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74 Abordagem ao estado de mal epiléptico Gabriela Pantaleão Moreira Lécio Figueira Pinto PONTOS IMPORTANTES O estado de mal epiléptico resulta do desequilíbrio entre mecanismos excitatórios e inibitórios neuronais, resultando em atividade elétrica cerebral epileptiforme anormalmente prolongada ou reentrante. Classicamente, define-se EME como crise com duração de 30 minutos ou crises reentrantes sem recuperação do nível de consciência entre elas. Operacionalmente, o EME é definido em um tempo T1 (a partir do qual sabe-se que as crises não cessaram de modo espontâneo) e um tempo T2 (a partir do qual lesão neuronal e consequências a longo prazo poderão ocorrer). Para crises tônico-clônicas generalizadas, o T1 é de 5 minutos, ou seja, após esse tempo, não se espera que a crise seja interrompida sem a administração de medicamentos. O EME pode ser convulsivo (EMEC), quando exibe manifestações motoras exuberantes e bilaterais, ou não convulsivo (EMENC), quando não cursa com sinais e sintomas motores ou esses são apenas sutis ou subclínicos. No caso do EMENC, o diagnóstico dependerá do eletroencefalograma (EEG) para ser confirmado. Todo paciente que apresenta EMEC e persiste com alteração do nível de consciência após cessadas as manifestações motoras deve levantar suspeita para um possível EMENC em curso. O tratamento de primeira linha do EMEC é com uso de benzodiazepínicos. A segunda linha inclui anticonvulsivantes de uso parenteral. A terceira, por sua vez, drogas anestésicas e sedativas de infusão contínua. O EME que não cessa após terapia de segunda linha é considerado refratário. O EMENC que persiste após introdução das drogas de terceira linha é dito super-refratário. Quando o EMENC não envolve alteração do nível de consciência, deve-se priorizar as drogas de segunda linha (associando-as) ou mesmo o uso de anticonvulsivantes de uso enteral (que permitam titulação rápida). Assim, evitam-se fármacos de infusão contínua que demandam intubação orotraqueal e prolongam tempo de internação em UTI. Após o EME ser controlado, recomenda-se monitorização com EEG contínuo pelas próximas 24 horas. Se houver persistência de alteração do nível de consciência, esse tempo deve ser estendido para 48 horas ou mais, a depender do caso. A resolução eletrográfica do EME é aceitável como meta do tratamento com drogas de infusão contínua, não sendo obrigatório que o paciente entre em surtossupressão. O prognóstico do EME depende principalmente da sua causa, sendo as causas agudas, em especial encefalopatia anóxica, as que guardam maior morbimortalidade. Entretanto, fatores como idade, tempo de duração do EME e a presença de comorbidades clínicas conferem pior prognóstico. Além do risco de óbito, o risco de sequelas, especialmente cognitivas, determinando graus variáveis de incapacidade, atesta a gravidade potencial de todo quadro de EME. EPIDEMIOLOGIA O estado de mal epiléptico (EME) tem incidência estimada em 10 a 41 casos por 100.000 habitantes, conforme estatísticas norte-americanas. Até 60% dos casos ocorrem em pacientes sem diagnóstico de epilepsia prévia, podendo ser atribuídos a causas agudas ou crônicas. O acidente vascular cerebral (AVC) figura como a patologia aguda mais frequente dentre as causas de EME. Dentre os pacientes com diagnóstico prévio de epilepsia, a perda da adesão à terapia medicamentosa é a causa mais frequente. Estima-se que 4 a 16% dos pacientes epilépticos experimentarão ao menos um episódio de EME na vida. Os picos de incidência ocorrem em crianças menores que 10 anos e em adultos com idade acima dos 50 anos. Trata-se de uma condição grave e potencialmente fatal, com mortalidade estimada em 20%. Conforme duração do EME e idade, essa taxa pode aumentar, chegando a ultrapassar 50% em algumas situações, em especial nos casos refratários. O risco de óbito no EME é determinado pela sua causa subjacente, ou seja, a gravidade e o tipo de etiologia determinam um maior risco de desfecho negativo. As etiologias agudas são as que têm pior prognóstico e, dentre elas, encefalopatia anóxica é a que exibe maior morbimortalidade. FISIOPATOLOGIA Do ponto de vista fisiopatológico, o EME é uma condição em que há atividade epileptiforme ictal anormalmente prolongada ou reentrante. Isso acontece como resultado de: 1. Iniciação de mecanismos que geram crises anormalmente prolongadas; e/ou 2. Falha dos mecanismos envolvidos na cessação da atividade epiléptica nos circuitos neurais, o que leva à perpetuação de crises. Assim, há um desequilíbrio entre os mecanismos excitatórios e inibitórios (Figura 1). O término de uma crise é definido pela depleção de neurotransmissores e de ATP na fenda sináptica e reservatórios intracelulares, além de alterações iônicas, mudança no equilíbrio acidobásico e aumento na modulação GABAérgica e liberação de neuropeptídeos. Antes do final da atividade elétrica epiléptica observada durante uma crise, é percebido um aumento na sincronização temporoespacial no EEG, sugerindo que há uma transição entre os dois momentos: ictal vs. interictal. Essa transição está alterada ou ausente nos pacientes com EME, que, antes de atingirem o estado pós-ictal, retomam a atividade ictal, de um modo cíclico e contínuo ou reentrante. FIGURA 1 O desequilíbrio entre mecanismos excitatórios e inibitórios neurais é a base fisiopatológica do estado de mal epiléptico. A ativação sináptica inicialmente compensa o aumento da demanda metabólica gerada pela atividade excessiva, mas, com o passar do tempo, ocorrerá esgotamento desses mecanismos. A atividade epileptiforme sustentada desencadeia processos inflamatórios neuronais, quebra da barreira hematoencefálica e alterações sinápticas, podendo inclusive repercutir em mudança na expressão gênica. A persistência do EME acarreta alterações também na expressão de receptores de membrana, havendo internalização de receptores GABAérgicos (inibitórios) e externalização dos glutamatérgicos (excitatórios). Com isso, a condição passa a ser menos responsiva às medicações com ação gabaérgica (como benzodiazepínicos) e potencialmente mais refratária. Podem ocorrer consequências a longo prazo, com alteração na circuitaria e até morte neuronal, gerando sequelas clínicas, principalmente cognitivas. DEFINIÇÕES E CONCEITOS BÁSICOS Classicamente, o EME é definido como crise com duração superior a 30 minutos ou crises reentrantes sem recuperação da consciência entre elas. Essa definição é baseada em estudos em animais que demostraram lesão neuronal de acordo com a duração. Contudo, sabe-se que crises com duração prolongada têm baixa chance de cessar espontaneamente. Assim, do ponto de vista operacional, o EME foi definido segundo força-tarefa da International League Against Epilepsy (ILAE) como uma condição resultante da falência dos mecanismos de cessação de crises ou de alterações nos mecanismos que iniciam as crises, fazendo com que ocorram de forma anormal e prolongada (após o tempo 1 – T1), conforme apresentado na Tabela 1. O EME pode levar a consequências a longo prazo (tempo 2 – T2), incluindo dano e morte neuronal, além de alteração das redes neurais a depender da duração das crises. Assim, uma crise que dura mais que T1 já pode ser considerada prolongada o suficiente para não mais se esperar que ela cesse espontaneamente, sendo indicado tratamento medicamentoso para interromper a atividade epiléptica. Não se deve esperar o tempo 2 para instituir o tratamento, mas a partir desse momento justifica-se uma abordagem mais agressiva pelas consequências em longo prazo. T1 e T2 variam a depender do tipo de estado de mal, conforme apresentado na Tabela 1. Já do ponto de vista semiológico, classifica-se o EME conforme a presença de manifestações motoras e alteração da consciência. Assim, podem existir vários tipos de estado de mal, sendo os mais relevantes no âmbito da emergência: Estado de mal epiléptico convulsivo (EMEC): presença de atividade motora intensa, com abalos/hipertonia bilateral, além de alteração da consciência – em geral é descrito comocrise tônico-clônica generalizada. Estado de mal epiléptico não convulsivo (EMENC): não é observada atividade motora ou ela ocorre de maneira sutil. No EEG é observada atividade epileptiforme ictal prolongada ou recorrente. Clinicamente, há uma variedade de possibilidades: alteração do comportamento e/ou da cognição em relação ao basal do paciente (psicose, perseveração, ilusões/delírios, agitação, anorexia, catatonia), variando de leve alteração do nível de consciência até o coma. Essa categoria contempla o estado de mal focal com alteração da consciência (paciente desperto, mas confuso, EEG focal), de ausência (EEG generalizado) e o estado de mal no coma (sem manifestações clínicas, diagnosticado apenas pelo EEG). Frequentemente, um paciente que inicia um quadro de EMEC pode, com ou sem tratamento anticonvulsivante, evoluir com diminuição dos abalos motores mais proeminentes, passando a apresentar manifestações discretas. Abalos motores sutis das extremidades, movimentos oculares estereotipados ou mesmo um estado confusional persistente, que surgem após quadro de crise prolongada ou EMEC, devem sempre levantar a suspeita de um possível EMENC. Nesse caso, torna-se necessária e obrigatória a realização do EEG para confirmar ou descartar a hipótese. Após EMEC, quase 50% dos pacientes ainda apresentam padrões no EEG que indicam progredir tratamento anticonvulsivante. Ainda que clinicamente menos exuberante, o EMENC também é grave e guarda implicações prognósticas semelhantes. CAUSAS As causas para um EME são semelhantes às de uma primeira crise epiléptica (ver Capítulo “Abordagem da primeira crise epiléptica”), sendo mais prevalentes as causas neurológicas agudas e os fatores desencadeantes de crises em pacientes previamente epilépticos (Tabela 2). Aqui, inclui-se um grupo de causas classificadas como sintomáticas progressivas, que reúne doenças com curso progressivo, em que a piora das crises faz parte da própria evolução clínica resultante do substrato patológico. Essa progressão pode ser passível de interrupção com tratamento (imunossupressão, neurocirurgia etc.) ou pode ter patologia degenerativa que não dispõe de terapia específica capaz de mudar o curso da doença. TABELA 1 Definição operacional de estado de mal epiléptico (EME) Tipo de EME T1 T2 EME convulsivo (EMEC) 5 min (EME iminente) 30 min (EME estabelecido) EME focal com comprometimento da consciência 10 min > 60 min Estado de mal de ausência 10-15 min desconhecido TABELA 2 Classificação do estado de mal epiléptico quanto à etiologia Principais etiologias Sintomático agudo TCE AVC Hemorragias intracranianas Trombose venosa cerebral Infecções de SNC (> 50% não são identificadas) Tumor cerebral (pode ser apresentação inicial) Pós-operatório de neurocirurgia Tóxico-metabólico (sepse, falência renal ou hepática, distúrbios hidroeletrolíticos, hiper ou hipoglicemia, medicações, abuso de substâncias) Abstinência de álcool e medicamentos Eclâmpsia PRES Sintomático progressivo Tumor cerebral (tratamento incompleto ou mal-sucedido) Infecções crônicas de SNC ou condições pós-infecciosas (PESS, HIV, neurossífilis) Encefalites autoimunes/paraneoplásicas (anti-NMDA, anti-LGI1, anti-VGKC, anti- GAD) Afecções inflamatórias e/ou imunomediadas do SNC (neurossarcoidose, neuro- Behçet, encefalite de Rasmussen, ADEM, encefalite de Hashimoto) Porfiria Mitocondriopatias Degenerativas (doença de Alzheimer) Sintomático remoto Sequela de TCE, AVC ou neuroinfecção prévios Tumor benigno, estável (p. ex., meningioma) Insultos pré ou perinatais Idiopático ou epilepsia Síndromes epilépticas geneticamente determinadas Lesões não identificadas (p. ex., displasia) Condições autoimunes não conhecidas ADEM: encefalomielite disseminada aguda; AVC: acidente vascular cerebral; PESS: panencefalite esclerosante aguda; PRES: síndrome da encefalopatia posterior reversível; SNC: sistema nervoso central; TCE: traumatismo cranioencefálico. EXAMES COMPLEMENTARES Tendo em vista o elenco de causas já descrito, a investigação complementar será direcionada à pesquisa de causas agudas sistêmicas e neurológicas e de sequelas cerebrais de patologias prévias, que possam estar implicadas no EME atual. Além disso, alguns exames podem ser úteis como monitorização do tratamento anticonvulsivante. Exames laboratoriais Nesse contexto, são relevantes: hemograma, eletrólitos, função renal e hepática, gasometria, dosagem de amônia (diagnóstico diferencial de causas de encefalopatia e também para monitorizar possíveis efeitos adversos de drogas como valproato de sódio e topiramato, que aumentam o risco de hiperamonemia). Além disso, no caso de pacientes previamente epilépticos que se apresentam com EME, os níveis séricos de anticonvulsivantes em uso são úteis para avaliar eficácia e adesão ao tratamento. Outros exames devem ser solicitados conforme suspeitas clínicas específicas. Neuroimagem: tomografia computadorizada (TC) de crânio e/ou ressonância magnética (RM) de encéfalo Destinam-se à pesquisa etiológica do quadro. A tomografia é o exame mais acessível e rapidamente executável nesse contexto. A ressonância, apesar de guardar logística mais complexa (especialmente para pacientes intubados e acoplados a monitores e bombas de infusão em ambiente de UTI), está indicada nos casos em que há sinais e sintomas focais ou achados eletroencefalográficos muito localizados. Nessa situação, deve-se excluir com o maior grau de acurácia possível que não há lesões estruturais envolvidas na gênese do quadro, o que é obtido com a RM. Essa também está indicada em todos os casos de EME sem etiologia definida após a TC. Obs.: alguns achados de imagem podem ser consequência do EME ou da ocorrência recente de crises per se, não tendo, assim, implicação etiológica. Tais achados são mais facilmente reconhecidos pela RM. Entre eles, os mais comuns são: Edema cerebral e apagamentos dos sulcos. Perda da diferenciação córtico-subcortical. Realce cortical delineando os giros. Focos de hipersinal em T2 com restrição à difusão. Esses focos podem ter distribuição variada, sendo comumente encontrados no corpo caloso, regiões do lobo temporal e pulvinar do tálamo. Eletroencefalograma (EEG) Apesar de essencial na condução do EME, é dispensável para o manejo inicial durante o atendimento de urgência, já que nesse momento o tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível. Nos casos em que se suspeita de EMENC, como o de um paciente que não recupera nível de consciência após uma crise epiléptica ou após EMEC que foi medicado, o EEG é fundamental para o manejo subsequente. Nesses casos, o registro eletroencefalográfico deve ser prolongado, para aumentar a sensibilidade para a detecção de crises. Noventa por cento dos pacientes que apresentaram pelo menos uma crise documentada e persistem com algum grau de encefalopatia irão ter crises eletrográficas nas primeiras 24 horas de monitorização prolongada. Idealmente, após o EMEC ser controlado, o paciente deve ser monitorizado com EEG por ao menos mais 24 horas, para descartar a possibilidade de crises eletrográficas em curso ou mesmo um EMENC. Recomenda-se tempo mais longo (48 h) em casos que persistam com alteração de consciência. Em alguns casos, pode ser necessário registro mais prolongado, em especial para acompanhamento e titulação do tratamento. Obs.: a presença de crises eletrográficas (mesmo sem preencher os critérios para EME) pode ser um marcador de lesão neurológica ou pode estar implicada na persistência da encefalopatia. Não está claro se tratar crises eletrográficas tem impacto prognóstico na recuperação funcional do paciente. O EEG no EME pode mostrar um padrão ictal inequívoco, caracterizado por crises contínuas ou reentrantes, ou, alternativamente, evidenciar padrões mais complexos, não obrigatoriamente ictais. Esses padrões podem estar relacionados com uma maior ou menor probabilidade de que crises estejam ocorrendo; em alguns momentos, conforme a morfologia das descargas e o contexto clínico, podem inclusiveser considerados como ictais (ou seja, correlatos eletrográficos de uma crise). Embora nesses casos caiba a avaliação especializada do neurologista e a discussão em conjunto com o médico eletroencefalografista, a Tabela 3 tenta resumir os principais significados clínicos dos padrões mais comuns. Estudo do líquido cefalorraquidiano (LCR) Faz parte da investigação, sendo obrigatório para casos sem etiologia clara. Devem ser afastadas contraindicações (em especial, coagulopatia e lesão com efeito massa em sistema nervoso central). Especialmente útil nos casos em que se suspeita de etiologia imunomediada/paraneoplásica ou infecciosa não diagnosticada pelos demais exames. TRATAMENTO O tratamento do EME tem como objetivo interromper as crises epilépticas, evitar lesão neuronal permanente e consequências a longo prazo e, principalmente, solucionar a causa. Sempre que se está diante de um quadro de EME, além da terapia anticonvulsivante, o médico deve preocupar-se com a etiologia do quadro, pois se não for resolvida, é muito provável que as crises sejam mais difíceis de serem controladas. Em casos de EME graves ou refratários, deve-se suspeitar que a causa não está sendo adequadamente tratada. FIGURA 2 Princípios do tratamento do estado de mal epiléptico. TABELA 3 Padrões eletroencefalográficos comumente registrados em pacientes críticos/comatosos e seu significado clínico Achados no EEG Significado clínico Padrões ictais inequívocos Atividade epileptiforme contínua por mais de 30 minutos com frequência > 2,5/segundo Atividade epileptiforme contínua por mais de 30 minutos com frequência < 2,5/segundo que preencha os critérios diagnósticos para EMENC em pacientes sem epilepsia prévia (fenômeno clínico associado OU melhora clínica e do EEG com tratamento OU clara evolução temporal e espacial pelo EEG) ou Paciente com epilepsia prévia com aumento da atividade epileptiforme e Estado de mal epiléptico mudança do quadro clínico OU melhora clínica + EEG com tratamento Crises subentrantes Padrões periódicos LPD LRDA GPD BIPD Padrões geralmente associados a lesão estrutural (especialmente os lateralizados – LPD, LRDA e BIPD) ou alterações sistêmicas (sepse, hiponatremia, intoxicações etc.) no caso do GPD Podem ocorrer em AVC, TCE, meningoencefalite, demências rapidamente progressivas Não indicam necessariamente EME (apesar de poderem ser ictais em alguns contextos), mas estão associados a risco de aumento para crises e frequentemente está indicado o uso de FAE LPD plus e LRDA plus – presença do elemento morfológico adicional modificador, identificado como plus, geralmente um ritmo rápido sobreposto à descarga Tais padrões estão ainda mais correlacionados com a presença de crises e o uso de FAE está indicado. Deve-se ter alta suspeita de crises eletrográficas sem correlato clínico e está indicada monitorização prolongada GRDA Não é ictal nem apresenta associação relevante com crises. Não necessita tratamento com FAE isoladamente SIRPIDs (padrão de reatividade anormal) Refletem hiperexcitabilidade cortical, patológica Associados a crises, outros padrões periódicos e mortalidade Questionável se causam dano neuronal e se isoladamente necessitam tratamento Ondas trifásicas Ondas agudas ou de aspecto agudizado. Comumente, a projeção é generalizada e atualmente não são consideradas como um padrão em si, apenas uma descrição da morfologia da onda. Em geral fazem parte de um padrão periódico, como o GPD Classicamente eram associadas a encefalopatias tóxico-metabólicas (p. ex., encefalopatia hepática, urêmica, intoxicação por lítio). Estudos recentes apontam que o risco de crise é semelhante em pacientes com ou sem ondas trifásicas Atenuação Atividade elétrica cerebral com amplitude < 20 µV Indicam desorganização acentuada da atividade de base, tanto mais grave quanto menor a amplitude do traçado. Podem ser efeito de medicações anestésicas de infusão contínua ou grave lesão cerebral Supressão Atividade elétrica cerebral com amplitude < 10 µV Surtossupressão Surtos com atividade elétrica geralmente lenta (ondas teta e/ou delta) entremeados a ondas mais rápidas, interrompidos por trechos de supressão Em geral devido ao uso de drogas anestésicas. Na ausência delas, indica acentuada disfunção cerebral AVC: acidente vascular cerebral; BIPDs: bilateral independent periodic discharges; EEG: eletroencefalograma; EME: estado de mal epiléptico; EMENC: EME convulsivo; FAE: fármaco antiepiléptico; LPD: lateralized periodic discharges; LRDA: lateralized rhythmic delta activity; GPDs: generalized periodic discharges; GRDA: generalized rhythmic delta activity; SIRPIDs: stimulus-induced rhythmic, periodic or ictal discharges; TCE: traumatismo cranioencefálico. Estado de mal epiléptico convulsivo (EMEC) Primeiro passo – estabilização clínica Nessa etapa, o paciente deve ser estabilizado clinicamente. Monitorizar e atentar aos sinais vitais; avaliar necessidade de aspiração de vias aéreas e fornecer O2 suplementar durante a crise; posicionar em decúbito lateral se possível; aferir glicemia capilar. Ainda no atendimento inicial, deve-se estabelecer acesso venoso periférico e coletar amostra de sangue para exames laboratoriais. Conforme o contexto clínico, considerar administração de tiamina parenteral (se suspeita de etilismo, abstinência alcoólica ou desnutrição). Nesse momento, o médico deve tentar obter o maior número de dados relevantes da história clínica com familiares e acompanhantes e realizar o exame físico neurológico direcionado ao quadro (principalmente fundoscopia, pupilas e motricidade ocular, pesquisar déficits neurológicos focais, sinais clínicos de possíveis crises sutis – como abalos rítmicos nas extremidades, desvio do olhar conjugado, hippus pupilar – e rigidez de nuca). Segundo passo Se crise ainda em curso, iniciar tratamento de primeira linha (Tabela 4). Se o paciente ainda persiste em crise, chegando aos 5 minutos de duração, deve ser iniciado tratamento anticonvulsivante, já que esse é o tempo definido como T1 do ponto de vista operacional para EMEC. Nessa etapa, as drogas usadas são os benzodiazepínicos, conforme disposto na Tabela 4. Se nenhum dos dois medicamentos da Tabela 4 estiverem disponíveis, considerar alternativamente fenobarbital 15 mg/kg/dose, IV, em dose única. Algumas opções cuja apresentação comercial não está disponível no Brasil podem ser consideradas nessa etapa, como midazolam nasal ou bucal e diazepam retal. Essas formulações são especialmente recomendadas para uso em crianças com crises febris ou elevada frequência de crises, podendo inclusive ser empregadas por familiares treinados e fora do ambiente hospitalar. Quando possível, a administração de benzodiazepínicos já deve ser feita em ambiente pré-hospitalar, pela equipe socorrista, o que reduz risco de chegar em EME e internação em UTI. FIGURA 3 Fluxo inicial do tratamento do estado de mal epiléptico convulsivo. TABELA 4 Drogas de primeira linha para tratamento do estado de mal epiléptico convulsivo (crise prolongada por > 5 minutos) Droga Dose inicial adulto Diluição sugerida Administração Efeitos colaterais e considerações Diazepam 10 mg EV Não diluído ou em NaCl 0,9% 1 amp 10 mg/mL em 9 mL de SF 0,9% EV 5 mg/min (adulto) 2 mg/min em crianças Recomendado repetir (total duas doses) Hipotensão/depressão respiratória Altamente recomendado uso de fenitoína após diazepam devido à alta taxa de recorrência Midazolam 10 mg IM Sem diluição Intramuscular Hipotensão/depressão respiratória Reduzir dose para 5 mg IM se peso de 13- 40 kg Não recomendado repetir Primeira opção se paciente não estiver com acesso venoso Terceiro passo Se crise ainda persiste, proceder ao tratamento de segunda linha (Tabela 5). Nessa etapa, o paciente entra na fase de risco de lesão persistente, ou seja, T2. Não há evidência sobre qual a melhor opção terapêutica e as opções demonstradas na Tabela 5 são recomendadas por especialistas. Comentário: o brivaracetam, aprovado para início da comercialização no Brasila partir de 2020, é um potencial fármaco a ser usado no contexto de EME, ainda que não haja evidência baseada em estudos controlados até o momento. Alguns trabalhos mostram potencial benefício, tendo sido usadas doses entre 100 e 400 mg. Quarto passo Crise ainda em curso? EME refratário – proceder ao tratamento de terceira linha. Nessa fase existe risco potencial de lesão e plasticidade neuronal patológica, justificando tratamento agressivo. As evidências são ainda mais escassas sobre qual seria a melhor escolha, sendo possível repetir a terapia de segunda linha com um fármaco diferente (quando o risco da anestesia, rebaixamento ou instabilidade hemodinâmica não seja aceitável para o paciente, de forma individualizada) ou proceder à infusão contínua de anestésicos, conduta habitualmente preferida nesse contexto (Tabela 6). A droga habitualmente recomendada como escolha inicial é o midazolam, por eficácia e segurança. O propofol é uma opção interessante, que pode ser escolhida como primeira linha em algumas situações. O tiopental é uma medicação reservada para casos graves pela maior morbidade associada ao seu uso, especialmente quando prolongado (infecções, tempo de ventilação mecânica, cardiotoxicidade). A quetamina é um fármaco promissor, antagonista glutamatérgico, que tem obtido resultados interessantes, utilizado em associação (com midazolam ou propofol), com vantagem de menor risco de depressão cardiovascular. TABELA 5 Drogas de segunda linha para tratamento do estado de mal epiléptico convulsivo (crise persiste após primeira linha de tratamento) Droga Dose inicial adulto Apresentação/diluição Administração Efeitos colaterais e considerações Fenitoína 20 mg/kg Ampola tem 250 mg/5 mL Diluir em SF 0,9%, incompatível com soro glicosado. Recomendado uso de filtro de linha Velocidade máxima de infusão 50 mg/min; para idosos e cardiopatas, reduzir para 20 mg/min Hipotensão e bradicardia se infusão rápida Extravasamento pode causar necrose local Se paciente refere sintomas locais leves próximo ao acesso (ardência, calor), reduzir velocidade de administração Ácido valproico (retirado em 2017 do mercado brasileiro) 40 mg/kg (dose máxima 3.000 mg) 500 mg/5 mL Diluir em 100 mL de SF 0,9% Sugestão de infusão 100 mg/min ou 6 mg/kg/min Pode causar disfunção plaquetária e hiperamonemia Lacosamida (não recomendada formalmente nessa fase pela falta de evidência, mas figura como 200 a 400 mg IV Diluir em 100 a 250 mL de SF, SG ou Ringer Infusão em 15 a 60 minutos, parece ser Pode prolongar intervalo PR; atenção em cardiopatas ou uso droga promissora e frequentemente já empregada na prática clínica) segura em infusões mais rápidas (5 minutos) concomitante de outras medicações com efeito na condução cardíaca Fenobarbital (se nenhum dos anteriores disponível) 15 a 20 mg/kg 200 mg/2 mL 50 a 100 mg/min Sedação e depressão respiratória TABELA 6 Drogas de infusão contínua para tratamento de terceira linha do estado de mal epiléptico convulsivo Droga Dose inicial em bolus Apresentações Manutenção (infusão contínua) Considerações/padrão EEG Midazolam 0,2 mg/kg. Pode ser repetido bolus 15 mg/3 mL 5 mg/mL 50 mg/10 mL 0,1-2 mg/kg/h Pode causar hipotensão e depressão cardiorrespiratória, em menor grau que tiopental Propofol 2 a 3 mg/kg. Pode ser repetido bolus Frasco ampola 10 mg/mL ou 20 mg/mL 4-10 mg/kg/h Pode causar síndrome de infusão do propofol (efeito tóxico raro levando a acidose metabólica e rabdomiólise) Quetamina 1,5 mg/kg repetido a cada 5 min até 4,5 mg/kg Frasco ampola 500 mg/10 mL 2 a 5 mg/kg/h Pode causar confusão, delirium e agitação, uso em geral associado a midazolam ou propofol Menor risco de hipotensão Tiopental 3 a 5 mg/kg em bolus, pode ser repetido a cada 2 a 3 minutos Frascos 0,5 a 1 g Diluir em SF 0,9% 3 a 7 mg/kg/h Causa hipotensão e depressão cardiorrespiratória, frequente necessidade de uso de vasopressores Aumento do risco de infecção EEG: eletroencefalograma. Obs.: classifica-se o EME, conforme resposta ao tratamento, em: EME refratário – falha em responder à droga de primeira e de segunda linha. EME super-refratário – recorrência ou persistência do EME após droga de terceira linha. Obs.: o tempo faz diferença! Se o estado de mal persiste, ocorrem modificações na circuitaria neural, com alterações sinápticas que tornam a condição progressivamente menos responsiva ao tratamento com os fármacos habitualmente utilizados. Nesse processo, ocorre internalização dos receptores gabaérgicos, de modo que drogas com essa ação (como os benzodiazepínicos) podem ser menos efetivas ao longo do tempo. Por isso, faz sentido o uso de drogas com mecanismo de ação diverso, como a quetamina, um antagonista dos receptores glutamatérgicos tipo NMDA, que tem função excitatória. Após instituído tratamento com drogas de infusão contínua, o manejo deve ser todo guiado pelo EEG. Somente com a monitorização eletroencefalográfica é possível ter certeza de que o paciente saiu do EME e não está tendo novas crises. Classicamente, o alvo do tratamento era atingir um padrão de surtossupressão no EEG para considerar o EME tratado. Atualmente, tendo em vista a morbimortalidade envolvidas no uso excessivo de drogas anestésicas e sedativas em ambiente de UTI, ter como meta apenas o controle de crises e a remissão do padrão eletrográfico compatível com EME costuma ser aceitável. Não existem trabalhos com evidência para recomendar uma opção em detrimento da outra. Uma vez controlado o EME, deve-se manter mais 24 horas de coma medicamentoso, antes de iniciar o desmame das drogas. Nesse período, o paciente estará idealmente monitorizado com EEG, e anticonvulsivantes deverão ser iniciados e titulados para uma transição segura do tratamento. Preferencialmente, as medicações eleitas devem ser de administração enteral e que permitam rápida titulação. São desejáveis ao menos duas medicações em doses terapêuticas antes de iniciar o processo de desmame das drogas anestésicas. Recomenda-se, após 24 horas, iniciar a redução da infusão em 25% da dose total, a cada 6 horas, desde que haja monitorização eletrográfica concomitante. Se possível, o paciente deverá estar em seguimento com neurologista, além da equipe médica clínica e intensivista. Estado de mal epiléptico não convulsivo O tratamento de primeira e o de segunda linha são semelhantes ao do EMEC. Sugere-se evitar o uso de drogas anestésicas e sedativas se o paciente tem a consciência preservada ou relativamente preservada, pois requerem intubação orotraqueal e ventilação mecânica, guardam maior morbidade associada e não há evidências de que essas medidas modifiquem o prognóstico. Esses fármacos estão associados a maior risco de infecção/sepse, instabilidade hemodinâmica e tempo aumentado de ventilação mecânica. Se o paciente persiste em EME após a primeira e a segunda linha, é possível associar outro fármaco de segunda linha de modo concomitante ou usá-los de modo sequencial. É aceitável também o uso de drogas por via não parenteral (via sonda nasoenteral ou oral). Nesse caso, dá-se preferência por fármacos que possam ser mais rapidamente titulados até atingir nível sérico terapêutico, como topiramato, levetiracetam, ácido valproico, vigabatrina, clobazam e carbamazepina. Essa pode ser uma boa estratégia para otimizar o controle do quadro clínico antes de se partir para drogas de terceira linha. O uso dos fármacos de infusão contínua deve ser exceção no EMENC, realizado em pacientes mais jovens, que guardam menor risco de complicações, e quando se julgar que determinado padrão eletrográfico apresentado contribui de forma significativa para alteração da consciência. TABELA 7 Fatores associados a pior prognóstico no estado de mal epiléptico (EME) Etiologia Idade avançada Maior duração do EME EMENC após EMEC Presença de comorbidades clínicas EMEC: EME convulsivo; EMENC: EME não convulsivo. TABELA 8 Escala de gravidade do estado de mal epiléptico (EME) (STESS) Nível de consciência Alerta ou sonolento/confuso 0 Torporou coma 1 Tipo de crise (considerar o pior tipo) Focal perceptiva, focal disperceptiva, ausência, mioclonias 0 Tônico-clônico generalizada 1 EMENC em paciente comatoso 2 Idade < 65 anos 0 ≥ 65 anos 2 História de crises prévias Sim 0 Não ou desconhecido 1 Total 0-6 EMENC: EME não convulsivo. PROGNÓSTICO A mortalidade do EME está associada principalmente à sua causa. Entretanto, há alguns fatores considerados de pior prognóstico para desfecho com óbito, conforme enumerados na Tabela 7. Existem algumas escalas de gravidade do EME, sendo uma das mais conhecidas a STESS (do inglês, Status Epilepticus Severity Score), que procura predizer o risco de óbito. Uma pontuação entre 0 e 2 é considerada favorável, com baixo risco de morte. Ela é baseada em quatro variáveis, conforme mostrado na Tabela 8. A mortalidade do EME em adultos é estimada em 30%, podendo atingir até 48% nos casos refratários. Além disso, o EME guarda elevada morbidade, conferindo risco aumentado de infecções nosocomiais, arritmias, insuficiência respiratória, rabdomiólise, sequelas cognitivas, infarto do miocárdio, além de maior tempo de internação hospitalar, especialmente em UTI, e de ventilação mecânica prolongada. Entre 20 e 50% dos sobreviventes apresentarão algum comprometimento funcional significativo, que tende a ser pior em pacientes com lesão neurológica aguda e EME refratário. Assim, considerando o impacto do EME, seus custos durante a internação e o risco de algum grau de incapacidade entre os pacientes com EME resolvido, o tratamento precoce e agressivo deve ser sempre buscado. Preferencialmente, deve ser iniciado já em ambiente pré-hospitalar se indicado e disponível. Em pacientes comatosos sem causa definida para o coma, deve haver baixo limiar para a suspeição de um EMENC em curso, pois seu diagnóstico demanda realização de EEG, só podendo ser realizado a partir da suspeita clínica. FIGURA 4 Manejo do estado epiléptico em adultos. LITERATURA RECOMENDADA 1. Betjemann J, Lowenstein D. Status epilepticus in adults. Lancet Neurology. 2015;14:615-24. 2. Drislane F, Lopez M, Blum A, Schomer D. Detection and treatment of refractory status epilepticus in the intensive care unit. Journal of Clinical Neurophysiology. 2008;25(4):181-6. 3. Hirsch L, et al. Status epilepticus. Continuum (Minneap Minn). 2013;19(3):767-94. 4. Rossetti A, Logroscino G, Miligan T, Michaelides C, Ruffieux C, Bromfield E. Status Spilepticus Severity Score (STESS): a tool to orient early treatment strategy. Journal of Neurology. 2008;255:1561-6. 5. Savaraju A, Gilmore E. Understanding and managing the ictal-interictal continuum in neurocritical care. Current Treatment Options Neurology. 2016;18(8):1-13.
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