era possível preparar seus alimentos, inclusive assados. Para levar os alimentos à mesa, utilizavam utensílios de cerâmica de diversas formas e tamanhos. Os romanos utilizavam uma espátula feita de madeira e marfim, o cocheare, que servia para pegar alimentos de consistência líquida, como uma colher. Existem relatos da gastronomia da Roma Antiga no famoso manuscrito de Apício, que provavelmente foi conselheiro do imperador Nero. O De re coquinaria é uma coletânea de mais de 400 receitas, considerado o livro de receitas mais antigo da Europa. Revela as técnicas para a elaboração de molhos concentrados, muito utilizados em sua época, e reduções à base de vinho. Também descreve formas de conservação de carnes e peixes, inclusive os procedimentos para a preparação do patê de fígado de ganso. BANQUETES ROMANOS Os banquetes romanos ofereciam grande fartura de alimentos, com preparações elaboradas e exóticas. Porém, não ostentavam tanta luxuosidade, como na Grécia. Os banquetes recebiam o nome de convivium. Os convivia ocorriam nos mesmos horários da cena, começando por volta das cinco horas de tarde, se prolongando até o anoitecer. Eram eventos festivos, com o propósito de confraternização ou reunião social. Uma das ocasiões festivas era o Ano-Novo, comemorado conforme o calendário egípcio, por volta do século I a.C. Chaves e Freixa (2017) explicam que o cardápio de um convivium era organizado em três serviços, originando a estrutura das refeições com serviços em várias etapas, conforme a estrutura dos alimentos. Primeiramente, o gustatio servia algumas entradas, como ovos, azeitonas, saladas, pães e vinhos. O segundo serviço era o mensae primae, a cena propriamente dita, composta por uma carne de sacrifício macia e suculenta, geralmente de porco, e carnes de caça, aves e peixes ao molho, sendo pratos mais consistentes. As ostras eram oferecidas como iguarias mais sofisticadas. Ao final, era servido o mensae secundae, onde eram servidas frutas frescas, secas ou em conservas, doces e bolos. Para concluir o banquete, também poderiam oferecer mariscos e pequenos pássaros. Era servido um molho agridoce de peixe e mel que acompanhava quase todos os pratos, denominado garum. Também havia variações de molhos espessados com amêndoas, pinhões, avelãs, ovos cozidos ou pães. As omeletes eram servidas ao final das refeições, originalmente preparadas com mel. As bebidas dessas ocasiões eram o vinho e o hidromel. Os vinhos romanos eram predominantemente brancos, menos encorpados que o dos gregos, entretanto raramente eram diluídos em água. O hidromel é uma bebida fermentada à base de água e mel, considerada a mais antiga bebida alcóolica do mundo. No auge do Império Romano, a elite servia alimentos cada vez mais exóticos e inusitados nos banquetes, como trombas de elefante, carne de girafa, patas de ganso, cabeça de papagaio e ratos selvagens. A alimentação em excesso tornou- se compulsiva, e em algumas casas foram criados “vomitórios” para que os convidados pudessem se aliviar e voltar a comer mais durante os banquetes. Um convivium bem-sucedido criava o prazer alimentar e reforçava os laços entre os convidados e os anfitriões. A receita de lombo de porco ao molho de vinho que veremos a seguir é uma preparação tradicional italiana, bastante sofisticada e servida como prato principal. O molho de vinho remete às reduções à base de vinho que acompanhavam as iguarias nos banquetes romanos. A receita do filetto di maiale con salsa al vino foi adaptada do portal de gastronomia Giallo Zafferano. Receita de filetto di maiale con salsa al vino // Rendimento: 4 porções // Ingredientes para o lombo: 460 g de lombo de porco; 50 g de manteiga; 1 ramo de alecrim; 1 ramo de sálvia; Azeite de oliva extravirgem; Pimenta-do-reino; Sal. // Ingredientes para o molho de vinho tinto: 250 ml de vinho tinto seco; 25 g de manteiga; 1 ramo de alecrim; Zestes de 1 limão; 1 cebola roxa; Pimenta-do-reino; Sal. // Modo de preparo do molho de vinho tinto: Pique finamente a cebola roxa; Em uma panela, coloque o vinho, adicione a cebola, o alecrim, as zestes de limão e o sal. Deixe reduzir por aproximadamente cinco minutos, em fogo baixo; Adicione a manteiga e emulsione bem; Retire do fogo e reserve. // Modo de preparo do lombo de porco: Corte o lombo em fatias, obtendo quatro filés. Tempere-os com sal; Em uma frigideira sauteuse, coloque o azeite e a manteiga, aromatizando-os com a sálvia e o alecrim. Aqueça-os até que a manteiga se dissolva; Doure os filés em fogo alto, virando-os no azeite até que todas as partes estejam douradas. Adicione grãos de pimenta-do-reino; Passe a redução do molho de vinho tinto por uma peneira; Coloque os filés de lombo sobre o prato, e sobre eles o molho de vinho tinto; Como acompanhamento, sirva polenta ou purê de batatas. Hábitos alimentares na Idade Média O berço da gastronomia ocidental teve sua base constituída na Antiguidade Clássica, por meio do relacionamento entre os povos que habitavam a região mediterrânea. As concepções atuais da gastronomia, tanto orientais quanto ocidentais, estão pautadas nas experiências alimentares dessa época. No ano de 476, tem início a Idade Média, marcada pela queda do Império Romano. Durante este longo período, muitos hábitos da herança greco-romana ficaram esquecidos na Europa, como o requinte à mesa, o desenvolvimento das técnicas de cozinha e os grandes banquetes. A partir do século V, com a desagregação e queda do Império, a sociedade era basicamente agrícola, com uma economia voltada para a subsistência. A religiosidade caracterizada pela Igreja Católica ditou os costumes da época. O período compreendido pela Idade Média durou até o ano de 1453, quando os turcos tomaram a cidade de Constantinopla. A maior cultura gastronômica medieval se concentrou nos mosteiros, enquanto o restante da Europa mantinha uma alimentação rústica. Os hábitos alimentares eram caracterizados por diferenças entre os alimentos consumidos pelos camponeses, formados pelos servos, e pelos senhores feudais, classe social dominante. O clero, representado pela Igreja Católica, detinha poder, influenciando a cultura e o conhecimento e, consequentemente, a gastronomia. A partir do desenvolvimento das cidades e do comércio com o Oriente, principalmente com os povos árabes e bizantinos, a sofisticação e o requinte foram retomados no final da Idade Média. A INFLUÊNCIA DO CLERO NA ALIMENTAÇÃO NA IDADE MÉDIA Durante a Idade Média, os mosteiros foram fundamentais para a preservação do conhecimento clássico da gastronomia. Durante longo período, os sacerdotes eram os únicos letrados, portanto, os monges tinham como função a tradução e transcrição de manuscritos. Também eram responsáveis pelo cultivo de hortas e pomares e pela criação de animais. Ao clero, também cabia a função social de oferecer hospedagem e refeições aos peregrinos e nobres em suas viagens, pois por muito tempo os conventos foram os principais meios de hospedagem na Europa. Os alimentos servidos não eram requintados, mas preparados e servidos pela caridade, nas pequenas cozinhas dos conventos. A Igreja Católica ditava as normas alimentares de toda a sociedade. Conforme o estabelecimento de datas dos rituais cristãos, todos deveriam se abster de muitos alimentos, além da prática do jejum. O alimento mais apreciado era a carne, que não poderia ser consumida durante o período da quaresma, na semana santa e em outras datas estabelecidas. Durante os períodos de abstenção de carne, a substituição era feita com peixe, especialmente o salmão, o bacalhau, a truta e o arenque.Aumentava o consumo de queijos, ovos e frutas secas. As gorduras de origem animal também não poderiam ser utilizadas, assim, o azeite de oliva era empregado em todas as preparações. As técnicas gastronômicas foram desenvolvidas nos monastérios, onde os frades cozinheiros produziam seus receituários. Chaves e Freixa (2018) afirmam que existem registros de que a clássica receita do faisão à Alcântara, prato muito sofisticado com recheio de foie gras e trufas cozidas no vinho, já fazia parte da alimentação espanhola. Em todas as classes sociais, era comum o consumo de muitas variedades de sopas. Nos mosteiros e conventos eram preparadas sopas de peixe, toucinho, abóbora, espinafre, beterraba, amêndoas e até vinho. Os monges tinham uma alimentação farta, com exceção dos dias em que praticavam o jejum. Em datas festivas, como o Ano-Novo, consumiam pratos de arroz com leite e amêndoas, pão ralado com ovos batidos, peixe fresco, queijo e pastéis com mel. Os pães eram produzidos somente nos monastérios e nos castelos, uma vez que os modelos de padarias romanas não existiam mais. Os senhores feudais cobravam de seus servos para assar seus pães nos fornos dos castelos. As mais significativas contribuições da Igreja para a alimentação estão no segmento da criação de bebidas e aperfeiçoamento das técnicas de fabricação e maturação dos queijos. Alguns queijos nasceram e foram apurados em abadias medievais, como muitos queijos franceses. Os cuidados na formulação, as leveduras utilizadas na fermentação do leite, a maturação e a conservação de queijos tradicionais fazem parte de processos empregados até hoje por freiras em conventos. Os monges eram mestres na elaboração de bebidas, especialmente os licores, sendo que a combinação de ervas e especiarias em suas receitas se mantém em sigilo. Originalmente, essas preparações deveriam apresentar propriedades curativas. Também cultivavam maçãs para a produção de sidra, além do malte para a fabricação de cervejas. Houve um período em que o monge Arnold, da ordem beneditina, incentivava o consumo de cerveja para evitar as moléstias causadas pela contaminação da água. Refinaram o processo de fabricação da cerveja, quando a água deveria ser esterilizada, e usavam como matéria-prima o malte, o centeio e a cevada, além de leveduras e ervas aromatizantes. Neste período, o lúpulo foi incorporado à produção da cerveja, conferindo a característica de amargor à bebida. Nos mosteiros, grande parte do terreno era destinada ao cultivo das vinhas e da produção do vinho. O vinho era consumido nas missas e nos rituais católicos, além de ter grande poder nutritivo. Acreditava-se que o vinho também tinha propriedades digestivas, por isso era a principal bebida a acompanhar as refeições. Até o final da Idade Média, a viticultura já era praticada em quase todas as propriedades, que estavam equipadas para a produção de vinho em pequena escala. CONTINUE HÁBITOS ALIMENTARES DOS CAMPONESES Chaves e Freixa (2017) relatam que a cozinha camponesa era rudimentar, baseada nos alimentos provenientes da terra. A principal técnica de preparo era o cozimento de legumes, cereais e vegetais, que formavam ensopados e sopas, posicionando um caldeirão sobre brasas no chão. As sopas costumavam ser acompanhadas de pão, e a origem da palavra “ensopado” significa “caldo que se come com pão”. Entretanto, os pães dos camponeses eram muito diferentes dos preparados pela nobreza e pelo clero. Como não possuíam fornos, os servos assavam seus pães em placas de terracota. A massa era feita com cereais, como cevada, centeio e espelta, caso não houvesse boa colheita, utilizavam farinha de leguminosas. Esses pães endureciam rapidamente, originando o hábito de mergulhá-los em vinho, água ou caldo para que pudessem ser consumidos mais facilmente. As sopas constituíam a principal refeição dos vassalos. Tinham como matéria-prima os vegetais e legumes que pudessem cultivar ou que estivessem disponíveis na estação. Utilizavam a banha de porco no preparo e raramente acrescentavam alguma carne de caça ou carne salgada para encorpar o prato. Eram criados porcos, carneiros, ovelhas e cabras nos campos. A carne mais consumida era a de porco, enquanto os outros animais eram preservados para a extração do leite (usado na fabricação de queijos) e da lã. A carne de porco era consumida fresca durante o inverno e salgada, em produtos da charcutaria, durante o verão, pois poderiam ser conservadas por mais tempo. Em alguns locais, eram criados gansos e galinhas, também servidos como alimento. HÁBITOS ALIMENTARES NA SOCIEDADE FEUDAL A nobreza na Idade Média não ostentava luxo, mesmo nos castelos que eram habitação dos senhores feudais. A diferença entre as classes sociais era percebida através da alimentação, onde a abundância de comida estava sempre presente na mesa dos mais abastados. A carne era a iguaria mais nobre e cobiçada no período medieval. Habitualmente, a carne de porco era a mais consumida, também pela nobreza. Em festividades, eram servidas carnes de caça, como javalis e aves. Os senhores feudais proibiam os camponeses de caçarem animais selvagens quando percebiam o risco de extinção desses animais. Dessa forma, a carne selvagem expressava o domínio e poder das classes favorecidas. As técnicas de cocção também eram simples, pois não existiam muitos recursos culinários. Nos castelos, havia cozinheiros que cortavam as carnes de caça e as assavam em espetos sobre a brasa em lareiras, sendo que deveriam ser girados manualmente para que a carne fosse assada igualmente. As aves eram colocadas inteiras nos espetos, preparadas através do mesmo método. Ao final da Idade Média, o fogão surgiu como o principal equipamento, construído com tijolos e situado no centro da cozinha. Na mesma época, por volta do século XIII, a função do cozinheiro foi retomada como um profissional especializado. Dessa forma, técnicas de preparo que estavam em desuso foram reintegradas à gastronomia, como as frituras, os grelhados e o cozimento de forma lenta. Também foi retomado o hábito de se utilizar utensílios específicos conforme a técnica de preparo, como caçarolas, frigideiras e grelhas. Flandrin e Montanari (2018) relatam que a preparação de molhos também ressurgiu, elaborados com grande variedade de ervas, especiarias e condimentos. Quanto mais ingredientes raros presentes nos pratos, mais nobre seria um alimento. O comércio com o Oriente trouxe novos sabores e aromas e acrescentava luxuosidade à mesa, realçando o sabor de alimentos já conhecidos no Ocidente. A elite apreciava os molhos agridoces, muito condimentados e com forte sabor. Assim, utilizavam como matéria-prima para os molhos o vinagre, o suco de limão e o vinho, conferindo acidez; o açúcar (considerado especiaria na época), conferindo doçura; e condimentos em excesso, como pimenta-do-reino, cardamomo, cravo, canela, açafrão e gengibre. O verjus era um molho ácido composto por vegetais, como brotos de feijão ou folhas de parreira, suco de limão ou de laranja e maçã, aromatizado com hortelã, romã ou água de rosas. Ainda continha grande variedade de especiarias e condimentos, como pimenta, gengibre, canela, cravo, vinagre, mostarda, alho e açúcar. A alimentação em abundância era sinônimo de poder e status na Idade Média, o serviço e a apresentação da fartura eram mais significativos do que o sabor dos pratos. Os banquetes medievais da nobreza tinham como objetivo formar alianças políticas e comerciais, e poderiam se estender por dias seguidos. A partir do século VIII, a sofisticação e o luxo foram retomados pelo imperador Carlos Magno, que apresentava grande variedade de pratos e ordens no serviço da alimentação em seus banquetes, onde ocorriam espetáculos teatrais para entreter os convidados, que nesse período já tomavam as refeições sentados. Os pratos eram dispostos sobre as mesas dos banquetes e os comensais se serviam com as mãos ou com uma facaauxiliar para o corte de carnes. Havia uma espécie de colher (que poderia ser feita de pão) para tomarem caldos e sopas. Também começaram a ser utilizadas toalhas de mesa brancas, que os convidados acabavam utilizando para limpar as mãos e bocas. A sobremesa era servida após a retirada da louça do jantar, e eram apreciados bolos, frutas e cremes de ovos e nozes. Com o surgimento das cidades e a intensa atividade comercial, quem era especializado em alguma função começou a se organizar em corporações de ofícios, principalmente na arte da alimentação. Surgiram corporações de ofício de padeiros, cozinheiros, confeiteiros, açougueiros, peixeiros e charcuteiros. O objetivo dessas corporações era controlar o valor dos salários e dos produtos produzidos, garantindo também a venda da produção, de forma a evitar a concorrência desleal dentro da classe. CONTRIBUIÇÃO DOS ÁRABES NA GASTRONOMIA EUROPEIA A evolução gastronômica na Europa recebeu grande influência dos povos árabes, que estavam em intensa expansão no final da Idade Média, motivados pelo islamismo. Com suas conquistas territoriais, em 1453, os turcos tomaram o poder em Constantinopla, marcando o final da Idade Média. Constantinopla possuía localização estratégica (local onde hoje se encontra a cidade de Istambul, na Turquia), nos limites entre o Oriente e o Ocidente. Obrigatoriamente, as embarcações e caravanas comerciais atravessavam a cidade, onde passavam, além de pedras preciosas e seda, os mais importantes alimentos. Os árabes introduziram na Europa alimentos provenientes da Ásia, da Índia e do norte da África, como açúcar, mel, trigo sarraceno, noz-moscada e gengibre. A apresentação do arroz e do açafrão foram combinados com elementos regionais e originaram pratos conceituados, como a paella, na Espanha. A apreciação da acidez presente nas laranjas e limões ressurgiram na Sicília e na Espanha, trazidos da Ásia pelos árabes no século VIII. Os preceitos do islamismo ditavam regras também em relação à alimentação. Na celebração do Ramadã os muçulmanos devem permanecer em jejum desde a alvorada até o pôr do sol. Ao final deste período, as famílias se reúnem para o farto jantar denominado iftar. Antigamente, eram servidos pratos como lombo de cordeiro, charutos de folha de uva e berinjelas recheadas com arroz e carneiro. As sobremesas, bem como a utilização do açúcar, influenciaram a arte da confeitaria europeia, principalmente na preparação das massas de doces (CHAVES; FREIXA, 2017). A alimentação era muito equilibrada, e os árabes estavam habituados a ingerir pequenas porções de alimentos, conhecidas como mezzés. Os mezzés poderiam ser acompanhados por pães árabes e originaram o hábito do consumo de pequenas entradas, como as tapas espanholas e os antepastos italianos. Em seu cotidiano, costumavam realizar preparações à base de coalhada seca, queijos, carne de cordeiro, cereais, grãos, frutas secas e cereais. Os doces de origem árabe mais reconhecidos até os dias atuais são os torrones, doces com mel e amêndoas e doces com frutas secas diversas. O tradicional arroz-doce era uma receita árabe de arroz com leite. Além disso, os árabes extraíam essências de frutas e flores para aromatizar os pratos. Essa civilização dominava o preparo das massas secas, introduzindo no sul da Itália esta técnica antiga de produção, que foi intensificada na Sicília por suas condições climáticas e grande fartura de grãos de trigo para extração da farinha. A proibição do consumo de bebidas alcoólicas pelo islamismo difundiu o consumo do café, bebida originária de uma província africana. O café foi muito apreciado pela Europa, chegando rapidamente ao continente americano. O café turco é mais encorpado, feito com moagem extrafina de grão de torra média, aromatizado com especiarias, e não deve ser coado, é preparado em um cezve, conforme podemos observar na Figura 5. Os árabes também introduziram o hábito do consumo do cuscuz no sul da Europa, produzido a partir da sêmola de cereais, caldo de carne ou legumes, e carnes, principalmente a carne de cordeiro. Originalmente, esta iguaria era consumida no norte da África. A receita do cuscuz marroquino com legumes (Figura 6) foi adaptada do site do programa Cozinha Prática, conforme preparada pela chef Rita Lobo. Receita de cuscuz marroquino com legumes // Ingredientes: 1 xícara (chá) de cuscuz marroquino; 1 cenoura; 3 xícaras (chá) de abóbora japonesa cortada em cubos; 1 e ½ xícara (chá) de grão-de-bico cozido; 1 cebola; 2 dentes de alho; 2 folhas de louro; 1 ½ colher (chá) de páprica; 6 ramos de coentro; ½ xícara (chá) de castanha-de-caju torrada, picada grosseiramente; Azeite a gosto; Sal e pimenta-do-reino moída na hora, a gosto; Iogurte cremoso (suficiente para acompanhamento); Folhas de hortelã; Folhas de coentro. // Modo de preparo: Descasque a cenoura e passe pela parte grossa do ralador. Descasque a cebola e os dentes de alho. Corte a cebola em cubos de 1 cm e pique fino o alho. Em uma chaleira, leve um pouco mais de 2 xícaras (chá) de água ao fogo alto para ferver; Leve uma frigideira grande (ou panela) ao fogo médio para aquecer. Regue com 3 colheres (sopa) de azeite, acrescente a cebola, tempere com uma pitada de sal e refogue por dois minutos até murchar; Junte a cenoura, tempere com uma pitada de sal e refogue por mais dois minutos. Acrescente a abóbora picada e refogue por dois minutos até começar a mudar de cor (não refogue a abóbora por muito tempo para evitar que desmanche); Adicione o alho e o louro, tempere com a páprica, pimenta a gosto e mexa por um minuto. Junte o cuscuz marroquino e tempere com 1 colher (chá) de sal, 1 colher (sopa) de azeite, misturando bem; Meça 2 xícaras (chá) da água fervente e regue sobre o cuscuz. Misture delicadamente e desligue o fogo. Tampe a frigideira e deixe o cuscuz hidratar por cinco minutos. Enquanto isso, escorra o grão-de-bico em uma peneira. Lave, seque e pique grosseiramente as folhas de coentro; Passados os cinco minutos, solte o cuscuz marroquino com um garfo, junte o grão-de-bico, metade da castanha e o coentro picado. Misture delicadamente e sirva a seguir, polvilhado com o restante da castanha, folhas de coentro e de hortelã a gosto e iogurte cremoso. Se preferir, sirva frio. A alimentação e sua simbologia Todas as culturas ancestrais foram responsáveis pela celebração de rituais envolvendo a alimentação. Os alimentos possuem significados e simbolismos em todas as tradições ao redor do mundo e estiveram sempre presentes quando os humanos se reuniam para confraternização ou comemoração de algum evento ou data específica. Acima de tudo, os alimentos eram símbolos de poder e superioridade. Quanto mais raro ou caro fosse um alimento, maior o status social e poder do anfitrião, conforme foi observado no tópico sobre Roma Antiga. A quantidade e variedade de alimentos servidos também representavam as origens sociais e econômicas em uma comunidade. A mitologia grega faz referência ao culto dos deuses em troca de abundância, proteção e alimentos. Quando celebravam e preparavam os rituais, os homens se aproximavam dos deuses. As regras para a alimentação judia, por exemplo, são rigorosas e estão relacionadas à religiosidade. Existem alimentos que são proibidos para o consumo e outros que devem ser ingeridos apenas em celebrações de festividades, com sua origem repleta de significados. C MITOLOGIA GREGA E ALIMENTAÇÃO Os gregos cultuavam várias divindades, que, segundo suas crenças, viviam reunidas no Olimpo se entretendo com as histórias dos homens, comendo e bebendo em um eterno banquete. Cada deus era cultuado por um dom e sua história era narrada através de mitos. A mitologia grega justifica a origem de muitos alimentos. Segundo a mitologia, Cécrope, fundador da cidade de Atenas, trouxe do Egito a oliveira e ensinou seu povo a arte da extraçãodo óleo de oliva, iniciando a agricultura na região. A lenda diz que, a deusa da sabedoria, Atena, entrou em uma disputa com Poseidon e venceu quando ofertou a ele uma oliveira, que seria fonte de alimentação do povo ateniense. O simbolismo antigo atribui às uvas e ao vinho poderes regenerativos, além de sua principal finalidade, que era aproximar os homens e as divindades. Durante os rituais nos banquetes e simpósios, o deus Dionísio era invocado, representado pelo vinho. O consumo da bebida permitia que os deuses possuíssem o corpo dos humanos. Dessa forma, Dionísio tornou-se a divindade mais cultuada. A deusa Afrodite, simbolizando o amor e a fertilidade, teria nascido das águas do oceano, surgindo dentro de uma concha. Por isso, os primeiros alimentos afrodisíacos eram oriundos do mar, como as ostras. Depois, outros alimentos receberam o significado da fertilidade, como as sementes e os grãos, que fortalecem o corpo e melhoram o desempenho físico. Deméter era a deusa da fecundidade, venerada pelos agricultores para que garantisse uma boa colheita. A deusa também era responsável pela fertilidade das mulheres. O symposion era a reunião onde havia a celebração dos rituais em devoção aos deuses, quando eram consumidas carnes de sacrifícios e vinho, mantendo os humanos mais próximos das divindades. Os antigos romanos possuíam deuses semelhantes aos gregos em sua mitologia, apenas assumindo denominações diferentes. O mais famoso e cultuado foi Baco, representado pelos gregos na figura de Dionísio. Para os romanos, Vênus é considerada a deusa do amor e da beleza, correspondente à Afrodite, para os gregos. FIGURAS SIMBÓLICAS NO CONSUMO ALIMENTAR ROMANO Flandrin e Montanari (2018) afirmam que a alimentação dos romanos é uma forma de linguagem que serve para situar cada um em seu lugar na sociedade. Economicamente, as funções simbólicas da alimentação eram nutrir os cidadãos e celebrar festividades religiosas. Como o trigo era considerado um alimento essencial, deveria ser comercializado a preço de custo. Os vinhos, alimentos de banquete e carnes de sacrifício não tinham valor controlado, portanto, apenas as classes nobres tinham acesso a estes produtos, salvo em datas festivas, quando as carnes tinham preço reduzido para que toda a população pudesse realizar seus rituais. Diariamente, os romanos tomavam duas refeições simbolicamente opostas. O prandium deveria servir de alimento para o corpo, quando consumiam o mínimo necessário para terem energia para realizarem suas tarefas. A cena servia de alimento para a alma, onde imperava a satisfação dos prazeres da gula. O vinho era uma bebida especial, porém possuía significado diferente para os antigos romanos e para os gregos, que acreditavam que a bebida tinha o poder de permitir que os deuses possuíssem o corpo de quem o tomasse. O vinho assume caráter ritualístico com o surgimento do cristianismo, quando simboliza o sangue de Cristo derramado para a salvação dos pecadores. O ato de tomar o vinho em rituais cristãos tinha a função de purificar a alma. O pão passou a ter caráter simbólico difundido pela Igreja Católica quando passou a ser utilizado nas liturgias. Ele representa o corpo de Cristo, a união entre os homens e o sagrado, o amor de Deus. O ato de repartir o pão era símbolo de caridade ao próximo. A Igreja Católica acreditava que a importância dos alimentos era similar a uma pirâmide. Em sua base estavam os alimentos mais próximos da terra, de menor importância, considerados corrompidos. Em oposição, no topo estavam as aves, que voam nos céus e estão mais próximas a Deus. Durante as comemorações do Ano-Novo, era comum entre os romanos a troca de porções de mel ou de figos e tâmaras com mel, acreditando-se que este ato traria boa sorte para o ano que se iniciava. CON O SIMBOLISMO NA ALIMENTAÇÃO JUDAICA Os hebreus eram nômades que vivam na região da Mesopotâmia, originando o judaísmo, por volta de 1800 a.C. Em nome da crença em um único deus, os hebreus peregrinaram em busca da terra prometida e passaram por períodos de escassez muito longos, além de serem escravizados quando chegaram ao Egito. As leis que regem esta cultura provêm da Torá, mandamentos recebidos pelo líder Moisés diretamente de Deus. Aqui também estão escritos os princípios da alimentação judaica, denominada kosher, onde estão escritos os alimentos apropriados para o consumo. A alimentação kosher encontra sua justificativa na simbologia apresentada nas escrituras sagradas. Algumas regras proíbem o consumo de carne de porco, pois os animais com casco fendido são considerados impuros. Também não podem consumir carnes e alimentos derivados do leite na mesma refeição, pois a lei sagrada determina que o cabrito não pode ser cozido no leite de sua mãe. Os equipamentos e utensílios de uso culinários também devem ser separados para carnes e leite e derivados, para que um não contamine o outro. Todo o sangue das aves e dos mamíferos devem ser retirados do animal antes do corte da carne, pois o sangue representa a vida, portanto aprisiona a alma. Também só é permitido que consumam peixes que possuam escamas e barbatanas, ficando proibido alimentar-se de frutos do mar. Os peixes tinham o significado da fertilidade, as esposas recém casadas deveriam atravessar por cima de uma bandeja de peixes, para que fosse tão fecunda quanto eles. Chaves e Freixa (2017) explicam que a Páscoa judaica, o Pessach, é um ritual que reúne as famílias durante oito dias para comemorar a libertação do povo hebreu do Egito, o período do êxodo. Cada alimento servido possui uma simbologia, remetendo ao tempo de sofrimento e escravidão. O keará é um prato cerimonial com divisões, onde cada parte representa um sofrimento, relacionado a alimentos de sabor amargo. O matzá é o pão da fé, sem fermento e de formato achatado, representando a fuga dos judeus do Egito, sem esperar tempo necessário para o crescimento da massa do pão. Nos outros dias, é proibida a presença deste pão nos lares. Os ovos representam o renascimento, enquanto o aipo é servido em sinal de tristeza e a alface simboliza a alegria, distribuída no final da Páscoa. O pão ázimo (matzá) é o pão sem fermento e de formato achatado, que deve ser preparado rapidamente para que não cresça. Toda a massa deve ir ao forno antes de 18 minutos, evitando sua fermentação natural. A receita do pão ázimo foi adaptada do portal Judaísmo na Prática. // Receita de pão ázimo // Ingredientes: 2 xícaras (chá) de farinha de trigo; 1/3 de xícara (chá) de azeite de oliva; 1/2 xícara (chá) de água; 1 colher (sobremesa) de sal. // Modo de preparo: Pré-aqueça o forno em temperatura máxima; Adicione água ao azeite. Acrescente a farinha de trigo e o sal até formar uma massa homogênea; Divida a massa em 12 partes e abra cada parte em superfície enfarinhada com o auxílio de um rolo, em espessura muito fina (quase transparente); Coloque em assadeira e leve ao forno a 220 °C por três minutos. Vire as massas e deixe assando por mais dois minutos; Retire a massa do forno e deixe secando para que fique crocante; Os pães devem estar levemente dourados. SINTETIZANDO Compreendemos a importância que a antiga civilização grega representou para o desenvolvimento da gastronomia. A base da alimentação na Grécia Antiga era composta por cereais, principalmente a cevada e o trigo para a preparação de pães. Os gregos foram os pioneiros no desenvolvimento da panificação artística, sendo considerados os melhores padeiros, até mesmo pelos romanos. Também foram responsáveis por desenvolver utensílios para uso culinário, segmentação e reconhecimento profissional de várias atividades no campo da gastronomia. Identificamos as características essenciais do ato das refeições gregas, que deram origem aos banquetes, onde as pessoas se reuniam para se alimentar e firmar acordos. Também eram realizadas apresentações artísticase musicais durante os banquetes, além da celebração de rituais religiosos em honra aos deuses. As carnes consumidas eram oriundas de sacrifícios e o vinho era a bebida mais apreciada, também ligada a uma divindade. Reconhecemos as discrepâncias entre os hábitos alimentares na Roma Antiga, pois a alimentação poderia ser utilizada para identificar as origens sociais das pessoas. A cozinha camponesa era rudimentar e agrária, caracterizada pelo consumo de cereais, enquanto as elites eram beneficiadas com o consumo de pães, carnes e fartura de alimentos. Também havia disparidade entre as refeições diárias - comiam pouco e alimentos muito simples no prandium e se fartavam durante as cenas, cercados pelos convivas da sociedade. Os banquetes romanos representavam sua suntuosidade com a grande variedade de alimentos e bebidas. Os romanos também valorizavam as profissões especializadas na cozinha e criaram técnicas de manipulação de alimentos desenvolvidas, como a charcutaria, que tinha como objetivo a conservação das carnes. Observamos os preceitos alimentares praticados durante a Idade Média, considerando que, primeiramente, sofreram um retrocesso em relação às grandes civilizações da Antiguidade. As maiores contribuições para o desenvolvimento gastronômico medieval foram conferidas à Igreja Católica, através do clero. Bebidas eram elaboradas nos mosteiros, assim como vinhos de qualidade e pratos complexos e saborosos. As refeições dos camponeses eram constituídas basicamente por sopa de legumes e vegetais, enquanto os senhores feudais promoviam fartos banquetes, com receitas que apresentavam técnicas de preparação pouco elaboradas, mas com muita variedade de carnes, consideradas as iguarias mais nobres. Analisamos como as influências das tradições árabes se expressaram na cozinha da Europa medieval. Os povos árabes possuíam uma alimentação mais comedida e balanceada. Introduziram os condimentos e especiarias na elaboração dos pratos, melhorando seus sabores e aromas. Os árabes também contribuíram para o reconhecimento do café, das massas secas e das técnicas de elaboração de sobremesas. Por fim, compreendemos as relações entre os alimentos e sua simbologia nas sociedades. A mitologia grega foi construída com base na relação direta entre os deuses e a alimentação, quando cada divindade era representada por um alimento, e cultuada nos symposion. Para os romanos, os hábitos alimentares refletiam as condições sociais e de poder na sociedade. Também assumiam caráter simbólico nas liturgias religiosas, marcantes no período após o cristianismo. A alimentação kosher dos judeus é relacionada à religiosidade, e os mandamentos divinos indicam quais alimentos devem ou não ser ingeridos. Durante as datas festivas, cada alimento possui representação simbólica nas refeições. O engenho e a cana-de-açúcar: hábitos alimentares A cozinha brasileira foi originada a partir da miscigenação entre as culturas indígena, portuguesa e africana. Parte da expansão marítima das antigas civilizações europeias, os portugueses realizavam navegações exploratórias que os trouxeram a terras brasileiras no ano de 1500. O seu objetivo era a conquista de novos territórios, e, sendo assim, a terra encontrada foi habitada por esse povo, que trouxe consigo suas tradições. Os habitantes nativos do Brasil eram os índios, que foram submetidos ao domínio dos colonizadores. O Brasil foi colonizado por Portugal até o século XVIII, quando conquistou sua independência. A gastronomia no Brasil é influenciada pelos índios com a utilização de insumos nativos. Entre os principais, estão os peixes, frutos, raízes e alguns cereais, especialmente o milho. Os portugueses trouxeram as tradições europeias nas técnicas de preparo dos alimentos, produção de doces e especiarias provenientes da comercialização com povos orientais. De Portugal herdamos o hábito da agricultura e criação de animais. Os povos africanos influenciaram a gastronomia com os condimentos sempre presentes em suas receitas. A partir do século XVII houve a implementação de engenhos para a produção e refinamento de cana-de-açúcar na região Nordeste. O açúcar era considerado uma especiaria muito sofisticada na Europa, portanto quando os portugueses encontraram no Brasil as condições climáticas e geográficas para o cultivo da cana-de-açúcar, viram um meio de levar riqueza à coroa portuguesa, com a exportação de açúcar. Dessa forma, analisaremos como o açúcar proporcionou o desenvolvimento da doçaria, com forte atuação portuguesa, mas que foi adaptada aos ingredientes nativos brasileiros. Para trabalhar nos engenhos, os colonizadores trouxeram a mão-de-obra escrava africana, iniciando mais essa interrelação cultural. Conheceremos os hábitos alimentares dos que viviam nos engenhos e da população que habitava o sertão nordestino. O ENGENHO DE AÇÚCAR NO NORDESTE O cultivo da cana-de-açúcar foi a primeira atividade econômica dos portugueses em terras brasileiras, iniciada em 1532. A atividade foi motivada pela excelente produtividade nos solos férteis da região do litoral nordestino, principalmente no atual estado de Pernambuco. O Brasil, sob o domínio de Portugal, tornou-se o maior exportador de cana-de-açúcar no mundo. Os engenhos eram as unidades que administravam desde a plantação da cana até a produção do açúcar. Os proprietários das fazendas destinadas à atividade açucareira eram conhecidos como senhores de engenho, e eram responsáveis pela exportação do produto. A casa dos senhores de engenho e suas famílias, nas fazendas, era conhecida como casa-grande, e era abastecida com produtos de suas hortas, pomares, galinheiros e currais. Os trabalhos com a cana-de-açúcar eram realizados nas moendas, que eram afastadas das casas. As moendas extraiam o caldo da cana e nas casas de purgar ele era depurado em uma caldeira. O açúcar era fabricado a partir da purificação desse caldo que, após fervido, era colocado em formas cônicas para secar, recebendo o nome de pão de açúcar. O melaço da cana é a parte mais grossa do caldo que passava por outras fases de calor até se transformar na rapadura, que se tornou importante elemento na alimentação nordestina (CHAVES; FREIXA, 2017). O trabalho nos engenhos de açúcar era realizado por africanos escravizados trazidos do continente africano. Podemos ver um exemplo de engenho na Figura 1. Nas fazendas, os escravos moravam nas senzalas, moradias coletivas, com construção simples, longas, sem janelas e que possuíam apenas algumas aberturas no teto para a ventilação. CONTEXTUALIZANDO Os escravos eram trazidos do continente africano, principalmente da região ocidental. Eram transportados dos navios negreiros em condições sub-humanas. Muitos chegavam ao país desnutridos, doentes ou morriam antes de desembarcar. Quando chegavam ao Brasil, eram comercializados como mercadorias em feiras localizadas nos portos. No período dos engenhos, a alimentação era muito variada, prevalecendo os insumos nativos. Já havia traços da fusão gastronômica entre os hábitos indígenas, portugueses e africanos, com alimentos típicos de cada cultura figurando nas refeições. Segundo Cascudo (2011), os peixes eram os alimentos mais consumidos nos engenhos, pois possuíam preço inferior às carnes. Compunham os cardápios no século XVII peixes de incontáveis espécies. O bacalhau e a sardinha, já salgados, eram trazidos de Portugal. Entre os peixes brasileiros estavam o pargo e a tainha que geralmente eram cozidos ou fritos, acompanhados de farinha. Da Europa eram importados os embutidos, como presunto, toucinho e chouriço. As galinhas e frangos eram consumidas no cotidiano, enquanto perus eram preparados nos dias festivos. Também se encontravam muitos tipos de frutas, como bananas, melancia, melões e limas. A maioria dos temperos era originária da Europa, mas cultivados no Brasil, como cebola, alho, salsa,cominho, gengibre, gergelim, açafrão e diferentes tipos de pimentas. Vinagre e azeite também eram indispensáveis nas preparações. O domínio da farinha de mandioca era superior ao de qualquer iguaria, sendo importada até de outras regiões do país. A farinha acompanhava pratos com cozidos e caldos, como feijões e caldos de carne ou peixes. O vinho trazido da Europa era consumido pelos senhores de engenho e jesuítas, enquanto a aguardente produzida com o bagaço da cana era consumida entre os escravos. A alimentação nos engenhos basicamente visava o funcionamento industrial, portanto deveria atender às necessidades nutricionais dos escravos e trabalhadores rurais nas fazendas. A PRESENÇA DO AÇÚCAR NA DOÇARIA BRASILEIRA A influência do açúcar em nossa história foi marcante e agradou a todos os paladares. Nas casas- grandes, as sinhás impunham as receitas tradicionais portuguesas às mucamas, africanas escravizadas que trabalhavam nas cozinhas. Essas receitas foram adaptadas aos ingredientes disponíveis, originando iguarias únicas, que se tronariam especialidades tradicionais brasileiras. Era comum utilizar a farinha de mandioca em substituição à farinha de trigo, a castanha de caju e o amendoim no lugar de amêndoas e avelãs. Era comum, também, a utilização de derivados do milho, da batata-doce e da mandioca. A partir das técnicas de doçaria desenvolvidas nos conventos portugueses, aproveitava-se a abundância de açúcar, e se incorporava uma grande variedade de frutas brasileiras nas adaptações das receitas clássicas. Exemplos eram abóboras em cubos e mamões verdes, que viravam doces cristalizados. Os doces em calda eram feitos com abacaxi, caju e laranja. A goiaba substituiu o marmelo e nasceu a tradicional goiabada. Na confeitaria brasileira, utilizavam-se ovos e muito açúcar para aprimorar receitas de origem indígena e africana, como mingaus e canjicas. O hábito da utilização de ovos na doçaria originou o pão de ló, o sonho, as ambrosias e o típico bolo de rolo pernambucano. A banana foi uma fruta que caiu no gosto da elite, figurando em várias receitas de sobremesas. A banana poderia ser assada ou frita e servida com canela e melaço, farinha de mandioca ou doce de coco. O coco foi outro ingrediente muito apreciado, influenciando a confeitaria portuguesa. O coco foi introduzido em receitas tradicionais como o quindim, maior exemplo da fusão entre as cozinhas, com o ovo português e o coco africano. O coco também agregou sabor às tapiocas preparadas pelos indígenas. Os doces criados nas casas-grandes nordestinas muitas vezes eram batizados com o nome dos engenhos ou das famílias proprietárias como, por exemplo, doce feito com castanha de caju que recebe o nome do engenho beijos de dona Dondon e Preferência (CHAVES; FREIXA, 2017). Conheceremos os procedimentos para a preparação do quindim, doce tradicionalmente brasileiro à base de gemas de ovos e coco. A receita foi adaptada do portal de receitas Panelinha, e rende seis porções. Quindim // Rendimento: 6 porções // Ingredientes: 10 gemas 50 g de coco ralado 200 mL de leite de coco 200 g de açúcar Manteiga e açúcar para untar e polvilhar // Modo de preparo: Separe as claras das gemas; Pré-aqueça o forno a 110 °C (temperatura baixa); Unte com manteiga e polvilhe com açúcar uma forma com buraco no meio, ou 12 forminhas individuais; Na tigela maior, onde estão as gemas, junte o açúcar, o leite de coco e o coco ralado. Misture delicadamente com uma colher. É importante não misturar muito; Transfira a mistura de gemas para a forma e leve ao forno preaquecido para assar por, aproximadamente, 50 minutos. O quindim deve ficar corado; Retire o quindim do forno e, quando ele ficar morno, coloque um prato sobre a forma e vire; O segredo é não desenformar nem quente, pois o quindim quebra, nem frio, pois pode não soltar. REFEIÇÕES SERTANEJAS E DAS CASAS- GRANDES Durante o século XVII, grande parte da população migrou para o litoral nordestino para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar. Os alimentos eram cultivados no próprio engenho, com pequena produção. Outros insumos eram importados de Portugal e da Europa. Os produtos de subsistência plantados eram a mandioca, o milho, feijão, frutas e hortaliças. As refeições na casa-grande não eram luxuosas, porém ao menos uma vez ao dia toda a família se reunia para o almoço, a refeição principal. Costumavam se alimentar três vezes ao dia, com horários que variavam conforme as atividades das pessoas na casa. Os ovos eram servidos como acompanhamento de pratos, em preparações fritas, moles e fritadas de ovos. Os senhores de engenho e suas famílias faziam as refeições em mesas baixas ou em esteiras estendidas no chão. Sua alimentação era simples rotineiramente, constituída por feijão-preto, farinha e caldo de carne. Em dias festivos, a alimentação era elaborada, com fartura de pratos. Nas cozinhas se preparavam assados de carne de caça, como capivara e tatu, ou carne de boi, bode, galinha e porco de suas criações, além de servirem sopas e doces (CHAVES; FREIXA, 2017). No século XVII, as comidas eram preparadas em panelas de barro, fabricadas no próprio engenho, nos fornos de tijolos. Os utensílios de cozinha eram adaptados aos elementos encontrados no Brasil. Produziam-se cuias com cascas de coco e cabaça, quando não havia xícaras. De Portugal foram trazidas panelas com tampas, fogões de ferro e tachos de cobre, empregado na preparação dos doces. A população que vivia no sertão do Nordeste trabalhava com a pecuária de subsistência, necessária para suprir a alimentação da força da mão-de-obra nos engenhos. Os sertanejos costumavam fazer suas refeições durante as viagens com o gado, portanto deveriam transportar alimentos que fossem resistentes às longas jornadas. Costumavam levar consigo, também, a rapadura, que fornecia energia. Com a carne-seca as pessoas criaram vários pratos, como a paçoca crocante de carne-seca torrada e socada no pilão. O alho era o tempero que estava sempre presente nas refeições dos sertanejos, garantindo boa saúde. EXPLICANDO As técnicas utilizadas para o preparo da carne-seca consistem em salga e desidratação da carne, para possibilitar sua conservação. A carne-seca (também conhecida como charque ou jabá) é salgada e curada por um bom tempo, resultando em grande desidratação. É diferente da carne-de-sol, que depois de salgada, pode ser seca no sol ou no vento, preservando umidade e maciez O leite não figurava nos hábitos alimentares dos vaqueiros, mas era consumido na forma de queijos como o queijo coalho. A cozinha no Brasil colonial No final do século XVII, a atividade açucareira nos engenhos já não era tão lucrativa, pois o Brasil perdeu a posição de líder mundial de exportação de açúcar. A concorrência com o açúcar produzido nas Antilhas causou a queda na produção nacional, de forma que a coroa portuguesa precisou encontrar outra fonte de recursos. A descoberta de ouro na região Sudeste fez com que grande parte da mão-de- obra dos engenhos fosse para as mineradoras. A exploração do ouro e diamantes foi a principal atividade econômica do século XVIII, no Brasil colonial. Os bandeirantes eram responsáveis por desbravar territórios e abrir caminhos em direção ao interior, partindo de São Paulo em busca de minas. Para sobreviver, consumiam alimentos nativos e constituíram pequenas roças. Durante o período do ouro foi a culinária paulista que influenciou a cozinha mineira. Aos hábitos alimentares dos bandeirantes, uniram-se à cultura dos tropeiros, que comercializavam vários tipos de mantimentos entre as regiões Sudeste e Sul. Compreenderemos que, durante o período colonial, a gastronomia brasileira vai se moldando de acordo com os recursos disponíveis em cada região, influenciada culturalmente pelos colonizadores, força trabalhadora e população nativa. HÁBITOS ALIMENTARES DOS BANDEIRANTESOs bandeirantes eram exploradores portugueses que viviam em São Paulo, e seus descendentes, os mamelucos, eram caracterizados pela miscigenação entre os colonizadores e nativos. A partir da metade do século XVII, as expedições dos bandeirantes começaram a partir de São Paulo com o objetivo de encontrar metais e pedras preciosas no interior do país. Devido a sua localização estratégica, próxima à Serra do Mar, a cidade impulsionou as explorações em Minas Gerais, Mato Grosso e até Goiás. As viagens bandeirantes eram percorridas a pé ou através da navegação por rios, podendo durar anos. Os índios eram responsáveis por abrir os caminhos e guiar o grupo. Dessa forma, os bandeirantes transportavam consigo utensílios e mantimentos que compunham a base de sua alimentação. No percurso de longas distancias, plantavam algumas roças de milho, mandioca, feijão, banana ou outros alimentos, de forma a garantir sua sobrevivência na volta. Era costume transportar farinha de mandioca previamente torrada, conservada em cestos trançados forrados com folha de bananeira, impedindo a entrada de água, ar ou luz. Também se alimentavam com as frutas nativas que encontrassem nas matas, como abacaxi, banana, jabuticaba, pitanga, entre outras. A caça de animais selvagens era comum, incluindo onças, antas e quatis. Alguns índios conhecidos como meleiros tinham a função de encontrar e colher mel de colmeias nos troncos de árvores (CHAVES; FREIXA, 2017). Os alimentos eram preparados de forma rudimentar durante as viagens. Os bandeirantes utilizavam um caldeirão de ferro colocado sobre pedras, formando uma espécie de fogareiro. O caldeirão também poderia ser pendurado por uma corrente sobre um tripé de varas, para um cozimento mais lento. O milho figurava entre um dos principais alimentos para os paulistas, o uso da farinha de milho era mais comum do que a farinha de mandioca, que exigia maiores cuidados de conservação. Com a farinha de milho produziam a paçoca, socada no pilão com carne seca ou assada. Geralmente, as refeições bandeirantes eram compostas por farinha de milho com feijão e toucinho de porco. No desjejum preparavam o jacuba, um pirão a base de farinha de milho e água fervente adoçada com rapadura. A quirera de milho cozida acompanhava pratos de carne de caça. A rapadura era essencial para complementar a alimentação, geralmente consumida em pedaços ou derretida com mandioca cozida. Outro elemento que fornecia energia nas jornadas era uma bebida denominada gengibirra, feita com milho socado, gengibre, açúcar mascavo e água. A cachaça destilada da cana-de-açúcar já acompanhava os bandeirantes durante o longo percurso. Os bandeirantes paulistas desbravaram as primeiras jazidas de ouro em Minas Gerais ainda no século XVII, atraindo habitantes de diversas regiões do país e até de Portugal. HÁBITOS ALIMENTARES TROPEIROS Pequenos povoados foram instalados em Minas Gerais, nas regiões próximas às jazidas. Para conseguir obter mais riqueza, a corte portuguesa enviou grande número de escravos para realizar o trabalho de escavação nas minas. Já no início do século XVIII, percebia-se a escassez de gêneros alimentícios e outros insumos de primeira necessidade. Não se encontravam mais roupas, ferramentas e, inclusive, alimentos essenciais nas vilas. Quando encontrados, os preços eram elevados. Com a necessidade de suprir a carência nos povoados, surgiram os tropeiros, que eram originários da região Sul do país, comandavam tropas que transportavam mulas carregadas de mantimentos paro o interior de Minas Gerais. Além de gêneros alimentícios, carregavam todo tipo de coisas, como remédios, dinheiro e cartas. Os alimentos transportados pelas mulas eram considerados itens de primeira necessidade, como farinha de mandioca, farinha de milho, rapadura, toucinho, charque e feijão (CHAVES; FREIXA, 2017). Ranchos de repouso para os tropeiros foram criados nas vilas, onde poderiam guardar os animais, passar a noite e preparar suas refeições. A base de sua alimentação era o feijão-preto e a carne de porco. O feijão- preto amassado e engrossado com farinha de milho, ou de mandioca, tornava-se o tutu mineiro e o virado à paulista, servidos com costela de porco, linguiça, torresmo, arroz e couve refogada. O prato preferido dos viajantes era o feijão tropeiro, temperado com gordura de porco e alho. A carne de porco era totalmente aproveitada: os pés, rabo e orelhas eram salgados, enquanto as outras partes eram cozidas e conservadas na própria banha. O toucinho e a linguiça eram defumados em fogo a lenha (CASCUDO, 2011). A tradicional gastronomia mineira se formou com a composição entre a cozinha rústica tropeira e a sofisticação europeia. Graças ao enriquecimento de muitos senhores de minas e comerciantes dos vilarejos mineiros, importavam da Europa alimentos e bebidas sofisticadas, além de louças, cristais, pratarias, rendas e todo refinamento que constituía a boa mesa. Em contraste a isso, faziam suas refeições em bancos de madeira ao redor de grandes mesas e se alimentavam com as mãos, já que a utilização do garfo ainda era rara. A única faca na mesa era usada pelo anfitrião para cortar a comida de todos. Algumas fazendas no interior de Minas Gerais começaram a se dedicar à agricultura e criação de animais, para suprir a necessidade de abastecimento nas cidades. Cultivavam feijão-preto, milho, couve e mandioca. Criavam porcos, que era a carne mais consumida na região, e algumas galinhas. Com a pele do porco preparavam o torresmo, que acompanhava todos os pratos, e o leitão à pururuca, assado inteiro, era servido nos dias festivos. Nas refeições cotidianas, era costume comer lombo e costelinha, guarnecidos com canjiquinha de milho. Até os miúdos eram aproveitados como base de farofas. As galinhas e frangos eram pouco comuns na alimentação: entravam nas preparações de frango ensopado, frango com quiabo, acompanhados de angu de farinha de milho. O consumo de carne bovina cresceu a partir do final do século XVIII, pois a criação de gado só teve início, em Minas, a partir do declínio das atividades de mineração. Antes disso, a pecuária se desenvolvia no sul do país. A vaca atolada se tornou um prato tradicional mineiro, que consiste em carne de vaca cozida com mandioca. Os queijos caseiros, produzidos com o leite de vaca, tornaram-se fundamentais na alimentação mineira. Os mineiros também se especializaram na fabricação de doce de leite. Os mineradores escravos, por sua vez, possuíam uma dieta mais restrita, à base de farinha de milho, feijão e, às vezes, toucinho. Os administradores e os feitores das minas poderiam consumir, além disso, porco assado e hortaliças cozidas. Conheceremos a receita do feijão tropeiro, mostrado na Figura 3, originalmente preparado com feijão preto e farinha de milho. Pode ser preparado também com feijão carioca ou vermelho, ou farinha de mandioca. A receita foi adaptada do portal GNT, e rende quatro porções. Feijão tropeiro // Rendimento: 4 porções // Ingredientes: 150 g de bacon picado em cubos 300 g de feijão (preto ou vermelho) 150 g de linguiça 200 a 300 g de farinha de milho em flocos 6 ovos 1 maço de cheiro verde picado 2 dentes de alho Pimenta malagueta Sal // Modo de preparo: Cozinhe o feijão, mantendo sua consistência firme, e reserve; Frite o bacon com a linguiça; Acrescente o alho e a cebola e frite até dourar; Coloque os ovos e mexa até firmarem; Adicione o feijão, sal e a farinha, incorporando delicadamente; Retire do fogo e salpique com cheiro verde; Sirva acompanhado de arroz branco, couve e torresmo. A cozinha no Brasil e a influência dos costumes alimentares dos povos indígenas Quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, a população indígena nativa possuía uma rica cultura alimentar. As terras brasileiras proporcionavam uma grande diversidadede frutas, raízes e leguminosas. os povos indígenas se alimentavam dos provimentos da terra, para sobreviver. As atividades de caça de animais selvagens e da pesca forneciam os insumos de origem animal, e a colheita de frutos e raízes era fundamental para a obtenção de bebidas, caldos e farinhas. Os povos indígenas possuíam profundo conhecimento sobre as propriedades medicinais das plantas e das ervas, que são utilizadas até hoje pela indústria farmacêutica e tratamentos de cura naturais. A princípio houve a rejeição recíproca da tradição alimentar entre portugueses e indígenas. Com o tempo e a necessidade, os portugueses passaram a consumir os alimentos nativos. A cultura alimentar indígena influenciou fortemente as refeições durante o período colonial. Seus ingredientes, temperos, ervas e conhecimento da terra contribuíram para a formação da gastronomia brasileira, que se fundiu perfeitamente às influências africanas e portuguesas. Conheceremos a herança dos povos indígenas que formam a base da alimentação popular no Brasil, onde se destacam a mandioca, o milho, o feijão e as frutas. A COZINHA INDÍGENA As mulheres indígenas eram responsáveis pelo trabalho doméstico, enquanto os homens traziam os alimentos. As mulheres cozinhavam e fabricavam utensílios de uso culinário e nas refeições. Faziam panelas de barro e cuias de cabaça, que serviam como suporte para as refeições e para a água. Também confeccionavam peneiras para refinar a farinha de mandioca. As mulheres indígenas que se dedicavam à preparação dos alimentos eram chamadas de cunhãs. As cunhãs tinham profundo conhecimento dos ingredientes provenientes de suas terras, porém quando cozinhavam para os portugueses necessitavam de orientação para que pudessem usufruir de hortaliças e outros insumos que passaram a ser cultivados. Dessa forma, as cozinheiras indígenas que serviam aos portugueses foram substituídas pelas africanas durante o período colonial. A técnica de cocção empregada no preparo de carnes e peixes era conhecido como moqueado, onde os alimentos eram colocados sob uma esteira em uma estrutura de varas sobre a fogueira, conforme ilustra a Figura 4. Este método é similar ao defumado, favorecendo a fixação do sabor e a conservação dos alimentos, com a diferença de que não estavam finalizados para o consumo ao fim do processo. As carnes de caça ou pesca poderiam ser preparadas, também, em fornos subterrâneos, processo que ressalta o sabor dos alimentos. Para isso, cavavam um buraco na terra, forravam com folhas de árvores (como a bananeira), colocavam a carne e cobriam com folhas e terra. Por fim, acendiam uma fogueira sobre essa cavidade coberta e dessa forma o alimento permanecia até que a carne estivesse assada. Os assados indígenas costumavam ser servidos em ponto malpassado (CASCUDO, 2011). Outro método de cocção era o aferventado, mais utilizado no preparo de peixes. Com o caldo obtido da fervura dos peixes, adicionava-se farinha fazendo o pirão. Os índios tinham a tradição de secar os peixes e socá-los em pilão, obtendo uma espécie de farinha que poderia ser transportada durante as viagens de caça. O iapuna era uma espécie de forno aberto para torrar farinha de mandioca. Consiste em uma vasilha de barro redonda, colocada sobre um trempe (Figura 5), que era uma armação de barro em que era possível colocar as panelas ou o iapuna, e manter a chama acesa embaixo. Depois de aquecer o forno, a responsável por fabricar a farinha adicionava, aos poucos, a massa da mandioca ralada e espremida, movimentando constantemente a massa com uma pá para impedir a formação de grumos e cozinhando por igual. Uma forneira habilidosa devia controlar o fogo de forma a obter uma farinha fina, dura e bem torrada que apresentava boa durabilidade. A farinha de mandioca e algumas carnes eram piladas, originando a paçoca. Posteriormente, utilizou-se o mesmo método de preparo com outros ingredientes, como o amendoim, castanha de caju e açúcar, resultando na famosa paçoca de amendoim doce. HÁBITOS ALIMENTARES INDÍGENAS Os indígenas possuíam uma alimentação muito rica, porém tinham o hábito da coleta de frutas, raízes e grãos, sem utilizar as técnicas de plantio. Quando necessitavam de alimentos, os homens partiam em busca de caça ou coleta de recursos. A mandioca se destacava na alimentação indígena, presente em muitas receitas elaboradas com seus derivados. Também consumiam milho, tubérculos, legumes, frutas secas e palmito. As terras brasileiras possuíam inúmeras frutas silvestres muito saborosas que, além de complementar a alimentação indígena, eram usadas na confecção de bebidas e sucos. O mingau era uma papa rala de goma de mandioca, de milho, de cevada ou leite preparado pelos indígenas. A partir dessa receita indígena originou-se o pirão. EXPLICANDO O pirão é um cozido que consiste em caldo de carne ou peixe com adição de farinha. O pirão foi criado no Brasil com ingredientes nativos a partir de uma técnica portuguesa de cozimento de alimentos em caldo, que era então engrossado. Os indígenas dominavam técnicas de pesca. Para capturar peixes, utilizavam a flecha, o arpão ou a rede, além de um tipo de veneno que causa a paralisia nos peixes. Os peixes de rio mais apreciados nas refeições indígenas eram o tucunaré, o pintado, o pirarucu e a piranha. As comunidades que habitavam as regiões litorâneas capturavam, em armadilhas, moluscos e crustáceos, complementando sua alimentação. Existia diversidade de caça de animais silvestres: os mamíferos mais procurados eram a capivara, o porco-do-mato, a paca, o veado e a anta. Na época da invasão das terras indígenas, os jesuítas relatam o consumo de carne de macaco nas proximidades das matas. Entre as aves, era comum o consumo de macucos, rolas, patos selvagens, jacus, pavão-do-mato e o peru. Os ovos e as carnes de tartaruga eram iguarias muito desejadas e estavam presentes no guisado de quelônio. Além da oferta de animais nativos, os indígenas ainda consumiam insetos e larvas nas matas, como tanajuras, içás e lagartos. Também dominavam a arte da apicultura, criando abelhas para extração do mel, e não tinham o hábito de consumir derivados da cana-de-açúcar. INGREDIENTES E TEMPEROS TRADICIONAIS A mandioca era a base da alimentação indígena: dela se extraia a farinha, a goma para fazer beiju, polvilhos e uma infinidade de produtos. No entanto, existiam dois tipos de mandioca, a brava e a mansa, e apenas os nativos sabiam diferenciá-las. A mandioca-brava é venenosa devido a presença de ácido cianídrico, devendo ser processada antes do consumo. Para que sua ingestão seja segura, a mandioca brava deve ser descascada e ralada, formando uma massa que deve ser espremida para extração do caldo venenoso. O polvilho para a produção do beiju e da tapioca é extraído deste tipo de mandioca. A mandioca mansa também é conhecida como mandioca de mesa, aipim ou macaxeira. Não precisa ser processada para o consumo e é utilizada em diversas preparações gastronômicas cozidas, fritas ou em doces. O milho era o único cereal conhecido pelos europeus encontrado no Brasil. Geralmente, era consumido assado ou em mingaus, e constituía a base alimentar dos povos indígenas da América Central e do Norte, enquanto a mandioca era fundamental para os habitantes da região dos trópicos. O palmito foi um dos únicos frutos apreciados pelos portugueses no período da colonização. Extraído do interior das palmeiras, exige a derrubada da árvore para a abertura da madeira. Algumas espécies podem ser consumidas em estado cru, mas a maioria era assada ou cozida, devido à forte presença de taninos. Entre os vegetais, são heranças indígenas a batata-doce, a abóbora, o feijão-de-corda, o feijão-preto, o pinhão, o amendoim e a castanha. As frutas nativas brasileiras existiam em abundância, e entre elas estão a goiaba, o abacaxi, o araçá, o maracujá, o açaí, o guaraná, o cupuaçu, o caju, o cajá,o mamão, o umbu, a pitanga, o pequi, a graviola e o cacau. A banana-da-terra era a espécie de banana nativa, geralmente consumida cozida, assada, em mingau e, posteriormente, frita. As outras variedades de bananas que encontramos atualmente são originárias do continente africano. As pimentas eram condimentos essenciais na culinária indígena. Existia grande diversidade de pimentas, principalmente amarelas e vermelhas, que eram consumidas cruas ou secas, verdes ou maduras e poderiam ser misturadas à farinha. As pimentas eram empregadas nos temperos de carnes de caça, peixes e frutos do mar. A maior variedade encontrada era do gênero capsicum (CASCUDO, 2011). As pimentas apresentavam grau de ardência diferentes: a pimenta-cumari e a marupi, usada no caldo de tucupi, são variedades muito picantes; a pimenta dedo-de-moça possui ardência moderada. As pimentas aromáticas e doces são a pimenta-de-cheiro, a biquinho e a cambuci. A pimenta-rosa, originalmente conhecida como aroeira-vermelha, também é nativa do Brasil, porém ganhou fama quando foi exportada para a França. Essas pimentas figuram na gastronomia brasileira também na preparação de molhos e conservas (CHAVES; FREIXA, 2017). Agora conheceremos a receita de pato ao tucupi (Figura 6), muito comum na região Norte do país. O tucupi é um molho tipicamente brasileiro, de origem indígena, extraído do caldo da mandioca-brava, que deve ser fervido para que o tóxico ácido cianídrico seja evaporado. O tucupi é utilizado para temperar peixes, carnes bovinas, suínas e de caça. A receita do Pato ao Tucupi foi adaptada do livro 400 G: técnicas de cozinha. Pato ao tucupi // Ingredientes: 1 pato inteiro (2,5 kg) 1 cebola grande picada 1 colher (sopa) de sal 1 colher (sopa) de alho amassado 240 mL de azeite de oliva 120 mL de vinagre de vinho branco Suco de ½ limão ½ colher (chá) de pimenta-do-reino em grão ½ colher (chá) de noz-moscada ralada ¼ de maço de salsa picada 4 folhas de louro 1 litro de tucupi 1 maço de jambu 3 folhas de chicória // Modo de preparo: Corte o pato pelas juntas; Faça uma vinha-d’alho com a cebola, o sal, o alho, o azeite, o vinagre, o suco de limão, a pimenta, a noz- moscada, o louro e a salsa. Adicione o pato e deixe marinando por 12 horas; Em uma assadeira, disponha os pedaços de pato e derrame o que sobrou da vinha-d’alho sobre eles; Leve em forno preaquecido a 160 ºC por aproximadamente 2 horas, ou até que esteja dourado e macio; Em uma panela, ferva o tucupi por 20 minutos para que o ácido cianídrico evapore; Acrescente ao caldo o pato (sem a gordura), o jambu e a chicória. Deixe ferver por mais 10 minutos; Sirva acompanhado de farinha d’água. A cozinha africana e as influências na gastronomia brasileira A contribuição africana na gastronomia brasileira foi muito rica. Mais de quatro milhões de africanos foram trazidos para o país contra sua vontade, sendo submetidos a trabalho escravo por mais de 300 anos. Consigo trouxeram uma forte herança cultural, manifestada através da religiosidade, música, dança e cozinha. Os africanos foram trazidos para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar e nos engenhos, já que os portugueses necessitavam da mão-de-obra para aumentar sua produtividade. As mucamas africanas desempenhavam ótimo papel como cozinheiras, aprendendo sobre as tradições portuguesas e inserindo seus ingredientes e temperos nela. Também se valiam dos ingredientes nativos, e trouxeram de suas terras natais muitas das iguarias que conhecemos atualmente, como o coco, variedades de banana e de pimentas. Observaremos os hábitos alimentares dos escravos durante o período colonial, no Brasil, bem como a herança alimentar africana, formada por elementos de sabor inigualável. A HERANÇA ALIMENTAR AFRICANA A alimentação dos africanos no Brasil foi marcada pela influência da conservação africana e da aliança brasileira entre portugueses e indígenas. Os africanos já possuíam tradições e hábitos culturais bastante desenvolvidos antes da exploração portuguesa. Portanto, sua cozinha era representada pelo consumo de ingredientes locais e de mercadorias que foram introduzidas pelos povos orientais. No continente africano, era comum o consumo de carne de cabra, cordeiro e caça de animais selvagens. Era comum o consumo de carne de hipopótamo, crocodilo, zebra, girafa, búfalo, javali e elefante, que eram sempre assadas. O gado bovino já existia em algumas regiões, entretanto não servia de alimento, era destinado ao pagamento de impostos, dotes e sacrifícios. Dessa forma, o único animal oriundo da África que está presente em pratos típicos brasileiros é a galinha- d’angola, que era usada em oferenda aos orixás nos cultos religiosos. Segundo Cascudo (2011), uma das especialidades da cozinha africana era o bolo, uma massa de inhame, milho, arroz ou farinha de mandioca, molhado em molho e acompanhando uma carne. Os molhos também eram elaborados através de técnicas cuidadosas, utilizando óleo de dendê ou amendoim, ervas, folhas e vagens. Assim como a mandioca era fundamental para a alimentação indígena, o inhame era essencial para os africanos. Com o tubérculo, fabricava-se farinha usada na preparação de bolos, além de poder ser assado ou cozido. Também eram consumidos alimentos à base de farinha de milho e arroz. Era abundante a variedade de feijões: miúdos, graúdos, pretos, brancos e vermelhos, além das favas. Os africanos herdaram dos árabes o hábito do consumo do arroz nas refeições, o que influenciou a combinação do arroz com feijão na cozinha brasileira. Os africanos eram habilidosos na extração de óleos vegetais. Além do consumo de amendoim em algumas regiões africanas, o óleo de amendoim entrava na preparação de receitas. Também produziam o óleo de palma, muito apreciado. Entretanto, o óleo de dendê representa uma forte influência na cozinha brasileira, principalmente na região Nordeste. O azeite de dendê confere cor e aroma especial às receitas de origem africana, e pode ser extraído dos frutos de uma palmeira chamada dendezeiro, que chegou ao Brasil já no século XVI, conforme observamos na Figura 7. Os coqueiros foram outra contribuição africana muito importante. Dos cocos podemos consumir a água, muito nutritiva e refrescante, enquanto os frutos entram na preparação de muitas especialidades afro-brasileiras, como o os doces e o cuscuz. O leite de coco é obtido através da raspagem do miolo do coco, resultando em uma massa que quando espremida libera o leite. É elemento fundamental na cozinha afro-brasileira, inserido pelas mucamas na elaboração de moquecas, molhos e ensopados de peixes, camarões, lagostas e ostras, além de obras primas da doçaria. A riqueza da variedade de bananas foi introduzida no Brasil pelos africanos. Enquanto os índios consumiam a banana-da-terra, os africanos trouxeram espécies de bananeiras que ofereciam as bananas nanica, prata, ouro e maçã. As bananas eram, e ainda são, as frutas mais populares e versáteis no país, consumidas puras, com mel, canela, açúcar, assadas, cozidas, em mingaus, doces, tortas, além de guarnecer as refeições. Outra fruta de origem africana muito apreciada atualmente é a melancia. Os povos indígenas tinham como costume o preparo de ervas batidas no pilão para formar a base de temperos. Os africanos introduziram o quiabo nessa mistura, formando o guisado brasileiro conhecido como caruru. Além do quiabo, trouxeram o jiló. A pimenta-malagueta foi introduzida no Brasil pelos africanos, que a utilizavam como condimento em quase todas as refeições. Seu sabor picante era mais pronunciado do que a de outras variedades existentes no Brasil. Os métodos de cocção na cultura africana ainda eram rudimentares: não utilizavam frituras em óleo, mas preparavam excelentes guisados, assados e cozidos de carnes, raízes e leguminosas. A influência dacozinha africana na gastronomia brasileira foi marcante, introduzindo ingredientes fundamentais para a formação de nossa identidade alimentar. A ALIMENTAÇÃO DOS AFRICANOS ESCRAVIZADOS Durante o transporte dos africanos até as Américas, sua alimentação era precária, muitos desembarcavam doentes e desnutridos. As refeições eram servidas duas vezes ao dia, em recipientes coletivos ou individuais, e na maioria das vezes eram consumidas com as mãos. Era preparado um ensopado à base de carne-seca e farinha de mandioca sem sabor e temperos. A água era servida apenas três vezes ao dia. Logo que desembarcassem nos portos, para serem vendidos, eram tratados com uma dieta a base de caju, fruta nativa que contém alta concentração de vitamina C. Durante mais de três séculos, os africanos constituíram a força de trabalho no Brasil, desempenhando ofícios nas lavouras de cana-de-açúcar, de café e nas minas de ouro e diamantes. Alguns escravos eram escalados para o trabalho doméstico nas casas grandes das fazendas. As mucamas eram mulheres que cuidavam das crianças dos senhores brancos e cozinhavam. A base da alimentação dos escravos era diferente da dos donos de terra e colonizadores: consumiam, pela manhã, uma mistura de melaço com farinha de mandioca ou de milho. Os alimentos eram preparados em grandes panelas, geralmente cozidos e servidos em cuias. Nas refeições principais, alimentavam-se de cozidos de carne curada, abóbora, toucinho, farinha de mandioca e, às vezes, feijão-preto. Se sobrasse caldo do cozido, adicionavam mais água fervente e farinha de mandioca, formando o pirão, sempre temperado com pimenta amassada (CHAVES; FREIXA, 2017). Os africanos fabricavam uma farinha de milho muito fina, a qual deram o nome de fubá, com o qual costumavam fazer o angu, uma massa de farinha de milho e água. Com o milho-branco em grãos preparavam um cozido, a canjica, adicionando coco e melaço. A banana era a fruta mais consumida pelos escravos, podendo ser amassada com farinha de mandioca, melaço ou açúcar mascavo. Valorizavam os derivados da cana-de-açúcar, apreciavam o consumo da garapa e principalmente da cachaça. Ainda no período colonial, em Salvador, entre as africanas escravizadas nasceu o hábito e transportar quitutes doces e salgados em tabuleiros, costume preservado até hoje pelos afrodescendentes, representados pela figura das baianas. Esses alimentos eram produzidos dentro de um contexto religioso. A seguir, conheceremos uma receita tradicional do Nordeste brasileiro, o Acarajé, comumente servido pelas cozinheiras baianas. A receita foi adaptada pela autora Paloma Jorge Amado, no portal de receitas Panelinha. Acarajé // Ingredientes: 1 kg de feijão-fradinho 1 kg de cebola 1 cebola com casca para fritura 2 colheres (chá) de sal 2 litros de azeite de dendê para fritar // Modo de preparo: No liquidificador, bata o feijão cru, rapidamente, apenas para quebrar os grãos. Transfira para uma tigela grande e cubra com o dobro do volume de água. Leve à geladeira e deixe de molho até o dia seguinte, ou por pelo menos 3 horas; Escorra a água do feijão hidratado e cubra os grãos novamente com água. Mexa um pouco e, com uma peneira ou escumadeira, retire as cascas que estiverem flutuando. Mexa novamente e retire mais cascas. Repita esse procedimento mais três vezes e, por fim, escorra bem a água, passando pela peneira; Descasque e corte as cebolas em pedaços médios. Reserve a cebola extra com a casca; No processador de alimentos, bata o feijão hidratado com a cebola, até formar uma massa bem leve, com aparência de pasta esponjosa. Transfira para uma tigela e repita o procedimento até usar todo o feijão e a cebola. Misture o sal, aos poucos, na massa; Enquanto isso, em uma panela funda e grande, aqueça o azeite de dendê com uma cebola inteira dentro - isso ajuda a manter a temperatura certa para fritar o acarajé; Misture bem a massa para homogeneizar e modele um bolinho entre duas colheres, passando de uma para outra, dando formato ovalado. Repita esse movimento umas três vezes e coloque o bolinho imediatamente na panela com o azeite; Frite no máximo dois bolinhos por vez e vá virando para que a fritura fique uniforme. Retire com uma escumadeira e transfira para um refratário forrado com papel-toalha; Sirva o acarajé a seguir, cortado ao meio, recheado de vatapá e molho de camarão seco ou molho de pimenta. SINTETIZANDO Identificamos a importância da cana-de-açúcar no desenvolvimento cultural e social do Brasil. No Nordeste brasileiro, os engenhos foram instalados pela coroa portuguesa em grandes fazendas para a fabricação de açúcar, primeira atividade econômica desenvolvida no país. Para trabalhar nos engenhos, africanos foram trazidos de seu continente para trabalho forçado, iniciando um intercambio gastronômico e de tradições entre os dois povos. Compreendemos que a alimentação nos engenhos era constituída por elementos nativos, já conhecidos pelos povos indígenas. As refeições não costumavam ser luxuosas, nem ter tanta fartura. Pequenas plantações forneciam hortaliças e leguminosas para consumo local. Entre os principais alimentos estavam os peixes, a banana e a farinha de mandioca. Já os povoados do sertão tinham outro tipo de dieta, uma vez que não tinham acesso aos peixes e frutos litorâneos. Sua alimentação era baseada em carne-seca, alho e rapadura. A cana e o açúcar foram essenciais no desenvolvimento da doçaria, que uniu as técnicas portuguesas e a diversidade de sabores brasileiros. Seu processamento resultou em produtos que formavam a base da alimentação de muitas comunidades com produtos, como a rapadura, o melaço, a garapa e a cachaça. Observamos que, durante o período colonial, as atividades econômicas no Brasil migraram do Nordeste para a região Sudeste, motivadas pela busca pelo ouro e pedras preciosas, devido ao declínio da cana-de- açúcar. Os bandeirantes eram desbravadores que encontravam o caminho até as minas. Suas viagens chegavam a durar anos, portanto se alimentavam do que encontravam no caminho, além de deixaram algumas plantações em seu trajeto, a fim de garantir seu sustento. Alimentavam-se de caça, rapadura e farinha (principalmente de milho), pois eram resistentes ao transporte. Já os tropeiros comercializavam mantimentos e produtos para suprir a escassez na região das minas. Apreciavam o feijão e a carne de porco, do qual aproveitavam todas as partes para se alimentar. Analisamos que os povos indígenas foram responsáveis por construir a base da cozinha brasileira, pois aproveitavam ao máximo os elementos da nossa terra. Os métodos de cocção utilizados pelas cunhãs eram rudimentares, porém ressaltavam a complexidade de sabores dos alimentos. Utilizavam o moqueado para defumar e conservar carnes, o forno subterrâneo para preparar assados e o método de aferventação, principalmente para peixes. Os povos indígenas dominavam a técnica da fabricação de farinha, alimento indispensável em todas as refeições. A mandioca compunha a base de suas refeições, além disso consumiam palmito, milho, banana-da-terra e pimentas como condimentos. Por fim, reconhecemos os hábitos alimentares dos povos africanos e como influenciaram a gastronomia brasileira. As africanas eram ótimas cozinheiras e conseguiram fundir muitos elementos de sua cultura aos hábitos alimentares portugueses. Foram responsáveis por trazer ao Brasil elementos fundamentais ao desenvolvimento de nossa cozinha, como o azeite de dendê, a pimenta-malagueta, o quiabo, e as diversidades de bananas. Na alimentação dos africanos escravizados estava sempre presente a farinha, especialmente de milho, feijão e produtos derivados da fabricação do açúcar. A cozinha portuguesa e a sua contribuição para a formação da cozinha brasileira Os portugueses chegaram ao Brasil no ano de 1500. Após reconhecerem as riquezas dessaterra, logo vieram os primeiros colonizadores que visavam enriquecer a Coroa portuguesa a partir da exploração de recursos naturais. Além de terem conhecido, a partir do contato com os indígenas, uma imensa variedade de frutas, tubérculos e sementes nativas com ricas propriedades nutritivas e muito saborosas, constataram a fertilidade da terra. Associado ao clima extremamente favorável, perceberam que praticamente tudo poderia ser cultivado. Nos anos seguintes ao descobrimento, os colonizadores trouxeram as primeiras mudas de cana-de-açúcar e, também, as primeiras sementes daquilo que consideravam essencial para a sobrevivência na nova terra. Portanto, diferentes ingredientes recém-conhecidos em outros continentes, durante sua expansão marítima, também foram trazidos ao Brasil, como arroz, especiarias, alguns cereais e variedades de hortaliças. Ademais, animais domesticados foram introduzidos na alimentação brasileira. No período colonial, os primeiros habitantes portugueses da nova terra procuraram se adequar às novas condições, embora tentassem recriar os seus costumes. Já no período do Império, com a chegada da corte portuguesa e do futuro rei, D. João VI, ao Rio de Janeiro, introduziram no país os hábitos alimentares dos europeus e o requinte francês à mesa. A seguir, compreenderemos a importância da cozinha portuguesa na atual alimentação brasileira, bem como a introdução da agricultura e criação de animais. Nesse sentido, é importante, observar, também como os portugueses tornaram possível o acesso a elementos oriundos da Ásia, África e Oriente Médio. Além disso, analisaremos os hábitos alimentares portugueses em terras brasileiras. A HERANÇA DA COZINHA PORTUGUESA No período em que Portugal se dedicava às expedições marítimas, a cozinha portuguesa já apresentava influências do norte do continente africano e do Oriente, introduzidas pelos árabes que conquistaram parte da Europa a partir do século VIII. Por intermédio dos primeiros registros das receitas portuguesas no Livro de cozinha da infanta Dona Maria, datado do século XVI, é possível notar que muitos conhecimentos árabes estão presentes, como a receita da galinha mourisca, a qual era empanada em ovo e manteiga, e salpicada com açúcar e canela. Também era marcante a utilização de especiarias em quase todas as preparações. No livro também são apresentadas receitas de doces árabes, como tranças com calda de açúcar em ponto de bala com água de flor (CHAVES; FREIXA, 2017). Ainda em Portugal, os camponeses eram habituados a consumir sopas grosseiras, como o caldo verde, e mingaus preparados à base de cereais, como trigo, aveia e arroz. Também costumavam complementar sua alimentação com grãos, entre eles a lentilha, ervilha, grão-de-bico e favas. Apreciavam carne fresca, entretanto era mais comum o consumo de carnes defumadas e salgadas, além de ovos. Os peixes e mariscos também faziam parte da alimentação camponesa, bem como a sardinha, a qual existia em abundância na região. Para a conservação de carnes e pescados, preparavam uma espécie de defumado para secá-las; outra opção era a salga, que permitia que as carnes ou peixes fossem transportados em longas viagens – eles constituíam a principal refeição servida a bordo nos navios. Da mesma forma que faziam com as carnes, colocavam-se frutas para secar à beira do fogo, obtendo uvas passa e figos secos. As técnicas de doçaria eram muito avançadas em Portugal. Os bolos de vários tipos e sabores eram símbolo da solidariedade humana na vida social portuguesa, servidos em ocasiões como casamentos, aniversários e condolências, representando reverência. Assim, a massa de pão de ló de ovos foi criada nesse período. Ademais, os doces eram ofertados como lembranças, homenagens ou prêmios, como gesto de simpatia e festividade (CASCUDO, 2011). Os doces também eram empregados e festas religiosas e comemoração de dias de Santos. Os doces especiais eram elaborados principalmente pelas ordens religiosas de mulheres ou homens nos conventos. Aqueles preparados nos conventos recebiam nomes que traduziam sentimentos, como sonhos, beijos, suspiros, além de lembrarem a origem monástica, como fatias-de-freira, papos de anjo, toucinho do céu. Os bolos poderiam receber nomes de cidades, e também de conventos, santos ou dos criadores da iguaria. A doçaria conventual era produzida em grande volume, de forma que pudessem ser comercializados. Entretanto, os doces também eram produzidos nas aldeias e cidades, porém, com qualidade e quantidade inferior. As técnicas da doçaria desenvolvidas nesse período permanecem secretas, e algumas receitas são transmitidas entre as gerações apenas dentro dos conventos. O primeiro doce trazido de Portugal foi o fartel, apresentado por Pedro Álvares Cabral aos indígenas. Muito apreciado pelo navegador, consistia em um tipo de bolo com recheio de creme. A tradição confeiteira de Portugal foi implantada no Brasil logo no início da colonização, unindo a farinha de trigo, os ovos e as especiarias oriundas da Europa com os elementos locais. Do mesmo modo, os portugueses conheciam as técnicas para a preparação de empanados, caldos, bolos, pastéis e frituras, assim como as adaptaram aos insumos disponíveis no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento de uma cozinha ainda mais diversificada. HÁBITOS ALIMENTARES DOS PORTUGUESES NO BRASIL Mesmo morando longe de sua terra natal, os portugueses conservaram sua cultura, religiosidade e tradições no Brasil. Celebravam suas festas religiosas como o Natal, a Páscoa, São João e, ainda, respeitavam os períodos de jejum e restrições alimentares praticadas no período da Quaresma, costume ligado ao cristianismo. Entretanto, nas outras datas festivas, serviam uma farta variedade de alimentos. Uma das principais características dos hábitos alimentares portugueses era a fartura. Gostavam de comer muito, mas nem sempre se alimentavam com qualidade. Ainda dominavam técnicas culinárias que não eram conhecidas pelos índios nem pelos africanos. À nossa cozinha nacional, os portugueses incorporaram o hábito de refogar a cebola e o alho como forma de condimentar outras preparações. Também apreciavam a fritura em banha de porco, manteiga ou óleo de oliva, transformando a apresentação e sabor de muitas iguarias nativas, como o peixe. Os cozidos figuram entre as especialidades portuguesas, utilizando principalmente carnes e legumes. Em Portugal, era costume utilizar as carnes de aves, suínas ou bovinas e legumes nos cozidos. Assim surgiu o sarapatel (Figura 1), preparado com toucinho, miúdos e sangue de porco, e a buchada, feita a partir do bucho do porco. No Nordeste brasileiro, essa receita foi adaptada ao bucho de bode. Os cozidos de carne ou peixe podem ser acrescidos de farinha – que entrou como acompanhamento na alimentação brasileira – , formando, por exemplo, as famosas peixadas.CONTINUE A sopa como nos é apresentada é uma criação europeia. A sopa portuguesa era constituída por pão embebido em leite, caldo ou vinho, absorvendo o líquido. Os ensopados e sopas camponeses eram mais substanciais, preparadas a base de hortaliças e legumes. As mulheres portuguesas transmitiram às escravizadas o conhecimento de suas técnicas culinárias para que os alimentos fossem preparados ao seu gosto. Dessa forma, houve uma rica troca de experiências e ingredientes quando as africanas se apropriaram das técnicas portuguesas e introduziram seus elementos, como condimentos. As portuguesas tinham como hábito utilizar ovos de galinha para conferir leveza e sofisticação às preparações, principalmente na confeitaria. Também utilizavam o leite de vaca para fabricar manteiga e preparar mingaus e cremes. Elas ainda dominavam a arte da confeitaria, e o preparo de sobremesas era uma combinação de sabores que agradavam o paladar de todos, embora ainda fossem desconhecidos pelos negros e índios. Elaboravam doces, bolos, folhadose sonhos com muitos ovos e especiarias, como erva- doce, cravo e canela. Valiam-se das frutas brasileiras para fazer compotas e doces com açúcar; para isso, usavam as bananas, maracujás, mangabas e goiabas lugar figos, pêssegos e marmelos. Também utilizavam as castanhas e amendoins em substituição às amêndoas e pinhões na preparação de doces com açúcar. Os primeiros bolos preparados no Brasil eram feitos com farinha de carimã, leite de vaca e gemas de ovos. O mingau de carimã de origem indígena foi enriquecido com mel e açúcar, formando uma espécie de creme. EXPLICANDO A farinha de carimã é preparada a partir da mandioca fermentada. A mandioca crua deve ser deixada de molho em água até que fermente e amoleça. Então, é pilada até formar uma massa, que deve ser espremida e seca para retirar toda a umidade. Quando estiver bem seca, é triturada até formar uma fina farinha. A farinha de mandioca figurou como alimento diário dos portugueses no Brasil e era era utilizada em substituição à farinha de trigo, suprindo a falta dos pães. A farinha entrava em recheios de assados e acompanhando caldos. Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, já no século XIX, a capital do país foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro. O Rio era uma pequena cidade, onde os alimentos eram comercializados em feiras livres. As escravas ofereciam alimentos baseados em produtos nativos, como o milho e a mandioca, em pratos como farofa, canjica, pirão e beiju; e também vendiam ovos, leite, verduras, frutas e carnes provenientes das fazendas. Logo, a cidade se transformou na sede do Império português e seu crescimento foi direcionado aos costumes da corte (CHAVES; FREIXA, 2017). O hábito de servir comidas pelas ruas continuou nas praças cariocas. Dessa maneira, as iguarias portuguesas foram adaptadas aos insumos brasileiros; assim, entre as especialidades oferecidas estavam o angu, a linguiça na brasa e o pirão mole à base de farinha de milho e banha, e miúdos de porco, verduras e tomate, com temperos de louro, salsa e cebola. Os doces portugueses como o pão de ló e os sonhos já conquistavam a todos. A Figura 2 é uma ilustração de Jean-Baptiste Debret, pintor que retratava cenas públicas e privadas da vida cotidiana durante o Império no Brasil. Foi D. João VI, enquanto ainda era príncipe regente, que determinou a abertura dos portos e o livre comércio no país, fato que assegurou a entrada de produtos europeus ao Brasil que, entretanto, ainda eram restritos à corte e às famílias mais abastadas. Dessa forma, chegaram os presuntos e salames portugueses, carnes defumadas, nozes, avelãs e amêndoas, vinagres, manteiga irlandesa e queijo holandês. Também chegaram os vinhos tintos e brancos, champanhes franceses, espanhóis e portugueses, assim como as baixelas, porcelanas, talheres e pratarias, as quais traziam o requinte às refeições. A criação das padarias foi responsável por popularizar a farinha de trigo, que antes era cara e rara. Os pães de trigo foram aos poucos conquistando a população na cidade. Os pães brasileiros, até então, costumavam ser produzidos com farinha de milho e mandioca. As refeições durante o período imperial eram constituídas por pratos de origem portuguesa feitos com produtos nacionais e estrangeiros, iniciando a concepção da gastronomia brasileira. Costumavam ser servidos um cozido de carne e legumes com farinha de mandioca; uma sopa com pão, caldo e pedaços de carne; e em seguida uma galinha acompanhada de arroz. O molho de pimenta-malagueta com vinagre e azeitonas dava um toque especial à refeição. Por fim, como sobremesa consumiam arroz-doce com canela, queijo de minas e queijos importados. Na mesa da corte não poderia faltar uma galinha (assada, grelhada, ensopada), pois era a iguaria preferida do rei D. João VI. Também não faltava carne-seca, feijão, farinha de mandioca, banana e pimentas. Das especialidades portuguesas estavam presentes o chouriço e o bacalhau, sempre preparado com muito azeite, verduras e legumes. INGREDIENTES TRADICIONAIS PORTUGUESES Quando se instalaram no Brasil, os portugueses trouxeram consigo os animais que consideravam essenciais em sua dieta. Introduziram no país a pecuária, a criação de ovelhas, cabras, porcos, galinhas, gansos e pombos, que forneciam, além da carne, o leite e os ovos, indispensáveis nas receitas portuguesas. Na agricultura, iniciaram as plantações de pepino, cenoura, alface, couve, espinafre, acelga, coentro, manjericão, salsa, hortelã, alho e cebola. Também se aproveitaram da diversidade da terra para o cultivo da uva, figo, romã, laranja, lima, limão, carambola, tangerina, marmelo e melão. Além disso, semearam o arroz. O trigo ainda era raro e deveria ser trazido da Europa, pois fornecia a nobre farinha usada na confeitaria. Também agregaram, à cultura brasileira, o azeite de oliva, considerado o “azeite doce das azeitonas”. Além de ser essencial para o método de frituras, acreditava-se que ele tinha propriedades curativas, podendo combater todo tipo de moléstias. Não era consumido em excesso no Brasil devido à sua escassez, já que deveria ser importado de Portugal. Dessa forma, a manteiga de leite de vaca era a fonte de gordura mais utilizada nas colônias. O sal era indispensável nos hábitos alimentares portugueses, sendo uma herança do Império Romano. Com ele salgavam peixes e carnes, além de ser um dos temperos mais apreciados. No Brasil, o consumo de carne salgada com farinha se deu por influência portuguesa, já que os indígenas não conheciam o sal. O açúcar era considerado uma especiaria para os portugueses, sendo oriundo da Índia. Com a produção de cana no Brasil, o açúcar passou a ser adicionado a tudo, caindo no gosto de todos. Consumiam, por exemplo, farinha de mandioca com açúcar ou rapadura. A criação de galinhas se expandiu rapidamente no país. Elas costumavam ser o prato preferido de D. João VI, por isso, deu-se sua importância. Se preparada em caldos, devia ser servida aos convalescentes; quando assada ou guisada, representa comida para dias especiais e festividades. Entretanto, a parte mais importante originária da galinha era o ovo; muitas criações de galinhas não serviam para o abate, e sim para o consumo dos ovos. Os ovos representavam um excelente rendimento culinário, utilizado em fritadas, doces, bolos e entrava, inclusive, em pratos de origem indígena, como em mingaus e papas. Também eram servidos como acompanhamento de pratos: os ovos cozidos, ovos estrelados, quentes e moles. Eram e continuam sendo fundamentais na doçaria portuguesa, sendo a base das babas de moça, fios de ovos, gemadas com vinho-do-porto e doces de ovos moles, com açúcar e amêndoas (CASCUDO, 2011). Os portugueses trouxeram os porcos domésticos, figurando desde o período do descobrimento no cardápio brasileiro. Entretanto, as condições climáticas brasileiras não permitiam as práticas de charcutaria, tão desenvolvidas em Portugal. Servido com hortaliças ou leguminosas, sua carne formava a base alimentar no país. Neste momento, conheceremos a preparação da galinha mourisca, uma receita original da infanta D. Maria. A receita adaptada de Ricardo Maranhão se encontra no site UOL Nossa (2011 apud MARANHÃO, 2011). Receita de galinha mourisca // Ingredientes: 1 galinha caipira cortada nas juntas; 1 cebola fatiada; 3 colheres (sopa) de manteiga; 100 g de toucinho defumado em pedaços; 1 buquê de hortelã, cebolinha e coentro; Salsinha picada; 2 cravos da Índia; 200 ml de vinho branco; 300 ml de caldo de galinha; 2 gemas batidas e peneiradas; 6 ovos pochê; 6 fatias de pão; Suco de 1 limão; Canela em pó; Sal. // Modo de preparo: Em uma panela, aqueça uma colher de manteiga e deixe dourar o toucinho; Refogue a cebola e acrescente os pedaços de galinha, dourando-os dos dois lados; Adicione o buquê de ervas, o suco de limão, o sal e oscravos da Índia. Coloque o vinho e deixe reduzir; Acrescente o caldo de galinha e cozinhe por cerca de 40 minutos, mexendo algumas vezes. Quando a galinha estiver cozida, retire do caldo e reserve; Passe o molho e as gemas por uma peneira. Retorne ao fogo, cozinhando até que as gemas estejam cozidas, mexendo constantemente para que o molho não talhe; Adicione a manteiga restante para emulsionar o molho. // Modo de preparo dos ovos pochê: Coloque água em uma frigideira e aqueça até atingir o ponto de ebulição. Quebre os ovos e deixe cozinhar por 3 minutos, mantendo as gemas moles. Retire-os da água e reserve; Doure as fatias de pão; Disponha os pedaços de galinha em uma travessa, regue-os com o molho e polvilhe com canela; Guarneça com os ovos e as fatias de pão. Decore com salsinha picada. A importância para a cozinha brasileira do binômio feijão e farinha – introdução da feijoada Os hábitos alimentares no Brasil são muito diversificados, sendo influenciados principalmente pela regionalidade, através da oferta de ingredientes particulares. A miscigenação verificada na elaboração dos pratos se dá pela origem dos insumos e dos métodos de preparo utilizados por cada uma das culturas que formaram o país. A identidade da cozinha brasileira é marcada por dois elementos: a farinha e o feijão, produtos legítimos da nossa terra. Ambos eram ingredientes que figuravam na alimentação dos nativos do país e logo fizeram parte das refeições dos primeiros colonizadores e também dos escravos. Tanto o feijão quanto a farinha, por si só, já formam um prato completo. Na mesma refeição, se tornam complementares em seu contraste de texturas. O feijão integra a criação do primeiro prato tipicamente brasileiro, a feijoada, que apresenta algumas variações conforme a época e a diversidade de seus ingredientes. Já a farinha entra de preparação de pratos à base de feijão, como o virado e o tutu de feijão. O FEIJÃO Os feijões e as favas já existiam no Brasil e eram comuns na alimentação dos nativos, como um complemento à refeição. Os povos indígenas os chamavam de cumandá ou cumaná, que significa “alimento”, nomes que se referem aos feijões comestíveis. Entretanto, a cultura dos feijões é bem antiga, pois seus relatos aparecem em documentos europeus do período Medieval. Na África, havia diversas variedades de feijões, embora não possuíssem tanta importância na alimentação. Em Portugal, os feijões em suas variedades brancas, vermelhas e amarelas aparecem nas refeições camponesas, mas não são de uso diário. Também apreciavam as favas cozidas, servidas com arroz, carneiro e porco. Já na Roma antiga o feijão era considerado alimento comum dos pobres, essencial ao sustento dos trabalhadores. Apesar de serem conhecidos, os feijões não eram amplamente consumidos como seriam no Brasil. O feijão era de fácil plantação e cultura, e sua colheita ocorria próxima aos 100 dias de germinação, por isso eram muito comuns em toda extensão territorial. A cultura e a colheita dos feijões ficavam a cargo das mulheres. De acordo com relatos dos portugueses que chegaram ao país no período do descobrimento, as diferentes castas de favas eram muito maiores e mais saborosas do que as encontradas em Portugal, tanto as colhidas verdes como as secas. Dessa forma, logo os feijões conquistaram o paladar português no Brasil (CASCUDO, 2011). As espécies nativas recebiam nomes vindos de Portugal, como o feijão-fradinho. Também eram batizados conforme a técnica em que fossem colhidos ou apanhados, como feijão-de-corda, feijão- de-arrancar, feijão-da-praia; ou recebiam nomes que faziam referência à sua coloração, como feijão branco, preto, vermelho, mulatinho, arroxeado, manteiga. Ademais, a fusão do feijão e da farinha governa o cardápio brasileiro desde a primeira metade do século XVII. Apesar de seu apreço, o feijão ainda levou tempo até se tornar o alimento mais popular no país, haja vista que ele ainda era preterido à farinha de mandioca. O consumo indispensável do feijão ocorreu por volta do século XVIII, com os brasileiros, filhos de portugueses, indígenas e africanos. O prato predileto dos brasileiros era o feijão-preto com carne-seca, acompanhado por farinha. O feijão representava o sustento e provia a energia humana, se tornando um alimento de consumo diário. Os sertanejos não só cultivavam o feijão, como os secavam ao sol e os armazenavam em cumbucas. Ao redor de todas as casas havia uma pequena plantação de feijão cultivada pelas mulheres ou meninas. Outra técnica de armazenamento praticada por eles, era utilizar sebo animal para untar os grãos, garantindo a provisão futura. Nas fazendas era muito comum o cozimento do feijão com toucinho ou alguma parte de porco, conferindo sabor especial à preparação. Entre as espécies de feijão mais conhecidas no Brasil, como demonstra a Figura 3, estão: Feijão-carioca: Mais consumido no país, principalmente pelos paulistas, é muito próximo ao mulatinho, só que contém listras. Feijão-preto:Mais comum no Sul e no Rio de Janeiro, é a espécie mais utilizada para preparar a feijoada. Feijão-manteiga:Grãos muito pequenos e esverdeados, e uma das variedades mais saborosas. É originário do Pará, na região Norte. Feijão-fradinho ou feijão-de-corda: É a base do acarajé baiano, de cor clara e sem manchas ou riscas. Feijão-andu: Apreciado no Nordeste, apresenta formato arredondado. Feijão-jalo: Sabor levemente adocicado, grãos maiores e alongados. Utilizado para preparar o feijão tropeiro e o tutu de feijão. Nos grupos indígenas contemporâneos, o feijão ainda não figura no cardápio cotidiano da mesma forma que os outros insumos da terra, visto que, preferencialmente, estão o milho e a farinha de mandioca. A FARINHA A farinha possuía enorme valor nos fundamentos da alimentação brasileira. Para os povos indígenas, a farinha de mandioca tinha a mesma representação do pão para os europeus, era consumida em todas as refeições como fonte essencial da sobrevivência, pois já era considerada um alimento suficiente. A farinha de mandioca indígena é preparada a partir da massa de mandioca ralada, que depois é espremida para extrair seu líquido e então peneirada, definindo a espessura dos grãos. Posteriormente, ainda é tostada em espécies de fornos abertos de barro, como demonstrado na Figura 4, sendo constantemente revolvida para ficar mais solta e crocante. Até então, acreditava-se que a farinha provia o vigor e o sustento, enquanto o feijão e a carne só enchiam o estômago. Ela representava o fundamento alimentar, e a carne de caça ou de peixe eram apenas complementares à ela, principalmente na região Norte do país. Logo os portugueses introduziram a farinha em seus hábitos alimentares, assim que chegaram ao Brasil, combinando com a preparação de seus famosos cozidos. Para os tropeiros e bandeirantes da região Sudeste, a farinha era essencial em todas as refeições. O principal prato preparado pelos viajantes era a carne assada com farinha. Também elaboravam a paçoca, com a carne assada pilada com farinha, que era guardada em bolsas de couro para ser consumida durante o percurso. Na região das minas, no período do ouro, foram criados os tradicionais pratos elaborados a partir da combinação do feijão e da farinha. No feijão tropeiro, os feijões são cozidos, escorridos, temperados e depois misturados à farinha de mandioca, bem como os ovos mexidos e linguiça. No tutu à mineira, os feijões são cozidos, amassados e passados na peneira para retirar a casca e formar uma pasta, que depois é temperada com toucinho, alho e cebola, e engrossada levemente com farinha de mandioca ou de milho. No virado à paulista, primeiramente os feijões são cozidos, e depois uma parte dos grãos é amassada enquanto a outra é preservada inteira. Essa mistura é temperada e engrossada com farinha de mandioca ou de milho. Portanto, o feijão não poderiacompetir com a farinha nas preferências alimentares no período colonial, entretanto, a combinação dos dois elementos foi complementar e tão satisfatória que perdura até os dias atuais nas refeições brasileiras. A FEIJOADA Ao contrário do que muitos acreditam, a feijoada não tem origem africana, e sim portuguesa. Era comum para os lusitanos o preparo de cozidos e carnes guisadas. Dessa forma, a feijoada é elaborada com técnicas portuguesas e ingredientes brasileiros, se tornando símbolo da gastronomia brasileira. Segundo Cascudo (2011), a feijoada é uma obra-prima constituída de um cardápio completo. Nela contêm elementos da fauna e da flora selecionados, que passam por um minucioso procedimento de cocção. Já existia em Portugal o registro de uma feijoada lusitana, feita com carne de porco guisada, muito apreciada nas refeições camponesas. Em toda a Europa havia um cozido de várias carnes, vaca, porco, carneiro, toucinho, legumes, hortaliças, pato, ganso e batatas, com maior ou menor variedade, fervidos conjuntamente em panelas de barro. O bollito italiano, o puchero espanhol e o cassoulet francês eram cozidos que utilizavam favas, feijões-brancos ou grãos-de-bico. O hábito de preparar o tradicional cozido português foi reproduzido no Brasil; esse cozido era feito de carne de vaca seca e fresca, paio, salsicha, presunto, toucinho, lombo de porco, couve, repolho, cenouras, batatas, nabos, vagens, abóbora e feijão branco. O segredo da preparação estava no tempero, constituído por sal, azeite, vinagre, cebola e alho. Além disso, era necessária uma limpeza muito bem realizada dos vegetais e as carnes, retirando peles e tendões. O processo lento de cocção era fundamental para se obter a textura e os sabores desejados. No Brasil, foi necessário adaptar a receita, adicionando, então, o feijão mulatinho ou feijão preto, isto é, as espécies de feijões encontradas no país. A partir da improvisação, a feijoada brasileira levava carne-seca ou charque, carne fresca, sal, couve e toucinho. Depois foram acrescentadas à receita carnes e legumes, conforme a disponibilidade dos ingredientes. Dessa maneira, existem variações de preparação do feijão, pois há umas receitas em que os grãos são esmagados para formar uma pasta, e outras em que o caldo grosso da feijoada deve ser obtido através do tempo de cocção. As carnes de porco eram aproveitadas completamente, portanto, era comum que se utilizassem as orelhas, o rabo, a língua, pé e os miúdos nos cozidos, e, consequentemente, na feijoada. A farinha também era um acompanhamento da feijoada, devendo ser servida no prato, conforme o gosto do comensal. O prato era acompanhado de molho de pimenta e limão em alguns lugares. O lugar onde a feijoada completa foi preparada pela primeira vez ainda é desconhecido. Existem relatos acerca do preparo e venda da feijoada no final do século XIX, no Rio de Janeiro, em uma casa de pasto que atendia estudantes, escritores e boêmios. Já no início do século XX, a feijoada foi reconhecida como unanimidade nacional (CHAVES; FREIXA, 2017). Conheceremos a receita da tradicional feijoada brasileira, adaptada do livro 400 g: técnicas de cozinha (2007), dos autores Betty Kövesi, Carlos Siffert, Carole Cremae e Gabriela Martinoli. Receita da feijoada brasileira // Rendimento: 15 a 20 porções. // Ingredientes: 200 g de orelha de porco salgada; 1 pé de porco salgado; 1 rabo de porco salgado; 2 línguas de porco salgadas; 700 g de carne-seca; 700 g de costelinha de porco salgada; 1 e ½ kg de feijão-preto; 3 folhas de louro; 4 paios em rodelas; 4 gomos de linguiça calabresa defumada em rodelas; 100 ml de banha de porco ou óleo; 10 dentes de alho picados; 1 cebola grande picada; 1 dose de cachaça; 1 laranja-pera com a casca, sem as extremidades; Pimenta-do-reino moída. // Modo de preparo: Na véspera do preparo, lave bem as carnes salgadas em água corrente e coloque-as de molho na geladeira, trocando uma vez a água; Faça o mesmo procedimento com a carne-seca, cortada em pedaços de 7 cm; No dia seguinte, coloque o feijão para cozinhar com a orelha, o pé de porco e o louro em 4,5 litros de água; Em outra panela cozinhe a carne-seca, a costelinha, o rabo e a língua até começarem a amaciar. Reserve a água do cozimento; Quando o feijão estiver macio, transfira para uma panela maior e junte as carnes cozidas já cortadas, adicionando um pouco da água do cozimento; Depois de alguns minutos, acrescente o paio e a linguiça sem peles, cortados em rodelas; Numa panela grande, doure o alho, e depois adicione a cebola, até que murche. Acrescente a pimenta-do- reino e transfira o refogado para a panela do feijão; Junte a cachaça, a laranja, e mais um pouco do caldo do cozimento; Cozinhe por mais alguns minutos até o caldo engrossar; Depois de pronta, o ideal é deixá-la descansar por uma noite na geladeira; Decorridas 12 horas, uma nata de gordura terá se formado na superfície da panela. Remova toda essa gordura, preservando a camada gelatinosa que se forma logo abaixo dela; Aqueça e feijoada e sirva acompanhada de arroz branco, farofa ou farinha de mandioca, couve refogada, torresmo, caldinho de feijão e molho de pimenta. A alimentação nos rituais de oferenda O candomblé é uma das religiões de matriz africana amplamente difundidas na Bahia, a qual foi introduzida no Brasil com a escravização dos trabalhadores africanos. Nas terras brasileiras, as celebrações de sua religião eram condenadas, por serem consideradas bruxaria. Dessa forma, os escravos praticavam sua religião de forma secreta nas matas. A fim de preservar o culto às suas divindades, os africanos disfarçavam seus deuses através de referências aos santos católicos. Dessa forma, cada orixá possuía um santo católico que o representasse. EXPLICANDO O sincretismo religioso é observado através da fusão de vários elementos culturais ou religiosos em um só, continuando perceptíveis os traços originais. Sendo assim, quando os africanos direcionavam suas preces à um determinado santo católico, na verdade estava falando diretamente com um orixá de sua devoção. Os rituais de oferenda eram e são realizados para pedir ou agradecer por alguma graça ou dádiva. Essas práticas aproximam os homens dos deuses e são uma maneira de manter contato com o mundo espiritual. Nessa perspectiva, as comidas de oferenda são sagradas nos rituais afro- brasileiros, e cada tipo de alimento é servido especificamente a um orixá. Quando prontos, são oferecidos aos orixás com cantigas e rezas, de forma que ele aceite a oferenda e impregne o alimento com energias positivas. A pessoa responsável por preparar as oferendas é chamada de Iyabassê, a qual deve conhecer os rituais e os ingredientes de agrado para cada um dos santos (CASCUDO, 2011). Os rituais de oferenda foram introduzidos no Brasil pela cultura africana, em suas celebrações religiosas. Analisaremos agora os ingredientes de origem africana e seus equivalentes nativos que são utilizados nas comidas de santo, e também conheceremos as principais comidas ritualísticas, as quais são preparadas principalmente no estado da Bahia. INGREDIENTES DOS RITUAIS DE OFERENDA No Brasil, as tradições africanas foram preservadas, porém se adaptaram aos produtos locais. As oferendas serviam como comida de deuses e também alimento aos seus devotos. A improvisação é a marca da comida ritualística brasileira. O inhame é um tubérculo africano servido como oferenda para muitos orixás. No Brasil, a mandioca entra nas comidas de rituais em substituição ao inhame por sua similaridade. Originalmente, o amalá de Xangô era preparado com farinha de inhame, mas no Brasil é feito com farinha de mandioca ou de milho. O emu, que era o vinho de palma produzido na África, servido em agrado a Exu, Ogum e Oxossi, aqui foi substituído pela original cachaça. Agalinha d’angola foi trazida ao Brasil pelos africanos para a preparação de comidas ritualísticas em ofertas a Ogum. Na África as galinhas são animais de sacrifício e não de alimentação regular. Apesar de sua finalidade, a galinha foi introduzida nas receitas baianas. Outros animais como os bodes, ovelhas e carneiros tinham, em seu local de origem, o mesmo destino das galinhas, sacrificados apenas em homenagens aos deuses, mas não para o consumo de sua carne. O quiabo é a maior presença africana nas oferendas, elemento que foi introduzido pelos africanos no país ainda no primeiro século do descobrimento. Figura nas preparações de oferendas, como o caruru. Além disso, apresentam-se nos rituais afro-brasileiros alimentos como: o dendê, o leite de coco, o camarão seco e o gengibre, temperando pratos de oferenda, nascidos nos terreiros de candomblé. A INFLUÊNCIA DOS RITUAIS DA COZINHA BAIANA Os primeiros africanos chegaram, primeiramente, a Salvador, onde eram vendidos para exercer trabalho escravo nos engenhos de açúcar da região. Os africanos preservavam suas tradições, como a cultura manifestada através de músicas e das danças. Entre essas tradições, estavam os rituais religiosos, nos quais as divindades de sua crença eram reverenciados. Os hábitos alimentares na Bahia são diretamente influenciados pelas religiões de origem africanas. As chamadas “comidas de santo” eram e são servidas em homenagem a um orixá da devoção de quem preparava o alimento. As oferendas às divindades africanas originaram várias receitas que se popularizaram e são símbolos da gastronomia baiana como: Abará: O abará e o acaçá eram preparados em homenagem a Oxalá, considerado o pai de todos os orixás. O abará é um cozido de feijão-fradinho, camarão seco, cebola e azeite de dendê. Já o acaçá é um bolo de massa fina de arroz ou de milho, envolto em folha de bananeira e cozido em banho-maria. Caruru: O caruru é um guisado feito com quiabo, camarão seco, amendoim, farinha, azeite de dendê, cheiro-verde, cebola, alho e pimenta de cheiro. É servido como oferenda a Xangô e aos orixás gêmeos Ibejis. Xinxim de galinha: O xinxim de galinha é um ensopado refogado no dendê, temperado com louro, coentro, camarão seco, castanha de caju, amendoim torrado e gengibre. Preparado para o agrado de Oxum em pedidos de fertilidade. Sarapatel: O sarapatel envolve miúdos de porco, pimentão, coentro, toucinho defumado, pimenta-de-cheiro, louro, cominho e limão e é servido para a orixá Nanã. Bobó: O bobó é uma massa (geralmente de mandioca cozida), temperada com azeite de dendê, camarão seco, cebola, alho e gengibre ralados, sal e pimenta. É servido puro ou acompanhando carne ou peixe. O bobó de camarão é oferecido à Iansã. Vatapá: O vatapá é uma massa feita com castanha-de-caju, camarão seco, amendoim torrado, leite de coco, caldo de peixe e gengibre. Pode ser servido como prato principal ou como recheio do acarajé, preparado em rituais de oferenda a Ogum. Acarajé: O acarajé é um bolinho com massa de feijão-fradinho frito em azeite de dendê, servido em honra a Iansã. O acarajé atualmente é considerado Patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Esses pratos da cultura local fazem parte dos hábitos alimentares cotidianos dos baianos e agradam não somente aos orixás, mas também aos turistas que se deleitam com essas iguarias. Conheceremos a receita do tradicional vatapá baiano conforme demonstrado na Figura 5, comida ritualística que ganhou a apreciação popular. A receita foi adaptada do livro Dona Benta: comer bem (2004), da Companhia Editora Nacional. Receita de vatapá baiano // Ingredientes: 6 pães com casca, postos de molho no leite; 50 g de camarões secos; 100 g de amendoins torrados e sem pele; 100 g de castanha-de-caju; 250 g de farinha de mandioca; 1 cebola grande; 3 dentes de alho; 1 raiz de gengibre; 2 cocos grandes ralados; 600 ml de água quente; 8 tomates sem peles; Salsinha, cebolinha e coentro picados; 200 ml de azeite de dendê; 1 kg de camarões frescos limpos. // Modo de preparo: Coloque os pães de molho em leite de vaca e deixe até que amoleçam. Bata-os com o leite no liquidificador e reserve; Aqueça no forno os camarões secos e retire as cabeças e as cascas. Reserve o restante separadamente; Bata no liquidificador ou no processador o amendoim, a castanha-de-caju, os camarões secos, a farinha de mandioca, a cebola, o alho e o gengibre, reduzindo tudo a uma farinha fina. Passe essa farinha por peneira e reserve; Adicione a água quente ao coco ralado e deixe descansar um pouco. Passe por um guardanapo e esprema para tirar o leite grosso e reserve; Junte as cascas de camarão ao bagaço do coco e leve a ferver com um pouco de água. Quando o caldo apurar, coe e reserve; Bata no liquidificador os tomates, a salsinha, o coentro e a cebolinha; Em uma panela grande, junte os tomates batidos à pasta de pão batido, à farofa peneirada e ao caldo das cascas com o coco. Leve ao fogo até o ponto de ebulição; Adicione o azeite de dendê, sal e pimenta, mexendo sempre; O ponto de cozimento do vatapá é quando começar a se enrugar e desgrudar da panela; Adicione o leite grosso do coco reservado e os camarões frescos. Cozinhe por mais alguns minutos; Sirva com arroz branco ou como tradicional recheio de vatapá. Folclore na alimentação brasileira O folclore é compreendido através de costumes, valores e criações que expressam a identidade cultural e social de um povo e são transmitidas de geração em geração entre os indivíduos de uma etnia. Segundo Olivieri, a palavra "folklore" é de origem saxônica, "folk" significa “povo” e "lore" significa “saber”, portanto o folclore significa a sabedoria popular. logo, os hábitos alimentares de uma população são embasados em misticismo e crenças que aprovam ou não o consumo de certos ingredientes, conforme as condições físicas e sociais dos indivíduos. A alimentação brasileira está cercada por seu folclore e envolve as tradições culturais que originaram a população do país. Sendo assim, nossos hábitos alimentares estão influenciados pela cultura portuguesa, africana e indígena. Os mitos alimentares de origem portuguesa estão relacionados aos costumes europeus e ao cristianismo. As crenças africanas estão ligadas aos seus rituais religiosos, percebidos através das comidas de oferendas em homenagem aos orixás. Os indígenas relatam a origem dos alimentos que formam a base da sua alimentação através de lendas. Dessa forma, as tribos foram responsáveis pela criação dos insumos da terra. Sendo assim, analisaremos os mitos e as crenças alimentares transmitidas pelos portugueses e por sua fé, e conheceremos as origens de produtos tipicamente brasileiros, contados através de lendas indígenas. CONTIN AS CRENÇAS ALIMENTARES RELACIONADAS AOS ALIMENTOS E À FÉ CRISTÃ A alimentação está cercada de crenças desde sua preparação até como a refeição deve ser servida. A forma de alimentar-se também é cercada de cerimônia e misticismo, a fim de atrair bons agouros ou afastar a negatividade. Dessa maneira, muitos aspectos referentes à alimentação dos brasileiros têm sua origem relacionada ao cristianismo, proveniente da religião católica praticada pelos portugueses. De acordo com Câmara Cascudo (2011), uma das mais famosas tradições alimentares orienta evitar o número de treze pessoas à mesa da refeição. Caso isso ocorra, é recomendável acrescentar mais um convidado, ou até mesmo colocar alguém em mesa separada. O número representa infelicidade para o anfitrião ou algum convidado. Acreditava-se que, caso treze convidados permaneçam à mesa, o primeiro ou o último a levantar-se morrerá. A crença é justificada pelo cristianismo, fazendo referência à última ceia de Cristo, pois, na últimaceia, Jesus Cristo se reuniu com seus doze discípulos, foi traído por Judas Iscariotes e morto. Judas foi o primeiro a retirar-se da refeição e também morreu, cometendo suicídio. As crenças alimentares relacionadas à religiosidade não param por aí. Eles acreditavam, ainda, que não se podia jogar fora o pão, pelo fato de representar o corpo de Deus. Também não era permitido alimentar-se despido pois seria como uma ofensa ao anjo da guarda e, da mesma forma, não se devia dizer palavras de baixo calão durante as refeições para não desrespeitar o anjo da guarda, que assiste aos cristãos enquanto se alimentam. Por outro lado, comer com chapéu na cabeça representava comer na companhia do diabo. Também acreditavam que não se devia levantar a comida do solo porque pertencia às almas. Além disso, havia a crendice de que derrubar alguns alimentos tinha significado. Derramar farinha era um anúncio de fartura, ao passo que derrubar sal podia trazer mau agouro. Já o vinho derramado era um sinal de alegria. O hábito de fazer o sinal da cruz era praticado pelas cozinheiras para espantar o demônio que viesse estragar a elaboração dos alimentos. Nessa perspectiva, o fogo era visto como um elemento sagrado, haja vista que não se podia praguejar quando estivesse acendendo o fogareiro pois acreditava-se que o diabo viria ajudar. O ato de cozinhar também é cercado de misticismo popular, por exemplo, que certos alimentos só podem ser feitos em determinadas vasilhas, já que as panelas, frigideiras e caçarolas tinham personalidades distintas. Uma única pessoa devia mexer a preparação para não tirar o sabor das iguarias. Também não se devia experimentar mais de três vezes o alimento pelo mesmo motivo, nem mexer a comida com a faca porque fazia mal. Da mesma forma, o tempo de cozimento das preparações estava relacionado às diversas superstições (CASCUDO, 2011). As mulheres menstruadas ou grávidas sofriam restrições quanto ao preparo de alimentos. Acreditava-se que a mulher grávida ajudava a crescer as massas e cozidos, porém não devia preparar assados. A mulher menstruada, por exemplo, não devia bater ovos ou mexer canjica, bem como temperar carnes e nem assar bolos, pois ficaria encruado. Existe ainda a crença do cozinheiro ter boa ou má mão para cozinhar. Quem tem “boa mão” apresenta excelência no trabalho, o tempero apurado, ovos que aumentam de volume, os assados sempre no ponto. Ao contrário, quem não tem “boa mão” apresenta rendimento inferior. Também é possível ter “boa mão” para determinados alimentos e não para outros, visto que a cozinheira que tinha a “mão boa” para a doçaria era muito valorizada. MITOS E LENDAS SOBRE OS ALIMENTOS NO BRASIL As lendas que envolvem a origem dos alimentos mais populares no Brasil são de origem indígena. As lendas indígenas são histórias fantásticas, cercadas de mistério sobrenatural que se relacionam à magia e à feitiçaria. Elas têm o objetivo de demonstrar que os alimentos são uma dádiva dos deuses aos homens em retribuição aos seus sacrifícios e devoção. Uma das mais famosas lendas indígenas está relacionada à origem da mandioca, chamada por eles de “maní”. A história relata que Saíra, filha do cacique Cauré, ficou grávida sem saber de quem, decepcionando o pai, que esperava que ela se casasse com um guerreiro. Saíra foi banida de sua tribo e confinada em uma oca até que uma linda menina nascesse. A criança tinha a pele e cabelos claros e olhos azuis e recebeu o nome de Maní. Maní encantou a todos na tribo com sua alegria, principalmente ao avô. Para desespero de sua mãe e avô, um dia a menina não acordou. Sua mãe decidiu enterrá-la nas proximidades da oca, onde pudesse chorar e regar sua sepultura. Um dia percebeu que uma planta com muitas folhas cresceu onde Maní estava enterrada, e, ao arrancá-la, surgiu uma enorme raiz com casca marrom e interior muito branco, como a pele da criança. O cacique provou essa raiz desconhecida e achou deliciosa, percebendo que poderia ser um alimento que saciaria a fome da tribo. Em homenagem à neta, deu à raiz o nome de “mandioca”, que significa “corpo de Maní”. Também existem muitos mitos sobre a origem do guaraná. Uma das lendas mais reconhecidas é a da tribo sateré-maué. A história diz que a índia Onhiámuáçabê engravidou de uma cobra que tocou sua perna, dando à luz um belo e forte menino, admirado por todos. Um dia, ao se alimentar sob uma árvore sagrada, o menino morreu. A mãe disse que Tupã ordenou que ela enterrasse os olhos de seu filho na terra, para que ali nascesse uma planta que faria bem a todos os homens e livraria o corpo de todas as doenças. Dessa forma, nasceu o guaraná, uma fruta abundante na região amazônica, que se assemelha a um olho, conforme demonstra a Figura 6. A lenda do açaí é originária da região amazônica. Em um certo tempo, uma tribo indígena estava passando por um período de escassez de alimentos. Para amenizar o problema, o cacique Itaki resolveu sacrificar as crianças que nascessem dali em diante, para que não faltasse alimentos para a população. Entretanto, Iaçã, filha de Itaki, deu à luz uma menina, que não foi poupada do sacrifício. Sua mãe ficou desolada e pediu ao deus Tupã uma orientação para que o cacique encontrasse outra forma de alimentar a tribo, sem a morte de crianças. Dessa forma, em uma noite Iaçã ouviu um choro de criança e o seguiu, até encontrar sua filha perto de uma palmeira. Quando abraçou a menina, ela desapareceu. A índia desfaleceu abraçada à palmeira, quando foi encontrada, seus olhos estavam voltados para os pequenos frutos no alto da árvore. Itaki colheu os frutos nutritivos que serviriam de alimento para sua tribo, pondo fim ao sacrifício de crianças. Colocou o nome de açaí no fruto (Iaçã de trás para frente) em homenagem à sua filha. A lenda do milho narra a história de uma tribo indígena que passava dificuldades devido à escassez de água. Seus rios estavam secos e a terra era improdutiva por falta de chuvas. Diante disso, o cacique decidiu entregar seu corpo em sacrifício para que Tupã fizesse chover novamente, irrigando a terra e permitindo a volta dos alimentos e animais que nutrissem seu povo. O cacique havia ordenado que seu corpo fosse enterrado em uma planície quente, e nesse local começou a nascer uma planta forte, com espigas douradas. A tribo colheu as espigas e se alimentou com elas, saciando sua fome. O milho na língua tupi é chamado de auati, nome do chefe da tribo que fez brotar o alimento. A diversidade gastronômica brasileira e a contemporaneidade A rica diversidade gastronômica brasileira surgiu das múltiplas possibilidades de elaboração de pratos e utilização de ingredientes oriundos das culturas que conviviam no país. A partir do século XIX, a declaração da Independência do Brasil favoreceu a consolidação da identidade cultural e da cozinha nacional. Com a entrada de imigrantes de diversas origens, nossa cozinha foi temperada com ainda mais diversidade. Os imigrantes introduziram não só novos pratos, como também novos ingredientes, sobretudo aqueles que se davam bem em climas mais amenos. Assim, observaremos a formação das identidades das cozinhas típicas regionais no Brasil, e como receberam a influência dos imigrantes europeus e asiáticos que habitaram suas terras. Além disso, analisaremos as tendências contemporâneas na gastronomia brasileira. AS COZINHAS TÍPICAS REGIONAIS Os imigrantes chegaram ao Brasil para suprir força de trabalho servil dos escravos africanos nas lavouras após a abolição da escravatura no Brasil. Eles buscavam oportunidades de melhor qualidade de vida na nova terra e trouxeram suas receitas e ingredientes do país que deixaram. Por todas as regiões do país prevalecem ingredientes de origem nativa, como o feijão, a farinha e as carnes. Porém, facilmente identificamos as diversidades das cozinhas regionais, caracterizadas pelas receitas elaboradas com ingredientes que são encontradosem cada parte, bem como as influências dos povos que se fixaram em seu território. A culinária da região Norte é caracterizada pela influência indígena, considerada uma das mais originais do país. A biodiversidade da região amazônica fornece incontáveis espécies de frutas, vegetais, aves e peixes de valor inestimável para a identidade gastronômica brasileira. A mandioca produz uma gama de produtos que figuram em variadas preparações culinárias. O peixe de destaque na região é o pirarucu, e a tradição é que as comunidades nativas façam a salga de sua carne. Os diversos tipos de frutas são usados para fazer sorvetes, doces, geleias, bombons, além de seu consumo natural. As mais notáveis são o guaraná, o cupuaçu, o açaí, a banana-da-terra e a castanha-do-brasil. O jambu é uma erva utilizada em muitos pratos, conferindo sabor inigualável às receitas. As cozinhas da região Nordeste podem ser identificadas em dois segmentos: a cozinha do sertão e a do litoral. A culinária do sertão é marcada pela presença da rapadura, herança dos engenhos de açúcar. A farinha de milho entra na receita do tradicional cuscuz cozido em leite enquanto a abóbora e o queijo coalho são acompanhamentos indispensáveis de iguarias como a carne de sol. Entre os pratos típicos do sertão nordestino estão o baião de dois, o quibebe, a galinha ao molho pardo e o arroz de capote. A cozinha do litoral é caracterizada pela variedade de pescados e crustáceos em caldeiradas, assados, fritos ou empanados. O pirão e a farofa são acompanhamentos indispensáveis dos pratos litorâneos. Pela imensa variedade de frutas são servidos sucos, doces, compotas e bolos. Estão presentes o caju, o abacaxi, a manga, a pitanga, a graviola, a acerola e a jaca. Entre os pratos de maior destaque estão a lagosta e a peixada cearenses, o ensopado de caranguejo da Paraíba, o sururu de capote do Alagoas. A cozinha do Maranhão é mais delicada e suave, com destaque para os pratos de arroz, como o arroz de cuxá. A culinária do estado da Bahia é caracterizada pela forte influência da cozinha africana, apresentando iguarias como o vatapá, acarajé, o bobó e a moqueca. A culinária do Centro-Oeste é diversificada entre a região do Pantanal e do Cerrado. No cardápio do Pantanal estão pratos de peixes, como a piranha, o pintado e o pacu. Com o desenvolvimento da pecuária na região, o consumo de carne bovina também é marcante; o guisado pantaneiro e o arroz de carreteiro são especialidades da região. Na região do Cerrado existe a inspiração da cozinha mineira, que se expandiu até esse território no período do ouro. A fruta característica do Cerrado é o pequi, ingrediente da galinhada e do arroz com pequi. O empadão goiano é uma especialidade do Cerrado, e os doces de Goiás conquistam a atenção devido ao seu preparo artesanal pelas doceiras do estado. A gastronomia da região Sudeste é muito diversificada. A cozinha do estado de São Paulo é marcada pela origem dos bandeirantes, preservando pratos como o virado à paulista, a galinha caipira e o cuscuz paulista. A dieta dos tropeiros é percebida mais na região do vale do Paraíba, com o bolinho caipira, o afogado e o feijão tropeiro. A gastronomia paulista também incorporou as influências italianas, árabes e japonesas, observadas nas massas, pizzas, esfirras, pastéis e sushis. Como especialidades de origem portuguesa, encontramos o bolinho de bacalhau e o sanduíche de mortadela. A culinária do Rio de Janeiro é marcada pela influência portuguesa, já que foi a sede do Império por mais de dois séculos, preservando a preferência por pratos com bacalhau. Entre as especialidades do estado, estão o cozido carioca, o picadinho de carne, a sopa de frutos do mar e a tradicional feijoada. Em Minas Gerais, existe a presença da autêntica cozinha tropeira, com pratos substanciosos, como a vaca atolada, o frango com quiabo e o tutu à mineira. A carne de porco é a mais consumida no estado, como o leitão à pururuca, a costelinha e o arroz com suã. Além disso, os doces de frutas em compotas são especialidades na região. O queijo produzido em Minas é uma iguaria muito conceituada que figura na preparação de muitos aperitivos, principalmente na panificação. Já o estado do Espírito Santo é marcado por influências indígenas, principalmente no litoral, e pelos imigrantes italianos e alemães na região serrana. Entre as especialidades do estado, estão a moqueca capixaba, a torta capixaba e a garoupa salgada. A cozinha da região Sul recebeu fortes influências da cultura alemã, portuguesa e italiana. Dessa forma, muitas receitas provenientes da tradição europeia são preservadas na região. Entretanto, o churrasco é o produto tipicamente brasileiro que foi criado pelos gaúchos. O estado do Paraná prepara pratos com o pinhão, em receitas doces ou salgadas, e também produtos alemães como as linguiças de porco, carnes defumadas e os picles. O barreado é uma especialidade do estado de origem portuguesa. Em Santa Catarina, o marreco é uma ave apreciada, além disso, os peixes e as ostras são de excelente qualidade. A tainha escaldada, o camarão ao bafo e o pirão de peixe são pratos típicos do estado. O Rio Grande do Sul difundiu a cultura do churrasco e o modelo da churrascaria em sistema rodízio para todo o país. O arroz de carreteiro, a farinha de mandioca e o feijão campeiro são os acompanhamentos típicos do churrasco. Outro produto típico da região é o charque e, na região das serras, é marcante a influência alemã, com o serviço do café colonial; e a influência italiana, com a preparação de massas e polentas. TENDÊNCIAS NA GASTRONOMIA BRASILEIRA O processo da globalização é responsável pelo fenômeno da padronização cultural a nível mundial. Esse fenômeno também pode ser percebido nos hábitos alimentares, pois as tecnologias da indústria da alimentação disponibilizam produtos cada vez mais processados e também padronizados. A padronização alimentar encontra seu auge no movimento dos fast-foods, nos quais podemos encontrar comidas industrializadas e com o mesmo sabor em diferentes partes do mundo. Atualmente, a gastronomia avança rumo ao resgate da diversidade de ingredientes e de sabores regionais. Nessa perspectiva, a cozinha contemporânea busca a interpretação de heranças culturais e se manifesta na liberdade de criação e combinação de sabores. A gastronomia no Brasil segue a tendência de movimentos internacionais como o Slow Food, que apoia projetos voltados a pequenos agricultores e artesãos, valorizando ingredientes brasileiros. Uma iniciativa do movimento é catalogar produtos importantes para a gastronomia nacional, destacando-se o pequi, o cambuci, a castanha de baru e o arroz vermelho. Nas cozinhas de vanguarda, a alta tecnologia é atrelada aos novos métodos de cocção para realizar a releitura de pratos regionais e o resgate de ingredientes, que são apresentados de forma desconstruída ou reconstruída. O maior representante brasileiro da gastronomia de vanguarda é o chefe Alex Atala, sócio do restaurante D.O.M., considerado um dos melhores do mundo desde 2006 pela Restaurante Magazine, de Londres (CHAVES; FREIXA, 2017). CURIOSIDADE Em sua participação na série de conferências TEDx Talks (realizadas na Europa, na Ásia e nas Américas pela fundação Sapling), o chef Alex Atala defende que os aromas e sabores são interpretados conforme a cultura, a sociedade e a época em que vivemos. Diz acreditar, ainda, que o alimento é o elo cultural entre a natureza e o ser humano. O chef Atala costuma utilizar, em sua cozinha, ingredientes amazônicos para fazer releituras de receitas brasileiras. Sua cozinha autoral divulga a cultura e gastronomia, levando ao mundo o reconhecimento da comida brasileira. Outros chefs brasileiros seguem a mesma tendência da gastronomia, buscando a valorização de nossos ingredientes regionais, respeitando os produtores e mantendo um processo criativo na apresentação de receitas tradicionais. Conheceremosa preparação do linguado com farofa de maracujá (Figura 7), receita criada pelo chef Alex Atala, a partir do qual poderemos observar a apresentação e valorização de elementos tipicamente brasileiros. A receita foi adaptada da revista impressa e digital Prazeres da mesa, na matéria “Alex Atala em sete atos”, publicada em 2011. Receita de linguado com farofa de maracujá // Ingredientes: 800 g de filé de linguado com a pele; Sal e pimenta-do-reino a gosto. // Ingredientes da farofa: 300 g de farinha de milho em flocos grandes; 50 g de manteiga sem sal; 20 g de açúcar; 2 maracujás (somente a polpa com sementes); 1 cebola em cubos; Sal e pimenta-do-reino a gosto. // Ingredientes do vinagrete: 50 ml de suco de maracujá; 10 ml de vinagre branco; 1 cenoura sem casca; 1 pimentão verde pequeno sem pele; 1 pimentão vermelho sem pele; ½ cebola; Óleo de canola a gosto; Sal e pimenta-do-reino. // Modo de preparo da farofa: Em uma frigideira derreta a manteiga, acrescente a cebola e deixe até murchar; Adicione a polpa de maracujá e o açúcar, deixe reduzir por alguns segundos e acrescente a farinha de milho; Salteie a farinha até secar e acerte sal e pimenta-do-reino. // Modo de preparo do vinagrete: Corte os legumes em brunoise finamente; Finalize com óleo de canola, suco de maracujá, vinagre, sal e pimenta-do-reino. // Finalização: Tempere o linguado com sal e pimenta-do-reino; Sele o lado da pele primeiro, até que fique crocante, e finalize o ponto do outro lado; Sirva com a farofa de maracujá e o molho vinagrete. SINTETIZANDO Por intermédio dos fatos estudados, compreendemos a influência da cozinha portuguesa nos hábitos alimentares brasileiros. A alimentação dos portugueses era caracterizada por preservar técnicas da culinária árabe e alguns de seus ingredientes. Em Portugal, as refeições eram compostas por carnes defumadas ou salgadas, pescados e mariscos, assim como as tradicionais técnicas da doçaria desenvolvidas nos conventos. Observamos que a chegada dos colonos ao Brasil trouxe consigo as tradições gastronômicas da cultura europeia, como a preparação de cozidos e sopas, além de ingredientes essenciais em suas receitas, como os ovos e o leite. Mesmo assim, os portugueses adaptaram sua alimentação aos produtos brasileiros, introduzindo a farinha em sua alimentação diária. Analisamos a importância de dois elementos fundamentais nas refeições brasileiras: o feijão e a farinha. O feijão já era conhecido pelos europeus, entretanto, as variedades brasileiras apresentavam qualidade superior. Dessa forma, ele entrou na base da alimentação dos brasileiros como protagonista, não com a importância secundária que tinha nas refeições dos povos indígenas. A farinha de mandioca, por sua vez, era essencial para compor a refeição de todas as classes sociais no país. Quando juntos, o feijão e a farinha são complementares, formando pratos que se tornam uma refeição equilibrada e substancial. Reconhecemos que a feijoada é um prato tipicamente brasileiro, originado dos tradicionais cozidos portugueses, sendo adaptada aos ingredientes disponíveis no Brasil. Identificamos a influência das comidas de oferendas introduzidas no país através da cultura africana. Alguns ingredientes e animais trazidos com os africanos não eram destinados ao consumo, mas sim a preparação de rituais em homenagem às divindades, como como no caso da galinha d’angola e e do quiabo. Outros ingredientes africanos foram substituídos por alimentos similares nas oferendas. Cada prato criado era oferecido ao agrado a um orixá específico. Dessa forma, podemos observar que as principais especialidades da cozinha baiana nasceram a partir da criação das comidas de santo. Observamos que o folclore relacionado aos hábitos alimentares dos brasileiros tem origem nas culturas que formaram o país. Dos portugueses herdamos os costumes e as crenças relacionadas ao cristianismo, visto que a religiosidade determina os costumes referentes à preparação e ao ato da alimentação. Os povos indígenas contam a história do surgimento dos ingredientes que compõem sua base alimentar através de lendas. Essas histórias envolvem o misticismo para justificar que os alimentos foram ofertados aos homens pela dádiva dos deuses. Por fim, reconhecemos a diversidade da gastronomia brasileira por meio da regionalidade. As cozinhas regionais são identificadas pela utilização de ingredientes locais e também pela influência cultural dos imigrantes que habitavam seu território. Analisamos, também, as tendências da gastronomia brasileira, as quais buscam demonstrar suas origens por meio tanto do resgate de seus elementos originais e de receitas tradicionais, como em releituras e criações de chefs com reconhecimento internacional. História da Alimentação e da Gastronomia Receita de bamieh // Ingredientes: // Modo de preparo: // Ingredientes: (1) // Modo de preparo: (1) // Ingredientes: (2) // Modo de preparo: (2) Receita de chop suey // Ingredientes: (3) // Modo de preparo: (3) Receita de falafel // Ingredientes: (4) // Modo de preparo: (4) Receita de carne moída com molho de cerveja // Ingredientes: (5) // Modo de preparo: (5) Receita de sal de ervas // Ingredientes: (6) // Modo de preparo: (6) // Ingredientes: (7) // Modo de preparo: (7) SINTETIZANDO Receita de jortósupa me yaurti // Rendimento: // Ingredientes: // Modo de preparo: HÁBITOS ALIMENTARES NA ROMA ANTIGA Receita de filetto di maiale con salsa al vino // Rendimento: // Ingredientes para o lombo: // Ingredientes para o molho de vinho tinto: // Modo de preparo do molho de vinho tinto: // Modo de preparo do lombo de porco: HÁBITOS ALIMENTARES NA SOCIEDADE FEUDAL A nobreza na Idade Média não ostentava luxo, mesmo nos castelos que eram habitação dos senhores feudais. A diferença entre as classes sociais era percebida através da alimentação, onde a abundância de comida est... Receita de cuscuz marroquino com legumes // Ingredientes: // Modo de preparo: O SIMBOLISMO NA ALIMENTAÇÃO JUDAICA // Receita de pão ázimo // Ingredientes: // Modo de preparo: (8) SINTETIZANDO (1) Quindim // Rendimento: // Ingredientes: // Modo de preparo: HÁBITOS ALIMENTARES DOS BANDEIRANTES HÁBITOS ALIMENTARES TROPEIROS Feijão tropeiro // Rendimento: // Ingredientes: // Modo de preparo: HÁBITOS ALIMENTARES INDÍGENAS Pato ao tucupi // Ingredientes: // Modo de preparo: A HERANÇA ALIMENTAR AFRICANA A ALIMENTAÇÃO DOS AFRICANOS ESCRAVIZADOS Acarajé // Ingredientes: // Modo de preparo: SINTETIZANDO (2) A HERANÇA DA COZINHA PORTUGUESA HÁBITOS ALIMENTARES DOS PORTUGUESES NO BRASIL INGREDIENTES TRADICIONAIS PORTUGUESES Receita de galinha mourisca // Ingredientes: // Modo de preparo: // Modo de preparo dos ovos pochê: O FEIJÃO A FARINHA A FEIJOADA Receita da feijoada brasileira // Rendimento: // Ingredientes: // Modo de preparo: INGREDIENTES DOS RITUAIS DE OFERENDA A INFLUÊNCIA DOS RITUAIS DA COZINHA BAIANA Receita de vatapá baiano // Ingredientes: // Modo de preparo: AS CRENÇAS ALIMENTARES RELACIONADAS AOS ALIMENTOS E À FÉ CRISTÃ MITOS E LENDAS SOBRE OS ALIMENTOS NO BRASIL AS COZINHAS TÍPICAS REGIONAIS TENDÊNCIAS NA GASTRONOMIA BRASILEIRA Receita de linguado com farofa de maracujá // Ingredientes: // Ingredientes da farofa: // Ingredientes do vinagrete: // Modo de preparo da farofa: // Modo de preparo do vinagrete: // Finalização: SINTETIZANDO (3)