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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA - UFJF Instituto de Ciências Exatas - ICE Departamento de Matemática Notas de Aula Topologia Geral Rafaela Cristina Oliveira da Cunha rafaelaoliveira@ice.ufjf.br Juiz de Fora - MG 2022.1 Sumário 1 Espaços Topológicos e Continuidade 4 1.1 Espaços Topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 1.2 Base para uma topologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1.2.1 Subbase para uma topologia . . . . . . . . . . . . 12 1.3 Topologia da Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 1.4 Topologia Produto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 1.5 Subespaços Topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 1.6 Conjuntos Fechados e Pontos de Acumulação . . . . . . . 26 1.6.1 Conjuntos fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.6.2 Fecho e conjunto interior . . . . . . . . . . . . . . . 29 1.6.3 Ponto de acumulação . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 1.6.4 Espaços de Hausdorff . . . . . . . . . . . . . . . . 32 1.7 Funções contínuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 1.7.1 Continuidade de uma função . . . . . . . . . . . . 36 1.7.2 Homeomorfismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 1.7.3 Construindo funções contínuas . . . . . . . . . . . 41 1.8 Produto Cartesiano Arbitrário . . . . . . . . . . . . . . . . 45 1.8.1 Topologia da Caixa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 1.8.2 Topologia do Produto . . . . . . . . . . . . . . . . 47 1.9 Topologia da Métrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 1.9.1 Métrica Uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 1.10 Topologia Quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 1.10.1 Relação de equivalência . . . . . . . . . . . . . . . 70 1.10.2 Uma situação particular... . . . . . . . . . . . . . . 74 2 Conectividade e Compacidade 79 2.1 Espaços Conexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 2.2 Subespaços Conexos da reta R . . . . . . . . . . . . . . . . 84 2.2.1 Conexidade por caminhos . . . . . . . . . . . . . . 85 2.3 Componentes e Conectividade Local . . . . . . . . . . . . 89 2.3.1 Componentes conexas por caminho . . . . . . . . 89 2.4 Espaços Compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 2 SUMÁRIO 3 2.4.1 Espaços fechados e compacidade . . . . . . . . . . 98 2.5 Subespaços Compactos da reta R . . . . . . . . . . . . . . 101 2.6 Ponto Limite Compacto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 2.7 Compacidade Local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 3 Axiomas de Enumerabilidade e Separação 112 3.1 Axiomas de Enumerabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . 112 3.2 Axiomas de Separação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 3.3 Espaços Normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 3.4 O Lema de Urysohn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 Capítulo 1 Espaços Topológicos e Continuidade O conceito de espaço topológico surgiu do estudo da reta real e do espaço euclidiano e, do estudo das funções contínuas nesses espaços. Neste capítulo, definiremos o que é um espaço topológico e estudaremos várias maneiras de construir uma topologia em um conjunto para transformá-lo em um espaço topológico. Consideraremos também alguns dos conceitos elementares associados aos espaços topológicos. Conjuntos abertos e fechados, pontos de acumulação e funções contínuas são introduzidos como generalizações naturais das ideias correspondentes para a reta real e para o espaço euclidiano. 1.1 Espaços Topológicos A definição de um espaço topológico que hoje é padrão demorou muito para ser formulada. Vários matemáticos - Frechet, Hausdorff e outros - propuseram diferentes definições ao longo de um período de anos durante as primeiras décadas do século XX, mas levou um bom tempo até que os matemáticos decidissem qual parecia mais adequada. Eles queriam, é claro, uma definição que fosse a mais ampla possível, de modo que incluísse como casos especiais todos os vários exemplos úteis em matemática - espaço euclidiano, espaço euclidiano de dimensão infinita e espaços funcionais entre eles - mas eles também queria que a definição fosse estreita o suficiente para que os teoremas padrão sobre esses espaços familiares valessem para espaços topológicos em geral. Este é sempre o problema quando se tenta formular um novo conceito matemático, para decidir quão geral deve ser sua definição. A definição que foi estabelecida, e a que se segue: 4 1.1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS 5 Definição 1.1. Uma topologia sobre um conjunto X é uma coleção τ de subconjuntos de X satisfazendo as seguintes condições: 1. ∅ ∈ τ e X ∈ τ; 2. Se Uα ∈ τ, para α ∈ Λ, então ⋃ α∈Λ Uα ∈ τ; 3. Se U1, U2, . . . , Un ∈ τ, então n⋂ i=1 Ui ∈ τ. Nomenclatura 1.1. • (X, τ) é dito um espaço topológico. • Os elementos U ∈ τ são chamados abertos dessa topologia. Observação 1.1. Em outras palavras, as condições 2 e 3 podem ser reescritas, respectivamente, como: 2’. A união arbitrária de conjuntos abertos é aberta. 3’. A interseção finita de abertos é aberta. Exemplo 1.1. 1. X = {a, b, c} (a) τ1 = {∅, X}; (X, τ1) é espaço topológico. (b) τ2 = {∅, X, {a}, {a, b}}; (X, τ2) é espaço topológico. (c) τ3 = {∅, X, {b}, {a, b}, {b, c}}; (X, τ3) é espaço topológico. A figura a seguir representa as topologias τ1, τ2, e τ3 geometrica- mente. Figura 1.1 2. Para qualquer conjunto X, temos as seguintes topologias: 6 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE (a) Topologia Trivial: τ = {∅, X}. (b) Topologia Discreta: τ = P(X)1. 3. Seja X um conjunto qualquer. Se τf = {U ⊂ X; X−U = X ou X−U é finito} (1.1) então τf é uma topologia sobre X chamada, topologia do comple- mentar finito. Verificando: 1. ∅ ∈ τf, pois X−∅ = X. X ∈ τf, pois X− X = ∅ é finito. 2. Sejam Uα, α ∈ Λ, tais que Uα ∈ τf, ou seja, Uα = ∅ (caso X−Uα = X) ou X−Uα é finito. Temos: X− (⋃ α∈Λ Uα ) = ⋂ α∈Λ (X−Uα) ⊂ X−Uα ′, para qualquer α ′ ∈ Λ que é finito ou ⋃ α∈Λ Uα = ∅. Logo, ⋃ α∈Λ Uα ∈ τf. 3. Sejam U1, U2, . . . , Un ∈ τf. Logo, X−Ui é finito ou Ui = ∅. Temos: X− ( n⋂ i=1 Ui ) = n⋃ i=1 (X−Ui) = X, se Ui = ∅, para algum i ou é finito . Portanto, n⋂ i=1 Ui ∈ τf. A seguinte definição nos dá uma possível maneira para compararmos topologias. 1Dado um conjunto X, o conjunto das partes de X, denotado por P(X), é o conjunto formado por todos os subconjuntos de X 1.1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS 7 Definição 1.2. Sejam τ e τ ′ duas topologias sobre um conjunto X. Se τ ⊂ τ ′, dizemos que τ ′ é mais fina do que τ (ou que τ é mais grossa do que τ ′). Se τ ⊈ τ ′, dizemos que τ ′ é estritamente mais fina do que τ (ou que τ é estritamente mais grossa do que τ ′). Dizemos que τ e τ ′ são comparáveis se τ ⊂ τ ′ ou τ ′ ⊂ τ. Caso contrário, τ e τ ′ são ditas não comparáveis. Figura 1.2 A terminologia ”mais fina” torna-se mais sugestiva quando pensa- mos em um espaço topológico como, por exemplo, uma embalagem cheia de pães - os pães e todas as uniões de coleções de pães são os conjuntos abertos. Se agora partirmos os pães em pedaços menores, a coleção de conjuntos abertos foi ampliada, e a topologia, como o pão, teria sido melhorada pela operação, ou seja, ficaria mais fina, mais refinada que a inicial. Observação 1.2. A topologia discreta é mais fina do que qualquer outra topologia, enquanto a topologia trivial é mais grossa que qualquer outra topologia. 8 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 1.2 Base para uma topologia Para cada um dos exemplos da seção anterior, pudemos especificar a topologia descrevendo toda a coleção τ de conjuntos abertos. Geral- mente isso é muito difícil. Na maioria dos casos, especifica-se uma coleção menor de subconjuntos de X e define-se a topologia em termos disso. Esse será nosso objetivo nessa seção. Definição 1.3. Uma base para uma topologia sobre um conjunto X é uma coleção B de subconjuntos de X (chamados elementos base ou elementos básicos) satisfazendo as seguintes condições: 1. Para todo x ∈ X, existe um elemento base B contendo x. 2. Se x está na interseção de dois elementos base B1 e B2, existe umum terceiro elemento base B3 contendo x e contido na interseção de B1 e B2 (x ∈ B3 ⊂ B1 ∩ B2). Se B satisfaz essas duas condições, então definimos a topologia τ gerada pela base B da seguinte forma: Um subconjunto U de X é aberto em X (isto é, U é um elemento de τ) se para cada x ∈ U, existe é um elemento base B ∈ B tal que x ∈ B e B ⊂ U. Note que cada elemento base é ele próprio um elemento de τ. Vamos verificar que τ é uma topologia: 1. ∅ ∈ τ, por vacuidade. X ∈ τ, pois pela condição 1, dado x ∈ X, existe B ∈ B com x ∈ B e B ⊂ X. 2. Sejam Uα ∈ τ, com α ∈ Λ, e seja x ∈ ⋃ α∈Λ Uα. Então x ∈ Uα ′ , para algum α ′ ∈ Λ. Logo, como Uα ′ ∈ τ, existe B ∈ B tal que x ∈ B e B ⊂ Uα ′ . Mas, Uα ′ ⊂ ⋃ α∈Λ Uα e daí x ∈ B e B ∈ ⋃ α∈Λ Uα. Portanto, ⋃ α∈Λ Uα ⊂ τ. 3. Sejam U1, U2 ∈ τ e seja x ∈ U1 ∩U2. Como x ∈ U1, existe B1 ∈ B tal que x ∈ B1 e B1 ⊂ U1. Analoga- mente, existe B2 ∈ B tal que x ∈ B2 e B2 ⊂ U2. Logo, x ∈ B1 ∩ B2 e, pela condição 2, existe B3 ∈ B com x ∈ B3 e B3 ⊂ B1 ∩ B2 e daí x ∈ B3 ⊂ U1 ∩U2. Logo, U1 ∩U2 ∈ τ. 1.2. BASE PARA UMA TOPOLOGIA 9 Por indução, se supormos válido U1 ∩U2 ∩ · · · ∩Un ∈ τ, para qualquer quantidadende conjuntos, seU1, U2, . . . , Un, Un+1 ∈ τ, então U1 ∩U2 ∩ · · · ∩Un ∩Un+1 = U1 ∩U2 ∩ · · · ∩Un︸ ︷︷ ︸ ∈τ ∩Un+1︸ ︷︷ ︸ ∈τ ∈ τ. Logo, n⋂ i=1 Ui ∈ τ. Portanto, τ é uma topologia. Exemplo 1.2. Seja X = R2. Então, são bases para uma topologia sobre X: 1. B1 = {discos abertos em R2}. Figura 1.3 2. B2 = {retângulos abertos em R2}. Figura 1.4 10 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE O lema a seguir nos dá uma outra maneira para descrevermos a topologia gerada por uma base. Lema 1.1. Seja B uma base para uma topologia τ sobre o conjunto X. Então τ é a coleção de todas as uniões de elementos da base B. O Lema 1.1, afirma que todo conjunto aberto U em X pode ser expresso como uma união de elementos base. Esta expressão para U não é, no entanto, única. Assim, o uso do termo ”base” em topologia difere drasticamente de seu uso em álgebra linear, onde a equação que expressa um vetor como uma combinação linear dos vetores da base, é única. Descrevemos de duas maneiras distintas como obtermos uma topo- logia gerada por uma determinada base. Por vezes, precisamos ir na direção inversa, partindo de uma topologia para uma base gerando-a. A seguir, veremos um método que será bastante utilizado para obtermos uma base para uma determinada topologia. Lema 1.2. Seja (X, τ) um espaço topológico. A coleção B é base para τ se B é uma coleção de conjuntos abertos de X tal que para cada conjunto aberto U de X e cada x ∈ U, existe um elemento B ∈ B tal que x ∈ B ⊂ U. Quando mais de uma topologia são dadas por bases, é útil termos um critério, em termos das bases, para determinarmos se uma topologia é mais fina ou mais grossa que a outra. Um desses critérios é dado pelo seguinte lema: Lema 1.3. Sejam B e B ′ duas bases para topologia τ e τ ′, respectivamente, sobre o conjunto X. As seguintes afirmações são equivalentes: 1. τ ′ é mais fina que τ (τ ⊂ τ ′). 2. Para cada x ∈ X e cada elemento base B ∈ B que contém x, existe um elemento base B ′ ∈ B ′ tal que x ∈ B ′ ⊂ B. Figura 1.5 1.2. BASE PARA UMA TOPOLOGIA 11 Pode-se achar difícil lembar a equivalência do Lema 1.3. - Como lembrar para que lado vai a inclusão? Esta lembrança pode ser mais fácil se lembrarmos da analogia entre um espaço topológico e uma embalagem cheia de pães. Pensamos nos pães como os elementos base da topologia. Em seguida, que os pães são esfarelados, reduzidos a pó. As partículas de pó são os elementos base da nova topologia. A nova topologia é mais fina que a antiga, e cada partícula de pó estava contida dentro de um pãozinho, como afirma o critério. Exemplo 1.3. Considere R o conjunto dos números reais. Sejam 1. B = {(a, b); a, b ∈ R, a < b}, 2. B ′ = {[a, b); a, b ∈ R, a < b}, 3. B ′′ = B ∪ {(a, b) − K; a, b ∈ R, a < b}, onde K = {1/n; n ∈ N}. Então, B, B ′ e B ′′ são bases para topologias τ, τ ′ e τ ′′, respectivamente, sobre R. Então, são espaços topológicos: 1. R := (R, τ); 2. Rℓ := (R, τ ′); 3. RK := (R, τ ′′). Temos: a) τ ′ é estritamente mais fina que τ. Seja x ∈ (a.b), com a < b. Então x ∈ [x, b) ⊂ (a, b). Logo, τ ⊂ τ ′. Figura 1.6 Agora, seja c ∈ [c, d). Não existe (a, b) ∈ B tal que c ∈ (a, b) ⊂ [c, b). Logo, τ ′ ⊂/ τ 12 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE b) τ ′′ é estritamente mais fina que τ. Como B ⊂ B ′′, segue imediatamente que τ ⊂ τ ′′. Qualquer que seja o intervalo aberto (a, b), se 0 ∈ (a.b) tem-se (a, b) ⊂/ [(−1, 1) − K]. Logo, τ ′′ ⊂/ τ. Figura 1.7 c) τ ′ e τ ′′ não são comparáveis. Seja c ∈ [c, d) ∈ B ′. Não existe elemento I ∈ B ′′, com c ∈ I ⊂ [c, d). Logo, τ ′ ⊂/ τ ′′. Seja 0 ∈ (−1, 1) − K ∈ B ′′. Não existe [c, d) ∈ B ′, com 0 ∈ [c, d) ⊂ [(−1, 1) − K]. Logo, τ ′′ ⊂/ τ ′. 1.2.1 Subbase para uma topologia Geralmente, especificar ua topologia descrevendo toda a coleção τ é uma tarefa muito complicada. Na maioria dos casos, especifica-se uma coleção menor (base) de subconjuntos de X e defini-se a topologia em termos desta coleção. Definição 1.4. Dado um conjunto X uma subbase para uma topologia sobre X é uma coleção S de subconjuntos de X que cobre X, isto é, X = ⋃ S∈S S. (1.2) A base gerada pela subbase S é a coleção B = {S1 ∩ S2 ∩ · · · ∩ Sn; Si ∈ S, n ∈ N}. (1.3) Verifiquemos que B é uma base para uma topologia: 1. Dado x ∈ X, como S cobre X, existe S ∈ S tal que x ∈ S. Mas, como S ⊂ B, existe S ∈ B tal que x ∈ S. 2. Sejam S1 ∩ S2 ∩ · · · ∩ Sn e S ′1 ∩ S ′2 ∩ · · · ∩ S ′m dois elementos de V. Então: 1.2. BASE PARA UMA TOPOLOGIA 13 (S1 ∩ S2 ∩ · · · ∩ Sn) ∩ (S ′1 ∩ S ′2 ∩ · · · ∩ S ′m) = S1 ∩ S2 ∩ · · · ∩ Sn ∩ S ′1 ∩ S ′2 ∩ · · · ∩ S ′m ∈ B. Logo, B é uma base para uma topologia sobre X e, portanto, a topologia τ gerada por B é a topologia gerada pela subbase S. 14 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 1.3 Topologia da Ordem Definição 1.5. Um conjunto X é dito simplesmente ordenado se existir uma relação ”<” entre elementos de X satisfazendo: 1. Tricotomia: dados x, y ∈ X, vale uma, e somente uma, das seguintes afirmações x < y, ou x = y ou, y < x. 2. Transitividade: x < y e y < z ⇒ x < z. Seja X um conjunto simplesmente ordenado. Dados dois elementos a e b em X tais que a < b, existem quatro subconjuntos de X que são chamados de intervalos determinados por a e b. Tais intervalos são os seguintes: intervalo aberto − (a, b) = {x ∈ X; a < x < b} (1.4) intervalos semi-abertos − { (a, b] = {x ∈ X; a < x ⩽ b} [a, b) = {x ∈ X; a ⩽ x < b} (1.5) intervalo fechado − [a, b] = {x ∈ X; a ⩽ x ⩽ b}. (1.6) Se X é um conjunto ordenado e a é um elemento de X, existem quatro subconjuntos de X que são chamados raios determinados por a. Tais raios são os seguintes: raios abertos − { (a,+∞) = {x ∈ X; x > a} (−∞, a) = {x ∈ X; x < a} (1.7) raios fechados − { [a,+∞) = {x ∈ X; x ⩾ a} (−∞, a] = {x ∈ X; x ⩽ a} . (1.8) Observação 1.3. Denotamos x > a, se a < x. Se X é um conjunto simplesmente ordenado, com pelo menos dois elementos então B = {(a, b); a, b ∈ X, a < b} ∪ {[a0, b); onde a0 é o menor elemento de X, se existir, e a0 ̸= b} ∪ {(a, b0]; onde b0 é o maior elemento de X, se existir, e a ̸= b0} é uma base para uma topologia sobre X. Vamos mostrar que B é uma base para uma topologia sobre X. De fato: 1.3. TOPOLOGIA DA ORDEM 15 1. Dado x ∈ X, se x não for menor nem maior elemento de X, então existem a, b ∈ X, com a < x < b. Então x ∈ (a, b) ∈ B. Se x for menor elemento de X, então existe b > x e daí: x ∈ [x, b) ∈ B. Se x for maior elemento de X, então existe a < x e daí: x ∈ (b, x] ∈ B. 2. É tedioso, mas não é muito complicado verificar que a interseção de dois elementos de B é vazia ou é um elemento de B. A topologia τ gerada por B é a topologia da ordem de X. Exemplo 1.4. 1. R, < A base para a topologia da ordem em R é B = {(a, b); a, b ∈ R, a < b}. Logo, a topologia da ordem de R é a topologia padrão de R. 2. I = [0, 1] ⊂ R, < A base para a topologia da ordem em I é B = {(a, b); 0 < a <b < 1} ∪ {[0, b); 0 < b ⩽ 1} ∪ {(a, 1]; 0 ⩽ a < 1}. 3. N, < A base para a topologia da ordem em N é B = {(n,m); n,m ∈ N, n < m} ∪ {[1, n); 1 < n}. Todos os unitários são abertos na topologia da ordem de N, pois {1} = [1, 2) e {n} = (n−1, n+1), se n ̸= 1. Logo, essa é a topologia discreta. 16 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 4. X = {1, 2}× N = {1× 1, 1× 2, 1× 3, . . . ; 2× 1, 2× 2, 2× 3, . . .}. Definimos < a ordem do dicionário (ou ordem lexicográfica) em X como: a× b < c× d ⇐ se a < c ou se a = c e b < d (1.9) Note que, X, < é simplesmente ordenado. Quase todo conjunto unitário é aberto na topologia da ordem de X, exceto {2× 1}. Um elemento base contendo 2× 1 tem que ser da forma (1× b, 2× 2), com b ∈ N e daí 1× c ∈ (1× b, 2× 2) se b < c. 5. R× R, < ordem do dicionário. A base para a topologia da ordem em R× R é B = {(a× b, c× d); a× b < c× d}. (1.10) Figura 1.8 1.3. TOPOLOGIA DA ORDEM 17 Figura 1.9 O uso do termo ”aberto”, sugere que os raios abertos em X são conjuntos abertos na topologia da ordem. E assim, realmente o são. Considere, por exemplo, o raio (a,+∞). • Se X tem maior elemento b0, então (a,+∞) = (a, b0]. • Se X não tem maior elemento, então (a,+∞) = ⋃ x∈X, x>a (a, x). Em ambos os casos, (a,+∞) é aberto na topologia da ordem. Também é aberto o raio (−∞, b). De fato: • Se X tem menor elemento a0, então (−∞, b) = [a0, b). • Se X não tem menor elemento, então (−∞, b) = ⋃ x∈X, x<b (x, b). Em ambos os casos, (−∞, b) é aberto na topologia da ordem. Agora, vamos mostrar que os raios abertos formam uma subbase para a topologia da ordem em X. Seja X simplesmente ordenado na topologia da ordem. 18 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE Considere S = {(a,+∞), (−∞, b); a, b ∈ X}. (1.11) Temos X = {⋃ a∈X (a,+∞)} ∪{⋃ b∈X (−∞, b)} . (1.12) Logo, S é uma subbase para uma topologia τ ′ sobre X. Note que (a,+∞) = ⋃ b>a (a, b) é aberto na topologia τ ′. Também, (a, b) = (−∞, b) ∩ (a,+∞). Além disso: • Se a0 for menor elemento de X, [a0, b) = (−∞, b). • Se b0 for maior elemento de X, (a, b0] = (a,+∞). Portanto, τ ′ é a própria topologia da ordem. 1.4. TOPOLOGIA PRODUTO 19 1.4 Topologia Produto Se X e Y são espaços topológicos, existe uma forma padrão de definir uma topologia no produto cartesiano X × Y. Consideraremos esta topologia agora e estudaremos algumas de suas propriedades, como a seguir: Sejam X e Y espaços topológicos. Considere em X× Y a coleção: B = {U× V ; U é aberto de X e V é aberto de Y}. (1.13) Então B é uma base para uma topologia sobre X× Y. Verificando que B é uma base: 1. Como X× Y ∈ B, pois X é aberto em X e Y é aberto em Y, então B cobre X× Y. 2. Dados U1 e U2 abertos em X e V1 e V2 abertos em Y, tem-se: (U1 × V1) ∩ (U2 × V2) = (U1 ∩U2)× (V1 ∩ V2) ∈ B, pois U1 ∩U2 e V1 ∩ V2 são abertos em X e Y, respectivamente. Figura 1.10 A topologia gerada pela base B, definida em (1.13), é chamada a topologia produto de X× Y. Observe que a coleção B não é uma topologia em X × Y. De fato, sendo U1, U2 abertos de X e V1, V2 abertos de Y tais que U1 ∩U2 ̸= ∅ e V1 ∩ V2 ̸= ∅. Então, a união (U1 × V1) ∪ (U2 × V2) 20 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE não é um produto de dois conjuntos, portanto, não pode pertencer a B, no entanto, é aberta em X× Y. Cada vez que introduzirmos um novo conceito, tentaremos relacioná- los com os conceitos que forma introduzidos anteriormente. No presente caso, perguntamos: - O que se pode dizer se as topologias em X e Y são dadas por bases? A resposta é a seguinte: Proposição 1.1. Se B1 é uma base para a topologia de X e B2 é base para a topologia de Y, então B = {B1 × B2; B1 ∈ B1 e B2 ∈ B2} (1.14) é uma base para a topologia produto de X× Y. Por vezes, é útil expressar a topologia produto em termos de uma subbase. Agora, veremos como podemos fazer isso. Sejam X e Y espaço topológicos. Em X× Y, considere as aplicações π1 : X× Y ! X π2 : X× Y ! Y x× y 7! x x× y 7! y As aplicações π1 e π2 são chamadas de projeções de X × Y em seu primeiro e segundo fatores, respectivamente. Dados U aberto de X e V aberto de Y, temos: π−11 (U) = U× Y (1.15) π−12 (V) = X× V. (1.16) Considere em X× Y a coleção S = {π−11 (U); U é aberto de X} ∪ {π−12 (V); V é aberto de Y}. (1.17) Então S é uma subbase para a topologia produto de X× Y. De fato, comoX é aberto emX eY é aberto emY, entãoπ−11 (U) = U×Y é aberto em X× Y e π−12 (V) = X× V é aberto em X× Y. Logo, S está contido na topologia de X× Y. Reciprocamente, como π−11 (U) ∩ π−12 (V) = (U× Y) ∩ (X× V) = (U× X) ∩ (Y × V) = U× V, então, todo aberto base de X× Y é interseção finita de elementos de S. 1.4. TOPOLOGIA PRODUTO 21 Figura 1.11 22 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 1.5 Subespaços Topológicos Seja (X, τ) um espaço topológico e seja Y ⊂ X um subconjunto de X. A coleção τY = {U ∩ Y; U ∈ τ} (1.18) é uma topologia sobre Y, chamada topologia do subespaço de Y. De fato: 1. ∅ = ∅ ∩ Y e Y = X ∩ Y ⇒ ∅, Y ∈ τY . 2. τY é fechado sob uniões arbitrárias pois⋃ α∈Λ (Uα ∩ Y) = (⋃ α∈Λ Uα ) ∩ Y ∈ τY , para qualquer coleção {Uα}, com Uα ∈ τ. 3. τY é fechado sob interseções finitas, pois (U1 ∩ Y) ∩ (U2 ∩ Y) = (U1 ∩U2) ∩ Y ∈ τY , para quaisquer U1, U2 ∈ τ. Em geral, por indução (U1 ∩ Y) ∩ · · · ∩ (Un ∈ Y) = (U1 ∩ · · · ∩Un) ∩ Y ∈ τY , para quaisquer U1, . . . , Un ∈ τ. Chamamos (Y, τY) de subespaço de X. As vezes, por simplicidade, denominamos apenas que Y é subespaço de X, deixando implícita a topologia sobre Y. Os conjuntos abertos de (Y, τY) consistem em todas as interseções de conjuntos abertos de X com Y. Exemplo 1.5. R2 D = {(x, y) ∈ R2; x2 + y2 ⩽ 1} Figura 1.12 1.5. SUBESPAÇOS TOPOLÓGICOS 23 O lema a seguir mostra como obter uma base para a topologia do subespaço em Y. Lema 1.4. Se B é uma base para a topologia de X, então a coleção BY = {B ∩ Y; B ∈ B} (1.19) é uma base para a topologia do subespaço em Y. Ao lidarmos com um espaço X e um subespaço Y, é preciso ter cuidado ao usar o termo ”conjunto aberto”. - Tal aberto é um elemento da topologia de Y ou um elemento da topologia de X? Para impedirmos uma possível confusão, fazemos a seguinte definição: • Se Y é um subespaço de X, dizemos que um conjunto U é aberto em Y (ou aberto em relação a Y) se pertence U ∈ τY , onde τY é a topologia do subespaço de Y; isto implica, em particular, que U é um subconjunto de Y. • Dizemos que U é aberto em X se U ∈ τ onde τ é a topologia de X. Existe uma situação especial em que todo conjunto aberto em Y é aberto em X, como veremos abaixo. Lema 1.5. Sejam X um espaço topológico e Y subespaço de X. Se Y ⊂ X é um aberto de X e se A é um aberto de A, então A é aberto em Y. Agora, vamos explorar a relação entre a topologia do subespaço e as topologias da ordem e do produto. Para a topologia produto, o resultado é o que se poderia esperar, como veremos no lema a seguir; para a topologia da ordem, não é. Lema 1.6. Se A for um subespaço de X e B for um subespaço de Y, então a topologia produto em A × B é a mesma topologia induzida em A × B como subespaço de X× Y. Agora,seja X um conjunto ordenado na topologia da ordem e seja Y ⊂ Y um subconjunto de X. A relação de ordem em X, quando restrita a Y, faz de Y um conjunto ordenado. No entanto, a topologia da ordem resultante em Y não precisa er a mesma que a topologia que Y herda como um subespaço de X. Ou seja: - Em um subespaço Y, nem sempre as topologias da ordem e do subespaço coincidem. Veremos isso no exemplo a seguir. 24 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE Exemplo 1.6. 1. I = [0, 1] ⊂ R. Em I, as topologias da ordem e do subespaço coincidem. Com efeito, a topologia do subespaço tem como base todos os conjuntos da forma (a, b) ∩ I, onde (a, b) é um intervalo aberto em R. Tal conjunto é de um dos seguintes tipos: (a, b)∩I = B = (a, b), se a e b estão em I (0 < a < b < 1) [0, b), se apenas b está em I (a < 0 < b < 1) (a, 1], se apenas a está em I (0 < a < 1 < b) I ou ∅, se nem anem estão em I Por definição, cada um dessesconjuntos é aberto em I, mas os conjuntos do segundo e do terceiro tipo não são abertos em R. Note que, esses conjuntos formam uma base para a topologia da ordem em I. Dessa forma, vemos que no caso do conjunto I = [0, 1], sua topologia do subespaço (como um subespaço de R) e sua topologia da ordem são as mesmas. 2. X = [0, 1) ∪ {2} ⊂ R. X,< Figura 1.13 Temos (3 2 , 3) ∩ X = {2} é um aberto na topologia induzida pro R em X. Na topologia da ordem de X, não existe elemento base contendo 2 e contido em {2}, pois para todo a ∈ X, com a < 2, (a, 2] ∩ (X− {2}) = ∅. 3. I× I2 ⊂ R× R na ordem do dicionário, onde I = [0, 1]. Seja A = { 1 2 } × ( 1 2 , 1 ] . 2O conjunto I× I, com a ordem do dicionário, será chamado de quadrado ordenado e denotado por I20. 1.5. SUBESPAÇOS TOPOLÓGICOS 25 Figura 1.14 Perceba que A = (I× I) ∩ ( 1 2 × 1 2 , 1 2 × 2 ) . Logo, A é aberto na topologia induzida por R× R em I× I. Mas, na topologia da ordem do dicionário em I × I, A não é aberto, pois 1 2 × 1 ∈ A e não existe um aberto de I× I contendo 1 2 × 1 e contido em A nessa topologia. A anomalia ilustrada nos exemplos 2 e 3 acima não ocorre em intervalos ou raios em um conjunto ordenado X, conforme veremos no próximo teorema. Todavia, precisamos da seguinte definição: Definição 1.6. Se X é um conjunto simplesmente ordenado, um subconjunto A ⊂ X de X é dito convexo se para quaisquer a, b ∈ A, com a < b, temos (a, b) ⊂ A. Teorema 1.1. Seja X um conjunto simplesmente ordenado com a topologia da ordem. Seja Y ⊂ X um subconjunto convexo de X. Então, a topologia induzida por X em Y coincide com a topologia da ordem induzida em Y. Para evitarmos ambiguidades, faremos o seguinte: - Sempre que X for um conjunto ordenado na topologia da ordem e Y for um subconjunto de X, devemos assumir que Y recebe a topologia do subespaço, a menos que especifiquemos o contrário. Se Y for convexo em X, esta topologia será a mesma que a topologia da ordem em Y, caso contrário, pode não ser. 26 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 1.6 Conjuntos Fechados e Pontos de Acumula- ção Agora que temos alguns exemplos em mãos, podemos introduzir alguns dos conceitos básicos associados aos espaços topológicos. Nesta seção, tratamos das noções de conjunto fechado, fecho de um conjunto e ponto de acumulação. Isso leva naturalmente à consideração de um certo axioma para espaços topológicos chamado axioma de Hausdorff. 1.6.1 Conjuntos fechados Dado um espaço topológico (X, τ), um subconjunto A ⊂ X é dito fechado quando X−A for aberto, isto é, X−A ∈ τ. Exemplo 1.7. 1. A = {(x, y); x ⩾ 0 e y ⩾ 0} ⊂ R2. Temos R2 −A = [(−∞, 0)× R] ∪ [(−1,+∞)× (−∞, 0)] é aberto. Logo, A é fechado. 2. Y = [0, 1] ∪ (2, 3) ⊂ R3 Figura 1.15 Temos A = (2, 3) fechado em Y, pois Y −A = [0, 1] = ( −1, 3 2 ) ∩ Y é aberto em Y. Também, A é aberto, pois (3 2 , 3) ∩ Y = (2, 3) = A. 3Perceba que fechado não é o contrário de aberto. Um conjunto pode ser: • Aberto; • Fechado; • Aberto e fechado; • Nem aberto, nem fechado. 1.6. CONJUNTOS FECHADOS E PONTOS DE ACUMULAÇÃO 27 3. No plano R2, o conjunto {x× y; x ⩾ 0 e y ⩾ 0} é fechado, pois seu complementar é a união dos dois conjuntos (−∞, 0)× R e R× (−∞, 0) que são produto de conjuntos abertos de R e é, portanto, aberto em R2. 4. Na topologia do complementar finito em um conjuntoX, os conjun- tos fechados consistem em si mesmos e em todos os subconjuntos finitos de X. De fato, sendo τf = {U ⊂ X; X−U = X ou X−U é finito} a topologia do complementar finito, dado A fechado, temos X−A aberto. Dessa forma X−A = X (ou seja, A = X) ou X−A é finito. 5. Na topologia discreta sobre um conjunto X, todo conjunto é aberto, e segue-se que todo conjunto também é fechado. A coleção de subconjuntos fechado de um espaço topológico X tem propriedades semelhantes às satisfeitas pela coleção de subconjuntos abertos de X, como veremos no teorema a seguir. Teorema 1.2. Seja (X, τ) um espaço topológico. Sempre valem4: 1. X e ∅ são fechados. 2. Se Fα é fechado, para α ∈ Λ, então ⋂ α∈Λ Fα é fechado. 3. Se F1, F2, . . . , Fn são fechados, então ⋃n i=1 Fi é fechado Demonstração. 1. X = X − ∅ (o que mostra que ∅ é fechado) e ∅ = X − X (o que mostra que X é fechado). 2. Seja {Fα}α∈Λ, com Fα fechado, para todo α ∈ Λ. Então X− ⋂ α∈Λ Fα = ⋃ α∈Λ (X− Fα) é aberto, pois como Fα é fechado, X− Fα é aberto, para todo α ∈ Λ. 4Perceba a dualidade entre abertos e fechados 28 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 3. Se F1, F2, . . . , Fn são fechados, então X− n⋃ i=1 Fi = n⋂ i=1 (X− Fi) é aberto, pois X− Fi é aberto, para cada i = 1, 2, . . . , n. ■ Observação 1.4. Noutros termos, as propriedades 2 e ?? presentes no teorema acima podem ser reescritas, respectivamente, como: 2’. A interseção arbitrária de conjuntos fechados é fechada. 3’. A união finita de fechados é fechada. Provado o Teorema 1.2, pode-se perceber que em vez de usar conjuntos abertos, pode-se também especificar uma topologia em um espaço topológico fornecendo uma coleção de conjuntos (a serem chamados de ”conjuntos fechados”) satisfazendo as três propriedades do Teorema 1.2. Pode-se definir conjuntos abertos como complementar de conjuntos fechados e proceder como antes.5 Este procedimento não tem nenhuma vantagem particular sobre a que adotamos, e a maioria dos matemáticos preferem utilizar conjuntos abertos para definir topologia por conveniência e por facilitar uma ”visualização geométrica”, já que, neste caso, fazemos analogias com os abertos de R e R2, por exemplo. Ademais, na matemática é bom termos uma ”mente aberta”, não é mesmo?! Agora, ao lidar com um subespaço Y de X, é preciso ter cuidado ao usar o termo ”conjunto fechado”. - Tal fechado é um elemento fechado de Y ou um elemento fechado de X? Para impedirmos uma possível confusão, fazemos a seguinte definição: Se Y é um subespaço de X, dizemos que um conjunto A é fechado em Y se A é um subconjunto de Y e A é fechado na topologia do subespaço em Y (isto é, Y −A é aberto em Y)6. O seguinte teorema caracteriza os fechados num subespaço. Teorema 1.3. Seja Y subespaço de X. Então A ⊂ Y é fechado em Y se, e somente se, existe F fechado em X tal que A = F ∩ X. 5A maioria dos resultados que vimos para os abertos, valem para os fechados, utilizando-se De Morgan. 6Se A é fechado no subespaço Y, A pode ou não ser fechado no espaço maior X. 1.6. CONJUNTOS FECHADOS E PONTOS DE ACUMULAÇÃO 29 1.6.2 Fecho e conjunto interior Seja X espaço topológico e A ⊂ X um subconjunto de X. O fecho de A, denotado por A, é definido como a interseção de todos os conjuntos fechados que contém A. Simbolicamente: A = ⋂ α∈Λ Fα, Fα é qualquer fechado em X tal que Fα ⊃ A. (1.20) O interior de A, denotado por int A ou A, é definido como a união de todos os conjuntos abertos de X contidos em A. Simbolicamente: intA = ⋃ α∈Λ Uα, Uα é qualquer aberto emX tal queUα ⊂ A. (1.21) Observação 1.5. Seja X espaço topológico e A ⊂ X um subconjunto de X. Temos: int A ⊂ A ⊂ A. (1.22) A seguinte proposição caracteriza conjuntos fechados e conjuntos abertos em termos do fecho e do interior7. Proposição 1.2. Seja X espaço topológico e A ⊂ X um subconjunto de X, Então: 1. A é fechado em X ⇔ A = A. 2. A é aberto em X ⇔ A = int A. Definição 1.7. Dado x ∈ X, qualquer aberto U de X tal que x ∈ U é chamado de vizinhança de x. A definição do fecho de um conjunto não nos dá uma maneira conveniente de realmente encontrar os fechos de conjuntos específicos, uma vez que a coleção de todos os conjuntos fechados em X, assim como a coleção de todos os conjuntos abertos, geralmente é muito grande para se trabalhar. Outra forma de descrever o fecho de um conjunto, muito útil pois envolve apenas uma base para a topologia de X, é dada no seguinte teorema. Teorema 1.4. Sejam X um espaço topológico e B uma base para a topologia de X. Dado A ⊂ X, são equivalentes: 1. x ∈ A; 7Não faremos muito uso do interior de um conjunto, mas o fecho de um conjunto será bastante importante. 30 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOSE CONTINUIDADE 2. Para todo aberto U de X, com x ∈ U, tem-se U ∩A ̸= ∅; 3. Para todo B ∈ B, com x ∈ B, tem-se B ∩A ̸= ∅. Exemplo 1.8. 1. Seja X = R, com a topologia usual. Se A = (0, 1], então A = [0, 1], para cada vizinhança de 0 que intersepta A, enquanto cada ponto fora de [0, 1] tem vizinhança disjunta de A. Argumentos semelhantes se aplicam aos seguintes subconjuntos de X: (a) Se B = {1/n; n ∈ N}, então B = {0} ∪ B. (b) Se C = {0} ∪ (1, 2), então C = {0} ∪ [1, 2]. (c) Se Q é conjunto dos números racionais, então Q = R. (d) Se Z+ é o conjunto dos inteiros positivos, então Z+ = Z+. (e) Se R+ é o conjunto dos reais positivos, então R+ = R+ ∪ {0}. 2. Considere o subespaço Y = (0, 1] da reta real R. O conjunto A = (0, 1 2 ) é subespaço de Y, seu fecho em R é o conjunto [0, 1 2 ] e o seu fecho em Y é o conjunto [0, 1 2 ] ∩ Y = (0, 1 2 ], e é isso que mostraremos no próximo teorema.8 Ao lidar com um espaço topológico X e um subespaço Y de X, é preciso ter cuidado ao tomar os fechos de conjuntos. Se A for um subconjunto de Y, o fecho de A em Y e o fecho de A em X serão, em geral, diferentes. Em tal situação, reservamos a notação A para representar o fecho de A em X, enquanto a notação AY representa o fecho de A em Y. O fecho de A em um subespaço Y pode ser expresso em termos de A, como mostra o seguinte teorema: Teorema 1.5. Seja Y subespaço de X. Dado A ⊂ Y, o fecho de A em Y é igual ao fecho de A em X interseção com Y, ou seja, A Y = A ∩ Y. (1.23) 8Aqui é possível ver que o fecho de um conjunto em um subespaço Y de X pode não coincidir com o fecho do mesmo conjunto no espaço maior X. 1.6. CONJUNTOS FECHADOS E PONTOS DE ACUMULAÇÃO 31 1.6.3 Ponto de acumulação Agora, veremos outra maneira de descrever o fecho de um conjunto. Seja A um subconjunto do espaço topológico (X, τ). Dizemos que x ∈ X é ponto de acumulação (ou ponto limite, ou ponto de agrupamento) de A se toda vizinhança U de x intersepta A em um ponto diferente de x9, ou seja, ∀U ∈ τ; x ∈ U ⇒ U ∩ (A− {x}) ̸= ∅. (1.24) Nomenclatura 1.2. Denotamos por A ′ o conjunto dos pontos de acu- mulação de A. Os pontos de acumulação de A ⊂ X e o fecho de A em X se relacionam, como nos diz o seguinte teorema: Teorema 1.6. Seja A um subconjunto do espaço topológico X. Então A = A ∪A ′. (1.25) Com o Teorema 1.6, obtemos uma outra caracterização do conjuntos fechados, como se segue: Corolário 1.1. Um subconjunto A do espaço topológico X é fechado se, e somente se, A contém todos os seus pontos de acumulação. Exemplo 1.9. Em R, temos: 1. A = (0, 1] ⇒ A ′ = A = [0, 1]. 2. B = {1/n; n ∈ N} ⇒ B ′ = {0} e B = {0} ∪ B. 3. C = {0} ∪ (1, 2) ⇒ C ′ = [1, 2] e C = {0} ∪ [1, 2]. Definição 1.8. Dados X um espaço topológico e A ⊂ X, dizemos que x ∈ A é um ponto isolado quando x não é um ponto de acumulação, ou seja, quando existe uma vizinhança V de x tal que V ∩ (A− {x}) = ∅. (1.26) 9Perceba que, na definição acima, o ponto de acumulação pode ou não estar em A. 32 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 1.6.4 Espaços de Hausdorff A experiência com conjuntos abertos e fechados e pontos de acu- mulação na reta e no plano pode ser enganosa quando se considera espaços topológicos mais gerais. Por exemplo, nos espaços R e R2, cada conjunto formado por um único ponto {x0} é fechado. De fato, nestes espaços, todo ponto diferente de x0 tem uma vizinhança que não intercepta {x0}, de modo que {x0} = {x0}. Mas este fato não é verdadeiro para espaços topológicos arbitrários. Considere a topologia no conjunto de três pontos {a, b, c} indicado na figura abaixo. Figura 1.16 Neste espaço, o conjunto {b} formado por apenas um ponto de {a, b, c} não é fechado, pois seu complementar {a, c} não é aberto. Da mesma forma, a experiência de alguém com as propriedades de sequências convergentes em R e R2 pode ser enganosa quando se trata de um espaço topológico mais geral. Daí surge a seguinte definição: Definição 1.9. Sejam X um espaço topológico e {xn}n∈N uma sequência de elementos de X. Dizemos que x ∈ X é limite da sequência {xn}n∈N (ou que a sequência {xn}n∈N converge para x) e denotamos xn ! x, quando para toda vizinhança V de x existe N suficientemente grande tal que n > N ⇒ xn ∈ V. (1.27) Em R e em R2, uma sequência não pode convergir para mais de um ponto, mas em espaços topológicos arbitrários ela pode, como veremos no exemplo a seguir. Exemplo 1.10. Considere X o conjunto abaixo: Figura 1.17 1.6. CONJUNTOS FECHADOS E PONTOS DE ACUMULAÇÃO 33 Temos: 1. xn = a, ∀n ∈ N a e c são limites de {xn}. 2. yn = b, ∀n ∈ N a, b e c são limites de {yn}. 3. zn = c, ∀n ∈ N c é o único limite de {zn}. Topologias em que conjuntos formados por apenas um ponto não são fechados, ou em que sequências podem convergir para mais de um ponto, são consideradas por muitos matemáticos como um pouco estranhos. Tais topologias não são realmente muito interessantes, pois raramente ocorrem em outros ramos da matemática. Além disso, os teoremas que podem-se provar sobre espaços topológicos são bastante limitados se tais exemplos forem permitidos. Portanto, muitas vezes impõe-se uma condição adicional que descarta exemplos como este, aproximando a classe de espaços em consideração daqueles aos quais se aplica a intuição geométrica. A condição foi sugerida pelo matemático Felix Hausdorff, então os matemáticos passaram a chamá-la pelo seu nome. Definição 1.10. Dizemos que um espaço topológico X é Hausdorff se para quaisquer a, b ∈ X, com a ̸= b, existem vizinhanças V1 de a e V2 de b tais que V1 ∩ V2 = ∅.10 Teorema 1.7. Todo subconjunto finito definido em um espaço de Hausdorff X é fechado. Definição 1.11. Um espaço X no qual todo subconjunto finito de X é fechados é chamado de T1 (ou de axioma T1). Teorema 1.8. Se X é espaço de Hausdorff, então X é espaço T1. No exemplo a seguir veremos que a condição T1 é mais fraca que a condição de Hausdorff, isto é, X espaço T1 ⇏ X Hausdorff. Exemplo 1.11. Seja Rf os reais com a topologia do complementar finito. Dados x1, x2 ∈ R, com x1 ̸= x2, consideremos V1 e V2 vizinhanças de x1 e x2, respectivamente. Suponhamos que x1 ∈ V1 = R− {y1, . . . , yn} x2 ∈ V2 = R− {z1, . . . , zn}. 10Ou seja, um espaço X é Hausdorff se pontos distintos possuem vizinhanças disjuntas. 34 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE Então V1 ∩ V2 = R− {y1, . . . , yn, z1, . . . , zn} ̸= ∅. Logo, Rf não é Hausdorff. Mas, Rf é T1, pois R− {x1, . . . , xn} é aberto para qualquer {x1, . . . , xn}. O axioma T1 não será muito explorado e aparecerá neste em apenas um teorema, que é o seguinte: Teorema 1.9. Seja X um espaço topológico T1. Então, um ponto x é ponto de acumulação de um subconjunto A ⊂ X se, e somente se, toda vizinhança de x contém infinitos pontos de A. Uma razão para nossa falta de interesse no axioma T1 é o fato de que muitos dos teoremas interessantes de topologia requerem não apenas este axioma, mas toda a força do axioma de Hausdorff. Além disso, a maioria dos espaços que são importantes para os matemáticos são espaços de Hausdorff. Os dois teoremas seguintes dão alguma sustentação a esses argumentos. Teorema 1.10. SeX for um espaço de Hausdorff e se {xn}n∈N for uma sequência que possui um limite, então esse limite é único. Teorema 1.11. As seguintes afirmações são válidas: 1. Todo conjunto simplesmente ordenado é um espaço de Hausdorff na topologia de ordem. 2. O produto de dois espaços de Hausdorff é um espaço de Hausdorff. 3. Um subespaço de um espaço de Hausdorff é um espaço de Hausdorff. A condição de Hausdorff é geralmente considerada uma condição extra muito leve para impor em um espaço topológico. De fato, em um primeiro curso de topologia alguns matemáticos chegam a impor essa condição logo de início, recusando-se a considerar espaços que não sejam espaços de Hausdorff. Não iremos tão longe, mas certamente assumiremos a condição de Hausdorff sempre que ela for necessária em uma prova, sem qualquer escrúpulo em limitar seriamente a gama de aplicações dos resultados. A condição de Hausdorff éuma das várias condições extras que podem ser impostas a um espaço topológico. Cada vez que se impõe tal condição, pode-se provar teoremas mais fortes, mas limita-se a classe de espaços aos quais os teoremas se aplicam. Grande parte da pesquisa que tem sido feita em topologia desde o início centrou-se no problema de encontrar condições que sejam fortes o suficiente para permitir provar 1.6. CONJUNTOS FECHADOS E PONTOS DE ACUMULAÇÃO 35 teoremas interessantes sobre espaços que satisfazem essas condições, e ainda não tão fortes que limitem severamente a gama de aplicações de os resultados. Estudaremos algumas dessas condições nos próximos dois capítulos. A condição de Hausdorff e o axioma T1 são apenas dois de uma coleção de condições semelhantes entre si que são chamadas coletivamente de axiomas de separação. Outras condições incluem os axiomas da enumerabilidade e várias condições de compacidade e conectividade. Alguns destes são requisitos bastante rigorosos, como você verá. 36 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 1.7 Funções contínuas Nesta seção estudaremos uma definição de continuidade que inclui casos especiais como os das funções contínuas na reta real, no plano e no espaço. Também, estudaremos várias propriedades das funções contínuas. Muitas dessas propriedades são generalizações diretas de conceitos sobre funções contínuas vistos em Cálculo e Análise. 1.7.1 Continuidade de uma função Sejam X e Y espaços topológicos e considere f : X! Y. Dizemos que f é contínua se para todo aberto V de Y tem-se f−1(V) aberto em X.11 Lembre-se que f−1(V) é o conjunto de todos os pontos x de X para os quais f(x) ∈ V . Em símbolos: f−1(V) = {x ∈ X; f(x) ∈ V}. (1.28) Ademais, perceba que f−1(V) = ∅ se V não interceptar o conjunto imagem f(X) de f. Observação 1.6. Vale ressaltar que a continuidade de uma função depende não apenas da própria função f, mas também das topologias especificadas para seu domínio e imagem. Se quisermos enfatizar este fato, podemos dizer que: - f é contínua em relação a topologias específicas em X e Y. Se B for uma base para a topologia fr Y, então f : X! Y é contínua se, e somente se, a imagem inversa de todo elemento base de Y é aberta em X. Com efeito, um conjunto aberto arbitrário V de Y pode ser escrito como uma união de elementos base de B, isto é, V = ⋃ α Bα, com Bα ∈ B. Logo, f−1(V) = f−1 (⋃ α Bα ) = ⋃ α f−1(Bα), de modo que se cada conjunto f−1(Bα) for aberto em X, como a união arbitrária de abertos é aberta, segue que f−1(V) é aberto em X. 11f é contínua se a pré-imagem de aberto é aberta. 1.7. FUNÇÕES CONTÍNUAS 37 A mesma afirmação pode ser feita para uma subbase do espaço Y. Ou seja, se a topologia em Y é dada por uma subbase S, para provar a continuidade de f : X ! Y será necessário e suficiente mostrar, que a imagem inversa de cada elemento da subbase de Y é aberta em X. De fato, o elemento base arbitrário B ∈ B, onde B é base para a topologia de Y, pode ser escrito como uma interseção finita de elementos subbase de S, isto é, ∀B ∈ B, B = S1 ∩ · · · ∩ Sn, onde Si ∈ S. Assim, por f−1(B) = f−1(S1 ∩ · · · ∩ Sn) = f−1(S1) ∩ · · · ∩ f−1(Sn) segue que a imagem inversa de cada elemento base é aberta em X. Exemplo 1.12. 1. A aplicação f : Rℓ ! R x 7! x é contínua, pois se a < b, f−1((a, b)) = (a, b) é aberto em Rℓ. Mas, a aplicação inversa g : R ! Rℓ x 7! x não é contínua, pois g−1([a, b)) = [a, b) que não é aberto em R.12. Figura 1.18 12Neste exemplo vemos que se uma aplicação é contínua, não podemos concluir que sua inversa também será contínua. 38 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 2. As projeções π1 : X× Y ! X π2 : X× Y ! Y x× y 7! x x× y 7! y são contínuas, pois π−11 (U) = U× Y e π−12 (V) = X×V são abertos em X× Y, para quaisquer abertos U de X e V de Y. Na análise, estudam-se várias maneiras diferentes, mas equivalentes, de formular a definição de continuidade. Algumas delas generalizam-se para espaços arbitrários e são consideradas no teorema a seguir. A definição familiar ε−δ de continuidade e a ”definição de sequência con- vergente” não se generalizam para espaços arbitrários. Tais definições serão tratadas quando estudarmos espaços métricos. Teorema 1.12. Sejam X e Y espaços topológicos e considere a aplicação f : X! Y. São equivalentes: 1. f é contínua; 2. Para todo A ⊂ X tem-se f(A) ⊂ f(A); 3. Para todo F ⊂ Y fechado tem-se f−1(F) fechado em X; 4. Para todo x ∈ X e toda vizinhança V de f(x) em Y, existe uma vizinhança U de x em X tal que f(U) ⊂ V . Neste caso, dizemos que f é contínua no ponto x. 1.7.2 Homeomorfismo Sejam X e Y espaços topológicos e f : X! Y bijetora. Se f for contínua e f−1 : Y ! X for contínua, dizemos que f é um homeomorfismo. Neste caso, dizemos que X e Y são homeomorfos. Figura 1.19 1.7. FUNÇÕES CONTÍNUAS 39 A condição de continuidade para f−1 nos diz que para cada conjunto aberto U de X, a imagem inversa de U sob a aplicação f−1 : Y ! X é aberta em Y. Mas, a imagem inversa de U sob a aplicação f−1 é a mesma que a imagem de U sob a aplicação f. Assim, outra maneira de definir um homeomorfismo é dizer que é: - f : X! Y é um homeomorfismo se é correspondência bijetiva tal que f(U) é aberto em Y se, e somente se, U é aberto em X. Estudamos na Álgebra a noção de um isomorfismo entre objetos algébricos como grupos ou anéis. Um isomorfismo é uma correspon- dência bijetiva que preserva a estrutura algébrica envolvida. O conceito análogo em topologia é o de homeomorfismo, conforme enfatizamos na seguinte observação: Observação 1.7. f : X! Y homeomorfismo ⇒ f preserva a estrutura topológica envolvida ⇒ toda propriedade de X que é inteiramente expressa em termos da topologia de X (isto é, em termos dos conjuntos abertos de X) produz, através da correspondência f, a propriedade correspon- dente para o espaço Y. Tal propriedade de X é chamada propriedade topológica de X. Exemplo 1.13. 1. As aplicações f : (−1, 1) ! R f−1 = g : R ! (−1, 1) f(x) = x 1− x2 g(y) = 2y 1+ (1+ 4y2)1/2 são contínuas. Logo, f : (−1, 1)! R é um homeomorfismo13. Figura 1.20 13Pode-se mostrar que qualquer intervalo aberto é homeomorfo a outro intervalo aberto. 40 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 2. Sendo S1 = {(x, y); x2 + y2 = 1} ⊂ R2 (1.29) o círculo unitário em R2, a aplicação f : [0, 1)! S1 dada por f(t) = (cos 2πt, sen 2πt) é contínua, mas sua inversa não é contínua. Logo, f : [0, 1)! S1 não é um homeomorfismo. Figura 1.21 Agora suponha que f : X! Y é uma aplicação injetiva e contínua, onde X e Y são espaços topológicos. Considerando conjunto imagem f(X) como um subespaço de Y, a função g : X ! f(X) x 7! f(x) obtida restringindo a imagem de f, é bijetiva. Isso nos leva a seguinte definição: Definição 1.12. Se f : X ! Y é tal que, restrita a imagem f(X), a função g : X ! f(X) é um homeomorfismo, dizemos que f é um mergulho (ou um mergulho topológico, ou um encaixe). Figura 1.22 1.7. FUNÇÕES CONTÍNUAS 41 1.7.3 Construindo funções contínuas Dado uma função de um espaço topológico para outro, vimos como analisar se essa função é contínua ou não. Agora queremos fazer o caminho contrário, ou seja: - Como podemos construir funções contínuas de um espaço topológico para outro? Há uma série de métodos usados em análise, dos quais alguns generalizam- se para espaços topológicos arbitrários e outros não. Estudaremos primeiro algumas construções que valem para espaços topológicos gerais, adiando a consideração das outras para mais tarde. Teorema 1.13 (Regras para construir funções contínuas). Sejam X, Y e Z espaços topológicos arbitrários. Valem: 1. (Função constante) Se f : X! Y é dada por f(x) = y0 ∈ Y, para todo x ∈ X, então g é contínua. 2. (Inclusão) Se A for um subespaço de X, então a aplicação inclusão i : A ! X é contínua. x 7! x 3. (Compostas) Se f : X! Y e g : Y ! Z forem funções contínuas, então g ◦ f : X! Z é contínua. Figura 1.23 4. (Restringindo o domínio) Se f : X! Y for contínua eA for um subespaço de X, então f ∣∣ A : A! Y é contínua.42 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE 5. (Restringir ou expandir a imagem) Seja f : X! Y contínua. Se Z for um subespaço de Y contendo a imagem f(X) e W for um espaço tendo Y como um subespaço, então as funções g e h obtidas pela restrição da imagem de f e pela expansão da imagem de f, respectivamente g : X ! Z h : X! W são contínuas. x 7! f(x) x 7! f(x) 6. (Formulação local de continuidade) Seja f : X ! Y. Se existe uma coleção {Uα}α∈Λ de abertos de X tal que X = ⋃ α∈Λ Uα e f ∣∣ Uα : Uα ! Y são contínuas, para todo α ∈ Λ, então f : X! Y é contínua. Teorema 1.14 (Lema da Colagem). SejamXum espaço topológico eA,B ⊂ X subconjuntos fechados de X tais que X = A ∪ B. Sejam f : A! Y e g : B! Y funções contínuas sob o espaço topológico Y tais que f(x) = g(x), para todo x ∈ A ∩ B. Então a função h : X ! Y h(x) = { f(x), se x ∈ A g(x), se x ∈ B (1.30) é contínua. Observação 1.8. O Lema da Colagem também vale seA eB são conjuntos abertos em X. Neste caso teremos apenas um caso especial da regra da ”formulação local da continuidade” dada no Teorema 1.13. Nomenclatura 1.3. As funções f e g presentes no enunciado do Lema da Colagem são chamadas de peças (ou partes) da função h. Exemplo 1.14. Considere a função h : R! R definida por h(x) = { x, se x ⩽ 0 x/2, se x ⩾ 0 . Definimos f : (−∞, 0] ! R e g : [0,+∞)! R x 7! x x 7! x 2 as peças da função h. Cada umas dessas peças é uma função contínua. Além disso, (−∞, 0] ∩ [0,+∞) = {0} e f(0) = 0 = g(x), 1.7. FUNÇÕES CONTÍNUAS 43 isto é, f e g coincidem na interseção de seus domínios. Logo, como os domínios de f e g são fechados em R, segue pelo Lema da Colagem que a função h é contínua. Agora vamos mostrar que é preciso que as peças da função coincidem com a interseção de seus domínios para que se tenha uma função. Por exemplo, as equações k(x) = { x− 2, se x ⩽ 0 x+ 2, se x ⩾ 0 não definem uma função, pois x = 0 tem duas imagens distintas em R, a saber k(0) = 2 e k(0) = −2. Por outro lado, são necessárias algumas limitações sob os domínios das peças para garantir a continuidade. Por exemplo, as equações l(x) = { x− 2, se x < 0 x+ 2, se x ⩾ 0 define uma função l : R! R. Ademais, ambas as partes f : (−∞, 0) ! R e g : [0,+∞)! R x 7! x− 2 x 7! x+ 2 são contínuas. Mas l não é contínua, pois l−1((1, 3)) = [0, 1) não aberto em R. Teorema 1.15 (Aplicações em produtos). SejamA,X e Y espaços topológicos e f : A! X× Y a função dada por f(a) = (f1(a), f2(a)), (1.31) onde f1 : A! X e f2 : A! Y (1.32) são as funções coordenadas (ou funções componentes) de f. Então, f é contínua se, e somente se, f1 e f2 são contínuas14. Exemplo 1.15. No cálculo, uma curva parametrizada no plano é definida como um aplicação contínua f : [a, b]! R2 dada por f(t) = (x(t), y(t)), (1.33) 14Não há nenhum resultado útil para a continuidade de uma aplicação f : A×B! X cujo domínio é um espaço produto. Pode-se conjecturar que f é contínuo se for contínuo ”em cada variável separadamente”, mas essa conjectura não é verdadeira. 44 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE onde frequentemente usa-se o fato de que f é uma função contínua de t se x e y são funções contínuas de t. Analogamente, um campo vetorial no plano v(x, y) = (P(x, y), Q(x, y)) = P(x, y)̂i+Q(x, y)̂j (1.34) é dito contínuo se P e Q são funções contínuas, ou equivalentemente, se v é contínuo como uma aplicação de R2 em R2. Ambas as afirmações são simplesmente casos especiais do Teorema 1.15. Uma maneira de formar funções contínuas que é muito usada em análise é tomar somas, diferenças, produtos ou quocientes de funções contínuas com valores em R. Isto é um teorema padrão que se f, g : X! R são contínuos, então • f+ g é contínua, • f− g é contínua, • f · g é contínua, • f g é contínua, se g(x) ̸= 0, para todo x ∈ X. Consideraremos este teorema em uma seção posterior. Ainda, outro método para construir funções contínuas que é familiar da análise é tomar o limite de uma sequência infinita de funções. Existe um teorema para o efeito de que se uma sequência de funções contínuas com valor real de uma variável real converge uniformemente para uma função limite, então a função limite é necessariamente contínua. Este teorema é chamado de Teorema do Limite Uniforme. Ele é usado, por exemplo, para demonstrar a continuidade das funções trigonométricas, quando se define essas funções de forma abundante usando as definições de senos infinitos do seno e cosseno. Este teorema generaliza um teorema sobre aplicações de um espaço topológico arbitrário X em um espaço métrico Y e também consideraremos tal teorema posteriormente. 1.8. PRODUTO CARTESIANO ARBITRÁRIO 45 1.8 Produto Cartesiano Arbitrário Voltamos agora, no restante do capítulo, à consideração de vários métodos para impor topologias em conjuntos. Anteriormente, definimos uma topologia no produto X× Y de dois espaços topológicos. Na presente seção, generalizamos essa definição para produtos cartesianos mais gerais. Com isso em mente, consideremos os produtos cartesianos X1 × · · · × Xn e X1 × X2 × · · · , (1.35) onde Xi é um espaço topológico. Há duas maneiras possíveis de proceder. Uma maneira é tomar como base todos os conjuntos da forma U1 × · · · ×Un no primeiro caso, e da forma U1 ×U2 × · · · no segundo caso, onde Ui é um conjunto aberto em X para cada i. Este procedimento de fato define uma topologia sobre o produto cartesiano; como veremos, vamos chamá-la de topologia de caixa. Outra maneira de proceder é generalizar a formulação da subbase da definição, dado na Seção 1.2.1. Neste caso, tomamos como subbase todos os conjuntos da forma π−1i (Ui), onde i é qualquer índice e Ui é um conjunto aberto em X. Este procedimento também define uma topologia sobre o produto cartesiano; como veremos, vamos chamá-la de topologia do produto. Assim surge a seguinte pergunta: - Como essas topologias diferem? Considere o elemento básico B para a segunda topologia. Então B é uma intersecção finita de elementos de subbase, digamos para i = i1, . . . , ik. Então um ponto x pertence a B se, e somente se, πi(x) pertence a Ui, para i = i1, . . . , ik; não há restrições sob πi(x) para outros valores de i. Segue-se que essas duas topologias coincidem para os produtos cartesianos finitos e diferem para os produtos infinitos. O que não está claro é por que parecemos preferir a segunda topologia. Esta é a questão que vamos explorar nesta seção. Antes de prosseguirmos, porém, introduziremos uma noção mais geral de produto cartesiano. Até agora, definimos o produto cartesiano 46 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE de uma família indexada de conjuntos apenas nos casos em que o conjunto de índices era o conjunto {1, . . . , n} ou o conjunto N. Agora consideraremos o caso em que o conjunto de índices é completamente arbitrário, conforme a definição a seguir. Definição 1.13. Seja J um conjunto de índices e seja X um conjunto não vazio. Uma J-upla de elementos de X é uma aplicação x : J ! X α 7! x(α) = xα −! α-ésima coordenada de x Podemos denotar também a J-upla por (xα)α∈J = xα, (1.36) que é o mais próximo que podemos chegar de uma ”notação de upla15” para um conjunto de índices arbitrário J. Denotamos o conjunto de todas as J-uplas de elementos de X por XJ. Definição 1.14. Considere uma família de conjuntos {Aα}α∈J e seja X =⋃ α∈J Aα. O produto cartesiano dessa família de conjuntos é o subconjunto de XJ definido por∏ α∈J Aα = {(xα)α∈J; xα ∈ Aα, para cada α ∈ J}. (1.37) Com a outra notação: ∏ α∈J Aα = { x : J! ⋃ α∈J Aα; x(α) ∈ Aα, para cada α ∈ J } . (1.38) Ocasionalmente, denotamos o produto cartesiano simplesmente por ∏ Aα, e seu elemento geral por (xα), se o conjunto de índices for extenso. Se todos os conjuntos Aα são iguais a um conjunto X, então o produto cartesiano ∏ α∈JAα é apenas o conjunto XJ de todas as J- uplas de elementos de X. Às vezes usamos ”notação de upla” para os elementos de XJ, e às vezes usamos notação funcional, dependendo de qual for mais conveniente. 15uma upla é uma sequênciafinita (também chamada de ”lista ordenada”) de objetos matemáticos. 1.8. PRODUTO CARTESIANO ARBITRÁRIO 47 1.8.1 Topologia da Caixa Seja {Xα}α∈J uma família indexada de espaços topológicos. Tomemos como base para uma topologia no espaço do produto∏ α∈J Xα (1.39) a coleção B = {∏ α∈J Uα; Uα é aberto em X, para cada α ∈ J } . (1.40) A topologia gerada por esta base é chamada de topologia de caixa. Essa coleção satisfaz a primeira condição para uma base porque∏ Xα é um elemento base; e satisfaz a segunda condição porque a interseção de quaisquer dois elementos base(∏ α∈J Uα ) ∩ (∏ α∈J Vα ) = ∏ α∈J (Uα ∩ Vα) é outro elemento de base. 1.8.2 Topologia do Produto Agora generalizamos a formulação da definição de subbase. Definição 1.15. Seja πβ : ∏ α∈J Xα ! Xβ (xα)α∈J 7! xβ, isto é, πβ é a aplicação que atribui a cada elemento do espaço produto sua β-ésima coordenada. A aplicação πβ é chamada de aplicação projeção associada ao índice β. Considere a coleção Sβ = {π −1 β (Uβ); Uβ é aberto em Xβ}, (1.41) e seja S a união dessas coleções, ou seja, S = ⋃ β∈J Sβ. (1.42) Então, S é uma subbase para uma topologia sobre ∏ α∈J Xα e S gera uma topologia chamada de topologia do produto. Nesta topologia ∏ α∈J Xα é chamado de espaço produto. 48 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE Para comparar essas topologias, consideramos a base B gerada pela subbase S. A coleção B consiste em todas as interseções finitas de elementos de S. Se intersectarmos elementos pertencentes ao mesmo conjunto Sβ, não obtemos nada novo, pois a interseção de dois elementos de Sβ π−1β (Uβ) ∩ π−1β (Vβ) = π−1β (Uβ ∩ Vβ) ou de um número finito de tais elementos π−1β (U 1 β) ∩ π−1β (U2β) ∩ · · · ∩ π−1β (Unβ) = π−1β (U1β ∩U2β ∩ · · · ∩Unβ) é novamente um elemento de S. Somente obtemos algo novo quando intersectamos elementos de diferentes conjuntos Sβ. O elemento típico da base B pode assim ser descrito como segue-se. Seja {β1, . . . , βn} um subconjunto finito de índices distintos do conjunto de índices J, e seja Uβi um conjunto aberto em Xβi , para i = 1, . . . , n. Então, B = π−1β1 (Uβ1) ∩ π −1 β2 (Uβ2) ∩ · · · ∩ π−1βn(Uβn) (1.43) é o elemento típico da base B. Agora um ponto x = (xα) está em B se, e somente se, sua β1-ésima coordenada estiver em Uβ1 , sua β2-ésima coordenada estiver em Uβ2 , e assim por diante. Simbolicamente: x = (xα)α∈J ∈ B ⇔ x(β1) = xβ1 ∈ Uβ1 x(β2) = xβ2 ∈ Uβ2 ... x(βn) = xβn ∈ Uβn (1.44) Não há restrição alguma naα-ésima coordenada de x seα /∈ {β1, β2, . . . , βn}. Como resultado, podemos escrever B como o produto B = ∏ α∈J Uα, (1.45) onde Uα = Xα , se α ̸= β1, β2, . . . , βn. Tudo isso é resumido no seguinte teorema: Teorema 1.16 (Comparação das topologias de caixa e produto). A topologia da caixa sobre ∏ Xα tem como base Bc = {∏ Uα; Uα é aberto em Xα, para cada α } . (1.46) A topologia do produto sobre ∏ Xα tem como base Bp = { ∏ Uα; Uα é aberto em Xα, para cada α e Uα = Xα exceto para finitos valores de α } (1.47) 1.8. PRODUTO CARTESIANO ARBITRÁRIO 49 Corolário 1.2. A topologia de caixa é mais fina que a topologia do produto. Para produtos finitos ∏n α=1 Xα, as topologias da caixa e do produto coincidem. Adotamos a seguinte convenção:16 - Sempre que considerarmos o produto ∏ Xα, assumiremos que ele recebe a topologia do produto, a menos que indiquemos especificamente o contrário. Alguns dos teoremas que provamos para o produto X × Y valem para o produto ∏ Xα independentemente da topologia que usamos, como os que se seguem. Teorema 1.17. Suponha que a topologia em cada espaço Xα seja dada por uma base Bα. A coleção de todos os conjuntos da forma∏ α∈J Bα, (1.48) onde Bα ∈ Bα, para cada α, é base para a topologia da caixa sobre ∏ α∈J Xα. A coleção de subconjuntos da mesma forma, onde Bα ∈ Bα para um número finito de índices e Bα = Xα para os demais índices, é uma base para a topologia produto sobre ∏ α∈J Xα. Exemplo 1.16. Considere o n-espaço euclidiano Rn = R× R× · · · × R︸ ︷︷ ︸ n fatores . (1.49) Uma base para R consiste em todos os intervalos abertos em R; portanto, uma base para a topologia de Rn consiste em todos os produtos da forma (a1, b1)× (a2, b2)× · · · × (an, bn). (1.50) Como Rn é um produto finito, as topologias de caixa e produto coin- cidem. Sempre que considerarmos Rn, assumiremos que é dada esta topologia, a menos que indiquemos especificamente o contrário. Teorema 1.18. Seja Aα um subespaço de Xα, para cada α ∈ J. Então ∏ Aα é um subespaço de ∏ Xα se ambos os produtos recebem a topologia da caixa, ou se ambos os produtos recebem a topologia do produto. 16O que não está tão claro é por que preferimos a topologia de produto à topologia de caixa. A resposta aparecerá à medida que continuamos nosso estudo em topologia. Veremos que vários teoremas importantes sobre produtos finitos também valerão para produtos arbitrários se usarmos a topologia do produto, mas não se usarmos a topologia de caixa. Como resultado, a topologia do produto é extremamente importante em matemática. A topologia de caixa não é tão importante; vamos usá-la principalmente para construir contra-exemplos. 50 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE Teorema 1.19. Se cada espaço Xα é espaço de Hausdorff, então ∏ Xα é um espaço de Hausdorff nas topologias da caixa e do produto. Teorema 1.20. Seja {Xα} uma família indexada de espaços topológicos. Seja Aα ⊂ Xα, para cada α. Se ∏ Xα recebe a topologia do produto ou da caixa, então ∏ Aα = ∏ Aα (1.51) Até agora, nenhuma razão apareceu para preferir o produto à topologia de caixa. É quando tentamos generalizar o Teorema 1.15 sobre continuidade de aplicações em produtos, que uma primeira diferença surge. O próximo teorema não é válido se a ∏ Xα for dada a topologia de caixa. Teorema 1.21. Seja f : A! ∏ α∈J Xα dada por f(a) = (fα(a))α∈J, (1.52) onde fα : A! Xα. Suponha ∏ α∈J Xα com a topologia produto. Então, f é contínua se, e somente se, fα for contínua, para todo α ∈ J. Exemplo 1.17. Seja Rω = ∏ n∈N Xn, (1.53) onde Xn = R, para todo n ∈ N. Considere em Rω a topologia da caixa17. Considere a função f : R ! Rω t 7! (t, t, . . .) Cada componente fn : R ! R é contínua. t 7! t Considere o aberto base da topologia da caixa em Rω B = (−1, 1)× ( − 1 2 , 1 2 ) × ( − 1 3 , 1 3 ) × · · · × ( − 1 n , 1 n ) × · · · . Então, f−1(B) não é aberto em R, pois f−1(B) = {0}. De fato, dado t ̸= 0, existe n ∈ N tal que |t| > 1 n ⇒ fn(t) = t /∈ ( − 1 n , 1 n ) . Logo, f(t) /∈ B e daí, t /∈ f−1(B). Mas, f(0) = (0, 0, . . .) ∈ B. 17Esse exemplo mostra que se usarmos a topologia da caixa em ∏ Xα, o Teorema 1.21 falha, enfatizando a importância da topologia do produto 1.9. TOPOLOGIA DA MÉTRICA 51 1.9 Topologia da Métrica Uma das formas mais importantes e frequentemente usadas de impor uma topologia em um conjunto é definir a topologia em termos de uma métrica no conjunto. As topologias dadas dessa maneira estão no cerne da análise moderna, por exemplo. Nesta seção, definiremos a topologia métrica e daremos alguns exemplos. Em seguida, consideraremos algumas das propriedades que as topologias métricas satisfazem. Definição 1.16. Uma métrica sobre um conjunto X é uma aplicação d : X× X! R (1.54) satisfazendo, para quaisquer x, y, z ∈ X: 1. d(x, y) ⩾ 0 e d(x, y) = 0 ⇔ x = y. 2. d(x, y) = d(y, x). 3. d(x, z) ⩽ d(x, y) + d(y, z)18. Nomenclatura 1.4. Dada uma métrica d em X, o número d(x, y) é chamado de distância entre x e y na métrica d. Definimos uma bola aberta19 de centro x0 ∈ X e raio ε > 0 por: Bd(x0, ε) = {x ∈ X; d(x, x0) < ε}, (1.55) isto é, o conjunto de todos os pontos x cuja distância de x0 é menor que ε. Às vezes, omitimos a métrica d da notação e escrevemos simplesmente B(x0, ε), deixando claro o contexto de tal notação. Definição 1.17. Se d é uma métrica no conjunto X, então a coleção B = {Bd(x, ε); x ∈ X e ε > 0} (1.56) é uma base para uma topologia emX, chamada topologia da métrica induzida por d (ou d-topologia). Para verificar queB é uma base, primeiro notemos que, dado y ∈ Bd(x0, ε), existe δ > 0 tal que Bd(y, δ) ⊂ Bd(x0, ε). (1.57) De fato, basta tomar δ ⩽ ε− d(x0, y) 18Esta condição é popularmente chamada de Desigualdade Triangular 19Também chamamos Bd(x0, ε) de ε-bola de centro x0 52 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE poi, se x ∈ Bd(y, δ), então d(x, x0) ⩽ d(x0, y) + d(y, x) < d(x0, y) + δ ⩽ d(x0, y) + ε− d(x0, y) = ε. Logo, x ∈ Bd(x0, ε). Agora, para verificar a segunda condição para uma base, dados x1, x2 ∈ X e y ∈ Bd(x1, ε1) ∩ Bd(x2, ε2), podemos tomar δ1 > 0 e δ > 0 tais que Bd(y, δ1) ⊂ Bd(x1, ε1) e Bd(y, δ2) ⊂ Bd(x2, ε2). Seja δ = min{δ1, δ2}. Assim, Bd(y, δ) ⊂ Bd(x1, ε1) ∩ Bd(x2, ε2). Portanto, B é base para uma topologia sobre X. Usando o que acabamos de provar, podemos reformular a definição da topologia métrica da seguinte forma: Figura 1.24: Um conjunto U é aberto em X na topologia da métrica induzida por d se, e somente se, para cada y ∈ U, existe um δ > 0 tal que Bd(y, δ) ⊂ U. Claramente esta condição implica que U é aberto. Por outro lado, se U é aberto, ele contém um elemento de base B = Bd(x0, ε) contendo y, e B, por sua vez, contém um elemento de base Bd(y, δ) centrado em y. Definição 1.18. O conjunto X com a topologia da métrica d é chamado espaço métrico e é denotado por (X, d). 1.9. TOPOLOGIA DA MÉTRICA 53 Exemplo 1.18. 1. A métrica padrão em R é definida por d : R× R! R d(x, y) = |x− y|. (1.58) A topologia que d induz é a mesma que a topologia da ordem. De fato, cada elemento base (a, b) para a topologia de ordem é um elemento de base para a topologia métrica, pois (a, b) = Bd ( a+ b 2 , b− a 2 ) . Por outro lado, Bd(x, ε) = {x0 ∈ R; |x− x0| < ε} = (x0 − ε, x0 + ε). 2. Em um conjunto X, a métrica d : X× X! R d(x, y) = { 0, se x = y 1, se x ̸= y , (1.59) é chamada de métrica do zero-um. A topologia que induz d é a topologia discreta. Definição 1.19. Se para um espaço topológico (X, τ) é possível definir uma métrica d sobre X tal que a topologia da métrica induzida por d coincide com a topologia τ de X, então dizemos que (X, τ) é um metrizável. Teorema 1.22. Todo espaço métrico é de Hausdorff. Muitos dos espaços importantes para a matemática são metrizáveis, mas alguns não. A metrização é sempre um atributo altamente desejável para um espaço possuir, pois a existência de uma métrica fornece uma ferramenta valiosa para provar teoremas sobre o espaço. É, portanto, um problema de fundamental importância em topologia encontrar condições em um espaço topológico que garantam que ele seja metrizável. Este será um objetivo de estudos posteriores. Tais condições serão no famoso teorema chamado Teorema de metrização de Urysohn. Há também teoremas de metrização adicionais. Aqui, provaremos apenas que Rn e Rω são metrizáveis. Embora o problema de metrização seja um problema importante em topologia, o estudo de espaços métricos como tais não pertence propriamente à topologia tanto quanto pertence à análise. 54 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE - A metrização de um espaço depende apenas da topologia do espaço em questão, mas as propriedades que envolvem uma métrica específica para X, em geral, não. Pode-se perceber isso na seguinte definição: Definição 1.20. Seja (X, d) um espaço métrico. Um subconjunto A ⊂ X é dito limitado quando existe M > 0 tal que d(a1, a2) ⩽ M, para todos a1, a2 ∈ A. (1.60) Se A é limitado e não vazio, o diâmetro de A é definido como o número diam A = sup{d(a1, a2); a1, a2 ∈ A}. (1.61) Observação 1.9. Note que, se A é limitado por M e A ̸= ∅, então A ⊂ Bd(a1,M), (1.62) para qualquer a1 ∈ A. Vale ressaltar que: - A limitação de um conjunto não é uma propriedade topológica, pois depende da métrica particular d que é usada para X. Por exemplo, se X é um espaço métrico com métrica d, então existe uma métrica d que fornece a topologia de X, em relação a que cada subconjunto de X é limitado. Tal métrica é definida da seguinte forma: Teorema 1.23. Seja (X, d) um espaço métrico. Defina d : X× X! R d(x, y) = min{d(x, y), 1} = { d(x, y), se d(x, y) ⩽ 1 1, se d(x, y) > 1 . Então. d é uma métrica que induz sobre X a mesma topologia que a métrica d. A métrica d é chamada de métrica limitada (ou métrica limitada padrão) associada à métrica d. Agora consideraremos alguns espaços familiares e mostraremos que eles são metrizáveis. Definição 1.21. Dados x = (x1, . . . , xn),y = (y1, . . . , yn) ∈ Rn, defini- mos a norma de x como ∥x∥ = √ x21 + · · ·+ x2n (1.63) 1.9. TOPOLOGIA DA MÉTRICA 55 e definimos a métrica euclidiana d em |Rn por d(x, y) = ∥x − y∥ = √ (x1 − y1)2 + · · ·+ (xn − yn)2. (1.64) Definimos a métrica do máximo (ou métrica quadrada) ρ em Rn como ρ(x, y) = max {|x1 − y1|, . . . , |xn − yn|} (1.65) = max {|xi − yi|; i = 1, . . . , n}. (1.66) A prova de que d é um métrica requer algum trabalho, mas prova- velmente será algo familiar. Raramente teremos ocasião de usar este método em Rn Mostrar que ρ é uma métrica é mais fácil. Apenas a desigualdade emaranhada não é trivial. Da desigualdade triangular para R segue que para cada índice i, |xi − zi| ⩽ |xi − yi|+ |xi − zi|. Então, pela definição de ρ, |xi − zi| ⩽ ρ(x, y) + ρ(y, z). Como resultado, obtemos ρ(x, z) = max {|xi − zi|; i = 1, . . . , n} ⩽ ρ(x, y) + ρ(y, z), como queríamos. Na reta R = R1, essas as métricas d e ρ coincidem com a métrica padrão de R. No plano R2, os elementos base sob d podem ser repre- sentados como regiões circulares, enquanto os elementos base sob ρ podem ser representados como regiões quadradas. Mostramos agora que cada uma dessas métricas induz a topologia usual em Rn. Mas, precisamos do seguinte lema: Lema 1.7. Sejam d e d ′ métricas sobre um conjunto X, induzindo, respecti- vamente, topologias τ e τ ′ sobre X. Então τ ′ é mais fina que τ (τ ⊂ τ ′) se, e somente se, para cada ε > 0 e x ∈ X, existe δ > 0 tal que Bd ′(x, δ) ⊂ Bd(x, ε). (1.67) Demonstração. Suponha que τ ′ é mais fina que τ. Dado um elemento base Bd(x, ε) para τ, existe pelo Lema 1.2, um elemento base B ′ para a topologia τ ′ tal que x ∈ B ′ ⊂ Bd(x, ε). Dentro de B ′ podemos encontrar uma bola Bd ′(x, δ) centrada em x de modo que Bd ′(x, δ) ⊂ Bd(x, ε). Reciprocamente, suponha que para cada ε > 0 e x ∈ X, existe δ > 0 tal que Bd ′(x, δ) ⊂ Bd(x, ε). Dado um elemento base B para τ, com 56 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE x ∈ B, podemos encontrar dentro de B uma bola Bd(x, ε) centrada em x. Por hipótese, existe δ > 0 tal que Bd ′(x, δ) ⊂ Bd(x, ε). Então, o Lema 1.2 se aplica para mostrar que τ ′ é mais fina que τ. ■ Teorema 1.24. As topologias em Rn induzidas pela métrica euclidiana d e pela métrica do máximo ρ são as mesmas que a topologia do produto em Rn. Demonstração. Sejam x(x1, . . . , xn) e y = (y1, . . . , yn) dois ponto de Rn. Note que ρ(x, y) ⩽ d(x, y) ⩽ √ nρ(x, y). (1.68) A primeira desigualdade de (1.68) mostra que Bd(x, ε) ⊂ Bρ(x, ε) (1.69) para todos x ∈ Rn e todo ε > 0, pois y ∈ Bd(x, ε) ⇒ d(x, y) < ε ρ(x,y)⩽d(x,y)⇒ ρ(x, y) < ε ⇒ y ∈ Bρ(x, ε). Então, pelo Lema 1.7, a topologia da métrica induzida por d é mais fina que a topologia da métrica induzida por ρ. Analogamente, a segunda desigualdade de (1.68) mostra que Bρ(x, ε/ √ n) ⊂ Bd(x, ε), (1.70) para todos x ∈ Rn e todo ε > 0, já que, y ∈ Bρ(x, ε/ √ n) ⇒ ρ(x, y) < ε/ √ n ⇒ √ nρ(x, y) < ε d(x,y)⩽ √ nρ(x,y)⇒ d(x, y) < ε ⇒ y ∈ Bd(x, ε). Assim, pelo Lema 1.7, a topologia da métrica induzida por ρ é mais fina que a topologia da métrica induzida por d. Segue-se que as topologias induzidas pelas métricas d e ρ são as mesmas. Agora mostramos que a topologia do produto sobre Rn é a mesma dada pelo métrica do máximo ρ. Seja B um elemento um elemento base da topologia do produto em Rn: B = (a1, b1)× (a2, b2)× · · · × (an, bn). (1.71) 1.9. TOPOLOGIA DA MÉTRICA 57 Seja x = (x1, . . . , xn) um elemento de B. Para cada i, existe um εi tal que (xi − εi, xi + εi) ⊂ (ai, bi). Tome ε = min{εi; i = 1, . . . , n}. Então Bρ(x, ε) ⊂ B. Logo, a topologia induzidapela métrica do máximo é mais fina que a topologia do produto. Reciprocamente, seja dada um elemento base da ρ-topologia. Dado um elemento y ∈ Bρ(x, ε), precisamos encontrar um elemento base B para a topologia do produto tal que y ∈ B ⊂ Bρ(x, ε) Mas, Bρ(x, ε) = {y ∈ Rn; max{|xi − yi|; i = 1, . . . , n} < ε} = {y ∈ Rn; yi ∈ (xi − ε, xi + ε), ∀i = 1, . . . , n} = (x1 − ε, x1 + ε)× · · · × (xn − ε, xn + ε) (1.72) é um elemento base para a topologia do produto. Logo, a topologia do produto é mais fina que a topologia induzida pela métrica do máximo. Portanto, a topologia do produto sobre Rn é a mesma dada pelo métrica do máximo ρ, como queríamos demonstrar. ■ 1.9.1 Métrica Uniforme Agora vamos considerar o produto cartesiano infinito Rω. É natural tentar generalizar as métricas d e ρ para este espaço. Por exemplo, pode-se tentar definir uma métrica d sobre Rω pela expressão d(x, y) = [ ∞∑ i=1 (xi − yi) 2 ]1/2 . (1.73) Mas esta equação nem sempre faz sentido, pois a série em questão não precisa necessariamente convergir20. Da mesma forma, pode-se tentar generalizar a métrica do máximo ρ sobre Rω definindo ρ(x, y) = sup {|xn − yn|; n ∈ N}. (1.74) Novamente, essa fórmula nem sempre faz sentido. Se, no entanto, substituirmos a métrica usual d(x, y) = |x−y| em R por sua contraparte 20Contudo, a métrica definida na expressão (1.73) define uma métrica em um certo subconjunto importante de Rω. 58 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE limitada d(x, y) = min{|x − y|, 1}, então esta definição faz sentido. Veremos que ela fornece uma métrica chamada de métrica uniforme. A métrica uniforme pode ser definida de forma mais geral no produto cartesiano RJ para um conjunto de índices arbitrário J , como segue-se: Definição 1.22. Seja J um conjunto arbitrário de índices e J e RJ o produto cartesiano. Dados x = (xα)α∈J e y = (yα)α∈J, duas J-uplas, definimos a métrica uniforme ρ em RJ como ρ(x, y) = sup {d(xα, yα); α ∈ J} (1.75) = sup {min {|xα − yα|, 1}; α ∈ J}, (1.76) onde d é a métrica limitada sobre R. Das propriedades de supremo, segue que ρ é uma métrica em RJ. A métrica ρ induz uma topologia em RJ chamada topologia uniforme. O seguinte teorema nos dá a relação entre a topologia uniforme e as topologias do produto e da caixa. Teorema 1.25. A topologia da caixa em RJ é mais fina que a topologia uniforme que, por sua vez, é mais fina que a topologia produto21. Demonstração. Topologia produto ⊂ topologia uniforme: Tomemos um aberto base da topologia produto:∏ α∈JUα tal que Uα = R exceto para α = α1, . . . , αn. Seja x = (xα)α∈J ∈ ∏ α∈JUα. Para cada i = 1, . . . , n, seja εi > 0 tal que (xαi − εi, xαi + εi) ⊂ Uαi . Seja ε = min {ε1, . . . , εn}. Considere a bola Bρ(x, ε). Então x ∈ Bρ(x, ε) ⊂ ∏ α∈J Uα. 21Em RJ: topologia produto ⊂ topologia da uniforme ⊂ topologia da caixa. 1.9. TOPOLOGIA DA MÉTRICA 59 pois se y = (yα)α∈J ∈ Bρ(x, ε), então: |yαi − xαi | < ε ⩽ εi ⇒ yαi ∈ Uαi ⇒ y ∈ ∏ α∈J Uα Portanto, ∏ α∈JUα é aberto da topologia uniforme. Topologia uniforme ⊂ topologia da caixa: Seja x = (xα)α∈J ∈ RJ e ε > 0. Seja U = ∏ α∈J ( xα − ε 2 , xα + ε 2 ) . Então x ∈ U ⊂ Bρ(x, ε). Logo, Bρ(x, ε) é aberto da topologia da caixa. ■ No caso em que J é infinito, ainda não determinamos seRJ metrizável na topologia da caixa ou do produto. Veremos que o único desses casos em que RJ é metrizável é o caso em que J é enumerável e RJ tem a topologia do produto. Teorema 1.26. Seja d(a, b) = min {|a− b|, 1} a métrica limitada sobre R. Se x = (xn)n∈N e y = (yn)n∈N pertencem a Rω, defina: D(x, y) = sup { d(xi, yi) i } i∈N . (1.77) Então, D é uma métrica que induz em Rω a topologia do produto. Agora, vamos estudar a relação da topologia da métrica com os conceitos introduzidos anteriormente. • Os subespaços de espaços métricos se comportam da maneira que se deseja; se A é um subespaço do espaço topológico X e d é uma métrica para X, então a restrição de d a A×A d ∣∣ A×A : A×A! R, (1.78) é uma métrica para a topologia de A. • Sobre as topologias da ordem não há nada a ser dito; alguns espaço na topologia da ordem são metrizáveis (por exemplo, N e R), e outros não, como veremos. 60 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE • O axioma de Hausdorff é satisfeito por toda topologia da métrica. Se x e y são pontos distintos do espaço métrico (X, d), então Bd(x, ε) e Bd(y, ε) são disjuntas. De fato, tome ε = 1 2 d(x, y). Suponhamos, por absurdo, que existe algum z ∈ Bd(x, ε) ∩ Bd(y, ε). Então, d(z, x) < ε e d(z, y) < ε. Daí, d(x, y) ⩽ d(x, z)+d(z, y) < ε+ε = 1 2 d(x, y)+ 1 2 d(x, y) = d(x, y), isto é, d(x, y) < d(x, y), o que é um absurdo. Portanto, Bd(x, ε) e Bd(y, ε) são disjuntas. • Já consideramos a topologia do produto em casos especiais; provamos que os produtos cartesianos Rn e Rω são metrizáveis. É verdade, em geral, que produtos enumeráveis de espaços metrizáveis são metrizáveis; a prova segue um padrão semelhante à prova para Rω. • Sobre funções contínuas há muito a ser dito. A consideração deste tópico ocupará o restante da seção. Quando estudamos funções contínuas em espaços métricos, estamos tão próximos do estudo de cálculo e análise quanto chegaremos aqui no estudo de topologia. Há duas coisas que queremos fazer neste momento: Primeiro, queremos mostrar que a definição familiar de continuidade com ε’s e δ’s é válida para espaços métricos gerais, assim como a definição de continuidade por sequência convergente. Em segundo lugar, queremos considerar dois métodos adicionais para construir funções contínuas, além daqueles discutidos na Seção 1.7. Um método é o processo de tomar somas diferenças, produtos e quocientes de funções contínuas em R. O outro método é o processo de tomar limites de sequências uniformemente convergentes de funções contínuas. Teorema 1.27 (Continuidade com ε e δ). Seja f : X ! Y função entre espaços métricos (X, dX) e (Y, dY). Então, f é contínua se, e somente se, para cada x ∈ X e ε > 0, existe δ > 0 tal que dX(x, y) < δ ⇒ dy(f(x), f(y)) < ε. (1.79) 1.9. TOPOLOGIA DA MÉTRICA 61 Agora, nos voltamos para a definição de sequência convergente de continuidade. Começamos considerando a relação entre sequên- cias convergentes e fechos de conjuntos, como veremos no seguinte teorema:22 Lema 1.8 (O lema da sequência). Sejam X espaço topológico e A ⊂ X. Se existe uma sequência (xn) de pontos em A tal que xn converge para x, então x ∈ A. Quando X for metrizável, se x ∈ A, então existe uma sequência (xn) de pontos em A tal que xn converge para x. Observação 1.10. Pelo Lema da sequencia: • X um espaço e A ⊂ X: ∃(xn) ⊂ A; xn ! x ⇒ x ∈ A. (1.80) • X um espaço metrizável e A ⊂ X: ∃(xn) ⊂ A; xn ! x ⇔ x ∈ A. (1.81) Agora buscamos obter métodos adicionais para construir funções contínuas. Para isso, precisamos do seguinte lema: Lema 1.9. As operações de adição, subtração e multiplicação são funções contínuas de R× R para R; e a operação de quociente é uma função contínua de R× (R− {0}) para R. Teorema 1.28. Se X é um espaço topológico, e se f, g : X ! R são funções contínuas, então f + g, f − g e f · g são contínuas. Se g(x) ̸= 0 para todo x ∈ X, então f/g é contínua. Agora veremos exemplos de alguns espaços não metrizáveis. Exemplo 1.19. - Rω com a topologia da caixa não é metrizável. Mostraremos que o Lema da sequência não vale para Rω. 22A experiência em análise, leva a crer que se x está no fecho de um subconjunto A do espaço X, então deve existir uma sequência de pontos de A convergindo para x. Isso, em geral, não é verdade, mas é verdade para o caso específico de espaços metrizáveis. 62 CAPÍTULO 1. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS E CONTINUIDADE Seja A o subconjunto Rω formado pelos pontos cujas coordenadas são todas positivas: A = {(xn)n∈N; xn > 0} = {(x1, x2, . . .); xi > 0, para todo i ∈ N}. Seja 0 a ”origem” de Rω, isto é, o ponto 0 = (0, 0, . . .) cujas coordenadas são zero. Seja B = (a1, b1)× (a2, b2)× um elemento de base arbitrário da topologia da caixa contendo 0. Então, B∩A ̸= ∅, já que por exemplo, o ponto
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