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METODOLOGIA DO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA II Luiz Carlos de Almeida Batista Pustiglione E d u ca çã o M E T O D O L O G IA D O E N S IN O D A E D U C A Ç Ã O F ÍS IC A I I Lu iz C ar lo s de A lm ei da B at is ta P us tig lio ne Curitiba 2021 Luiz Carlos de Almeida Batista Pustiglione Metodologia do Ensino da Educacao Física IIçã Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. P987m Pustiglione, Luiz Carlos de Almeida Batista Metodologia do ensino da educação física II / Luiz Carlos de Almeida Batista Pustiglione. – Curitiba: Fael, 2021. 205 p. il. ISBN 978-65-86557-38-1 1. Educação física – Estudo e ensino I. Título CDD 796.07 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/SpeedKingz Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Para que(m) serve a educação física, afinal? | 7 2. Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos | 25 3. Retomada e aprofundamento do conteúdo da legislação sobre o ensino de educação física no Brasil: dos PCN à BNCC | 43 4. Ligações com as ciências biológicas, exatas e da natureza | 65 5. Ligações com as ciências humanas: tendências psicologizantes | 83 6. Ligações com as ciências humanas: do corpo social | 99 7. Navegando em meio ao caos: como tudo cabe em 45 minutos de aula? | 115 8. Avaliação em educação física: um problema de aparência insolúvel | 131 9. Por uma avaliação ampla e processual | 147 10. Por uma educação física dialógica, contextualizada e inclusiva | 161 Gabarito | 177 Referências | 199 Prezado(a) aluno(a), Exercer a docência em educação física requer conhecimento histórico, sociológico, filosófico, fisiológico, anatômico, cine- siológico, entre outros, ainda que não seja exatamente isso que ensinaremos aos nossos alunos. É necessário ter base científica para tomar as decisões corretas nos momentos de trabalho com as mais diversas turmas e tipos de instituição de ensino fundamental e médio. Carta ao Aluno – 6 – Metodologia do Ensino da Educação Física II Esta obra tem a intenção de suprir algumas dessas lacunas fundamen- tais no percurso formativo do(a) professor(a), no que diz respeito às dife- rentes abordagens e tendências da educação física escolar a partir de uma ótica que enxerga a área como um campo, dentre tantos outros campos científicos do conhecimento, no qual as diferentes posições se manifestam em complementariedade ou oposição, sempre na procura de manter-se em posição prevalente diante as demais. Para isso, esses agentes do nosso campo atuam no espaço social em conjunto com agentes de outros campos que buscam legitimar-se mutuamente a partir de suas diferentes necessi- dades (ampliar os domínios ou estabelecer-se). Espero que as próximas páginas possam ser úteis para que uma melhor compreensão dos fundamentos de nossa área gere melhores pro- fissionais e novos agentes conscientes de suas possibilidades e limitações no campo ao qual integram-se cursando educação física. Bons estudos! 1 Para que(m) serve a educação física, afinal? Quando estudamos determinados assuntos, é importante nos questionarmos sobre para que serve aquilo e a quem mais além de nós e da construção de nosso conhecimento individual serve. Isso não poderia ser diferente quando estudamos a metodologia para dar aulas de Educação Física, como faremos nesta disciplina. Inicialmente, manteremos as duas questões em mente para respondê-las ao longo de nossos estudos, lembrando sempre que nossa área é diversa e utiliza muitos conceitos polissêmicos ou polêmicos. São palavras iguais usadas para designar fenômenos ou situações diferentes, incorporações constantes de estrangei- rismos e uma pressão contínua e intensa de diversos mercados (farmacêutico, de vestuário, de calçados, midiático, alimentar) e outras áreas de conhecimento ou profissionais. Metodologia do Ensino da Educação Física II – 8 – O objetivo principal deste livro é, portanto, apresentar o arcabouço conceitual amplo da área. E o foco deste primeiro capítulo é alicerçar a base conceitual inicial que possibilita uma estrutura sólida na prática pro- fissional cotidiana no ensino da Educação Física, em especial para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. Glóssario Polissemia é um conceito da linguística com origem no termo grego polysemos, que significa algo que tem muitos significados. Uma pala- vra polissêmica reúne vários significados. A palavra vela é um exemplo de polissemia, pois pode significar a vela de um barco, a vela feita de cera que serve para iluminar ou a conjuga- ção do verbo velar, que significa estar vigilante. As diferentes variantes de significado podem depender da afinidade etimológica do vocábulo em causa, de seu uso metafórico e, em última instância, do contexto em que se insere, no qual, na prática, o termo fica monossêmico, assegurando a comunicação. A polissemia constitui uma propriedade básica das unidades léxicas e um elemento estrutural da linguagem. O oposto da polissemia é a monossemia, em que uma palavra assume só um significado. SIGNIFICADOS. Significado de polissemia. 27 ago. 2013. Disponí- vel em: <https://www.significados.com.br/polissemia>. Acesso em: 4 mar. 2021. 1.1 Um breve histórico brasileiro A educação física considerada pelo caráter de disciplina escolar foi formalmente incluída na legislação brasileira no Brasil em meados do século XIX. A partir do Decreto n. 630, de 17 de setembro de 1851, que autorizava uma reforma no ensino primário e secundário da corte, mas que só foi regulamentada — e, portanto, concluída — pelo Decreto n. – 9 – Para que(m) serve a educação física, afinal? 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, que aprovava o regulamento para tal reforma. Nesse documento foi incluída a prática da gymnastica nas esco- las brasileiras a ser ministrada por um professor específico, ainda que não mencionasse sua formação. Saiba Mais Decreto n. 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854 Das escolas publicas; suas condições e regimen Art. 47. O ensino primario nas escolas publicas comprehende: A instrucção moral e religiosa, A leitura e escripta, As noções essenciaes da grammatica, Os principios elementares da arithmetica, O systema de pesos e medidas do municipio. Póde comprehender tambem: O desenvolvimento da arithmetica em suas applicações praticas, A leitura explicada dos Evangelhos e noticia da historia sagrada, Os elementos de historia e geographia, principalmente do Brasil, Os principios das sciencias physicas e da historia natural applicaveis aos usos da vida, A geometria elementar, agrimensura, desenho linear, noções de musica e exercicios de canto, gymnastica, e hum estudo mais desen- volvido do systema de pesos e medidas, não só do municipio da Côrte, como das provincias do Imperio, e das Nações com que o Brasil tem mais relações commerciaes. BRASIL. Decreto n. 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. Coleção de Leis do Império do Brasil. 1854. Disponível em: <https://www2.camara. leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1331-a-17-fevereiro-1854- -590146-publicacaooriginal-115292-pe.html>. Acesso em: 4 mar. 2021. Metodologia do Ensino da Educação Física II – 10 – O método ginástico, no início, era importado e reproduzido por pes- soas sem formação espe- cífica, como era muito comum na docência e no magistério da época — essa informação é muito importante para evitar- mos cair em anacronis- mos ao (re)produzir e ouvir argumentos sobre a valorização ou o reconhe- cimento tardio do profes- sor de Educação Física e da profissão. Essa era a infeliz realidade do conjunto da educação, ainda que o decreto imperial mencionadoregulamentasse salários distintos para os docentes de cada área, valorizando mais alguns do que outros. Quem abraçou a ginástica e, consequentemente, acabou ganhando relevância e se tornando referência histórica com o crescimento da área no Brasil e em partes da Europa foram as forças armadas, em especial o exército, com destaque também para a marinha (no caso brasileiro). As primeiras escolas de formação de profissionais especializados foram as do exército, da marinha e de polícias militares. Uma consequência quase inevitável disso foi que a presença de professores militares em todos os cursos superiores de Educação Física foi marcante. Outro resultado da expansão de uma área do conhecimento que per- mite tamanha amplitude conceitual e enorme gama de possibilidade inter- disciplinares foi a influência de diferentes áreas da ciência sobre a edu- cação física ao longo do tempo. Segundo Castellani Filho (1991, p. 22), Em relação às tendências, três são, a nosso ver, as que hoje encon- tram na Educação Física, em nosso país, maior significância : uma que se apresenta na sua biologização; outra que se percebe na sua psicopedagogização; e a última, que reflete - na Educação Física - sinais que possam vir a apontar para a sua inserção na proposta de uma pedagogia sedimentada, segundo classificação de Dermeval Saviani, na concepção histórico-crítica de Educação. Figura 1.1 – Crianças em aula de ginástica com professora Fonte: Shutterstock.com/KUCO – 11 – Para que(m) serve a educação física, afinal? Essa divisão, apesar de não ser nova, é muito atual do ponto de vista histórico e conceitual. A principal razão para utilizá-la é a abrangência e a existência de critérios bem definidos, o que nem sempre ocorre com divisões mais recentes de outros autores que, em alguns casos, chegam a quatro ou cinco dessas tendências mais gerais e acabam por incluir os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) como uma delas. No capítulo que trataremos de legislações e documentos oficiais do ensino de Educação Física, abordaremos alguns pormenores acerca de PCN, Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN) e Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Por enquanto, é suficiente compreen- dermos que tais parâmetros surgiram já com o campo intelectual da educa- ção física praticamente consolidado nos espaços social e escolar, para além das universidades e de outras instituições de ensino superior ou de pesquisa, então não podem ser considerados em um mesmo patamar de influência, tampouco apresentam quaisquer novidades em relação aos debates e às pro- postas que os antecederam. Há autores, inclusive, que os tratam como uma grande miscelânea (críticas assemelhadas atingem a BNCC recentemente elaborada) que pretende dar conta de agradar a todas as tendências que os precederam sem conseguir cumprir os objetivos de nenhuma. Para que fique mais nítida a divisão que consideraremos e sugerimos como a mais didaticamente simples de compreender a complexidade do debate posto, elaboramos a Figura 1.2. Figura 1.2 – Tendências e influências da educação física Fonte: elaborada pelo autor. Metodologia do Ensino da Educação Física II – 12 – Glóssario Anacronismo consiste em um erro cronológico, quando determinados conceitos, objetos, pensamentos, costumes e eventos, por exemplo, são usados para retratar uma época diferente daquela a que de fato perten- cem. É caracterizado pelo desalinhamento e pela falta de correspondência entre as particularidades das diferentes épocas, quando fatores próprios de cada tempo são erroneamente misturados em uma mesma narrativa. Por exemplo, pode-se dizer que a descrição de um automóvel em uma história ambientada durante a Idade Média é um anacronismo, visto que os primeiros carros só foram produzidos no século XIX. Os ana- cronismos podem acontecer em relatos históricos, narrativas literárias e demais obras artísticas, pinturas, filmes, teatros, baseados em fatos ou em ficção. Embora seja uma ferramenta interessante no âmbito das artes, o ana- cronismo é um grande desafio para historiadores e pesquisadores, pois é complicado entender determinados pensamentos e conceitos antigos sob o ponto de vista da contemporaneidade. Quando um evento his- tórico é analisado com base nos conceitos atuais sobre determinado assunto, o pesquisador comete um anacronismo, visto que os pensa- mentos e as ideias sobre um tema específico eram diferentes no passado em relação a hoje. SIGNIFICADOS. Significado de anacronismo. 1º set. 2016. Disponível em: <https://www.significados.com.br/ anacronismo>. Acesso em: 4 mar. 2021. 1.2 Interdisciplinaridade ou interferência? Podemos dizer que na “composição genética” que deu origem ao que conhecemos como a área da educação física no Brasil atualmente há uma miscigenação complexa que se iniciou com técnicas importa- das e militarizadas, passou por um período de tutela científica de áreas médicas e biológicas, depois encontrou — ou foi encontrada — pelo – 13 – Para que(m) serve a educação física, afinal? esporte e mais adiante pelas ciências humanas e sociais. Com os avanços tecnológicos de equipamentos e de possibilidades, foi inevitável que as ciências exatas aparecessem para contribuir nesse caldeirão que forma a área. Há, por exemplo, profissionais que desenvolvem pesquisas científicas de ponta e utilizam as mais inovadoras técnicas de computação e se dedi- cam a auxiliar a indústria a desenvolver produtos que tenham finalidades ergométricas e sejam utilizados em larga escala. Ao mesmo tempo, há quem desenvolva pesquisas antropológicas ou históricas, com base em arquivos, sítios arqueológicos e museus, e que pode mudar aquilo que sabemos sobre o ser humano (e seu corpo) em sociedade a partir do movimento. Foi inevitável, portanto, que a interdisciplinaridade passasse a ser inexorável ao desenvolvimento da educação física. É impressionante a gama de possibilidades em um debate sobre os cruzamentos de conhe- cimento que pode ser gerada no encontro com história, biologia, física, direito, sociologia, fisioterapia e muitas outras áreas. Também muito dessa interdisciplinaridade foi — e ainda é — utilizado como forma de legitimar uma área subalterna a algumas das com as quais se relaciona. Nesse sentido, não é difícil imaginar quais foram as áreas que adquiriram essa capacidade legitimadora com mais facilidade, tanto pelas raízes históricas específicas da educação física como pela hierarquia que há, desde o senso comum até as administrações universitárias, entre os diferentes cursos de graduação e, consequentemente, entre as distintas ciências e áreas do conhecimento, ou dos campos intelectuais. 1.3 Uma breve análise sociológica da hierarquia dos campos intelectuais em Bourdieu O debate acerca da hierarquia e da autonomia (ainda que relativa) que um campo intelectual ou de conhecimento adquire ou tenta adquirir é fundamental para compreendermos como se deu a construção do campo da educação física em meio aos demais: Bourdieu inicia seu trabalho intitulado Campo de poder, campo intelectual com uma epígrafe em que cita Proust (Sodoma e Metodologia do Ensino da Educação Física II – 14 – Gomorra): “As teorias e as escolas, como os micróbios e os gló- bulos, se devoram entre si e com sua luta asseguram a continui- dade da vida” (BOURDIEU, 1983, p. 8) O conceito de campo intelectual marca uma ruptura na sociolo- gia da cultura: foi construído por Pierre Bourdieu (1930–2002) a partir de suas investigações sobre o sistema escolar francês, a formação das elites intelectuais, a percepção artística e as for- mas de consumo estético e, principalmente, sobre o processo de autonomização do campo literário, modelo inicial de seu pensa- mento sobre a autonomia relativa dos campos. (LIMA, 2010, p. 14, grifo nosso) A educação física ainda buscava se autonomizar perante outros cam- pos ao mesmo tempo em que havia uma fervorosa disputa interna pelo campo em processode legitimação social. Nesse movimento havia forças que buscavam legitimidade se apoiando em campos já consagrados social- mente, como é o caso, em especial, da medicina ou da biologia. Havia outros setores, como veremos adiante, que faziam aproximações, mas a campos pouco consagrados na hierarquia acadêmica e com menos prestí- gio social quando comparados à medicina, como a psicologia, as ciências sociais e a história. Como podemos perceber em Bourdieu (2004, p. 153-154, grifo nosso), havia um jogo de relações colocado para a definição da hierarquia acadêmica na qual a educação física desejara adentrar. Apesar de condes- cendência que determinados campos tiveram com o da educação física, ela nunca ocorria de maneira ingênua ou se dava a partir de critérios mera- mente científicos e desinteressados: É possível, a esta altura da exposição, comparar o espaço social a um espaço geográfico no interior do qual se recortam regiões. Mas esse espaço é construído de tal maneira que, quanto mais próximos estiverem os grupos ou instituições ali situados, mais propriedades eles terão em comum; quanto mais afastados, menos propriedades em comum eles terão. As distâncias espa- ciais – no papel – coincidem com as distâncias sociais. Isso não acontece no espaço real. Embora se observe praticamente em todos os lugares uma tendência para a segregação no espaço, as pessoas próximas no espaço social tendem a se encontrar pró- ximas – por opção ou por força – no espaço geográfico, as pes- soas muito afastadas no espaço social podem se encontrar em interação, ao menos por um breve tempo e por intermitência, no – 15 – Para que(m) serve a educação física, afinal? espaço físico. As interações que proporcionam uma satisfação imediata ‘as disposições empiristas- podemos observá-las, filmá- -las, registrá-las, em suma, tocá-las com a mão -, escondem as estruturas que se concretizam nelas. Esse é um daqueles casos em que o visível, o que é dado imediatamente, esconde o invi- sível que o determina. Assim, esquece-se de que a verdade da interação nunca está inteira na interação tal como esta se oferece à observação. Bastará um exemplo para mostrar a diferença entre estrutura e a interação, e, simultaneamente, entre a visão estrutu- ralista, que defendo como um momento necessário da pesquisa, e todas as formas da visão dita interacionista (em particular, a etno- metodologia). Estou pensando no que chamo de estratégias de condescendência, através das quais agentes que ocupam uma posição superior em uma das hierarquias do espaço objetivo negam simbolicamente a distância social, que nem por isso deixa de existir, garantindo assim as vantagens do reconhe- cimento concedido a uma denegação puramente simbólica da distância (“ele é uma pessoa simples”, “ele não é orgulhoso”) que implica o reconhecimento da distância (as frases que citei implicam sempre um subentendido: “ele é uma pessoa sim- ples, para um duque”, “ele não é orgulhoso, para um pro- fessor de faculdade”). Em suma, podem-se usar as distâncias objetivas de maneira a obter as vantagens da proximidade e as vantagens da distância, isto é, a distância e o reconhecimento da distância assegurados pela denegação simbólica da distância. Com o passar dos anos, pode-se dizer que a educação física adqui- riu autonomia científica relativa que permite que cheguemos à con- clusão de que hoje somos um dos campos intelectuais dispostos no espaço social da universidade. Essa inferência e o autor usado como referência não nos permitem, no entanto, colocar a educação física entre os campos em posição hierárquica superior, como veremos no capítulo seguinte. Dica de Filme Pierre Bourdieu (1930-2002) foi um dos mais brilhantes sociólogos de nosso tempo, muito interessado em diversas áreas, entre as quais o esporte. O documentário acerca de sua teoria sociológica não nega esse vínculo e é uma excelente oportunidade para compreender melhor um pouco de sua vasta obra: A Sociologia é um esporte de combate (2001). Metodologia do Ensino da Educação Física II – 16 – Figura 1.3 – Pierre Bourdieu Fonte: Shutterstock.com/Marusya Chaika 1.4 Como tudo isso aparece(u) na escola Na escola, algumas interferências e cruzamentos científicos demoram mais a aparecer ou não conseguem nem têm alcance para determinar a prá- tica profissional do docente. Sendo assim, se pensarmos uma composição genética paralela à anterior para o ensino escolar de Educação Física, há menor complexidade e algumas imposições mais claras que podem ser veri- ficadas a partir de uma combinação de elementos que vão desde os currí- culos dos cursos de formação de professores até a produção de documentos curriculares ou de legislações direta ou indiretamente correlatas à área. Nesse sentido, há destaque evidente e ainda muito pertinente para a interferência militar na educação física. Para além da questão dos conteú- dos escolhidos para serem delimitadores da área, há toda tradição discipli- nar, de utilização de uniformes — entre outros elementos —, que persiste, apesar dos avanços de setores críticos a essa “militarização” e da amplia- ção dos campos de estudo. – 17 – Para que(m) serve a educação física, afinal? Pode-se dizer que as outras duas influências potentes são a medicina e o esporte, este que é visto por muita gente como sinônimo de aulas de Educação Física na escola. Em relação à medicina, especificamente, há uma hierarquia invisível e que não está formalmente inscrita que a coloca em um patamar superior em relação às demais profissões e, por consequ- ência, em relação aos demais campos de conhecimento técnico, teórico e científico. Muitas vezes, para aceitarmos alunos em nossas atividades profissionais em diversos espaços, precisamos cobrar exames médicos; até mesmo quando se recomenda em propagandas a prática de exercícios físicos a indicação é que antes um médico seja consultado. Com o esporte, a educação física parece ter tido um encontro per- feito, ainda que saibamos não ser bem assim, dada a estrutura presente (ou ausente) na ampla maioria das escolas brasileiras. No período da ditadura empresarial militar, houve incentivo aumentado à prática esportiva que tornaram o esporte o grande conteúdo a ser trabalhado pelos profissionais de educação física nas escolas, nos clubes ou nos quartéis. Curiosidade Figura 1.4 – Copa do Mundo de Futebol de 1970 Fonte: Shutterstock.com/Maya Raab Metodologia do Ensino da Educação Física II – 18 – Noventa milhões em ação Pra frente Brasil, no meu coração Todos juntos, vamos pra frente Brasil Salve a seleção!!! De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão! Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração! Todos juntos vamos pra frente Brasil! Salve a seleção! Todos juntos vamos pra frente Brasil! Salve a seleção! Gol! Somos milhões em ação Pra frente Brasil, no meu coração Todos juntos, vamos pra frente Brasil Salve a seleção!!! De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão! Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração! Todos juntos vamos pra frente Brasil! Salve a seleção! Todos juntos vamos pra frente Brasil! Salve a seleção! Salve a seleção! Salve a seleção! Salve a seleção! GUSTAVO, M. Pra Frente Brasil. Os Incríveis. 1970. Quase todo mundo já ouviu essa música em algum momento, mas você sabe quais eram as reais intenções por trás dessa propaganda constru- ída durante a Copa do Mundo de Futebol de 1970? A indicação de lei- tura é a monografia de conclusão de curso de Mariana Costa Chazanas (2006) intitulada Futebol e ideologia: um estudo Sobre a Copa de 70.. Essa é a tríade da influência na história e no desenvolvimento da Educação Física escolar no Brasil, na qual ainda estamos inegavelmente – 19 – Para que(m) serve a educação física, afinal? sob forte sugestionamento permanente. Isso não quer dizer, como veremos ao longo deste livro, que isso se passou sem conflitos e contradições e que não ocorraaté hoje, ainda que de forma menos contundente ou veemente quando comparada ao passado recente. A batalha de ideias que se deu especialmente nos Congressos Brasi- leiros de Ciências do Esporte (Conbraces) e na disputa política em torno do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) — até hoje a prin- cipal entidade científica da área — deixou marcas permanentes e permitiu que, apesar das influências anteriores, fosse possível debater o ensino de Educação Física a partir de outras perspectivas. Em especial quando fala- mos do ensino escolar, pode-se identificar influências das ciências huma- nas e sociais como sociologia, antropologia, psicologia e uma grande aproximação com a pedagogia: O VII Conbrace, realizado em Uberlândia, em 1991, foi uma marco na história do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) e da própria educação física brasileira, caracterizando uma ruptura entre forças antagônicas, sobretudo no que se referia a determinações epistemológicas, modelo de ciência e respectivos critérios de cientificidade, além da denúncia da falta de autonomia e imprecisão teórica da área (Paiva, 1994). Destacamos que, na década de 1990, os Conbrace’s privilegiaram a temática epistemológica. Este interesse pode ser observado na temá- tica central dos eventos. Em 1991, em Uberlândia/MG, a temática central foi a Produção e veiculação do conhecimento na educação física, esporte e lazer no Brasil: análise crítica e perspectivas; em 1993, em Belém/PA, o Conbrace interrogava sobre Que ciência é essa? Memória e tendências; em 1995, em Vitória/ES, a temática intitulava-se Interdisciplinaridade, ciência e pedagogia; em 1997, em Goiânia/GO, a temática foi Renovação, modismos e interesses; em 1999, em Florianópolis/SC, a temática intitulava-se Educação física/ ciências do esporte: intervenção e conhecimento. A materialidade dos anais, visível na impressão dos textos, ressalta a preocupação da edu- cação física com o seu conhecimento, com a reflexão sobre o fazer, seus saberes e práticas. (NÓBREGA et al., 2003, p. 175) Foi esse processo de rupturas e congregações, eivadas de disputas teóricas, políticas e epistemológicas, que criou as bases da educação física como a conhecemos atualmente e reposicionou muitos agentes em nosso campo, ajudando em sua consolidação. Metodologia do Ensino da Educação Física II – 20 – 1.5 O conteúdo da educação física: a cultura corporal Nos embates da área, em especial acerca do ensino escolar, que cul- minou partir dos anos 1980, mas com mais relevância nos anos 1990 em documentos de parâmetros, orientações ou diretrizes curriculares, tanto no plano nacional como em estados e municípios Brasil afora, o conceito de cultura corporal como o mais abrangente e condizente possível com o ensino escolar de Educação Física. Sabemos que a inscrição em documentos oficiais não garante uma prática coerente por parte dos profissionais, que, afinal, não são forma- dos por esses documentos, mas por cursos de graduação com currícu- los e conteúdos que nem sempre buscam maior aproximação com as concepções mais abrangentes e permanecem sob outras influências pre- ponderantes, em especial do esporte de rendimento. Consideradas essas contradições, há algumas definições a serem realizadas sobre o conceito de cultura corporal, que também pode ser encontrada como cultura cor- poral de movimento. Para fins didáticos, pode parecer não haver grande diferença entre uma e outra denominação, e não nos aprofundaremos muito nas diferen- ças, ainda que em outro momento do texto se torne necessário fazer algum tipo de distinção. Partiremos, para poder passar por esse debate, de uma generalização elaborada por Bracht (2005, p. 97): Como o tema está formulado na forma de pergunta, vou respondê- -la, em tom um pouco provocativo, da seguinte forma: cultura cor- poral, cultura de movimento ou cultura corporal de movimento? Em princípio, qualquer um, desde que cultura, ou seja, desde que se coloque o peso maior neste conceito. Com isso quero na ver- dade dizer, que o conceito que, no meu entendimento, indica uma construção nova de nosso “objeto” é o de cultura. É ele que melhor expressa a ressignificação mais importante e a necessária desnatu- ralização do nosso objeto, que melhor reflete a sua contextualiza- ção sócio-histórica. Com isso não quero dizer que é absolutamente indiferente a utilização da expressão corpo ou movimento ou as duas. Mas, hoje, as palavras ou expressões corpo, movimento, motricidade (atividade física – como é mais utilizada no âmbito das ciências – 21 – Para que(m) serve a educação física, afinal? naturais na nossa área) embora possam ser vinculadas à epis- temologias diversas, isoladamente não permitem definir com a clareza necessária a vinculação com a cultura. Tanto a expressão corpo como movimento exigem tratamento conceitual, no bojo do qual podem assumir um significado que transcenda ou não sua conotação biológico-naturalista, e também, um tratamento demarcatório (definições). Uma definição mais abrangente dá conta de que a cultura corporal é o conjunto de práticas, técnicas e conhecimentos que a humanidade produziu ao longo da história sobre o próprio corpo e as diversas pers- pectivas de movimentá-lo e socializar-se. Isso, por óbvio, inclui o esporte, mas claramente está longe de torná-lo mais importante ou o centro das atenções. Quando se seleciona o conteúdo a ser disposto aos alunos, Essa seleção e organização de conteúdos exige coerência com o objetivo de promover a leitura da realidade. Para que isso ocorra, devemos analisar a origem do conteúdo e conhecer o que deter- minou a necessidade de seu ensino. Outro aspecto a considerar na seleção de conteúdos é a realidade material da escola, uma vez que a apropriação do conhecimento da Educação Física supõe a adequação de instrumentos teóricos e práticos, sendo que algu- mas habilidades corporais exigem, ainda, materiais específicos. (COLETIVO…, 1992, p. 43) Essa acepção de cultura corporal está ancorada em outras influências teóricas e científicas que a educação física passou a sofrer principalmente a partir do fim dos anos 1970, mas em maior quantidade e qualidade a partir dos anos 1980. Foi com o contato com as ciências humanas e sob a influência da corrente dialética materialista e histórica, de cunho marxista ou de aproximações, que se definiu o corpo como uma construção social, e não mais como uma máquina, e é aqui que residem as diferenças persis- tentes até hoje: Uma das razões para utilizar o termo cultura é a de que ela força uma redefinição da relação da Educação Física com a Natureza e com seu conhecimento fundamentador. É preciso superar um certo “naturalismo” presente historicamente na nossa área. Tudo na nossa área era (em parte ainda é) considerado natural: o corpo é algo da natureza, as ciências que nos fundamentam são as da natureza, a própria existência e/ou necessidade da Educação Física é natural. Entender nosso saber como uma dimensão da cultura não elimina sua dimensão natural mas a redimensiona e abre Metodologia do Ensino da Educação Física II – 22 – nossa área para outros saberes, outras ciências (outras inter- pretações) e amplia nossa visão dos saberes a serem tratados. (BRACHT, 2005, p. 99, grifo nosso) A partir da constatação de que o corpo — assim como toda a socie- dade — é uma construção coletiva de determinada sociedade, existente em certo local e em um tempo histórico determinado, torna-se pouco justi- ficável, ou mesmo útil, treinar movimentos repetitivamente ou fazer testes de esforço homogêneos de forma completamente descontextualizada em grupos formados por alunos vindos de realidades tão distintas como os que recebemos nas escolas. Com essa afirmação, não se pretende enterrar determinados conteúdos e metodologias de ensino de Educação Física, e sim enquadrá-los a partir da história, contextualizá-los para além da bio- logia ou da biomecânica, contando com o apoio da sociologiaou da psi- cologia, por exemplo: Mesmo assim, há estudos que, como o de Jacques Rouyer, dizem ser possível “… medirmos melhor a importância de uma nova concepção da Educação Física, quando adquirimos, pelo estudo histórico, a convicção de que se trata de ultrapassar o sistema de Classe de Educação, que contém a marca da separação do trabalho intelectual e manual na vida social…”. Neste entendimento, vislumbra-se uma concepção de Educação Física afinada à Concepção Histórico-crítica. E ele ainda que nos diz que “… O caráter social de toda a Educação não deve ser esquecido, da mesma forma que o caráter de totalidade da ativi- dade humana. O primeiro princípio científico da teoria desta Edu- cação Física é realmente fundamentar os seus fins e os seus meios na prática social em desenvolvimento. E pela aprendizagem das diversas formas do trabalho manual que o Homem poderá adquirir uma grande habilidade, uma verdadeira cultura politécnica. E na prática e no decurso da assimilação das atividades de desenvol- vimento do ócio atual, desporto, dança etc, que ele enriquecerá igualmente as suas aptidões motrizes…”. E complementa: “… E assim que o Ser Humano humaniza-se, que a inteligência, ao mesmo tempo prática e conceituai, se desenvolve, for- mando-se uma pessoa social que pode agir eficazmente na vida. A socie- dade por seu lado vê aumentar, direta ou indiretamente, as suas forças produtivas e as relações de aperfeiçoamento…”. (CASTELLANI FILHO, 1991 p. 20) – 23 – Para que(m) serve a educação física, afinal? Síntese Como pudemos ver sucintamente, nossa área é permeada de diversi- dade e se constituiu a partir de uma gama ampla de influências sociais, cien- tíficas, econômicas e de outras ordens. Ainda que possamos ser críticos com relação a algumas dessas influências, não temos o direito histórico de negá- las ou refutá-las como fornecedoras (em maior ou menor grau) de compo- nentes genéticos no processo de gestação de uma área do conhecimento e de campo intelectual. Conhecer a história e a dinâmica ao longo desse processo é parte fundamental da formação necessária para que possamos exercer uma docência transformadora — da realidade social, individual de cada aluno e da própria área; por que não? Compreender as somas e as divisões da edu- cação física, auxiliados pela teoria bourdieusiana, auxiliará enormemente a não cairmos em armadilhas teóricas e práticas em nossa profissão. A par- tir dessa introdução geral, nos próximos capítulos vamos nos aprofundar nesses elementos e influências para que, ao final, possamos ter uma nova possibilidade de prática profissional e a compreensão formada de que essa prática é movimento em processo. Em outras palavras, não há receita pronta nem modelos a serem seguidos quando nos dispomos a permanecer abertos a novas sínteses e, por consequência, novas práticas. Atividades 1. Identifique as principais áreas do conhecimento que influencia- ram a construção da identidade da educação física no Brasil e comente de que forma se deu esse processo: 2. Consideradas as distintas influências sofridas, qual se consagrou nos documentos oficiais curriculares no Brasil? Explique-a: 3. Apesar de não ser o indicado na documentação curricular nacio- nal, há ainda grande predominância do conteúdo esporte nas aulas de Educação Física escolar. Aponte pelo menos dois ele- mentos que possam explicar o porquê dessa situação: 4. Disserte sobre como e por que uma compreensão dialética sobre a Educação Física e o ensino escolar dessa matéria podem ajudar a planejar, avaliar e replanejar nossas atividades: 2 Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos Vimos no capítulo anterior que a constituição e o reconhe- cimento da educação física como área do conhecimento e campo intelectual foram um processo histórico duradouro e cheio de nuances e momentos distintos. Podemos dizer que esse processo, apesar de menos intenso, ainda segue seu curso, afinal trata-se de um fenômeno vivo e de muitos debates não fechados ou sobre os quais não foram alcançados consensos. É razoável, portanto, pensarmos que com o campo da educação física constituído no espaço social e no campo acadêmico mais geral temos uma geografia vasta a explorar dadas as subdivisões teóricas e epistemológicas da área. Esses campos dentro do campo permanecem em constante conflito por uma melhor localização no espaço, por maior destaque e – por que não? – por uma hegemonia da área. Metodologia do Ensino da Educação Física II – 26 – Se no tempo histórico diferentes áreas do conhecimento determina- ram cenários, objetos de pesquisa, campos de trabalho e outras coisas, agora é também dentro que se dão essas determinações, a partir de pontos localizados no campo da educação física, já com autonomia relativa sufi- ciente perante os demais. A intenção deste capítulo é apresentar os com- ponentes desse campo constituído para podermos analisar melhor como se movimentam e buscam a predominância (ou hegemonia). Glossário Hegemonia é “Supremacia, domínio, poder que algo ou alguém exerce em relação aos demais: a Ferrari busca a hegemonia mundial no automobilismo; ou, Influência absoluta, liderança ou superioridade: hegemonia política.”. No sentido atribuído pelo intelectual italiano Antonio Gramsci, o conceito compreende um espectro extremamente amplo de significados em um âmbito de contextos que vai da economia até a literatura, da religião até a antro- pologia, da psicologia até a linguística. (…) No que diz respeito ao significado que deve ser atribuído a “hegemonia”, desde o início (Q 1, 44, 41), G. oscila entre um sentido mais restrito de “direção” em oposição a “domínio”, e um mais amplo e compreensivo de ambos (direção mais domínio). A diferença entre o dicionário e o filósofo citado é tênue, porém signi- ficativa ao analisarmos relações complexas como as que ocorrem em diferentes campos. LIGUORI, G.; VOZA, P. (Org.). Dicionário Gramsciano (1926-1937). São Paulo: Boitempo, 2017. 2.1 Voltando a Bourdieu Para avançarmos no processo de análise histórica e sociológica, é importante que alguns conceitos cunhados por Pierre Bourdieu sejam bem apreendidos. Com essa intenção, vamos apresentá-los em exemplos da – 27 – Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos educação física para facilitar o processo, visto que não é um autor de fácil digestão, apesar de toda a qualidade de seu arcabouço conceitual e obra. 2.1.1 O campo da educação física O conceito de campo em Bourdieu é central. Para o autor, a socie- dade está dividida em múltiplos campos compostos de agentes individuais que ocupam suas posições no campo a partir de determinados critérios de posse. No caso não está se falando, necessariamente, de posses objetivas como dinheiro ou terras, mas de capital intelectual, cultural, moral, esco- lar e outros simbólicos sobre os quais o autor baseia sua teoria social. Podemos imaginar, assim, que um professor doutor de uma univer- sidade renomada e com diversas publicações relevantes em seu currículo é um agente bem posicionado no campo da educação física por ter alto capital intelectual e cultural. Ao mesmo passo, podemos concluir que um personal trainer renomado, com diversos clientes importantes em seu por- tfólio e altos vencimentos mensais, também é um agente com uma posição relevante no mesmo campo. Eles estariam, mesmo a partir da posse de diferentes tipos de capital, em posição de homologia no campo; portanto, em condição de influenciá-lo ou mesmo hegemonizá-lo. Esse campo, como vimos, não existe isolado, mas em um espaço social, constituído de diversos campos que, para além de disputas internas, disputam com outros campos a predominância no espaço social, o qual pode ser compreendido como a sociedade, em termos bourdieusianos. É nessa disputa que surgem ou se desfazem determinados campos a partir da interação (amistosa ou belicosa) com outros campos mais fortes e maisfracos, em termos de posse de capital social. A partir dessa compreensão, podemos ter uma leitura mais crítica sobre aproximações e distanciamentos com outros campos que a educação física construiu ao longo da história e compreender os porquês, os interes- ses envolvidos, bem como os ônus e os bônus obtidos no espaço social a partir dessas interações e como ainda se dão. A Figura 2.1 ajuda a compreender os campos e suas interseções no espaço social. É importante notar alguns elementos, dentre os quais se destacam a existência de um campo maior, com mais interseções e, conse- Metodologia do Ensino da Educação Física II – 28 – quentemente, maior influência sobre outros e a quase infinitude de possi- bilidades que se abrem ao pensarmos nas diversas composições de espaço social que podemos diagramar. Figura 2.1 – Campos e suas interseções no espaço social Fonte: Prado, Jorge e Pinto (2018). Se a figura fosse ilustrativa do campo da educação física em sua inser- ção e em seus contatos com outros campos, ou mesmo do grande campo da educação física e seus subcampos, seria necessário que um professor em formação transitasse por todo e cada um dos campos (e subcampos) relacionados para que ocorresse um processo formativo completo e até mesmo para que, mais adiante, pudesse e conseguisse se localizar adequa- damente como um agente desse grande campo. 2.2 Das especificidades do campo científico O campo científico no qual a educação física buscou se inserir tem algumas características peculiares que devem ser destacadas para que não ocorram comparações ou calibrações baseadas em outros campos. “E uma das grandes questões que surgirão a propósito dos campos (ou dos sub- campos) científicos será precisamente acerca do grau de autonomia que eles usufruem” (BOURDIEU, 2004, p. 21). – 29 – Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos É inegável que o campo científico, ao fazer parte de um todo e nas relações estabelecidas com os demais campos, pressiona, influencia e é pressionado e influenciado de acordo com o grau de autonomia de que dispõe: Em outras palavras, é preciso escapar à alternativa da “ciên- cia pura”, totalmente livre de qualquer necessidade social, e da “ciência escrava”, sujeita a todas as demandas político-econômi- cas. O campo científico é um mundo social e, como tal, faz impo- sições, solicitações etc., que são, no entanto, relativamente inde- pendentes das pressões do mundo social global que o envolve. De fato, as pressões externas, sejam de que natureza forem, só se exercem por intermédio do campo, são mediatizadas pela lógica do campo. Uma das manifestações mais visíveis da autonomia do campo é sua capacidade de refratar, retraduzindo sob uma forma específica as pressões ou as demandas externas. Como um fenô- meno externo, uma catástrofe, uma calamidade (a peste negra da qual se procuram os efeitos na pintura), a doença da vaca-louca – que sei eu? – vai se retraduzir num campo dado? (BOURDIEU, 2004, p. 22) Essa capacidade de refração das pressões e das demandas externas ao campo é o melhor grau de indicação da autonomia de um campo em rela- ção aos demais, assim como o inverso é verdadeiro. Portanto, podemos pensar na educação física a partir desta visão: qual é o grau de autonomia que o campo tem em relação às pressões e às demandas do campo da polí- tica, da economia, de outros campos científicos e profissionais? Antes de prosseguirmos, vamos considerar um trecho para responder à pergunta: no domínio da pesquisa científica, os pesquisadores ou as pesquisas dominantes definem o que é, num dado momento do tempo, o conjunto de objetos importantes, isto é, o conjunto das questões que importam para os pesquisadores, sobre as quais eles vão concentrar seus esforços e, se assim posso dizer, “compensar”, determinando uma concentração de esforços de pesquisa. (BOURDIEU, 2004, p. 24-25) É relevante reforçar que, ao fazer tal afirmação, o autor não defende que não se produzam e investiguem questões distintas em relevância simultaneamente, mas que, em determinados períodos históricos, há assuntos e temas predominantes. Em boa medida, a história da educação física no Brasil pode comprovar essa hipótese, bem como ajudar a expli- Metodologia do Ensino da Educação Física II – 30 – car como chegamos aonde estamos nesse campo profissional, conforme pretendemos demonstrar adiante. Saiba mais Uma excelente leitura acerca da questão do campo acadêmico e cientí- fico a partir de uma análise da intelectualidade francesa feita por Bour- dieu é o livro Hommo Academicus. Figura 2.2 – Hommo Academicus, de Pierre Bourdieu Fonte: https://livraria.ufsc.br/produto/668/homo-academicus# O autor procura se valer de seu ferramental sociológico para analisar o campo científico a partir do que poderia ser considerada sua “nata”. Ele consegue especificar critérios para elaborar a lista dos “eleitos” (entre os quais ele se inclui, e esse elemento vale um trecho importantíssimo da obra) e traça relações que permitem ao leitor enxergar determinados elementos que, sem uma análise minuciosa e metodologicamente bem executada, não seria pensável conseguir. – 31 – Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos 2.3 Os campos biológicos ou biologizantes da educação física Se há uma aproximação que um campo ao redor da área da saúde pode querer é com a medicina, que há séculos é um dos grandes cursos de formação profissional e um campo intelectual com posição de destaque perante a sociedade. Esse capital acumulado historicamente e a impor- tância na e para a vida de todas as pessoas pode ser muito útil para outros campos que possam, eventualmente, compartilhar sua complacência, como a educação física. A aceitação da tutela quase absoluta no momento histórico de primei- ros passos da educação física, à qual alguns dos agentes atuais de nosso campo ainda concordam em se submeter, se deu, de certa forma, como uma entrada facilitada no espaço social. Afinal, se um médico recomenda fazer exercícios físicos, deve-se fazê-lo – é sempre importante, para fins históricos, lembrar que médicos já receitaram cigarros como forma de “acalmar os nervos”. É inquestionável que, do ponto de vista prático, essa aproximação gera uma quantidade razoável de bônus que podem ir desde a inclusão da gymnastica nas leis do império sobre a educação até um aumento da procura por profissionais de educação física para orientar tais exercícios recomendados pela medicina. No campo científico, podemos inferir de forma semelhante os ganhos de capital acadêmico que uma aproximação do curso de Educação Física com o de Medicina gerou e ainda pode gerar. Nesse ponto, é preciso rememorar que essa aproximação, no caso bra- sileiro, deu-se sob forte comando militar, afinal desde os passos iniciais da educação física no Brasil foram as escolas militares que formaram as primeiras levas de profissionais da área. 2.3.1 Tendências formadas a partir dessa aproximação Dos métodos ginásticos tradicionais (francês, alemão, sueco) às ten- dências que compreendem o ensino de Educação Física para a promoção da saúde – separados no tempo histórico por aproximadamente um século Metodologia do Ensino da Educação Física II – 32 – –, foram várias conformações que se sucederam dessa aproximação e busca de legitimação científica: 2 métodos ginásticos; 2 higienista; 2 militarista; 2 promoção da saúde; 2 saúde renovada. 2.4 Campos das ciências humanas e educação física Em meados do século XX, a psicologia passou a uma posição de des- taque no campo científico, em especial a partir dos estudos sobre o com- portamento humano. É importante afirmar que essa relevância também se constituiu, em partes, a partir de uma aproximação com a medicina, que, por ser um campo influente no espaço social, atraía outros campos interessados em elevar seus status. Na comparação com a educação física, a psicologia gozava de maior autonomiarelativa, portanto se constituía em uma relação favorável para a afirmação de nosso campo. Para além do espaço escolar como um todo, sobre o qual a psicologia influiu de maneira relevante no mesmo período, há considerável importância da psicologia na área esportiva ou de recuperação e reabilitação. Em relação às disputas internas ao campo da educação física, pode-se dizer que essa aproximação também permitiu que determinados agentes começassem uma movimentação de negação ou de afastamento da medi- cina. Ainda que uma disputa mais intensa e frontal só tenha aparecido mais adiante, quando da aproximação com outros campos das ciências humanas, ela já dava seus primeiros sinais nessa relação. Assim como no caso da medicina, essa relação permanece relevante e firme, ainda que a educação física tenha conquistado uma autonomia rela- tiva e já tenha o próprio campo constituído no espaço social. Essa relação permanece estreita na área escolar e se reflete em um número considerável de publicações e tendências pedagógicas que a reivindicam. – 33 – Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos 2.4.1 Algumas tendências formadas a partir dessa primeira aproximação Para além das influências no começo das relações entre os campos da educação física e da psicologia, é fundamental compreender que a psi- cologia galgou influência sobre diversos campos com vinculação direta ao campo educacional – em outras palavras: na formação de professores. Foram várias tendências (ou modismos?) que surgiram ao longo da his- tória dessas relações e que parecem ainda longe de se esgotarem; basta vermos a quantidade de publicações sobre isso e a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC). É também crucial mencionar que as diferentes tendências surgidas no campo da educação física se relacionam com diversas tendências próprias do campo da psicologia e que, eventualmente, acabam dialogando mais com as ciências biológicas ou com as ciências humanas: 2 psicomotricista; 2 desenvolvimentista; 2 construtivista (interacionista). 2.5 Campos das ciências humanas e crítica social Considerado o período de autonomização do campo da educação física, podemos afirmar que essa aproximação com as áreas que podem ser consideradas mais tradicionais das humanidades foi a última grande conformação interna da posição de diversos agentes relevantes no campo. Os efeitos do cenário político nacional foram determinantes para o cres- cimento considerável de uma ala crítica da educação física como paladina do status quo. Outro elemento relevante e dialeticamente contraditório foi o crescimento exponencial dos cursos superiores de Educação Física e a escassa oferta de cursos de pós-graduação no Brasil e em áreas mais afinadas, até então, com a nossa. O acúmulo de capital político e científico conquistado por esses agen- tes foi determinante tanto para uma recomposição do próprio campo da educação física em plena conformação como para uma mudança significa- Metodologia do Ensino da Educação Física II – 34 – tiva no paradigma que determinou, a partir de então, as distintas relações com outros campos intelectuais e a posição da educação física como um campo do espaço social. Isso se deu, principalmente, porque a reabertura política ocasionada pelo fim da ditadura, na década de 1980, proporcio- nou que diversos agentes localizados nesse setor conseguissem influência política e pudessem ser parte de elaborações significativas do aspecto cur- ricular da área. 2.5.1 Tendências formadas a partir dessa aproximação A diversidade – e, portanto, as divergências – nessa região é marcante. Isso possibilitou a conformação de tendências que congregam várias ver- tentes do marxismo e da fenomenologia ou de uma sociologia durkhei- miana mais tradicional. É sempre importante levar em conta, portanto, que a aglomeração dessas tendências em um mesmo grupo não quer dizer que há harmonia entre elas – o que também vale para as já mencionadas, mas ganha traços mais contundentes por aqui. 2 Aulas abertas 2 Crítico-superadora 2 Crítico-emancipatória 2 Sistêmica 2 Motricidade humana 2 Educação física plural (cultural) 2.6 PCN e os jogos cooperativos são tendências da educação física? É muito comum encontrarmos em livros a consideração acerca dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e dos jogos cooperativos como abordagens ou tendências pedagógicas. Os PCN serão tratados diretamente mais adiante, mas é suficiente mencionar que se trata de um documento cur- ricular construído a diversas mãos e que acabou por expressar o ecletismo – 35 – Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos da composição da equipe de autores; não é, portanto, uma ou mais obras de autores que se alinham a determinados referenciais teóricos e epistemológi- cos para compor um subcampo (ou uma tendência), e sim uma miscelânea que dificilmente pode ser enquadrada em qualquer subdivisão. Já os jogos cooperativos, estudados e dissertados por uma série de autores, entre os quais se destaca contemporaneamente Fábio Brotto (1997; 2001), cuja tese e dissertação dão base aos livros publicados no repositório público da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), podem ser aproveitados em uma série de planos de aulas de diversas ten- dências, até mesmo pelas mais esportivistas e ligadas ao desempenho atlé- tico (nesse caso como forma de aquecimento ou diversificação de ativi- dades). Seria, então, um equívoco incluir e limitar as possibilidades dos jogos cooperativos conformando-os como uma tendência ou abordagem específica da educação física. Curiosidade Os PCN estão previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, mas foram majoritariamente elaborados ante- riormente à sanção da lei. Como? Por quê? O projeto permaneceu em torno de 8 anos em trâmite no congresso nacional (o anterior, concluído em 1961, ficou por 13 anos) por conta de uma série de polêmicas em torno de temas extremamente relevantes para a educação nacional, mas havia consensos e outras elaborações que certamente seriam hegemôni- cas quando fosse o momento de contar votos a favor desta ou daquela proposta no congresso. Entre estas constavam as Diretrizes Curricula- res Nacionais (DCN) e os PCN; assim, logo foram escaladas equipes de intelectuais para a elaboração dos documentos que deveriam ser lança- dos em sequência à própria sanção da LDB. O Ministério da Educação e do Desporto, através da Secretaria de Ensino Fundamental, inspirado no modelo educacional espanhol, mobilizou a partir de 1994 um grupo de pesquisadores e professores no sentido de elaborar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Em 1997, foram lançados os documentos referentes aos lo. e 2o. ciclos (la. a 4a. séries do Ensino Fundamental) e no ano de 1998 os relati- vos aos 3o. e 4o. ciclos (5a. a 8a. séries), incluindo um documento Metodologia do Ensino da Educação Física II – 36 – específico para a área da Educação Física (Brasil, 1998a). Em 1999, foram publicados os PCNs do Ensino Médio por uma equipe diferente daquela que compôs a do Ensino Fundamental, e a supervisão ficou sob a responsabilidade da Secretaria de Ensino Médio, do Ministério da Educação e do Desporto (Brasil,1999). (DARIDO et al., 2001) O processo foi tão lento que não dá para dizer que o Ministério da Edu- cação (MEC) se antecipou, afinal começou no Governo Sarney, em 1988, mas durou os períodos dos governos Collor-Itamar, de 1990 a 1993, e FHC, de 1994 até sua publicação, em 1996, com uma série de vetos que também causaram polêmicas intensas. Apesar do predomínio neoliberal nos governos que fizeram andar tal processo que estava colado ao da Reforma de Estado – que pretendia, já nos anos imediatamente seguintes à publicação da Constituição Federal de 1988, dar cabo a uma série de elementos garantidores de algum nível de atenção social ou estatal a determinados problemas, como os ligados à educação– houve uma tentativa de equilíbrio entre diferentes tendên- cias nessas elaborações. No caso da educação física, essa pluralidade é facilmente perceptível na lista de autores. Uma das mais severas críticas à elaboração dos parâmetros foi a ausên- cia de espaço para as considerações de professores atuantes nas deze- nas de milhares de escolas do País e até mesmo das faculdades que ofertavam cursos de formação de professores (licenciaturas) em cada área. Nesse sentido, houve desaceleração do processo de publicação dos parâmetros que se encontravam em processo de elaboração para que pudessem ser apreciados e, consequentemente, criticados pelos agentes mencionados e que reivindicaram tal direito. Fato é que, mesmo com a desaceleração, o processo de elaboração dos PCN foi concluído antes da tramitação da legislação que os previa, o que pode fazer compreender que o tempo da política institucional não se regula exatamente pelo tempo das necessidades sociais. DARIDO, S. et al. A educação física, a formação do cidadão e os parâ- metros curriculares nacionais. Revista Paulista de Educação Física, v. 15, n. 1, p. 17-32, 20 jun. 2001. Disponível em: <http://www.revistas.usp. br/rpef/article/view/139482/134810>. Acesso em: 14 set. 2020. – 37 – Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos BRZEZINSKI, I. Tramitação e desdobramentos da LDB/1996: embates entre projetos antagônicos de sociedade e de educação. Trabalho, Edu- cação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 185-206, Oct. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981- -77462010000200002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 set. 2020. 2.7 A omnipresença do esporte na Educação Física escolar Figura 2.3 – Estádio do Maracanã lotado em jogo do campeonato brasileiro Fonte: Shutterstock.com/A.PAES Feitas as devidas apresentações, leituras complementares e reflexões propostas, é possível depreendermos um elemento nodal para todo e qual- quer debate sobre a Educação Física ensinada e aprendida nas escolas de ensino Fundamental e Médio: o esporte. Nas principais divergências e convergências entre as distintas concepções metodológicas que começa- mos a apresentar, o esporte é tratado e retratado com muita ênfase, e não há qualquer uma que refute sua importância entre os conteúdos a serem trabalhados nas aulas – muito pelo contrário. Vários foram os movimentos no sentido de usar as escolas e as aulas de Educação Física como base de uma suposta pirâmide esportiva que teria ali seu espaço de formação inicial para a seleção de talentos para Metodologia do Ensino da Educação Física II – 38 – competições esportivas. Alguns se valeram de argumentos relacionados à manutenção da saúde e uma suposta relação entre a prática esportiva e a manutenção de uma vida saudável, outros de argumentos ideológicos que vincularam o sucesso esportivo a um tipo de (auto)afirmação nacional(ista) perante outros estados, mas, de fundo, sempre pareceu haver uma tentativa de instrumentalização negativa de um dos fenômenos culturais e sociais mais importantes da e para a humanidade: Evidencia-se que o esporte é um forte integrante cultural de nossa sociedade, e a partir do momento que foi inserido na escola, sem- pre teve grande influência na Educação Física escolar, inclusive sendo inúmeras vezes praticamente o único conteúdo ministrado nesta disciplina. Não compartilhamos da idéia de que o esporte contemple todas as necessidades da Educação Física escolar, como também discordamos dele ser trabalhado com o objetivo nele mesmo. Em nosso entendimento o esporte deve sim estar pre- sente na escola, essencialmente na disciplina de Educação Física, pois é um conhecimento próprio desta área, porém devemos fazer dele um meio para formação dos alunos, formação esta que deve ter como eixo norteador uma pedagogia para a cidadania. (BAR- ROSO; DARIDO, 2006) A mais recente dessas tentativas teve aproximação com a realização de grandes eventos esportivos: a Copa do Mundo de Futebol Masculino da Federação Internacional de Futebol (FIFA) em 2014 e a Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro – mas também podemos mencionar os Jogos Pan- -americanos em 2007, os Jogos Mundiais Militares em 2011 e a Copa das Confederações de Futebol Masculino em 2013. A afirmação transcrita é sintética do que se intenciona (ou deveria intencionar) as aulas de Educação Física acerca do esporte: Costumo dizer que temas como violência, cooperação e ética têm na oportunidade da prática dos esportes um espaço rico de emergência na relação professor-aluno e aluno-aluno nas aulas de Educação Física e na escola que oportuniza a pedagogização do esporte. Além do mais, é na ação esportiva que vivemos momen- tos de expressão de emoções que, no nosso dia a dia, têm sido cada vez mais recolhidas para espaços da vida privada. A vivência de emoções restringe-se cada vez mais a algumas oportunidades da vida pública, mas, no esporte, ao lado de outras práticas de lazer, encontra um momento privilegiado, especialmente porque, no esporte, o ato motor é parte da vivência e, mesmo enquanto – 39 – Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos espectador, o movimento não está anulado e é parte da participa- ção no espetáculo. Como praticante ou até como espectador, é na ação relativa ao esporte que manifestamos com mais desenvoltura os sentimentos de medo, alegria ou tristeza. Fazer disso uma experiência consciente da vida em sociedade talvez seja um dos objetivos que o esporte e a Educação Física possam trazer para entre os muros da escola e o convívio dos cida- dãos. (LUCENA, 2013) O autor fala em “pedagogização do esporte”, que continua a ser um dos mais importantes papéis do professor de Educação Física, mas cabe refletir sobre a inversa “esportivização da vida” e, por consequência, da educação e da pedagogia tratada por Soares (2005, p. 44): Contudo, seria estimulante pensar que não há qualquer inocência nesse mundo construído pela referência ao “esporte”, pelo contrá- rio, a voga do esporte que se vive hoje traz consigo um estilo de vida que implica empresariar a vida cotidiana em suas mais deli- cadas interfaces, em seus mais íntimos espaços. Implica, portanto, sucesso social, glorificação do consumo, midiatização da empresa como modelo de vida, explosão de aventura, culto à performance. O esporte abriga esses valores e esses modelos, é mesmo a sua expressão massificada. Nesse cabo de guerra, a aparência, pelo menos até a quadra histórica que vivemos, é que os ideólogos da segunda opção – a esportivização e o empresariamento individual da vida humana – estão levando vantagem, e a influência (ainda maior) sobre o campo da educação física é inevitável. A consequência prática disso se dá nas aulas que planejamos e executamos nas escolas em que atuamos. Trabalhar o esporte não é uma opção, é uma obrigação. O tratamento que será dado ao fenômeno em questão é que determinará se nossa práxis ocorre para manter ou transformar (superar) a ordem das coisas. Síntese Até aqui, pudemos compreender como funcionam e se (auto)regu- lam os campos no espaço social. A visualização de que esses conceitos sociológicos devem fornecer é de movimento; ou seja, não há história em Metodologia do Ensino da Educação Física II – 40 – linha de continuidade, como muitas vezes as famosas linhas do tempo nos fazem crer. Há, sim, um movimento constante de disputas dentro do campo da educação física, postas pelas relações estabelecidas entre este e outros campos e que se modificam a depender de uma série de fatores que aumentam ou diminuem o grau de autonomia – e consequente poder de refração da demanda externa – que os campos têm. Na educação física, esse movimento se expressou em uma multiplicidade epistemológica e, por consequência, de concepções e metodologias de ensino que começa- mos a desenhar aqui a partir da perspectiva bourdieusiana e pretendemos aprofundar nos próximos capítulos.Figura 2.4 – As tendências divididas por campo Fonte: Elaborado pelo autor. Atividades – 41 – Campo constituído: as correntes teóricas e a formação de subcampos 1. Identifique e discorra sobre os conceitos centrais de Bourdieu usados até aqui: 2. Considerados os diversos campos intelectuais com os quais a educação física se relacionou ou ainda mantém algum nível de relação, disserte sobre como essas relações são perceptíveis a partir de uma análise sobre a educação física dos dias de hoje. Dê exemplos práticos da realidade: 3. Como os conflitos entre distintos agentes ajudaram a conformar o campo da educação física? É possível afirmar que há um setor vencedor ou hegemônico? Por quê? 4. No campo da educação física, é possível afirmar que há um tema dominante: o esporte. Ao mesmo tempo, o campo esportivo pode ser considerado independente da educação física, pelo menos se considerarmos o esporte de alto rendimento ou profissional. A partir das reflexões e considerações do capítulo, disserte sobre as influências e tendências de pressão que fazem do esporte um tema tão central nas aulas de Educação Física nas escolas: 3 Retomada e aprofundamento do conteúdo da legislação sobre o ensino de educação física no Brasil: dos PCN à BNCC Vimos nos capítulos anteriores a conformação do campo da educação física e a constituição de subcampos a partir das rela- ções que se estabeleceram ao longo da história. Antes de entrar- mos nas minúcias de cada uma das tendências, é importante con- textualizarmos o arcabouço legal e curricular oficial no que diz respeito especificamente à Educação Física enquanto disciplina e componente curricular. Metodologia do Ensino da Educação Física II – 44 – A partir dessa contextualização, a apresentação das tendências será muito mais inteligível e, em especial, poderá ser enriquecida com exemplos e considerações que levem em conta o arcabouço mencionado a partir do ponto de vista de cada concepção teórico-metodológica exposta. Para essa tarefa, será necessária uma digressão considerável no tempo para rememorarmos o aparecimento da educação física (ainda como gymnastica, que virou Educação Physica) nesses documentos, mas, principalmente, pretende-se dar conta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que se inserem no atual contexto de reformas educacionais que se depreendem da promulgação da Constituição Federal de 1988 em nível nacional, mas se ligam aos debates internacionais sobre o papel da educação na sociedade capitalista contemporânea. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) também é elemento estruturante no debate sobre a legislação que nos interessa tanto por sua história tumultuada de tramitação, negociações, disputas e contradições que são relevantes para compreendermos o contexto atual da educação no país quanto pelo interesse específico de nossa área que foi, ao menos em tese, ressignificada e revalorizada a partir da sanção da referida lei. 3.1 Em um passado que parece remoto Como demonstrado no primeiro capítulo, a legislação educacional brasileira já trazia a prática de exercícios físicos em ambiente escolar em seu escopo, ainda como gymnastica. É fundamental levarmos em conside- ração que estamos nos referindo ao período imperial da história do Brasil, portanto o que surgiu, para além da diferença na forma da grafia das pala- vras, e o que chama atenção é o fundamento por trás das justificativas para que ocorressem as práticas que eram ofertadas: esgrima, equitação e outras atividades que eram praticamente exclusivas dos níveis mais abastados da sociedade – que era quem frequentava as escolas naquele período. Havia, portanto, uma escola feita para as elites imperiais e aristocráticas do Brasil ainda sob égide imperial e que previa atividades e exercícios físicos ade- quados ao público atendido. – 45 – Retomada e aprofundamento do conteúdo da legislação sobre o ensino de educação física no Brasil: dos PCN à BNCC Com a ampliação da formalização e da institucionalização da edu- cação ainda no século XIX e no início do século XX já sob a república, é possível observar que as características e atividades mais (ou totalmente) vinculadas às elites sofreram modificações; ainda que a escola não fosse uma instituição acessível para toda a população, passou a abrigar setores menos abastados. Foi nesse processo e período que surgiram os métodos ginásticos importados da Europa e que disputaram a condição de “bola da vez” nas e para as aulas do que se tornou a educação física como conhece- mos hoje. Não havia ainda polêmica ou grandes debates acerca do papel dos exercícios físicos, considerados até então base de uma filosofia higie- nista, segundo a qual as práticas acarretavam indivíduos fortes e saudáveis; ao obrigar a atividade física para amplas camadas, pretendia-se higienizar a sociedade, na qual somente os mais fortes e saudáveis prosperariam. Do período compreendido entre as primeiras letras da lei que mencio- navam a área são importantes serem mencionadas: Reforma Couto Ferraz (1851), regulamentada pelo Decreto n, 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, e Parecer sobre a Reforma do Ensino Primário, Secundário e Supe- rior, de Rui Barbosa (1882). 3.2 Até a Constituição Federal de 1988 (dos métodos ginásticos ao esportivismo e o começo das polêmicas no campo) Por todo esse período, a educação física seguia longe de se constituir como campo científico, do conhecimento ou mesmo se firmar por seus próprios méritos na grade escolar brasileira. O que houve foi a interfe- rência de um campo já constituído e consagrado (medicina) para impor métodos ginásticos para que a escola pudesse contrapor a ineficácia das famílias em cuidar da saúde e da higiene dos menores de idade. A superação da educação física como instrução militar ou como mera orientação médica só ocorreu em meados da década de 1930, com mais ênfase a partir da década seguinte, com a ampliação da oferta de cursos superiores na área para além das capitais do Sudeste. O que se pode subli- nhar desse período é o interesse governamental e estatal em ampliar a Metodologia do Ensino da Educação Física II – 46 – importância e assumir a defesa da prática da educação física, então mais voltada à preparação esportiva: Paiva (2004, p.53) afirma que “a década de trinta do século XX é crucial na institucionalização da Educação Física no Brasil”. Para o modelo de governo de Getúlio Vargas, que tinha a clara proposta de fortalecer a indústria interna e o nacionalismo, a implantação de um sistema educacional que suprisse as necessidades dessa ideolo- gia era fundamental. Foi nesse contexto que a higienização social dos liberais tomou um formato cada vez mais eugenista – sob influências provindas dos modelos de governo ditatorial nazista6 e fascista – e que evidenciava o aspecto da melhora e do fortale- cimento das raças e das gerações. “Era como raça que a nação era entendida. Por meio dela se explicavam sucessos políticos, fracas- sos econômicos ou hierarquias sociais assentadas”. (SCHWARCZ, 1993, p.235). (ALBUQUERQUE, 2009) A chegada dessa orientação esportivista às escolas com maior inci- dência se deu a partir do golpe militar de 1964, pois até então havia aulas que mantinham o caráter gímnico e calistênico. Os militares passaram a considerar a escola – com grande ênfase à educação física promotora de competições e oportunidades esportivas – um meio extremamente privile- giado de promover o novo regime político e administrativo do país. Desse período são importantes de serem mencionadas: Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (primeira Lei de Diretrizes e Bases da Edu- cação Nacional, prevista na Constituição Federal de 1946, que demorou 15 anos para ser concluída), Lei n. 5.692 de 11 de agosto de 1971 (LDB substitutiva do período militar), Decreto-lei n. 705, de 25 de julho de 1969 (que instituiu a obrigatoriedade da prática da educação físicanos cursos de nível superior), Diagnóstico de Educação Física/Desportos no Brasil, escrito por Lamartine Pereira da Costa em 1971 sob encomenda do Depar- tamento de Educação Física e Desportos do Ministério da Educação e Cultura e Lei n. 6.251, de 8 de outubro de 1975 (trata da Política Nacional de Educação Física e Desportos e do Plano Nacional de Educação Física e Desportos – PNED). O Diagnóstico de Educação Física/Desportos no Brasil foi um importante documento para as intenções do regime militar no Brasil. Havia grande interesse em promover a educação física e sua – 47 – Retomada e aprofundamento do conteúdo da legislação sobre o ensino de educação física no Brasil: dos PCN à BNCC esportivização, em especial a realizada em espaço escolar e univer- sitário, pois atingia maior número de jovens e crianças e as famí- lias. Para isso, era fundamental conhecer a realidade objetiva que constituía o universo de tudo aquilo que poderia estar relacionado à educação física e que poderia, por consequência, ser utilizado pelo Estado em seu intento de ampliar a difusão da prática esportiva. Essa importante obra para a história foi digitalizada e está disponível para pesquisas e download completo na página do Centro Esportivo Virtual (CEV). Disponível em: <http://cev.org.br/biblioteca/diagnostico- -educacao-fisica-desportos-brasil>. Acesso em: 8 mar. 2021. 3.3 A Constituição Federal de 1988 A Constituição Federal de 1988 (CF) é o marco atual do qual par- tem, obrigatoriamente, todas as demais leis do país, incluídas as que tra- tam da educação e que nos interessam mais especificamente. Ao optar pelo regime federalista no Brasil, foram centralizadas determinadas ações estatais de ação e regulamentação, o que significa que consta na CF uma série de dispositivos que impõe limites às ações dos entes federados infe- riores (estados, Distrito Federal e municípios), mesmo que permita – e até mesmo imponha, em alguns casos – terem as próprias constituições e legislações específicas. No caso da educação de um modo geral, a CF fez constar elementos basilares para dar limites à regulamentações que ocorreram em bases esta- duais, distritais e municipais, além da obrigatoriedade da formulação de uma nova LDB. Essa forma final da constituição, com todos os problemas e as contradições, deu-se depois de uma disputa durante o processo da Assembleia Nacional Constituinte que encerrou seus trabalhos no ano de promulgação da constituição. Estava presente nesse mandato uma série de deputados vinculados aos mais diferentes interesses de categorias de tra- balhadores, empresários de vários setores, elite rural, entre muitos outros. Há uma série de trabalhos que pinçaram elementos do debate educa- cional no período para demonstrar que houve uma disputa fundamental: a ocorrida entre os interesses privados e mercantis da área da educação e os Metodologia do Ensino da Educação Física II – 48 – defensores da obrigatoriedade da oferta pública, gratuita e estatal de educa- ção. É possível dizer, a partir dessas leituras, que nem um lado nem outro saíram totalmente satisfeitos com as conquistas que obtiveram, o que deixou boa parte das disputas abertas para serem feitas no processo de formulação e de debate da LDB, Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) etc. As insatisfações eram tão evidentes que logo após a promulgação da CF já se iniciaram tratativas e tentativas de emendá-la em variados aspectos, com especial ênfase para aqueles vinculados à educação e ao “aparelho de Estado”. Outro elemento relevante tem a ver com a primeira aparição de uma menção sobre “base curricular comum”, que foi muito utilizada como argumento favorável à elaboração e à efetivação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), recentemente transformada em parte do arcabouço legal e curricular do ensino em geral e de Educação Física. Saiba mais Você sabia que o termo educação é citado 56 vezes na atual compilação da CF de 1988? Se pesquisarmos a versão digital em que constam arti- gos, parágrafos e incisos modificados ao longo dos anos, esse número salta para 91, denotando o quanto o tema é recorrentemente debatido e alterado em seus fundamentos elementares. A primeira ocorrência surge no “Capítulo II: Dos Direitos Sociais”, mas há toda a Seção I do Capítulo III dedicada à educação. 3.4 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Ainda que nosso interesse central seja a LDB de 1996, que dá as bases atuais para a vida profissional nas escolas, é impossível tratar do tema sem mencionar, ainda que rapidamente, a LDB de 1961, que foi a primeira e demorou mais de 13 anos em processo de debate, tramitação e oficialização. Não obstante esse elemento peculiar, 3 anos depois instau- rou-se no Brasil o regime militar que alterou profundamente boa parte da legislação, inclusive tendo criado a LDB em 1971, que tratava apenas dos denominados ensinos de primeiro e segundo graus. Em 1968, em movi- – 49 – Retomada e aprofundamento do conteúdo da legislação sobre o ensino de educação física no Brasil: dos PCN à BNCC mento separado, fez-se a Reforma Universitária, que pode-se dizer que desenhou o ensino superior brasileiro como o conhecemos atualmente – com grande destaque à pós-graduação. A LDB de 1996, “encomendada” pela CF de 1988, trouxe para o bojo das disputas ao redor aquelas já colocadas e mencionadas do perí- odo constituinte. Havia, portanto, uma disputa aberta sobre aspectos basilares do que se vislumbrava chamar de sistema nacional de ensino e que envolvia aspectos extremamente relevantes, como a obrigação de escolas privadas seguirem a regulamentação estatal, a distribuição de responsabilidades entre os entes sobre as diferentes etapas e modalida- des da educação (da infantil ao superior) e o destino das verbas orçamen- tárias estatais: A aprovação da LDB em 1996 significou, na verdade, somente o início de um movimento de reformas na educação brasileira, que tomou corpo mediante as regulamentações posteriores realizadas na estrutura educacional – no caso da educação profissional, o decreto n. 2.208/97 – e outras no campo conceitual, objetivadas, no âmbito da educação básica, pelas Diretrizes Curriculares Nacio- nais, sejam do ensino fundamental, do ensino médio ou da educa- ção profissional de nível técnico. A elaboração dessas diretrizes ficou a cargo da União – com a colaboração do Conselho Nacional de Educação – considerando sua função de estabelecer, em colabo- ração com os estados, o Distrito Federal e os municípios, compe- tências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. (Brasil, 1996, art. 9º, inciso IV ) (CIAVATTA; RAMOS, 2012) Foi nesse contexto tumultuado que a educação física conseguiu se incluir no rol de componentes curriculares obrigatórios. Na primeira LDB (Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961) era assim que a educação física aparecia: “Art. 22. Será obrigatória a prática da educação física nos cursos primário e médio, até a idade de 18 anos” (BRASIL, 1961). Já na LDB elaborada no período da ditadura militar (Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971), o tratamento dado à educação física era outro, e era prevista inclusão obrigatória no currículo pleno dos estabeleci- mentos de ensino: “Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos Metodologia do Ensino da Educação Física II – 50 – currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969” (BRASIL, 1971). Já na década de 1990, após o campo ter passado por intensas transfor- mações, o debate em torno da nova LDB estava renovado. Não se tratava mais a educação física como uma mera “prática”, tampouco se procurava meios de utilizá-la para fins ideológicos e militares – pelo menos majo-
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