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PSICOMOTRICIDADE CLÍNICA E RELACIONAL 2 2 Sumário NOSSA HISTÓRIA ............................................................................................. 3 1. ORIGEM HISTÓRICA DA PSICOMOTRICIDADE ......................................... 4 2. A PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL E CLÍNICA ...................................... 7 3. PSICOMOTRICIDADE CLÍNICA, FUNCIONAL E RELACIONAL – LIMITES E POSSIBILIDADES ............................................................................................ 20 4. PSICOMOTRICIDADE CLÁSSICA E A RELACIONAL ................................ 24 5. O MEIO AQUÁTICO ..................................................................................... 28 5.1 METODOLOGIAS DE TRABALHO NO MEIO AQUÁTICO .................................. 33 5.2 A INTERVENÇÃO EM PORTADORES DE SÍNDROME DE DOWN E PARALISIA CEREBRAL ................................................................................................................ 37 6. A EQUOTERAPIA E A ASINOTERAPIA ...................................................... 42 6.1 EVOLUÇÃO E HISTÓRIA DAS RELAÇÕES HOMEM-CAVALO ...................... 43 6.2 EQUOTERAPIA ......................................................................................................................... 45 7. CONHECENDO OS PORTADORES DE PARALISIA CEREBRAL .............. 57 8. CONHECENDO A DEFICIÊNCIA VISUAL ................................................... 66 9. REFERÊNCIAS ............................................................................................ 73 3 3 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 4 4 1. ORIGEM HISTÓRICA DA PSICOMOTRICIDADE O corpo humano em sua forma e movimento é estudado, analisado, cultuado desde a Antiguidade. Os registros históricos nos sugerem a Grécia como a civilização antiga que mais importância dava ao corpo físico. A veneração dos greco-romanos ao corpo chega ao ponto de delegarem, há cerca de 2.500 anos A.C., a beleza física e estética importância igual ao intelecto, pensamento este traduzido na frase ―mens sana in corpore sano (mente saudável em corpo são). A demonstração do culto ao corpo podia ser visto nas obras de arte tão bem produzidas, tendo sempre uma exposição grandiosa em lugares de importância e públicos. Já quando adentramos a esfera filosófica da época, temos o corpo sendo visto e estudado sob outra ótica, qual seja, a de uma das partes da engrenagem, da organização do Ser Humano. Nesta esfera filosófica a dicotomia entre corpo e alma é clara e objetiva, cabendo ao corpo o papel de um organismo a ser usada pela Alma, essa sim, revelando condição de superioridade, de comando, o status da eternidade, a representante do Ser pensante. Inseridos neste contexto temos, na era pré-cristã, Sócrates (470 ou 469 A.C) e Platão (427-347 A.C) com a imortalidade da alma, restando ao corpo o lugar transitório da alma imortal. Aristóteles (384-322 A.C) vendo o Homem como um Ser formado inseparavelmente pelos elementos matéria e forma, sendo o corpo a matéria moldada pela alma, a forma, sendo esta a responsável pelos movimentos corporais. O entendimento de Sócrates, o qual não se tem conhecimento de nenhum registro feito pelo próprio, e o de Platão, podem ser constatados através dos registros deixados por Platão, como em sua obra filosófica. Quanto a Aristóteles, discípulo de Platão, a questão corpo-alma não é concebida da mesma forma que a do mestrel, uma vez que não entende o corpo como uma prisão, um entrave da alma, para o filósofo há uma composição entre corpo e alma, e que as diferenças existentes entre os corpos não afetam a alma, a essência, contudo, não se afasta do dualismo reinante a respeito do tema entendendo a relação corpo e alma como uma relação matéria e forma, sendo a alma a forma do corpo. 5 5 Já bem adiante, sec. XVII, Descartes (1596-1650), com seu cartesianismo, vêm exacerbar ainda mais a dicotomia corpo e alma, sendo duas substâncias. Completas, distintas, pondo o corpo como extensão, e a alma como o pensamento, como um elemento simples sem extensão, sendo esta soberana em relação ao corpo, completa e imortal. Todavia, estabelece certa união entre a alma e o corpo, havendo, por certo, uma relação entre eles além de mera convivência, de maneira a haver interação de movimentos. Essa ideia de haver uma mínima interação entre corpo e alma gera grande dificuldade de ser mantida, uma vez que, para os próprios Descartes, corpo e alma continuam a serem duas substâncias completas e firmemente opostas. Talvez, senão por isso, tenha sido criada a ideia de força, destinado apenas para a função da união da alma e do corpo, como sendo algo primitivo que encontramos em nós, pela qual a alma age sobre o corpo. Até o Sec. XIX o corpo era visto como uma perfeita máquina, onde cada uma das partes corporais era comandada por um correspondente cerebral. Nesta época, dentro de um contexto da neuropsiquiatria e da neurofisiologia, decorrentes da necessidade de se explicar graves lesões corporais sem que, aparentemente, houvesse lesões cerebrais que a justificassem, aparecem as primeiras investigações do corpo não mais como sendo mera extensão (Descartes), como uma porção de matéria‖, uma máquina com peças com exatos e visíveis correspondentes cerebrais. Explicitando esse entendimento aparece Levin (1995) (LEVIN, 1995) afirmando que a primeira vez que psicomotricidade foi nomeada como palavra, em 1870, foi em decorrência da imposição médica de explicar os fenômenos clínicos. Temos a França, no final do século XIX, e no início do século XX, como berço da psicomotricidade, através do desenvolvimento e descobertas da neurofisiologia, possibilitando conhecer diferentes disfunções graves que não mantinham, necessariamente, relação com lesões cerebrais, ou, na existência dessas, que fossem claramente localizadas. Neste contexto, o médico Frances Philippe Tissé, no sec. XIX, em termos práticos pode ter sido o precursor da psicomotricidade, haja vista ter atendido e tratado um caso de instabilidade mental com a chamada ginástica médica, 6 6 por acreditar que se dirigido de forma correta, dentro de preceitos médicos, o trabalho muscular compensaria as impulsões enfermas dos seus pacientes, assim como o controle respiratório, interferiria nos centros cerebrais nos quais se origina a vontade, onde se alojam os pensamentos. Porém, apesar da prática de Tissé, temos como consenso entre a maioria dos autores, Ernest Dupré, neurologista Francês, sendo visto como o pai da psicomotricidade ao realizar os primeiros estudos abordando a perturbação motora e a debilidade mental, e introduzindo a dissociação entre as duas síndromes,a mental e a motora, explicada pela independência relativa das zonas psíquicas e motoras no manto cortical. Outro aspecto desvendado por Dupré foi à importância do corpo, inserido nos seus movimentos, na formação do indivíduo, tanto no que diz respeito à inteligência, como em relação a ser um meio importante de manifestação do indivíduo. A atividade física tem, para o médico, o duplo interesse de ser o único meio, para o indivíduo traduzir para o exterior seus sentimentos e suas ideias e de construir, por ela mesma, um elemento primordial e objetivamente perceptível da personalidade. Adiante desta atmosfera de compreensão, não obstante a essência, ainda, essencialmente neurológica, depreende-se a existência de uma inter-relação entre o desenvolvimento das funções motoras e o desenvolvimento das funções psíquicas. Diante desta nova concepção no meio da neurociência, surge, no aspecto científico, a psicomotricidade como sendo a ciência que compreende o corpo nos aspectos neurofisiológicos, anatômicos e locomotores, uma vez que o "esquema anátomoclínico" que determinava para cada sintoma sua correspondente lesão focal, não mais podia explicar alguns fenômenos patológicos. Pouco mais adiante, na segunda década do século XX, dando início ao fim do aspecto puramente neurofisiológico da psicomotricidade, aparece Henry Wallon, filósofo e médico psiquiatra que adentra com vigor o campo da psicologia, principalmente a da criança, embasando sua teoria do desenvolvimento cognitivo na relação entre motricidade e emoção, chamando tal aspecto de diálogo tônico- emocional. Com Henry Wallon e sua teoria, que estuda a relação entre motricidade e 7 7 caráter, vendo o movimento como construção do psiquismo, correlacionando-o ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos das crianças, temos o fim do dualismo cartesiano no qual imperava a ausência de qualquer relação entre o corpo e o desenvolvimento intelectual e emocional do indivíduo. Sendo assim, após o definitivo desmoronamento da visão dual corpo-mente, e diante da nova concepção científica temos a psicomotricidade, cujo nome já traz em si uma síntese do que é o psico indissoluvelmente ligado ao movimento motor caracterizada por ser a ciência que tem como objeto de estudo o homem por meio do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades perceptivas, de atuar, agir, ou seja, de interagir com o outro, com os objetos e consigo mesmo, tendo o corpo o importante papel de originar as aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. Na esteira desta concepção, a psicomotricidade adentra além do campo clínico - sua origem o campo institucional, atuando na compreensão da terapia, da educação e da reeducação. 2. A PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL E CLÍNICA A psicomotricidade Relacional caracteriza-se por escutar e considerar e notabilizar o diálogo entre o corpo e os aspectos psíquicos do ser humano, focalizando na compreensão e na atividade dos núcleos psicoafetivos e seus decorrentes problemas relacionais interpessoais, oferecendo um espaço de jogo espontâneo, 8 8 incentivando e facilitando o indivíduo a manifestar e expressar suas dificuldades relacionais, suas necessidades e seus desejos, potencializando a socialização através de uma decodificação simbólica do comportamento natural e descontraído do sujeito, através de uma leitura de seu conteúdo comunicativo-simbólico, a fim de intervir na estruturação e evolução da dimensão afetiva, Percussores E Concepções Teóricas Dupré, ao criar o termo e a noção de psicomotricidade, sublinha o paralelismo do desenvolvimento motor e intelectual. Schilder, a partir dos seus trabalhos sobre as noções do corpo maternal e do esquema corporal, estabelece um elo entre percepções corporais e a organização espaço-temporal. Ajuriaguerra, por seus trabalhos sobre o tônus, enfatiza as estreitas relações entre tônus e afetividade. Wallon (do ato ao pensamento) situa a atividade motora como base do desenvolvimento intelectual e psicológico. Piaget, com a epistemologia genética situa o corpo, a atividade motora, a exploração sensório - motora e perceptivo motora como bases primeiras e fundamentais da inteligência. Após sua origem dentro de um contexto médico e tendo como objetivo principal as patologias, a psicomotricidade impulsionada por diversas linhas de pensamento: biomédico, psicopedagógico, e psicanalítico, toma novos rumos com Wallon, Piaget e Ajuriaguerra. Por volta de 1925, Wallon publica seus trabalhos de observação e estudos junto a recém-nascidos e ao desenvolvimento das crianças, que concluem ser o movimento a única expressão e o primeiro instrumento do psiquismo, passando o campo do desenvolvimento ser a linha de pesquisa enfatizada que, de início, traz uma proposta reeducativa. Já em torno 1947/1948, Julian de Ajuriaguerra revoluciona a trajetória e a narrativa da psicomotricidade, trazendo as primeiras técnicas reeducativas ligadas aos distúrbios psicomotores, e associando, em definitivo, o movimento à concepção da psicomotricidade. Como consequência de seu trabalho, de suas avaliações e conceituações teóricas em relação à psicomotricidade, Ajuriaguerra é considerado como sendo àquele que afasta e derruba de modo efetivo o pragmatismo do conceito neurológico, e com o paralelismo psicomotor de Dupré. 9 9 Ao seu tempo Piaget traz a atividade motora da criança para a base da construção e do desenvolvimento do intelecto cognitivo, interligando o aspecto evolutivo da psicomotricidade com o da inteligência. As pesquisas, práticas, e teoria de Piaget, remolduram e reestruturam a Psicomotricidade, não limitando suas questões apenas ao aspecto reeducativo, mas ressaltando a importância de uma primeira instância educativa. A psicomotricidade já mais distante da reeducação passa a ter como norte a visão terapêutica fundamentada por autores como Le Boulch, Aucouturrier, Defontaine, Lapierre, que enxergavam a psicomotricidade como uma motricidade de relação, começando, desta forma, a ser delimitada uma diferença entre uma postura reeducativa e uma terapêutica, a qual marginaliza técnicas instrumentalistas, relativizando a importância do corpo como único protagonista no processo, ao passo que abarca e destaca a relevância da relação, da afetividade e do emocional. Le Boulch entendia que a educação psicomotora, pelo movimento, tem como objetivo central a ajuda ao desenvolvimento psicomotor da criança, o qual é fator relevante e interligado à evolução da sua personalidade e ao sucesso escolar. Bernard Aucouturier, como outros, sentindo a precisão de evoluir a prática usual, busca uma abordagem com enfoque mais relacional, trabalhando a criança de um ponto de vista global, no qual a unidade, a integração e funcionalidade dos aspectos cognitivos, afetivos e sociais do desenvolvimento infantil, que se expressam nas relações estabelecidas com o espaço, o tempo, os objetos, as pessoas e com seu próprio corpo, sejam respeitadas. Por sua vez Defontaine traz a interligação corpo-espaço- tempo como sendo o meio de se compreender a psicomotricidade. Define também os dois componentes linguísticos da palavra psicomotricidade, sendo o prefixo psico àquele relacionado ao aspecto sensitivo, enquanto que o sufixo motricidade traduz o movimento. Na mesma direção, Lapierre concebe a psicomotricidade em toda a sua vastidão, não cabendo ser conceituada nem descrita com precisão, e tão pouco de forma definitiva. Entende a personalidade advinda da indissolubilidade entre o movimento pensamento motor e o psiquismo, relação esta que acontece nos dois sentidos. Com base nessa concepção Lapierre introduz o termo relacional à palavra 10 10 psicomotricidade distinguindo, seus conceitos,compreensão, e métodos das outras práticas psicomotoras existentes. Defontaine, "declara que só pode ser entendido a psicomotricidade através de uma triangulação corpo, espaço, tempo: a psicomotricidade é um caminho, é o desejo de fazer, de querer fazer e o poder fazer”. (DEFONTAINE APUD OLIVEIRA, 2004). A “qualidade de vida” é a qualidade do ser, não do ter. Ser, existir, é exercer livremente o próprio poder de agir sobre o meio, mantendo a autonomia das próprias decisões. [...] No tipo de educação que é defendido o processo essencial, no qual a atenção do educador está permanentemente concentrada, não é mais o processo de ensino, de transmissão de saberes, mas o processo de evolução da pessoa. (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004, p. 109). No primeiro momento, que pode ser chamado de reeducativo, utiliza as concepções psicogenéticas de Wallon e a epistemologia genética de Piaget (desenvolvimento cognitivo e relacional). Ainda nesse momento, utiliza-se das noções de corpo próprio e de esquema corporal de Schilder e aqui se destaca a passagem para o segundo momento, onde Lapierre se utiliza de uma leitura freudiana associada à não defectividade regeriam. Se levar em conta um dos marcos teóricos da Psicomotricidade relacional que é a comunicação não verbal manifestada através do jogo espontâneo, onde o corpo participa com todas as suas dimensões representativas inseridas em uma complexa rede de Inter-relações, onde estão presentes conteúdos biológicos, psicológicos, somáticos, vivenciais, históricos e sociais, pode-se então compreender e não apenas interpretar, os conflitos intrapsíquicos e suas repercussões psicossomáticas, possibilitando ao ser humano a capacidade para redimensionar suas relações, de forma que possa obter melhores condições de vida e bem estar pessoal, familiar, físico, social e profissional. O Advento Na década de 70, através de André Lapierre, há em definitivo o estabelecimento da Psicomotricidade Relacional, que institui na relação terapêutica um aspecto muito mais psicoterápico que pedagógico, ou funcional, diante das expressões corporais no 11 11 curso do desenvolvimento infantil, tornando-se de efetivo uso no processo cognitivo psicomotor e sócio emocional do ser humano. O ambiente escolar é o meio no qual se estabelece como prática, sem que tenha como objetivo primário os aspectos pedagógicos, uma vez que o essencial e fundamental é a constante busca dos fatores psicoativos relacionais associados às dificuldades de adaptação socioambiental. Nesta significação insere-se o trabalho de André Lapierre e Bemard Aucouturier entre os anos de 1977 a 1980 e, mais tarde, o de André e Anne Lapierre (1982), no qual buscam “(...) reencontrar a dimensão psíquica do corpo e a dimensão corporal do psiquismo”. (FRANCH, 1989, p.12). É na Itália que a psicomotricidade relacional tem sua primeira escola de especialização: Escola Trienal de Especialização em Psicomotricidade Relacional, cuja direção científica ficou a cargo do André Lapierre, ensejo que possibilitou sua integração à ANUPI — Associação Nacional Unificada de Psicomotricidade da Itália — cuja presença se faz em várias escolas de especialização, cabendo aos pertinentes órgãos do governo à autorização e supervisão. A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, por intermédio da UNESCO, e motivada pela conjuntura diversa das necessidades sociais, dá à educação uma nova perspectiva, na qual ficam ressaltados quatro aspectos como sendo a base, o fundamento da nova visão educacional que são: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos; e aprender a ser – reafirmando e consagrando uma visão global, uma concepção holística do indivíduo, em total sintonia com os fundamentos da Psicomotricidade Relacional, trazendo a educação como forte aliada no desenvolvimento total da pessoa. Quanto mais restringir o professor e os alunos a um programa limitado a uma cronologia rígida, mais esterilizarão a criatividade das crianças e mais fracassos será produzido. Ao levar em consideração os interesses dos alunos, é muito além do programa em determinadas áreas, o que poderá não acontecer em outras áreas. Mas se deixarmos evoluir essa dinâmica durante um período de tempo suficiente, será percebido que a imbricação dos conhecimentos é tamanha que o desejo de sua 12 12 ampliação e de seu aprofundamento, em qualquer área, fará surgir a necessidade de adquirir aqueles conhecimentos que tinham sido negligenciados anteriormente, despertando, em relação a eles, um interesse secundário, mas real. Toda a ação com objetivo educativo coloca em jogo, simultaneamente, vários processos, alguns conscientes e outros inconscientes. No ensino atual, toda a atenção está focada nos processos conscientes, e os processos inconscientes são raramente evidenciados. O processo mais consciente é, certamente, o processo do ensino que consiste em transmitir conhecimentos, “saberes”, transmitindo também (e aí o processo é menos consciente) “modelos de pensamento” um “saber fazer” intelectual. O terceiro pilar é aprender a viver juntos, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências, no sentido de realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos. Em contraposição à competitividade cega, a qualquer custo, do mundo de hoje, cabe à escola transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana e, ao mesmo tempo, tomar consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos. Para isso, não basta colocar em contato grupos e pessoas diferentes, o que pode até agravar um clima de concorrência, em especial se alguns entram com estatuto inferior. É preciso, para isso, promover a descoberta do outro, descobrindo-se a si mesmo, para sentir-se na pele do outro e compreender as suas reações. E, além disso, tender para objetivos comuns, trabalhando em conjunto sobre projetos motivadores e fora do habitual, cuja tônica seja a cooperação. A Difusão E Radicação No Brasil José Leopoldo Vieira, diretor do Centro Internacional de Análise Relacional – CIAR de Curitiba, educador e analista corporal da relação, foi o grande propagador da Psicomotricidade Relacional no Brasil, onde a formação especializada tornou-se uma realidade, tendo André Lapierre e Anne Lapierre a orientar e supervisionar a formação da primeira turma de psicoterapeutas relacionais. Com a disseminação e expansão da Psicomotricidade Relacional em vários e diferentes segmentos sociais, e com maior difusão para outras cidades através do CIAR Curitiba e do CIAR de Fortaleza, 13 13 cuja direção é exercida pela Maria Isabel Bellaguarda Batista, psicóloga e analista corporal da relação, a prática da Psicomotricidade Relacional entrou no currículo das escolas públicas de Curitiba por meio da Lei 05 de 03 de maio de 2007. A Psicomotricidade Relacional toca a globalidade do SER, garante a preservação da sua saúde global, redimensiona seus valores dentro de um processo de comunicação autêntico. Definições/Conceitos/Concepções A psicomotricidade relacional não é uma técnica que se possam aprender intelectualmente nos livros. É mais um método, uma maneira de atuar, uma possibilidade de se estabelecer uma comunicação mais humana, mais verdadeira com qualquer pessoa, até mesmo com as crianças, desde a creche e a escola. A Psicomotricidade Relacional visa desenvolver e aprimorar os conceitos relacionados ao enfoque da Globalidade Humana. Busca superar o dualismo cartesiano corpo/mente, enfatizando a importância da comunicação corporal, não apenas pela compreensão da organicidade de suas manifestações, mas essencialmente, pelas relações psicofísicas e sócio emocionais do sujeito. Preza por uma abordagem preventiva, com uma perspectiva qualitativa e, portanto, com ênfase na saúde, não na doença. Se temuma psicomotricidade que visa privilegiar a qualidade da relação afetiva, a disponibilidade tônica onde o corpo e a motricidade são abordados como unidade e totalidade do ser. Segundo seu criador, André Lapierre, a Psicomotricidade Relacional definida como sendo um método que enfatiza o importante vínculo, que existente em cada indivíduo, entre a motricidade, a psique, a afetividade, a emoção e o cognitivo, com o objetivo de afastar as possibilidades de se fazer uma abordagem psicopedagógica e terapêutica limitada, deficiente, ineficaz e, principalmente, prejudicial ao desenvolvimento infantil. Contudo, apesar de não chancelar os fundamentos e a trajetória da educação tradicional, e se colocando à margem da mesma, não propaga sua total extinção. 14 14 O objetivo da Psicomotricidade Relacional é fazer a criança manifestar seus conflitos e vivê-los simbolicamente, tendo como essencial uma atuação mais preventiva diante de problemas de comunicação, de relacionamento com os outros e com a sociedade, atuando de forma menos repressora com vista a afastar frustrações precoces causadoras de dificuldades no decorrer da vida psíquica, social e emocional da criança. Entende e concebe o aspecto, o espaço, e o processo educacional, como sendo uma grande possibilidade de integração do indivíduo, através de um propício desenvolvimento infantil, razão pela qual privilegia sua intervenção e atuação na primeira infância, creche e pré-escola. Objetiva salientar a busca do saudável, do positivo, da capacidade, da eficiência que há em cada indivíduo, não se deixando apegar aos aspectos que trazem a dificuldade, a incapacidade, e a deficiência. Entende ser imperioso a construção de uma boa autoestima para que a relação e interação do indivíduo consigo, com o outro, e como o mundo social, seja vivida de forma saudável, intensa, dinâmica, com o consequente e esperado desenvolvimento e formação integral da criança. Quando a criança recupera ou mantém o dinamismo do seu ser e assume realmente a autonomia de seu desejo, ela se torna surpreendentemente disponível. Ela assimila, rapidamente, uma grande quantidade de conhecimentos, com a condição de alimentarmos o seu desejo de conhecer e de fazer com a condição, principalmente, de não restringirmos a criança a obrigação extinta de um saber selecionado, fragmentado, uniformizado e cronologicamente programado. Privilegiamos o jogo corporal em nossa ação, visto que se situa no imaginário e no simbólico, portanto fora dos princípios de realidade. No imaginário, tudo é possível. A ausência do princípio de realidade libera o princípio do prazer fazendo emergir as fantasias de onipotência e o pensamento mágico. Assim, facilitamos o retorno às vivências infantis, aos processos primários e a regressão. No contexto do jogo corporal, o ato desejado e proibido não tem consequências reais, e sendo permitido, libera parte da culpa. As pessoas reais são substituídas consciente ou inconsciente, por pessoas imaginárias. As sensações e emoções são vividas no nível do corpo, do ser inteiro, na sua globalidade. Então sua implicação é muito mais forte, pois ao 15 15 mesmo tempo em que é espontânea, é a mais autêntica, por ser a expressão natural da criança. Para a Psicomotricidade Relacional o corpo ocupa uma dimensão grandiosa e importantíssima na forma de viver do indivíduo, pois é com e através dele que há a comunicação, a relação com os outros e com o mundo. Diante do status dado ao corpo pela sua capacidade de trazer e revelar questões de origens psíquicas, afetivas, motoros, emocionais, cognitivas, ou seja, de vivenciar aspectos de múltiplas origens, destaca-se a necessidade da vivência e convivência no, e em grupo, com o consequente enfoque na aproximação, no contato, e na utilização da linguagem verbal e, principalmente, não verbal do indivíduo. Com a vivência em grupo, o compartilhar do diverso, do diferente, a percepção dos reflexos das próprias ações, a aceitação do outro, a necessidade e busca da relação e do acordo, a descoberta de novas formas de brincar e de se explorar objetos, acabam por estimular os processos cognitivos, perceptivos, psicossociais e emocionais, cooperando para uma autonomia social e intelectual. Quando a linguagem verbal e até o “pensamento verbal” desaparecem, a pessoa entra em outro estado de consciência, ela vive e age diretamente ao nível subcortical. Isto é, num nível muito próximo do inconsciente, e com um mínimo de controle consciente. O agir não é mais, então, um ato intelectual, racional, mas a expressão direta de “alguma coisa” mais íntima, mais profunda, que vai suscitar tal gesto, tal atitude, tal ação ao invés da outra. São as tensões emocionais subjacentes que se exprimem através de simbologia do agir, e é aí que a pessoa encontra sua autenticidade, sua verdade. O desenvolvimento da identidade e da autonomia está intimamente relacionado com os processos de socialização. Nas interações sociais se dá a ampliação dos laços afetivos que as crianças podem estabelecer com outras crianças e com os adultos, contribuindo para que o reconhecimento do outro e a constatação das diferenças entre as pessoas sejam valorizadas e aproveitadas para o enriquecimento de si próprias. O Brincar. 16 16 Para Lapierre e Aucouturier o jogo, a brincadeira infantil são aspectos básicos e fundamentais na prática psicomotora dentro do contexto pedagógico, uma vez que os mesmos trazem questões do consciente e inconsciente. Tendo a infância como maior característica o ato de brincar, e o de jogar, o jogo torna-se um excelente facilitador, um dos principais meios pelo qual a criança passa experimentar a diversidade das relações humanas, agindo na aproximação e na constituição de vínculos entre eles. Por intermédio dos jogos e brincadeiras, os fatos, e situações reais vividas pela criança, são trazidos com a máscara da fantasia, do irreal, possibilitando, a partir desses conteúdos, uma abordagem mais adequada com vista à facilitar e contribuir para o seu desenvolvimento emocional e psicossocial. O ato de brincar traz um maior, e melhor, conhecimento de si, do mundo, e de tudo ao seu redor, tendo, como consequência, o desenvolvimento de múltiplas formas de linguagens, uma melhor elaboração dos pensamentos, a confrontação e compreensão de várias regras e limites, e a prática da socialização como sendo um aprendizado para a vida presente e futura onde poderão enfrentar desafios semelhantes às brincadeiras. Principais áreas de atuação Os estudos e pesquisas no campo da Psicomotricidade Relacional são bastante recentes. Tendo-se iniciado no campo da educação, onde esse método de trabalho, tem se estabelecido como uma poderosa ferramenta de intervenção, desenvolvendo- se como um processo eficaz de ajuda nas relações pessoais e interpessoais nos âmbitos familiares, escolares, da clínica, da empresa, entre outros. No ambiente escolar No que se refere à Psicomotricidade Relacional, pode-se dizer que a aprendizagem e o desenvolvimento se produzem pelas formas de relação afetiva com o outro, de acordo com as possibilidades e limites de cada um, em comum acordo. Na educação infantil percebe-se a importância de fundamentar a realização de exercícios para a organização do esquema corporal da criança, bem como para a construção de 17 17 sua imagem interna. [...] alfabetizar a linguagem do corpo e só então caminhar para as aprendizagens triviais que não são mais que investimentos perceptivos motores ligados por coordenadas espaço temporais e correlacionados por melodias rítmicas de integração e resposta. É através do movimento (ação) que a criança integra os dados sensitivo-sensoriais que lhe permitem adquirir a noção do seu corpo e a determinação de sua lateralidade. É no ambiente escolar, no contexto psicopedagógico,a maior presença da Psicomotricidade Relacional, cuja atuação se estabelece de forma mais preventiva, buscando potencializar o desenvolvimento integral das crianças, indicando e reforçando todo e qualquer aspecto positivo de sua conduta, de seu modo de ser, trabalhando com o que há de positivo nas relações interpessoais, reforçando-as e renovando-as. Sendo o corpo o primeiro meio disponível e utilizado para se entrar em contato com o conhecimento, a aprendizagem passa a ter uma inter-relação intrínseca com a motricidade, razão pela qual atua de forma a possibilitar múltiplas experiências psicomotoras com vista a dinamizar a socialização, a elevar a autoestima, a superar dificuldades de aprendizagem estimulando o aprender e a procura de novos conhecimentos. No ambiente empresarial É necessário ultrapassar os níveis de motivação material e evoluir para novos patamares motivacionais relativos à criação de novas ideias (razão de existir) precisando para isso de liberdade. O crescimento pessoal é uma jornada do autoconhecimento (...), pois à medida que aprendemos a nos compreender e às nossas motivações mais profundas, deixamos de basear nossa autoestima no que os outros pensam de nós e começamos a baseá-la no que conhecemos a respeito de nós mesmos... (BARRETT, 1998). Liberdade se conquista através da autonomia pelo reconhecimento de qualidades pessoais. O psicomotricista relacional, e educador, Jose Leopoldo Vieira, de forma pioneira adentra o contexto empresarial apresentando e introduzindo as concepções e procedimentos da Psicomotricidade Relacional no 18 18 campo de gestão de pessoas, objetivando alcançar maior integração, impulsionar o desenvolvimento da criatividade, a autoconfiança. A Psicomotricidade Relacional dentro do ambiente organizacional traz os seus pressupostos basilares onde a relação é o pilar mestre para o desenvolvimento das qualidades pessoais que buscam e assimilam conhecimentos trazendo ou resgatando a autoafirmação, a boa autoestima e, consequentemente, o sucesso pessoal do trabalhador e da própria empresa enquanto organização de pessoas. O alcance dos objetivos empresariais é mais fácil e rapidamente alcançados quando se estabelece como gestão de pessoas o compromisso de oportunizar um pleno desenvolvimento emocional e equilíbrio nas relações de trabalho, onde as comunicações se fazem de modo autêntico, respeitando-se as diferenças e o valor de cada um dos elementos implicados nesse processo. No ambiente da clínica Com efeito, se vê, cada vez mais, os diversos especialistas setorizados (fonoaudiólogos, reeducação matemática, psicoterapeutas, psicopedagogos, etc..) interessarem-se pela atividade psicomotora global como base inicial de suas disciplinas. Na terapia, contrariamente, o profissional não tem saber algum a transmitir, nada tem a ensinar. Situa-se, portanto, sempre “atrás” do desejo da criança para ajudá-la a afirmá-lo e dele tomar consciência. Seu único desejo situa-se no futuro da criança, em seu encontro real com o outro, com o objeto e consigo mesma, em sua autonomia. [...] quando se conhece a duração da dificuldade de uma psicoterapia para o adulto e mesmo para a criança mais velha, fica-se surpreendido com a rapidez com que a personalidade pode se reestruturar durante esses primeiros anos. Ocorre, nesse caso, uma abordagem que nos parece fundamental, a profilaxia das doenças mentais. No âmbito clínico, a Psicomotricidade Relacional se torna menos preventiva em relação ao desenvolvimento, vez que, nesta área, a demanda é mais específica, tendo por universo as desordens existentes no campo motor, no psicossocial, no da aprendizagem e nas esferas afetivas e cognitivas, sem olvidar, contudo, de todos os 19 19 benefícios de uma atuação preventiva no desenvolvimento humano, e, em especial da criança. O atendimento clínico, na Psicomotricidade Relacional, comparado aos demais campos de atuação e atendimentos, tem características próprias, onde além de haver sessões individuais, há necessidade de alguns procedimentos especiais como a amnésia e o processo de diagnosticar, assim como a participação familiar, e da escola, no caso do atendimento infantil. Apesar de o atendimento clínico ser feito sob um prisma psicanalítico no qual o inconsciente é trazido e estudado, o universo da corporeidade continua sendo a base do toda a intervenção desta abordagem, onde o jogo corporal, tônico, espontâneo e simbólico, age em busca e incitando a expressão plena do indivíduo, facilitando a criação de um espaço para vivências de origem psicossociais, afetivas e emocionais, contribuindo para a evolução de todo o processo terapêutico. 20 20 3. PSICOMOTRICIDADE CLÍNICA, FUNCIONAL E RELACIONAL – LIMITES E POSSIBILIDADES A psicomotricidade é a capacidade psíquica de realizar movimentos, não se tratando da relação do movimento propriamente dito, mas sim da atividade psíquica que transforma a imagem para a ação em estímulos para os procedimentos musculares adequados. A partir dessa visão, o aspecto funcional da psicomotricidade objetiva uma complementação corporal para que a criança ou o indivíduo consiga atingir um desenvolvimento global por intermédio do trabalho de alguns fundamentos psicomotores específicos de acordo com as necessidades e particularidades de cada um. Segundo Negrine (2002), a psicomotricidade funcional compreende o desenvolvimento psicomotriz a partir de bases teóricas de neuroanatomia funcional. Tal fundamento situa-se na concepção de que o processo de desenvolvimento humano é decorrente dos processos de maturação. Sustenta os diagnósticos do perfil psicomotriz e a prescrição de exercícios para sanar possíveis descompassos do desenvolvimento motriz. A estratégia pedagógica baseia-se na repetição de exercícios funcionais, criados e classificados constituindo as famílias de exercícios para as finalidades de aprimoramento dos fundamentos psicomotores. As atividades são pré-programadas, aplicadas e dirigidas pelos psicomotricistas, os quais adotam uma postura de comando frente a sua aplicação. Pode-se classificar este processo como educação pelo movimento em que basicamente a postura da 21 21 criança é de imitação dos movimentos do professor, de dependência e de pouco contato corporal entre as demais crianças do grupo, já que são exercícios específicos e direcionados. Na década de 70, diferentes autores definiram a psicomotricidade como uma motricidade de relação e assim inicia-se, então, uma diferença das posturas reeducativas e terapêuticas que ao despreocupar-se da técnica instrumentalista, ocupa-se do corpo de um sujeito valorizando a relação, a afetividade e os aspectos emocionais. Na origem deste novo campo de conhecimento, fundamentaram-se aspectos psicanalíticos da relação do adulto com a criança. Tal fundamento apoia-se nos estudos de alguns psicanalistas como: Winnicott, Dolto, Mahler, Klein. “Neste período existe um evidente deslocamento do campo instrumental em direção ao campo relacional” (NEGRINE, 1995, p.46). A psicomotricidade vivenciada está centrada em métodos não diretivos em que as ações desta prática fundamentam-se no jogo como ferramenta para o brincar da criança, proporcionando a representação, a imaginação e criatividade. Trabalha o indivíduo em sua totalidade neste espaço lúdico e educativo, permitindo a exteriorização de suas emoções, a interação com o ambiente, com os objetos e com outras pessoas. Negrine (2002) explica a importância da ação do brincar como elemento motivador a fim de provocar a exteriorização corporal da criança, pois entende que a ação de brincar impulsiona processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Essas estratégias de intervenções pedagógicas criam, também, condições importantes para a construção de um vocabulário psicomotor amplo e diversificadoe servem como melhora das relações da criança com o adulto, com os iguais, com os objetos e consigo mesma. Sendo o jogo um componente pedagógico capaz de possibilitar a exteriorização das emoções e sentimentos das crianças, a psicomotricidade vivenciada baseia-se em três objetivos importantes dentro de sua fundamentação: experiências corporais variadas pela exploração do espaço, do corpo e dos objetos mediante o jogar e o fazer exercícios. Estimular a vivência simbólica, sendo que o movimento é realizado com a intenção de representação ou imaginação e a comunicação, com a intenção de 22 22 facilitar o contato das crianças através da expressividade e oralidade proporcionando a socialização e exteriorização. Para que este processo corporal aconteça, é necessário que se compreenda o corpo como um elemento principal no desenvolvimento das potencialidades, pois por intermédio dele ocorrem diferentes formas de expressões, permitindo a comunicação com os objetos a sua volta e com outros indivíduos. Segundo Cabral (2001), este corpo inteiro, integrado, que é o objeto da psicomotricidade, pode ser dividido didaticamente em: o corpo como instrumento de ação (funcional), o corpo instrumento de conhecimento (cognitivo), corpo fantasmático e relacional (relações, afeto e sentimentos), corpo social (papéis na sociedade). Outro aspecto importante que contribui com a psicomotricidade vivenciada são os jogos livres; traduzidos também por Cabral (2001) em jogos simbólicos, definidos como jogos representativos, faz de conta e dramatização que não apenas reproduzem uma ação, mas possibilitam ao indivíduo a solução de seus conflitos equilibrando o mundo interno com o mundo externo. Os jogos fantasmáticos proporcionam ao indivíduo expressar seus sentimentos, ou seja, se apresentam sem suas máscaras ou disfarces demonstrando seus desejos e frustrações. Existem ainda os jogos expressivos que envolvem descarga de tensões, busca de afirmação pessoal, além da aprovação social. “São expressivos de si mesmo, de si no confronto com os outros e do prazer que as habilidades e o funcionamento corporal permitem revelar” (CABRAL, 2001, p.42). Os objetos têm um papel considerável neste processo, pois oportunizam a interação com os indivíduos permitindo diferentes possibilidades simbólicas com diversos materiais como: bolas, bambolês, cordas, bastões, tecidos, jornais, caixas etc. Portanto, cabe ao facilitador/psicomotricista promover a interação, permitirse corporalmente, isto é, tocar o corpo da criança e deixar que ela o toque. Além disso, reforçar a prática de algumas condutas motrizes, participar dos jogos das crianças demonstrando sua disponibilidade em relação ao grupo. Para os propósitos dos fundamentos da psicomotricidade, Falkenbach (2003) nos explica que, de uma forma geral, a psicomotricidade está subdividida em três 23 23 grandes vertentes: a reeducação, a terapia e a educação. A primeira se dirige mais para a soma do movimento, enquanto a segunda se preocupa com a psiquè do movimento. A terceira vertente está voltada para o âmbito educacional, sendo oportuno entender que está também possui uma divisão em duas correntes principais: psicomotricidade funcional e a psicomotricidade relacional. A Psicomotricidade Relacional pode ser vista como um processo mais espontâneo e consiste em atividades mais livres onde possui modelos diversificados. Os seres são livres, o que propicia o desenvolvimento da criatividade e da interatividade entre os educandos, fazendo um ambiente que possibilite aos alunos transferirem situações de conflitos do mundo real para o imaginário assumindo diferentes papéis e atitudes assimilando a realidade. O educador não é o centro da atividade e sim um facilitador da mesma. Diferentemente acontece na psicomotricidade funcional, nesta o educador é o modelo a ser seguido, este direciona o trabalho que será realizado, dificultando que aconteça a interatividade dos envolvidos, e muito menos o desenvolvimento da criatividade e autonomia. Este processo é previsível e planejado, ou seja, o educador sabe sempre o que irá acontecer, diferente da relacional onde o improvável muitas vezes acontece possibilitando uma maior riqueza de experiências, pois cada aluno traz uma bagagem de conhecimentos adquiridas no meio em que vive. A psicomotricidade relacional é entendida como jogo/brincar que a criança realiza no dia-a-dia incorporado como componente pedagógico, estabelecendo o lúdico como facilitador das inter-relações pessoais. Segundo Negrine (1995), dentro do marco relacional, o mais importante para eles é trabalhar com o que a criança tem de positivo, o que ela sabe fazer, e não se preocupar com o que ela não sabe. Dizem que o melhor método para ajudar uma criança a superar suas dificuldades é conseguir que ela esqueça suas inabilidades. Se considerarmos o ser humano como um todo, a psicomotricidade relacional seria a mais adequada, porém em alguns momentos das aulas de educação física, por exemplo, a psicomotricidade funcional serve como base para o aperfeiçoamento de algumas habilidades específicas, ou seja, vai depender dos objetivos que o educador pretende alcançar. 24 24 4. PSICOMOTRICIDADE CLÁSSICA E A RELACIONAL Nos dias de hoje a psicomotricidade se mostra e atua através de duas correntes: a psicomotricidade funcional ou clássica e a psicomotricidade relacional. A primeira tem como fundamento e foco o perfil psicomotriz do sujeito e a prescrição de exercícios funcionais os quais constituem as famílias de exercícios sem dar espaço para qualquer exteriorização de conteúdos simbólicos por meio da motricidade. Já a segunda, utiliza-se da ação do brincar como elemento motivador para suscitar e promover a exteriorização de conteúdo psico afetivo através do corpo e seus movimentos, acreditando que o ato de criar, de brincar, de idealizar, de interpretar incita o desenvolvimento e a aprendizagem, tornando tais comportamentos, tais atos, um importante elemento pedagógico. Origem da cisão Ambas percorrem a mesma trajetória até a fase da chamada reeducação psicomotora, quando passam a surgir divergências relacionadas ao enfoque mais motriz, com base mais neuroantômica por parte da psicomotricidade funcional, ao tempo em que a psicomotricidade relacional buscava sua base mais na psicanálise, com foco nas relações. Mais ainda, a postura da criança e do terapeuta e, principalmente, a inclusão do jogo, do brincar livre e espontâneo, como elemento pedagógico e terapêutico, pontua as trajetórias distintas entre a Psicomotricidade Funcional, e a Relacional. Já dentro do contexto educacional instituído, tem, também, caminhos distintos, cabendo a Psicomotricidade Clássica uma inserção mais ajustada aos seus pressupostos educacionais, tendo em vista que busca valer-se e organizar as experiências corporais com base em uma programação mais pedagógica, deixando, até certo ponto, se envolver pela racionalização e intelectualização do corpo, enquanto que a Relacional provoca grande resistência no meio educacional, haja vista não se limitar questões de cunho pedagógico em termos de ensino, mas sim, de educação no sentido mais amplo da palavra, ressaltando a importância da atuação preventiva diante de conflitos inconscientes e de demais fatores de risco para o desenvolvimento do indivíduo na busca de uma personalidade mais equilibrada. 25 25 Principais características diferenciais A seguir, em forma de tópicos, as principais diferenças entre as duas vertentes da psicomotricidade: Psicomotricidade Funcional ✓ A criança imita o modelo do professor: ✓ A criança não escolhe o fazer; ✓ A criança é dependente; ✓ Raramente ocorre contato corporal entre as crianças; ✓ O enfoque é dualista (ênfase nos aspectos motrizes);✓ O paradigma é racionalista; ✓ O psicomotricista dirige as atividades; ✓ O psicomotricista atua sozinho; ✓ O psicomotricista adota uma postura de comando; ✓ As atividades são pré programadas pelo psicomotricista; ✓ As atividades são dirigidas; Psicomotricidad e Relacional ✓ A criança tem vários modelos; ✓ A criança pode brincar livremente; ✓ A criança é mais independente; ✓ Ocorre contrato corporal do psicomotricista com as crianças e entre elas; ✓ A criança é vista como uma totalidade; ✓ O paradigma é naturalista (Prazer do movimento); ✓ O psicomotricista ajuda, compreende, interage, sugere, propõe e estimula a prática psicomotriz; ✓ O psicomotricista pode atuar com a professora da classe; ✓ O psicomotricista adota uma postura de escuta; ✓ A criança decide o que fazer; ✓ As atividades são livres; ✓ A verbalização é uma das âncoras do processo pedagógico; ✓ Formação pessoal do adulto é requisito para a competência relacional com a criança. Diante da sucinta descrição da trajetória e do desenvolvimento da Psicomotricidade, culminando com o surgimento e o estabelecimento da Psicomotricidade Relacional, alguns de seus principais personagens, pode-se inferir 26 26 que existem olhares e discursos múltiplos sobre a Psicomotricidade. Contudo, tais multiplicidades não trazem divergências elementares, basilares, uma vez que são pautadas em pressupostos comuns da Psicomotricidade. No tocante às áreas de atuação da Psicomotricidade, temos basicamente três: educação, reeducação e terapia psicomotora. O foco na Psicomotricidade Relacional deveu-se, basicamente, por sua proposta mais holística, na qual o indivíduo é visto de maneira mais ampla, onde seu corpo tem dimensões e funções ilimitadas, em completa inter-relação com o consciente e inconsciente do sujeito, dentro de uma visão ontogênica, revelando e ressaltando o aspecto pessoal e social do indivíduo, propondo, respectivamente, a construção da identidade e a construção da cidadania. Ambas as dimensões, subjetiva e social, se interpenetram na dinâmica do trabalho relacional e são construídas com a ajuda do grupo, e, sobretudo, do adulto, mediador do processo educativo. Forçoso se faz conhecer a corporeidade a fim de entendermos em profundidade o comportamento, aquilo que é expresso, e aquilo que o ambiente transmite. O corpo e o movimento humano necessitam ser entendidos de forma intensa e concreta, para além do simples conhecimento funcional, vez que revelam a subjetividade da forma de pensar, e de se comportar das pessoas. Inegável e constatável que a expressão do corpo tem tanto e mais significado do que a expressão verbal, pois o gesto corporal remete para além do significado consciente, ou seja, transmite um significado inconsciente que deve ser decodificado. O movimento corporal é a verdadeira e mais genuína expressão do indivíduo. O sentimento, o pensar, a emoção e a compreensão do mundo no qual está inserido, são codificados através de sua corporeidade, demonstrada a todo instante, através do gestual humano, conforme magistralmente sintetizado por Lapierre (1988 p,10): “Não há ato gratuito; tudo o que é feito espontaneamente tem um sentido, mesmo se este escapa ao próprio interessado.” Na mesmíssima direção vem Negrine (1994), afirmando que o movimento humano em sua totalidade considera tanto os aspectos funcionais, como também relacionais, não podendo ser entendido como racional e lógico, e sim possuidor de 27 27 ações desconhecidas à esfera consciente. Desta forma, a proposta trazida pela Psicomotricidade Relacional, a nova relação adulto/criança, torna imperioso a participação emocional, sem a qual a comunicação não se realiza. Numa relação puramente verbal, é sempre possível a esterilidade da mesma, pelo simples fato de se poder ficar calado. Já o corpo, é campo sempre fértil das relações, pois não se cala jamais: diante de um olhar, no contato com o outro, ele não cessa de emitir mensagens. Quando desaparece, sua própria ausência constitui ainda uma linguagem. O estabelecimento e reconhecimento da Psicomotricidade Relacional no ambiente pedagógico, implicando na agregação, na adunação do saber pedagógico ao saber psicológico, conferiram ao espaço escolar uma capacidade e um meio de reparação às suas imensas e antigas dificuldades em considerar a criança como sujeito de necessidade, de desejo e de pensamento. Ainda, e, concomitantemente, estará a Psicomotricidade Relacional contribuindo para a formação de pessoas mais preparadas e estruturadas diante dos prováveis e/ou inevitáveis problemas pessoais, impostos pela vida, por diversos meios, através de um controle melhor de suas emoções, possibilitando-lhe uma inserção mais flexível, criativa e crítica no mundo social em seu aspecto mais amplo. Em conclusão, se tem a Psicomotricidade Relacional como sendo uma forma nova e criativa de possibilitar uma socialização real e coerente, de desenvolver uma autonomia consistente e autoconsciente, na qual ficam superadas as condições passivas, irreflexivas e a perceptiva pessoal e externa, dando espaço para uma postura ativa como agentes de mudança, indutores, e instigadores de novas formas de pensar e de compreender o paradigma da complexidade do viver em todos os seus múltiplos aspectos e meios, construindo gradativamente uma socialização através das fases de evolução do sujeito, obrigando-o a lidar com situações novas, de forma mais criativa e mais adequada ao seu bem estar dentro do seu contexto pessoal e social. 28 28 5. O MEIO AQUÁTICO Quando um indivíduo entra em um meio líquido, fica sujeito a um conjunto de estímulos que não existem da mesma forma fora do mesmo. Assim, quando um aluno (seja de que idade for) resolve iniciar a sua atividade física na água, quer seja por vontade própria ou encaminhado por um profissional, vê nisso implicado um conjunto de alterações do equilíbrio, visão, audição, respiração, etc; alterações das informações recebidas do meio proprioceptivas e ainda alterações do sistema termorregulador do organismo. Carvalho (1994) completa que o sujeito também sofre alterações ao nível de todas as referências que normalmente existem em terra (fora de água). Desse modo, o indivíduo ao longo do tempo, da experiência desenvolvida na água, vai ajustando as suas referências, alterando o seu quadro motor em relação ao meio onde agora desenvolve as suas aprendizagens, na água, de forma a melhorar 29 29 a sua resposta aos estímulos existentes. O quadro abaixo mostra de maneira mais clara as diferenças percebidas na terra e na água: Todas estas alterações que o indivíduo sofre, são a consequência das propriedades físicas e químicas características da água e as respectivas leis que regem esse meio, com os corpos que nela estão em contato. Desse modo temos que: ✓ O equilíbrio, que de vertical passa a horizontal – a sua resolução é expressa pela capacidade de deslizar ventral e dorsalmente; ✓ A respiração do nadador é específica – ela difere, nas suas características, da respiração do homem em terra. Coloca-se, por conseguinte, o problema da sua transformação, da passagem de uma forma para outra. É necessário especificar que em condições habituais a inspiração é ativa e a expiração passiva. Em repouso, ou se o trabalho é moderado, a necessidade é reduzida e se acomoda 30 30 ao circuito nasal. Assim, deve adquirir um novo automatismo que possibilite respirar ritmicamente, fazendo a expiração no meio aquático. ✓ A propulsão – cuja resolução se expressa pela capacidade de deslocação no meio aquático com ausência de apoios fixos. A psicomotricidade relacional como vimos, é um processo que estimula a criança a compreender o mundo dos símbolos de forma mais clara e numa evolução crescente. Esse aprendizado podeacontecer tanto em locais abertos como praças, quadras de futebol e numa pista de equitação, bem como em locais fechados como um ginásio ou uma piscina. Sobre a água, concordamos plenamente com Ortigão (2009), quando diz que este meio permite realizar movimentos incríveis que, se fossem realizados fora deste meio, poucas pessoas os fariam! Entrar na água é uma experiência única que fornece a todos a oportunidade de ampliar física, mental e psicologicamente as suas capacidades e conhecimentos. Desse modo, a Psicomotricidade no Meio Aquático e a Natação Adaptada surgem, cada vez mais, como um complemento às terapias tradicionais, pois pretendem alcançar a reabilitação motora, funcional, emocional e social do indivíduo, através de um ambiente lúdico, que respeita a individualidade e permite a iniciativa e a independência. A atividade aquática promove sensações de prazer e de bem-estar físico, emocional e social na criança. Esta atividade facilita e apoia a realização de movimentos de difícil execução em terra, promove o contato corporal e a comunicação com outras crianças, bem como a participação em novas situações de aprendizagem. A intervenção terapêutica em meio aquático tem sido defendida por diversos autores como forma de promover e acompanhar o desenvolvimento global da criança com deficiência, com perturbações do desenvolvimento ou em situação de risco. Neste âmbito, Faria (1984 apud VARELA et al., 2000) salienta os benefícios do meio aquático, no desenvolvimento global da criança, particularmente no seu desenvolvimento psicomotor, perceptivo-motor, afetivo e social. De fato, o envolvimento aquático possui propriedades que lhe são inerentes e cujo 31 31 aproveitamento se tem revelado de grande interesse na reabilitação da pessoa com deficiência. A água provoca uma diminuição dos efeitos da força de gravidade sobre o corpo, sendo assim necessário um menor esforço ao nível muscular. Susan Harris (1978 apud VARELA, 1986) refere as seguintes propriedades da impulsão da água: ✓ Assistência – a água é um meio que permite uma grande liberdade de movimentos; ✓ Resistência – permite à criança controlar, corrigir ou adaptar os seus movimentos; ✓ Suporte – a criança pode aprender a sentar-se ou a andar, até mais cedo que em meio terrestre. Para Smith (1986 apud VARELA, 1986), o meio aquático fornece um feedback cinestésico imediato para as crianças com problemas de coordenação, facilita o contato táctil/corporal muito importante em crianças com problemas emocionais de distração e distanciamento. Observam-se também efeitos positivos ao nível cardíaco, respiratório, metabólico e circulatório. O meio aquático favorece, ainda, a interação, comunicação e verbalização, fatores essenciais ao desenvolvimento afetivo e social da criança, o meio aquático para além de ser um espaço de transição que privilegia a relação, é também uma área de jogo que permite explorações psicomotoras estruturantes. Escolher a água como elemento base é colocar o acento sobre os sinais corporais, e dar uma atenção especial às vias de comunicação não verbal. A intervenção em meio aquático pretende incidir no desenvolvimento global do indivíduo, tanto nos aspectos fisiológicos e funcionais, como nos aspectos psicomotores, psicológicos ou sociais. Pretende-se proporcionar à criança uma experiência complexa e um maior conhecimento de si próprio e da água. No caso específico do desenvolvimento psicomotor, podemos constatar que a intervenção terapêutica em meio aquático engloba os 7 fatores psicomotores referidos por Fonseca (1992): 32 32 1. Tonicidade – a água quente reduz, temporariamente, a espasticidade e a rigidez e permite uma melhor manutenção da circulação sanguínea nas zonas afetadas; 2. Equilibração – a posição horizontal condiciona algumas alterações ao nível das sensações labirínticas, das sensações oculares e das sensações do tônus de manutenção, por outro lado, o meio aquático permite que a criança mude tranquilamente de posição, mesmo debaixo de água. O ganho de posições de segurança respiratória permite a experimentação de novos equilíbrios e desequilíbrios; 3. Lateralização – o meio aquático permite uma intensa estimulação proprioceptiva e exteroceptiva, promovendo a integração de informação e, consequentemente, o desenvolvimento cognitivo. Sendo assim, o processo de diferenciação e especialização de funções dos hemisférios direito e esquerdo é facilitado; 4. Noção do Corpo – Os movimentos realizados na água, a utilização de diferentes posicionamentos e de diferentes segmentos corporais em contato com a água, permitem adquirir uma maior consciência do corpo e de si próprio; 5. Estruturação Espaço-Temporal – As noções e relações espaciais são desenvolvidas através da exploração do meio aquático e da realização de deslocamentos em diferentes trajetórias, com diferentes sentidos e direções. As noções temporais estão diretamente relacionadas com a noção de ritmo, envolvido tanto no controle respiratório como nos movimentos propulsivos; 6. Práxia Global 7. Práxia Fina – estes dois fatores estão intimamente relacionados com aspectos como a coordenação motora, a agilidade e a perícia, estando então evidentes na aprendizagem de habilidades aquáticas. A reflexão sobre a forma de execução é também fundamental para o desenvolvimento destes domínios. 33 33 5.1 Metodologias de trabalho no meio aquático Abaixo vamos apresentar duas metodologias para implementação de um programa de intervenção psicomotora em meio aquático, sendo o primeiro proposto por Marques e o segundo por Cordeiro e Falkenbach. O programa proposto por Marques tem como objetivos: 1º. Promover o desenvolvimento global do indivíduo, tanto nos aspectos fisiológicos e funcionais, como nos aspectos psicomotores, psicológicos e/ou sociais; 2º. Proporcionar vivências/experiências no meio aquático a crianças com problemas afetivos e de comunicação; 3º. Promover o desenvolvimento psicomotor no meio aquático, particularmente ao nível dos vários fatores psicomotores (ex.: Tonicidade, Equilibração, Lateralização, Noção do Corpo, Estruturação Espaço-Temporal, Praxia Global e Praxia Fina); 4º. Desenvolver atividades diversificadas, adequadas às necessidades e características das crianças. Os momentos seriam: 1) Em um primeiro momento seria feita a avaliação inicial, com duração de uma sessão e com os seguintes objetivos: ✓ Reavaliar o comportamento do indivíduo no meio aquático; ✓ Delinear objetivos e estratégias de intervenção. 2) No segundo momento, a aplicação do programa que acontece em dezoito sessões e objetivando: ✓ Promover a intimidade e relação com o outro; ✓ Desenvolver a desinibição no meio aquático; ✓ Melhorar a tonicidade; ✓ Desenvolver o equilíbrio; ✓ Desenvolver a função respiratória; ✓ Desenvolver movimentos ativos dentro da água; 34 34 ✓ Aperfeiçoar a entrada e saída da piscina. 3) No terceiro momento, acontece a avaliação final que pode acontecer em até duas sessões e tendo como objetivos: ✓ Reavaliar o comportamento do indivíduo no meio aquático, comparando desempenhos e possíveis evoluções; ✓ Refletir sobre a eficácia da intervenção e dos métodos utilizados. Ressaltamos que os objetivos sempre deverão ir de encontro às necessidades individuais de cada criança e serão reajustados sempre que necessário. A título de exemplo temos a estrutura base de uma sessão: Outra metodologia usada é dada por Cordeiro e Falkenbach (2008) que será explicada ao longo do referencial elaborado por eles: A imagem pública da natação é formada pelo que vemos e lemos nas telas de televisão e nos meios de comunicação. Esses são eventos principalmente esportivos nos quais os critérios para o sucesso na 35 35 água se baseiam na eficiência dosmovimentos. A ciência esportiva revolucionou o modo como as pessoas aprendem a nadar e a eficiência dos movimentos natatórios aumentou em saltos e surtos. Dessa forma, os livros didáticos tendem a enfatizar métodos para aprender mais rapidamente a nadar. A natação infantil segue o mesmo paradigma. Enfatiza na maior parte das vezes, apenas as variáveis psicomotoras: equilíbrio, lateralidade, coordenação motora ampla, esquema corporal, para que a criança consiga realizar a técnica dos movimentos natatórios. Conforme Negrine (1998), essa prática centra objetivos na chamada “concepção psicomotriz das faltas”, ou seja, no que a criança não consegue fazer. Os estudos de Catteau e Garoff (1990) ressaltam que a técnica é a experiência individual, despersonalizada, uma maneira de fazer, separada das razões de fazer, construída do externo para o interno, o ato despojado de seus motivos, ou seja, um conjunto de processos para uma determinada prática. Para Shaw e D’Angour (1996), nadar não diz respeito apenas a mover-se na água. Diz respeito a estar na água e com a água. Tem muito mais haver com a qualidade da experiência, ao invés de uma técnica. Na linha dos autores citados pode-se destacar que o brincar é vivência natural da vida de uma criança. É brincando que a criança constrói seu conhecimento, pois é por meio da sua ludicidade que ela começa a dar sentido e significado às coisas. É brincando que ela exterioriza de forma espontânea e autêntica os seus fantasmas corporais e a sua criatividade em potencial. E isso só acontece quando é dada a oportunidade da criança manifestar suas fantasias, propiciando-lhe sentir-se livre o suficiente para brincar, criar e recriar seus personagens. Geralmente, os livros didáticos de natação preconizam uma conduta diretiva, negando muitas vezes que as atividades e brincadeiras partam da busca inicial e exploratória da criança em meio aquático. Surge então uma questão: Porque não deixar a criança e a água se encontrarem, ao invés de somente prescrever exercícios? Considerando-se que o processo de psicomotricidade relacional estimula a criança a compreender o mundo dos símbolos de forma mais clara e evoluída e acreditando-se nesse grande potencial simbólico e envolvente do meio aquático, os autores Cordeiro 36 36 e Falkenbach buscaram trabalhar com a psicomotricidade relacional em meio aquático, tendo como objetivo prático dar prioridade à relação humana, à exploração corporal, à comunicação e à vivência lúdica da criança com e na água, com o outro, com os objetos, consigo mesma e com o contexto que a rodeia. O papel de professora é o de atender à demanda da criança, além de suscitar ideias, desafiar e provocar situações lúdicas, servindo de corpo de ajuda quando necessário. A liberdade de expressão adquirida através das aulas de natação baseadas na psicomotricidade relacional e o meio aquático é o que permite uma grande gama de vivências simbólicas. Portanto, a capacidade simbólica deve ser dimensionada em função das possibilidades que se oferece para potencializar a ampliação do mundo simbólico infantil. A utilização de diversos materiais durante as aulas permite ampliar a capacidade criativa e imitativa da criança, favorecendo novas aprendizagens. Os materiais tem a função de ampliar o número de atividades a serem realizadas, uma vez que enriquecem as experiências. No que se refere à relação da criança com as demais crianças, constatou-se que no início da prática ela demonstrou uma trajetória lúdica individual. Pode-se perceber que os papéis simbólicos representados pelos colegas serviram de modelo para a trajetória lúdica da criança. As suas representações também serviram de exemplo ao grupo. Ao representar papéis de forma dinâmica e criativa, outras crianças aproximaram-se e vieram participar com ela. Como a psicomotricidade relacional está fundamentalmente voltada para a criança em idade pré-escolar e serve-se do ato de brincar, cria condições favoráveis ao domínio do corpo no meio aquático, além de impulsionar processos de maturação e aprendizagem. O meio aquático também proporciona condições de liberação e reflexão para a exploração. Ao longo do estudo observou-se a criança vivenciar diversas posições e deslocamentos que vieram a ampliar sua experiência na água. Finalmente é essencial salientar a relevância de um programa de psicomotricidade relacional no meio aquático, onde o professor não só dá oportunidade para as crianças conhecerem suas limitações e potencialidades, como também, servir de corpo de 37 37 ajuda para ampliar suas aprendizagens, permitindo uma fluidez de gestos e o emergir de uma vivência simbólica. 5.2 A intervenção em portadores de Síndrome de Down e Paralisia Cerebral Pesquisas de Pueschel, em 1995, quase 20 anos passados já haviam concluído que a intervenção precoce tem grande importância na melhora do desenvolvimento de crianças com Síndrome de Down, sendo que a estimulação precoce melhora o desempenho neuromotor, a hipotonia muscular e a linguagem. A psicomotricidade através da reeducação psicomotora visa exercícios que tornam a criança plenamente consciente das atividades que realiza no espaço e no tempo. Tem uma finalidade educativa, pois vai tornar essa criança capaz de gestos coordenados, com habilidade de se locomover no espaço à sua volta de modo harmonioso e ainda a ajuda a conhecer pela visão, audição e tato o mundo que a rodeia. É essencial que na fase em que há maior independência motora, a criança tenha espaço para correr e brincar e possa exercitar sua motricidade global. A brincadeira deve estar presente em qualquer proposta de trabalho infantil, pois é a partir dela que a criança explora e internaliza conceitos, sempre aliados inicialmente à movimentação do corpo. O trabalho psicomotor deve enfatizar o equilíbrio, a coordenação de movimentos, a estruturação do esquema corporal, a orientação espacial, o ritmo, a sensibilidade, os hábitos posturais e os exercícios respiratórios. Outra forma de terapia que pode ser utilizada, tema desta unidade é o meio aquático. A psicomotricidade aquática deve proporcionar o inter-relacionamento entre o prazer e a técnica, através de procedimentos pedagógicos criativos, principalmente sob a forma de jogos, que facultem comportamentos inteligentes de interação entre o indivíduo com o meio líquido visando o seu desenvolvimento, assim, além de atuar nos domínios descritos, também propicia a integração social, afetividade, lazer, recreações, prazer, entre outros aspectos importantes para a formação global de um indivíduo. 38 38 São vários os benefícios da utilização do ambiente aquático para o tratamento de pacientes com disfunções neurológicas, e todos esses benefícios envolvem a propriedade da água de flutuação. O suporte de flutuação da água oferece alívio do peso, permitindo aos pacientes com fraqueza assumir posturas eretas em um momento mais precoce no seu processo de reabilitação. Essa sustentação torna-se cada vez mais eficaz com profundidade crescente da água. Na água, ocorre toda uma reaprendizagem postural e motora, sobretudo para as pessoas com algum tipo de deficiência, que em meio aquático têm a possibilidade de trabalhar em três dimensões, além de gozar da condição de igualdade e da sensação de liberdade, permitindo, assim, a otimização de habilidades motoras, diferente do que ocorre em terra. As oportunidades para o movimento e a exploração do ambiente, oferecidas à criança, favorecem a aprendizagem e o desenvolvimento motores. Estudos feitos em diferentes culturas mostraram que, em alguns lugares, os pais cuidam de seus filhos como se eles fossem muito frágeis e os protegem de grandes estimulações. Em outros, desde os primeiros meses de vida, estratégias são usadas para que a criança seja estimulada a sentar, rastejar ou andar.O resultado da variedade de práticas oferecidas foi que as crianças que receberam oportunidades para experimentação de seus movimentos, sentaram, rastejaram e andaram mais cedo que as crianças cujas oportunidades não foram oferecidas. Desta forma, acredita-se que crianças com SD necessitam de atividades que proporcionem um estímulo global de seu desenvolvimento, com a finalidade de amenizar, compensar ou superar os seus déficits. Em relação às crianças com deficiência motora, Corrêa, Costa e Fernandes (2004) afirmam que não são oferecidas atividades motoras com frequência no dia a dia dessas crianças e, quando o são, estão revestidas de preconceitos que limitam a ação antes mesmo da experimentação. A carência de experiências motoras poderá prejudicar a construção do esquema corporal e desencadear um déficit no desenvolvimento global dessas crianças. Assim, como crianças neurologicamente normais, as crianças com PC são influenciadas pelas restrições do organismo (funcionais e/ou estruturais), do ambiente 39 39 e da tarefa Estas restrições, isoladamente ou em conjunto, afetam as aquisições psicomotoras. O desenvolvimento geral da criança com PC/SD pode ser estimulado pela atividade aquática, pois dentro da água o movimento é facilitado pela ação das propriedades da água atuando sobre seu corpo quando em imersão. O contato com um novo ambiente permitirá a modificação de ações de acordo com as características de seus corpos e de seus níveis de habilidade, com regulação e ajustes contínuos das coordenadas do espaço, da velocidade e da força. O ambiente aquático proporciona ao indivíduo experiências e vivências novas e variadas, favorecendo a percepção sensorial e a ação motora. Assim, o desenvolvimento das capacidades psicomotoras (coordenação, equilíbrio, esquema corporal, lateralidade, orientação espacial e orientação temporal) das crianças com PC/SD poderia ser melhorado através da prática de atividades aquáticas. Desta forma, caso as capacidades psicomotoras sejam melhoradas, as crianças poderiam ter maior êxito na realização de tarefas da vida diária que antes apresentavam dificuldades. Em um programa voltado para SD/PC primeiramente se faz necessário uma anamnese com os pais, composto de questões relevantes sobre o estado geral de saúde dos participantes. O planejamento das atividades aquáticas considera as respostas da anamnese de forma a garantir a adequação individual. A bateria de testes psicomotores (Avaliação Psicomotora Adaptada) pode ser aplicada antes do início das atividades aquáticas consistindo de testes para cada capacidade psicomotora avaliada (coordenação, equilíbrio, esquema corporal, lateralidade, orientação espacial e orientação temporal). ✓ Para coordenação e equilíbrio podem ser avaliados: coordenação geral, coordenação fina e óculo manual, equilíbrio estacionário e equilíbrio dinâmico. ✓ O esquema corporal pode ser avaliado através do desenho da figura humana e da identificação das partes do corpo. ✓ A lateralidade pela dominância manual e pedal e reconhecimento e orientação direita/esquerda. 40 40 ✓ A estruturação espacial mensurada pelo reconhecimento dos tempos espaciais (em cima, em baixo, em frente, atrás, longe, perto, dentro e fora), pela noção de progressão de tamanho (maior e menor, ordem crescente e espaço vazio do objeto retirado) e orientação espacial no papel. ✓ A estruturação temporal pode ser avaliada através de testes de reconhecimento das noções temporais (antes e depois, manhã, tarde e noite e horários das atividades diárias) e ritmo (bater palmas rápido e devagar, balançar-se no ritmo da música e tentar reproduzir uma percussão simples). Na Avaliação Psicomotora Adaptada, a pontuação para cada item pode ser assim estabelecida: (2) se a tarefa for realizada exatamente como solicitada (considerando o grau de espasticidade de cada participante), com alguns itens como os relativos ao equilíbrio e coordenação mantidos por no mínimo cinco segundos sem quedas ou apoios quando estes não eram permitidos; (1) quando a criança realiza a tarefa, porém não totalmente como solicitada; e, (0) quando a criança não realiza a tarefa. Apenas no item relativo a esquema corporal conhecimento das partes do corpo é que a pontuação pode ficar em (1) ou (0), sem pontuação intermediária, ou a criança conhece ou não conhece determinada parte de seu corpo. As tarefas avaliadas de cada habilidade psicomotora, terão suas pontuações somadas para preencher a tabela dos resultados gerais da Avaliação Psicomotora Adaptada. Um programa de intervenção pode ter a duração de cinco meses, com frequência de duas aulas semanais, de aproximadamente uma hora cada. As primeiras duas sessões seriam de reconhecimento, para detectar medos ou habilidades das crianças no contato com a água. A partir daí, segue-se um roteiro de atividades aquáticas, elaborado com base nos dados obtidos na avaliação psicomotora e na anamnese. A ênfase do programa de intervenção reside no estímulo das habilidades que apresentarem maior déficit, de acordo com os resultados da avaliação, e aquelas consideradas importantes para 41 41 maior independência dos participantes como: equilíbrio, coordenação, esquema corporal, lateralidade e noção espacial. Os primeiros exercícios propostos seriam de adaptação ao meio líquido como respiração, flutuação, deslize, giros e propulsão. Esta sequência pedagógica considera o equilíbrio, a respiração e a propulsão como elementos fundamentais para a abordagem posterior de outras habilidades. Atividades lúdicas, como jogos, músicas, histórias e brinquedos variados, podem ser amplamente utilizadas com a finalidade de promover a alegria e o prazer pelo movimento. Músicas simples, cantadas durante alguns exercícios, podem determinar a velocidade e o ritmo dos movimentos (forte, fraco, rápido, lento). Para se proporcionar maior estímulo e percepção sensório-motora, materiais flutuantes de diversas formas, texturas e tamanhos podem ser utilizados com a finalidade de favorecer a percepção corporal, facilitar os deslocamentos e provocar desequilíbrios, favorecendo a interação e a relação das crianças com o meio. Esta técnica, chamada de manipulação, também é um recurso utilizado por Barbosa (2001) no estímulo da percepção motora de nadadores iniciantes. Brincadeiras com deslocamentos para frente, para trás, para a direita e para a esquerda, jogos de pegar objetos submersos (embaixo da água), ou na superfície, na borda ou dentro da piscina e atividades de identificação das partes do corpo, também podem ser incluídos ao programa de atividades. No estudo promovido por Teixeira-Arroyo e Oliveira, em 2007, os resultados permitiram concluir que atividades aquáticas são indicadas para a estimulação psicomotora de crianças com Paralisia Cerebral. Os participantes avaliados tiveram melhoras consideráveis nos aspectos psicomotores avaliados (coordenação e equilíbrio, lateralidade, esquema corporal, orientação espacial e orientação temporal), tornaram-se mais hábeis nas atividades em meio líquido, onde a facilitação do movimento favoreceu a percepção do corpo e de suas capacidades e potencialidades, promovendo assim novas adaptações, tanto intrínsecas como extrínsecas, ou seja, do indivíduo com seu corpo e desse corpo com o meio. 42 42 6. A EQUOTERAPIA E A ASINOTERAPIA Nos últimos tempos houve de fato o reconhecimento e, consequentemente, a incorporação da equoterapia como método e técnica inseridos nos programas de reabilitação e inclusão no Brasil. Cada vez mais esta abordagem se torna alvo de estudos de vários profissionais, de pessoas com necessidades especiais e até familiares destes. Muito embora a equoterapia tenha sido reconhecida como método terapêutico pelo Conselho Federal de Medicina, uma discussão tem emergido
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