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Introdução 1. Âmbito Escolar, conflitos e mediações: Aspectos Introdutórios Objetivos Estudar e definir conceitos e suas relações. Conhecer as diferentes formas de resolução não violenta de conflitos. Reconhecer a importância da resolução não violenta de conflitos para a escola e a sociedade. Estudar as origens e desenvolvimento da Mediação Escolar. Conceituar e caracterizar o campo da Mediação Escolar. 1.1. Introdução Iniciamos um novo percurso acadêmico que vai requerer de nós, além do estudo e a compreensão teórica, uma abertura para o diferente, para aquilo que no primeiro olhar parece estranho. Vai requerer também uma avaliação de nossas certezas, daquilo que temos aprendido e apreendido como verdade (em singular). Vai exigir de nós um exercício de desconstrução pessoal em prol de uma construção conjunta mais sadia, desde a diversidade e a pluralidade. Neste primeiro capítulo intitulado Âmbito Escolar, Conflitos e Mediações: Aspectos Introdutórios temos como objetivos específicos: 1. Estudar e definir conceitos e suas relações; 2. Conhecer as diferentes formas de resolução não violenta de conflitos; 3. Reconhecer a importância da resolução não violenta de conflitos para a escola e a sociedade; 4. Estudar as origens e desenvolvimento da Mediação Escolar e 5. Conceituar e caracterizar o campo da Mediação Escolar. A teoria será trabalhada no diálogo com autores e autoras de reconhecida práxis pedagógica nesta área, procurando sempre tensionar nossa experiencia cotidiana. Para pensar... “Em suma, se o modelo não consegue transformar a realidade, a realidade deveria conseguir transformar o modelo”. Ítalo Calvino 1.2. Definição de conceitos É importante que, antes de nos adentrarmos no desenvolvimento dos objetivos que constituem o cerne desta matéria, façamos um levantamento de conceitos, pensemos sobre eles e que, a partir deles, possamos nos apropriar do que será guia ou referencial ao longo de todo o módulo. É para isso que foi pensado este tópico, nosso primeiro momento de interação, nosso primeiro diálogo. Uma chuva de ideias seria interessante, a partir de nossos conhecimentos, dos conhecimentos de outras pessoas estampados em dicionários, livros, artigos. Esta disciplina leva por nome Resolução e transformação de conflitos no âmbito escolar, e é a partir das palavras contidas nesse título que podemos fazer um levantamento balizador: “resolução”, “transformação”, “conflito (s)”, “âmbito” e “escola”. Em que pensamos quando escutamos estas palavras? Elas encontram ressonância em ações vivenciadas ou experimentadas em nossos cotidianos? Poderíamos compartilhar fatos que estabeleçam relações com seus significados? Procurando nos dicionários – Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa e da Real Academia Española (RAE) – encontramos as seguintes definições: •Conflito (s), no dicionário Aurélio lê-se: “alteração; desordem; embate; choque; oposição; disputa”, já a RAE diz: “combate; luta; peleja; problema; questão de pugna; matéria de discussão”. •Resolução, no dicionário Aurélio lê-se: “ato ou efeito de resolver; decisão; tensão; deliberação; propósito”, enquanto a RAE diz: “ação e efeito de resolver ou se resolver; coisa que é decidida; decreto; providência; auto ou falho de autoridade governamental ou judicial”. •Transformação, no dicionário Aurélio lê-se: “mudar a forma de; alterar, variar, tornar diferente do que era”, para a RAE: “ação e efeito de transformar; transformar: fazer mudar de forma a alguma coisa ou alguém; fazer mudar de porte ou costumes a alguém”. •Âmbito, no dicionário Aurélio lê-se: “circuito; recinto; espaço fechado ou que se considera fechado; campo de ação”, na RAE: “contorno ou perímetro de um espaço ou lugar; espaço compreendido dentro de limites determinados; espaço ideal configurado por questões e problemas de uma ou várias atividades ou disciplinas que tem relação entre elas”. •Escola, no dicionário Aurélio lê-se: “estabelecimento de ensino; conjunto formado pelo professor e pelos discípulos”, a RAE define: “Estabelecimento público ou instituição onde se oferecem ou se recebem certos tipos de instrução; conjunto de professores e alunos pertencente a um tipo específico de ensino”. Como pode ser observado não há oposição nos significados, em todos os casos poderia se falar de uma certa complementação ou ampliação significante. Assim também acontece se procuramos em outras línguas, ainda naquelas em que o tronco linguístico não seja o Latim. É importante também chamar a atenção para a “separação” de âmbito e escola, pois não apareciam nos dicionários como termo composto. No entanto, nossa disciplina trabalha com “âmbito escolar” porque os conflitos e sua resolução/transformação se enxergam num espaço maior que a escola, trata-se da escola e seu círculo de “inter-Ação”. Círculo do qual fazem parte não só discentes e docentes, senão também família, bairro e comunidade. A socióloga Maria Cecília de Souza Minayo tenciona o conceito “conflito” ao contrapô-lo à violência. Essa elucidação tem grande significância para nosso estudo. Minayo (2009, p. 58) enfatiza: Conflito é um fenômeno social normal e importante que existe em todas as sociedades, sobretudo nas sociedades democráticas. Expressa diferenças nas formas de pensar, sentir e agir dos membros de uma família, de escolas, de gerações opostas, de classes sociais antagônicas ou dos vários segmentos de qualquer grupo social. O conflito quando socialmente aceito e explicitado pelas várias partes num ambiente passível de escuta ou de negociação é bom e produz mais democracia e cidadania, seja quando leva a consenso, seja quando permite a cada um aprofundar suas posições. O conflito se transforma em violência quando uma das partes se sente dona da verdade e impõe sua vontade ao outro (indivíduo ou coletividade) por meios autoritários, agressivos ou com armas. A proposta agora é conhecer mais acerca do conflito, abordando também outras pesquisas que possam corroborar essa conceituação da Minayo ou, quiçá, tencioná-la em outras perspectivas. 1.3. Resolução de conflitos: apontamentos iniciais Quando falamos de conflito em âmbito geral ou escolar, normalmente o que temos em mente é seu aspecto negativo; que ele é ruim e perigoso e deveria ser evitado. O conflito seria uma situação que colocaria em risco a sociedade como um todo. Nesse sentido, pareceria natural que as propostas apresentadas buscassem soluções que visassem à erradicação do conflito. Assim, teoricamente, teríamos uma sociedade harmoniosa. No entanto, o conflito não pode ser erradicado totalmente já que ele ocorre quando há a confrontação de interesses entre dois ou mais protagonistas e é impossível que não haja disputas de interesses numa sociedade. Na verdade, o conflito está na base do funcionamento da sociedade democrática, aquilo que Michel Maffesoli (2006) chamou de “harmonia conflitual”. A sociedade constitui-se, assim, num grande laboratório de resolução de conflitos, já que o interesse de cada indivíduo é confrontado e harmonizado com o interesse de outros. Quando não há harmonização, ocorre a violência; o que se traduz em guerras quando o conflito ocorre em escala maior. Dessa forma, o conflito não é negativo em si. Ao contrário, o conflito quando tem intervenção dialogal oferece a possibilidade de que ocorra uma harmonização, um acordo, que favoreça as partes envolvidas. É uma oportunidade aberta para a mudança. O que deve ser evitado é que o conflito se transforme em violência. A violência impede resoluções alternativas já que é a imposição do interesse de uma das partes sobre a outra. Com o uso da violência, a parte que tem mais força impõe seu interesse sobre as demais partes. Assim, buscando evitar a violência, a sociedade democrática é uma tentativa de organização social que quer resolver o problema das disputaspolíticas de forma harmoniosa, ou seja, ela tem como princípio a busca de soluções não violentas para a resolução de conflitos (Vinyamata, 2003). Portanto, o objetivo das propostas de resoluções de conflitos não é eliminar o conflito, uma vez que o conflito está na base da sociedade democrática, mas sim ajudar as partes a encontrarem formas de resolução dos conflitos, formas não violentas. O conflito faz parte da sociedade e ele pode ser uma força de mudança social. Assim, não se trata de eliminar o conflito, mas de encontrar uma maneira de lidar com ele de forma não violenta. De semelhante forma, no âmbito escolar, surge “a necessidade de articular meios para contribuir para a resolução e superação de conflitos de uma forma dialogada, buscando prevenir a violência e os desequilíbrios de poder” (Possato; Rodríguez-Hidalgo; Ortega-Ruiz; Zan, 2016, p. 358). O conflito em âmbito escolar, portanto, também não pode ser encarado negativamente, mas sim como uma oportunidade pedagógica para que se estabeleçam novas formas de convivência não violentas. Ao buscarmos uma forma de lidar com a problemática do conflito na perspectiva da não violência, precisamos também estar cientes que uma situação conflituosa é um processo que pode ser dividido em fases, ou seja, possui um início, um desenvolvimento e um ápice, que é a violência em si. Na primeira fase, o conflito tem sua origem nas necessidades que podem ser econômicas, ideológicas, biológicas e psicológicas etc. Quando não conseguimos uma convivência cooperativa nessas esferas, os diferentes interesses podem evoluir para a segunda fase na qual os diferentes interesses se expressam antagonicamente. O não enfrentamento desses problemas nos leva à terceira fase que é a crise, o conflito violento (Cascón Soriano, 2007, p. 6). Não precisamos esperar que um conflito atinja a terceira fase para poder enfrentá- lo. Geralmente, nessa fase, é muito mais difícil de alcançar uma resolução satisfatória. Para que possamos lidar de forma adequada com uma situação de conflito, é importante também que tenhamos em mente as formas mais comuns das pessoas se posicionarem diante de uma disputa. Poderíamos classificar as reações das pessoas em pelo menos quatro tipos diferentes (Nascimento, 2010; Cascón Soriano, 2007, p. 7-9). Em primeiro lugar, em muitas situações, as pessoas veem o conflito como uma competição. Na lógica da competição, um lado tende a sair vitorioso e outro perdedor. O conflito, então, é resolvido pela imposição da lei do mais forte. O resultado é a exclusão, a discriminação, o menosprezo, a expulsão etc. Em segundo lugar, há a evitação. Na lógica da evitação, uma das partes tende a evitar o conflito a qualquer custo. Essa forma de lidar com o conflito possui um lado positivo e outro negativo. Por vezes, é melhor recuar perante um conflito que pode gerar risco de vida. Nesse caso, é mais sensato esperar até que as condições de garantias mínimas estejam dadas para a exposição dos interesses, ou seja, por vezes, é melhor esperar para fazer isso na delegacia, na presença de um juiz ou numa mesa de mediação. O lado negativo, por sua vez, é aquele no qual a atitude da pessoa ou grupo vem acompanhada por uma desesperança frente ao problema. Não fazemos valer nossos direitos porque achamos que isso pode provocar tensões ou porque não temos as condições de ganhar. Nesse caso, a pessoa ou o grupo já perdeu o conflito antes mesmo de começar, pois tem medo dos problemas ou não vê possibilidades de sair vitorioso. Permanece assim a lei do mais forte. Em terceiro lugar, pode haver uma atitude de colaboração. Na lógica da colaboração, quando ocorre uma disputa de interesses, as partes cooperam para que todos possam sair ganhando. Essa atitude rompe drasticamente com a lógica da competição. Essa é a forma com a qual os processos de resolução de conflitos não violentos buscam encaminhar seus processos educativos. Trata-se de um processo no qual todas as pessoas envolvidas terminam ganhando. Por fim, há ainda o compromisso ou negociação. Na lógica do compromisso ou negociação, as partes negociam estabelecendo acordos nos quais se comprometem com algumas coisas para ganhar outras. Essa é uma atitude muito comum em negociações de greves. Essa lógica pode ser confundida com as demais, principalmente com a competição, mas ela se diferencia porque ambas as partes saem do processo com a sensação de terem alcançado, pelo menos, o fundamental do que almejavam. Se uma das partes não conseguiu nada, então estamos diante de um caso típico de competição. 1.4. Formas de resolução não violentas Existem pelo menos seis formas de resolução de conflitos não violentas. Algumas delas possuem um caráter mais vertical, ou seja, há uma imposição de uma resolução por um terceiro. Outras possuem uma dimensão mais horizontal, ou seja, possibilitam um espaço de diálogo entre as partes em litígio que são instigadas a entrarem em acordo. No primeiro grupo, encontram-se o juízo e a arbitragem. O juízo é próprio dos processos judiciais no qual um juiz, ou uma corte judicial, imbuído de autoridade pública, decide, com base nas provas e documentos apresentados por ambas as partes durante o processo, em favor de uma das partes. Nesse caso, para que haja justiça, exige-se o imperativo da imparcialidade. A arbitragem, por sua vez, guarda relação com o processo judicial já que também exige a imparcialidade daquele ou daquela que toma a decisão. Mas diferente do processo judicial, a arbitragem é uma prática mais comum em disputas comerciais e laborais não necessariamente envoltas em disputas judiciais. O árbitro, nesse sentido, deve ser uma pessoa com conhecimento técnico sobre a matéria em disputa e autoridade reconhecida, seja por acordo prévio ou por força da lei, por ambas as partes em litígio e sua decisão final deve ser acatada. Já no segundo grupo, encontram-se a facilitação, a negociação, a conciliação e a mediação. Como falamos acima, esse grupo é caracterizado por sua dimensão horizontal de resolução de conflito. Por isso mesmo, essas formas são mais adequadas para serem utilizadas no espaço escolar. A facilitação exige a colaboração −ou o interesse prévio na resolução do conflito− das partes em litígio em todo o processo, já que são elas as que terão que buscar um objetivo que satisfaça ambas as partes. Nesse processo, o facilitador ou a facilitadora não toma uma decisão; é tarefa da pessoa que atua como facilitadora criar um ambiente no qual ambas as partes encontrem alternativas para a solução do problema. A negociação não demanda necessariamente a participação de uma terceira pessoa para a resolução do conflito. Como o próprio nome já sugere, essa forma se caracteriza pelo interesse de ambas as partes em encontrar uma solução através da negociação. Para que a negociação aconteça, é necessário que ambas as partes estejam abertas para o diálogo; e, nesse sentido, ambas as partes se comprometem em encontrar soluções negociadas. Devido ao diálogo mais direto entre as partes, a negociação é a forma mais comum de resolução de conflito. Ela ocorre em âmbito privado ou público, na família, na escola, nas empresas, etc. A conciliação ocorre quando não há possibilidade de diálogo entre as partes ou quando esse diálogo está comprometido. Nesse caso, uma terceira pessoa atua como um intermediário facilitando a comunicação, dirimindo questões e abrindo diálogo para possíveis soluções. É importante ressaltar que a pessoa que concilia não toma decisão. Ela facilita o diálogo para que ambas as partes possam fazer a negociação. A conciliação é prática comum no meio jurídico. A mediação, por sua vez, é uma forma mais estruturada de conciliação e possui elementos de todas as outras formas de conciliação horizontais. Ela é feita por alguém qualificado e, normalmente, designado para esse fim poruma instituição. Igual à conciliação, o mediador ou mediadora atua como facilitador do diálogo, mas, ao contrário do conciliador, cuja participação no processo se limita a abrir um espaço de diálogo para que a negociação entre ambas as partes possa ocorrer, na mediação, há a participação mais ativa da pessoa que atua como mediadora. Ou seja, a pessoa que faz a mediação pode intervir na disputa tentando equilibrar as forças entre as partes, apontando para possíveis resoluções e buscando criar as condições para um acordo. Portanto, há várias formas de conciliação e, normalmente, quem está atuando diretamente para a resolução de conflito movimenta-se entre as diferentes formas. No entanto, para o espaço escolar, as formas horizontais são mais adequadas visto que a escola é, por excelência, um espaço de diálogo. A seguir (Tabela 1.1) resumimos os diferentes métodos de resolução de conflitos e suas principais aplicações. Tabela 1.1: Métodos de resolução de conflitos. Métodos verticais de resolução de conflito Juízo Próprio dos processos judiciais. Um juiz, imbuído de autoridade pública, decide em favor de uma das partes. Arbitragem Prática mais comum em disputas comerciais e laborais não necessariamente envoltas em disputas judiciais. O árbitro deve ser uma pessoa com conhecimento técnico sobre a matéria em disputa e autoridade reconhecida por ambas as partes em litígio e sua decisão final deve ser acatada. Métodos horizontais de resolução de conflitos Facilitação Exige a colaboração das partes em litígio em todo o processo. Nesse processo, o facilitador ou a facilitadora não toma uma decisão; é tarefa da pessoa que atua como facilitadora criar um ambiente no qual ambas as partes encontrem alternativas para a solução do problema. Negociação Essa forma se caracteriza pelo interesse de ambas as partes em encontrar uma solução através da negociação. Para que a negociação aconteça, é necessário que ambas as partes estejam abertas para o diálogo; e, nesse sentido, se comprometam em encontrar soluções negociadas. Conciliação Ocorre quando não há possibilidade de diálogo entre as partes. Nesse caso, uma terceira pessoa, normalmente um juiz, atua como um intermediário facilitando a comunicação, dirimindo questões e abrindo diálogo para possíveis soluções. Mediação É uma forma mais estruturada de conciliação. Ela é feita por alguém qualificado e, normalmente, designado para esse fim por uma instituição. O mediador ou mediadora pode interferir na disputa apontando para possíveis resoluções e tentando criar as condições para um acordo. 1.5. Mediação escolar: origens e definições básicas Como abordamos acima, existem seis formas de resolução de conflitos: o juízo, a arbitragem, a facilitação, a negociação, a conciliação e a mediação. Essas formas podem ser divididas em dois campos, os quais denominamos de vertical e horizontal. Também concluímos que as formas horizontais de resolução de conflitos são mais adequadas para o ambiente escolar. Dessa forma, a facilitação, a negociação, a conciliação e a mediação, por seu caráter dialogal, são tomadas como norteadoras para a resolução de conflito no âmbito escolar. No entanto, embora a igualdade e o diálogo sejam valores fundamentais para a convivência escolar (Freire, 2006), diretores, professores, funcionários e alunos possuem hierarquias e responsabilidades diferentes inerentes aos papéis que cada um desempenha dentro da instituição. Ou seja, embora nossa pedagogia possa ser guiada por princípios igualitários, é bom não esquecer que discentes e docentes tem responsabilidade e deveres diferentes. Portanto, para preservar a autoridade do espaço escolar e de seus agentes, a resolução de conflito deve ser guiada por princípios horizontais que incluam também o respeito à autoridade do agente público que fala pela instituição. Seguindo esse princípio, a mediação é a forma mais adequada para o espaço escolar uma vez que ela inclui a metodologia das outras formas de resolução de conflito horizontais, mas, ao mesmo tempo, também preserva a autoridade da instituição, pois a mediação é feita por alguém incumbido para essa tarefa pelo órgão público ou por uma instância superior com a finalidade de intervir em situações de conflito. Feitas essas considerações, passamos agora a explorar mais de perto o processo de mediação escolar de conflitos, suas origens e definições básicas. Com essa exploração, pretendemos trazer variados elementos sobre a mediação escolar e sobre sua metodologia. Inicialmente, é fundamental assinalar que processos de resolução de conflitos não violentos possuem longa história e podem ser encontrados em todas as culturas ao redor do mundo. No entanto, a mediação escolar para a resolução de conflitos, como a conhecemos hoje, é um processo que tem suas origens no meio jurídico (Martinez Zampa, 2009; Possato; Rodríguez-Hidalgo; Ortega-Ruiz; Zan, 2016). Na década de 1970, nos Estados Unidos, o meio jurídico, preocupado com o aumento dos litígios, procurou desenvolver alternativas mais baratas e eficazes de resolução. Para isso, precisava que os processos fossem menos formais e mais ágeis. Buscaram-se, então, metodologias de formas de resolução de conflito já utilizadas em outras áreas, fossem elas jurídicas ou não, a saber, da facilitação, da negociação e da conciliação. A conciliação já era uma prática amplamente utilizada no meio jurídico e serviu de base para estruturar a mediação. Assim nascia a mediação como forma de fazer as partes litigiosas encontrarem uma solução conjunta. O objetivo era que as partes dialogassem em busca de uma solução que fosse mediada por um terceiro, normalmente um juiz ou responsável legal. Já na década de 1980, a mediação toma impulso passando a ser utilizada em vários contextos como conflitos comunitários, familiares e até penais. Gradativamente, então, a mediação ultrapassa o âmbito jurisdicional adentrando outros setores da sociedade, dentre eles, a escola. No entanto, ela não perde de todo sua origem, pois mantém “elementos de práticas como a conciliação e a arbitragem do campo jurisdicional” (Possato; Rodríguez-Hidalgo; Ortega-Ruiz; Zan, 2016, p. 358). Nos Estados Unidos, a partir da lei que coibia a segregação racial, assinada em 1964 pelo presidente Lyndon Baines Johnson, no âmbito escolar, além das disputas regulares entre alunos, a mediação passou a ser também forte instrumento aliado ao combate à discriminação racial na década de 1980. Rapidamente, essas experiências espalharam-se por diversos países da Europa como a França, a Grã-Bretanha, a Suíça, a Bélgica, a Polônia, a Alemanha e a Espanha. Na Ásia, passou a ser utilizada, também na Nova Zelândia e na Austrália. Nas Américas, além dos Estados Unidos, a Argentina, o Brasil, o Canadá, o Chile, a Colômbia, o Equador, o México, Porto Rico e a Venezuela passaram a ter experiências significativas (Alzate Saez de Heredia, 2009). Portanto, a mediação tem sua origem no campo jurisdicional dos Estados Unidos. Adentrando a escola para a resolução de conflitos entre alunos e entre alunos e sociedade, ganhando força no combate à discriminação racial. Utilizando metodologias da facilitação, da negociação e da conciliação, é quase natural que sobressaiam os aspectos horizontais de resolução de conflitos. Muitos autores, ao descreverem a função horizontal da mediação, chegam mesmo a confundirem mediação com outras abordagens, apontando seu papel de neutralidade, de facilitação e de conciliação. No entanto, a mediação, como destacamos, possui também elementos próprios do campo jurisdicional. Isso porque ela nasceu desse meio como uma forma de resolução de conflitos mais barata, rápida e eficaz. Dessa forma, o mediador ou mediadora escolar, embora almeje a neutralidade, não é totalmente neutro entre as partes em litígio. Ele ou ela responde a regras e ritos preestabelecidospela instituição e interfere no processo para garantir que haja equilíbrio entre as partes em disputa. Assim, é bom lembrar também que, diferente das outras formas de resolução de conflitos horizontais, a mediação escolar também é uma forma de intervenção, ou seja, é a Sociedade e o Estado buscando alternativas para a resolução de conflitos e isso implica intervir, propor alternativas. Por vezes, as partes em conflito não estão dispostas a dialogarem e é aí que transparece a proposta de intervenção quando a pessoa que faz a mediação propõe formas alternativas e cria espaços que facilitem o diálogo. Compreendida a origem do processo de mediação escolar, podemos então analisar mais de perto a definição de Morgado; Oliveira (2009, p. 48), não a única, mas sim uma das mais utilizadas na academia. A Mediação é uma negociação com a intervenção de um terceiro neutral, baseada nos princípios da voluntariedade das partes, da neutralidade e imparcialidade do terceiro (mediador) e na confidencialidade do processo, a fim de que as partes em litígio encontrem soluções que sejam mutuamente satisfatórias. Essa definição de mediação, podemos dizer, destaca o princípio de neutralidade necessária para que haja uma mediação entre as partes. Para que haja a mediação, a pessoa que atua como mediadora não pode tomar partido entre as partes em litígio. Sua função é fazer com que as partes encontrem soluções duradouras e eficazes. Se ela toma um partido, compromete todo o processo de mediação. Portanto, embora a mediação escolar tenha um componente de intervenção, a pessoa que realiza a mediação não pode tentar resolver o problema através de uma decisão heterônoma, sob pena de inviabilizar todo o processo de mediação. Trata-se, então, de ter consciência de seu lugar como representante de uma instituição que lhe atribui autoridade, mas que essa autoridade não significa poder de juízo sobre as partes. Como afirma Daniel Martinez Zampa (2009, p. 39) “O mediador [mediadora] não oferece resposta ao conflito, não proporciona soluções, é sim a pessoa responsável de sustentar um espaço para que o conflito seja elaborado construtivamente, abordando o conflito de maneira que as partes possam reconhecê-lo, reformulá-lo e resolvê- lo”. Assim, no ambiente escolar, para que haja a mediação, é necessário que as partes estejam dispostas ao diálogo. Esse é o “princípio da voluntariedade das partes”. Se não existe a disposição para o diálogo −o que pode ser a norma num ambiente conflituoso− a pessoa que faz a mediação deve buscar estratégias que levem as partes ao diálogo, intervindo, assim, na realidade conflituosa a fim de facilitar a resolução de conflitos. Note-se ainda que, para que haja o diálogo efetivo, as partes precisam estar numa relação de igualdade. Não pode haver o diálogo se uma das partes possui qualquer tipo de poder sobre a outra. Se isso ocorre, é tarefa da pessoa que realiza a mediação intervir entre as partes para que se estabeleça uma condição de igualdade. Por fim, o ambiente de diálogo e de negociação deve ser pautado pelo princípio da confidencialidade. Ambas as partes devem estar seguras de que tudo o que for negociado ou dito será mantido em segredo. Tudo o que for publicitado sobre o processo de mediação de um conflito deve passar antes pela aprovação de ambas as partes. Dessa forma, as partes sentirão que são sujeitos do processo e que elas são responsáveis pelas soluções acordadas. 1.6. Conclusão Concluímos este capítulo que teve como base o conhecimento e a compreensão de conceitos fundamentais para a disciplina. Especificamente no tocante a Conflito(s) e sua resolução no Âmbito Escolar. Enfatizando em Conflito não como fim e sim como meio, uma situação que se dá a partir de nossas diferencias e pontos de vistas divergentes e que, do mesmo jeito que são apresentados como inevitáveis são, também, passiveis de solução. Nessa certeza, proporcionamos informação sobre o que se conhece como formas de Resolução “não violentas”, e entre elas apresentamos a mediação. A mediação como técnica factível e privilegiada que por suas caraterísticas é tida como a melhor opção para a resolução de conflitos. Se fez, também, o levantamento histórico e uma explanação da maneira como essa técnica é entendida. No capítulo seguinte trabalharemos ela com maior profundidade, visando, mas que a resolução, uma adequada transformação. 1.7. Bibliografia recomendada Aninger, L. (s/d). Gerenciando Conflitos. Recuperado de: https://sites.google.com/site/agestaoeducacional/artigo/conflitos Araújo, U. F. (2007). Resolução de conflitos e assembleias escolares, 2007. Recuperado de: http://www.ufpel.tche.br/fae/caduc/downloads/n31/06.pdf Bressan, F. (s/d). O método do estudo de caso. Administração on line: Ser Professor universitário. Recuperado de: https://www.academia.edu/26534736/O_MÉTODO_DO_ESTUDO_DE_CASO_1_ Flávio_Bressan_-FEA-USP Catão, A. (s/d) Conflitos, Violências e Escola. Recuperado de: https://respeitarepreciso.org.br/conflito-violencias-e-escola/ Ferreira, Maria. A. (s/d) O Conflito como uma oportunidade de aprendizagem no Âmbito Escolar. Recuperado de: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/ambito-escolar 2. Visando a transformação:Prática da Mediação Escolar Objetivos Conhecer os pressupostos da Mediação Escolar. Reconhecer as características da Mediação Escolar. Conhecer o modo de atuação na Mediação Escolar. Identificar os diferentes atores/as envolvidos, perfil e princípios desta função. Classificar as fases na Mediação Escolar. 2.1. Introdução No capítulo anterior, chegamos à conclusão de que a mediação é uma forma de resolução de conflitos que, embora predominem os aspectos horizontais, também possui aspectos verticais. Ou seja, é uma forma de resolução que quase poderíamos chamar de intermediária. Isso porque, na mediação, nem sempre as partes estão propensas para a resolução de seus conflitos de forma não violenta e é papel da pessoa que faz a mediação intervir na realidade – especialmente quando falamos da realidade escolar – para evitar que os conflitos se transformem em violência. https://sites.google.com/site/agestaoeducacional/artigo/conflitos http://www.ufpel.tche.br/fae/caduc/downloads/n31/06.pdf https://www.academia.edu/26534736/O_M%C3%89TODO_DO_ESTUDO_DE_CASO_1_Fl%C3%A1vio_Bressan_-FEA-USP https://www.academia.edu/26534736/O_M%C3%89TODO_DO_ESTUDO_DE_CASO_1_Fl%C3%A1vio_Bressan_-FEA-USP https://respeitarepreciso.org.br/conflito-violencias-e-escola/ https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/ambito-escolar Se não há a necessidade de intervenção, não há também a necessidade de uma mediação. Nesse caso, no máximo, as partes poderiam necessitar de uma pessoa que sirva de facilitadora ou de negociadora entre elas, já que estão predispostas a resolverem pacificamente seus problemas. Neste segundo capítulo, como já foi anunciado, estudaremos a técnica da mediação. A proposta é conhecer os pressupostos, as caraterísticas, assim como também, o modo de atuação de atores (mediadores/as) envolvidos nessa dinâmica de trabalho, o perfil e os princípios que regulamentam essa função. Para Pensar... “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os seres humanos se libertam em comunhão”. Paulo Freire 2.2. Pressupostos para a mediação escolar A mediação é uma forma de resolução que tem por princípio a neutralidade entre as partes, a busca pela voluntariedade das partes e a confidencialidade no processo. No âmbito escolar, esses são elementos importantes que devem ser fomentados pelas pessoas que realizam a mediação. Sem esses princípios, não há mediação. Conforme o “Guia de mediação popular” publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil (Nascimento et al., 2010, p. 22-24), na prática, esses princípios se traduzem em algumas técnicas quedeveriam ser aplicadas pelas mediadoras e mediadores. São elas, 1.Geração de confiança. A pessoa que realiza a mediação precisa cultivar a confiança das partes. Para que as partes confiem no papel desempenhado pelo mediador, é necessário a) explicar o que é o processo de mediação; b) assegurar a confidencialidade de tudo o que for dito no processo; c) esclarecer os limites do processo de mediação; d) deixar claro os objetivos do processo em vistas da elaboração de acordos e suas implicações. 2.Escuta ativa e perguntas circulares. A pessoa que faz a mediação deve demonstrar que está aberta para a escuta, valorizando, assim, o poder de fala das partes. Deve também procurar fazer perguntas que estimulem as partes a olharem para o problema de outra forma e numa perspectiva de futuro. 3.Transformação de percepções negativas. A pessoa que realiza a mediação deve esforçar- se para que as narrativas depreciadoras não criem mais constrangimentos e exacerbem o conflito. Nesse sentido, é importante refazer essas narrativas, através de perguntas circulares, de forma a estimular um ambiente mais respeitoso e cooperativo. 4.Empoderamento. A pessoa que faz a mediação deve estar consciente de que a mediação ocorre num jogo de disputa de poder entre as partes. Nesse sentido, é importante que a mediação, sem abandonar o princípio da imparcialidade, fortaleça a parte mais fraca para que haja um equilíbrio necessário para a resolução do conflito. Nesses casos, podem ser necessárias conversas individuais com as partes. 5.Identificação dos conflitos. A pessoa que faz a mediação deve estar atenta para identificar as diferentes posições assumidas e os verdadeiros interesses envolvidos. As posições são as manifestações públicas do conflito. Já os interesses são as intenções que estão por trás daquilo que se diz. Por exemplo, quando uma mãe diz para sua filha que ela não vai sair e ela responde que vai, ambas estão explicitando suas posições. No entanto, seus verdadeiros interesses são outros. A mãe, provavelmente, está preocupada com a exposição de sua filha num ambiente de violência social. A filha, por sua vez, está afirmando seu interesse em participar da vida social. Separando as posições de interesses, a pessoa que realiza a mediação tem melhores condições de alcançar a cooperação entre as partes. 6.Escuta de outras pessoas que possam influenciar na solução do conflito. A pessoa que faz a mediação deve estar atenta para a possibilidade de terem outras pessoas envolvidas no conflito. Por outro lado, uma terceira pessoa, embora não esteja envolvida diretamente no conflito pode ter o poder de influência nas tomadas de decisões. Esse pode ser o caso de líderes religiosos, líderes comunitários e ou mesmo autoridades locais. 7.Chuva de ideias. Depois de identificado o conflito, a pessoa que faz a mediação pode estimular as partes para que elaborem e expressem diferentes alternativas para a resolução do mesmo. Dessa forma, as partes são estimuladas a construírem conjuntamente alternativas para a resolução do conflito. 8.Critérios objetivos. Após serem elaboradas, através da chuva de ideias, as diferentes alternativas para a resolução do conflito, a pessoa que faz a mediação deve ajudar as partes a selecionarem uma solução viável e que não infrinja a lei. Este é o momento no qual as partes, normalmente, fazem um acordo formal. Como se pode ver, para que haja a efetiva mediação, a pessoa que a realiza deve seguir princípios e práticas básicas, mas também, regras e rituais que podem ser preestabelecidos pela instituição onde atua. No ambiente escolar, além dessas regras e rituais que facilitam, ou mesmo tornam possível a mediação, há também normas de comportamento próprias da instituição que todas as pessoas envolvidas devem seguir. Nem mediador/mediadora, nem alunos/alunas estão dispensados de seguirem essas regras e normas. E essas normas não podem ser quebradas, a quebra delas acarreta punições. É bom lembrar ainda que nem todo conflito pode ser mediado. Em alguns casos, talvez outras soluções precisem ser aplicadas. Em casos de abuso sexual ou de violência familiar, ou qualquer outra forma de crime, as autoridades competentes devem ser acionadas. Isso porque não há mais a possibilidade do diálogo entre as partes, já que o princípio de igualdade entre as partes foi violado e a vítima está em situação de vulnerabilidade perante seu agressor (Nascimento et al.,2010, p. 25). Por fim, é preciso frisar também que nada disso se faz sem o reconhecimento e o respeito da comunidade acadêmica e da comunidade do entorno. A pessoa que realiza a mediação deve ter esse respeito ou não há possibilidade de que haja um processo efetivo de resolução de conflito. Além disso, essa pessoa – ou equipe quando for o caso – deve receber treinamento específico para a realização da função. Pois como afirma Martinez Zampa, (2009, p. 40) um mediador ou mediadora escolar Deve reunir os requisitos mínimos de formação que se estabelecem para a mediação em outros âmbitos, além de contar com o conhecimento do sistema educativo, a sua estrutura, organização, sistema de relações, discursos que perpassam as instituições, significações do conflito no sistema, isto é, o contexto onde se produzem esses conflitos. Daí a importância de que pessoa ou equipe mediadora tenha formação nessa área. Além da capacitação para o desenvolvimento do processo de mediação e transformação, a formação se traduz em confiança para as partes em conflito. 2.3. Características da mediação escolar e os modos de atuação No ambiente escolar, há muitas formas para lidar com o comportamento de indisciplina de discentes: advertências diversas, o aluno/a pode ser posto para fora da sala de aula e encaminhado à coordenação, as pessoas responsáveis (mães, pais, avôs...) podem ser chamadas à escola. Essas formas de lidar com os conflitos constituem a norma nas instituições educacionais. A mediação escolar, por sua vez, propõe trazer outra concepção que serve não somente para os discentes, mas também para o corpo docente e demais funcionários/as. Não se trata de substituir as formas tradicionais, já que a punição por uma transgressão pode ser necessária e também tem seu papel educativo para a vivência em sociedade. Trata-se sim de instituir uma nova forma de sensibilidade que privilegia o diálogo entre as partes envolvidas no conflito com o objetivo pedagógico de fazê-las encontrarem soluções pacíficas para suas divergências. Claro que existem diálogos e conversas nos modelos tradicionais de tratamento de conflitos escolares, mas eles podem ser realizados sem preparação, podem não estar conscientes das alternativas de resolução de conflitos não violentas, e por isso os resultados não serão os mesmo. Dessa forma, a proposta da mediação escolar tem a tarefa de modificar toda a cultura escolar para a prática da resolução de conflitos não violenta (Cascón Soriano, 2007). Essa tarefa passa diretamente pelo modo específico de atuação da mediação escolar que se situa tanto na prevenção quanto na resolução de conflitos e em seus dispositivos principais para a mediação: palestras, oficinas, conversas e orientações. O ambiente escolar pode ser muito conflitivo e os alunos/as nem sempre estão predispostos ao diálogo. Na verdade, os alunos/as trazem seus conflitos familiares e pessoais, assim como, as formas de lidarem com esses conflitos, para dentro da escola. Essas formas tendem a ser violentas dadas as condições sociais precárias nos lares, bairros e periferias. Por isso, uma das principais características da mediação escolar é a prevenção da violência. Essa, na verdade, é a linha mais direta de intervenção de um processo de mediação escolar. Seguindo o alvo principal da necessidade de prevenção à violência, a mediação escolar deve implementar um programa de resolução de conflitos, destacandouma pessoa, ou equipe, para atuarem como mediadores/as. Essa pessoa ou equipe deve ser treinada para a função. Seu papel imediato e mais prático é reconhecer situações de conflitos no âmbito escolar e atuar através dos princípios da mediação promovendo o diálogo entre as partes em conflito. Nessa tarefa, não basta esperar para que os estudantes ou docentes voluntariamente venham apresentar suas desavenças. É preciso ficar atento e intervir “criativamente” na realidade a fim de criar oportunidades para que o diálogo possa ocorrer. Por vezes, como afirmam Martins; Machado e Furlanetto, (2016, p. 586) pode ser necessário convocar as partes para estimular um caminho alternativo à violência: Ao que parece, ter um profissional na escola – que é referência para a mediação dos conflitos – promove o atendimento imediato dos envolvidos, por meio de diálogos e explicações sobre as ocorrências, o que pode poupar sua continuidade, ocasionando, consequentemente, a diminuição da possibilidade dessas situações degenerarem em violência. A mediação escolar não pode, assim, pressupor que os/as estudantes – e todo o corpo escolar – estejam preparados e predispostos a resolverem seus problemas pacificamente. Para que haja essa predisposição, é preciso que haja uma formação pedagógica voltada a esse objetivo. É preciso que sejam educados/as para a não violência. Dessa forma, a pessoa ou a equipe que faz a mediação deve procurar implementar ações e estratégias que fomentem o diálogo em vistas da formação para uma educação para a paz, para a convivência e para a vida democrática (Martinez Zampa, 2009, p. 40). Ao lado da intervenção direta nas situações de conflito, essa dimensão pedagógica da mediação escolar é a característica mais importante de um processo de mediação em âmbito escolar; afinal, a escola é o ambiente de formação e de educação mais importante das sociedades ditas democráticas. Poderíamos inclusive dizer que a mediação escolar tem seu valor e relevância social justamente pelo processo pedagógico que implementa. “No processo como um todo, reside a importância da mediação, sobretudo pela sua função pedagógica, educativa, ao tratar o conflito a partir de uma atitude de diálogo” (Nascimento et al.,2010, p. 24). Assim, a mediação escolar, através de todas suas ações, tem a finalidade de ir gerando uma cultura para a paz (Vinyamata, 2003). O trabalho da mediação escolar voltado para uma cultura da paz também envolve, num outro momento, a formação direta dos próprios alunos/as para que atuem como agentes mediadores (Martinez Zampa, 2009, p. 40). Esses/as alunos/as formados/as nas técnicas e procedimentos de resolução de conflitos podem atuar como uma caixa de ressonância do trabalho de mediação ampliando seu alcance dentro e fora do ambiente escolar. Dessa forma, a escola contribui, através de seu papel pedagógico, para a formação da cidadania. 2.4. Atores, perfil e princípios da pessoa mediadora Para que possa haver mediação escolar, deve haver, em primeiro lugar, pessoas que são responsáveis pela mediação. Para isso, faz-se necessário que a instituição escolar ou outra instância administrativa nomeie uma pessoa ou uma equipe para serem os mediadores. Pode ser tanto do quadro de funcionários da escola quanto pessoas de fora que possuem conhecimentos técnicos sobre o processo de mediação e sobre o funcionamento administrativo e organizacional da escola. É altamente recomendável que a pessoa ou equipe escolhida seja aprovada pelo corpo docente, ou seja, ela tem que ter o reconhecimento de seus pares. Sem esse reconhecimento, todo o processo de mediação está comprometido. Não obstante, mesmo que a escola tenha pessoas responsáveis designadas para a função de mediadoras, é bom lembrar que todo o corpo docente, os funcionários e os demais colaboradores da escola também devem estar afinados com a proposta da mediação. O objetivo maior da mediação escolar é mudar a forma com que a própria escola – ou seja, todas as pessoas que estão envolvidas diretamente com essa instituição – encaram a questão do conflito e a forma de lidar com ele. Essa, como já afirmamos, é a função pedagógica da mediação escolar. Se todas as instâncias de uma instituição escolar estão voltadas para a resolução de conflitos de forma não violenta, cria-se um ambiente democrático que facilita a resolução dos problemas decorrentes das disputas de interesses. À parte da pessoa ou equipe destacada para a função de mediação (e da responsabilidade de todos e todas que atuam diretamente na escola), o corpo discente também é um dos principais atores do processo de mediação escolar. O processo de mediação tem a incumbência de educar para a paz e para a não violência, pois, para que possamos viver numa sociedade sem violência, é preciso que haja formação e educação voltadas a isso. A superação da violência, portanto, passa em grande parte pela instituição escolar. Existem também outros atores provenientes do entorno, ou raio maior de relações, que podem estar envolvidos no processo de mediação escolar. Seu envolvimento pode ser decorrente da participação em conflitos que adentram o âmbito escolar, já que a escola não é um mundo à parte. No geral, os conflitos que se apresentam no âmbito escolar podem ter sua origem fora dos muros da escola. É tarefa da mediação escolar identificar e dialogar, quando possível, com esses atores −que podem ser grupos religiosos, grupos políticos e outros− para que possa ocorrer um processo efetivo de mediação. Por outro lado, a pessoa ou a equipe que faz a mediação também pode identificar atores provenientes do entorno que possam auxiliar nos processos de mediação. Aqui estamos pensando em lideranças religiosas, líderes de bairro e autoridades locais. Essas pessoas podem ser chamadas para fazer uma palestra sobre algum assunto específico ou podem mesmo ser, também, facilitadoras nos processos de mediação. Por fim, existe ainda outro importante ator no processo de mediação escolar, a saber, a família. As famílias são fontes de conflitos e, como tal, devem fazer parte do horizonte de quem é responsável pelo processo de mediação. Envolver as famílias nas atividades organizadas pela mediação escolar é importante não só para buscar o apoio delas, mas para tentar ampliar o impacto positivo da resolução de conflitos não violentos para dentro da comunidade. Identificados os principais atores que estão envolvidos no processo de mediação escolar, é também importante que se destaque o perfil e os princípios da pessoa que faz a mediação (Nascimento et al.,2010, p. 35-36). É dizer, aquela pessoa que tem por função conduzir os diálogos para que os conflitos possam ser solucionados. Essa pessoa precisa ter legitimidade e respeitabilidade no seu círculo de atuação, assim como responsabilidade com os compromissos assumidos. Precisa, também, disponibilidade para uma formação permanente que qualifique sempre mais e mais sua prática. Esses requisitos estão unidos a vários princípios que são imprescindíveis para desenvolver essa função. A saber: •Sensibilidade. Não há como conceber uma pessoa mediadora que não seja sensível às questões humanas. •Ética e supremacia dos direitos humanos. A pessoa mediadora precisa ser uma pessoa ética, conhecedora e praticante de valores que estejam relacionados com o respeito à dignidade do outro/a, devendo ter a supremacia dos direitos humanos, da igualdade e do respeito às diferenças, como guia da sua prática cotidiana. •Conhecimento básico da Legislação Nacional e do Ministério de Educação. Não precisa ser advogado, mas é essencial que a pessoa mediadora conheça normas básicas que poderão auxiliar quando confrontada a questões que inevitavelmente apareceram nas demandas escolares. •Capacidade comunicativa. A capacidade comunicativa é uma habilidade a ser desenvolvidapela pessoa mediadora, a fim de conseguir fazer uso de técnicas de comunicação para o desenvolvimento do trabalho de mediação escolar. •Capacidade de escuta. Fazendo parte da capacidade de comunicação está a capacidade de escuta. Esta é habilidade fundamental no exercício da mediação. As partes envolvidas devem ser sempre escutadas com atenção e respeito. •Capacidade de manter sigilo. Aqui o enfoque vem da responsabilidade, a responsabilidade de manter sigilo com todas as informações durante e após o processo. O princípio de sigilo só deve ser quebrado em situações onde a pessoa mediadora se depare com uma conduta criminosa que traga risco iminente para uma das partes (ex. abuso sexual infantil). •Criatividade. Diz o ditado popular que “cada caso é um caso”, e não é muito diferente no processo de mediação. A pessoa mediadora deve apoiar-se em metáforas, comparações, que unidas ao bom humor deixem o ambiente menos estressante, mais propício à mediação. Ciente de que não existe uma única receita para todos os processos, colocará em prática a criatividade nas técnicas a implementar. •Estilo cooperativo. O estilo preferencial para os processos de mediação é o cooperativo, não devendo nunca, a pessoa que media o processo, imprimir um espírito competitivo entre as partes. Como pode ser observado requisitos e princípios são premissa fundamental para que o processo de mediação possa ser eficaz, para que possa se desenvolver tanto no sentido da resolução quanto no sentido da ação educativa e transformadora, desde o próprio início. 2.5. Fases de um processo de mediação Ter conhecimento das diferentes fases de um processo de mediação, na prática, é altamente relevante para as pessoas que conduzem processos de mediação, sob o risco de atropelarem o processo e inviabilizarem uma resolução efetiva. Como quase todas as coisas na vida, as fases da mediação podem ser divididas em início, desenvolvimento e término/conclusão (Nascimento et al.,2010, p. 24- 25). a)Fase inicial. O início de um processo de mediação escolar passa pela identificação de uma situação de conflito. O ideal é que as partes venham apresentar suas queixas perante a pessoa que faz a mediação. No entanto, e isso é mais acentuado num processo inicial de implantação de um projeto de mediação escolar, a norma pode ser que a pessoa que faz a mediação convoque as partes para uma conversa. Nessa fase, o importante é fazer com que as partes concordem com a necessidade do diálogo. É extremamente importante que, antes de qualquer coisa, as partes entendam e se comprometam a resolver seu problema sem o uso de violência. Ou seja, é preciso parar a violência. Então, no início, é tarefa da mediação auxiliar as partes no processo de compreensão da importância da necessidade do diálogo para a resolução do problema. Depois que as partes estão de acordo em dialogar, a pessoa que faz a mediação deve explicar passo a passo o processo de mediação com o objetivo de criar um ambiente cooperativo e estabelecer confiança entre as partes e a pessoa que faz a mediação. Nessa fase, é muito importante que a pessoa que faz a mediação deixe claro que tudo o que for dito deve permanecer em segredo. O princípio da confiabilidade não pode ser quebrado. b)Fase do desenvolvimento. Na fase do desenvolvimento, cabe à pessoa que faz a mediação escutar atentamente todos os relatos das partes, identificar os conflitos diferenciando entre as posições assumidas e os verdadeiros interesses, ajudar a parte mais frágil a empoderar- se para que o diálogo em condições de igualdade seja possível e, através de perguntas circulares, tentar fazer com que as partes escutem e compreendam a posição da outra parte. Se for possível e necessário, a pessoa que faz a mediação pode trazer outras pessoas que possam auxiliar na resolução do problema para contribuírem. c)Fase da conclusão. Já na fase da conclusão, é importante que as partes sejam estimuladas a expressarem diferentes formas de tentativas para solucionar o problema. Esse é o momento da chuva de ideias. A pessoa que conduz a mediação deve anotar as diferentes alternativas e, excluídas aquelas que podem violar a lei, apresentar as mais viáveis para que as partes concordem entre uma dela. Feito isso, as partes fecham um compromisso com essa resolução. Esse compromisso pode ser formalizado por escrito ou somente verbal entre as partes e as testemunhas. No caso de ser um acordo por escrito, deve ser assinado em três vias pelas partes e por testemunhas. Cada parte fica com uma versão do documento e a outra cópia fica arquivada na escola sob os cuidados da pessoa que faz a mediação. 2.6. Conclusão A modo de conclusão frisamos que: nem todos os conflitos são mediáveis e que o poder de quem faz a mediação −seja pessoa ou equipe− é limitado! Há conflitos que por sua envergadura ou complexidade precisam de uma resolução em outras instancias, principalmente quando a vida de alguma pessoa está em perigo ou risco iminente. Nesses casos, a melhor solução é o encaminhamento imediato aos órgãos competentes. Uma outra observação importante, a partir do que temos trabalhado no capítulo, é que não existe uma técnica única que funcione como tábua de salvação em todas as situações de conflito no âmbito escolar. Por tanto, não é dominando uma técnica especifica que estaremos preparadas/os para atuar como mediadores/as é preciso muito mais e sobre esse “muito mais” vamos a dissertar, a seguir, nos seguintes capítulos deste módulo. 2.7. Bibliografia recomendada Barbosa, M. C. S. (2007). Culturas escolares, culturas de infância e culturas familiares: as socializações e a escolarização no entretecer destas culturas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 1059-1083, out. Recuperado de: https://www.redalyc.org/pdf/873/87313704020.pdf Chrispino, Á. (2007). Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, 15(54). Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/a02v1554.pdf Gouvêa Neto, F.F. (s/d). A Mediação de Conflitos nas Escolas. Uma ferramenta para tratar os casos de violência e atos infracionais e de menor gravidade. Recuperado de: https://freitasgouvea.jusbrasil.com.br/artigos/469668509/a- mediacao-de-conflitos-nas-escolas Possato, B. C.; Rodriguez-Hidalgo, A. J.; Ortega-Ruiz, R. e Zan, D. D. P. (2016). El mediador de conflictos escolares: experiencias en América del Sur. Psicol. Esc. Educ. https://www.redalyc.org/pdf/873/87313704020.pdf http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/a02v1554.pdf https://freitasgouvea.jusbrasil.com.br/artigos/469668509/a-mediacao-de-conflitos-nas-escolas https://freitasgouvea.jusbrasil.com.br/artigos/469668509/a-mediacao-de-conflitos-nas-escolas 2016, vol.20, n.2, pp.357-366. ISSN 2175-3539. Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413- 85572016000200357&script=sci_abstract&tlng=es Silveira Barbosa, M. C. (2007). Culturas escolares, culturas de infância e culturas familiares: as socializações e a escolarização no entretecer destas culturas. Educação & Sociedade, vol. 28, núm. 100, outubro, pp. 1059-1083. Centro de Estudos Educação e Sociedade Campinas, Brasil. Recuperado de: https://www.redalyc.org/pdf/873/87313704020.pdf 3. Resolução de Conflitosno Âmbito Escolar Objetivos Reconhecer diferentes tipos de conflitos em instituições educativas. Destacar a importância dos conceitos cotidiano e experiência. Identificar atores e abordar aspectos da convivência. Reconhecer as abordagens e diferentes formas de solução para os conflitos escolares. 3.1. Introdução O presente capitulo tem como alvo: 1.Reconhecer diferentes tipos de conflitos em instituições educativas. 2.Identificar atores e abordar aspectos da convivência e 3.Reconhecer as abordagens e diferentes formas de solução para os conflitos escolares, isso tudoperpassado pela compressão dos conceitos cotidiano e experiência. Conceitos que ao mesmo tempo em que podem ser propulsores das situações de conflitos são indispensáveis para encontrar caminhos para as soluções. É muito importante que se inicie com as causas e caraterísticas mais comuns na hora de classificar os conflitos, assim como, se trabalhe especificamente com a tipologia dos conflitos no âmbito escolar. Tal opção parte da necessidade de compreensão do fato para, posteriormente, poder pensar em movimentos que representem contra ponto dessas situações. Ainda que conflitos pareçam ter uma certa matriz universal (se entendem como inevitáveis), há muita pluralidade que funciona como elementos chaves e provocadores. Isso se reflete na variedade de autoras e autores que se debruçam desde diferentes áreas no enfrentamento desta problemática. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-85572016000200357&script=sci_abstract&tlng=es http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-85572016000200357&script=sci_abstract&tlng=es https://www.redalyc.org/pdf/873/87313704020.pdf Para pensar... “...cada um via uma coisa diferente, cada um, portanto, tinha razão”. Fernando P 3.2. Conflitos Escolares: causas, características e tipos Pode ser afirmado, que não há uma maneira homogênea para abordar uma determinada situação de conflito. María Dolores García Ruíz (García Ruíz, 2015) realiza uma explanação das possíveis causas dos conflitos no âmbito escolar, elencando diferentes aspectos: 1.Enquanto à relação com as famílias: os conflitos se produzem por um excesso de proteção, que conduz a um sentimento de culpabilidade por não dedicar mais tempo a filhos e filhas. Viver a maternidade e paternidade como uma carga traz uma educação com agressividade, com competitividade, com egoísmo, assim como com modelos de possessividade. 2.Em relação ao âmbito educativo e à estrutura organizativa: perspectiva crítica da família (mãe e pai) para com o pessoal docente, questão essa que direciona para a “desautorização” de docentes. 3.Em relação aos meios de comunicação: difusão de notícias com mensagens parcializadas e setorizadas, programas violentos. 4.Em relação à sociedade: se produz quando existe um distanciamento de valores entre o que a sociedade vive e o que é demandado dos/as profissionais da educação. Muitas outras causas podem ser acrescentadas a esta sugestão feita pela autora, no entanto, essas e outras têm como denominador comum a relação intrínseca da escola e o âmbito escolar (família, bairro, comunidade etc.). Por isso, pensar num contexto micro (instituição) como gerador destas práticas e problemáticas seria um grande erro. Conflitos devem ser sempre pensados e trabalhados nessa perspectiva macro de relações e interdependências. Há caraterísticas geradoras e mantenedoras que são apontadas por Pérez- Archundia e Gutiérrez-Méndez e que resulta importante analisar, •Opções ideológicas e políticas que identificam uma determinada instituição podem produzir uma variada e ampla gama de conflitos ideológicos-científicos. •Racionalização do funcionamento organizativo, sem espaço para outros modos do fazer. •Rigidez regulamentista-organicista da instituição (como uma visão tecnocrata, burocrática) vai confrontar uma outra visão que esteja marcada pela criação, que seja mais dinâmica, flexível e favorável às mudanças. •Diferentes níveis de preparação e profissionalização dos docentes, conjuntamente com imagens e expectativas daquilo que se entende e se espera do “modelo de bom professor”. •Práticas escolares cotidianas estão em permanente contato com possíveis conflitos que resultam das relações de poder, poder umas vezes explícito e outras muito velado. Como exemplo disto têm-se as alianças, as tácticas e estratégias que são construídas para manter o controle da escola por um determinado grupo. •Acesso aos recursos materiais, ascensão profissional, condições vantajosas para determinados espaços; os apoios para aceder a bolsas e a cursos de formação. •A quase nula autonomia dos centros educativos e, também, do coletivo docente. •Regras que tem uma função paliativa nas instituições, que não oportunizam o crescimento como pessoa ou como comunidade a partir de uma determinada situação de conflito. •Estrutura fragmentada das escolas, conhecido como “celularismo”, que faz com que docentes atuem como células ilhadas umas das outras, contrapondo a aula-célula à escola- sistema. A essas características geradoras e mantenedoras que podem estar presentes no cotidiano das instituições escolares, somam-se algumas experiências que pautam o comportamento de discentes: •Discentes dispersos que não só se mostram incapazes de manter a concentração nas tarefas, senão que também optam por perturbar aqueles que trabalham nas ações solicitadas, chegando até a fazer uso da violência física em determinados casos. •Discentes com sérios problemas de aprendizagem e de comunicação, que parecem estar encerrados em seu mundo, e que também apresentam problemas de atenção. A sua atitude perturba pelo fato de que acabam sendo vitimizados pelo resto da turma por causa do contínuo isolamento e desconexão. •Discentes que não trabalham nem cooperam em sala de aula, sendo que também provocam com ações, não só colegas, senão também docentes, chegando à prática da humilhação com o resto da turma. São os conhecidos e considerados como “líderes negativos”. •Briga entre dois ou três integrantes da turma, fato não ocasional e sim de maneira contínua entre as mesmas pessoas, chegando até a agressão física. •Grupos que não mostram nenhum interesse nas tarefas orientadas, não valorizam o aprendizado em sala de aula. •Discentes que acham monótono e ultrapassado o método de ensino de maneira geral, e como não sentem contempladas suas propostas de mudanças decidem sabotar o esquema pedagógico implementado, já seja pela burla, pela não participação ou pela deslegitimação da figura docente como detentor de determinado conhecimento. Após conhecer as causas e caraterísticas, é importante debruçar-nos nos diferentes tipos presentes nas escolas. Olhar com atenção, assim como refletir a partir deles, pode ser determinante para as transformações que não só almejamos, senão que também precisamos. María Dolores García Ruíz (García Ruíz, 2015) declara “pode ser que o âmbito educativo seja um espaço privilegiado para que aconteçam vários tipos de conflitos (...) isso pela diversidade de pessoas e suas histórias, as que fazem parte destes espaços”. E nós perguntamos: será? É justo a diversidade de pessoas e suas histórias as que fazem desse espaço “lugar privilegiado...”? A fim de conhecer melhor seus argumentos e, principalmente, por que tais argumentos fecham com os propostos por diferentes estudos neste tema, optamos por trabalhar a partir da classificação dos conflitos que a autora traz: •Conflitos de relação: deriva da acumulação de fortes emoções negativas, percepções falsas ou estereótipos. Também a escassa ou nula comunicação, a presença de condutas negativas repetitivas. Esses são, com frequência, denominados de “conflitos irreais” ou não necessários (Coser, 1956; Moore, 1986). •Conflitos de Informação: aparecem quando as pessoas envolvidas não têm informações suficientes para tomar decisões corretas. Incluindo aqui também uma incorreta compilação de dados. •Conflitos de Interesses: Se dá quando uma ou mais partes pensam que para a satisfação das suas necessidades devem ser sacrificadas as necessidades do oponente. •Conflitos de valores: São causados por sistemas de crenças incompatíveis. Valores explicam aquilo que se entende por bom ou ruim, verdadeiro ou falso, justo ou injusto. As disputas de valores aparecem quando uma parte tenta impor pela força um dado conjunto de valores à outra parte, ou pretende que seu sistema de valores tenha vigência exclusiva,sem admitir crenças diferentes (Moore, 1994). •Conflito Intrapessoal: se produz quando o conflito se dá entre indivíduos. Pode ser por ideias, pensamentos, emoções, impulsos que entram em colisão uns com outros. •Conflito intragrupal: se dá dentro de pequenos grupos, famílias, classes etc. Neste caso é importante analisar como o conflito pode afetar a capacidade do grupo para dar solução aos problemas e conseguir canalizar em prol dos objetivos comuns. •Conflito intergrupal: se produz entre dois grupos. Costuma ser uma situação complicada devido à quantidade de pessoas implicadas e a interação que entre elas se produz. Especificamente sobre os conflitos escolares Maria Dolores elucida quatro grandes categorias, a saber: conflitos de poder, conflitos de relações, conflitos de rendimento e conflitos interpessoais. •Conflitos de poder: são aqueles que estão relacionados com as normas da instituição. •Conflitos de relações: se produz quando um dos sujeitos do conflito é superior hierarquicamente ou emocionalmente ao outro. Aqui podem ser incluídos os casos de bullying. •Conflitos de rendimento: estão relacionados com o currículo, uma tensão entre alunos que apresentam dificuldades para equilibrar suas necessidades formativas e aquilo que lhe é oferecido pelo centro/docente. •Conflitos Interpessoais: aqueles que acontecem na instituição, mas que vão muito além dela. Esse tipo é uma certa reprodução da sociedade em que está localizado. Sendo, aparentemente, reflexo um do outro. Se fazemos um levantamento da bibliografia que trabalha esta temática, constatamos que, de maneira geral, como temos dito, autores e autoras coincidem nesta classificação. Há tanta variedade na tipologia dos conflitos assim como variada é nossa própria vida. E é justo isso o que se quer reforçar quando se faz essa abordagem, não estamos fazendo referência a “algo” alheio a nós, algo que “um dia” poderemos ou não experienciar, estamos tratando uma temática que nos toca a diário, que nos diz, ou “afeta”, cotidianamente. O importante é que pensemos que na Resolução de Conflitos não há uma forma ou maneira pré-estabelecida, fechada, pois essa “resolução” terá que passar obrigatoriamente pelas características que marcam o contexto em questão. Por isso, é necessário que, tanto a experiência quanto o cotidiano, ganhem especial atenção e relevância. 3.3. Conflitos escolares: aprendendo entre cotidianos e experiências A experiência vem de outros estudos, de outros casos, não se pode ser um bom mediador/a senão aplicarmos na prática aquilo que se apreende com a interdisciplinaridade, mas essa experiência também vêm da nossa vida, do nosso aprendizado, de nossas relações. Para entender melhor esses conceitos, e pela relevância que ambos têm quando abordamos a temática de Resolução de Conflitos, aqui, de maneira específica no Âmbito Escolar, propomos elucidar a que estamos nos referindo quando eles são nomeados. O cotidiano, ou mundos de vida como é apresentado pela filosofia intercultural, é também um conceito fundamental para entender e desenvolver esta forma de trabalho. Segundo Ada Maria Isasi-Diaz (2002, p. 8), O cotidiano é muito complexo e variado, fazer uma definição específica e fechada não seria suficiente para assinalar seus muitos elementos e características. Cotidiano constitui o ambiente imediato de nossas vidas, o primeiro horizonte em que se dão nossas experiências, que da mesma forma são os elementos que constituem o cotidiano. É o “lugar”, ou “não lugar”, onde primeiro nos relacionamos com o mundo material, não só pensando na realidade física senão também na maneira como a gente se relaciona com essa realidade (cultura); como entendemos e avaliamos nossa relação com ela (história). O cotidiano se mistura com a vida material, e é elemento chave na estruturação das relações sociais e seus limites, ele tem a ver com as práticas e crenças que temos herdado e com aqueles julgamentos habituais que incluem as táticas que usamos para lidar com eles. No entanto, por cotidiano não entendemos a reprodução ou repetição acrítica de tudo o que ensinaram para nós e o que constitui um hábito em nossas vidas. (...) cotidiano é o que faz o mundo de cada pessoa específico, e, por tanto, é a partir dele e nele que se vivenciam as múltiplas relações que nos constituem como seres humanos. Cotidiano é a esfera na qual a luta pela vida se faz mais imediata, mais intensa, mais enérgica; é isso que encaramos diariamente e, também, a maneira em que o fazemos, e não está relacionado exclusivamente com o pessoal/individual senão que em forma regular entra em contato com os sistemas sociais impactando suas estruturas e mecanismos, que por sua vez, influenciam de maneira concreta a vida diária de cada qual. (...) O cotidiano tem a ver com nossa maneira de falar, com as experiências de classe e gênero, com o impacto da pobreza, com o trabalho que fazemos e com o que esperamos alcançar com nossas vidas. O cotidiano contém nossas relações familiares, relações de amizades, as relações com vizinhos, com a comunidade. Nele encontramos muito desse “ser prático”, encontramos muito da sabedoria popular. Para Raúl Fornet-Betancourt, é importante que se destaque a pluralidade do cotidiano para evitar o erro de fazer uso do termo “vida cotidiana” como uma categoria universal. O autor destaca quatro aspetos importantes para entender o conceito, a saber: 1.Vida cotidiana é a exigencia da presença constante. Existimos no diario na forma de uma assistência permanente que faz inútil o fugir porque a cotidianeidade é o mundo ao qual voltamos sempre. 2.O sujeito dessa assistência não é só um sujeito ativo que vai intervir nas normas e regras do cotidiano, que se apropria do seu jeito das expectativas sociais, senão que é também um sujeito passivo, um sujeito “trabalhado” diariamente pela vida, que padece a cotidianeidade como mundo de vida que “gasta” sua própria vida (...) uma vida que não é só de possibilidades, senão que é também de limitações e sofrimentos, essa vida “acumulada” ou “projetada” pelo seu proprio mundo de vida. 3.Essa vida cotidiana que se encontra “monetarizada” como consequência da centralidade que adquire o dinheiro no marco capitalista de “modernização da sociedade”. 4.A relação entre vida cotidiana e tempo. A “monetarização da vida cotidiana” implica na programação do tempo da vida segundo a lógica do dinheiro. A vida cotidiana é expropriada de “seu tempo”, para receber em troca o tempo industrializado do sistema social capitalista. (Fornet-Betancourt, 2010) Já Ivone Gebara (2000, p. 121) define o cotidiano sendo, O combate para viver hoje, para encontrar trabalho, para ter o que cozinhar, para encontrar um sentido imediato para a vida, esse mundo doméstico de relações breves e mais diretas, nossos hábitos, a rotina, nossas histórias pessoais, nossos sentimentos perante os acontecimentos, nossas reações frente à tv, frente aos problemas atuais. Um lugar onde se faz a história e onde as formas mais variadas de opressão e de produção do mal se manifestam sem que sejam suficientemente reconhecidas. É onde nascemos, sofremos, amamos e morremos. Especificamente sobre cotidiano no âmbito escolar Barsanti de Camargo (2007, p. 73) relembra que: Em meados do século XX, o cotidiano da escola era entendido como o prosaico, o trivial, o comum, o corriqueiro do espaço escolar, em oposição à valorizada rotina da sala de aula, caraterizada por exercícios repetitivos, rituais de aprendizagem, regras de comportamento, execução de trabalhos e tarefas. Atividades extraclasse, como canto orfeônico, visita a museus, aulas de laboratório, educação física e outras ações eram consideradas de menor importância: complementos a práticas de ensino tradicional marcadas pelo uso do caderno, livro, lousa e giz. (...) as conversas e os fatos vividosnos corredores, nas cantinas, no recreio e nos banheiros não eram tidos como circunstancias de formação, de produção de sujeitos: alunos/as, professores/as, gestores/as e demais indivíduos que circulam pela escola (...). Todos os espaços/fatos são vitais à constituição do sujeito e constituem o que entendemos por cotidiano escolar. A sistematização conceitual anterior, trazida a partir de Fornet-Betancourt, Isasi- Diaz, Gebara e Camargo, converge na centralidade da cotidianidade para entender e intervir na vida ordinária. Se nossa proposta é a Resolução e Transformação de Conflitos, não temos como deixar esse conceito/categoria à margem, se fazemos isso, não só o nosso planejamento de ações estaria errado, senão também nossa prática. Por isso insistimos, não tem “fórmula milagrosa”, não tem Programa ou Projeto de RTC que possa ser aplicado em todos os contextos indistintamente. Uma outra categoria definidora para esta temática é a Experiência. Sobre a experiência Gebara (Gebara, 2000, p.37) afirma: “Toda experiência vem acompanhada de interpretações, isso é inevitável, é a nossa maneira de estar no mundo. As interpretações permanecem em nossa memória quando o tempo se encarrega de apagar a beleza ou a crueldade vivida”. A Experiência, neste sentido, está marcada por uma experiência particular e concreta, que ao mesmo tempo aceita e advoga pelo reconhecimento da variedade de experiências existentes. Uma experiência que não se preocupa em medir qual posição está mais perto da verdade ou da realidade, e sim que tenha preocupação em apresentar uma verdade e uma realidade em meio a todas as outras verdades e realidades. Uma experiência que nasce e emerge da vida cotidiana, e é justo essa vida cotidiana a que outorga à experiência a sua particularidade, a sua verdade (Núñez de la Paz, 2004, p. 33). Com o que foi até aqui exposto, seria ilógico pensar que um mesmo Programa de Resolução de Conflitos possa ser aplicado em todos os contextos escolares. Contextos estão recheados de cotidianos múltiplos e experiências variadas; cotidianos e experiências que têm obrigação de pautar esses Programas. Por isso, mediadores/as devem ter um conhecimento prévio que vai muito além de dominar uma certa técnica para poder aplicá-la. Mediadores/as devem ser pessoas imbuídas nesse cotidiano escolar no qual será aplicado o PRC, assim como também, ter uma experiência marcada pelo contexto em que a instituição se encontra inserida. 3.4. Conflitos entre pares: atores e convivência Como temos expressado, não todos os conflitos são iguais, nem devemos pensar neles como sendo algo negativo. Nosso desafio na vida e no âmbito da escola é pensar neles como aquela situação que é melhor prevenir, mas que uma vez instalada, permite não só aprender a partir dela, senão também, educar a partir dela, transformar. Victoria Grund (Grund, 2015) em sua explanação sobre “Os conflitos nos centros escolares” expressa que o conflito “deve ser uma oportunidade de cambio, de crescimento, de aprendizagem”. É a partir das colocações desta autora que destacamos os conflitos mais frequentes numa instituição escolar: 1. conflitos entre alunos/as; 2. conflitos entre alunos/as e docentes, 3. conflitos entre famílias e docentes. Vejamos os pontos mais frequentes em cada um deles: Conflitos entre alunos/as São múltiplos e bem variados, ocorrem na sala de aula e fora dela. A maioria deles acontecem por mal-entendidos ou preconceitos. Também por causa do status, conflito de interesses, opiniões contrárias em trabalhos de equipe, diferenças culturais. Como exemplo podemos citar: piadas, insultos, ciúmes, bullying, ciber-bullying, racismo, xenofobia, violência de gênero.... Esta autora narra a experiencia do que se conhece como “mediação entre iguais”, entre os próprios alunos, e que costuma ser muito efetiva nestes casos. Quando há alunos treinados fazendo a mediação, sem a presença de profes ou de uma outra pessoa adulta, a experiencia diz que os/as implicados/as na situação de conflito sentem uma ressonância maior, tanto nas questões colocadas como nas possíveis soluções que possam apresentar. Mas é importante saber que, assim como nem todos os conflitos são passíveis de mediação, nem todas as situações de conflito entre alunos/as são passíveis deste tipo de mediação “entre iguais”. Preparar e formar alunos/as é importante para desenvolverem esta tarefa quando o tipo de conflito o requer. Conflitos entre Alunos/as - Professores/as Aparentemente são os mais retumbantes, mas não são os de maior frequência. De maneira geral docentes tem o controle da/na sala de aula e sabem adotar diferentes estratégias antes de atingir situações limites. Usualmente são do tipo relacional, no qual influenciam a hierarquia existente, a falta de assertividade, a insegurança, entre outras. Nas últimas décadas temos presenciado uma agressividade e, em igual medida, um desrespeito por parte de estudantes para com seus docentes. Ainda que situações extremas como as que “vendem”, ou circulam nos meios de comunicação não sejam generalidade, não podemos esquecer que elas existem e que têm deixado uma marca preocupante nos diferentes países. Conflitos entre Famílias - Professores/as A maioria destes conflitos acontecem pela superproteção que hoje em dia as famílias têm para com seus filhos e filhas, e, também, pelo rol de “inimigo” que tem preenchido o imaginário com relação aos docentes. Quase sempre tem como desencadeante um conflito anterior entre alunos/as e professores/as, por isso, para aplicar a mediação deve ser muito bem avaliada a situação e, de preferência, resolvida por partes. O fato de não manter uma boa relação com a instituição, de não querer escutar, de não empatizar; essa falta de comunicação entre família e escola, podem ser fatores de riscos. Há um outro tipo de conflito, não citado especificamente pela autora, mas que é importante destacar. O Conflito entre Professores/as – Professores/as, que pode procurar-se na literatura pelo rótulo de: conflitos do tipo organizacional. Esses conflitos do tipo organizacional também se aplicam ao âmbito escolar, e podem ser a causa dos já apresentados com anterioridade. Uma equipe institucional de mediação pode ajudar na resolução e, principalmente, na transformação, pois tratando-se de companheiros/as de trabalho, educadores/as, é fundamental uma mudança de compreensão e atitude para o bom desenvolvimento docente. 3.5. Enfoques e Formas de resolução de conflitos escolares No capítulo anterior estudamos a Mediação que, por suas caraterísticas, representa uma técnica importante na Resolução de Conflitos no Âmbito Escolar. Neste ponto, nosso objetivo é pensar nos Programas em que essa mediação está sendo colocada em prática e, principalmente, deixar algumas pistas visando a transformação. Catarina Morgado e Isabel de Oliveira (2009, p. 47), fazendo uma tradução do livro de T.S. Jones (2004), elencam as finalidades dos Programas de Educação para a Resolução de Conflitos (ERC), 1.Criação de ambientes de aprendizagem seguros: os programas que enfatizam estes objetivos incidem na diminuição da violência, redução dos conflitos entre estudantes, particularmente dos conflitos intergrupais baseados nas diferenças étnicas e raciais; ao mesmo tempo, procuram reduzir o número de suspensões, o absentismo e o abandono escolar, frequentemente relacionados com ambientes de aprendizagem inseguros. 2.Promoção de ambientes de aprendizagem construtivos, isto é, promoção de um ambiente positivo na sala de aula, cuja gestão eficaz dos comportamentos potencie a disciplina e, simultaneamente, o respeito e afeto, necessários para que crianças e jovens se sintam confiantes na partilha de ideias e sentimentos. 3.Desenvolvimento pessoal e social dos alunos, incluindo a aprendizagem de competências de resolução de problemas; o treinodas aptidões para reconhecer e lidar com as emoções; a identificação e redução das orientações agressivas e atribuições hostis; a utilização de estratégias construtivas face ao conflito nas escolas, no contexto familiar e comunitário. 4.Desenvolvimento de uma perspectiva construtiva do conflito: pretende estimular-se a justiça social na comunidade, responsabilizando os seus elementos não apenas pelos problemas que nela emergem, mas também pelo sucesso das respostas sociais por eles geradas. Este princípio, de confronto e responsabilização pelo conflito, traduz a implementação dos meios de resolução alternativa de conflitos na ERC. De acordo com esta perspectiva, procura-se a participação parental e da comunidade na vida escolar, bem como a generalização à vida comunitária das competências adquiridas no âmbito da ERC, o que deverá refletir-se na desejada diminuição da tensão e violência na comunidade. No ano 2000, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, lançou o Programa Década da Cultura de Paz (2000-2010). Diversos projetos e programas foram desenvolvidos no mundo todo, por isso, nessa década temos o registro de dissimiles ações e, como resultado, muita bibliografia relacionada a esta temática. O objetivo de desenvolver uma Cultura de Paz e a superação da violência, com alcance mundial, atingia o âmbito político-econômico assim como também os relacionamentos cotidianos das pessoas. Paz como soma de valores, atitudes e comportamentos que refletem o respeito à vida, à dignidade e aos direitos da pessoa (Pro Paz Educação, 2006, p. 33). Eduardo Pérez-Archundia y David Gutiérrez-Méndez (2018, p. 174) indicam Formas de resolução de conflito nas instituições escolares que agora elencamos no intuito de desenvolver no próximo capítulo. Elas são, •Definir programas e ações específicas para a transformação dos conflitos; aprendizagem de estratégias e habilidades tendo em conta a Educação para a Paz e os Direitos Humanos. •Impulsionar uma cultura de Paz que perpasse todos os elementos da escola. •Construir uma nova cultura e relações sociais, e não focar simplesmente em conhecer e apreender umas determinadas estratégias e habilidades para solucionar os conflitos. •Combater a aceitação da violência como forma de transformação de conflitos e desenvolver este enfrentamento desde a educação básica, pois é nela que inicia o desenvolvimento deste tipo de constructo. •Estimular uma cultura de Paz, que se baseia no respeito às diferenças, à diversidade, às diferenças culturais e individuais dos povos. •Erradicar o caráter sexista eliminando o domínio do gênero masculino sobre o feminino. •Doutrinamento, dogmatismo e fundamentalismos são incompatíveis com uma cultura de Paz. 3.6. Conclusão Vários são os autores/as que alertam para a necessidade de renunciar à crença na função “messiânica” da escola. É verdade que queremos uma escola, um âmbito escolar, de relações com equidade no cotidiano, mas isso só vai acontecer se abrirmos as portas para acolher, para conviver com as diferenças, se permitimos que o cotidiano escolar e seus espaços possam ser reconhecidos como lugares do exercício educativo mas amplo, balizado pela diversidade. Essa proposta parte do reconhecimento, e aceitação, das múltiplas formas de pedagogia (Faccioli de Camargo, 2007, p. 15). Nuccio Ordine, no seu livro A Utilidade do Inútil – Um Manifesto, traz como mensagem a importância de não perder nossa humanidade frente ao mundo do capital, ao mundo da lógica do mercado que pauta nossos dias, que pauta nossa existência. Isso se traduz na necessidade de pensar e agir diferente daquilo que se apresenta como “as modas” de convivência em nosso tempo. Se há uma guerra e em um determinado país é destruído um poço de petróleo pouco acontece, ele pode ser reconstruído; se há uma guerra num determinado país e são destruídas pirâmides estaremos perdendo parte de nós, de nossa ancestralidade e, definitivamente, não podem ser recuperadas. A dor pelo fogo em um shopping center não pode ser igual à dor pelo fogo em qualquer um de nossos museus ou arquivos históricos. Humanidade: disso se trata! 3.7. Bibliografia recomendada Bicalho de Sousa, N. H. (2019). As pesquisas para a paz e os direitos humanos e a promoção da cultura de paz no ambiente escolar. Revista Com Censo #18 • volume 6 • número 3 agosto. Recuperado de: https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=9935583045285831919&hl=pt- BR&as_sdt=0,5&as_ylo=2019 Brasil. Lei n. 13.185, de 06 de novembro de 2015. Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), Brasília, DF, 2015. Recuperado de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13185.htm Carita, A. (2004). Conflito, justiça e cidadania. Aná. Psicológica [online], 22(1), 259- 267. Recuperado de: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870- 82312004000100023&lng=pt&nrm=isso Chrispino, Á. (2007). Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, 15(54). Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/a02v1554.pdf https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=9935583045285831919&hl=pt-BR&as_sdt=0,5&as_ylo=2019 https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=9935583045285831919&hl=pt-BR&as_sdt=0,5&as_ylo=2019 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13185.htm http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312004000100023&lng=pt&nrm=isso http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312004000100023&lng=pt&nrm=isso http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/a02v1554.pdf 4. Resolução e transformação de conflitos: Temas Transversais para o âmbito escolar Objetivos Refletir sobre o significado dos direitos humanos. Entender a mudança na compreensão da Identidade e o Gênero como categoria de análise. Destacar a proposta intercultural e a necessidade do reconhecimento da alteridade. Debater sobre os conceitos Democracia e cidadania e a importância da Educação para a Paz. 4.1. Introdução Iniciamos um novo capítulo com o que temos denominado “Temas Transversais” na Resolução e Transformação de Conflitos no Âmbito Escolar, no entanto, eles não se restringem a esse espaço específico, eles são muito importantes para a vida como um todo. No intuito de entender propriamente os conflitos e para assumir a determinação de solucionar e transformar, esses temas transversais são imprescindíveis porque têm seu cerne na questão da humanidade: o jeito que pensamos essa humanidade e as opções que fazemos para que seja ela quem paute nosso agir no cotidiano. Uma transformação que tenha como alvo relações humanizadas. Para pensar... “Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a miséria da existência humana”. Bertolt Brecht 4.2. Direitos humanos Quando falamos de humanidade estamos fazendo referência aos Direitos que toda pessoa (ou sujeito como ser histórico) tem, ou deveria ter, pelo simples fato de “ter chegado” ao mundo. Direitos fundamentais que têm seu embasamento na dignidade humana. Vale perguntar então, que entendemos por Direitos Humanos? No Brasil, por exemplo, se escuta muito falar (senso comum), neste tempo de enfrentamento político, que: Direito Humano é o direito do “bandido”. Quem é ou seria o bandido? A anterior afirmação mereceria um capítulo específico, pensando no cotidiano, nas relações de poder e em como se chega a tal ponto numa determinada sociedade, mas como isso foge de nosso objetivo principal vamos resumir colocando que: se chega a essa tola afirmação, justo “pela falta de conhecimento”. O filósofo Emmanuel Kant em seu livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes, declara: “No reino dos fins, tudo tem ou preço, ou uma dignidade.Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. De maneira que, seres humanos, que se diferenciam de todos os demais animais por serem dotados de razão, não podem ser considerados nunca um meio, mas sempre um fim em si mesmos, e como tal, têm um valor absoluto que não pode ser mensurado, por tanto, seres humanos tem uma dignidade, e jamais um preço (González, 2010, p.14). Como nascem os Direitos Humanos? Após a II Guerra mundial, que foi em todo sentido devastadora (morreram dezenas de milhões de pessoas, e não só soldados, senão também, população civil) e, somado a isso, a construção de um sistema de eliminação de pessoas em massa (campos de concentração e de extermínio nazistas que tinham a função de desfazer-se das pessoas que o regime considerava nocivas ou desnecessárias), “unido ao beneplácito das potências ocidentais, nas quais os direitos humanos nas leis nacionais mostrou- se insuficiente, tornou-se um consenso entre diversas lideranças mundiais a necessidade de criar instrumentos que garantissem a paz mundial e evitassem a repetição das violações praticadas no conflito” (González, 2010, p. 24). A primeira resposta foi a criação da Organização das Nações Unidas – ONU em 1945, e três anos mais tarde, a Declaração Universal dos Direitos Humanos “foi proclamada pela ONU em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, “por meio da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral, como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos” (Declaração Universal). É importante destacar que, “embora aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral da ONU, a então União Soviética e seus aliados abstiveram-se na votação; por considerar que a declaração deu pouco espaço para os direitos coletivos e sociais” (González, 2010, p.25). Um outro aspecto importante diz com relação à composição da própria ONU. Composta aproximadamente por 50 países, deixava fora os continentes asiático e africano, fato que levou críticos a afirmarem o perfil ocidental da Declaração. Declaração Universal dos Direitos Humanos Artigo I. Todas as pessoas, mulheres e homens, nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo II. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição. Além disso, não se fará distinção alguma baseada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território de cuja jurisdição dependa uma pessoa, quer se trate de país independente, como de território sob administração fiduciária, não autônomo ou submetido a qualquer outra limitação de soberania. Artigo III. Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IV. Nenhuma pessoa será mantida em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V. Nenhuma pessoa será submetida à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo VI. Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa humana, perante a lei. Artigo VII. Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todas as pessoas têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo VIII. Toda pessoa tem direito a receber, dos tribunais nacionais competentes, remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. Artigo IX. Nenhuma pessoa será arbitrariamente presa, detida ou exilada. Artigo X. Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ela. Artigo XI. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa. Nenhuma pessoa será condenada por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não tenham sido delituosos segundo o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta penalidade mais grave do que a aplicável no momento em que foi cometido o delito. Artigo XII. Nenhuma pessoa será sujeita a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. Artigo XIII. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. Toda pessoa tem direito a sair de qualquer país, inclusive do próprio, e a ele regressar. Artigo XIV. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. Este direito não poderá ser invocado contra uma ação judicial realmente originada em delitos comuns ou em atos opostos aos propósitos e princípios das Nações Unidas. Artigo XV. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. Não se privará nenhuma pessoa arbitrariamente da sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade. Artigo XVI. As mulheres e os homens de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e dissolução. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Artigo XVII. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outras. Nenhuma pessoa será arbitrariamente privada de sua propriedade. Artigo XVIII. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. Artigo XIX. Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão. Este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Artigo XX. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. Nenhuma pessoa pode ser obrigada a fazer parte de uma associação. Artigo XXI. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo do próprio país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. Toda pessoa tem o direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas de seu país. A vontade do povo é a base da autoridade do poder público; esta vontade deverá ser expressa mediante eleições autênticas que deverão realizar-se periodicamente, por sufrágio universal e igual, e por voto secreto ou outro procedimento equivalente que garanta a liberdade do voto. Artigo XXII. Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveisa sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. Artigo XXIII. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como a sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. Toda pessoa tem direito a organizar sindicados e a neles ingressar para a proteção de seus interesses. Artigo XXIV. Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas. Artigo XXV. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas de matrimônio ou fora dele, têm direito a igual proteção social. Artigo XXVI. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. A mãe e o pai têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrado a seus filhos. Artigo XXVII. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor. Artigo XXVIII. Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados. Artigo XXIX. Todas as pessoas, mulheres e homens, têm deveres para com a comunidade, na qual é possível o livre e pleno desenvolvimento de suas personalidades. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa está sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas. Artigo XXX. Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer direitos e liberdades aqui estabelecidas. Podemos afirmar que Direitos Humanos são construções históricas, afirmação cultural e efetivação cotidiana. Sua fundamentação ou universalização deve estar pautada sob a premissa de que devemos reconhecer culturas diferentes em meios não iguais. Ou seja, os direitos às diferenças, às singularidades culturais, que contrastam com a uniformização discursiva de um direito que tem o universal como humano e não o humano como condição de universalidade nas diferentes culturas (Núñez de la Paz, 2010, p. 13). Na cartilha Mediação Comunitária e Direitos Humanos elaborada como instrumento pedagógico pela equipe da Gerência de Prevenção e Mediação de Conflitos da Secretaria Executiva de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Brasil, aponta e elucida as Características dos Direitos Humanos, elas são: 1.São de todos: são universais. 2.Não podem ser respeitados pela metade: são indivisíveis. 3.Realizam-se juntos, estão ligados uns com outros. Precisamos de todos eles ao mesmo tempo. A falta de um prejudica os outros: são interdependentes. 4.A realização de um direito fortalece os outros E enfraquecer um direito também fragiliza os outros: são inter-relacionados. 5.Não ficam em cima do muro. Fazem opção, preferencia e tomam partido, ficando do lado dos explorados, discriminados, fracos e vulneráveis: não são neutros. 6.Não surgem que nem mato na floresta e tampouco caem do céu: tem que ser conquistados com muita luta. 7.Não é possível realizar alguns e ignorar outros: são inseparáveis. 8.Nenhum dos direitos humanos é mais importante do que os outros: são não-hierárquicos. 9.Não viram realidade de repente, de uma hora para a outra: são progressivos, (mas podem ser diminuídos ou perdidos, se não são suficientemente protegidos por leis “que peguem”, ou se as pessoas descuidarem da mobilização e da luta). 10.Não se pode abrir mão deles: são inalienáveis. 11.Não admitem exceção, nem justificativa para serem violados: são invioláveis. O retorno da ação dos Direitos Humanos no século XXI amplia e redimensiona a ação dos atores sociais, a partir de seu contexto cultural, na sociedade civil e nos movimentos sociais, possibilitando participação e cobrança de políticas públicas governamentais. A superação do conceito universalista dos Direitos Humanos é uma necessidade que se coloca em nosso cotidiano a partir de nossas relações entre parceiros e parceiras, marido e mulher, companheiro e companheira. Assim, faz-se necessário sair do discurso que retroalimenta e justifica nossas práticas de violência simbólica e física no dia a dia. A seguir, vamos estudar os conceitos identidade e gênero, ao tempo em que se destaca a importância deles para a transformação social. 4.3. Identidade e Gênero Stuart Hall afirma que as concepções de identidade vêm sendo transformadas ao longo do processo histórico. Desde o “sujeito do Iluminismo” −entendido como totalmente unificado a partir de seu nascimento, dotado das capacidades de razão, consciência e ação− passando pela ideia mais recente do “sujeito sociológico” −que se forma nas relações com outras pessoas que medeiam seus valores, sentidos e símbolos expressos em uma cultura− e o “sujeito pós- moderno” que não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente, por estar sujeito a formações e transformações contínuas em relação às formas em que os sistemas culturais o condicionam (Hall, 1998, p. 7). Por sua vez, Anthony Giddens (2001, p.735) vai definir identidade como: Características que diferenciam o caráter de uma pessoa ou de um grupo. Tanto a identidade individual quanto a de um grupo procedem, principalmente, dos marcadores sociais. Assim, o nome é um importante marcador da identidade individual e constitui um elemento crucial da individualidade da pessoa. O nome também é importante para a identidade dos grupos. Por exemplo, a identidade nacional se encontra determinada por ser inglês, francês. Na teoria social, a questão da identidade tem sido sempre amplamente discutida. Um arranjo diferente apresenta-se na contemporaneidade, fato que é explicitado da seguinte maneira por Hall (1998, p. 7): As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada“crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referências que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. O sujeito pós-moderno é definido historicamente e não mais biologicamente; assume identidades diferentes em diferentes momentos, afetadas tanto pelos processos de socialização quanto de globalização dos meios de comunicação e informação. A sociedade em que vive o sujeito pós-moderno está também sendo constantemente descentrada e deslocada por forças externas (Hall, 1998, p. 10-13). Ele afirma (2000, p. 110), ...as identidades são constituídas no interior de práticas de significação, produzidas em locais históricos e institucionais específicos. Elas emergem no interior de relações específicas de poder e são mais um produto da marcação da diferença do que um signo de uma unidade idêntica. Assim o processo da construção das identidades está sempre envolvido com a diferença, da relação com aquilo que não é, sempre referido ao outro: sou o que o outro não é. No mesmo sentido, Garcia Canclini (2006, p. 131), na mesma medida em que expressa, alerta que: Se a antropologia, a ciência social que mais estudou a formação das identidades, acha difícil ocupar-se hoje da transnacionalização e da globalização, é pelo hábito de considerar os membros de uma sociedade como pertencendo a uma só cultura homogênea, tendo, portanto, uma única identidade distintiva e coerente. Essa visão singular e unificada, que tanto as etnografias clássicas quanto os museus nacionais organizados por antropólogos consagraram, é pouco capaz de captar situações de interculturalidade. [...] Quando a circulação, cada vez mais livre e frequente de pessoas, capitais e mensagens nos relaciona cotidianamente com muitas culturas, nossa identidade já não pode ser definida pela associação exclusiva a uma comunidade nacional. O objeto de estudo não deve ser, então, apenas a diferença, mas também a hibridização. Nesta perspectiva, as nações se convertem em cenários multideterminados, onde diversos sistemas culturais se interpenetram e se cruzam. Hoje a identidade, mesmo em amplos setores populares, é poliglota, multiétnica, migrante, feita com elementos mesclados de várias culturas. De uma ou outra maneira Hall e Garcia Canclini, apontam seus postulados para uma mesma direção. Decorrentes das mudanças produzidas em todas as ordens, a identidade não mais pode ser concebida como uma e coesa. A essa nova situação, a maioria das pessoas e instituições chega quase sem aviso nem preparação prévia. Maíra Baumgarten (2005, p. 86) assegura que hoje, Assiste-se à transição de uma identidade vinculada a um território nação para a identidade globalizada, na qual a forma de alguém estar no mundo não tem nada a ver com seu país. Um exemplo é a religião da Nova Era — enquanto uma religião reunificada, sem fronteiras, planetária. Não há necessidade de sede, pois tudo é virtual, e as comunicações se fazem via Internet. [...] O aguçamento da tendência de individualização da modernidade conduz a um “processo de personalização”, em que o indivíduo passa a ser depositário cada vez mais absoluto do poder/responsabilidade por sua vida, seu êxito. Na modernidade, o indivíduo é autonomizado das redes comunitárias. No processo de constituição do Estado moderno, o indivíduo é visto sob três ângulos: como trabalhador, como eleitor, como pensador (produtor de conhecimentos), em um crescente processo de autonomização e personalização, processo acompanhado da perda paulatina do sentido de pertencimento e de compromisso coletivo. É em igual sentido que, no livro O mal-estar da pós-modernidade, Bauman (1998, p. 221) explicita: O nascimento da identidade significa que de agora em adiante são as habilidades do indivíduo, suas capacidades de julgamento e sabedoria de escolha que decidirão (pelo menos precisam decidir; de qualquer modo, espera-se que decidam) qual das possíveis formas infinitamente numerosas pelas quais a vida pode ser vivida se torna carne [...]. Os homens e mulheres pós-modernos realmente precisam do alquimista que possa, ou sustente que possa, transformar a incerteza de base em preciosa auto-segurança, e a autoridade da aprovação (em nome do conhecimento superior ou do acesso à sabedoria fechado aos outros) é a pedra filosofal que os alquimistas se gabam de possuir. A pós-modernidade é a era dos especialistas em “identificar problemas”, dos restauradores da personalidade, dos guias de casamento, dos autores dos livros de “auto-afirmação”: é a era do “surto de aconselhamento”. Os homens e mulheres pós-modernos, quer por preferência, quer por necessidade, são selecionadores. O mesmo autor expressa em seu livro Vida Líquida (2007, p. 43s): A busca da identidade é sempre empurrada em duas direções [...]. Há um laço duplo em que toda identidade reivindicada ou perseguida [...] está enredada [...] a identidade navega entre as extremidades da individualidade descompromissada e da pertença total. A primeira é inatingível, e a segunda, como um buraco negro, suga e engole qualquer coisa que flutue nas suas proximidades. [...] Por essa razão, a “identidade” reserva perigos potencialmente mortais tanto para a individualidade quanto para a coletividade, embora ambas recorram a ela como instrumento de auto-afirmação. O caminho que leva à identidade é uma batalha em curso e uma luta interminável entre o desejo de liberdade e a necessidade de segurança, assombrada pelo medo da solidão e o pavor da incapacidade. Já no seu livro Identidade (2005, p. 15s) explicita que Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não tem a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age — e a determinação de se manter firme a tudo isso — são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. Resumindo, pode-se dizer que Bauman, tido como um dos sociólogos mais importantes da contemporaneidade, assinala em todos seus livros, como principal apego humano, a busca incessantemente por não se tornar “um ninguém”. Tal procura colocaria a identidade, a comunidade e, por decorrência, a família, na trilha não de um caminho, mas sim de vários caminhos; a não ir somente em uma direção, mas sim ter várias direções simultâneas; a viver uma efemeridade brutal nos espaços que antes representavam âncora, porto, acalanto, aconchego, seguridade, sustento. Esse seria, segundo Bauman, o cotidiano transparente na “aldeia global”. Cotidiano no qual as identidades seriam tão líquidas como a própria vida é para o autor. Como fazer valer a Declaração dos Direitos Humanos nestas condições de indivíduos fragmentados, líquidos? A meados da década de 1970 adota-se o conceito de Gênero como categoria analítica nas ciências sociais e humanas, no âmbito do desenvolvimento dos estudos de mulheres, e também, dos estudos feministas. Especialmente na Antropologia e Sociologia, destacam-se a antropóloga Gayle Rubin e a historiadora Joan Scott. Esta categoria de análise visa apontar que as relações entre os sexos são social e culturalmente construídas. O conceito gênero é usado para designar a construção social e cultural da feminidade e da masculinidade. O gênero, aquilo que é tido como masculino e feminino, passa a ser visto como construção social e histórica, não como condicionamento natural. Por tanto, passível de desconstrução. A teoria propõe uma distinção entre sexo – referente à diferença biológica −e gênero− vinculado às construções históricas, sociais, culturais, psicológicas e políticas. As relações de gênero são complexas, diversificadas,plurais, contextualizadas, localizadas em determinado tempo e lugar, e não se apresentam sempre da mesma forma em todas as épocas e lugares; variam de um povo culturalmente diferente de outro e dentro de uma mesma sociedade, mudam de acordo com a classe social, com a identidade étnico-racial e com a idade. Estão relacionadas com os costumes de cada lugar e sociedade, experiência cotidiana, práticas, símbolos, representações, leis, normas, hábitos, valores sociais e morais, religião, formas de viver a sexualidade, concepções e maneira de organizar a vida familiar e a vida política de cada povo. Por isso, as relações de gênero desvendam as relações de poder. Nelas, repetidamente, se confere ao homem o poder social e político sobre as mulheres, com frequência usado como exercício de controle e para opressão, fazendo com que as mulheres se sintam impotentes e sem direito ao exercício de poder. Baseadas nas compreensões sociais e culturais de gênero, as instituições sociais apregoam modelos pré-estabelecidos de família, corpo, sexualidade, religiosidade, comportamento. Esses modelos, numa sociedade marcada pelo patriarcado, ou seja, o poder do pai sobre os demais membros da família, correspondem a padrões normativos de submissão e da negação dos direitos das mulheres e crianças, gerando discriminação e desigualdade entre homens e mulheres. E isso se traduz no que chamamos de sexismo, que é a desigualdade baseada nas diferenças entre os sexos, perpetuando a crença de que as pessoas são inferiores ou superiores segundo suas condições biológicas. Além disso, fixa papéis estereotipados a homens e mulheres, em que as mulheres estão em situação de desvantagem econômica, cultural, social e política. Com frequência, as distinções de gênero são justificadas com referência à natureza e à vontade divina. Joan Scott afirma que: “Para proteger o poder político, a referência deve parecer certa e fixa, fora de toda construção humana, parte da ordem natural ou divina”. Desta maneira, a oposição binária e o processo social das relações de gênero tornam-se parte do próprio significado de poder; pôr em questão ou alterar qualquer de seus aspectos ameaça a “ordem” estabelecida. Resumindo, pelas atrocidades acometidas como seres humanos, e explicitamente o horror que a humanidade viveu na Segunda Guerra Mundial, vários países membros da recém criada ONU elaboram e aprovam a Declaração dos Direitos Humanos, documento que visa uma afirmação da dignidade de todo ser humano, uma dignidade que não pode ser mensurada, que está acima de qualquer valor. No entanto, o mundo da Declaração mudou muito, não mais há coesão nas estruturas e ancoras do passado. A identidade, a família e a comunidade se pulverizam na pós-modernidade e, assim, com uma vida “liquida” e fragmentada, de identidades múltiplas, o sujeito pós-moderno estabelece suas relações. Das ciências sociais chega o conceito Gênero, uma categoria de análise que ajuda a enxergar melhor o mundo e suas relações. Gênero alerta que há uma estrutura social e cultural que já está dada antes de nosso nascimento e que é essa estrutura a que diz quem você é e como você deve se comportar. Se respeitar o estipulado e regulamentado, você será aceito; caso contrário você vai enfrentar muitos problemas durante a vida. Exemplo do anterior é a vida das mulheres, sendo mais da metade da humanidade em quantidade, mas para quem cultura e sociedade sempre reconheceram e pautaram, com suas leis, uma humanidade de segunda categoria. Tanto que, em 1979, a própria Organização das Nações Unidas, aprovou a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). A partir de 1975 é declarada a “Década da Mulher”, e as Conferências Mundiais das Nações Unidas de Copenhague (1980), Nairobi (1985) e Beijing (1995) ajudaram a denunciar as violações de direitos humanos das mulheres. Especificamente a Declaração de Viena, no ano de 1993, reconheceu os direitos humanos das mulheres como indissociáveis dos direitos humanos, e afirmou a integralidade, a indivisibilidade e o caráter inalienável e universal dos direitos humanos das mulheres e meninas, independentemente dos Estados nacionais (Mulheres Cidadãs que Podem!, 2016, p. 8s). 4.4. Interculturalidade e Alteridade Uma alternativa importante para esta era de identidades líquidas e fragmentadas, de “não-pessoas”, que são aquelas que o sistema coloca e mantêm −desde o nascimento ou não− à margem, vem desde o reconhecimento da alteridade e da proposta intercultural. Não podemos pensar na Resolução e Transformação de Conflitos em qualquer âmbito e, ainda mais, no âmbito escolar se não mudarmos nossos paradigmas de vida. No intuito; de aprofundar esse conhecimento que se mostra hoje como contraponto a tanta ignominia, desenvolvemos o presente ponto. Que significa alteridade? Falar de alteridade é pensar a diferença, é pensar no Outro (outra) como aquela realidade que é e está, e que permanentemente interpela. É um tensionar a nós mesmo porque desvenda o que somos a partir da relação que estabelecemos com esse Outro/a. Somos na medida em que esse outro/a possa ser. Pensando especificamente na educação, a alteridade reforça o postulado de educação como direito de todas as pessoas, necessita ser um lugar para todas as pessoas, lugar de encontro, relacionamento, diálogo, escuta e partilha de significados. A escola como espaço social e espaço de diversidade onde as diferenças não só são reconhecidas, senão também, potencializadas. Alteridade vem justo para romper com aquele modelo do Outro controlado, excluído, tolerado. Construir relações permeadas de alteridade não é tarefa fácil, ainda mais em cotidianos que enxergam esse Outro/a como não-sujeito, mas é uma proposta ética na categoria do imperativo, e o âmbito escolar se apresenta como solo fértil para trabalhar essa proposta que implica muita responsabilidade. Alteridade e interculturalidade se abraçam epistemologicamente ao “reconhecer e responder à diversidade trabalhando com conhecimentos, valores, singularidades em contexto e perspectivas de pluralidade, onde pessoas convivem mas não se homogeneizam” (Cecchetti, 2007, p. 161). Trata- se desse reconhecimento do Outro/a (alteridade) e com a proposta da interculturalidade, humanizar as relações no âmbito escolar. A interculturalidade deve ser entendida como um novo paradigma, ela chega para deslocar o lugar das “certezas” e “as perguntas”, voltando ao que Fornet- Betancourt −desde a filosofia− denomina como “fragilidade dos mundos de vida”, mundo de vida que como trabalhamos no capítulo três alude aos múltiplos cotidianos. É um sair do universal, não negando esse universal, mas sim para dar destaque e importância à pluralidade e à diversidade que somos. Abandonar os projetos das certezas e voltar recuperando a fragilidade dos mundos de vida, recuperar “a dignidade epistemológica de um abraço, uma carícia...ante qualquer teoria. Essa proposta torna-se fundamental para a resolução e transformação de conflitos, tem que se colocar nessa empreitada mais do que temos esquecido, a saber: nossos sentimentos (Fornet-Betancourt, 2004, p. 12-18). Mundos de vida significam para a interculturalidade formas de experiência e cotidianidade. As perguntas epistemológicas surgem, precisamente, nesses mundos de vida, de aí a importância que adquire o contextual. A interculturalidade procura ver se pode ser tratado de uma outra maneira aquilo que a primeira vista parece contraditório e chocante, induze à procura de outras categorias: o simbólico, o ritual...de repente, busca aquilo que não se pode nomear. E no âmbito escolar, a pedagogia é solo fértil para esta proposta. Quando se fala de aquilo que não pode ser nomeado pensamos na redução que um nome (substantivo) coloca para a vida digna. Por exemplo, pensemos no substantivo casa,supostamente, quando falamos casa pensamos que a pessoa interlocutora sabe com exatidão sobre o que foi pronunciado, mesmo com a diferença idiomática que possa ter. No entanto, se a essa palavra, entendida no universal como o lugar onde podemos morar, colocamos o simbólico, colocamos a diversidade que contêm, muda completamente o sentido. Por quê?, pois porque as representações do “objeto” que vêm a nossa mente, quando falamos e quando escutamos, podem não ter nada a ver. Se é alguém ocidental falando com um esquimó, a representação vai ser totalmente diferente, a casa da pessoa ocidental seria parecida àquilo que conhecemos, já o esquimó vai pensar num iglu...nada a ver. Assim também, se pensamos na casa de alguém que more no centro em uma grande cidade e comparamos com alguém que more numa casa da mesma grande cidade, mas na periferia. O que a interculturalidade alerta é justo essa pobreza epistemológica em que somos educados, pensando que uma determinada palavra, substantivo, conceito “define por igual”, que diz por igual e que é entendido por igual. A interculturalidade faz uma crítica aos “nomes puros” porque nomes puros limitam (Fornet-Betancourt, 2004, p. 12-18). Buscando dignificar o cotidiano, e entendendo que a “teoria” tem sido proporcionada em doses elevadas nas últimas décadas e de maneira soberba, como se fosse uma orquestra sinfônica com um instrumento só, temos como desafio alcançar dinâmicas de reconhecimento que possam ir em prol da diversidade existente, que possam ir além da tolerância. Porque tolerar não vai além, e precisamos ir além. Que significa ir além da tolerância? Significa dialogar! Há três variáveis que podem dar dicas sobre esta questão desde a interculturalidade: o tempo, a ressonância e a nova universalização (Fornet- Betancourt, 2004, p. 12-18). As condições do nosso aceso ao tempo têm mudado e isso intervêm em todo nosso entorno cultural, não mais celebramos a vida, não mais vivemos. É como se precisássemos de mais 24h todos os dias. Isso mexe não só com nossa psiques senão também com nossa corporalidade. A Interculturalidade aponta para a necessidade de recuperar tempos de vida onde essa vida seja celebrada. Necessita-se recuperar o tempo social e cultural. Não estamos no mundo para produzir, não estamos no mundo para participar de uma competição acirrada (que descarta), como faz acreditar o mercado. Uma corrida louca por ter, para ser. Nesse mundo não há espaço para uma resolução de conflitos, há só “remédios paliativos”, há só “faz de contas”. Nesse mundo do mercado, e com a receita do mercado em prol da seletividade e o descarte, não há espaço para a transformação porque não há espaço para a vida (Núñez de la Paz, 2015, p. 61s). A ressonância entendida desde a interculturalidade tem notada importância para o diálogo, ela convida a ir além daquilo que temos como certo, aquilo que temos como verdade (quase sempre no absoluto). Um exemplo clássico do que a ressonância produz é a palavra/conceito “comunismo”, quando a escutamos pensamos em que? Qual a nossa reação? Qual a nossa certeza? Se temos que dialogar a partir dela, com qual verdade participamos do “diálogo”? Se escutamos Cuba, qual nossa ressonância? Se escutamos Colômbia, qual nossa ressonância? Se escutamos imigrantes, qual nossa ressonância? Ressonância não é eco, ressonância é aquilo que a palavra/conceito é capaz de produzir em nós (Núñez de la Paz, 2015, p. 61s). É o perigo da História Única, nas palavras de Chimamanda Adiche (2009). Por isso, é necessário dar espaço a polifonia das vozes, não há diálogo sem polifonia, e a ressonância faz o convite para que o leque seja aberto a fim de que quando se escute a palavra não se pense em singular, se pense em plural e se possa dialogar. Por todo o anterior, a Interculturalidade busca a criação de uma nova universalidade que parta de uma história argumentativa e que se sustente na comunicação como argumentação. A verdade admite pluralidade e não tem que ser totalitária. A verdade necessita entender-se como uma fundação, fundamentações abertas. Uma verdade que admita a polifonia e que se apresente contra toda totalidade. Uma verdade moderada que não esmague nem desautorize a pluralidade, as diferenças. Uma verdade que não se converta em dogma. O discurso e o diálogo precisam ocupar o primeiro lugar para depois saber quem pode ter ou não a razão. Uma razão que se complementa e se constrói a partir das múltiplas razões. O consenso precisa da alteridade, no consenso convergem as identidades. A aposta do interculturalismo é ativar a memória de todos os povos periféricos, é permitir que essa memória apareça, que não seja abafada. Só assim recuperamos as relações humanizadas, recuperamos a vida. 4.5. Democracia e cidadania: Educação para a Paz Democracia no Dicionário de Sociologia é definida como “governo do povo, um sistema social no qual todos dispõem de parcela igual de poder (...) no nível de organizações, comunidades e sociedades inteiras complexas, a democracia pura é muito rara. Em parte, isso se deve ao fato de que a definição de “todos” quase sempre exclui algumas partes da população” (Johnson, 1997, p. 66). Por outro lado, ressalta-se no dicionário: “quase todas as sociedades que descrevem a si mesmas como democracias políticas são, na verdade, democracias representativas, nas quais cidadãos elegem representantes que, na prática, detêm e exercem a autoridade política” (Johnson, 1997, p. 66). No entanto, preferimos falar de Democracia escolhendo, com toda intensão, a definição da filósofa espanhola Maria Zambrano, ela afirmou: “Democracia é a sociedade na qual não só é permitido, senão que é exigido ser pessoa” (Zambrano, 1988, p. 133), quer dizer, para que exista democracia plena precisa- se que cada habitante esteja na condição de pessoa. Mas, o que significa ser pessoa? “ser pessoa é algo mais que ser indivíduo, ser pessoa é o indivíduo dotado de consciência, é o ser humano que se conhece a si mesmo e se entende a si mesmo como valor supremo” (Zambrano, 1988, p. 103). Ser pessoa é o ser humano que se reconhece como sujeito de direitos e a partir desses direitos, e como sujeito deles, participa na construção da própria democracia. Podemos afirmar que existe alguma sociedade que possa ostentar a categorização de democrática? A democracia é um processo, é uma construção contínua, não é uma categoria dada, é construção permanente. Tomando como exemplo a questão da fome, esta tira dos seres humanos a condição de pessoas, não pode existir uma sociedade democrática se tiver algum de seus habitantes com fome, por não ter direito à alimentação, porque ter uma sociedade com fome é ter uma sociedade que nega a dignidade, que nega a vida. Afirmamos que democracia não é categoria dada, outorgada por uma lei, ou por um conjunto de leis, democracia é processo, é construção. E quem realiza essa construção, quem faz parte desse processo? Fazem parte unicamente as pessoas, pessoas com valor supremo, pessoas que possam ser cidadãs. O dicionário (Zambrano, 1988, p. 34) recolhe, cidadania é uma situação social que inclui três tipos distintos de direitos, especialmente em relação ao Estado: 1) direitos civis, que incluem o direito de livre expressão, de ser informado sobre o que está acontecendo, de reunir-se, organizar- se, locomover-se sem restrição indevida e receber igual tratamento perante a lei; 2) direitos políticos, que incluem o direito de votar e disputar cargos em eleições livres; e 3) direitos socioeconômicos, que incluem o direito ao bem-estar e à segurança social, a sindicalizar-se e participar de negociações coletivas com empregadores e mesmo o de ter um emprego. Enfim, democracia e cidadania estão imbricadas numa relação de interdependência, é a democracia a que permite que as pessoas possam ter a condição de cidadãs, e são as pessoas(todas) na condição de cidadãs as que vão a permitir que se dê o processo democrático, assim como, a possível instauração da democracia como sistema. Neste capítulo temos tratado temas transversais que são requisitos indispensáveis, ou imperativos para pensar em elementos ou caminhos que apontem ou permitam a transformação de relações de violência em relações humanizadas. Não podemos falar em trabalhar, criar ou implementar Programas de Resolução de Conflitos sem ter o conhecimento destes temas. É preciso que esses temas pautem nosso pensamento e nosso agir, só assim conseguiremos pôr em práticas tais Programas e suas técnicas, como a mediação estudada, entre outras. A seguir, e no intuito de fechar este ponto, vamos a estudar e pensar numa outra proposta educativa, uma proposta que tem seu cerne na recriação de relações de equidade para a humanidade toda. Convidamos a pensar de maneira mais detalhada ao que se faz referência quando se fala que a escola, o âmbito escolar, é lugar distintivo no empenho de educar para a paz (Pro Paz Educação, 2006, p. 34), a escola é um recorte da sociedade, marcado pela diversidade. Precisa, pois, tornar- se um espaço no qual as gerações se encontrem, se conheçam, se entendam e se aceitem como partes de um todo humano e social indivisível e formem entre si parcerias indispensáveis para a transformação do mundo. É a comunidade escolar o lugar privilegiado da educação para a paz, quando educa para a mudança das atitudes que sustentam a violência; quando promove a integração dentro da escola e vínculos com a comunidade do entorno, quando dinamiza a vida cultural do bairro por meio de projetos como a abertura da escola em finais de semana para atividades culturais, lazer, esporte, arte e educação profissional; e quando intensifica a participação de jovens em projetos comunitários e parcerias institucionais para o desenvolvimento de todos estes empreendimentos. (...) A experiência mostra que a construção da cultura de paz nasce do protagonismo dos alunos, sejam crianças, adolescentes ou jovens. A participação amadurece as relações grupais e sociais. Sentir-se protagonista aumenta a autoestima e a segurança e desenvolve as habilidades sociais e a capacidade de exprimir ideias e sentimentos. Além disso, reforça valores como responsabilidade, solidariedade e participação, porém esse exercício deve ser nutrido pelos educadores por meio da não-violência e do diálogo. Formas de estimular a cultura de paz na escola (Pro Paz Educação, 2006, p. 35s): 1.Encontro entre pessoas dos setores e organizações internas, para que identifiquem sua função e a importância de seu papel, objetivando as contribuições necessárias para um melhor exercício de sua missão. 2.Conhecimento e valorização dos preceitos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3.Utilização da rede de serviços públicos e ações articuladas com instituições que defendem os Direitos da Criança e do Adolescente. 4.Envolvimento das organizações internas da escola: Conselho Escolar, Grêmio Estudantil, Associação da Família, identificando ações existentes para integrá-las por meio de parcerias escola/comunidade. 5.Atividades cooperativas entre escolas. 6.Atividades Escolares, como pesquisas sobre a vida de pessoas que contribuem para a construção da Cultura de Paz. 7.Inclusão dos eixos temáticos de Projetos Pro-Paz nas disciplinas, por meio dos temas transversais e das atividades socio-educativas, esportivas e de lazer, com alunos e seus familiares. A paz requer um processo coletivo, dinâmico e participativo em que se promova o diálogo e se solucionem os conflitos num espírito de entendimento e cooperação. Ela não virá por um decreto de poderosos, nem mesmo como consequência da ação de militantes pacifistas; a Paz terá de ser fruto do desejo e vontade das pessoas. 4.6. Conclusão Com todo o que até aqui foi trabalhado podemos resumir destacando que no capítulo 4 há uma ênfase no eu, uma ênfase necessária. No conflito, habitualmente, falamos mais do você, do ele/a, do outro/a, pessoa que em certa medida é responsável pela situação em que estamos (segundo nossa compreensão ao ser parte do conflito). Neste capítulo cada um dos temas transversais nos leva a destacar o eu, mas para nada de forma individual ou central, é um eu sempre em relação. Um eu que entende esse valor supremo da pessoa, valor supremo não de um grupo determinado ou de um país determinado, ou de uma região determinada do planeta; valor supremo que coloca esse eu, pessoa, constantemente em relação, um: eu sou porque você é, e você é porque eu sou. Só nessa compreensão de valor supremo de todas as pessoas, de Maria Zambrano, podemos pensar a resolução e a transformação das relações. Só nessa compreensão podemos pensar em uma vida com dignidade para toda a humanidade. 4.7. Bibliografia recomendada Andrade, M.C. de M. (2004). Cidadania, Cultura e Diferença na Escola. 26ª Reunião Anual da Anped. Recuperado de: http://26reuniao.anped.org.br/tpgt08.htm Cultura de Paz, perdão e valores humanos: um desafio Protestantismo. V.40, 2016, p. 29 - 38. Recuperado de: http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp/article/view/2556 Branco, C. (2004). A ONU e o processo de resolução de conflitos: potencialidades e limitações. In Publicações do Instituto Português de Relações Internacionais da http://26reuniao.anped.org.br/tpgt08.htm http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp/article/view/2556 Universidade Nova de Lisboa, (2 de dezembro). Recuperado de: http://ipri.pt/images/publicacoes/revista_ri/pdf/r4/RI4_CMB.pdf Bicalho de Sousa, N. H. (2019). As pesquisas para a paz e os direitos humanos e a promoção da cultura de paz no ambiente escolar. Revista Com Censo #18, volume 6, número 3 agosto. Recuperado de: https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=9935583045285831919&hl=pt- BR&as_sdt=0,5&as_ylo=2019>. Acesso em 10/09/2019 5. Retomando Experiências de transformação Objetivos Identificar temas geradores de conflitos na modernidade. Destacar a Importância de trabalhar com “outras” formas de Pedagogia. Reconhecer outras formas de mediação de conflitos no Âmbito Escolar. Propor a Transformação como processo continuo no cotidiano. 5.1. Introdução Iniciamos o Capítulo V denominado “Retomando Experiências de Transformação”. Estas experiências partem de Projetos concretos que são implementados antes de que o conflito se manifeste num determinado contexto, ou melhor, sabendo que há no cotidiano elementos culturais que precisam ser descontruídos para reconstruir a partir de uma nova perspectiva de vida, a partir de outros valores. Com esse intuito têm sido trabalhadas estas temáticas que agora apresentamos: 1. Diálogo inter-religioso, 2. Construção de novas relações de gênero, 3. Fomento de uma cultura de Paz, 4. Enfrentamento à violência contra a mulher e à violência doméstica. O propósito deste capítulo não é somente tomar conhecimento destas temáticas, mas sim, como estudantes desta matéria, possam conhecer detalhes: tema a ser trabalhado, instituições que fomentam essa implementação/transformação, e o passo a passo da execução; a fim de que, respeitando os diferentes cotidianos escolares onde estão inseridas/os, possam fazer destas experiências Projetos de Mediação e Transformação. É necessário socializar conhecimentos e experiências, transformação implica um trabalho coletivo, um trabalho em rede, e nossa rede, em prol da paz, deve ser planetária. http://ipri.pt/images/publicacoes/revista_ri/pdf/r4/RI4_CMB.pdf https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=9935583045285831919&hl=pt-BR&as_sdt=0,5&as_ylo=2019%C2%95.%20Acesso%20em%2010/09/2019 https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=9935583045285831919&hl=pt-BR&as_sdt=0,5&as_ylo=2019%C2%95.%20Acesso%20em%2010/09/2019 Para pensar...“Sabemos mais do que acreditamos, podemos mais do que imaginamos”. José Saramago 5.2. Diálogo Inter-religioso: Cartilha Diversidade Religiosa e Direitos Humanos Muita da literatura que existe em relação ao tema da resolução e transformação de conflitos, e assim também em relação à convivência das variadas religiões fazem uso da palavra/conceito “tolerância”. Autores e autoras desta linha acreditam que tolerar seria a ação chave para manter relações sadias. Partem também da compreensão de que, quando opiniões são muito divergentes, tolerar significaria uma maneira de “entrar em consenso”. Nossa compreensão não faz parte desta linha de pensamento e atuação. Temos, portanto, uma outra compreensão da palavra e do que ela pode representar. Quando “toleramos” não estamos abertos ao Outro/a, estamos simplesmente achando que, desde nosso lugar de superioridade, em relação ao assunto a tratar, damos uma oportunidade a esse Outro/a de que se expresse. Quando “toleramos” praticamente não escutamos esse Outro/a porque temos absoluta certeza que não há nada para aprender. Na tolerância há cordialidade, há educação, há boa vontade, pode haver até respeito, mas não há reconhecimento dessa outra pessoa, ou grupo, não há reconhecimento da diversidade que somos, não há reconhecimento de que a vida digna não é para um grupo ou espécie (de maneira seleta) e sim para todas as pessoas. Em troca dessa tolerância se propõe o diálogo, e para justificar essa escolha, sugerimos pensar em todos os temas abordados no capítulo IV. Esses temas não podem ser apreendidos desde a tolerância, só o diálogo e o reconhecimento permitem uma nova forma de vida, novas relações, nova convivência, permitem a transformação. Quando estamos perante uma situação de conflito, sempre haverá uma parte que não deseja dialogar, pode até aceitar tolerar, mas dialogar não. Essa atitude tem dissimiles embasamentos. Quando fazemos uso de técnicas de mediação que tenham sustentação na tolerância estaremos resolvendo a situação de maneira paliativa, quiçá dando solução a essa situação de maneira específica e por um tempo determinado. Fomentar o diálogo nos processos de mediação se torna mais difícil mas traz soluções mais duradouras, soluções que produzem uma transformação. É nelas que apostamos. O Diálogo “é instrumento para a concretização da fraternidade e se apresenta como uma necessidade permanente. Na medida em que se torna prática, requer dos dialogantes abertura e espaço. O diálogo só se realiza quando se dá espaço para a singularidade do outro. Assim, o diálogo possibilita uma comunicação e um compartilhar de vida, de experiência e de fé” (Stürmer, 2008, p. 55). Especificamente o diálogo Inter-religioso (Teixeira, 2000, p. 149), é, sobretudo, um ‘ato espiritual’, cujo motor essencial é o amor. (...) Trata-se de uma “viagem comum”, fraterna, (...) Reduzi-lo a mera estratégia ou plataforma para a conversão é deixar de compreendê-lo no que tem de mais profundo e essencial. Os outros com os quais se dialoga deixam de ser estrangeiros ou estranhos e passam a ser os “nossos amigos”. Stürmer (2008, p. 55s) ainda sobre o diálogo inter-religioso aponta, O grande desafio está em favorecer um espírito de abertura para compreender esta realidade diversificada, rompendo com qualquer resquício de intolerância, o que não significa abdicar de nossa identidade religiosa singular, condição fundamental para qualquer processo dialogal, nem renunciar à consciência crítica para avaliar os limites presentes nas experimentações em curso, até na nossa. É contra essa tendência, veiculada nos diversos fundamentalismos, que se impõe, hoje, o imperativo de pensar no diálogo inter-religioso como condição de possibilidade para um mundo mais pacífico e mais solidário (...) O reconhecimento do pluralismo de direito é condição essencial para o verdadeiro diálogo inter-religioso (...) Diálogo inter-religioso enquanto experiência que motiva não apenas o mútuo conhecimento entre tradições religiosas distintas, mas igualmente o seu recíproco enriquecimento. Para que o diálogo aconteça, em primeiro lugar é necessária a consciência da vulnerabilidade e dos próprios limites. Reconhecer que a verdade não é uma posse garantida, mas fruto de uma experiência de caminhada comum, de partilha e de busca permanente. Conflitos religiosos estão presentes no cotidiano escolar e comunitário, quase que de maneira simultânea, um vai potencializando o outro. Várias tradições religiosas fazem da crítica e demonização de outra denominação ou religião quase que fundamento. É sobre esse tipo de comportamento e manipulação que devemos falar e estar alertas. Nenhuma religião é melhor ou pior que outra, nenhum sagrado pode ser demonizado. A seguir, compartilhamos um exemplo de como estas situações podem acontecer. Uma senhora que participava de um encontro de formação aproveitou a aula de diálogo inter-religioso para perguntar sobre algo que estava acontecendo. Membro de uma igreja evangélica, recebia incriminação do pastor pelo fato de que ela comprava o pão na padaria da vila onde morava, sendo que a dona da padaria era uma mãe de santo. Por esse motivo, o pastor falava que ela estava em pecado. Se sentindo muito aflita, essa senhora trouxe, por vários encontros, sua preocupação (pois se achava em pecado), assegurando que não tinha como deixar de comprar pão para as crianças e que era essa a única padaria da vila. A professora tentando resolver, conversou com ela e propôs que falasse com o pastor colocando sua justificativa: “tinha que dar pão para as crianças e essa era a única padaria”, acrescentando que “não tinha dinheiro para ir até outro bairro para comprar”. A sugestão da professora foi que ela pedisse ao pastor que a ajudasse a “não pecar”, que ele podia comprar o pão diariamente para ela ou dar o dinheiro para o ônibus (ida e volta) a fim de que ela pudesse comprar num outro lugar. Feito isso, o pastor nunca mais fez referência ao tema, muito menos falou em pecado. Essa história não é hipotética, ela é real. São esses comportamentos, em nome de uma fé sem fundamento, ou com fundamentos errados, que minimizam e destroem a vida digna e a convivência. São esses comportamentos que devemos apontar e tentar erradicar. A esse tipo de líder religioso diríamos: afirme suas convicções, discurso e fé no amor, e não tome o ódio como embasamento. Se para ter fé e seguir sua fé, você precisa massacrar a outra pessoa, demonizar a outra pessoa, revise sua crença e sua forma de viver a fé porque ela não está certa. Assim também nossas cidades, comunidades, países estão permeados por fundamentalistas que se acham no direito de destruir o sagrado de outras pessoas em nome de um “tal demônio” inexistente, que podíamos afirmar, com toda convicção, que só habita neles mesmos. Seguindo essa linha de denúncia e, principalmente, no intuito de anunciar outro tipo de relações mais sadias foi que a Secretaria de Direitos Humanos do Brasil lançou a cartilha da Diversidade Religiosa e Direitos Humanos e muitas outras entidades religiosas, e não religiosas, tem feito uso dela para promover o diálogo e a paz. CARTILHA DIVERSIDADE RELIGIOSA E DIREITOS HUMANOS O Estado brasileiro é laico. O que caracteriza o Estado laico é sua imparcialidade em relação às religiões. A laicidade do Estado não se contrapõe à religião, mas este tem o dever de assegurar a pluralidade religiosa. A laicidade é a garantia de espaços democráticos onde se articulam as diferentes filosofias particulares em todos os âmbitos da esfera pública e a garantia da liberdade de consciência, de crença e de culto. Diz o artigo 5º, inciso VI, da Constituição: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultoe a suas liturgias. A liberdade religiosa é um dos direitos fundamentais da humanidade, como afirma a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual somos signatários. Estado laico não significa Estado ateu ou intolerante à liberdade religiosa, mas a laicidade do Estado permite que cada pessoa decida se quer ou não seguir alguma crença religiosa. Isso significa que o Estado brasileiro tem o dever de tratar com igualdade as diferentes religiões e crenças e não deve se manifestar por meio de seus órgãos e estabelecer preferências ou privilégios em favor de alguma religião em particular, conforme disposto no Artigo 19 da Constituição Federal. Mas tem o dever de garantir que todas as religiões possam conviver em igualdade, que as escolhas individuais sejam respeitadas, que ninguém seja perseguido ou discriminado por sua crença e que o espaço público seja assegurado como espaço de todos e todas. Uma Constituição laica é justamente a que reconhece o direito de religiosos e não religiosos, de ateus, agnósticos e de entidades filosóficas humanísticas. A comunidade humana é ricamente composta pela diversidade. E é nessa diversidade que as pessoas tem o direito de viver com dignidade e serem respeitadas em suas singularidades e escolhas e de desfrutar de todas as oportunidades políticas, educacionais, culturais, econômicas e sociais do país. A pluralidade, constituída por várias etnias, culturas, religiões, identidade de gênero, diversidade linguística, se consolida a partir do pressuposto de que todas as pessoas são consideradas iguais, a partir de seus locais de cultura, cada qual com suas diferenças. Viver na diversidade requer um aprendizado para a convivência na pluralidade e um exercício permanente de respeito à dignidade e os direitos humanos. Discriminar nossos semelhantes porque estes pensam de forma diferente, tem cultura, religiosidade e convicções diferentes é desrespeitar seu direito humano de ser o que são. A liberdade religiosa não dá direito de ninguém se sobrepor sobre as demais religiões como se a própria escolha individual fosse a única verdade religiosa possível e que a escolha das demais pessoas fosse menos importante ou não passível de ser respeitada. O desrespeito tem gerado situações de intolerância e violência religiosa. No Brasil, a intolerância religiosa não produz guerras, nem matanças como em outros países. Entretanto, muitas vezes, o preconceito e a intolerância estão presentes no nosso contexto e se manifestam pela humilhação imposta para com aquele que é “diferente”. Outras vezes, o preconceito se manifesta pela violência. No momento em que alguém é humilhado, discriminado, agredido devido a sua cor ou a sua crença, ele tem seus direitos constitucionais, seus direitos humanos violados. O Programa Nacional dos Direitos Humanos tem como referência o diálogo entre as pessoas e as diferentes tradições para a construção de uma sociedade pluralista, independente da sua religiosidade, incluindo ateus e não religiosos. Para tanto, prevê ações programáticas com base no reconhecimento e no respeito às diferenças culturais, às diferentes crenças e convicções e à diversidade religiosa, à liberdade de culto, à garantia da laicidade do Estado e à superação da intolerância religiosa. A presente cartilha, Diversidade Religiosa e Direitos Humanos é o resultado de uma diversidade cultural religiosa que, por meio do processo democrático constitucional de laicidade, reconhece o direito de minorias e maiorias de modo a possibilitar uma sociedade mais justa e equânime na garantia de seus direitos. Esta cartilha faz parte de muitas ações de homens e mulheres de diferentes crenças, que, com suas palavras e seus atos, pretendem construir um país, um mundo melhor. Um país e um mundo em que ninguém sofra ou pratique injustiça contra seu semelhante. Um mundo e um país de todos, cujas desigualdades sociais sejam minimizadas e subtraídas a partir de uma cultura de paz, de diálogo e de respeito mútuos entre todas as pessoas. (NUNES, 2013, apresentação). Entidade Preconizada no Congresso Nacional, criada por vontade parlamentar, a Fundação Joaquim Nabuco despontou no cenário brasileiro em 1949, pelo esforço e iniciativa do então deputado federal constituinte Gilberto Freyre, que defendeu na tribuna a criação de um centro de estudos sociais no Nordeste brasileiro (https://www.fundaj.gov.br/index.php/carta-ao-cidadao). Assim, se ergueu na cidade do Recife, após plenárias acirradas, o Instituto Joaquim Nabuco, instituição dedicada ao estudo sociológico das condições de vida do trabalhador brasileiro da região agrária do Nordeste do País nos seus amplos aspectos: sociais, econômicos e culturais. O IJN −denominado Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS) na década de 1960− foi constituído, originariamente, como órgão administrativo do Ministério da Educação e Saúde. Em 1980, o Instituto passa a ser Fundação, amplia a sua área de atuação, abrangendo também a região Norte do Brasil, e apresenta dentre outros objetivos gerais: Promover a execução de estudos, pesquisas, planos e projetos destinados à compreensão da realidade socioeconômica e cultural das regiões que constituem sua área de atuação, com vistas à melhoria das condições de vida do homem brasileiro, especialmente do trabalhador rural, difundindo os seus resultados; Preservar os valores histórico-culturais, promovendo a documentação em suas múltiplas formas, inclusive a museologia, pesquisando, estimulando e difundindo manifestações culturais regionais; Dispensar, no seu campo de atividades e sempre que possível, assistência educacional gratuita a estudantes carentes. Nos anos de 1990, a Fundação elege sete áreas temáticas para desenvolver as suas atividades: Cultura e Identidade; Pensamento Social no Brasil; Estado, Cidadania e Atores Sociais; Gênero, Família e Idade; Desenvolvimento Regional e Urbano e Políticas Públicas; População e Exclusão Social; Sociedade, Agricultura e Meio Ambiente. A partir de 2003, inicia-se um processo de maior aprofundamento do vínculo institucional da Fundação com o Ministério da Educação, por força do desafio que a população brasileira impôs ao Governo Federal de promover profundas mudanças no modelo de desenvolvimento em https://www.fundaj.gov.br/index.php/carta-ao-cidadao vigor, as quais passaram a exigir educação de qualidade para todos os brasileiros, urgência na redução da pobreza e das desigualdades sociais, redução dos desequilíbrios regionais, maior distribuição de renda, melhores oportunidades de trabalho, e ambiente com sustentabilidade. A Fundação Joaquim Nabuco reafirma o seu compromisso de contribuir para a construção de novos e duradouros caminhos, que conduzam, sobretudo, ao desenvolvimento sustentável da Região Nordeste do País, buscando integrá-la ao contexto nacional. A Fundação se insere no processo de formulação e execução de políticas públicas voltadas ao pleno exercício da cidadania, no sentido mais abrangente, mediante ações de pesquisa, de formação de pessoal, cultura e preservação do patrimônio histórico material e imaterial. Tendo, portanto, a missão de produzir, acumular, difundir e ensinar conhecimentos; pesquisar, preservar e difundir a memória coletiva da sociedade brasileira; promover atividades científicas, culturais e educativas, buscando o avanço da sociedade brasileira nas conquistas sociais, educacionais, políticas e econômicas. Para tanto, expôs os seguintes objetivos a serem perseguidos: comprometer-se com a mudança processada no País e com os objetivos do Ministério da Educação (MEC); promover a inclusão social e servir à sociedade, tornando-se aliada ao esforço de desenvolvimento nacional integrado; subsidiar a formulação de políticas públicas; e organizar sistema de informações e disponibilizar o acervo, favorecendo a democratização do conhecimento. Projeto:Oficina Deliberativa A oficina deliberativa é uma técnica de mediação de debate sobre temas controversos, com ampla utilização internacional, inclusive por governos (Escócia, Austrália, Canadá, etc.), centrada na participação e no engajamento em um processo de deliberação que, embora não comprometa as pessoas individualmente, pode dar origem a alguma forma de mobilização ou ação coletiva por iniciativas dos próprios participantes. Cada oficina deve envolver entre 20 e 30 pessoas, idealmente, sem contar o pessoal treinado para a coordenação e execução. O momento inicial da oficina envolve uma apresentação de aproximadamente 40 minutos que apresente um panorama informativo e analítico do tema a tratar (isso será feito pela coordenação). Depois se fará a discussão em pequenos grupos. Em termos de pessoas, precisa montar, localmente, uma equipe para cada tipo de oficina (com um tema específico a tratar), e deve ter as seguintes características: a)Um interlocutor acadêmico local que atuará como co-organizador. b)Gente com perfil acadêmico ligado ao tema e que possa participar da oficina como mediadora e, posteriormente, com acesso aos dados, se disponham a escrever um artigo sobre um aspecto que desejarem explorar. É preciso de 2 ou 3 dessas pessoas. Como mediadoras de pequenos grupos, essas pessoas não participam da discussão/diálogo, devendo-se ater a facilitar o debate e mantê-lo dentro das tarefas solicitadas. Já no plenário, elas podem se manifestar, contanto que não inibam os participantes “não-acadêmicos”. c)Pessoas com boa capacidade de observação e escrita – se precisa de 8 pessoas que possam fazer o registro de diferentes momentos da oficina - 2 para secretariarem os momentos de plenário; 3 para secretariarem os pequenos grupos; 4 para realizarem a observação da dinâmica interativa dos grupos (registro do comportamento no momento da fala, se há pausa, voz cortada, riso, choro, etc.) e do que aconteça no plenário (atuam como auxiliares da grande plenária). Nenhuma dessas pessoas participa de qualquer discussão durante a oficina dos grupos. Esses registros devem ser encaminhados à coordenação dentro de, no máximo, uma semana após a realização da oficina. Em termos de espaço, se precisa de uma sala principal, com capacidade mínima para 30 pessoas, e duas salas de apoio, com capacidade para 8-10 pessoas. Se a sala principal for bem maior (digamos, para 100 pessoas) e não tiver outras, podemos acomodar os grupos numa única sala, mas isso não seria o ideal, porque cria muito ruído para efeito de gravação. Logo ao final da oficina, se fará uma reunião com toda a equipe que esteve envolvida, para avaliação e planejamento do acesso aos dados e da publicação. Toda oficina será filmada (plenários e tomadas nos grupos) e, também, gravada em áudio (nos pequenos grupos). Nesse caso, uma equipe de filmagem e equipamentos da Fundaj, participa junto. Resgatando a experiência de implementação no cotidiano A temática a tratar foi o diálogo inter-religioso, a escolha se deu a partir do debate existente em quanto ao abate de animais para rituais sagrados das religiões afro-brasileiras. Era um tema a ser votado em âmbito federal e estava produzindo muito enfrentamento a nível local. Como a Fundação Joaquim Nabuco tem experiência no trabalho com esta técnica de mediação, oficina deliberativa, e também, domínio da temática em questão, foi convidada a auxiliar no processo. O local do encontro foi o Instituto de Ética da Faculdades EST. A oficina iniciou com a projeção do vídeo que acompanha a Cartilha produzida pela Secretaria dos Direitos Humanos1. Seguidamente, a pessoa escolhida fez a apresentação da temática no grande plenário, pelo fato desta pessoa fazer parte do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, não só dominava o assunto como também tinha dados muito atualizados do debate a nível federal. Após esta arguição inicial as/os participantes (30) foram divididos em grupos de 10 (formando três grupos de trabalho). Para esta divisão, o critério foi que cada grupo ficasse com uma representação variada das diferentes denominações e religiões presentes. A segunda parte da manhã e a primeira da tarde foi dedicada ao trabalho/diálogo nos grupos. Cada pessoa participante tinha o direito de colocar sua opinião e estabelecer o diálogo a partir da sua percepção. No início se falou a partir dos dados, a favor ou em conta da proposta de lei, mais tarde o diálogo tocou questões específicas do município e Estado em que se estava celebrando a oficina. Nesse segundo momento já dava para sentir um clima mais ameno no debate, com menos “desconfiança daquilo que posso falar” perante esse Outro/a, quer dizer esse Outro/a deixava de ser “estranho”. Na segunda parte da tarde, voltando os grupos ao plenário, foi colocado novamente o vídeo, inaugurando com ele a atividade. Num primeiro momento, cada grupo, com pessoas anteriormente escolhidas pelo coletivo, foram apresentando as grandes linhas trabalhadas, os pontos de encontro e desencontro no diálogo. Esses registros ficavam expostos num canto do salão, isso para que em um breve intervalo as pessoas participantes conseguissem fazer a leitura −ter uma outra apropriação das falas− circulando entre os cartazes. Num segundo momento, também no plenário, fizeram-se propostas de ações conjuntas consideradas necessárias para dar continuidade com este diálogo no município, na região e no estado. Aqui incluída a abordagem a lideranças religiosas que não estavam presentes, no intuito de convidar para outros momentos de diálogos. Os relatos, atas, memorias e filmagens deram lugar a artigos sobre o tema, mas principalmente, a um documento em que se levantaram questões locais e se fizeram propostas a partir delas. Esse documento foi encaminhado para a comissão que trabalhava na criação da proposta de lei, para diferentes grupos ecumênicos e inter-religiosos do município e região, assim como, também, para professoras e professores de ensino religioso da rede pública (que também participaram deste encontro). Oferecendo, dessa maneira, não só a continuidade do diálogo e sim o trabalho conjunto destas lideranças em prol de uma causa que atinge toda a comunidade, a saber: a religião no espaço público. 5.3. Projeto Juventude tramando contra a violência de Gênero Gênero e Relações de Gênero Como nos tornamos homens e mulheres? É uma construção? Nascemos do sexo masculino ou do sexo feminino, mas nos tornamos homens ou mulheres por uma questão cultural. Ser homem ou mulher, além das características biológicas, vai depender de uma série de qualidades, papéis e atributos que a sociedade tem construído e nos impõe. Ou seja, somos educados de determinado jeito e, de acordo com isso, se espera do menino, da menina, do homem, da mulher, determinadas condutas e papéis com qualidades próprias do masculino e do feminino, isto é o que chamamos de gênero. Dessa forma, falar de gênero masculino ou feminino é diferente do que falar do sexo masculino ou feminino. A palavra sexo define nossas características biológicas e gênero define nossas características culturais adquiridas (identidade de gênero). A identidade de gênero é culturalmente construída, indo além da condição biológica. Logicamente, como não vivemos isolados, senão que vivemos com outras pessoas, em sociedade, nos relacionamos constantemente e são essas relações as que chamamos de: relações de gênero. Tais relações estão sempre pautadas por uma lógica de poder. Nestas relações distinguem-se os papeis do homem e da mulher: •Família •Escola •Instituições Religiosas •Trabalho •Organizações públicas e privadas •Na aplicação da lei As relações sociais atribuem determinados jeitos de ser aos homens e as mulheres, e fazem essas atribuições como se fossem da sua natureza(naturais), mas na verdade são características culturais (construídas, transmitidas e exigidas pela sociedade), como exemplo: pensar que a mulher é frágil ou que homem não chora. Muita gente pensa erroneamente que falar de gênero e de relações de gênero é falar de mulher. Falar de gênero e de relações de gênero não é falar “só” de mulher, mas sim de jeitos de ser, de relações entre homens e mulheres, de todas as relações: as sociais, culturais, econômicas, políticas e até as religiosas. Resumindo, Gênero É uma categoria de análise que permite entender o fenômeno histórico, a construção social, a maneira de como “fomos feitos” homens e mulheres para vivermos em sociedade. As relações de gênero, neste sentido, são relações sociais e são uma construção cultural. Relações sociais O jeito que homens e mulheres se relacionam Construçâo cultural Valores que são passados pela cultura, pela sociedade, pela comunidade, pela família, pela escola, pela religião, entre outras. Exercemos violência quando, •As relações entre as pessoas (relações de gênero) são desiguais (no trabalho, em casa etc.); •Uma pessoa, ou um grupo de pessoas, exerce poder sobre a(s) outra(s) (pessoa; grupo); •Impedimos as pessoas de exercerem seus direitos (de ir e vir, estudar, trabalhar etc.); •Obrigamos, não respeitamos, e somos autoritários/as. As pessoas que vivem em situação de violência têm, •Sérios problemas de saúde; •Dificuldades de relacionamento social; •Dificuldades de aprendizado; •Baixa autoestima (algumas vezes desenvolvem ideias suicidas, em outras revivem maus- tratos da infância que desencadeiam outros riscos). Existem diferentes tipos de violência, •Violência Doméstica: ato de violência que acontece no ambiente de casa, da família, do lar ou com pessoas que convivemos mais de perto e cotidianamente, tendo como consequências danos físicos, sexuais, econômicos, patrimoniais, morais ou psicológicos. •Violência Sexual: dano por meio de força física e psicológica que obriga a outra pessoa a executar ato sexual contra sua vontade. A violência ocorre em uma variedade de formas e situações, podemos citar: o sexo forçado no casamento, o abuso sexual infantil ou adulto, o assédio sexual, insinuações constrangedoras e outras. •Violência Física: dano por meio da força física, ou algum tipo de arma, podendo provocar ou não, lesões externas, internas ou ambas. •Violência Psicológica: causa dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa pelas desqualificações, humilhações e ameaças que recebe. •Violência Econômica ou Patrimonial: são todos os atos que afetem a saúde emocional e a sobrevivência dos membros da família. A pessoa sofre violência econômica quando for impedida de trabalhar e não ter, ao mesmo tempo, a garantia de sua sobrevivência, ou se seus pertences forem destruídos (documentos pessoais, roupas, aparelho de telefone, móveis etc.). •Violência Moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. •Violência Institucional: é aquela exercida nos/pelos próprios serviços públicos ou instituições de âmbito social, religioso ou privado. Pode incluir desde a dimensão mais ampla da falta de acesso ou até a qualidade dos serviços. Alguns sinais e sintomas psicológicos de violência na criança e adolescente, •Aversão ao contato físico, apatia ou carência afetiva; •Dificuldade psicomotora; •Transtorno do sono ou da alimentação; •Episódios de medo e pânico; •Isolamento, depressão e baixa autoestima; •Conduta agressiva e irritabilidade; •Agitação psicomotora; •Baixo nível de desempenho escolar; •Faltas e evasão da escola; •Fugas de casa, mentiras e furtos; •Choro fácil; •Abuso de medicamentos ou drogas; •Interesse em brincadeiras sexuais ou aversão a qualquer atividade de conotação sexual; •Comportamento regressivo, autodestrutivo e submisso. Alguns sinais e sintomas físicos de violência na criança e adolescente, •Contusões; •Hematomas; •Marcas de queimaduras; •Fraturas; •Transtornos geniturinários; •Subnutrição ou desnutrição. Entidade O Centro Ecumênico de Capacitação e Assessoria – CECA nasce em 1973 marcado pela ditadura militar no Brasil. Ele se constitui como um Centro de Formação de Agentes de Pastorais gestado para ser o suporte, apoio e animador de todos os movimentos populares, em especial das Comunidades Eclesiais de Base - CEB´s no Rio Grande do Sul. Para tanto se apoiaria em dois pilares: evangelização e catequese, ambos deveriam andar juntos e tinham como matriz teórica a metodologia da Educação Popular de Paulo Freire e a Teologia da Libertação. Através dos cursos oferecidos, muitas lideranças foram capacitadas para se opor à ditadura, criando espaços de resistência e transformação social. O processo político foi mudando e o CECA tornou-se uma referência não só para as Igrejas, senão também para diversas instituições e movimentos sociais organizados. Anos mais tarde, em meio à complexidade dos novos desafios, as organizações não-governamentais tiveram que rever seus paradigmas teóricos e metodológicos de intervenção social. O CECA, inserido nesse processo, começou a refletir e a implementar novos modelos de práxis, optando por três linhas ou eixos de ação: ecumenismo, gênero e direitos humanos. Há quatro Projetos fixos que a entidade mantém, a saber: a Escola de Feminismo, a Escola de Cidadania, o Projeto Acesso Popular à Justiça que forma Promotoras Legais Populares e o Projeto Juventude Tramando contra a Violência de Gênero. Projeto Juventude tramando contra a violência de Gênero O Projeto “Juventude tramando contra a violência de Gênero” tem como objetivo geral contribuir para a prevenção e redução da violência de gênero, refletindo com a juventude das escolas sobre a necessidade e a possibilidade de se estabelecer novas relações pautadas no diálogo e no respeito mútuo. É um Projeto muito importante na medida em que fornece informações e propõe alternativas de mudança como resposta a uma das principais problemáticas que assola o nosso Estado e país, que é a violência de gênero. O enfrentamento à problemática da violência é trabalhado em parcerias com escolas, públicas e particulares, por meio de oficinas que fazem uso da metodologia da Educação Popular. Cientes de que é necessário apostar no caráter preventivo e na possibilidade de iniciar um novo processo de relações de gênero desde a formação da pessoa, revendo e desconstruindo valores e compreensões simbólicas do que é masculino e feminino e, também, as relações que se estabelecem nos âmbitos público e privado. Os objetivos específicos deste Projeto são: 1. Proporcionar maior informação à juventude sobre os conceitos violência e violência de gênero; 2. Realizar oficinas com jovens das escolas, públicas e privadas, esclarecendo e prevenindo sobre as diversas formas de violência de gênero na escola, família, comunidade e sociedade; 3. Despertar nas/nos adolescentes e jovens o interesse por uma nova cultura de relacionamento entre as pessoas baseada no diálogo, no respeito e na valorização da humanidade. Com este espaço de formação se providenciam encontros de debate em torno do tema Violência de Gênero, rompendo com o silêncio que quase sempre se estabelece e com uma postura de naturalização das mais dissimiles situações de violência. As escolas são desafiadas a assumir, de maneira concreta, o seu compromisso com a formação cidadã, onde as relações humanas devem ser pautadas no diálogo e na equidade. Nas oficinas são trabalhados vários tópicos temáticos, entre eles: •Gênero como ferramenta de transformação cultural; •Você sabia que... (Apreendendo conceitos: patriarcado, machismo, androcêntrismo, sexismo, feminismo); •Análise de Gênero a través da música que conhecemos, cantamos e dançamos; •Violência no cotidiano escolar: bullying e cyberbullying; •Violência contrajovens desde um recorte étnico/racial; •Violência doméstica na perspectiva de gênero; •Juvenilização da Epidemia de HIV e AIDS; •Gênero, publicidade e mídia; •Juventude transformadora: vamos junt@s, eu digo sim! Resgatando a experiência de implementação no cotidiano As oficinas acontecem, geralmente, numa turma determinada da instituição escolar que contata o CECA, tentando que participem 30 estudantes como máximo. Falamos geralmente porque há oficinas, com um teor diferente na questão metodológica, em que o público é bem maior, nessas se trabalha nos auditórios ou no salão de esporte (quase sempre em datas especiais). No entanto, a preferência é por pequenos grupos, pois esses grupos permitem uma maior participação e engajamento de estudantes. As assessorias são feitas em duplas ou trios, por pessoas conhecedoras da temática em questão e formadas por CECA na metodologia da Educação Popular. Essas duplas, ou trios, montam uma oficina específica para cada assessoria, pois nelas não só vai ser levado em conta a temática, senão também os dados que em relação ao tema, ofereça a própria instituição, o bairro e o município de pertença de quem participa. Por isso, logo após o contato da instituição com CECA, se faz uma primeira visita, que forma parte do Projeto, e que denominamos “acertando os ponteiros”. Nela participam a coordenação da escola, professoras/es e duas pessoas da diretoria de CECA. As/os professoras e professores sempre são convidados a participar das oficinas de formação, mas tem oficinas “especiais” em que a coordenação da escola solicita que só participem estudantes (isso depende muito da situação que esteja de manifesto). A preferência é trabalhar a temática na sala em que frequentemente as/os estudantes convivem, isso tem um objetivo determinado, devido à transformação espacial e simbólica que sofre o local nas três horas de formação... A juventude participante fica com uma outra memória desse espaço, memória que sempre irá apontar: 1. que devemos estar alerta nas questões de violência, 2. que todas/os somos partícipes dessas situações de uma ou outra maneira e, principalmente, 3. que pode ser diferente, que somos agentes de transformação. É habitual, também, enviar um texto base que os/as estudantes devem ter lido antes da celebração da oficina, o texto pode ser acadêmico dissertativo ou em forma de cartilha, dependendo da idade das/os participantes. EXEMPLO DE OFICINA Tema: A Paz é colorida e nós também! Público: turmas de Segundo Grau. Leitura Indicada: Beise Ulrich, C. (2006). A linguagem das Cores: Rosa e Azul, construindo a identidade de meninas e meninos. Material de Encontro: Educação Popular. São Leopoldo: CEBI. Nesta oficina o objetivo principal é desconstruir os papéis enraizados na cultura machista oferecendo alternativas ao pensamento dicotômico que desde Platão define nosso agir. Momento inicial: à medida que as/os estudantes vão entrando na sala de aula recebem um quadradinho de papel, azul para as mulheres e rosa para os homens. (é nesse momento que iniciam os olhares e os risos na turma). As assessoras se apresentam e pedem para a turma fazer um círculo, retirar a forma tradicional das cadeiras (uma detrás da outra). Há várias reclamações “que não vai dar”, “que não tem espaço para isso na sala”. Assessoras convidam e vão ajudando até o círculo ficar pronto e cada uma das pessoas participantes formar parte dele. Não há um lugar específico de destaque, assessoras, fazendo parte da roda, sentam em um dos lados (em relação ao quadro da sala). Situados dessa maneira se solicita que façam uma breve apresentação: nome e se tem conhecimento de por quê esse nome foi escolhido para ela/e. Após apresentação (resgatando a história pessoal e a memória familiar), os/as estudantes são convidadas/os a olhar o quadrado que receberam na entrada da aula e, a partir da cor, escrever na metade de uma folha, os objetos pessoais que lembrarem, desde a infância, que tenham tido nessa cor (as listas são pequenas, os homens quase não escrevem, as mulheres tem alguns objetos na lista, mas nada muito significativo). Solicita-se que quem desejar fale para a turma da lista feita e do porquê acha que ela é tão pequena. Após intervenções, a assessoria convida a que troquem os quadrados (quem tem rosa fica com azul e vice-versa). Faz- se a mesma dinâmica, escrevendo uma nova lista na outra parte da folha (agora aparecem listas grandes: mamadeiras, pratos e colheres, roupas, mochilas, lancheiras, cadeirinhas, cadernos, lápis/canetas etc.). Após conversa no grande grupo sobre a nova lista, a assessoria relata de onde surge (vêm) esse pensamento de que rosa é de menina e azul de menino. Explicando, também, sobre o mundo binário do pensamento platônico: bem/mal, lindo/feio, branco/preto, alegre/triste... rosa/azul. A assessoria pergunta: E será que o mundo é assim? Somos assim? Convidando a turma a se olhar uns/mas aos/às outros/as. Após esse tempo de olhares (só olhares), passa-se ao segundo momento. A assessoria pega duas caixas de papelão (de produtos de mercado) tamanho grande, ambas caixas têm as partes de fechar colocadas para dentro, quer dizer, ficam abertas no fundo e superfície, como se fossem um vestido que pode entrar pela cabeça e deslizar até os pés. A assessoria pede que façam dois grupos de maneira aleatória e que cada um dos integrantes tente passar a caixa por todo o corpo, contando as pessoas que conseguem levá-la até os pés e aquelas em que a caixa fica retida em alguma parte do corpo (como ombros ou quadril). Após essa dinâmica, a assessoria convida para dialogar na roda: quantos conseguiram? Quantos não? Por que pensamos que teve pessoas que não conseguiram? No final das diferentes opiniões, a assessoria fala que as medidas da caixa são aquelas que aparecem como ideais ao homem (segundo a idade média da turma). Há comentários... porque algumas mulheres não conseguiram deslizar a caixa pelo corpo. A assessoria pede para “rasgarem”, de revistas que são colocadas no centro - no chão, um corpo de mulher ou de homem que apareçam naquelas páginas. Após esse exercício, a assessoria pede para comparar os corpos das revistas aos corpos da sala, olhando cada parte: cabelos, pele, estatura, maquiagem, unhas etc. Há alguma semelhança? A assessoria retoma os nomes (com a sua história), as cores rosa e azul (e com qual a gente se sente mais confortável/e o porquê? e compara os corpos das revistas (também dicotômico, padronizado para homens e mulheres) e os corpos da turma de 30 pessoas que estão participando. Levando a turma a analisar como os estereótipos são colocados (exigidos) e como pensamos que é algo natural (e não uma imposição cultural). Explica-se gênero como categoria de análise e também se fala das violências que recebemos como seres humanos quando não entramos dentro do padrão que a sociedade e a cultura criaram para nós. O terceiro momento é falar, na grande roda, de histórias pessoais que façam o contraponto dessa padronização cultural. Se já tinham mudado a atitude em relação a essas imposições, falar a partir de que momento e a causa de quê (formação?), aconteceu essa mudança. Ao final, a assessoria explica as violências que decorrem dessa padronização e como a partir desses estereótipos definidos pela cultura avaliamos e cobramos não só de nós mesmos, senão também dos outros. Explica-se que toda construção cultural é passível de mudança, e que pelo fato da vida não ser preta o branca, precisamos descontruir. A paz não é branca e a violência não é preta, a paz é colorida assim como nós. Quarto momento. Há diferentes cores (aquarela) jogadas no chão, se pede para que estudantes peguem uma cor com a que se sintam identificadas/os. Após a seleção, cada um vai colocar essa tinta na palma da mão e em seguida vai estampar a mão (como carimbo) num cartaz em formade quadro, trazido pela assessoria. Quando cada um/a tenha feito esse exercício se solicita olhar novamente um/a para o/a outro/a. E pensar se temos mais a ver com essas mãos coloridas ou com o rosa e azul que foram dados no início da oficina. Após comentários, a assessoria fala que esse quadro vai permanecer na parede da sala de aula, não só para lembrar da diversidade que somos e da importância dessa diversidade, senão também, que só nós podemos transformar essa dicotomia, esse mundo preto e branco nesse mundo colorido onde tenhamos respeito pelo outro/a do jeito que essa pessoa é, que possamos ser agentes dessa desconstrução e sintamos essa responsabilidade. Quinto momento. Se faz uma avaliação coletiva, dizer com uma palavra que significado teve para cada um/a esse encontro. Após todas as falas, pode-se concluir com um abraço coletivo que sela o compromisso de cuidado com a outra pessoa e o engajamento na transformação. Todas as dinâmicas da oficina e o abraço final são acompanhadas por músicas escolhidas sobre a temática em questão. Neste caso, a música é só para animar esses momentos, mas não para análise. Só que, é necessário que ela tenha sido selecionada numa escolha consciente, pois sua letra não pode ir em sentido contrário da temática trabalhada. 5.4. Projeto Alternativo à Violência – PAV Introdução Educando para a Paz Educar para a Paz é um tema transversal que atinge todas as disciplinas e faixas etárias, inclusive ele não se restringe, nem pode, a âmbitos educacionais, ao âmbito escolar. Educar para a paz é contribuir para a humanização e para uma compreensão mais profunda da própria vida, entender que nada neste mundo pode ser mais importante do que o respeito à dignidade humana. Essa dignidade não é para um grupo em detrimento de outro, essa dignidade não pode ser mensurada, nem negociada. Ela tem que ser imperativo ético. Adolfo Pérez Esquivel em uma carta – que conheceremos na íntegra ainda neste subtítulo – dirigida ao Presidente Obama em 2011, define a Paz como resultado de um processo, A Paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade, seu caminho é trabalhoso, cotidiano e portador de esperança, onde os povos são construtores de sua própria vida e de sua própria história. A Paz não é dada de presente, ela se constrói... Na sua carta, Esquivel vai fazendo um levantamento de fatos internacionais acontecidos durante a administração de Obama, resgatando a história e a consequência para a humanidade por apostar nas intervenções, na morte, nas guerras como solução para qualquer tipo de conflito. De “Nobel para Nobel” a carta é alerta, é chamado ao compromisso e a um agir diferente tanto individual quanto coletivo, em prol da vida digna. Entidade O SERPAZ2 é uma Associação, sem fins lucrativos. Provém de um movimento que começou em 1978, durante a ditadura, para lutar contra a arbitrariedade do militarismo e em prol da justiça e da democracia. A organização atualmente é composta por pessoas com diversas formações; músicos, advogados, teólogos, metalúrgicos, pedagogos, vigilantes, filósofos, linguistas, pastores, sacerdotes, e estudantes É ecumênica, aberta a todas as pessoas; não exclui nenhum elo da sociedade por razões de gênero, econômicas, sexuais ou religiosas e, preferencialmente, busca atingir aquelas comunidades humanas mais empobrecidas, a fim de empoderá-las, para que junto a elas possamos contribuir para a construção de uma nova sociedade. Projeto PAV- Projeto Alternativas à Violência O Projeto Alternativas à Violência - PAV é um programa de oficinas de 20 horas cada (Básica, Avançada e Formação de novos facilitadores). Cada participante através de exercícios de afirmação, jogos animados destinados a construir comunidade, sócio-dramas de situações de conflito, e a prática de técnicas simples para uma comunicação efetiva e afetiva, poderão verificar as causas da violência e procurar ações alternativas a elas, desenvolvendo a autoestima, autoconfiança, a solidariedade e cooperação. Criado em 1975 pelos Quakers, em Nova Iorque, hoje está presente em mais de 30 países, no Brasil desde o ano de 2000. Apresenta como guias básicas: procure em si e nos outros o positivo e afirme-o, procure não debochar de qualquer pessoa e nem mesmo de você, ouça com cuidado e atenção o que cada pessoa tem a dizer, ninguém muda ninguém, somente você é capaz de mudar a si mesmo(a). A filosofia central do PAV é o Poder Transformador. É a aceitação de que existe um poder que é capaz de transformar situações e comportamentos violentos e destrutivos em experiências libertadoras, construtivas e cooperativas. Está presente em cada um de nós e entre nós para sermos construtores da paz onde estivermos. •Oficina Básica: focaliza na construção de uma comunidade de confiança entre pessoas que então trabalham as habilidades básicas de resolução de conflitos. •Oficina Avançada: examina as causas subjacentes da violência (poder, raiva, medo) e focaliza um tema escolhido pelos participantes. •Oficina Formação de Facilitadores: aprender a trabalhar como parte de uma equipe de liderança, aprender a dar e receber feedback, desenvolver autoconfiança como líder e aprender a facilitar facilitando. •A quem se dirige: a toda e qualquer pessoa que busca alternativas à violência! Objetivos •A educação para a paz, fomentando uma cultura de paz; •Promover a paz entre os seres humanos, facultando a concretização dos direitos humanos, possibilitando a igualdade de gênero, fazendo frente à discriminação, ampliando a inclusão social; •Promover movimentos que desencadeiem legislação antibelicista, que visem o desarmamento e que impeçam a fabricação e o uso de minas terrestres; •Promover a resolução não violenta de conflitos; •Objeção de consciência; •Atuar em solidariedade a países e grupos em guerra; •Em situações de guerra, atuar para que seja impedida a participação de crianças; •Promover a liberdade quanto à orientação sexual; •Lutar pela defesa dos direitos indígenas e do seu empoderamento; •Apoiar as ações de outras organizações de educadores para a paz; Resgatando a experiência de implementação no cotidiano O PAV implementa a metodologia da AAP - Ajude a Aumentar a Paz. A AAP que é um programa do American Friends Service Committee, ensina abordagens não- violentas na resolução de conflitos e na transformação social. Através de oficinas de três dias e de atividades de manutenção, os/as participantes constroem habilidades para resolver conflitos sem violência; analisam o efeito das injustiças sociais nas suas vidas e nas vidas de outras pessoas. E trabalham na tomada de ações para mudanças positivas, não-violentas, pessoais e sociais. As três oficinas de AAP - Básico, Avançado e Treinamento para Facilitadores – objetivam aumentar os níveis de desenvolvimento de habilidades. Os/as participantes têm a oportunidade de terminar essas séries e tornarem-se eles próprios facilitadores de AAP. Todas as oficinas de AAP utilizam atividades de engajamento e discussões, para ajudar aos participantes a construir comunidade, desenvolver habilidades interpessoais, analisar as forças sociais que contribuem para a violência, e no mesmo sentido, visualizar os passos que possam levar a um mundo mais justo. As atividades dentro da rede de trabalho AAP ajudam os participantes a moverem-se da visualização de mudanças pessoais e sociais, para a tomada de ação conjunta rumo às mudanças (http://www.serpaz.org.br/projetos). Entre as atividades da rede encontra-se o debate de textos ou vídeos que façam alusão à temática. A seguir, apresentamos a já anunciada carta do Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel ao então Presidente Barack Obama. Essa carta foi material de análise e diálogo em umas das atividades promovidas pelo SERPAZ, agora deixamosaqui no intuito de buscar a ressonância que esse escrito possa ter para com nossa caminhada, experiência e cotidiano. CARTA DE UM NOBEL DA PAZ A BARACK OBAMA Estimado Barack, ao dirigir-te esta carta o faço fraternalmente para, ao mesmo tempo, expressar-te a preocupação e indignação de ver como a destruição e a morte semeada em vários países, em nome da “liberdade e da democracia”, duas palavras prostituídas e esvaziadas de conteúdo, termina justificando o assassinato e é festejada como se tratasse de um acontecimento desportivo. http://www.serpaz.org.br/projetos Indignação pela atitude de setores da população dos Estados Unidos, de chefes de Estado europeus e de outros países que saíram a apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado por teu governo e tua complacência em nome de uma suposta justiça. Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes supostamente cometidos, o que gera maior dúvida: o objetivo foi assassiná-lo. Os mortos não falam e o medo do justiçado, que poderia dizer coisas inconvenientes para os EUA, resultou no assassinato e na tentativa de assegurar que “morto o cão, terminou a raiva”, sem levar em conta que não fazem outra coisa que incrementá-la. Quando te outorgaram o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: “Barack, me surpreendeu muito que tenham te outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o recebeu deve colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras e começar a reverter a situação que viveu teu país e o mundo”. No entanto, ao invés disso, você incrementou o ódio e traiu os princípios assumidos na campanha eleitoral frente ao teu povo, como terminar com as guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões em Guantánamo e Abu Graib no Iraque. Não fez nada disso. Pelo contrário, decidiu começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela OTAM e por uma vergonhosa resolução das Nações Unidas. Esse alto organismo, apequenado e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e está submetido às veleidades e interesses das potências dominantes. A base fundacional da ONU é a defesa e promoção da paz e da dignidade entre os povos. Seu preâmbulo diz: “Nós os povos do mundo...”, hoje ausentes deste alto organismo. Quero recordar um místico e mestre que tem uma grande influência em minha vida, o monge trapense da Abadia de Getsemani, em Kentucky, Tomás Merton, que diz: “a maior necessidade de nosso tempo é limpar a enorme massa de lixo mental e emocional que entope nossas mentes e converte toda vida política e social em uma enfermidade de massas. Sem essa limpeza doméstica não podemos começar a ver. E se não vemos não podemos pensar”. Você era muito jovem, Barack, durante a guerra do Vietnã e talvez não lembre a luta do povo norte-americanos para opor-se à guerra. Os mortos, feridos e mutilados no Vietnã até o dia de hoje sofrem as consequências dessa guerra. Tomás Merton dizia, frente a um carimbo do Correio que acabava de chegar, “The U.S. Army, key to Peace” (O Exército dos EUA, chave da paz): “Nenhum exército é chave da paz. Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com paz. Quanto mais os homens aumentam o poder militar, mais violam e destroem a paz”. Acompanhei e compartilhei com os veteranos da guerra do Vietnã, em particular Brian Wilson e seus companheiros que foram vítimas dessa guerra e de todas as guerras. A vida tem esse não sei o quê do imprevisto e surpreendente fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade e que devemos proteger para deixar às gerações futuras uma vida mais justa e fraterna, reestabelecendo o equilíbrio com a Mãe Terra. Se não reagirmos para mudar a situação atual de soberba suicida que está arrastando os povos a abismos profundos onde morre a esperança, será difícil sair e ver a luz; a humanidade merece um destino melhor. Você sabe que a esperança é como o lótus que cresce no barro e floresce em todo seu esplendor mostrando sua beleza. Leopoldo Marechal, esse grande escritor argentino, dizia que: “do labirinto, se sai por cima”. E creio, Barack, que depois de seguir tua rota errando caminhos, você se encontra em um labirinto sem poder encontrar a saída e te enterra cada vez mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado pelas grandes corporações, pelo complexo industrial militar, e acredita ter todo o poder e que o mundo está aos pés dos EUA porque impõem a força das armas e invade países com total impunidade. É uma realidade dolorosa, mas também existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos. As atrocidades cometidas por teu país no mundo são tão grandes que dariam assunto para muita conversa. Isso é um desafio para os historiadores que deverão investigar e saber dos comportamentos, políticas, grandezas e mesquinharias que levaram os EUA à monocultura das mentes que não permite ver outras realidades. A Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às torres gêmeas, o identificam como o Satã encarnado que aterrorizava o mundo e a propaganda do teu governo o apontava como “o eixo do mal”. Isso serviu de pretexto para declarar as guerras desejadas que o complexo industrial militar necessitava para vender seus produtos de morte. Você sabe que investigadores do trágico 11 de setembro assinalam que o atentado teve muito de “auto golpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento prévios de escritórios das torres; atentado que deu motivo para desatar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, argumentando com a mentira e a soberba do poder que estão fazendo isso para salvar o povo, em nome da “liberdade e defesa da democracia”, com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são “danos colaterais”. Vivi isso no Iraque, em Bagdá, com os bombardeios na cidade, no hospital pediátrico e no refúgio de crianças que foram vítimas desses “danos colaterais”. A palavra é esvaziada de valores e conteúdo, razão pela qual chamas o assassinato de “morte” e que, por fim, os EUA “mataram” Bin Laden. Não trato de justificá-lo sob nenhum conceito, sou contra todas as formas de terrorismo, desde a praticada por esses grupos armados até o terrorismo de Estado que o teu país exerce em diversas partes do mundo apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenção armada, exercendo a violência para manter-se pelo terror no eixo do poder mundial. Há um só eixo do mal? Como o chamarias? Será que é por esse motivo que o povo dos EUA vive com tanto medo de represálias daqueles que chamam de “eixo do mal”? É simplismo e hipocrisia querer justificar o injustificável. A Paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade, seu caminho é trabalhoso, cotidiano e portador de esperança, onde os povos são construtores de sua própria vida e de sua própria história. A Paz não é dada de presente, ela se constrói e isso é o que te falta meu caro, coragem para assumir a responsabilidade histórica com teu povo e a humanidade. Não podes viver no labirinto do medo e da dominação daqueles que governam os EUA, desconhecendo os tratados internacionais, os pactos e protocolos, de governos que assinam, mas não ratificam nada e não cumprem nenhum dos acordos, mas pretendem falar em nome da liberdade e do direito. Como pode falar de Paz se não quer assumir nenhum compromisso, a não ser com os interesses de teu país? Como pode falar da liberdade quanto tem na prisão pessoas inocentes em Guantánamo, nos EUA e nas prisões do Iraque, como a de Abu Graib e do Afeganistão? Como pode falar de direitos humanos e da dignidade dos povos quando viola ambos permanentemente e bloqueia quem não compartilha tua ideologia, obrigando-o a suportar teus abusos? Como pode enviar forças militares ao Haiti, depois do terremoto devastador, e nãoajuda humanitária a esse povo sofrido? Como pode falar de liberdade quando massacra povos no Oriente Médio e propaga guerras e tortura, em conflitos intermináveis que sangram palestinos e israelenses? Barack, olha para cima de teu labirinto e poderá encontrar a estrela para te guiar, ainda que saiba que nunca poderá alcançá-la, como bem diz Eduardo Galeano. Busca a coerência entre o que diz e faz, essa é a única forma de não perder o rumo. É um desafio da vida. O Nobel da Paz é um instrumento ao serviço dos povos, nunca para a vaidade pessoal. Te desejo muita força e esperança e esperamos que tenha a coragem de corrigir o caminho e encontrar a sabedoria da Paz. Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz 1980. Buenos Aires, 5 de maio de 2011 SUGESTÃO DE DINÂMICA Título: Texto Manifesto Elaborar um manifesto de compromisso com a Paz, Organizar grupos para que dialoguem e produzam uma frase-compromisso com a Paz, Organizar as frases, uma após outras, de modo que o texto tenha estilo de manifesto. Esta atividade é feita com o grupo todo, Pode ficar, como tarefa futura, convidar a outras pessoas/entidades a que, tomando conhecimento, assinem o manifesto. Pode-se pensar também em fechar com a convocação para uma passeata pela comunidade ou pela cidade. 5.5. Enfrentando a Violência doméstica: Projeto Nem tão doce lar Violência contra a mulher (Guia Regional, 2010) Qualquer ato ou conduta baseada no gênero que resulta ou possa resultar em dano, morte ou sofrimento físico, social, sexual ou psicológico, incluindo também ameaças de tais atos, coação ou privação arbitrária da liberdade, quer seja no âmbito da vida pública ou privada. (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher/Convenção de Belém do Pará/1994 e IV Conferência sobre a Mulher/1995). A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres. (Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas/1993). Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual, moral, patrimonial e psicológica. De 63% a 75% da violência contra crianças e mulheres ocorre no âmbito da casa e por pessoas de sua relação próxima. Há um gênerocídio ou feminicídio, que constitui em crimes contra as mulheres pelo fato de serem mulheres e o agressor considerar a vítima como propriedade e não admitir que ela atue como pessoa livre. Violência doméstica e familiar Toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um membro da família. Pode ser cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida. Inclui também as pessoas que estão exercendo a função de pai ou mãe, mesmo sem laços de sangue. O ciclo da violência doméstica Pode ser entendido como um círculo no qual, as dinâmicas da relação do casal se manifestam sistematicamente, passando sempre por determinadas fases. Esse ciclo pode variar em tempo e intensidade para um mesmo casal e entre diferentes casais, revelando que não pode ser vista como um ato isolado. O ciclo da violência é repetitivo e tem uma dimensão gradativa. 1ª fase: acumulação de tensão 2ª fase: explosão violenta 3ª fase: “lua de mel” ou apaziguamento Fase de acumulação de tensão, A irritabilidade do agressor vai aumentando sem razão compreensível e aparente para com a mulher. Discussões por questões irrelevantes e agressões verbais são intensificadas. Tensões cotidianas acumuladas pelo ofensor e conflitos que não consegue resolver sem acudir à violência, criam uma situação de risco para a mulher que é culpada por tais contrariedades. Sob qualquer pretexto, o ofensor descarregará suas tensões sobre a mulher. Os pretextos podem estar relacionados com as funções da mulher no âmbito familiar ou com falsas acusações amorosas. Essas discussões podem, também, ser desencadeadas pelo uso abusivo de álcool e drogas por parte do ofensor. Fase da explosão violenta, O agressor descontrola-se e concretiza os atos violentos, insultando e agredindo a companheira. Destrói seus pertences; mantém-se calado por vários dias; faz ameaças, tratando de mostrar sua total superioridade em relação à mulher. Por vezes, a mulher tenta defender-se apenas pela passividade, esperando que ele acabe com toda essa violência. Este ataque pode ser potencialmente perigoso, ficando, por vezes, a mulher em estado grave de saúde, precisando muito de cuidados médicos, ao quais, ele nem sempre lhe dá acesso imediato. Fase da “lua de mel” ou apaziguamento, Não é correto denominar essa fase de lua de mel, uma vez que, não sendo esse momento tão idílico, é “ele”, o agressor, quem decide quando começa e acaba. Na verdade, é um momento de “manipulação afetiva”, pois a mulher se sente confusa e desorientada, e o agressor sofre um desdobramento emocional causado pela contrariedade do abuso e o remorso pela sua atitude. Pede perdão, faz promessas do fim da violência, e a vítima tende a acreditar numa mudança de comportamento. O agressor invoca motivos tais como: o estresse, ter tido um dia ruim no trabalho, o desemprego, ou ter bebido demais para justificar seu comportamento. Trata sua mulher delicadamente, fazendo-a acreditar que foi essa a última vez que ele se descontrolou. Essa fase é vivenciada pela mulher numa constante de medo, esperança e amor. O medo é motivado pelas experiências de violência já vividas, já sofridas e pelo risco de ser novamente agredida. A esperança que sente, reforça a vontade de preservar seu projeto de vida (a conjugalidade), vivendo, embora, a ambiguidade de possuir sentimentos de afeto por ele e ter de passar pelos episódios negativos da violência. Sempre há uma escalada ou reinício do ciclo. Uma vez perdoado pela mulher, recomeça a irritabilidade. Quando ela tenta exercer a autonomia recém- conquistada, ele sente de novo a perda do controle sobre ela. Inicia uma nova discórdia e com ela reinicia o ciclo da violência. Esse ciclo caracteriza-se pela sua continuidade no tempo, pela sua repetição sucessiva, podendo ser cada vez menores e mais intensas as fases dos ataques violentos, podendo resultar em homicídio conjugal. O ciclo dificulta a tomada de decisão da mulher que vive nele fases dramáticas (a tensão e o ataque violento), mas que terminam numa fase de apaziguamento, para ela gratificante. Figura 5.1. Ilustração do Ciclo da Violência. O custo econômico da violência doméstica •Segundo dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento: •Um em cada cinco dias de falta ao trabalho no mundo é causado pela violência sofrida pelas mulheres dentro de suas casas. A cada cinco anos, a mulher perde um ano de vida saudável se ela sofre violência doméstica. •O estupro e a violência doméstica são causas importantes de incapacidade e morte de mulheres em idade produtiva. •Na América Latina e Caribe, a violência doméstica atinge entre 25% a 50% das mulheres. •Uma mulher que sofre violência doméstica geralmente ganha menos do que aquela que não vive em situação de violência. •No Canadá, os custos da violência contra as mulheres superam 1 bilhão de dólares canadenses por ano em serviços, incluindo polícia, sistema de justiça criminal, aconselhamento e capacitação. •Nos Estados Unidos o custo com a violência contra as mulheres está entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões ao ano. Nos países em desenvolvimento, estima-se que entre 5% a 16% de anos de vida saudável são perdidos pelas mulheres em idade reprodutiva como resultado da violência doméstica. •O custo total da violênciadoméstica oscila entre 1,6% e 2% do PIB de um país. (Dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento3. Por que as mulheres permanecem numa relação de violência? Segundo a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), são vários os fatores que levam uma mulher a continuar morando com o agressor. Eles são: •Medo de represálias por parte da pessoa agressora, que ameaça, muitas vezes, com matá- la e matar suas crianças, se eles saírem de casa. •Dependência econômica: a mulher pode não ter emprego ou recursos financeiros que lhe garantam autonomia. •A existência de filhos: a situação torna-se mais complicada quando tem crianças a seu cargo, pois acredita que é melhor para as crianças crescerem na convivência do pai. •Baixa autoestima, devido ao desgaste contínuo provocado pelo agressor. •Isolamento: sente que ninguém acredita nela (nem polícia nem serviços sociais) e não se sente apoiada pela família, amigos, vizinhos. •Pressão da família: o agressor convence, por vezes, à família de que está tudo bem entre o casal, e que os problemas são culpa dela. •Sofrimento aprendido: Se a mulher cresceu num ambiente de violência, há mais probabilidade de achar que a violência faz parte das relações normais do casal. •Amor: Muitas vezes, a mulher ama o seu parceiro ou a sua parceira e acredita que ele ou ela vai mudar. •Papéis construídos e atribuídos historicamente à mulher e ao homem na sociedade: acredita que é seu dever manter a unidade familiar, cuidar do bem-estar da família e do espaço doméstico. Entidade A Fundação Luterana de Diaconia −FLD foi criada no ano 2000 por decisão do Conselho da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil− IECLB, com o mandato de apoiar e acompanhar iniciativas e projetos de grupos organizados, buscando fortalecer seu protagonismo na promoção da qualidade de vida, cidadania e justiça social. A temática da Violência doméstica foi assumida com maior intensidade pela FLD a partir da criação coletiva da mostra interativa Nem tão Doce Lar, em 2006, baseada em uma proposta similar, trazida pela agência internacional Pão para o Mundo. Desde então, a exposição interativa já andou por muitas cidades e estados brasileiros, denunciando o problema da violência doméstica e refletindo sobre a necessidade de que seja assumido tanto pela sociedade quanto pelo poder público. Projeto Nem tão Doce Lar A mostra nasceu a partir de uma exposição internacional chamada Rua das Rosas, 76, criada pela antropóloga alemã Una Hombrecher, com o apoio da agência Pão Para o Mundo (PPM). A proposta inicial, que fazia a denúncia da violência doméstica que terminou em feminicídio em Alemanha, mas que tinha ainda uma linguagem europeia, foi apresentada em Porto Alegre (RS), de 14 a 23 de fevereiro de 2006, durante a 9ª Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Esta primeira exposição esteve sob a coordenação da FLD, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e um consórcio de organizações da sociedade civil que atuaram denunciando e construindo possibilidades de superação da violência. Posteriormente, a partir de um amplo processo de construção coletiva, a exposição recebeu um enfoque brasileiro. O nome Nem Tão Doce Lar faz alusão à citação “Lar doce Lar”, muito comum em casas brasileiras. Assim, também nasceu a marca Nem Tão Doce Lar4, criada a partir de um delicado bordado em ponto de cruz, emoldurado como um quadro. Esse quadro, representativo do que deveria ser o ambiente familiar, amoroso e cheio de cuidados, está quebrado, indicando um ambiente violento. A Nem Tão Doce Lar envolve uma metodologia de intervenção coletiva para a superação da violência familiar. Trata-se de uma mostra itinerante que possibilita a popularização da discussão e do enfrentamento da violência, ao levar para o espaço público uma típica casa familiar, com informações e imagens que denunciam a violência sofrida por mulheres, crianças, jovens e idosos/as. Resgatando a experiência de implementação no cotidiano Uma metodologia em movimento! As primeiras exposições foram organizadas a partir dos esforços de organizações/grupos/comunidades que cuidavam tanto das atividades preparatórias (definição do local/ locação/ empréstimo dos móveis/ montagem da amostra/divulgação), bem como do acolhimento dos/as visitantes. Entre os lugares que acolheram o projeto interativo podemos citar: estações de metrô, mercados públicos, praças públicas, e em diversas instituições de ensino, a partir de uma parceria com a Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, que permitiu que uma estrutura móvel da exposição pudesse estar permanentemente disponível para organizações interessadas em realizar a exposição. Com a expansão do Projeto, uma nova metodologia de formação precisou ser implementada. Como no início quem fazia a acolhida eram pessoas de entidades parceiras da FLD que trabalhavam com essa temática, eram pessoas já qualificadas para o atendimento. Nesta nova realidade, várias casas sendo montadas simultaneamente em diferentes regiões do estado e do país, a FLD opta por fazer um curso de formação inicial, a fim de preparar a equipe que trabalharia no Projeto em cada lugar, não só para a sensibilização senão também pela necessidade de ter domínio da temática abordada, pois a Casa acaba sendo um lugar de escuta, atendimento, orientação, diálogo e encaminhamento. Uma outra mudança na metodologia foi a criação dos cadernos de registro, nos quais as/os acolhedoras/es são convidadas/os a narrar as interações que mantêm com as pessoas visitantes, resgatar suas histórias (de maneira anônima). Ficando assim, um registro importante para futuro estudo e pesquisa. Atividades educativas e culturais em torno à temática da violência doméstica são incluídas na programação da exposição, estas podem ser: teatro, músicas, vídeos (estes últimos são colocados na tv da Casa e a intensão é que fiquem rodando, interpelando, o tempo todo). A ideia é que o Projeto da Nem Tão Doce Lar assuma cada vez mais seu caráter de intervenção, ou seja, a proposta que alia sensibilização, visibilização e capacitação de pessoas que, uma vez empoderadas, possam se somar aos movimentos de enfrentamento e superação da violência. Quais temas são abordados no Projeto? (NEM TÃO DOCE LAR, 2012) •Violência doméstica contra mulheres (Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio e Lei da Alienação Parental). •Relações de Gênero. •Políticas Públicas para as Mulheres. •Infância e violência. •O impacto da violência doméstica na construção da pessoa jovem. •Exploração sexual e violência doméstica. •Sujeitos Invisíveis: pessoas com deficiência. •Sexismo e violência doméstica (prevenção de DSTs, HIV/AIDS). •Violência contra a pessoa idosa. •Masculinidade, uma construção social. •Violência doméstica como desafio acadêmico e interdisciplinar. Como montar a exposição? 1.Parcerias. Verifique na sua região se existem entidades e organizações que trabalhem a temática da violência doméstica. Proponha montar a exposição em parceria com estas entidades. No caso do Brasil pode fazer contato com a FLD e pedir orientações. O objetivo destas parcerias é criar e fortalecer a rede (rede de enfrentamento) de instituições que trabalham nesta área. 2.Datas significativas. A exposição pode ser montada em qualquer data do ano, no entanto, há datas significativas que marcam temas de destaque nos quais a exposição pode servir não só como denuncia, senão também como reflexão. No caso do Brasil: 8 de março-Dia Internacional da Mulher; 12 de outubro - Dia da criança; 25 de novembro ao 10 de dezembro - 25 dias de ativismo pelo fim da Violência contra as Mulheres (essas datas compreendem: 25 de novembro - Dia Internacional da Não-violência contra a mulher/1 de dezembro - Dia Mundial de combate a AIDS/ 6 de dezembro - Massacre da Mulheres em Montreal (quedeu origem à Campanha Mundial do Laço Branco, homens pelo fim da violência contra as mulheres)/ 10 de dezembro - Dia Internacional dos Direitos Humanos.). No caso do Brasil essa campanha dos 16 dias de ativismo foi ampliada no intuito de incluir o dia 20 de novembro - Dia Nacional da Consciência Negra. 3.Duração. Pelas experiências deste projeto o ideal é que a Casa/Exposição fique montada, em funcionamento, por, no mínimo, cinco dias. 4.O local. Escolha uma parte central da escola ou instituição de ensino, naquela que as pessoas tenham que circular cotidianamente, a casa pode ser aberta, como espaço de circulação. Não se recomenda fazer dentro de uma sala de aula. Se a escola vai fazer em outro lugar do município se recomendam lugares com grande circulação: feiras, um evento municipal, mercado público, entre outros. 5.Montando a casa. Os materiais que vão compor a casa devem ser obtidos com as entidades que organizam a exposição. É importante lembrar que como forma de denúncia é importante colocar na casa objetos que são comumente usados por agressores. Os primeiros grupos que montaram a Nem tão Doce Lar identificaram diversos objetos que servem como “armas” em momentos de agressão: jornal enrolado, tampas de panelas ou as próprias panelas, rolo de massa, vasos, facas, garfos, travesseiros ou almofadas, garrafas de bebidas, chinelos e sapatos. Pense: quais outros “indícios” podem representar violência na exposição? A cama desarrumada, objetos atirados no chão, brinquedos quebrados, bonecas sem pernas ou braços ou cabeça. A própria bíblia no criado mudo do quarto ou na sala (para pensar na violência simbólica e psíquica). 6.TV, vídeo cassete e DVD. É fundamental que o espaço preveja uma sala confortável, com espaço para as pessoas se sentarem e conversarem. A presença de uma TV, com vídeos (sobre a temática) tem feito toda a diferença. As pessoas assistem os vídeos, conversam e dialogam sobre o assunto. Fica como sugestão promover horários específicos de apresentação de vídeos significativos, que possam estimular um diálogo maior. 7.Oficinas e palestras. É bom aproveitar o espaço da Casa/Exposição para organizar palestras e oficinas durante seu tempo de duração. Convidar profissionais que tenham domínio do tema e divulgue com antecedência. A ideia é movimentar ao máximo a Exposição, que promova o diálogo e a reflexão, não só individual (quem visita) senão também coletiva. 8.Caderno de visitas. Manter um caderno de visitas onde as pessoas possam colocar observações e sugestões. 9.Caderno de Campo. Acolhedoras/es deixaram o registro de atendimentos feitos durante as horas de trabalho. Não significa registrar tudo, e sem o mais importante segundo a avaliação de quem faça a acolhida. 10.Instalação. A casa deverá ser construída pensando em quatro espaços definidos: sala; cozinha/sala de janta e dois quartos (casal e crianças). Poder ter, ou não divisórias internas com 120 cm de altura, senão se tem divisórias os móveis servem para demarcar os espaços. Exemplo, guarda-roupa divide os quartos, mesa de TV divide sala de quarto. A fachada deve simular a fachada de uma residência, aqui podem ser utilizados banner. Mobília: sala de estar (um sofá, uma poltrona, uma bancada de TV, uma mesinha lateral ou barzinho, uma mesa de centro, um tapete, TV/DVD), cozinha/sala de janta (um fogão, uma pia, uma geladeira, uma mesa 1x1 e deixar ela posta para uma refeição, utensílios de cozinha. Dormitório de casal (Cama, roupas de cama e travesseiros, roupeiro, criados mudo ou cômoda; Dormitório crianças/jovem (cama de solteiro, roupa de cama e travesseiro, roupeiro, criado mudo, brinquedos, computador/celular. Fotos da implementação do projeto podem ser acompanhadas em: https://fld.com.br/nem-tao-doce-lar/ 5.6. Conclusão Como frisamos na introdução ao capítulo “é necessário socializar conhecimentos e experiências, transformação implica um trabalho coletivo, um trabalho em rede, e nossa rede, em prol da paz, deve ser planetária”. Os Projetos apresentados e as estratégias de implementação servem para essa socialização, para esse intercâmbio de conhecimentos e, também, para uma construção coletiva desse conhecimento. Nos quatro capítulos anteriores focalizamos nas questões teóricas, o quinto foi um pouso nas questões práticas. Paulo Freire afirmou “a teoria sem a prática vira verbalismo; assim como a prática sem a teoria vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade” (Freire, 1996, p. 36). É então a práxis nossa bússola, nosso mapa, nesse processo constante de ação criadora e modificadora, tão necessária, nos âmbitos escolares. 5.7. Bibliografia recomendada A Lei Maria da Penha na Escola da Vida. GIBI/Cartilha para trabalho em grupos sobre a Lei Maria da Penha. 2016. Recuperado de: https://www.infojovem.org.br/blog/2016/04/06/prefeitura-de-porto-alegre- lanca-o-gibi-a-lei-maria-da-penha-na-escola-da-vida/ FREIRE, Paulo. (1996). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra. https://fld.com.br/nem-tao-doce-lar/ https://www.infojovem.org.br/blog/2016/04/06/prefeitura-de-porto-alegre-lanca-o-gibi-a-lei-maria-da-penha-na-escola-da-vida/ https://www.infojovem.org.br/blog/2016/04/06/prefeitura-de-porto-alegre-lanca-o-gibi-a-lei-maria-da-penha-na-escola-da-vida/ Grasselli, M. A. (2017). 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