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Anestesiologia Veterinária – Giovanna Rossi de Souza 1 Reanimação cardio- cérebro-respiratória Parada cardiorrespiratória (PCR) é uma súbita e inesperada interrupção da respiração e circulação efetiva, é um processo dinâmico e depende do tempo, que ocorre secundariamente a falha da contratilidade cardíaca, a qual resulta em assistolia ventricular, ausência de atividade elétrica de pulso, taquicardia ventricular sem pulso ou fibrilação ventricular. A RCCR tem como objetivo fornecer fluxo sanguíneo para o coração e o cérebro até a restauração da circulação espontânea, o sucesso da RCCR combina técnicas de suporte vital básico (SVB) e suporte vital avançado (SVA), além dos cuidados após a reanimação. Infelizmente é um evento terminal, pois poucos sobrevivem à PCR, e a falta de treinamento, padronização e atraso no diagnóstico pioram o prognóstico. Em cães a probabilidade de ocorrer uma nova PCR é de 68%, com taxa de sobrevivência de apenas 4,1%. Em gatos a probabilidade de nova PCR é de 38%, com 9,6% de sobrevivência. O reconhecimento precisa ser imediato, pois a interrupção do suprimento sanguíneo causa uma exaustão de oxigênio em 10 segundos, uma depleção de glicose e glicogênio de 2 a 4 minutos, esgotamento de ATP em 4 a 5 minutos, danos neurológicos a partir de 3 minutos e a morte pode ocorrer após os 4 minutos de PCR. Causas da PCR São fatores que predispõem a uma parada cardiorrespiratória em cães e gatos: • Hipoxemia • Hipovolemia • Hipercalemia ou hipocalemia • Hipotermia • Tensão torácica • Tamponamento cardíaco • Tromboembolismo • Toxicidade ou sobredose anestésica • Obstrução das vias respiratórias • Hipoventilação • Estimulação vagal excessiva • Desequilíbrio ácido-básico e de eletrólitos • Trauma • Doenças sistêmicas e metabólicas Como reconhecer? De forma geral, o diagnóstico da PCR deve ser feito rapidamente a qualquer paciente que não responda a estímulos, o reconhecimento da PCR não deve durar mais do que 10 a 15 segundos e a RCCP deve ser iniciada imediatamente. Um padrão de diagnóstico deve ser baseado na avaliação das vias aéreas, respiração e circulação: • Alterações no padrão, amplitude e frequência respiratórias • Pulso fraco e irregular (entretanto PAS menor que 40mmHg não são palpáveis) • Bradicardia • Hipotensão • Cianose • Alteração da coloração do sangue • Diminuição do sangramento • Hipotermia • Tempo de reperfusão capilar (TRC) • Midríase Anestesiologia Veterinária – Giovanna Rossi de Souza 2 A palpação do pulso é um método pouco confiável, pois apenas 2% dos veterinários conseguem acertar, sendo sua especificidade baixa. O uso do doppler vascular pode ajudar, entretanto não é recomendado para diagnóstico da PCR. O eletrocardiograma é interessante, pois demonstra a atividade elétrica do coração, mas tomar cuidado, não usar como único parâmetro. Na dúvida iniciar a reanimação, e não se desesperar, manter a calma. É necessário não correr riscos, então ter tudo em fácil acesso, com carrinho/maleta de emergência em lugar fácil de pegar, com materiais todos organizados, tubo endotraqueal, laringoscópio, ambu, seringas, agulhas, cateter, fluidos, equipo, fármacos, tabela de doses... Suporte básico a vida (SBV) O SBV é o fundamento da RCCP moderna e consiste no reconhecimento da PCR, no início das compressões torácicas e no manejo da via respiratória. A qualidade do SBV esta diretamente relacionada a taxa de sobrevivência. A ordem de intervenção para todos os grupos etários corresponde a CAB. 1. Circulation: compressão torácica, reestabelecimento da circulação 2. Airway: vias respiratórias, manutenção das vias aéreas 3. Breathing: respiração assistida, ventilação Compressão torácica ------------------- Para maximizar o fluxo sanguíneo para o miocárdio e cérebro é essencial começar logo a compressão torácica. O posicionamento do paciente e das mãos do massageador vão depender da conformidade do tórax do paciente. Em geral o animal fica em decúbito lateral para impor maior pressão e aumentar o fluxo ventricular. Em buldogues o decúbito é dorsal por conta da sua conformação torácica em barril. Anestesiologia Veterinária – Giovanna Rossi de Souza 3 A massagem cardíaca pode ser feita por dois mecanismos de bomba, a bomba cardíaca e a bomba torácica. 1) Bomba cardíaca: o fluxo de sangue é feito pela compressão direta do coração, é usada em cães pequenos e gatos 2) Bomba torácica: o fluxo de sangue é feito pela compressão do tórax, que aumenta a pressão intratorácica de forma global, ocorrendo compressão ventricular e colapso da veia cava, facilitando o retorno venoso e impulsionando o sangue para fora do tórax. O retorno é elástico, a pressão negativa faz um gradiente de pressão que faz com que o sangue venoso retorne para o coração. Essa bomba é usada em cães maiores. A escolha depende do paciente, por exemplo, fotos na página anterior: • Cães com tórax em formato de quilha deve ser feito bomba cardíaca em decúbito lateral • Cães de raça média, grande e gigante deve ser feita bomba torácica • Bulldog deve ser feita bomba torácica em decúbito dorsal, compressões no esterno • Cães e gatos pequenos, fazer bomba cardíaca em decúbito lateral com compressão digital. Recomenda-se de 100 a 120 compressões por minuto, quanto mais frequente a compressão, melhor. Deve se comprimir até aprofundar de 1/3 a ½ do tórax, esperar a recuperação do diâmetro total e realizar nova compressão logo em seguida. Isso é independente da espécie. É fundamental que a postura para realização das compressões seja adequada para que se obtenha eficácia máxima. Os cotovelos devem estar esticados, rotacionados lateralmente e o ombro alinhado com as mãos entrelaçadas. Durante a massagem, deve-se utilizar o peso do corpo por meio da flexão da cintura. Se a mesa estiver muito alta, pode-se subir em um banco ou na mesa, ou até colocar o paciente no chão pode ser recomendado. A massagem gera um retorno de 25 a 50% do rendimento cardíaco normal, 6 a 20% do fluxo sanguíneo normal e 3 a 10% do fluxo sanguíneo cerebral. É contraindicado a realização de massagem cardíaca externa em casos de fratura de costelas, pneumotórax e lesões pulmonares. O prognóstico é desfavorável se a massagem durar mais de 10 minutos. Anestesiologia Veterinária – Giovanna Rossi de Souza 4 Massagem cardíaca interna Inicia-se a massagem cardíaca interna após 5 minutos da ineficácia da massagem externa ou imediatamente se for procedimento no tórax (pneumotórax e efusão). Deve ser feito em ambiente estéril. Para isso deve-se fazer uma toracotomia entre o 4º e 5º espaço intercostal do lado esquerdo, e comprimir o coração do ápice à base. A MC interna resulta em maior rendimento cardíaco, maior perfusão sanguínea cerebral, maior taxa de sobrevivência, e menos complicações neurológicas, além de devolver 80% do débito cardíaco normal Ventilação -------------------------------- Uma alta porcentagem de PCR na veterinária decorre de hipóxia e hipoventilação, então apesar da recomendação do inicio imediato das compressões torácicas no reconhecimento da PCR, é fundamental assegurar uma via aérea e que as ventilações sejam realizadas assim que possível. Então as compressões e a ventilação precisam ser feitas simultaneamente. As diretrizes atuais indicam uma taxa de ventilação de 10 respirações por minutos, sem interrupção da compressão torácica, uma respiração completa deve ser conseguida em aproximadamente 1 segundo, com um volume corrente de 10ml/kg. Caso tenha apenas 1 pessoa disponível para fazer a reanimação e for preciso interromper a ventilação para fazer compressão torácica, a taxiaideal é de 30 compressões : 2 ventilações. Quando há diminuição de oxigênio nos tecidos (hipóxia) e aumento da concentração de CO2 no sangue arterial (hipercapnia) há redução da probabilidade de retorno da circulação espontânea. A intubação orotraqueal deverá ser feita enquanto o animal estiver recebendo a massagem cardíaca, e sem mudanças no decúbito. Quando não se tem material para intubação, pode realizar a respiração boca- focinho, nesse caso é necessário parar as compressões para empurrar o ar. Os ciclos de reanimação cardiopulmonar duram 2 minutos (massagem+ventilação), ao fim do ciclo muda-se o massageador para que não canse. O ideal é no mínimo 4 pessoas na equipe, sendo 2 massagistas, 1 ventilador e 1 para administrar os fármacos. Vias aéreas -------------------------------- Inspeciona-se as vias aéreas, realiza a limpeza e posiciona em decúbito esternal para intubação endotraqueal Anestesiologia Veterinária – Giovanna Rossi de Souza 5 SAV Suporte avançado a vida O SVA inclui tratamento farmacológico, correção de distúrbios eletrolíticos, déficits de volume, reconhecimento de arritmias (assistolia, dissociação mecânica e fibrilação), manutenção da ventilação e circulação e estabilização do paciente. (sigla DEF) D: Drugs (administração de fármacos) E: Eletrocardiograma F: Follow-up (acompanhamento) Fármacos ---------------------------------- Vias de aplicação 1) Intravenosa: jugular 2) Intraóssea: filhotes e silvestres 3) Endotraqueal: não em edema e doenças pulmonares 4) Intracardíaca: última opção Adrenalina (Epinefrina) Alfa adrenérgico Inotrópico + e cronotrópico + Aumenta a PA e o DC Vasoconstritor, faz o sangue voltar para os órgãos vitais Fármaco de eleição na PCR Indicada para todos os tipos PCR Dose: 0,01mg/kg IV ou 0,02- 0,2mg/kg ET Vasopressina (ADH) Age nos receptores V1 na musculatura lisa do vaso Não se altera em função da mudança de pH Sem efeito cronotrópico ou inotrópico Dose: 0,8 U/kg IV Substituto ou em combinação a Adrenalina Atropina Parassimpatolítico (aumenta FC) Anticolinérgico Bloqueia os receptores muscarínicos Utilizada em casos de assistolia, atividade elétrica sem pulso (DEM), e bradicardia grave (aumenta tônus vagal) Dose: 0,04mg/kg IV/ET Dopamina Vasoativo, aumenta a PA Efeito dose dependente: Dose baixa: 2 a 5ug/kg/min IV receptores dopaminérgicos > melhora perfusão renal -VD- após PCR Dose média: 5 a 10ug/kg/min IV > receptores beta adrenérgicos: melhora débito cardíaco e PA Dose alta: 10ug/kg/min IV > receptores alfa adrenérgicos: aumenta PA Dobutamina Inotrópico Catecolamina sintética Atua nos receptores beta 1 aumentando força de contração – DC Não é muito utilizada na PCR pois não possui efeito alfa adrenérgico É muito utilizada em equinos hipotensos que foram anestesiados com isofluorano, aumentando PA Dose: 15ug/kg/min IV infusão contínua Amiodarona Antiarrítmico Usado em casos de fibrilação ventricular, taquicardia ventricular resistente a desfibrilação elétrica Anestesiologia Veterinária – Giovanna Rossi de Souza 6 Lidocaína Antiarrítmico menos eficiente que a amiodarona Usada na ausência de amiodarona e presença de FV/RT resistentes a desfibrilação elétrica Reversores: usados quando a PCR foi causada por algum fármaco Naloxona Quando causada por opioides Flumazemil Quando causada por benzodiazepínicos Atipamezol Quando causada por agonistas adrenérgicos Assistolia É a ausência da atividade elétrica e do pulso, é o famoso “Piiii” dos monitores. Tratamento: CAB (massagem cardíaca + respiração controlada), atropina (0,04mg/kg) e adrenalina (0,01mg/kg) Atividade elétrica sem pulso DEM: É a presença de atividade elétrica com ausência de pulso Tratamento: CAB, adrenalina e inotrópicos Fibrilação ventricular É a atividade elétrica desordenada, não tem pulso, pressão, DC. A desfibrilação elétrica reorganiza o ritmo, usar 2 a 4 J/kg uma vez, se não resolver dobrar a dose, sempre com gel, durante a expiração. Desfibrilação interna: 0,2 a 0,3J/kg Monitoração Eletrocardiograma Diagnóstico do ritmo Determinar terapia Capnografia Analisar eficácia das compressões Indicador precoce do retorno da circulação Ideal: ETC2 > 15mmHg Doppler vascular Bulbo ocular Inúteis Oximetria de pulso Pressão arterial indireta Anestesiologia Veterinária – Giovanna Rossi de Souza 7 Prognóstico Depende: • Tempo entre PCR e RCCP • Retorno espontâneo e efetivo da função cardíaca • Condição do paciente antes da RCCP • Idade Indicadores • Nível de consciência • Reflexos • Pupila • Tipo de respiração • Manutenção da temperatura corporal Função cerebral: 5 a 10 minutos: se houver reestabelecimento em até isso, a função cerebral fica normal >5 minutos: isquemia cerebral >10 minutos: prognóstico ruim 15 minutos: edema cerebral Cuidados após PCR Normalmente ocorre nova PCR, de 4 a 8 horas após reanimação. Manter animal na oxigenioterapia, prevenir nova PCR, prevenir lesão orgânica, monitoramento do paciente em ECG contínuo, PA intermitente, avaliação de O2, ventilação, glicemia, lactato e temperatura.
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