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- -1 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS – DERMEVAL SAVIANI - -2 Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Compreender os princípios que norteiam a proposta de educação de Karl Marx e Friederich Engels. 2. Entender o papel do intelectual e da escola unitária segundo Gramsci. 3. Analisar as bases teórico-metodológicas da Pedagogia Histórico Crítico-Social dos Conteúdos de Dermeval Saviani. Em aulas anteriores abordamos as teorias liberais em educação (Pedagogia Tradicional, Nova e Tecnicista) explicitando suas bases teórico-metodológicas e seus desdobramentos na prática educativa. Os teóricos do liberalismo apontam a educação como sendo responsável pela superação da marginalidade social. Em seguida, destacamos as teorias crítico-reprodutivistas, elaboradas na França na década de 70, que desmistificaram o caráter salvacionista da educação, isto é, que em última instância o papel da educação é o de reproduzir as relações de poder de uma sociedade dividida em classes sociais, portanto, a escola é um mecanismo de reprodução das desigualdades sociais. Saviani - em seu livro Escola e Democracia - destaca que as teorias crítico-reprodutivistas cumpriram o papel de crítica à proposta liberal em educação, mas não apresentaram um modelo alternativo aos limites impostos por tais propostas. Além disso, abordamos as tendências libertárias e libertadoras em educação que compreendem que através da educação é possível superarmos as relações de poder e dominação, vigentes em nossa sociedade, na construção de uma sociedade igualitária. Neste capítulo, buscaremos compreender as bases teórico- metodológicas da Pedagogia Histórico Crítico-Social dos Conteúdos, elaborada por Dermeval Saviani. Tal teoria está comprometida com os interesses e necessidades das camadas populares na construção de uma igualdade real entre homens e mulheres em uma sociedade justa e igualitária. 1 Marxismo e Educação – alguns apontamentos "A história da humanidade deve sempre ser estudada e elaborada em conexão com a história da indústria e das . (Marx e Engels)trocas" - -3 A escolha deste fragmento deve-se ao referencial teórico de análise que estamos utilizando em nosso curso, ou seja, buscamos compreender as questões trabalhadas a partir das condições materiais de uma determinada realidade social concreta e, para tanto, deve-se considerar os aspectos políticos, econômicos e sociais. Contraditoriamente, o sistema capitalista de produção ao aprofundar as relações de dominação e exploração do trabalho, como também, da divisão social do mesmo, acabou por possibilitar, na cultura urbano-industrial, a organização da classe trabalhadora comprometida com a construção de um projeto que superasse as bases de uma sociedade dividida em classes sociais. Leia o texto para entender um pouco mais sobre Marx: Foi no século XIX que se desenvolveu a crítica mais consistente ao capitalismo através das obras de karl Marx e Frederich Engels. Embora não tenham uma obra específica tratando da problemática da educação, com seus princípios metodológicos e com diretrizes para o processo ensino-aprendizagem, a mesma é tratada ao longo de várias obras por esses dois pensadores. Isto se deve fundamentalmente a preocupação de Marx com os estudos que realizou acerca das relações socioeconômicas e políticas no processo histórico. Contudo, destacaremos aqui, algumas preocupações de Marx e Engels, no que se refere à formação e o ensino e à concepção de educação articulada com o horizonte daquela época. Segundo Marx, a existência de seres humanos reais, que vivem em sociedade e estabelecem relações entre si, é o ponto de partida para a compreensão da história. O processo de humanização se constitui na e pelas relações sociais. Em outras palavras, é compreender que a natureza humana não é algo dado naturalmente ao ser, mas decorre de um processo de tornar-se homem a partir de duas condições básicas: a) a partir da ação humana sobre a natureza, este atua como ser social, histórico, político, econômico: cultural como lhe é característico. Constituindo-se como um ser em transformação, ou seja, como ser da práxis, o humano produz cultura; b) o processo de produção só se dá historicamente de forma intencional e consciente. - -4 ATENÇÃO Para Marx, o que diferencia o homem dos outros animais é o fato de produzir os seus próprios meios de existência através do trabalho e, o que o ser humano é, coincide com “o que” e “como” produz. Segundo ele, “O .que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção” Portanto, para compreendermos o fenômeno educativo e seu processo deve-se considerar o modo pelo qual o ser humano produz a sua existência (processo produtivo, mundo do trabalho e o âmbito de suas relações). Para tanto, deve-se recorrer à situação da divisão social do trabalho, o que possibilitará considerar o grau de desenvolvimento das forças produtivas de uma determinada estrutura social. Sendo assim, podemos tomar como exemplo a divisão entre trabalho comercial e industrial e entre cidade e campo. A divisão social do trabalho conduziu os homens a diferentes interesses ocasionando até mesmo interesses opostos * e *.entre-classes intraclasses *entre-classes: Entre dominantes e dominados. * intraclasses: Disputas de poder no interior das classes dominantes e dominadas. Marx salienta que a propriedade privada provocou uma mudança radical na divisão do trabalho, pois a partir dela, ocorreu a dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, ou seja, entre o saber fazer e o saber pensar. Desta dicotomia surgem outras, tais como: produção e consumo, ócio e trabalho, miséria e opulência. Tais dicotomias acabam propiciando um conflito de interesses em uma sociedade, ou seja, o conflito entre o individual e o coletivo e entre o público e o privado. Assim, sob a base da economia capitalista, o trabalho perde seu caráter socializante e humanizante, pois, homens e mulheres passam a representar uma força de trabalho que é vendida e aos proprietários dos meios de produção com uma aparente garantia de sua sobrevivência. Para Marx, a consequência disto é a alienação do trabalho, ou seja, quem produz não se identifica com o que é produzido. Portanto, quanto mais o trabalhador produz mais ele nega a si mesmo. - -5 De acordo com Marx e Engels, na sociedade capitalista a educação se constitui como um elemento de manutenção e conservação da hierarquia social. Sendo assim, uma das formas de se superar as dicotomias existentes em nossa sociedade e promover a emancipação do homem é necessária a integração entre ensino e trabalho com uma formação omnilateral, isto é, uma formação abrangente em todos os sentidos. "A integração entre ensino e trabalho constitui-se na maneira de sair da alienação crescente, reunificando o homem com a sociedade. Essa unidade, segundo Marx, deve dar-se desde a infância. O tripé básico da educação para todos é o ensino intelectual (cultura geral), desenvolvimento físico (ginástica e esporte) e aprendizado profissional polivalente ( *)".técnico e científico Desta forma, podemos compreender que o ensino tem um caráter revolucionário e transformador da sociedade e do mundo, ou seja, faz-se necessário um projeto político e pedagógico que promova os interesses da grande maioria excluída da sociedade. Assim, a escola, os educadores e os intelectuais assumem um papel fundamental para a construção da consciência de classe dos trabalhadores. * técnico e científico: GADOTTI, Moacir. Concepção Dialética da Educação: um estudo introdutório. São Paulo: Editora Cortez, 1984. 2 Antônio Gramsci: os intelectuais e a educação “Não há actividade humana da qual se possa excluir de toda intervenção intelectual, não se pode separar o ‘homo faber’ do ‘homo sapiens’ enquanto, independentemente de sua profissão específica, cada um é a seu modo ‘um filósofo’, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepçãodo mundo, tem uma consciente linha moral”. (Antônio Gramsci). - -6 Gramsci considera que o grupo social emergente, o qual luta para conquistar a sua hegemonia política, aspira a elaboração de sua própria ideologia intelectual, ou seja, forma seus intelectuais orgânicos. Essa organicidade do intelectual se mede pela maior ou menor conexão que mantém com o grupo social com o qual se relaciona. Este atua tanto em âmbito civil quanto em âmbito político (ou de Estado de direito). O primeiro representa o conjunto dos organismos privados nos quais se debatem e se difundem as ideologias necessárias para a aquisição do consenso que, aparentemente, surge de modo espontâneo, das grandes massas da população, em torno às decisões do grupo social dominante. O segundo é onde se exerce o “domínio direto do comando que se expressa no Estado e no regime jurídico”. Gramsci considera que o grupo social emergente, o qual luta para conquistar a sua hegemonia política, aspira a elaboração de sua própria ideologia intelectual, ou seja, forma seus intelectuais orgânicos. Essa organicidade do intelectual se mede pela maior ou menor conexão que mantém com o grupo social com o qual se relaciona. Este atua tanto em âmbito civil quanto em âmbito político (ou de Estado de direito). O primeiro representa o conjunto dos organismos privados nos quais se debatem e se difundem as ideologias necessárias para a aquisição do consenso que, aparentemente, surge de modo espontâneo, das grandes massas da população, em torno às decisões do grupo social dominante. O segundo é onde se exerce o "domínio directo do comando que se expressa no Estado e no regime jurídico". Sendo assim, Gramsci aponta para a necessidade de se criar uma cultura própria dos trabalhadores. Para tanto, é fundamental uma educação que permita o surgimento de intelectuais que partilhem as paixões das massas trabalhadoras. Para ele, a educação tem um papel central na construção do consenso, das formas de pensar e de agir nas culturas ocidentais, ou seja, um instrumento de transformação social que possa conduzir as massas à revolução cultural. Preocupado em romper com os modelos de escolas vigentes em sua época, Gramsci propõe uma escola unitária contendo duas direções: 1 - Eliminar a dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual através de um currículo que privilegiasse tanto as matérias escolares clássicas (língua nacional, matemática, ciências, história, geografia e etc.) quanto os conteúdos ligados à preparação para o mundo do trabalho e; 2 - Trabalhar a dimensão política da sociedade onde todos tivessem o direito real à mesma cultura independente de sua origem social. - -7 3 A pedagogia histórico crítico-social dos conteúdos – Dermeval Saviani Saviani, no livro Escola e Democracia, ao analisar as bases das teorias liberais em educação aponta para a crença ilusória em torno da escola, ou seja, de que esta vai redimir ou salvar a sociedade das desigualdades sociais. Além disso, evidencia os limites das teorias crítico-reprodutivistas ao se restringirem à crítica da escola moderna capitalista sem apresentarem uma alternativa a mesma. Diante de tais limites, propõe uma escola revolucionária na ótica das camadas populares, comprometida com a igualdade real entre os homens na construção de uma nova sociedade. A seguir, evidenciaremos a sua proposta que, mais tarde, foi denominada de Pedagogia Histórico Crítico-Social dos Conteúdos. Pressupostos Teóricos Fundamentada na concepção dialética da história enquanto possibilidade, movimento e transformação, defende a escola como socializadora dos conhecimentos e saberes universais, comprometida com a construção da igualdade real - e não formal como é o caso das pedagogias liberais - entre os homens, ou seja, da construção de uma sociedade igualitária. Portanto, a ação educativa pressupõe que se faça uma articulação entre o ato político e o ato pedagógico. Em outras palavras, compreende-se que a práxis educativa se revela numa prática fundamentada teoricamente e, que, a interação social é o elemento de compreensão e intervenção na prática social mediada pelo conteúdo, ou seja, pelo conhecimento sistematizado historicamente pela humanidade. Assim, a tarefa desta pedagogia em relação à educação escolar implica: I - A identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber objetivo, reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo as suas principais manifestações, bem como as tendências atuais de transformação; II - A conversão do saber objetivo em saber escolar de modo a torná-lo assimilável pelos alunos das camadas populares no espaço e no tempo escolar; III - O provimento dos meios necessários para a prática educativa. Além disso, Saviani propõe a superação da crença da autonomia da escola por saber que esta é condicionada e determinada objetivamente pela estrutura social. Estrutura Teórica-Metodológica Seu método estimula a iniciativa dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor, favorecendo o diálogo dos alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada - -8 historicamente. Para tanto, deve-se levar em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos. Saviani propõe um método organizado em cinco passos. São eles: 1° Passo: Prática social — professores e alunos se encontram em níveis diferentes de compreensão (conhecimento e experiência) da prática social. Enquanto o professor tem uma compreensão precária (síntese precária), a compreensão do aluno é de caráter sincrético. 2° Passo: Problematização — identificação dos principais problemas postos pela prática social e, em consequência, que conhecimento é necessário dominar. 3° Passo: Instrumentalização — apropriação dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas detectados pela prática social, ou seja, trata-se da apropriação por parte das camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se libertarem das condições da exploração em que vivem. 4° Passo: Catarse — elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens. Trata-se da efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social. 5° Passo: Prática social. Como ponto de chegada, supõe uma igualdade entre professores e alunos, ou seja, ambos devem estar na mesma condição, ou seja, de uma visão sintética da realidade. Afirma que o movimento que vai da síncrese (visão caótica do todo) à síntese (uma visão de totalidade de determinações e de relações numerosas) pela mediação da análise (as abstrações e determinações mais simples) constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (método de ensino). Papel da Escola É a socialização do saber elaborado às camadas populares de forma crítica e histórica. Sendo assim, o saber veiculado na escola, deve ser um instrumento de compreensão da realidade social e atuação crítica e democrática para a transformação da realidade. Conteúdos de Ensino São os conteúdos universais incorporados pela humanidade. Tais conteúdos devem ser reavaliados permanentemente e são indispensáveis à compreensão da prática social. Função da Avaliação A avaliação é diagnóstica, permanente e contínua, pois ela é um meio de se obter as informações necessárias sobre o desenvolvimento da prática pedagógica, objetivando a intervenção e reformulação da mesma e dos - -9 processos de aprendizagem. Além disso, cabe ao aluno tomar conhecimento dos seus resultados e organizar-se para as mudanças necessárias. Relação Professor-AlunoRelação interativa em que ambos são vistos como sujeitos ativos, por serem sujeitos concretos (sociais e históricos) e situados em uma determinada classe social. Salienta que o professor é uma autoridade competente cabendo-lhe direcionar o processo pedagógico, interferir e criar as condições necessárias à apropriação do saber sistematizado. Técnicas de Ensino Propõem debates, leituras, aulas expositivas e dialogadas, trabalhos individuais e trabalhos em grupo com a elaboração de sínteses integradoras. Principais Representantes Demerval Saviani, Jamil Cury, Gaudêncio Frigotto, José Carlos Libâneo, Acácia Kuenzer, Lúcia Neves. 4 O legado de Dermeval Saviani Formado em filosofia pela PUC-SP (1966), é doutor em filosofia da educação (PUC-SP, 1971) e livre-docente em história da educação (UNICAMP, 1986), tendo realizado “estágio sênior” na Itália em 1994-1995. De 1967 a 1970, lecionou nos cursos colegial e normal. Desde 1967, é professor no ensino superior. Foi membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, coordenador do Comitê de Educação do CNPq, coordenador de pós-graduação na UFSCAR, PUC-SP e UNICAMP, diretor associado da Faculdade de Educação da UNICAMP, professor titular colaborador da USP (campus de Ribeirão Preto) e sócio fundador da ANPED, CEDES, ANDE, CEDEC e SBHE (Sociedade Brasileira de História da Educação), da qual foi o primeiro presidente. Foi condecorado com a medalha do mérito educacional do Ministério da Educação e recebeu da UNICAMP o prêmio Zeferino Vaz de produção científica. Autor de grande número de trabalhos publicados, atualmente é professor emérito da UNICAMP e coordenador geral do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR). Em 2008 venceu o Prêmio Jabuti na categoria educação, psicologia e psicanálise com o livro História das ideias pedagógicas no Brasil. O que vem na próxima aula Na próxima aula você vai: • Compreender o processo de desenvolvimento do sistema capitalista no século XX. • Analisar criticamente os aspectos, políticos, econômicos, sociais, ideológicos e teóricos na reorganização • • - -10 • Analisar criticamente os aspectos, políticos, econômicos, sociais, ideológicos e teóricos na reorganização do capital. • Entender as mudanças e transformações do capitalismo no século XX. CONCLUSÃO Nesta aula, você: • Viu alguns princípios do marxismo e a proposta de Marx e Engels para o campo da educação. • Conheceu a concepção de intelectual em Gramsci e sua proposta de escola unitária. • Compreendeu as bases teóricas e metodológicas, como também, o papel da escola, o conteúdo e as técnicas de ensino, a relação professor-aluno e a função da avaliação da Pedagogia Histórico Crítico-Social dos Conteúdos de Dermeval Saviani. • Conheceu o legado de Dermeval Saviani. • • • • • •
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