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Introdução 1. Âmbito Escolar, conflitos e mediações: Aspectos Introdutórios Objetivos Estudar e definir conceitos e suas relações. Conhecer as diferentes formas de resolução não violenta de conflitos. Reconhecer a importância da resolução não violenta de conflitos para a escola e a sociedade. Estudar as origens e desenvolvimento da Mediação Escolar. Conceituar e caracterizar o campo da Mediação Escolar. 1.1. Introdução Iniciamos um novo percurso acadêmico que vai requerer de nós, além do estudo e a compreensão teórica, uma abertura para o diferente, para aquilo que no primeiro olhar parece estranho. Vai requerer também uma avaliação de nossas certezas, daquilo que temos aprendido e apreendido como verdade (em singular). Vai exigir de nós um exercício de desconstrução pessoal em prol de uma construção conjunta mais sadia, desde a diversidade e a pluralidade. Neste primeiro capítulo intitulado Âmbito Escolar, Conflitos e Mediações: Aspectos Introdutórios temos como objetivos específicos: 1. Estudar e definir conceitos e suas relações; 2. Conhecer as diferentes formas de resolução não violenta de conflitos; 3. Reconhecer a importância da resolução não violenta de conflitos para a escola e a sociedade; 4. Estudar as origens e desenvolvimento da Mediação Escolar e 5. Conceituar e caracterizar o campo da Mediação Escolar. A teoria será trabalhada no diálogo com autores e autoras de reconhecida práxis pedagógica nesta área, procurando sempre tensionar nossa experiencia cotidiana. Para pensar... “Em suma, se o modelo não consegue transformar a realidade, a realidade deveria conseguir transformar o modelo”. Ítalo Calvino 1.2. Definição de conceitos É importante que, antes de nos adentrarmos no desenvolvimento dos objetivos que constituem o cerne desta matéria, façamos um levantamento de conceitos, pensemos sobre eles e que, a partir deles, possamos nos apropriar do que será guia ou referencial ao longo de todo o módulo. É para isso que foi pensado este tópico, nosso primeiro momento de interação, nosso primeiro diálogo. Uma chuva de ideias seria interessante, a partir de nossos conhecimentos, dos conhecimentos de outras pessoas estampados em dicionários, livros, artigos. Esta disciplina leva por nome Resolução e transformação de conflitos no âmbito escolar, e é a partir das palavras contidas nesse título que podemos fazer um levantamento balizador: “resolução”, “transformação”, “conflito (s)”, “âmbito” e “escola”. Em que pensamos quando escutamos estas palavras? Elas encontram ressonância em ações vivenciadas ou experimentadas em nossos cotidianos? Poderíamos compartilhar fatos que estabeleçam relações com seus significados? Procurando nos dicionários – Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa e da Real Academia Española (RAE) – encontramos as seguintes definições: •Conflito (s), no dicionário Aurélio lê-se: “alteração; desordem; embate; choque; oposição; disputa”, já a RAE diz: “combate; luta; peleja; problema; questão de pugna; matéria de discussão”. •Resolução, no dicionário Aurélio lê-se: “ato ou efeito de resolver; decisão; tensão; deliberação; propósito”, enquanto a RAE diz: “ação e efeito de resolver ou se resolver; coisa que é decidida; decreto; providência; auto ou falho de autoridade governamental ou judicial”. •Transformação, no dicionário Aurélio lê-se: “mudar a forma de; alterar, variar, tornar diferente do que era”, para a RAE: “ação e efeito de transformar; transformar: fazer mudar de forma a alguma coisa ou alguém; fazer mudar de porte ou costumes a alguém”. •Âmbito, no dicionário Aurélio lê-se: “circuito; recinto; espaço fechado ou que se considera fechado; campo de ação”, na RAE: “contorno ou perímetro de um espaço ou lugar; espaço compreendido dentro de limites determinados; espaço ideal configurado por questões e problemas de uma ou várias atividades ou disciplinas que tem relação entre elas”. •Escola, no dicionário Aurélio lê-se: “estabelecimento de ensino; conjunto formado pelo professor e pelos discípulos”, a RAE define: “Estabelecimento público ou instituição onde se oferecem ou se recebem certos tipos de instrução; conjunto de professores e alunos pertencente a um tipo específico de ensino”. Como pode ser observado não há oposição nos significados, em todos os casos poderia se falar de uma certa complementação ou ampliação significante. Assim também acontece se procuramos em outras línguas, ainda naquelas em que o tronco linguístico não seja o Latim. É importante também chamar a atenção para a “separação” de âmbito e escola, pois não apareciam nos dicionários como termo composto. No entanto, nossa disciplina trabalha com “âmbito escolar” porque os conflitos e sua resolução/transformação se enxergam num espaço maior que a escola, trata-se da escola e seu círculo de “inter-Ação”. Círculo do qual fazem parte não só discentes e docentes, senão também família, bairro e comunidade. A socióloga Maria Cecília de Souza Minayo tenciona o conceito “conflito” ao contrapô-lo à violência. Essa elucidação tem grande significância para nosso estudo. Minayo (2009, p. 58) enfatiza: Conflito é um fenômeno social normal e importante que existe em todas as sociedades, sobretudo nas sociedades democráticas. Expressa diferenças nas formas de pensar, sentir e agir dos membros de uma família, de escolas, de gerações opostas, de classes sociais antagônicas ou dos vários segmentos de qualquer grupo social. O conflito quando socialmente aceito e explicitado pelas várias partes num ambiente passível de escuta ou de negociação é bom e produz mais democracia e cidadania, seja quando leva a consenso, seja quando permite a cada um aprofundar suas posições. O conflito se transforma em violência quando uma das partes se sente dona da verdade e impõe sua vontade ao outro (indivíduo ou coletividade) por meios autoritários, agressivos ou com armas. A proposta agora é conhecer mais acerca do conflito, abordando também outras pesquisas que possam corroborar essa conceituação da Minayo ou, quiçá, tencioná-la em outras perspectivas. 1.3. Resolução de conflitos: apontamentos iniciais Quando falamos de conflito em âmbito geral ou escolar, normalmente o que temos em mente é seu aspecto negativo; que ele é ruim e perigoso e deveria ser evitado. O conflito seria uma situação que colocaria em risco a sociedade como um todo. Nesse sentido, pareceria natural que as propostas apresentadas buscassem soluções que visassem à erradicação do conflito. Assim, teoricamente, teríamos uma sociedade harmoniosa. No entanto, o conflito não pode ser erradicado totalmente já que ele ocorre quando há a confrontação de interesses entre dois ou mais protagonistas e é impossível que não haja disputas de interesses numa sociedade. Na verdade, o conflito está na base do funcionamento da sociedade democrática, aquilo que Michel Maffesoli (2006) chamou de “harmonia conflitual”. A sociedade constitui-se, assim, num grande laboratório de resolução de conflitos, já que o interesse de cada indivíduo é confrontado e harmonizado com o interesse de outros. Quando não há harmonização, ocorre a violência; o que se traduz em guerras quando o conflito ocorre em escala maior. Dessa forma, o conflito não é negativo em si. Ao contrário, o conflito quando tem intervenção dialogal oferece a possibilidade de que ocorra uma harmonização, um acordo, que favoreça as partes envolvidas. É uma oportunidade aberta para a mudança. O que deve ser evitado é que o conflito se transforme em violência. A violência impede resoluções alternativas já que é a imposição do interesse de uma das partes sobre a outra. Com o uso da violência, a parte que tem mais força impõe seu interesse sobre as demais partes. Assim, buscando evitar a violência, a sociedade democrática é uma tentativa de organização social que quer resolver o problema das disputaspolíticas de forma harmoniosa, ou seja, ela tem como princípio a busca de soluções não violentas para a resolução de conflitos (Vinyamata, 2003). Portanto, o objetivo das propostas de resoluções de conflitos não é eliminar o conflito, uma vez que o conflito está na base da sociedade democrática, mas sim ajudar as partes a encontrarem formas de resolução dos conflitos, formas não violentas. O conflito faz parte da sociedade e ele pode ser uma força de mudança social. Assim, não se trata de eliminar o conflito, mas de encontrar uma maneira de lidar com ele de forma não violenta. De semelhante forma, no âmbito escolar, surge “a necessidade de articular meios para contribuir para a resolução e superação de conflitos de uma forma dialogada, buscando prevenir a violência e os desequilíbrios de poder” (Possato; Rodríguez-Hidalgo; Ortega-Ruiz; Zan, 2016, p. 358). O conflito em âmbito escolar, portanto, também não pode ser encarado negativamente, mas sim como uma oportunidade pedagógica para que se estabeleçam novas formas de convivência não violentas. Ao buscarmos uma forma de lidar com a problemática do conflito na perspectiva da não violência, precisamos também estar cientes que uma situação conflituosa é um processo que pode ser dividido em fases, ou seja, possui um início, um desenvolvimento e um ápice, que é a violência em si. Na primeira fase, o conflito tem sua origem nas necessidades que podem ser econômicas, ideológicas, biológicas e psicológicas etc. Quando não conseguimos uma convivência cooperativa nessas esferas, os diferentes interesses podem evoluir para a segunda fase na qual os diferentes interesses se expressam antagonicamente. O não enfrentamento desses problemas nos leva à terceira fase que é a crise, o conflito violento (Cascón Soriano, 2007, p. 6). Não precisamos esperar que um conflito atinja a terceira fase para poder enfrentá- lo. Geralmente, nessa fase, é muito mais difícil de alcançar uma resolução satisfatória. Para que possamos lidar de forma adequada com uma situação de conflito, é importante também que tenhamos em mente as formas mais comuns das pessoas se posicionarem diante de uma disputa. Poderíamos classificar as reações das pessoas em pelo menos quatro tipos diferentes (Nascimento, 2010; Cascón Soriano, 2007, p. 7-9). Em primeiro lugar, em muitas situações, as pessoas veem o conflito como uma competição. Na lógica da competição, um lado tende a sair vitorioso e outro perdedor. O conflito, então, é resolvido pela imposição da lei do mais forte. O resultado é a exclusão, a discriminação, o menosprezo, a expulsão etc. Em segundo lugar, há a evitação. Na lógica da evitação, uma das partes tende a evitar o conflito a qualquer custo. Essa forma de lidar com o conflito possui um lado positivo e outro negativo. Por vezes, é melhor recuar perante um conflito que pode gerar risco de vida. Nesse caso, é mais sensato esperar até que as condições de garantias mínimas estejam dadas para a exposição dos interesses, ou seja, por vezes, é melhor esperar para fazer isso na delegacia, na presença de um juiz ou numa mesa de mediação. O lado negativo, por sua vez, é aquele no qual a atitude da pessoa ou grupo vem acompanhada por uma desesperança frente ao problema. Não fazemos valer nossos direitos porque achamos que isso pode provocar tensões ou porque não temos as condições de ganhar. Nesse caso, a pessoa ou o grupo já perdeu o conflito antes mesmo de começar, pois tem medo dos problemas ou não vê possibilidades de sair vitorioso. Permanece assim a lei do mais forte. Em terceiro lugar, pode haver uma atitude de colaboração. Na lógica da colaboração, quando ocorre uma disputa de interesses, as partes cooperam para que todos possam sair ganhando. Essa atitude rompe drasticamente com a lógica da competição. Essa é a forma com a qual os processos de resolução de conflitos não violentos buscam encaminhar seus processos educativos. Trata-se de um processo no qual todas as pessoas envolvidas terminam ganhando. Por fim, há ainda o compromisso ou negociação. Na lógica do compromisso ou negociação, as partes negociam estabelecendo acordos nos quais se comprometem com algumas coisas para ganhar outras. Essa é uma atitude muito comum em negociações de greves. Essa lógica pode ser confundida com as demais, principalmente com a competição, mas ela se diferencia porque ambas as partes saem do processo com a sensação de terem alcançado, pelo menos, o fundamental do que almejavam. Se uma das partes não conseguiu nada, então estamos diante de um caso típico de competição. 1.4. Formas de resolução não violentas Existem pelo menos seis formas de resolução de conflitos não violentas. Algumas delas possuem um caráter mais vertical, ou seja, há uma imposição de uma resolução por um terceiro. Outras possuem uma dimensão mais horizontal, ou seja, possibilitam um espaço de diálogo entre as partes em litígio que são instigadas a entrarem em acordo. No primeiro grupo, encontram-se o juízo e a arbitragem. O juízo é próprio dos processos judiciais no qual um juiz, ou uma corte judicial, imbuído de autoridade pública, decide, com base nas provas e documentos apresentados por ambas as partes durante o processo, em favor de uma das partes. Nesse caso, para que haja justiça, exige-se o imperativo da imparcialidade. A arbitragem, por sua vez, guarda relação com o processo judicial já que também exige a imparcialidade daquele ou daquela que toma a decisão. Mas diferente do processo judicial, a arbitragem é uma prática mais comum em disputas comerciais e laborais não necessariamente envoltas em disputas judiciais. O árbitro, nesse sentido, deve ser uma pessoa com conhecimento técnico sobre a matéria em disputa e autoridade reconhecida, seja por acordo prévio ou por força da lei, por ambas as partes em litígio e sua decisão final deve ser acatada. Já no segundo grupo, encontram-se a facilitação, a negociação, a conciliação e a mediação. Como falamos acima, esse grupo é caracterizado por sua dimensão horizontal de resolução de conflito. Por isso mesmo, essas formas são mais adequadas para serem utilizadas no espaço escolar. A facilitação exige a colaboração −ou o interesse prévio na resolução do conflito− das partes em litígio em todo o processo, já que são elas as que terão que buscar um objetivo que satisfaça ambas as partes. Nesse processo, o facilitador ou a facilitadora não toma uma decisão; é tarefa da pessoa que atua como facilitadora criar um ambiente no qual ambas as partes encontrem alternativas para a solução do problema. A negociação não demanda necessariamente a participação de uma terceira pessoa para a resolução do conflito. Como o próprio nome já sugere, essa forma se caracteriza pelo interesse de ambas as partes em encontrar uma solução através da negociação. Para que a negociação aconteça, é necessário que ambas as partes estejam abertas para o diálogo; e, nesse sentido, ambas as partes se comprometem em encontrar soluções negociadas. Devido ao diálogo mais direto entre as partes, a negociação é a forma mais comum de resolução de conflito. Ela ocorre em âmbito privado ou público, na família, na escola, nas empresas, etc. A conciliação ocorre quando não há possibilidade de diálogo entre as partes ou quando esse diálogo está comprometido. Nesse caso, uma terceira pessoa atua como um intermediário facilitando a comunicação, dirimindo questões e abrindo diálogo para possíveis soluções. É importante ressaltar que a pessoa que concilia não toma decisão. Ela facilita o diálogo para que ambas as partes possam fazer a negociação. A conciliação é prática comum no meio jurídico. A mediação, por sua vez, é uma forma mais estruturada de conciliação e possui elementos de todas as outras formas de conciliação horizontais. Ela é feita por alguém qualificado e, normalmente, designado para esse fim poruma instituição. Igual à conciliação, o mediador ou mediadora atua como facilitador do diálogo, mas, ao contrário do conciliador, cuja participação no processo se limita a abrir um espaço de diálogo para que a negociação entre ambas as partes possa ocorrer, na mediação, há a participação mais ativa da pessoa que atua como mediadora. Ou seja, a pessoa que faz a mediação pode intervir na disputa tentando equilibrar as forças entre as partes, apontando para possíveis resoluções e buscando criar as condições para um acordo. Portanto, há várias formas de conciliação e, normalmente, quem está atuando diretamente para a resolução de conflito movimenta-se entre as diferentes formas. No entanto, para o espaço escolar, as formas horizontais são mais adequadas visto que a escola é, por excelência, um espaço de diálogo. A seguir (Tabela 1.1) resumimos os diferentes métodos de resolução de conflitos e suas principais aplicações. Tabela 1.1: Métodos de resolução de conflitos. Métodos verticais de resolução de conflito Juízo Próprio dos processos judiciais. Um juiz, imbuído de autoridade pública, decide em favor de uma das partes. Arbitragem Prática mais comum em disputas comerciais e laborais não necessariamente envoltas em disputas judiciais. O árbitro deve ser uma pessoa com conhecimento técnico sobre a matéria em disputa e autoridade reconhecida por ambas as partes em litígio e sua decisão final deve ser acatada. Métodos horizontais de resolução de conflitos Facilitação Exige a colaboração das partes em litígio em todo o processo. Nesse processo, o facilitador ou a facilitadora não toma uma decisão; é tarefa da pessoa que atua como facilitadora criar um ambiente no qual ambas as partes encontrem alternativas para a solução do problema. Negociação Essa forma se caracteriza pelo interesse de ambas as partes em encontrar uma solução através da negociação. Para que a negociação aconteça, é necessário que ambas as partes estejam abertas para o diálogo; e, nesse sentido, se comprometam em encontrar soluções negociadas. Conciliação Ocorre quando não há possibilidade de diálogo entre as partes. Nesse caso, uma terceira pessoa, normalmente um juiz, atua como um intermediário facilitando a comunicação, dirimindo questões e abrindo diálogo para possíveis soluções. Mediação É uma forma mais estruturada de conciliação. Ela é feita por alguém qualificado e, normalmente, designado para esse fim por uma instituição. O mediador ou mediadora pode interferir na disputa apontando para possíveis resoluções e tentando criar as condições para um acordo. 1.5. Mediação escolar: origens e definições básicas Como abordamos acima, existem seis formas de resolução de conflitos: o juízo, a arbitragem, a facilitação, a negociação, a conciliação e a mediação. Essas formas podem ser divididas em dois campos, os quais denominamos de vertical e horizontal. Também concluímos que as formas horizontais de resolução de conflitos são mais adequadas para o ambiente escolar. Dessa forma, a facilitação, a negociação, a conciliação e a mediação, por seu caráter dialogal, são tomadas como norteadoras para a resolução de conflito no âmbito escolar. No entanto, embora a igualdade e o diálogo sejam valores fundamentais para a convivência escolar (Freire, 2006), diretores, professores, funcionários e alunos possuem hierarquias e responsabilidades diferentes inerentes aos papéis que cada um desempenha dentro da instituição. Ou seja, embora nossa pedagogia possa ser guiada por princípios igualitários, é bom não esquecer que discentes e docentes tem responsabilidade e deveres diferentes. Portanto, para preservar a autoridade do espaço escolar e de seus agentes, a resolução de conflito deve ser guiada por princípios horizontais que incluam também o respeito à autoridade do agente público que fala pela instituição. Seguindo esse princípio, a mediação é a forma mais adequada para o espaço escolar uma vez que ela inclui a metodologia das outras formas de resolução de conflito horizontais, mas, ao mesmo tempo, também preserva a autoridade da instituição, pois a mediação é feita por alguém incumbido para essa tarefa pelo órgão público ou por uma instância superior com a finalidade de intervir em situações de conflito. Feitas essas considerações, passamos agora a explorar mais de perto o processo de mediação escolar de conflitos, suas origens e definições básicas. Com essa exploração, pretendemos trazer variados elementos sobre a mediação escolar e sobre sua metodologia. Inicialmente, é fundamental assinalar que processos de resolução de conflitos não violentos possuem longa história e podem ser encontrados em todas as culturas ao redor do mundo. No entanto, a mediação escolar para a resolução de conflitos, como a conhecemos hoje, é um processo que tem suas origens no meio jurídico (Martinez Zampa, 2009; Possato; Rodríguez-Hidalgo; Ortega-Ruiz; Zan, 2016). Na década de 1970, nos Estados Unidos, o meio jurídico, preocupado com o aumento dos litígios, procurou desenvolver alternativas mais baratas e eficazes de resolução. Para isso, precisava que os processos fossem menos formais e mais ágeis. Buscaram-se, então, metodologias de formas de resolução de conflito já utilizadas em outras áreas, fossem elas jurídicas ou não, a saber, da facilitação, da negociação e da conciliação. A conciliação já era uma prática amplamente utilizada no meio jurídico e serviu de base para estruturar a mediação. Assim nascia a mediação como forma de fazer as partes litigiosas encontrarem uma solução conjunta. O objetivo era que as partes dialogassem em busca de uma solução que fosse mediada por um terceiro, normalmente um juiz ou responsável legal. Já na década de 1980, a mediação toma impulso passando a ser utilizada em vários contextos como conflitos comunitários, familiares e até penais. Gradativamente, então, a mediação ultrapassa o âmbito jurisdicional adentrando outros setores da sociedade, dentre eles, a escola. No entanto, ela não perde de todo sua origem, pois mantém “elementos de práticas como a conciliação e a arbitragem do campo jurisdicional” (Possato; Rodríguez-Hidalgo; Ortega-Ruiz; Zan, 2016, p. 358). Nos Estados Unidos, a partir da lei que coibia a segregação racial, assinada em 1964 pelo presidente Lyndon Baines Johnson, no âmbito escolar, além das disputas regulares entre alunos, a mediação passou a ser também forte instrumento aliado ao combate à discriminação racial na década de 1980. Rapidamente, essas experiências espalharam-se por diversos países da Europa como a França, a Grã-Bretanha, a Suíça, a Bélgica, a Polônia, a Alemanha e a Espanha. Na Ásia, passou a ser utilizada, também na Nova Zelândia e na Austrália. Nas Américas, além dos Estados Unidos, a Argentina, o Brasil, o Canadá, o Chile, a Colômbia, o Equador, o México, Porto Rico e a Venezuela passaram a ter experiências significativas (Alzate Saez de Heredia, 2009). Portanto, a mediação tem sua origem no campo jurisdicional dos Estados Unidos. Adentrando a escola para a resolução de conflitos entre alunos e entre alunos e sociedade, ganhando força no combate à discriminação racial. Utilizando metodologias da facilitação, da negociação e da conciliação, é quase natural que sobressaiam os aspectos horizontais de resolução de conflitos. Muitos autores, ao descreverem a função horizontal da mediação, chegam mesmo a confundirem mediação com outras abordagens, apontando seu papel de neutralidade, de facilitação e de conciliação. No entanto, a mediação, como destacamos, possui também elementos próprios do campo jurisdicional. Isso porque ela nasceu desse meio como uma forma de resolução de conflitos mais barata, rápida e eficaz. Dessa forma, o mediador ou mediadora escolar, embora almeje a neutralidade, não é totalmente neutro entre as partes em litígio. Ele ou ela responde a regras e ritos preestabelecidospela instituição e interfere no processo para garantir que haja equilíbrio entre as partes em disputa. Assim, é bom lembrar também que, diferente das outras formas de resolução de conflitos horizontais, a mediação escolar também é uma forma de intervenção, ou seja, é a Sociedade e o Estado buscando alternativas para a resolução de conflitos e isso implica intervir, propor alternativas. Por vezes, as partes em conflito não estão dispostas a dialogarem e é aí que transparece a proposta de intervenção quando a pessoa que faz a mediação propõe formas alternativas e cria espaços que facilitem o diálogo. Compreendida a origem do processo de mediação escolar, podemos então analisar mais de perto a definição de Morgado; Oliveira (2009, p. 48), não a única, mas sim uma das mais utilizadas na academia. A Mediação é uma negociação com a intervenção de um terceiro neutral, baseada nos princípios da voluntariedade das partes, da neutralidade e imparcialidade do terceiro (mediador) e na confidencialidade do processo, a fim de que as partes em litígio encontrem soluções que sejam mutuamente satisfatórias. Essa definição de mediação, podemos dizer, destaca o princípio de neutralidade necessária para que haja uma mediação entre as partes. Para que haja a mediação, a pessoa que atua como mediadora não pode tomar partido entre as partes em litígio. Sua função é fazer com que as partes encontrem soluções duradouras e eficazes. Se ela toma um partido, compromete todo o processo de mediação. Portanto, embora a mediação escolar tenha um componente de intervenção, a pessoa que realiza a mediação não pode tentar resolver o problema através de uma decisão heterônoma, sob pena de inviabilizar todo o processo de mediação. Trata-se, então, de ter consciência de seu lugar como representante de uma instituição que lhe atribui autoridade, mas que essa autoridade não significa poder de juízo sobre as partes. Como afirma Daniel Martinez Zampa (2009, p. 39) “O mediador [mediadora] não oferece resposta ao conflito, não proporciona soluções, é sim a pessoa responsável de sustentar um espaço para que o conflito seja elaborado construtivamente, abordando o conflito de maneira que as partes possam reconhecê-lo, reformulá-lo e resolvê- lo”. Assim, no ambiente escolar, para que haja a mediação, é necessário que as partes estejam dispostas ao diálogo. Esse é o “princípio da voluntariedade das partes”. Se não existe a disposição para o diálogo −o que pode ser a norma num ambiente conflituoso− a pessoa que faz a mediação deve buscar estratégias que levem as partes ao diálogo, intervindo, assim, na realidade conflituosa a fim de facilitar a resolução de conflitos. Note-se ainda que, para que haja o diálogo efetivo, as partes precisam estar numa relação de igualdade. Não pode haver o diálogo se uma das partes possui qualquer tipo de poder sobre a outra. Se isso ocorre, é tarefa da pessoa que realiza a mediação intervir entre as partes para que se estabeleça uma condição de igualdade. Por fim, o ambiente de diálogo e de negociação deve ser pautado pelo princípio da confidencialidade. Ambas as partes devem estar seguras de que tudo o que for negociado ou dito será mantido em segredo. Tudo o que for publicitado sobre o processo de mediação de um conflito deve passar antes pela aprovação de ambas as partes. Dessa forma, as partes sentirão que são sujeitos do processo e que elas são responsáveis pelas soluções acordadas. 1.6. Conclusão Concluímos este capítulo que teve como base o conhecimento e a compreensão de conceitos fundamentais para a disciplina. Especificamente no tocante a Conflito(s) e sua resolução no Âmbito Escolar. Enfatizando em Conflito não como fim e sim como meio, uma situação que se dá a partir de nossas diferencias e pontos de vistas divergentes e que, do mesmo jeito que são apresentados como inevitáveis são, também, passiveis de solução. Nessa certeza, proporcionamos informação sobre o que se conhece como formas de Resolução “não violentas”, e entre elas apresentamos a mediação. A mediação como técnica factível e privilegiada que por suas caraterísticas é tida como a melhor opção para a resolução de conflitos. Se fez, também, o levantamento histórico e uma explanação da maneira como essa técnica é entendida. No capítulo seguinte trabalharemos ela com maior profundidade, visando, mas que a resolução, uma adequada transformação. 1.7. Bibliografia recomendada Aninger, L. (s/d). Gerenciando Conflitos. Recuperado de: https://sites.google.com/site/agestaoeducacional/artigo/conflitos Araújo, U. F. (2007). Resolução de conflitos e assembleias escolares, 2007. Recuperado de: http://www.ufpel.tche.br/fae/caduc/downloads/n31/06.pdf Bressan, F. (s/d). O método do estudo de caso. Administração on line: Ser Professor universitário. Recuperado de: https://www.academia.edu/26534736/O_MÉTODO_DO_ESTUDO_DE_CASO_1_ Flávio_Bressan_-FEA-USP Catão, A. (s/d) Conflitos, Violências e Escola. Recuperado de: https://respeitarepreciso.org.br/conflito-violencias-e-escola/ Ferreira, Maria. A. (s/d) O Conflito como uma oportunidade de aprendizagem no Âmbito Escolar. Recuperado de: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/ambito-escolar 2. Visando a transformação:Prática da Mediação Escolar Objetivos Conhecer os pressupostos da Mediação Escolar. Reconhecer as características da Mediação Escolar. Conhecer o modo de atuação na Mediação Escolar. Identificar os diferentes atores/as envolvidos, perfil e princípios desta função. Classificar as fases na Mediação Escolar. 2.1. Introdução No capítulo anterior, chegamos à conclusão de que a mediação é uma forma de resolução de conflitos que, embora predominem os aspectos horizontais, também possui aspectos verticais. Ou seja, é uma forma de resolução que quase poderíamos chamar de intermediária. Isso porque, na mediação, nem sempre as partes estão propensas para a resolução de seus conflitos de forma não violenta e é papel da pessoa que faz a mediação intervir na realidade – especialmente quando falamos da realidade escolar – para evitar que os conflitos se transformem em violência. https://sites.google.com/site/agestaoeducacional/artigo/conflitos http://www.ufpel.tche.br/fae/caduc/downloads/n31/06.pdf https://www.academia.edu/26534736/O_M%C3%89TODO_DO_ESTUDO_DE_CASO_1_Fl%C3%A1vio_Bressan_-FEA-USP https://www.academia.edu/26534736/O_M%C3%89TODO_DO_ESTUDO_DE_CASO_1_Fl%C3%A1vio_Bressan_-FEA-USP https://respeitarepreciso.org.br/conflito-violencias-e-escola/ https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/ambito-escolar Se não há a necessidade de intervenção, não há também a necessidade de uma mediação. Nesse caso, no máximo, as partes poderiam necessitar de uma pessoa que sirva de facilitadora ou de negociadora entre elas, já que estão predispostas a resolverem pacificamente seus problemas. Neste segundo capítulo, como já foi anunciado, estudaremos a técnica da mediação. A proposta é conhecer os pressupostos, as caraterísticas, assim como também, o modo de atuação de atores (mediadores/as) envolvidos nessa dinâmica de trabalho, o perfil e os princípios que regulamentam essa função. Para Pensar... “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os seres humanos se libertam em comunhão”. Paulo Freire 2.2. Pressupostos para a mediação escolar A mediação é uma forma de resolução que tem por princípio a neutralidade entre as partes, a busca pela voluntariedade das partes e a confidencialidade no processo. No âmbito escolar, esses são elementos importantes que devem ser fomentados pelas pessoas que realizam a mediação. Sem esses princípios, não há mediação. Conforme o “Guia de mediação popular” publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil (Nascimento et al., 2010, p. 22-24), na prática, esses princípios se traduzem em algumas técnicas quedeveriam ser aplicadas pelas mediadoras e mediadores. São elas, 1.Geração de confiança. A pessoa que realiza a mediação precisa cultivar a confiança das partes. Para que as partes confiem no papel desempenhado pelo mediador, é necessário a) explicar o que é o processo de mediação; b) assegurar a confidencialidade de tudo o que for dito no processo; c) esclarecer os limites do processo de mediação; d) deixar claro os objetivos do processo em vistas da elaboração de acordos e suas implicações. 2.Escuta ativa e perguntas circulares. A pessoa que faz a mediação deve demonstrar que está aberta para a escuta, valorizando, assim, o poder de fala das partes. Deve também procurar fazer perguntas que estimulem as partes a olharem para o problema de outra forma e numa perspectiva de futuro. 3.Transformação de percepções negativas. A pessoa que realiza a mediação deve esforçar- se para que as narrativas depreciadoras não criem mais constrangimentos e exacerbem o conflito. Nesse sentido, é importante refazer essas narrativas, através de perguntas circulares, de forma a estimular um ambiente mais respeitoso e cooperativo. 4.Empoderamento. A pessoa que faz a mediação deve estar consciente de que a mediação ocorre num jogo de disputa de poder entre as partes. Nesse sentido, é importante que a mediação, sem abandonar o princípio da imparcialidade, fortaleça a parte mais fraca para que haja um equilíbrio necessário para a resolução do conflito. Nesses casos, podem ser necessárias conversas individuais com as partes. 5.Identificação dos conflitos. A pessoa que faz a mediação deve estar atenta para identificar as diferentes posições assumidas e os verdadeiros interesses envolvidos. As posições são as manifestações públicas do conflito. Já os interesses são as intenções que estão por trás daquilo que se diz. Por exemplo, quando uma mãe diz para sua filha que ela não vai sair e ela responde que vai, ambas estão explicitando suas posições. No entanto, seus verdadeiros interesses são outros. A mãe, provavelmente, está preocupada com a exposição de sua filha num ambiente de violência social. A filha, por sua vez, está afirmando seu interesse em participar da vida social. Separando as posições de interesses, a pessoa que realiza a mediação tem melhores condições de alcançar a cooperação entre as partes. 6.Escuta de outras pessoas que possam influenciar na solução do conflito. A pessoa que faz a mediação deve estar atenta para a possibilidade de terem outras pessoas envolvidas no conflito. Por outro lado, uma terceira pessoa, embora não esteja envolvida diretamente no conflito pode ter o poder de influência nas tomadas de decisões. Esse pode ser o caso de líderes religiosos, líderes comunitários e ou mesmo autoridades locais. 7.Chuva de ideias. Depois de identificado o conflito, a pessoa que faz a mediação pode estimular as partes para que elaborem e expressem diferentes alternativas para a resolução do mesmo. Dessa forma, as partes são estimuladas a construírem conjuntamente alternativas para a resolução do conflito. 8.Critérios objetivos. Após serem elaboradas, através da chuva de ideias, as diferentes alternativas para a resolução do conflito, a pessoa que faz a mediação deve ajudar as partes a selecionarem uma solução viável e que não infrinja a lei. Este é o momento no qual as partes, normalmente, fazem um acordo formal. Como se pode ver, para que haja a efetiva mediação, a pessoa que a realiza deve seguir princípios e práticas básicas, mas também, regras e rituais que podem ser preestabelecidos pela instituição onde atua. No ambiente escolar, além dessas regras e rituais que facilitam, ou mesmo tornam possível a mediação, há também normas de comportamento próprias da instituição que todas as pessoas envolvidas devem seguir. Nem mediador/mediadora, nem alunos/alunas estão dispensados de seguirem essas regras e normas. E essas normas não podem ser quebradas, a quebra delas acarreta punições. É bom lembrar ainda que nem todo conflito pode ser mediado. Em alguns casos, talvez outras soluções precisem ser aplicadas. Em casos de abuso sexual ou de violência familiar, ou qualquer outra forma de crime, as autoridades competentes devem ser acionadas. Isso porque não há mais a possibilidade do diálogo entre as partes, já que o princípio de igualdade entre as partes foi violado e a vítima está em situação de vulnerabilidade perante seu agressor (Nascimento et al.,2010, p. 25). Por fim, é preciso frisar também que nada disso se faz sem o reconhecimento e o respeito da comunidade acadêmica e da comunidade do entorno. A pessoa que realiza a mediação deve ter esse respeito ou não há possibilidade de que haja um processo efetivo de resolução de conflito. Além disso, essa pessoa – ou equipe quando for o caso – deve receber treinamento específico para a realização da função. Pois como afirma Martinez Zampa, (2009, p. 40) um mediador ou mediadora escolar Deve reunir os requisitos mínimos de formação que se estabelecem para a mediação em outros âmbitos, além de contar com o conhecimento do sistema educativo, a sua estrutura, organização, sistema de relações, discursos que perpassam as instituições, significações do conflito no sistema, isto é, o contexto onde se produzem esses conflitos. Daí a importância de que pessoa ou equipe mediadora tenha formação nessa área. Além da capacitação para o desenvolvimento do processo de mediação e transformação, a formação se traduz em confiança para as partes em conflito. 2.3. Características da mediação escolar e os modos de atuação No ambiente escolar, há muitas formas para lidar com o comportamento de indisciplina de discentes: advertências diversas, o aluno/a pode ser posto para fora da sala de aula e encaminhado à coordenação, as pessoas responsáveis (mães, pais, avôs...) podem ser chamadas à escola. Essas formas de lidar com os conflitos constituem a norma nas instituições educacionais. A mediação escolar, por sua vez, propõe trazer outra concepção que serve não somente para os discentes, mas também para o corpo docente e demais funcionários/as. Não se trata de substituir as formas tradicionais, já que a punição por uma transgressão pode ser necessária e também tem seu papel educativo para a vivência em sociedade. Trata-se sim de instituir uma nova forma de sensibilidade que privilegia o diálogo entre as partes envolvidas no conflito com o objetivo pedagógico de fazê-las encontrarem soluções pacíficas para suas divergências. Claro que existem diálogos e conversas nos modelos tradicionais de tratamento de conflitos escolares, mas eles podem ser realizados sem preparação, podem não estar conscientes das alternativas de resolução de conflitos não violentas, e por isso os resultados não serão os mesmo. Dessa forma, a proposta da mediação escolar tem a tarefa de modificar toda a cultura escolar para a prática da resolução de conflitos não violenta (Cascón Soriano, 2007). Essa tarefa passa diretamente pelo modo específico de atuação da mediação escolar que se situa tanto na prevenção quanto na resolução de conflitos e em seus dispositivos principais para a mediação: palestras, oficinas, conversas e orientações. O ambiente escolar pode ser muito conflitivo e os alunos/as nem sempre estão predispostos ao diálogo. Na verdade, os alunos/as trazem seus conflitos familiares e pessoais, assim como, as formas de lidarem com esses conflitos, para dentro da escola. Essas formas tendem a ser violentas dadas as condições sociais precárias nos lares, bairros e periferias. Por isso, uma das principais características da mediação escolar é a prevenção da violência. Essa, na verdade, é a linha mais direta de intervenção de um processo de mediação escolar. Seguindo o alvo principal da necessidade de prevenção à violência, a mediação escolar deve implementar um programa de resolução de conflitos, destacandouma pessoa, ou equipe, para atuarem como mediadores/as. Essa pessoa ou equipe deve ser treinada para a função. Seu papel imediato e mais prático é reconhecer situações de conflitos no âmbito escolar e atuar através dos princípios da mediação promovendo o diálogo entre as partes em conflito. Nessa tarefa, não basta esperar para que os estudantes ou docentes voluntariamente venham apresentar suas desavenças. É preciso ficar atento e intervir “criativamente” na realidade a fim de criar oportunidades para que o diálogo possa ocorrer. Por vezes, como afirmam Martins; Machado e Furlanetto, (2016, p. 586) pode ser necessário convocar as partes para estimular um caminho alternativo à violência: Ao que parece, ter um profissional na escola – que é referência para a mediação dos conflitos – promove o atendimento imediato dos envolvidos, por meio de diálogos e explicações sobre as ocorrências, o que pode poupar sua continuidade, ocasionando, consequentemente, a diminuição da possibilidade dessas situações degenerarem em violência. A mediação escolar não pode, assim, pressupor que os/as estudantes – e todo o corpo escolar – estejam preparados e predispostos a resolverem seus problemas pacificamente. Para que haja essa predisposição, é preciso que haja uma formação pedagógica voltada a esse objetivo. É preciso que sejam educados/as para a não violência. Dessa forma, a pessoa ou a equipe que faz a mediação deve procurar implementar ações e estratégias que fomentem o diálogo em vistas da formação para uma educação para a paz, para a convivência e para a vida democrática (Martinez Zampa, 2009, p. 40). Ao lado da intervenção direta nas situações de conflito, essa dimensão pedagógica da mediação escolar é a característica mais importante de um processo de mediação em âmbito escolar; afinal, a escola é o ambiente de formação e de educação mais importante das sociedades ditas democráticas. Poderíamos inclusive dizer que a mediação escolar tem seu valor e relevância social justamente pelo processo pedagógico que implementa. “No processo como um todo, reside a importância da mediação, sobretudo pela sua função pedagógica, educativa, ao tratar o conflito a partir de uma atitude de diálogo” (Nascimento et al.,2010, p. 24). Assim, a mediação escolar, através de todas suas ações, tem a finalidade de ir gerando uma cultura para a paz (Vinyamata, 2003). O trabalho da mediação escolar voltado para uma cultura da paz também envolve, num outro momento, a formação direta dos próprios alunos/as para que atuem como agentes mediadores (Martinez Zampa, 2009, p. 40). Esses/as alunos/as formados/as nas técnicas e procedimentos de resolução de conflitos podem atuar como uma caixa de ressonância do trabalho de mediação ampliando seu alcance dentro e fora do ambiente escolar. Dessa forma, a escola contribui, através de seu papel pedagógico, para a formação da cidadania. 2.4. Atores, perfil e princípios da pessoa mediadora Para que possa haver mediação escolar, deve haver, em primeiro lugar, pessoas que são responsáveis pela mediação. Para isso, faz-se necessário que a instituição escolar ou outra instância administrativa nomeie uma pessoa ou uma equipe para serem os mediadores. Pode ser tanto do quadro de funcionários da escola quanto pessoas de fora que possuem conhecimentos técnicos sobre o processo de mediação e sobre o funcionamento administrativo e organizacional da escola. É altamente recomendável que a pessoa ou equipe escolhida seja aprovada pelo corpo docente, ou seja, ela tem que ter o reconhecimento de seus pares. Sem esse reconhecimento, todo o processo de mediação está comprometido. Não obstante, mesmo que a escola tenha pessoas responsáveis designadas para a função de mediadoras, é bom lembrar que todo o corpo docente, os funcionários e os demais colaboradores da escola também devem estar afinados com a proposta da mediação. O objetivo maior da mediação escolar é mudar a forma com que a própria escola – ou seja, todas as pessoas que estão envolvidas diretamente com essa instituição – encaram a questão do conflito e a forma de lidar com ele. Essa, como já afirmamos, é a função pedagógica da mediação escolar. Se todas as instâncias de uma instituição escolar estão voltadas para a resolução de conflitos de forma não violenta, cria-se um ambiente democrático que facilita a resolução dos problemas decorrentes das disputas de interesses. À parte da pessoa ou equipe destacada para a função de mediação (e da responsabilidade de todos e todas que atuam diretamente na escola), o corpo discente também é um dos principais atores do processo de mediação escolar. O processo de mediação tem a incumbência de educar para a paz e para a não violência, pois, para que possamos viver numa sociedade sem violência, é preciso que haja formação e educação voltadas a isso. A superação da violência, portanto, passa em grande parte pela instituição escolar. Existem também outros atores provenientes do entorno, ou raio maior de relações, que podem estar envolvidos no processo de mediação escolar. Seu envolvimento pode ser decorrente da participação em conflitos que adentram o âmbito escolar, já que a escola não é um mundo à parte. No geral, os conflitos que se apresentam no âmbito escolar podem ter sua origem fora dos muros da escola. É tarefa da mediação escolar identificar e dialogar, quando possível, com esses atores −que podem ser grupos religiosos, grupos políticos e outros− para que possa ocorrer um processo efetivo de mediação. Por outro lado, a pessoa ou a equipe que faz a mediação também pode identificar atores provenientes do entorno que possam auxiliar nos processos de mediação. Aqui estamos pensando em lideranças religiosas, líderes de bairro e autoridades locais. Essas pessoas podem ser chamadas para fazer uma palestra sobre algum assunto específico ou podem mesmo ser, também, facilitadoras nos processos de mediação. Por fim, existe ainda outro importante ator no processo de mediação escolar, a saber, a família. As famílias são fontes de conflitos e, como tal, devem fazer parte do horizonte de quem é responsável pelo processo de mediação. Envolver as famílias nas atividades organizadas pela mediação escolar é importante não só para buscar o apoio delas, mas para tentar ampliar o impacto positivo da resolução de conflitos não violentos para dentro da comunidade. Identificados os principais atores que estão envolvidos no processo de mediação escolar, é também importante que se destaque o perfil e os princípios da pessoa que faz a mediação (Nascimento et al.,2010, p. 35-36). É dizer, aquela pessoa que tem por função conduzir os diálogos para que os conflitos possam ser solucionados. Essa pessoa precisa ter legitimidade e respeitabilidade no seu círculo de atuação, assim como responsabilidade com os compromissos assumidos. Precisa, também, disponibilidade para uma formação permanente que qualifique sempre mais e mais sua prática. Esses requisitos estão unidos a vários princípios que são imprescindíveis para desenvolver essa função. A saber: •Sensibilidade. Não há como conceber uma pessoa mediadora que não seja sensível às questões humanas. •Ética e supremacia dos direitos humanos. A pessoa mediadora precisa ser uma pessoa ética, conhecedora e praticante de valores que estejam relacionados com o respeito à dignidade do outro/a, devendo ter a supremacia dos direitos humanos, da igualdade e do respeito às diferenças, como guia da sua prática cotidiana. •Conhecimento básico da Legislação Nacional e do Ministério de Educação. Não precisa ser advogado, mas é essencial que a pessoa mediadora conheça normas básicas que poderão auxiliar quando confrontada a questões que inevitavelmente apareceram nas demandas escolares. •Capacidade comunicativa. A capacidade comunicativa é uma habilidade a ser desenvolvidapela pessoa mediadora, a fim de conseguir fazer uso de técnicas de comunicação para o desenvolvimento do trabalho de mediação escolar. •Capacidade de escuta. Fazendo parte da capacidade de comunicação está a capacidade de escuta. Esta é habilidade fundamental no exercício da mediação. As partes envolvidas devem ser sempre escutadas com atenção e respeito. •Capacidade de manter sigilo. Aqui o enfoque vem da responsabilidade, a responsabilidade de manter sigilo com todas as informações durante e após o processo. O princípio de sigilo só deve ser quebrado em situações onde a pessoa mediadora se depare com uma conduta criminosa que traga risco iminente para uma das partes (ex. abuso sexual infantil). •Criatividade. Diz o ditado popular que “cada caso é um caso”, e não é muito diferente no processo de mediação. A pessoa mediadora deve apoiar-se em metáforas, comparações, que unidas ao bom humor deixem o ambiente menos estressante, mais propício à mediação. Ciente de que não existe uma única receita para todos os processos, colocará em prática a criatividade nas técnicas a implementar. •Estilo cooperativo. O estilo preferencial para os processos de mediação é o cooperativo, não devendo nunca, a pessoa que media o processo, imprimir um espírito competitivo entre as partes. Como pode ser observado requisitos e princípios são premissa fundamental para que o processo de mediação possa ser eficaz, para que possa se desenvolver tanto no sentido da resolução quanto no sentido da ação educativa e transformadora, desde o próprio início. 2.5. Fases de um processo de mediação Ter conhecimento das diferentes fases de um processo de mediação, na prática, é altamente relevante para as pessoas que conduzem processos de mediação, sob o risco de atropelarem o processo e inviabilizarem uma resolução efetiva. Como quase todas as coisas na vida, as fases da mediação podem ser divididas em início, desenvolvimento e término/conclusão (Nascimento et al.,2010, p. 24- 25). a)Fase inicial. O início de um processo de mediação escolar passa pela identificação de uma situação de conflito. O ideal é que as partes venham apresentar suas queixas perante a pessoa que faz a mediação. No entanto, e isso é mais acentuado num processo inicial de implantação de um projeto de mediação escolar, a norma pode ser que a pessoa que faz a mediação convoque as partes para uma conversa. Nessa fase, o importante é fazer com que as partes concordem com a necessidade do diálogo. É extremamente importante que, antes de qualquer coisa, as partes entendam e se comprometam a resolver seu problema sem o uso de violência. Ou seja, é preciso parar a violência. Então, no início, é tarefa da mediação auxiliar as partes no processo de compreensão da importância da necessidade do diálogo para a resolução do problema. Depois que as partes estão de acordo em dialogar, a pessoa que faz a mediação deve explicar passo a passo o processo de mediação com o objetivo de criar um ambiente cooperativo e estabelecer confiança entre as partes e a pessoa que faz a mediação. Nessa fase, é muito importante que a pessoa que faz a mediação deixe claro que tudo o que for dito deve permanecer em segredo. O princípio da confiabilidade não pode ser quebrado. b)Fase do desenvolvimento. Na fase do desenvolvimento, cabe à pessoa que faz a mediação escutar atentamente todos os relatos das partes, identificar os conflitos diferenciando entre as posições assumidas e os verdadeiros interesses, ajudar a parte mais frágil a empoderar- se para que o diálogo em condições de igualdade seja possível e, através de perguntas circulares, tentar fazer com que as partes escutem e compreendam a posição da outra parte. Se for possível e necessário, a pessoa que faz a mediação pode trazer outras pessoas que possam auxiliar na resolução do problema para contribuírem. c)Fase da conclusão. Já na fase da conclusão, é importante que as partes sejam estimuladas a expressarem diferentes formas de tentativas para solucionar o problema. Esse é o momento da chuva de ideias. A pessoa que conduz a mediação deve anotar as diferentes alternativas e, excluídas aquelas que podem violar a lei, apresentar as mais viáveis para que as partes concordem entre uma dela. Feito isso, as partes fecham um compromisso com essa resolução. Esse compromisso pode ser formalizado por escrito ou somente verbal entre as partes e as testemunhas. No caso de ser um acordo por escrito, deve ser assinado em três vias pelas partes e por testemunhas. Cada parte fica com uma versão do documento e a outra cópia fica arquivada na escola sob os cuidados da pessoa que faz a mediação. 2.6. Conclusão A modo de conclusão frisamos que: nem todos os conflitos são mediáveis e que o poder de quem faz a mediação −seja pessoa ou equipe− é limitado! Há conflitos que por sua envergadura ou complexidade precisam de uma resolução em outras instancias, principalmente quando a vida de alguma pessoa está em perigo ou risco iminente. Nesses casos, a melhor solução é o encaminhamento imediato aos órgãos competentes. Uma outra observação importante, a partir do que temos trabalhado no capítulo, é que não existe uma técnica única que funcione como tábua de salvação em todas as situações de conflito no âmbito escolar. Por tanto, não é dominando uma técnica especifica que estaremos preparadas/os para atuar como mediadores/as é preciso muito mais e sobre esse “muito mais” vamos a dissertar, a seguir, nos seguintes capítulos deste módulo. 2.7. Bibliografia recomendada Barbosa, M. C. S. (2007). Culturas escolares, culturas de infância e culturas familiares: as socializações e a escolarização no entretecer destas culturas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 1059-1083, out. Recuperado de: https://www.redalyc.org/pdf/873/87313704020.pdf Chrispino, Á. (2007). Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, 15(54). Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/a02v1554.pdf Gouvêa Neto, F.F. (s/d). A Mediação de Conflitos nas Escolas. Uma ferramenta para tratar os casos de violência e atos infracionais e de menor gravidade. Recuperado de: https://freitasgouvea.jusbrasil.com.br/artigos/469668509/a- mediacao-de-conflitos-nas-escolas Possato, B. C.; Rodriguez-Hidalgo, A. J.; Ortega-Ruiz, R. e Zan, D. D. P. (2016). El mediador de conflictos escolares: experiencias en América del Sur. Psicol. Esc. Educ. https://www.redalyc.org/pdf/873/87313704020.pdf http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/a02v1554.pdf https://freitasgouvea.jusbrasil.com.br/artigos/469668509/a-mediacao-de-conflitos-nas-escolas https://freitasgouvea.jusbrasil.com.br/artigos/469668509/a-mediacao-de-conflitos-nas-escolas 2016, vol.20, n.2, pp.357-366. ISSN 2175-3539. Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413- 85572016000200357&script=sci_abstract&tlng=es Silveira Barbosa, M. C. (2007). Culturas escolares, culturas de infância e culturas familiares: as socializações e a escolarização no entretecer destas culturas. Educação & Sociedade, vol. 28, núm. 100, outubro, pp. 1059-1083. Centro de Estudos Educação e Sociedade Campinas, Brasil. Recuperado de: https://www.redalyc.org/pdf/873/87313704020.pdf 3. Resolução de Conflitosno Âmbito Escolar Objetivos Reconhecer diferentes tipos de conflitos em instituições educativas. Destacar a importância dos conceitos cotidiano e experiência. Identificar atores e abordar aspectos da convivência. Reconhecer as abordagens e diferentes formas de solução para os conflitos escolares. 3.1. Introdução O presente capitulo tem como alvo: 1.Reconhecer diferentes tipos de conflitos em instituições educativas. 2.Identificar atores e abordar aspectos da convivência e 3.Reconhecer as abordagens e diferentes formas de solução para os conflitos escolares, isso tudoperpassado pela compressão dos conceitos cotidiano e experiência. Conceitos que ao mesmo tempo em que podem ser propulsores das situações de conflitos são indispensáveis para encontrar caminhos para as soluções. É muito importante que se inicie com as causas e caraterísticas mais comuns na hora de classificar os conflitos, assim como, se trabalhe especificamente com a tipologia dos conflitos no âmbito escolar. Tal opção parte da necessidade de compreensão do fato para, posteriormente, poder pensar em movimentos que representem contra ponto dessas situações. Ainda que conflitos pareçam ter uma certa matriz universal (se entendem como inevitáveis), há muita pluralidade que funciona como elementos chaves e provocadores. Isso se reflete na variedade de autoras e autores que se debruçam desde diferentes áreas no enfrentamento desta problemática. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-85572016000200357&script=sci_abstract&tlng=es http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-85572016000200357&script=sci_abstract&tlng=es https://www.redalyc.org/pdf/873/87313704020.pdf Para pensar... “...cada um via uma coisa diferente, cada um, portanto, tinha razão”. Fernando P 3.2. Conflitos Escolares: causas, características e tipos Pode ser afirmado, que não há uma maneira homogênea para abordar uma determinada situação de conflito. María Dolores García Ruíz (García Ruíz, 2015) realiza uma explanação das possíveis causas dos conflitos no âmbito escolar, elencando diferentes aspectos: 1.Enquanto à relação com as famílias: os conflitos se produzem por um excesso de proteção, que conduz a um sentimento de culpabilidade por não dedicar mais tempo a filhos e filhas. Viver a maternidade e paternidade como uma carga traz uma educação com agressividade, com competitividade, com egoísmo, assim como com modelos de possessividade. 2.Em relação ao âmbito educativo e à estrutura organizativa: perspectiva crítica da família (mãe e pai) para com o pessoal docente, questão essa que direciona para a “desautorização” de docentes. 3.Em relação aos meios de comunicação: difusão de notícias com mensagens parcializadas e setorizadas, programas violentos. 4.Em relação à sociedade: se produz quando existe um distanciamento de valores entre o que a sociedade vive e o que é demandado dos/as profissionais da educação. Muitas outras causas podem ser acrescentadas a esta sugestão feita pela autora, no entanto, essas e outras têm como denominador comum a relação intrínseca da escola e o âmbito escolar (família, bairro, comunidade etc.). Por isso, pensar num contexto micro (instituição) como gerador destas práticas e problemáticas seria um grande erro. Conflitos devem ser sempre pensados e trabalhados nessa perspectiva macro de relações e interdependências. Há caraterísticas geradoras e mantenedoras que são apontadas por Pérez- Archundia e Gutiérrez-Méndez e que resulta importante analisar, •Opções ideológicas e políticas que identificam uma determinada instituição podem produzir uma variada e ampla gama de conflitos ideológicos-científicos. •Racionalização do funcionamento organizativo, sem espaço para outros modos do fazer. •Rigidez regulamentista-organicista da instituição (como uma visão tecnocrata, burocrática) vai confrontar uma outra visão que esteja marcada pela criação, que seja mais dinâmica, flexível e favorável às mudanças. •Diferentes níveis de preparação e profissionalização dos docentes, conjuntamente com imagens e expectativas daquilo que se entende e se espera do “modelo de bom professor”. •Práticas escolares cotidianas estão em permanente contato com possíveis conflitos que resultam das relações de poder, poder umas vezes explícito e outras muito velado. Como exemplo disto têm-se as alianças, as tácticas e estratégias que são construídas para manter o controle da escola por um determinado grupo. •Acesso aos recursos materiais, ascensão profissional, condições vantajosas para determinados espaços; os apoios para aceder a bolsas e a cursos de formação. •A quase nula autonomia dos centros educativos e, também, do coletivo docente. •Regras que tem uma função paliativa nas instituições, que não oportunizam o crescimento como pessoa ou como comunidade a partir de uma determinada situação de conflito. •Estrutura fragmentada das escolas, conhecido como “celularismo”, que faz com que docentes atuem como células ilhadas umas das outras, contrapondo a aula-célula à escola- sistema. A essas características geradoras e mantenedoras que podem estar presentes no cotidiano das instituições escolares, somam-se algumas experiências que pautam o comportamento de discentes: •Discentes dispersos que não só se mostram incapazes de manter a concentração nas tarefas, senão que também optam por perturbar aqueles que trabalham nas ações solicitadas, chegando até a fazer uso da violência física em determinados casos. •Discentes com sérios problemas de aprendizagem e de comunicação, que parecem estar encerrados em seu mundo, e que também apresentam problemas de atenção. A sua atitude perturba pelo fato de que acabam sendo vitimizados pelo resto da turma por causa do contínuo isolamento e desconexão. •Discentes que não trabalham nem cooperam em sala de aula, sendo que também provocam com ações, não só colegas, senão também docentes, chegando à prática da humilhação com o resto da turma. São os conhecidos e considerados como “líderes negativos”. •Briga entre dois ou três integrantes da turma, fato não ocasional e sim de maneira contínua entre as mesmas pessoas, chegando até a agressão física. •Grupos que não mostram nenhum interesse nas tarefas orientadas, não valorizam o aprendizado em sala de aula. •Discentes que acham monótono e ultrapassado o método de ensino de maneira geral, e como não sentem contempladas suas propostas de mudanças decidem sabotar o esquema pedagógico implementado, já seja pela burla, pela não participação ou pela deslegitimação da figura docente como detentor de determinado conhecimento. Após conhecer as causas e caraterísticas, é importante debruçar-nos nos diferentes tipos presentes nas escolas. Olhar com atenção, assim como refletir a partir deles, pode ser determinante para as transformações que não só almejamos, senão que também precisamos. María Dolores García Ruíz (García Ruíz, 2015) declara “pode ser que o âmbito educativo seja um espaço privilegiado para que aconteçam vários tipos de conflitos (...) isso pela diversidade de pessoas e suas histórias, as que fazem parte destes espaços”. E nós perguntamos: será? É justo a diversidade de pessoas e suas histórias as que fazem desse espaço “lugar privilegiado...”? A fim de conhecer melhor seus argumentos e, principalmente, por que tais argumentos fecham com os propostos por diferentes estudos neste tema, optamos por trabalhar a partir da classificação dos conflitos que a autora traz: •Conflitos de relação: deriva da acumulação de fortes emoções negativas, percepções falsas ou estereótipos. Também a escassa ou nula comunicação, a presença de condutas negativas repetitivas. Esses são, com frequência, denominados de “conflitos irreais” ou não necessários (Coser, 1956; Moore, 1986). •Conflitos de Informação: aparecem quando as pessoas envolvidas não têm informações suficientes para tomar decisões corretas. Incluindo aqui também uma incorreta compilação de dados. •Conflitos de Interesses: Se dá quando uma ou mais partes pensam que para a satisfação das suas necessidades devem ser sacrificadas as necessidades do oponente. •Conflitos de valores: São causados por sistemas de crenças incompatíveis. Valores explicam aquilo que se entende por bom ou ruim, verdadeiro ou falso, justo ou injusto. As disputas de valores aparecem quando uma parte tenta impor pela força um dado conjunto de valores à outra parte, ou pretende que seu sistema de valores tenha vigência exclusiva,sem admitir crenças diferentes (Moore, 1994). •Conflito Intrapessoal: se produz quando o conflito se dá entre indivíduos. Pode ser por ideias, pensamentos, emoções, impulsos que entram em colisão uns com outros. •Conflito intragrupal: se dá dentro de pequenos grupos, famílias, classes etc. Neste caso é importante analisar como o conflito pode afetar a capacidade do grupo para dar solução aos problemas e conseguir canalizar em prol dos objetivos comuns. •Conflito intergrupal: se produz entre dois grupos. Costuma ser uma situação complicada devido à quantidade de pessoas implicadas e a interação que entre elas se produz. Especificamente sobre os conflitos escolares Maria Dolores elucida quatro grandes categorias, a saber: conflitos de poder, conflitos de relações, conflitos de rendimento e conflitos interpessoais. •Conflitos de poder: são aqueles que estão relacionados com as normas da instituição. •Conflitos de relações: se produz quando um dos sujeitos do conflito é superior hierarquicamente ou emocionalmente ao outro. Aqui podem ser incluídos os casos de bullying. •Conflitos de rendimento: estão relacionados com o currículo, uma tensão entre alunos que apresentam dificuldades para equilibrar suas necessidades formativas e aquilo que lhe é oferecido pelo centro/docente. •Conflitos Interpessoais: aqueles que acontecem na instituição, mas que vão muito além dela. Esse tipo é uma certa reprodução da sociedade em que está localizado. Sendo, aparentemente, reflexo um do outro. Se fazemos um levantamento da bibliografia que trabalha esta temática, constatamos que, de maneira geral, como temos dito, autores e autoras coincidem nesta classificação. Há tanta variedade na tipologia dos conflitos assim como variada é nossa própria vida. E é justo isso o que se quer reforçar quando se faz essa abordagem, não estamos fazendo referência a “algo” alheio a nós, algo que “um dia” poderemos ou não experienciar, estamos tratando uma temática que nos toca a diário, que nos diz, ou “afeta”, cotidianamente. O importante é que pensemos que na Resolução de Conflitos não há uma forma ou maneira pré-estabelecida, fechada, pois essa “resolução” terá que passar obrigatoriamente pelas características que marcam o contexto em questão. Por isso, é necessário que, tanto a experiência quanto o cotidiano, ganhem especial atenção e relevância. 3.3. Conflitos escolares: aprendendo entre cotidianos e experiências A experiência vem de outros estudos, de outros casos, não se pode ser um bom mediador/a senão aplicarmos na prática aquilo que se apreende com a interdisciplinaridade, mas essa experiência também vêm da nossa vida, do nosso aprendizado, de nossas relações. Para entender melhor esses conceitos, e pela relevância que ambos têm quando abordamos a temática de Resolução de Conflitos, aqui, de maneira específica no Âmbito Escolar, propomos elucidar a que estamos nos referindo quando eles são nomeados. O cotidiano, ou mundos de vida como é apresentado pela filosofia intercultural, é também um conceito fundamental para entender e desenvolver esta forma de trabalho. Segundo Ada Maria Isasi-Diaz (2002, p. 8), O cotidiano é muito complexo e variado, fazer uma definição específica e fechada não seria suficiente para assinalar seus muitos elementos e características. Cotidiano constitui o ambiente imediato de nossas vidas, o primeiro horizonte em que se dão nossas experiências, que da mesma forma são os elementos que constituem o cotidiano. É o “lugar”, ou “não lugar”, onde primeiro nos relacionamos com o mundo material, não só pensando na realidade física senão também na maneira como a gente se relaciona com essa realidade (cultura); como entendemos e avaliamos nossa relação com ela (história). O cotidiano se mistura com a vida material, e é elemento chave na estruturação das relações sociais e seus limites, ele tem a ver com as práticas e crenças que temos herdado e com aqueles julgamentos habituais que incluem as táticas que usamos para lidar com eles. No entanto, por cotidiano não entendemos a reprodução ou repetição acrítica de tudo o que ensinaram para nós e o que constitui um hábito em nossas vidas. (...) cotidiano é o que faz o mundo de cada pessoa específico, e, por tanto, é a partir dele e nele que se vivenciam as múltiplas relações que nos constituem como seres humanos. Cotidiano é a esfera na qual a luta pela vida se faz mais imediata, mais intensa, mais enérgica; é isso que encaramos diariamente e, também, a maneira em que o fazemos, e não está relacionado exclusivamente com o pessoal/individual senão que em forma regular entra em contato com os sistemas sociais impactando suas estruturas e mecanismos, que por sua vez, influenciam de maneira concreta a vida diária de cada qual. (...) O cotidiano tem a ver com nossa maneira de falar, com as experiências de classe e gênero, com o impacto da pobreza, com o trabalho que fazemos e com o que esperamos alcançar com nossas vidas. O cotidiano contém nossas relações familiares, relações de amizades, as relações com vizinhos, com a comunidade. Nele encontramos muito desse “ser prático”, encontramos muito da sabedoria popular. Para Raúl Fornet-Betancourt, é importante que se destaque a pluralidade do cotidiano para evitar o erro de fazer uso do termo “vida cotidiana” como uma categoria universal. O autor destaca quatro aspetos importantes para entender o conceito, a saber: 1.Vida cotidiana é a exigencia da presença constante. Existimos no diario na forma de uma assistência permanente que faz inútil o fugir porque a cotidianeidade é o mundo ao qual voltamos sempre. 2.O sujeito dessa assistência não é só um sujeito ativo que vai intervir nas normas e regras do cotidiano, que se apropria do seu jeito das expectativas sociais, senão que é também um sujeito passivo, um sujeito “trabalhado” diariamente pela vida, que padece a cotidianeidade como mundo de vida que “gasta” sua própria vida (...) uma vida que não é só de possibilidades, senão que é também de limitações e sofrimentos, essa vida “acumulada” ou “projetada” pelo seu proprio mundo de vida. 3.Essa vida cotidiana que se encontra “monetarizada” como consequência da centralidade que adquire o dinheiro no marco capitalista de “modernização da sociedade”. 4.A relação entre vida cotidiana e tempo. A “monetarização da vida cotidiana” implica na programação do tempo da vida segundo a lógica do dinheiro. A vida cotidiana é expropriada de “seu tempo”, para receber em troca o tempo industrializado do sistema social capitalista. (Fornet-Betancourt, 2010) Já Ivone Gebara (2000, p. 121) define o cotidiano sendo, O combate para viver hoje, para encontrar trabalho, para ter o que cozinhar, para encontrar um sentido imediato para a vida, esse mundo doméstico de relações breves e mais diretas, nossos hábitos, a rotina, nossas histórias pessoais, nossos sentimentos perante os acontecimentos, nossas reações frente à tv, frente aos problemas atuais. Um lugar onde se faz a história e onde as formas mais variadas de opressão e de produção do mal se manifestam sem que sejam suficientemente reconhecidas. É onde nascemos, sofremos, amamos e morremos. Especificamente sobre cotidiano no âmbito escolar Barsanti de Camargo (2007, p. 73) relembra que: Em meados do século XX, o cotidiano da escola era entendido como o prosaico, o trivial, o comum, o corriqueiro do espaço escolar, em oposição à valorizada rotina da sala de aula, caraterizada por exercícios repetitivos, rituais de aprendizagem, regras de comportamento, execução de trabalhos e tarefas. Atividades extraclasse, como canto orfeônico, visita a museus, aulas de laboratório, educação física e outras ações eram consideradas de menor importância: complementos a práticas de ensino tradicional marcadas pelo uso do caderno, livro, lousa e giz. (...) as conversas e os fatos vividosnos corredores, nas cantinas, no recreio e nos banheiros não eram tidos como circunstancias de formação, de produção de sujeitos: alunos/as, professores/as, gestores/as e demais indivíduos que circulam pela escola (...). Todos os espaços/fatos são vitais à constituição do sujeito e constituem o que entendemos por cotidiano escolar. A sistematização conceitual anterior, trazida a partir de Fornet-Betancourt, Isasi- Diaz, Gebara e Camargo, converge na centralidade da cotidianidade para entender e intervir na vida ordinária. Se nossa proposta é a Resolução e Transformação de Conflitos, não temos como deixar esse conceito/categoria à margem, se fazemos isso, não só o nosso planejamento de ações estaria errado, senão também nossa prática. Por isso insistimos, não tem “fórmula milagrosa”, não tem Programa ou Projeto de RTC que possa ser aplicado em todos os contextos indistintamente. Uma outra categoria definidora para esta temática é a Experiência. Sobre a experiência Gebara (Gebara, 2000, p.37) afirma: “Toda experiência vem acompanhada de interpretações, isso é inevitável, é a nossa maneira de estar no mundo. As interpretações permanecem em nossa memória quando o tempo se encarrega de apagar a beleza ou a crueldade vivida”. A Experiência, neste sentido, está marcada por uma experiência particular e concreta, que ao mesmo tempo aceita e advoga pelo reconhecimento da variedade de experiências existentes. Uma experiência que não se preocupa em medir qual posição está mais perto da verdade ou da realidade, e sim que tenha preocupação em apresentar uma verdade e uma realidade em meio a todas as outras verdades e realidades. Uma experiência que nasce e emerge da vida cotidiana, e é justo essa vida cotidiana a que outorga à experiência a sua particularidade, a sua verdade (Núñez de la Paz, 2004, p. 33). Com o que foi até aqui exposto, seria ilógico pensar que um mesmo Programa de Resolução de Conflitos possa ser aplicado em todos os contextos escolares. Contextos estão recheados de cotidianos múltiplos e experiências variadas; cotidianos e experiências que têm obrigação de pautar esses Programas. Por isso, mediadores/as devem ter um conhecimento prévio que vai muito além de dominar uma certa técnica para poder aplicá-la. Mediadores/as devem ser pessoas imbuídas nesse cotidiano escolar no qual será aplicado o PRC, assim como também, ter uma experiência marcada pelo contexto em que a instituição se encontra inserida. 3.4. Conflitos entre pares: atores e convivência Como temos expressado, não todos os conflitos são iguais, nem devemos pensar neles como sendo algo negativo. Nosso desafio na vida e no âmbito da escola é pensar neles como aquela situação que é melhor prevenir, mas que uma vez instalada, permite não só aprender a partir dela, senão também, educar a partir dela, transformar. Victoria Grund (Grund, 2015) em sua explanação sobre “Os conflitos nos centros escolares” expressa que o conflito “deve ser uma oportunidade de cambio, de crescimento, de aprendizagem”. É a partir das colocações desta autora que destacamos os conflitos mais frequentes numa instituição escolar: 1. conflitos entre alunos/as; 2. conflitos entre alunos/as e docentes, 3. conflitos entre famílias e docentes. Vejamos os pontos mais frequentes em cada um deles: Conflitos entre alunos/as São múltiplos e bem variados, ocorrem na sala de aula e fora dela. A maioria deles acontecem por mal-entendidos ou preconceitos. Também por causa do status, conflito de interesses, opiniões contrárias em trabalhos de equipe, diferenças culturais. Como exemplo podemos citar: piadas, insultos, ciúmes, bullying, ciber-bullying, racismo, xenofobia, violência de gênero.... Esta autora narra a experiencia do que se conhece como “mediação entre iguais”, entre os próprios alunos, e que costuma ser muito efetiva nestes casos. Quando há alunos treinados fazendo a mediação, sem a presença de profes ou de uma outra pessoa adulta, a experiencia diz que os/as implicados/as na situação de conflito sentem uma ressonância maior, tanto nas questões colocadas como nas possíveis soluções que possam apresentar. Mas é importante saber que, assim como nem todos os conflitos são passíveis de mediação, nem todas as situações de conflito entre alunos/as são passíveis deste tipo de mediação “entre iguais”. Preparar e formar alunos/as é importante para desenvolverem esta tarefa quando o tipo de conflito o requer. Conflitos entre Alunos/as - Professores/as Aparentemente são os mais retumbantes, mas não são os de maior frequência. De maneira geral docentes tem o controle da/na sala de aula e sabem adotar diferentes estratégias antes de atingir situações limites. Usualmente são do tipo relacional, no qual influenciam a hierarquia existente, a falta de assertividade, a insegurança, entre outras. Nas últimas décadas temos presenciado uma agressividade e, em igual medida, um desrespeito por parte de estudantes para com seus docentes. Ainda que situações extremas como as que “vendem”, ou circulam nos meios de comunicação não sejam generalidade, não podemos esquecer que elas existem e que têm deixado uma marca preocupante nos diferentes países. Conflitos entre Famílias - Professores/as A maioria destes conflitos acontecem pela superproteção que hoje em dia as famílias têm para com seus filhos e filhas, e, também, pelo rol de “inimigo” que tem preenchido o imaginário com relação aos docentes. Quase sempre tem como desencadeante um conflito anterior entre alunos/as e professores/as, por isso, para aplicar a mediação deve ser muito bem avaliada a situação e, de preferência, resolvida por partes. O fato de não manter uma boa relação com a instituição, de não querer escutar, de não empatizar; essa falta de comunicação entre família e escola, podem ser fatores de riscos. Há um outro tipo de conflito, não citado especificamente pela autora, mas que é importante destacar. O Conflito entre Professores/as – Professores/as, que pode procurar-se na literatura pelo rótulo de: conflitos do tipo organizacional. Esses conflitos do tipo organizacional também se aplicam ao âmbito escolar, e podem ser a causa dos já apresentados com anterioridade. Uma equipe institucional de mediação pode ajudar na resolução e, principalmente, na transformação, pois tratando-se de companheiros/as de trabalho, educadores/as, é fundamental uma mudança de compreensão e atitude para o bom desenvolvimento docente. 3.5. Enfoques e Formas de resolução de conflitos escolares No capítulo anterior estudamos a Mediação que, por suas caraterísticas, representa uma técnica importante na Resolução de Conflitos no Âmbito Escolar. Neste ponto, nosso objetivo é pensar nos Programas em que essa mediação está sendo colocada em prática e, principalmente, deixar algumas pistas visando a transformação. Catarina Morgado e Isabel de Oliveira (2009, p. 47), fazendo uma tradução do livro de T.S. Jones (2004), elencam as finalidades dos Programas de Educação para a Resolução de Conflitos (ERC), 1.Criação de ambientes de aprendizagem seguros: os programas que enfatizam estes objetivos incidem na diminuição da violência, redução dos conflitos entre estudantes, particularmente dos conflitos intergrupais baseados nas diferenças étnicas e raciais; ao mesmo tempo, procuram reduzir o número de suspensões, o absentismo e o abandono escolar, frequentemente relacionados com ambientes de aprendizagem inseguros. 2.Promoção de ambientes de aprendizagem construtivos, isto é, promoção de um ambiente positivo na sala de aula, cuja gestão eficaz dos comportamentos potencie a disciplina e, simultaneamente, o respeito e afeto, necessários para que crianças e jovens se sintam confiantes na partilha de ideias e sentimentos. 3.Desenvolvimento pessoal e social dos alunos, incluindo a aprendizagem de competências de resolução de problemas; o treino
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